Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 AGRAVANTE: AGRAVADO: BOTAFOGO DE FUTEBOL E REGATAS MINISTÉRIO PÚBLICO RELATOR: Desembargador MARIO ASSIS GONÇALVES Ação civil pública. Obrigação de fazer e não fazer. Poluição visual. Engenhos de publicidade. Ausência de autorização da autoridade competente. Ilegalidade. Sentença. Efeitos da coisa julgada. Astreintes. Fixação. Redução ou majoração. Recalcitrância. Supressão de instância. Ação civil pública promovida pelo Ministério Público em face de clube estabelecido na orla da Baía da Guanabara, visando a retirada de outdoors e de engenhos publicitários instalados ao arrepio da legislação, sem autorização da autoridade municipal e que causam evidente poluição visual. Decisão liminar proferida, e depois confirmada na sentença que manteve a multa diária então arbitrada, de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), consistente na imposição ao réu da obrigação de retirada de outdoors destinado à exibição daquela modalidade de anúncio. Sentença transitada em julgado. Permanece o réu em sua postura de desafio à decisão judicial quanto à retirada dos engenhos de publicidade, muito embora ele tenha retirado o anúncio publicitário. Novamente intimado por instâncias do Órgão Ministerial quanto à retirada dos talentos publicitários, pretende a rediscussão quanto aos efeitos da jurisdição, considerando que a introdução dos engenhos de que se cuida teria se verificado anteriormente à propositura da ação. De inicio, deve-se ressaltar que o limite da sentença válida é o pedido formulado pelo autor da ação em sua exordial (art. 460 do CPC). A decisão proferida, corretamente envolveu inclusive a situação pretérita, uma vez que restou provada a ilegalidade da instalação dos meios publicitários, tendo o entendimento que prevaleceu, inclusive, transitado em julgado. A ação objetivou um fim específico – a retirada do outdoor, e um mais amplo – a proibição ao réu quanto à instalação, por si ou por terceiros, de outdoors publicitários vedados pela autoridade competente, dentre as quais, por óbvio, se insere o Município. O princípio imanente é a proibição da prática de atos (como a instalação de publicidade sem o cumprimento das exigências contidas na legislação municipal e sem licença prévia do órgão competente) que culminem em dano ao meio ambiente urbano como, no caso, em decorrência de poluição visual. Astreintes. Conforme a melhor doutrina a multa diária deve ser imposta de ofício ou a requerimento da parte (art. 287 e 461, do CPC). Seu valor deve ser significativamente alto, justamente porque possui natureza inibitória, não devendo o juiz ficar receoso, pensando no pagamento. O seu objetivo não é o de obrigar o réu ao pagamento da multa, mas compeli-lo a cumprir com a obrigação específica. A multa é, portanto, inibitória e deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação imposta. Também não constitui meio de se obter reparação dos danos decorrentes do inadimplemento, mas, antes, meio de coação que visa convencer o devedor de que deve cumprir a obrigação. Desta forma, não há limite para o valor a ser atingido pelas astreintes, posto que elas contem natureza coativa, e não indenizatória. Tendo em vista a recalcitrância do réu, que meses e meses passados após a sua intimação, sem se considerar os anos decorridos desde o Pág. nº 1 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 trânsito em julgado da sentença e a repetição do ato notificatório, frustra o cumprimento integral da ordem pretextando rediscutir matéria sobre a qual não cabe mais qualquer digressão, leva à manutenção das astreintes fixadas, mesmo porque sobre o valor alcançado ainda não há uma decisão final do Juízo a que está afeita a matéria, vedada, como cediço, a supressão de instância. Recurso a que se nega provimento. A C O R D A M os Desembargadores que compõem a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator. Rio de Janeiro, 03 de novembro de 2010. Pág. nº 2 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 RELATÓRIO Cuida-se de agravo de instrumento (fls. 02/16), deduzido por Botafogo de Futebol e Regatas contra a decisão interlocutória de fl. 1011, proferida pelo Juízo da 16ª Vara Cível da Capital nos autos da execução da sentença interposta às fls. 940/941, decisão esta por sua vez prolatada às fls. 503/509 nos autos da ação civil pública que lhe move (e à Telerj Celular S.A. nome fantasia “Vivo”), o Ministério Público (fls. 19/35), a qual deferiu o pleito do Órgão Ministerial deduzido a fl. 1009 no sentido de determinar à instituição esportiva ora agravante que retire o outdoor a que se refere a ação dentro em 10 (dez) dias, sob pena de execução de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) fixada na sentença. A sentença, repise-se, manteve a decisão inicial que concedeu a liminar postulada (fls. 193/194) para “determinar que os réus, imediatamente, efetuem a remoção do outdoor publicitário que se encontra afixado no parque aquático do Botafogo Futebol e Regatas, na Praia de Botafogo s/n, de frente para a enseada de Botafogo, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 50.000,00, bem como se abstenham de instalar engenhos publicitários de qualquer natureza no local já citado, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 50.000,00...” O inconformismo do réu/agravante se fundamenta no entendimento de que a sentença, transitada em julgado, foi prolatada para exatamente condenar os réus, solidariamente, a retirarem o engenho publicitário que se encontra instalado nos fundos da edificação do parque aquático do clube “Botafogo”, situada na orla da Enseada de Botafogo, com a face voltada para a Baía da Guanabara e Praia de Botafogo, contendo amplo outdoor publicitário da empresa de telefonia celular (“Vivo”), mas que pretenderia o Órgão Ministerial a ampliação do decisum de molde a englobar outros outdoors instalados naquela sede do agravante, contra os quais nada foi postulado no âmbito da ação civil pública de que se cuida. Postula, também, alternativamente, a redução da multa arbitrada. Pág. nº 3 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 O pleito do Ministério Público se referiria a uma área específica da sede do parque aquático do clube Botafogo de Futebol e Regatas no trecho voltado para a orla da Enseada de Botafogo, com a face voltada para a Baía da Guanabara e Praia de Botafogo, numa referência explícita ao engenho publicitário onde se fixava o outdoor da “Vivo” e, bem assim, que o agravante se limitaria a alegar que a razão do seu inconformismo se referiria à pretensão do Órgão Ministerial de envolver, sob o manto do decisum transitado em julgado, outros outdoors que não teriam integrado o pedido e que se localizariam em outras dependências da agremiação. Decisão inicial (fls. 1027/1028), indeferindo o pedido de efeito suspensivo. Pedido de reconsideração (fls. 1031/1036), negado (fl. 1037). Informações (fls. 1039/1040). Contrarrazões do Ministério Público (fls. 1043/1051), prestigiando a decisão hostilizada. Reiteração do pedido de efeito suspensivo (fls. 1058/1064). Parecer do Procurador de Justiça (fls. 1109/1115), opinando pelo não conhecimento do recurso e, no mérito, por seu improvimento. É o relatório. Pág. nº 4 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 VOTO Primeiramente, torna-se relevante destacar que o avançar da instrução recursal trouxe aos autos, como se esperava, mais informações que, somadas à análise mais aprofundada do recurso, ao contrário do que ocorreu na cognição sumária para a aferição do pleito de concessão de efeito suspensivo, afinal indeferido, poderia até levar, em tese, à inadmissibilidade do presente agravo de instrumento. Explica-se: a decisão de que recorre o executado já havia sido precedida de outra, de igual teor e envolvendo o mesmo tema, o que levaria em princípio ao reconhecimento de preclusão. Com efeito, vide o teor da decisão hostilizada (fl. 1011): “Inteira razão assiste ao MP em sua manifestação de fls. 985/986, eis que a pretensão da parte ré quanto à manutenção dos engenhos publicitários afronta a decisão judicial, com trânsito em julgado, proferida neste feito. Desta forma, defiro o requerido às fls. 986, devendo a parte ré providenciar a retirada do outdoor, em 10 dias, sob pena de execução da multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil Reais), conforme fixado na sentença”. Entretanto, uma decisão no mesmo sentido já havia sido proferida em 01/07/2009 (fl. 943), a qual foi publicada em 23/09/2010 (fl. 951), tendo sido cumprido o mandado de intimação (fl. 961), em 23/10/2004 (fl. 962), o que só passou despercebido em razão de não haver o Juízo se referido, no corpo da decisão hostilizada àquela outra decisão proferida no mesmo sentido. In verbis: “Atenda o Cartório o item 1 de fl. 918. Intime-se o réu BOTAFOGO, por OJA, para remover a estrutura metálica que se encontra afixada em seu parque aquático, no prazo de 15 dias, abstendo-se de instalar outros engenhos publicitários de qualquer natureza no local mencionado, sob pena de multa diária de R$50.000,00, conforme sentença de fls. 483/489 mantida neste ponto pela instância superior. Atenda o Cartório o item 3 de fl. 918, expedindo-se ofício ao RGI para averbar na matrícula do imóvel a parte dispositiva da sentença de fls. 483/489. Após, publique-se a presente decisão”. Cumpre ressaltar que o agravante ingressou com a petição de fl. 944, em 14/07/2009, afiançando que teria cumprido com a determinação de Pág. nº 5 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 retirada dos engenhos de publicidade do local, e pedindo então a extinção, baixa e arquivamento. O que viria a reiterar, após ser intimada, conforme fls. 998/1003. O Ministério Público, no entanto, instado a se pronunciar, o fez em fls. 1008/1009, denunciando o que se afiguraria como uma tentativa de burla da sentença, vindo daí a decisão hostilizada (fl. 1011). Assim, portanto, embora de forma sutil, constata-se que a aparente preclusão não se verificou em razão do fato de que a segunda decisão se referiu, na verdade, a uma questão de ordem levantada pelo réu, ora agravante, no sentido de que teria dado cumprimento à ordem, e que o Ministério Público pretenderia, ele sim, jungir à sentença, que nessa parte transitou em julgado, efeitos mais amplos, haja vista que a ação civil pública tinha por objeto, especificamente, aqueles engenhos de publicidade que ele, o réu, teria retirado. Repita-se, uma vez mais, que o agravo de instrumento foi interposto precisamente contra a decisão interlocutória de fl. 1011, ocasião em que o réu reafirmou o seu entendimento de que a sentença foi prolatada exclusivamente para condená-lo, e ao co-réu da ação civil pública em comento, solidariamente, a retirarem o engenho publicitário que se encontra instalado nos fundos da edificação do parque aquático do clube “Botafogo”, situada na orla da Enseada de Botafogo, com a face voltada para a Baía da Guanabara e Praia de Botafogo, contendo amplo outdoor publicitário da empresa de telefonia celular (“Vivo”), mas que pretenderia o Órgão Ministerial a ampliação do decisum de molde a englobar outros outdoors instalados naquela sede do agravante, contra os quais nada foi postulado no âmbito da ação civil pública de que se cuida. Assevera ainda o agravante, que os engenhos publicitários a que se refere a decisão interlocutória hostilizada teriam sido instalados antes mesmo da propositura da ação civil pública, fora, portanto, do âmbito da sentença que foi mantida nessa parte, conforme acórdão acostado às fls. 715/722. Pág. nº 6 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 Tal alegação não encontra arrimo nos fatos perquiridos, haja vista que o pedido foi julgado parcialmente procedente (sentença – fls. 503/509), para tornar definitiva a liminar pleiteada na inicial e para determinar que os réus efetuassem a remoção do outdoor publicitário que se encontra afixado no parque aquático do clube agravante, na Praia de Botafogo s/n, de frente para a enseada de Botafogo, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), bem como que se abstivessem de instalar, por seus meios ou por terceiros, engenhos publicitário de qualquer natureza no local já mencionado. A sentença, como se colhe do mais meridiano exame dos autos, foi prolatada, então, no sentido de uma obrigação de fazer consistente na retirada do outdoor publicitário explicitamente citado na inicial e que levou à inclusão da segunda ré no pólo passivo, e no sentido de uma obrigação de não fazer, ao determinar que o réu se abstivesse de instalar, por si ou por terceiros, engenhos publicitários de qualquer natureza no local já mencionado. E, sabese, o limite da sentença válida é o pedido formulado pelo autor da ação, na exordial (art. 460 do CPC). Ora, o local mencionado é, repita-se, aquele que consta da própria sentença, ou seja, os “... fundos da edificação do parque aquático do Clube Botafogo Futebol e Regatas, na orla da enseada de Botafogo, com a face voltada pela a Baía de Guanabara e Praia de Botafogo,...”. Impõe-se destacar que o agravante confunde o “outdoor”, de fato já retirado, com o reiteradamente citado “engenho publicitário”, destinado a conter aquele painel de publicidade. É o que se infere da delimitação da questão, por ocasião do parecer da ilustre Procuradora de Justiça, Dra. Patrícia Silveira da Rosa (3º § de fl. 1112). Prosseguindo-se, tem-se que a alegação segundo a qual o engenho publicitário teria sido instalado anteriormente à propositura da ação, pelo que a sentença não poderia dispor sobre o mesmo no âmbito da Jurisdição, não pode prevalecer, porque a douta sentença foi mantida por esta Corte, a qual, em realidade, limitou-se a modificá-la apenas e tão somente para Pág. nº 7 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 reconhecer a sucumbência recíproca, sendo certo que aquela sentença apreciou também o embasamento legal da pretensão do Órgão Ministerial, com o devido perdão pela transcrição de alentado trecho, no seguinte sentido (fls. 505/507): Primeiramente, é imperioso decidir sobre a constitucionalidade da Lei nº 1921/92, e da Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, arguidas pelos réus em suas contestações. A Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro, no seu art. 463, parágrafo 5º, inciso II, no capítulo ´AO MEIO AMBIENTE´, seção II, DO CONTROLE DA PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE, que é vedada a afixação de engenhos publicitários de qualquer natureza na orla marítima na faixa de domínio das lagoas. Já a Lei Municipal nº m1921/92, que dispõe sobre a veiculação de propaganda em tabuletas, painéis e letreiros nos logradouros públicos e em local exposto ao público, estabelece em seu art. 1º, que nenhuma exibição de publicidade poderá ser feita sem autorização do órgão municipal competente, enquanto o art. 4º, define o que são tabuletas, painéis e letreiros. Já o artigo 23, da mesma lei, estabelece em seu inciso V, que os engenhos publicitários em tabuletas e painéis não poderão ser instalados na orla marítima, assim entendidas as áreas junto ao litoral, em torno das lagoas e faixas de domínio de estradas municipais, estaduais e federais, situadas junto à orla marítima e às lagoas. Dessa forma, verifica-se que a legislação municipal, veda, expressamente, a colocação de engenhos publicitários na área utilizada pelos réus. A alegação do 2º réu, de que o município não possui competência legislativa para legislar sobre a colocação de engenhos publicitários da orla e em outros locais, não encontra respaldo na Constituição Federal, pois o art. 30 da Carta Magna, estabelece que a competência legislativa municipal é suplementar e restrita a assuntos de interesse local, sendo as normas urbanísticas da cidade do Rio de Janeiro assunto de interesse local. Alega ainda o 2º réu que, nos termos do estabelecido no art. 22, inciso XXIX da Constituição Federal, seria da competência exclusiva da União Federal legislar sobre propaganda comercial. Ocorre que, a Lei Municipal nº 1921/92, em nenhum momento fez alusão ao conteúdo de propagandas comerciais, e, consequentemente, não há como se falar em inconstitucionalidade da lei já mencionada. A Lei Municipal nº 1921/92, pode ser aplicada ao caso dos autos, pouco importando se a área onde está instalada o engenho publicitário é pública ou privada, pois as normas legais de urbanismo são aplicadas igualmente aos imóveis públicos e privados, e o fato de um imóvel, como no caso dos autos, ser de propriedade privada, não confere ao seu proprietário o direito de ignorar as leis e regras urbanísticas essenciais para a convivência em sociedade. Pág. nº 8 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 Além disso, o engenho publicitário objeto da lide é visível a quilômetros de distâncias, em razão de sua localização privilegiada, praticamente dentro do mar, na enseada de Botafogo, e o fato de existirem outros engenhos publicitários instalados na orla, não dá direito aos réus de descumprirem a legislação vigente, e obterem lucro, em flagrante desrespeito às normas urbanísticas. Aduza-se ainda que, a prova constante dos autos demonstrou que, em nenhum momento a Prefeitura do Rio de Janeiro autorizou a instalação do engenho publicitário que deu origem a presente ação pública, e tanto isto é verdade, que foram lavrados 10 (dez) autos de infração que deram origem à lide, devidamente elencados na inicial, sendo certo que, é obrigação do Município do Rio de Janeiro, zelar pelo cumprimento das normas urbanísticas da cidade. A prova documental que acompanha a inicial, acostada às fls. 74/159, que é uma cópia integral do processo administrativo nº 04/450.343/2003, onde a primeira ré solicitou a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, para a instalação de painel veiculando mensagem VIVO, na sede náutica do BOTAFOGO FUTEBOL E REGATAS, demonstra que a aludida autorização foi negada, a primeira ré foi notificada para retirar o engenho no prazo concedido, e não o fez, razão pela qual foram lavrados os autos de infração nº 270.182, de 11/07/2003, nº 278.572, de 22/09/2003, nº 282.171, de 04/11/2003, nº 283.652, de 08/01/2004, nº 309.658, de 19/02/2004, nº 309.705, de 11/03/2004, nº 316.248, de 11/09/2004, nº 325.246, de 21/10/2004, nº 342.117, de 24/02/2005 e nº 341.965, de 12/04/2005, onde foram aplicadas diversas multas à primeira ré que, simplesmente, as ignorou e manteve o engenho publicitário que deu origem à lide e o Inquérito Civil Público, que serviu de base para a propositura da ação, em total desrespeito à legislação vigente. A legislação municipal já mencionada, principalmente o art. 4º, inciso II c/c art. 11, inciso I, letra ´b´, da Lei Municipal nº 1.921/92, proíbe a veiculação de propaganda em tabuletas, painéis e letreiros nos logradouros públicos, na orla marítima ou logradouros públicos junto à orla marítima e às lagoas, em locais expostos ao público, contrariando ainda o art. 34, inciso I, item ´e´ da Lei Municipal nº 748/85 c/c o Decreto nº 7.444/88, uma vez que a publicidade estava voltada para o espelho d'água da enseada de Botafogo, razão pela qual a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, não autorizou a instalação do engenho publicitário objeto da solicitação feita pela primeira ré na área de propriedade do 2º réu. Os réus, descumprindo tudo o que foi determinado pela Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro, mantiveram o engenho publicitário no local já aludido, em total desrespeito à legislação vigente, auferindo vantagens em decorrência da propaganda irregularmente instalada. O segundo réu alega em sua defesa ainda que, não tem responsabilidade pelos danos porventura causados à coletividade, em decorrência da aludida exploração, sob o argumento de que jamais tomou conhecimento das inúmeras autuações administrativas impostas pela Prefeitura em decorrência da publicidade. Pág. nº 9 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 Não é crível que os dirigentes do BOTAFOGO FUTEBOL E REGATAS, zelosos como são pelo patrimônio do clube, não tenham conhecimento da legislação vigente e da ilegalidade perpetrada, pouco importando para o deslinde da causa, se tomaram conhecimento ou não das autuações, até mesmo porque, o art. 3º da Lei de Introdução do Código Civil, estabelece que ninguém pode se escusar de cumprir a lei alegando que não a conhece. Deve ser ressaltado que, de acordo com a cópia do contrato de locação de espaço para publicidade, acostado às fls. 67/70, o segundo réu locou o aludido espaço à primeira ré, pelo valor de R$ 6.000.000,00, conforme se comprova na cláusula 4ª do contrato, sendo que o contrato tem o prazo de 05 (cinco) anos, e teve início em 01/11/2004 e término previsto para 31/10/2009, sendo certo que, de acordo com o estabelecido na mesma cláusula, o segundo réu já deve ter recebido a totalidade do preço pela utilização do espaço publicitário, uma vez que a última parcela do preço, no valor de R$ 500.000,00, teria que ser paga no dia 05/06/2005. O acórdão acima referido (fls. 715/722) contém: Melhor sorte não socorre à apelação do segundo réu. O ter a crença de que não afrontava a lei quando locou o espaço, não o exime de responsabilidade. Permitiu a colocação, e recebeu contrapartida. Está inserido no contexto, como bem sublinhou o ilustre juiz sentenciante. Além do mais, o que repisa sobre suposta inconstitucionalidade da Lei n° 1.921, encerra argumento deficiente, equívoco, vez que inexistente eiva qualquer. É de competência do Município legislar sobre interesse local, e com os demais entes da Federação, em comum, sobre a proteção normativa ao meio ambiente. A lei em tela não versa sobre propaganda comercial, mas quanto ao ordenamento da cidade. Outrossim, ser a área privada em nada fortalece o argumento de defesa do ato que praticou. Não há direito intangível. A propriedade para merecer tutela, deve preencher o pressuposto da função social. É o público sobrepondose ao privado, e os meios interventivos como forma de coibir a utilização antisocial da propriedade. E tem esta adjetivação, permitir o uso do imóvel em desrespeito à lei voltada para a ordem da cidade, controle e a preservação do meio ambiente. No que diz com a alegada segurança jurídica, também argumento do recurso, o digno Procurador de Justiça, Dr. Elio G. Fischberg, em seu parecer às fls. 675/676, foi proficiente ao afirmar que o referido princípio não resolve no melhor sentido a prestação jurisdicional. Sustenta o douto Procurador: (...) O segundo réu não adquiriu qualquer direito contra a Administração Pública, para com isso poder permitir, sob remuneração, que o outdoor de que se trata fosse assim engendrado, nem agiu nisso de boa-fé, pois sequer se dirigiu previamente ao Município, para verificar se isso seria legalmente possível, menos ainda para obter a imprescindível autorização, com o que sequer pode alegar legítima expectativa de poder locar espaço, como fez. Correto o entendimento, como também, a constatação que finaliza, explorando a prova dos autos: (...) o próprio contrato de locação do espaço para publicidade, Pág. nº 10 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 firmado por ambos os réus, a fls. 67/70, verifica-se o contrário do que alega o segundo apelante, pois ali se diz, expressamente, que correrá por conta da locatária, o pagamento de quaisquer multas por infração à legislação municipal vigente (cf. fls. 68, cláusula 5.2), em clara demonstração de que ambas as partes sempre admitiram haver legislação municipal vigente, incidente e restritiva do objeto contratado. Por fim, o que pertine à questão da multa arbitrada, com fulcro no art. 11 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. A astreinte traduz-se em uma condenação pecuniária, condicional, imposta em relação aos dias de atraso no cumprimento da prestação de fazer ou não fazer imposta à parte em determinado processo judicial. Sua finalidade é obter do obrigado a satisfação da prestação positiva ou negativa determinada pelo juiz. Podem ser fixadas ex officio, ou seja, independentemente de pedido do autor da ação civil pública, conferindo, ainda mais no caso específico dessa ação, conforme o mencionado art. 11, sendo certo, também, que o mesmo diploma legal ainda possibilita a imposição de multa liminar ao réu daquela ação (§ 2º do art. 12 da Lei nº 7.347/85). E, muito embora ela seja devida desde o descumprimento da obrigação imposta, sua execução fica na dependência do trânsito em julgado da sentença de procedência do pedido cominatório formulado na petição inicial. Destaque-se ainda que, com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em decorrência de sua natureza eminentemente provisória, as astreintes não se sujeitam, quanto ao valor e a periodicidade, aos efeitos da coisa julgada, sobretudo nos casos em que a obrigação acessória assumir vulto desproporcional e incompatível com a obrigação principal. É bem verdade, repita-se, que a multa deve ser fixada em valor relevante. Com efeito, colhe-se das lições compiladas por Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery que, no que diz respeito à multa diária imposta pelo Juízo, "deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em Pág. nº 11 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é o de obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo juiz" (in Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante – Editora Revista dos Tribunais – 9ª edição – 2006 – Pág. 588). A multa diária possui natureza insofismavelmente coercitiva, de modo a constranger ao cumprimento de uma determinada obrigação. Nesse sentido, leciona Alexandre Freitas Câmara: "Ocorre que a vontade primária do direito objetivo, nas obrigações de fazer e de não fazer, é que o cumprimento da obrigação se dê por ato do próprio obrigado. Por esta razão, prevê o sistema, como meios de coerção, ou seja, meios de pressão psicológica, que incidem sobre o executado, como forma de obter o cumprimento (por ato seu) da obrigação.” (in Lições de Direito Processual Civil, vol. II, pág. 240). Nada obsta, quanto aos efeitos da coisa julgada, que o juiz venha posteriormente a rever o valor da multa fixada, de forma a adequá-lo à situação concreta, consoante admite o § 6º do art. 461 do CPC. Nesse sentido, veja-se a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart: "O arts. 461, § 6º, do CPC, ao permitir que o juiz reduza ou aumente o valor da multa fixada na sentença transitada em julgado, deseja evidenciar que a parte da sentença que fixa o valor da multa não fica imunizada pela coisa julgada material. A intenção desta norma é permitir que o juiz altere o valor ou a periodicidade da multa, segundo as necessidades de cada caso concreto, independentemente da alteração da situação fática sobre a qual recaiu a sentença e a multa que nela foi fixada. (...) Observe-se, porém, que a multa não é fixada para castigar o réu ou para dar algo ao autor. O seu escopo é o de dar efetividade às decisões do juiz. Por isto, verificando o juiz que a periodicidade ou o valor da multa não mais estão de acordo com a idéia que presidiu a sua própria fixação na sentença, poderá ela ser agravada ou atenuada, conforme as exigências do caso concreto. A técnica instituída no art. 461, § 6º, do CPC, guarda relação com a natureza da astreinte, figura que tem conformação Pág. nº 12 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 nitidamente provisória, vale dizer, suscetível de ser alterada para que seja assegurada a efetividade da decisão judicial." (In Curso de processo civil – Vol. 3 – Execução - São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 83/84). O objetivo das astreintes é, portanto, obrigar a parte a cumprir a obrigação fixada na decisão judicial, não devendo ser cancelada, ou diminuída, conforme requereu o réu no caso em comento, haja vista que se trata de garantia do cumprimento da obrigação por ele inadimplida até agora. Ademais, a fixação de multa diária por descumprimento de decisão judicial é expediente autorizado por lei, conforme se infere da leitura do art. 461, §§ 3º e 4º, do CPC, podendo ser fixada, como já visto, mesmo de ofício. Constata-se que os valores fixados a título de multa não foram suficientes para o fim colimado inexistindo, via de consequência, excesso no valor arbitrado. Além do mais, o valor total a que chegue a multa, e ainda que se leve em conta a apontada recalcitrância do réu em cumprir a decisão judicial, sempre poderá ser reduzido. Mas poderia também, até mesmo ser aumentado. O que não poderá ocorrer, entretanto, é a parte devedora ser punida de forma desmesurada, eventualmente atingindo o quantum um patamar bastante superior ao valor da própria obrigação, que embora não esteja limitada a este teto, deve servir como parâmetro, sob pena de ferir a lógica do razoável. Sobre o cabimento das astreintes e sua finalidade, sem restrição que não seja o resultado delas esperado, trago o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: PROCESSO CIVIL - OBRIGAÇÃO DE FAZER - ASTREINTES - FIXAÇÃO DE TERMO FINAL. IMPOSSIBILIDADE. - É lícito ao juiz modificar o valor e a periodicidade da astreinte (CPC, Art. 461, § 6º). Não é possível, entretanto fixar-lhe termo final, porque a incidência da penalidade só termina com o cumprimento da obrigação. (REsp 890900 / SP – Recurso Especial 2006/0088695-0 – Terceira Turma – Rel.: Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS – Julgamento: 17/03/2008 – Data da Publicação/Fonte: DJe 13/05/2008). Grifei. Tal decisão induz o entendimento de que teria havido pedido do réu no escopo da concessão de prazo maior para cumprir com a retirada dos Pág. nº 13 Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Terceira Câmara Cível Agravo de Instrumento nº 0023083-94.2010.8.19.0000 engenhos publicitários, o que inclusive não se afinaria com a pretensão de recorrer e levaria, na verdade, à desistência tácita do recurso, o que só se deixa de aplicar em virtude da constatação intuitiva e não concretamente processual. Por tais motivos, voto no sentido de conhecer do recurso, mas negar-lhe, mantendo íntegra a decisão hostilizada. Rio de Janeiro, 03 de novembro de 2010. Pág. nº 14 Certificado por DES. MARIO ASSIS GONCALVES A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br. Data: 24/11/2010 09:45:15Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 0023083-94.2010.8.19.0000 - Tot. Pag.: 14