Medicamentos com Qualidade no Serviço Público Medicamentos com Qualidade no Serviço Público Por: Antonio Celso da Costa Brandão Coordenador de Sistemas da Qualidade [email protected] Pesados investimentos devem colocar o Farmanguinhos entre os melhores do mundo Farmanguinhos, Instituto de Tecnologia em Fármacos da Fiocruz, oriundo do antigo Serviço de Medicamentos do Departamento Nacional de Endemias Rurais, foi ampliado e integrado à Fiocruz em 1976 para crescer. É o único laboratório produtor de medicamentos ligado diretamente ao Ministério da Saúde e tem mostrado força nas pesquisas e desenvolvimento tecnológico de produtos distribuídos gratuitamente à população pelo SUS. De suas linhas de produção saem, anualmente, 1,1 bilhão de comprimidos, cápsulas e frascos de pomadas, medicamentos para doenças como a AIDS, tuberculose, malária, hanseníase, hipertensão. O Instituto, inserido na política de controle de preços de medicamentos do governo federal, sobretudo com a produção de genéricos contra a AIDS, já mostrou tamanha competência que grandes laboratórios, depois de verificarem sua capacidade, baixaram o preço de medicamentos contra a Aids de US$ 2,99 para US$ 0,69. Farmanguinhos, no ano passado, foi alvo de um grande projeto do Governo: o Ministério da Saúde comprou o antigo site da Glaxo, em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, com o intuito de fomentar a produção de medicamentos do sistema público e atender as crescentes demandas. Antes, toda a produção da Fiocruz era processada no campus de Manguinhos, na avenida Brasil, cidade do Rio de Janeiro, complexo tombado pelo patrimônio histórico. A capacidade instalada daquele campus chegou ao seu máximo com a produção de 1,1bilhão de unidades. No campus de Manguinhos da Avenida Brasil ainda ficam a administração, a Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp), o Ipec — Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas, INCQS — Instituto Nacional de Controle e Qualidade em Saúde, o Biomanguinhos — Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos , o Cecal — Centro de Criação de Animais de Laboratório, o CICT — Centro de Informação Científica e Tecnológica, o CPqAM — Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães, o CPqGM — Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz, o CPqLMD — Centro de Pesquisa Leônidas e Maria Deane, o CPqRR — Centro de Pesquisa Renné Rachou, a ENSP — Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, e a EPSJV — Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio. “O parque industrial estava se tornando obsoleto, mesmo com as novas políticas de investimentos. Os últimos upgrades aconteceram de 1997 a 2003 e tiraram a produção de 300 milhões de unidades para os atuais 1,1 bilhão que, somados à parte terceirizada, totalizam 1,7 bilhão de unidades. Ainda assim, não atendíamos as demandas”. Viu-se a necessidade de fomentar a produção com tecnologia de ponta e tornar o Instituto referência para a Vigilância Sanitária e outros laboratórios públicos e privados, com registro na OMS e no FDA. Farmanguinhos já era benchmark para os laboratórios das forças armadas e do governo, mas o projeto de transformá-lo em potência foi elaborado em 2003, quando adotaram a postura da Anvisa – Agência de Vigilância Sanitária para se adaptar a resoluções como a RDC210 que rege as Boas Práticas de fabricação , com tecnologia de ponta e qualidade. “Abraçamos essa idéia com a Anvisa para nos tornarmos referência até para os laboratórios privados, tendo em vista que buscamos atender também as normas internacionais de qualidade através da OMS”. Sorte ou não, surgiu a oportunidade de comprar a fábrica da Glaxo depois da fusão com a SmithKline, que estava com um site novinho também em Jacarepaguá. O Ministério oficializou a compra de portas fechadas por seis milhões de dólares, o que poderia ser considerado uma verdadeira pechincha já que só a avaliação do terreno alcançaria esse valor, pelos cálculos do mercado, na época. Então, Farmanguinhos começou a migrar suas linhas de produção para o site de Jacarepaguá. O primeiro passo foi ir ao mercado internacional buscar tecnologias de ponta, igualando-se aos melhores laboratórios e um bom exemplo do arrojo da equipe é a máquina de compressão para comprimidos, da alemã Fette, única na América Latina, instalada há dois meses. Essa linha de compressão e a de blister, toda instalada e automatizada, já produz duas vezes mais que a do antigo campus, sem transferir as outras máquinas. Novas máquinas devem chegar e estão sendo instaladas outros equipamentos, como o de revestimento, de várias tecnologias de empresas alemãs, italianas e inglesas. Mas as compras passam sempre pela avaliação da equipe, pois o fornecimento de qualquer equipamento ou nova tecnologia está condicionado a um período relativamente longo de treinamento para que seja passado todo o know how (automação, manutenção, elétrica) e ainda dar suporte por mais um ano. A estratégia é dominar todas as novas tecnologias até para atuar como agente multiplicador no país. “Hoje estamos no meio desse processo de migração com várias licitações ainda em andamento. É um processo que vai durar mais dois anos. Nossa idéia é entrar 2007 com uma capacidade instalada de 10,3 bilhões de unidades, com a planta 100% automatizada e integrada, do chão de fábrica ao corporativo” O Farmanguinhos ainda possui linhas manuais mas está com 60% da planta automatizada. “Os equipamentos novos já vêm com automação embarcada mas a nova planta de Jacarepaguá não é a linha do Instituto. O processo dos antigos donos era verticalizado enquanto o da Fiocruz é horizontalizado, o que faz com que a equipe tenha que adaptar a nova fábrica para seus processos e equipamentos. Vale lembrar que o Instituto está doando todos os equipamentos obsoletos em boas condições que podem processar com perfeição mas não estão dentro dos novos padrões e volumes. Ou seja, é uma fase de adaptação. Noventa por cento da antiga fábrica era manual e o que está acontecendo é um salto enorme. O Instituto está comprando o que há de mais novo, num processo quase modular de levar a fábrica a estar cem por cento on line e automatizada: as novas aquisições têm muitas possibilidades que vão ser postas em ação aos poucos porque o chão-de-fábrica ainda não está preparado. “Cada equipamento adquirido já inclui necessariamente a possibilidade de trabalhar no seu máximo potencial previsto pelo projeto. Tecnologia da Informação e Tecnologia da Automação estão trabalhando juntas porque se fôssemos esperar aprontar tudo para dar o start, não conseguiríamos atender as demandas de hoje. Temos demandas preciosas a atender e não podemos parar. Estamos trabalhando em várias frentes”. O Farmanguinhos, ao mesmo tempo em que quer um software de mercado, possui muitos módulos desenvolvidos pelo pessoal interno que devem ser aproveitados. “Essa tem sido uma fase lenta porque o supervisório que idealizamos precisa englobar nossos desenvolvimentos, conversar com o software corporativo e ter interface com os diversos equipamentos da planta, que trabalham com mais de um protocolo de comunicação” Usamos um software de modelagem e seqüenciamento de função de toda a organização, incluindo o controle da produção. Não podemos queimar etapas porque queremos fortalecer a arquitetura do nosso ERP. Vamos comprar uma parte e desenvolver outra, de tal forma que o sistema suporte o volume de dados com segurança e não se torne obsoleto rapidamente. Essa mistura, de comprar no mercado e aproveitar o que temos de bom internamente, foi a forma mais rápida de alcançarmos nosso objetivo: a melhor fábrica de medicamentos do Brasil. Mas não pára por aí: o projeto inclui um MES para ligar tudo, um sistema que acompanha a lógica do projeto. Como a empresa estabeleceu metas altas a serem alcançadas em um curto espaço de tempo, a equipe fez um mix entre desenvolvimento interno e software de mercado para ter tudo linkado, via web, usando produtos Microsoft para desenvolvimento de software, gerenciamento de rede Cisco System 6500, com três camadas de firewal, usando wireless, dupla redundância e Servidores Blade IBM. A idéia é de que a integração aconteça desde a entrada de matéria-prima, ou seja, de que as análises sejam realizadas on line, com a matéria-prima sendo checada por infra-vermelho e o laudo analítico encaminhado para o sistema que emitirá um input para o planejamento da produção e essa informação deve ser enviada ao Scheduling — que vai dizer quanto, quando e quais fármacos serão produzidos, em quais linhas. Quem elabora o Scheduling do Instituto é o Ministério da Saúde. Para gerar esse fluxo, a empresa tem que ser vista como um processo preciso e flexível. As linhas de produção de Farmanguinhos são divididas embora sejam flexíveis: grupos de produtos similares podem ser fabricados numa mesma linha. Medicamentos para hipertensão e diabete, por exemplo, ocupam duas linhas de alta produtividade, respondendo por quase 80% da produção da fábrica. Os fármacos estão agrupados por altura, cartucho, bolsa de blister... o que muda é a receita — com bateladas controladas segundo a Anvisa. Farmanguinhos está se preparando para ser referência nacional mas também para exportar medicamentos para países mais carentes. Um bom exemplo são os medicamentos segregados como os DST/Aids, que não podem ser misturados com outros produtos, e que consomem apenas 10% da capacidade instalada. “Estamos ociosos aí. A OMS já esteve fazendo uma pré-avaliação e, como estamos certificados pela Anvisa, vamos buscar a certificações todas que nos coloquem como players no mercado internacional”. Para se tornar referência, as normas S-88 e S95 estão incluídas no modelamento. “Essas normas já são exigidas em outras partes do mundo e são necessárias para competirmos internacionalmente”. A equipe está comprando o que há de melhor e mais moderno, complementos topo de linha para entrar no mercado internacional com segurança e competitividade. Um bom exemplo foi a modelagem do sistema de granulação, com a compra de três equipamentos modelo 2006, que reduz o processo convencional de três equipamentos em uma única operação. Um caso a parte nesse raciocínio competitivo é a linha de produção de medicamentos para doenças negligenciadas, como Chagas e leishmania. Como não são remédios lucrativos pela baixa escala, resta ao Governo a missão de continuar fornecendo para os poucos casos brasileiros e para socorrer algum país vizinho. Mas a regra é a excelência: o Farmanguinhos está aumentando sua linha com novos medicamentos e deve entrar 2007 com capacidade de 10 bilhões de unidades. O Instituto é responsável pela linha de Amoxicilina — por enquanto, o único antibiótico produzido, o que deixa a linha com quase 90% de capacidade ociosa, abrindo possibilidades diversas, a depender das negociações do Governo. Além das linhas comuns — analgésicos, hipertensivos, diabetes e outras — o Instituto inicia uma linha para xaropes, uma para gotas, outra de estatinas, uma linha para hormônios e outra para aerossóis, ainda por aprovar. No antigo site, por exemplo, existiam sete linhas de embalagens. Em Jacarepaguá, apenas cinco, fabricando cinco vezes mais. Houve aumento de produtividade, com produção limpa, automatizada, segura, monitorada, com rastreamento e controle de qualidade. O medicamento já sai embalado, lacrado, marcado no lote com segurança. Com a garantia de que é um genérico que não é farinha, tem equivalência biofarmacêutica. Farmanguinhos é o único player farmacêutico que mantém a parte de produção junto com a pesquisa — desenvolvendo as receitas, não o princípio ativo. Essa proximidade torna a comunicação rápida entre os técnicos farmacêuticos e os operadores. E os pesquisadores influenciam até no design da linha porque são eles que dão a rota para as formulações. Os laboratórios começaram esse processo de modernização e atualização bem antes da fábrica, tendo hoje equipamentos de ponta procurados até por universidades e grandes empresas, caso do CIVA — Centro de Instrumentação e Validação Analítica. Formado por um conjunto de laboratórios integrados, tem como principais atividades a pesquisa, o desenvolvimento e a validação de metodologias englobando elucidação molecular e especificação de matérias primas. O prazo de modernização da produção é curto, mas a equipe não abre mão do rigor. As poucas apresentações de fornecedores se devem ao fato das licitações serem muito detalhadas e já incluírem normas ainda pouco conhecidas. Para o MES, apenas três empresas se apresentaram: Active — um fornecedor potencial porque nasceu na indústria farmacêutica —, a Rockwell — que tem histórico no setor — e a Running. “O conhecimento do setor é fundamental”. Enquanto se moderniza, o Farmanguinhos não deixa de trabalhar: já pulou, neste ano e meio de novo site em obras, de 1,1 bilhão para 4,5 bilhões de unidades de fármacos. E, a julgar pelo ritmo, as metas devem ser atendidas com facilidade. “Esperamos estar ajudando a quebrar este estigma de que o que é público não funciona”.