19.4 – DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO - COAÇÃO Enquanto o dolo se manifesta pela má-fé presente no “engodo”, a coação se manifesta pela má-fé presente na violência. Concretiza-se na manifestação de vontade viciada pelo uso da violência psicológica. “Coação é toda ameaça ou pressão exercida sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um negócio.” CC, Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação. 19.4.1 – Tipos de COAÇÃO Há dois tipos de coação: - Coação absoluta ou física (vis absoluta) - Coação relativa ou moral (vis compulsiva) A coação absoluta ou física, em verdade, não consiste em um defeito do negócio jurídico, mas em motivo de completa aniquilação da manifestação de vontade, a qual atingirá o plano da existência do negócio jurídico, não apenas o plano da validade (como a coação relativa e os demais defeitos do negócio). Assim, o negócio jurídico realizado por coação absoluta será INEXISTENTE, e não inválido. A coação invalidante, portanto, é a COAÇÃO RELATIVA, aquela na qual existe manifestação de vontade ainda que viciada. Esta será a aqui tratada. Assim: COAÇÃO FÍSICA – INEXISTÊNCIA DO NJ COAÇÃO MORAL – ANULAÇÃO DO NJ 19.4.2– Método de análise – CASO CONCRETO CC, Art. 152. No apreciar a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam influir na gravidade dela” Diferentemente do ERRO, a coação não é analisada com base na figura do homem médio, mas sim em cada caso concreto específico. 19.4.3 - Coação Principal X Coação Acidental Da mesma forma como ocorre com o dolo, também há a distinção da coação principal e da coação acidental. Tal distinção não provém da lei, mas da doutrina. Coação Principal – Aquela que atinge a essência do negócio – Gera a anulação do Negócio Jurídico. Coação Acidental – Aquela que não atinge a causa determinante do negócio, mas apenas as condições do acordo, a coação sem a qual o negócio se realizaria de forma menos desfavorável à vítima – Não gera a anulação do Negócio Jurídico, gera apenas a obrigação à indenização por perdas e danos. 19.4.2 - Requisitos da COAÇÃO CC, Art. 151 - Para que a ameaça seja considerada como coação necessário se faz que seja A CAUSA DO ATO, que seja GRAVE, que seja INJUSTA, de DANO ATUAL OU IMINENTE, que acarrete JUSTO RECEIO DE DANO e que seja ameaça de dano à PRÓPRIA PESSOA, SUA FAMÍLIA OU SEUS BENS. - causa do ato – relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido. - grave – de intensidade suficiente a gerar real temor de dano à sua pessoa, à sua família e aos seus bens. Para aferir essa gravidade usa-se, como dito anteriormente, a análise do caso concreto, não o patamar do homem médio (padrão abstrato). - injusta – Ameaça de realização de ato ilícito (contrário ao ordenamento jurídico), ou abusivo. “…é injusta a conduta de quem se vale dos meios legais para obter vantagem indevida. Por exemplo: a do credor que ameaça proceder à execução da hipoteca contra sua devedora caso esta não concorde em desposá-lo; a do indivíduo que, surpreendendo alguém ao praticar algum crime, ameaça denunciá-lo caso não realize com ele determinado negócio” *Ameaça de exercício regular de direito não é coação! - de dano atual ou iminente – Dano próximo e provável, aquele de consumação próxima – análise no caso concreto. Não constitui coação a ameaça de dano impossível, remoto ou eventual. - que acarrete justo receio de dano – O Código de 1916 previa a exigência de uma proporcionalidade entre o sacrifício exigido e o mal evitado. Hoje não mais se faz essa exigência, aceitando-se apenas o justo receio de dano grave. - que seja ameaça de dano à própria pessoa, sua família ou seus bens – Sempre lembrar que família hoje é considerada como “entidade familiar”. CC, art. 151, parágrafo único - Incluem-se os parentes por afinidade, laços de amizade, noivos, namorados e qualquer pessoa cuja ameaça tenha sido suficiente para gerar sensibilização ou intimidação da vítima – análise do caso concreto. * Coação X Ameaça do exercício normal de um direito CC, Art. 153. Não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverencial. CC, Art. 153*, 1ª parte - A ameaça do exercício normal de um direito não constitui coação, pois não é ameaça injusta. A famosa expressão “então eu vou procurar os meus direitos” não constitui qualquer coação, assim como a ameaça de negativação do real devedor nos órgãos de proteção ao crédito. * Coação X Temor reverencial CC, Art. 153*, 2ª parte - A coação não se confunde com o temor reverencial, o qual é o respeito à autoridade constituída, seja ela profissional, eclesiástica, familiar ou de outra ordem. Ex: Patrão, superior, sogro, pai, padre, pastor. A submissão a negócio jurídico não desejado ensejada apenas pela posição de “sujeição psicológica” ou profissional não gera a anulação do Negócio Jurídico, a não ser que acompanhada de ameaça grave (coação). 19.4.3 - Coação de Terceiro Comparando o artigo 154 (Coação de terceiro) com o artigo 148 (Dolo de terceiro) do CC: Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. Assim como o dolo, a coação também pode ocorrer por terceiros, sendo praticamente o mesmo raciocínio, mas com uma pequena diferença = a SOLIDARIEDADE. “A diferença fundamental entre a coação de terceiro e o dolo de terceiro reside no seguinte aspecto: havendo cumplicidade (sabia ou tinha como saber) entre o beneficiário e o coator o negócio é anulado e os envolvidos respondem solidariamente pela indenização devida. Essa solidariedade não existe no dolo, no qual cada um responde apenas proporcionalmente à sua carga de culpabilidade.” Pablo Stolze Gagliano. 19.4.4 - COAÇÃO - Julgados Coação X Exercício regular de direito 2004.002.19293 - AGRAVO DE INSTRUMENTO – TJRJ. DES. WALTER D AGOSTINO - Julgamento: 03/05/2005 - DECIMA QUARTA CAMARA CIVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. CONCESSÃO DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. PEDIDO DE REVOGAÇÃO. Recurso contra decisão que reconsiderou a decisão concedendo a tutela antecipada, para que a empresa Ré restabeleça o serviço de energia elétrica e, ainda, se abstenha de novas interrupções em razão da mesma dívida, até o deslinde do feito. A coação para viciar a declaração de vontade há de ser tal que incute ao paciente fundado temor à sua pessoa, família ou bens (art. 151 do Código Civil) e não se considera coação a ameaça do exercício regular e normal de um direito (art. 153 do mesmo diploma legal). Para a concessão da tutela antecipatória o julgador deve estar seguro da verossimilhança da alegação no momento do iter processual. Se no momento em que se firma um acordo se reconhece a inadimplência e estabelece-se cláusula de pena pelo não pagamento, coação não há, pois apenas se trata de ensejar o exercício legal de um direito. Recurso provido. 2004.001.34437 - APELACÃO CIVEL – TJRJ. DES. MURILO ANDRADE DE CARVALHO - Julgamento: 26/04/2005 - TERCEIRA CAMARA CIVEL. CIVIL E CONSUMIDOR. ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. CONFISSÃO DE DÍVIDA. VÍCIO DE VONTADE. NATUREZA JURÍDICA. JUROS. CAPITALIZAÇÃO. DESNEGATIVAÇÃO. Tese inadmissível de ocorrência de coação na renegociação da dívida. Ameaça de negativação que se insere no exercício regular do direito. Administradora de cartão de crédito reconhecida, pela jurisprudência, como 'integrante do sistema financeiro nacional', por isso inerte à limitação dos juros remuneratórios prescritos pela lei de usura. STJ, Sum. 283. Proibida de formar estoque de capital e que se obriga a tomar mútuo no mercado financeiro para o financiamento dos débitos dos filiados. Repasse válido para a outra ponta dos encargos do mútuo, sob pena de desequilíbrio em seu desfavor, em inegável possibilidade de enriquecimento sem causa jurídica do devedor, situação que o mundo jurídico repudia, nisso se compreendendo a transferência da capitalização autorizada, a essas entidades, com periodicidade inferior a um ano, consoante art. 5º, caput, parágrafo único, da MP 2.170-36/2001, cuja validade é contestada na ADInMC 2.316-DF, com tramitação suspensa em razão de pedido de vista, após o voto do relator que concedeu a liminar. Sentença que caminhou nesse sentido, incensurável, improvimento ao recurso que pretendia revertê-la. Unânime. Coação X Temor Reverencial EMENTA: ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR, COM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E FINANCIAMENTO. NEGÓCIO ENTABULADO ENTRE PATRÃO E EMPREGADO COM LIBERAÇÃO DE FINANCIAMENTO POR INSTITUIÇÃO FINANCEIRA, MEDIANTE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA E AVAL DO PRIMEIRO. Não demonstrando a prova dos autos conluio entre a instituição financeira e o vendedor, suposto beneficiário, e nem a coação deste sobre o adquirente/financiado, seu empregado, a tanto não se qualificando o simples temor reverencial da relação de emprego, improcede o pleito de nulidade. Negaram provimento. (Apelação Cível Nº 70000678987, Segunda Câmara Especial Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 29/05/2001). Coação e Prazo de Invalidação Escritura de compra e venda. Coação. Empréstimo em dinheiro garantido por imóveis. Pacto comissório. Precedentes da Corte. 1. Não identificado no acórdão o momento em que cessou a coação, reputada contínua diante da realidade dos autos, não há como identificar prescrição. 2. Antigo precedente da Corte assentou que existente pacto comissório, “disfarçado por simulação, não se pode deixar de proclamar a nulidade, não pelo vício da simulação, mas em virtude de aquela avença não ser tolerada pelo direito” (REsp nº 21.681/SP, Terceira Turma, Relator o Ministro Eduardo Ribeiro, DJ de 3/8/92). 3. Recurso especial não conhecido. (REsp 784.273/GO, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12.12.2006, DJ 26.02.2007 p. 586) 19.5 – DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO - ESTADO DE PERIGO CC, Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias. Assim, ocorre o estado de perigo quando alguém assume obrigação excessivamente onerosa, obviamente se prejudicando, pressionado por situação de extrema necessidade de salvar a si mesmo ou a pessoa de sua família* de grave dano, sendo este conhecido da outra parte do negócio. O sentido de “família” nesse caso é bem amplo, considerandose toda e qualquer entidade familiar e também pessoas alheias ao parentesco, como amigos e namorados, situação esta que será analisada pelo juiz em cada caso concreto, buscando-se o grau de afinidade/intimidade entre o agente e a pessoa necessitada para que se pese o cabimento ou não da anulação do negócio jurídico com base no estado de perigo. 19.5.1 – Elementos do ESTADO DE PERIGO A situação do estado de perigo é comparável à situação do estado de necessidade, compondo-se de dois elementos: Elemento objetivo do estado de perigo – assunção de “obrigação excessivamente onerosa” Elemento subjetivo do estado de perigo – necessidade de salvar a si mesmo ou a pessoa de sua família de grave dano conhecido da outra parte do negócio jurídico. 19.5.2 – Estado de Perigo X Coação e Lesão O estado de perigo não se confunde com a coação nem com a lesão!! A situação do estado exclusivamente na “necessidade sua família”. Tal necessidade conhecimento, mas não causou de perigo de salvar-se existe e a a situação! se embasa pura e ou de salvar pessoa de outra parte tem dela No estado de perigo a outra parte não causou a situação, mas dela tirou benefício. Já nas situações de coação moral e de lesão, a outra parte gerou, causou a situação. Exemplo típico de Negócio Jurídico realizado sob estado de perigo – familiar que aceita dar cheque caução, ou assina contrato completamente desproporcional em hospital para que ocorra o atendimento de emergência. Resolução normativa nº 44 de 2003 da ANS (Agência Nacional de Saúde) – Havendo exigência de caução como condição de internação hospitalar, é cabível representação no MPF. O estado de perigo é causa de anulação do Negócio Jurídico, como diz o art. 178, II do Código Civil, mas tal anulação é muito questionada pela doutrina. Parte analisa que se o beneficiado não causou a situação de estado de perigo, não pode ser prejudicado por esta, outra parte já analisa que o Negócio Jurídico feito nesse momento causaria um empobrecimento desproporcional, em completo desequilíbrio do serviço prestado. Assim, buscando a melhor solução, a maior parte da doutrina entende que, se possível, o melhor a ser feito não é a anulação do Negócio Jurídico, mas a redução do pagamento ao valor do serviço prestado. Se a obrigação assumida não for excessivamente onerosa, não se falará em anulação do Negócio Jurídico, se for, deverá ser reduzida pelo juiz até que alcance um equilíbrio com a contra-parte, evitando assim o enriquecimento sem causa e o Negócio Jurídico desequilibrado, mas respeitando o princípio da conservação. 19.5.3 - ESTADO DE PERIGO - Julgados Cheque-Caução e Hospitais CHEQUE. Emissão em caução, para assegurar internação hospitalar de parente em grave estado de saúde. Ação anulatória, cumulada com pedido de indenização por danos morais. Improcedência decretada em primeiro grau. Decisão reformada em parte. Não é válida obrigação assumida em estado de perigo. Aplicação dos princípios que regem situação de coação. Inexigibilidade reconhecida. 2 – Dano moral resultante da apresentação e devolução do cheque. Não configuração. Ausência de reflexos extrapatrimoniais, pois o título não foi protestado, nem foi intentada ação de cobrança. 3 – Recurso da autora provido em parte” (Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo. Apelação n.º 833.355-7, da Comarca de São Paulo, relator Campos Mello, 12ª Câmara, julgamento em 19/03/2004). CHEQUE. CAUÇÃO. CAUSA DEBENDI. POSSIBILIDADE - Cheque entregue para garantir futuras despesas hospitalares deixa de ser ordem de pagamento à vista para se transformar em título de crédito substancialmente igual a nota promissória. - É possível assim, a investigação da causa debendi de tal cheque se o título não circulou. - Não é razoável em cheque dado como caução para tratamento hospitalar ignorar sua causa, pois acarretaria desequilíbrio entre as partes. O paciente em casos de necessidade, quedar-se-ia à mercê do hospital e compelido a emitir cheque, no valor arbitrado pelo credor. (REsp 796.739/MT, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 27.03.2007, DJ 07.05.2007 p. 318) RESOLUÇÃO NORMATIVA - RN N.º 44, DE 24 DE JULHO DE 2003 – ANS (Agência Nacional de Saúde) “Dispõe sobre a proibição da exigência de caução por parte dos Prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde. A Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Saúde Suplementar - ANS, no uso das atribuições que lhe confere o inciso VII do art. 4º da Lei n.º 9.961, de 28 de janeiro de 2000, considerando as contribuições da Consulta Pública nº 11, de 12 de junho de 2003, em reunião realizada em 23 de julho de 2003, adotou a seguinte Resolução Normativa e eu, DiretorPresidente, determino a sua publicação. Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço. ...” 19.6 – DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO - LESÃO CC, Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito. Assim, ocorre a lesão quando um dos agentes se beneficia com lucro exorbitante, exagerado, desproporcional, aproveitando-se da inexperiência ou de situação de necessidade por que passa o outro agente. A lesão ECONÔMICO. está sempre vinculada ao ABUSO DO PODER Exemplo típico de lesão – “Truck Sistem” – CLT, art. 462, §2º a 4º. A desproporção há de ser manifesta – No sistema do Código anterior analisava-se a desproporção de acordo com a Lei da Economia Popular, a qual determinava que o desequilíbrio deveria ser superior a um quinto do valor recebido em troca. Hoje não mais se usa tal parâmetro, pois o CDC, em seus arts. 6, V; 39, V e 51, IV, já regulamentou a nulidade das cláusulas abusivas. Dizem os artigos do Código de Defesa do Consumidor: CDC, Art. 6.º São direitos básicos do consumidor: ... V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; ... CC, Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: ... V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; ... CC, Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: ... IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; ... A avaliação da desproporção entre as prestações deve ser feita de acordo com os valores vigentes no momento da celebração do negócio jurídico (CC, art. 157, § 1º). 19.6.1 - Lesão – CC X CDC CC, art. 171, II: CDC, art. 51, IV: CC, Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: ... II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. CDC, Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: ... IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; A lesão gerará a anulabilidade ou a nulidade absoluta do Negócio Jurídico??? Depende do tipo de Negócio Jurídico. Aquele Negócio Jurídico que envolve relação de consumo, regulada pelo CDC, onde houve lesão, será NULO DE PLENO DIREITO, pois trata-se de um sistema de ordem pública (direitos do consumidor). Quanto à Lesão: CC = CDC - desnecessidade aproveitamento da prova do dolo de CC X CDC - lesão no CC é causa de anulação do Negócio Jurídico - lesão no CDC é causa de nulidade absoluta do Negócio Jurídico 19.6.2 – Elementos da LESÃO A lesão possui dois elementos: Elemento objetivo – a manifesta desproporção entre as prestações que gera o lucro exagerado. Elemento subjetivo – o dolo de aproveitamento da parte beneficiada e o abuso da inexperiência ou da situação de necessidade da parte prejudicada. Assim, como o elemento objetivo é apenas o lucro exagerado, a desproporção das prestações, o Negócio Jurídico será anulável (CC) / nulo (CDC) pois há vício da vontade da parte lesada / obrigação abusiva. Em ambos regulamentos não importa se a parte beneficiada sabia ou não da situação de necessidade ou da inexperiência da parte lesada, o que seria o dolo de aproveitamento, mas exige-se o 2º elemento subjetivo que é a situação de necessidade ou de inexperiência. 19.6.3 – Tipos de LESÃO A lesão pode ser: Lesão usurária ou real – Lei determina expressamente a necessidade da situação de necessidade ou inexperiência da parte lesada + dolo de aproveitamento (má-fé) da parte beneficiada. Lesão enorme ou especial – Lei determina expressamente a necessidade de prestações desproporcionais, não importando a má-fé (o dolo de aproveitamento) da parte beneficiada. 19.6.4 - Lesão X Dolo e Coação A lesão é diferente do dolo e da coação pois não gera a situação de necessidade ou inexperiência, mas se beneficia dela (dolo de aproveitamento). 19.6.5 - Lesão X Estado de Perigo A lesão se difere do estado de perigo pela necessidade do desequilíbrio das prestações (vincula-se ao abuso do poder econômico) e pela falta de necessidade do conhecimento da outra parte quanto à situação de necessidade ou à inexperiência. Diz Carlos Roberto Gonçalves: Não se confunde a lesão também com o estado de perigo, pois exige desequilíbrio de prestações, enquanto este último pode conduzir a negócios unilaterais em que a prestação assumida seja unicamente da vítima (promessa de recompensa, doação, etc.). A lesão ocorre quando não há estado de perigo, decorrente da necessidade de salvar-se. A “premente necessidade” mencionada no art. 157 pode ser a de obter recursos. No estado de perigo alguém se obriga a uma prestação de dar ou fazer, por uma contraprestação sempre de fazer. Por essa razão, não é admitida a suplementação da contraprestação para validar o negócio. O §2º do mencionado art. 157, ao disciplinar a lesão, admite a referida suplementação. Tal fato demonstra que ela só ocorre em contratos comutativos (não nos aleatórios, pois nestes as prestações envolvem risco e, por sua própria natureza, não precisam ser equilibradas) em que a contraprestação é um dar, e não um fazer. Além disso, não se exige, para a caracterização da lesão, que a outra parte saiba da necessidade ou da inexperiência do lesado, enquanto no estado de perigo tal ciência é considerada requisito essencial para a sua configuração. Assim como os demais defeitos do Negócio Jurídico, a lesão gera a anulabilidade do mesmo, mas, conforme o §2º do art. 157, não se anulará o Negócio Jurídico se a parte beneficiada oferecer suplemento suficiente ou concordar com a diminuição do proveito. Portanto, a parte lesada terá duas opções: anular o Negócio Jurídico ou revisá-lo. Se a opção tomada for a anulação e a parte beneficiada propor prestação que equilibre o negócio, pode a parte lesada ser obrigada a aceitar apenas a revisão – Princípio da conservação. 19.6.5 - LESÃO - Julgados A Lesão e o Compromisso de Compra e Venda. TJ/SP: COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Negócio efetuado por preço exorbitante - Configurada lesão aos compradores, integrantes de classe pobre ou fabril – Desproporcionalidade ao intuito de lucro - Desequilíbrio entre as partes - Imposição, ainda, de cláusula abusiva de reajustamento Necessária a redução do valor do preço de extirpação da cláusula abusiva para devolver o equilíbrio aos contratantes - Recurso parcialmente provido. Faltando prova da adequação razoável do preço imposto, o contrato passa a ser lesivo e ofende a ordem social, autorizando o Estado-juiz, competente segundo o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, a intervir na relação contratual para adequá-la a sua concepção social. (Apelação Cível n. 115.014-4 - São Paulo - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Ênio Zuliani - 30.01.01 - V.U.) A Lesão no CDC. TJ/MG: Número do processo: 1.0000.00.306710-5/000(1) Relator: CARREIRA MACHADO Data do acordão: 07/08/2003 Data da publicação: 19/09/2003. Ementa: As normas traçadas pela Lei n. 8.078/90 são declaradamente de ordem pública e, assim, não podem ser alteradas ou restringidas pela convenção das partes. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estejam em desacordo com o sistema de proteção do consumidor. O esquema de forte e ostensiva tutela do consumidor tem, sem dúvida, aplicação a todos os contratos firmados após a vigência da Lei n.º 8.078/90, segundo o princípio consagrado de que as obrigações e contratos sujeitam-se à lei do tempo de sua formação. O impacto principal do Código de Defesa do Consumidor sobre a força obrigatória do contrato operou-se pela adoção expressa da possibilidade de revisão das cláusulas contratuais que "estabeleçam prestações desproporcionais"" (teoria da lesão), assim como das que, em razão de fatos supervenientes, se tornarem ""excessivamente onerosas"" (teoria da imprevisão). As instituições bancárias são regidas pela disciplina do Código de Defesa do Consumidor, sendo possível a revisão dos contratos sob sua ótica. 19.7 – DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO - FRAUDE CONTRA CREDORES CC, Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. § 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar insuficiente. § 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. A fraude contra credores é um defeito do negócio jurídico considerado como vício social. É a prática de um negócio jurídico que reduz o patrimônio de um devedor insolvente prejudicando assim os seus credores desde antes existentes. É considerado vício social por que sua real intenção é a de prejudicar terceiros (credores). *A fraude contra credores só pode ser praticada por devedor INSOLVENTE (passivo maior que ativo), pois se o devedor praticou o ato, mas continua tendo ativo suficiente para quitar suas dívidas, não ocorrerá o prejuízo dos credores – “Eventus Damni” – elemento objetivo da fraude contra credores. Difere-se da simulação por ser ato claro. A simulação é ato mascarado, a fraude contra credores não. A vítima da fraude contra credores sempre será qualificada – sempre será um credor pré-existente. CC, art. 159 - O artigo 159 determina como presumida a má-fé do adquirente (terceiro) quando a insolvência do alienante for notória, ou quando aquele tinha motivos para ter conhecimento da mesma (Exs.: preço irrisório, permanência do alienante na posse do bem, parentesco próximo…). 19.7.1 – Personagens e elementos da FRAUDE CONTRA CREDORES Personagens: Credor preexistente Devedor insolvente ou levado à insolvência pelo NJ Parte beneficiária Possível terceiro São os elementos da fraude contra credores: Elemento objetivo – “Eventus Damni” – prejuízo do credor pré-existente. Elemento subjetivo – “Consilium Fraudis” = conluio fraudulento existente entre o devedor insolvente e o terceiro, má-fé. A análise da má-fé tem critérios diferentes de acordo com a corrente doutrinária. Para a doutrina moderna (MHD), alguns negócios fraudulentos são tão graves e notórios que a má-fé não precisaria ser provada. Exs.: casos em que o devedor insolvente está doando gratuitamente os seus bens. 19.7.2 – Interesses dos credores X Interesses do terceiro de boa-fé Conflitando interesses dos credores e interesses de terceiro de boa-fé (adquirente de um bem do patrimônio do insolvente, por exemplo), prevalecerão os do terceiro de boa-fé. Boa-fé – se ignorava a insolvência do vendedor ou não tinha como desta saber. O Negócio Jurídico entre alienante e terceiro de boa-fé não será anulado – “Consilium fraudis” – elemento subjetivo da fraude contra credores. 19.7.3 – CC, Artigo 158 X Artigo 159 Comparando os presentes artigos, constata-se: Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. Assim, nos negócios de transmissão gratuita (doação) e nos de remissão de dívida, não há nenhuma necessidade de prova de má-fé. Esta já é presumida. * A doação de um devedor insolvente é considerada muito mais grave que a alienação, pois esta pode ter o sentido de arrecadar fundos para pagar a dívida. Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. Nos negócios de transmissão onerosa, a má-fé terá de ser provada, salvo nos casos em a situação de insolvência for notória ou houver motivo para que a outra parte tenha conhecimento. Apenas nesses casos a má-fé em negócios onerosos será presumida. Ex: Várias execuções em andamento, protestos / negócio jurídico com parente próximo. 19.7.4 – Formas de FRAUDE CONTRA CREDORES Como já vimos, a fraude contra credores pode ocorrer nos casos dos artigos 158 e 159, mas também pode ocorrer pela antecipação de pagamento (art. 162) e pela outorga de garantia (art. 163). Portanto, a fraude contra credores pode ocorrer por: o negócios de transmissão gratuita de bens – art. 158. Ex.: doação; o negócios de remissão de dívidas – art. 158. Ex.: Perdão de dívida; o contratos onerosos do devedor insolvente, quando - art. 159: · a insolvência for notória; · houver motivo para ser conhecida do outro contratante; o antecipação de pagamento feita a um dos credores quirografários (credor sem garantia), em detrimento dos demais – art. 162; o outorga de garantia de dívida dada a um dos credores, em detrimento dos demais – art. 163. 19.7.5 – Fraude contra credores X Fraude à execução A fraude contra credores não se confunde com a fraude à execução, tema este tratado pelo Código de Processo Civil. Na fraude à execução já existe ação contra o devedor. Ação esta de execução ou de conhecimento capaz de levar o devedor à insolvência. Por isso a fraude à execução é bem mais grave que a fraude contra credores, sendo inclusive considerada crime pelo art. 179 do Código Penal. 19.7.6 – Ação Pauliana É pela ação pauliana, e só por ela (ação específica) que o credor poderá reclamar a fraude contra credores, não podendo, por exemplo, reclamar por embargos de terceiro. É a ação judicial de defesa do crédito. É ação pessoal com prazo de decadencial de 4 anos. Pode ser proposta pelo credor pré-existente, seja ele quirografário ou possuidor de alguma garantia, caso esta se torne insuficiente (CC, art. 158). Será proposta em face do devedor insolvente que realizou o ato fraudulento, em litisconsórcio com a pessoa que com aquele realizou o negócio e, se for o caso, em litisconsórcio também com o terceiro de má-fé (apenas o de má-fé). Há divergência doutrinária quanto à natureza jurídica da sentença da ação pauliana. Diz o art. 165 do CC: CC, Art. 165. Anulados os negócios fraudulentos, a vantagem resultante reverterá em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores. Parágrafo único. Se esses negócios tinham por único objeto atribuir direitos preferenciais, mediante hipoteca, penhor ou anticrese, sua invalidade importará somente na anulação da preferência ajustada. De acordo com o art. 165, o CC escolhe a doutrina de Clóvis Beviláqua, a qual considera a sentença da ação pauliana uma sentença anulatória, pela qual o credor conseguirá a anulação, a invalidação do negócio jurídico feito com fraude contra credores, retornando a situação a seu status quo. Há corrente doutrinária divergente e extremamente moderna, que não considera a sentença da ação pauliana uma sentença anulatória, mas sim declaratória da ineficácia relativa do negócio jurídico realizado com fraude. De acordo com essa corrente o negócio não será anulado, será considerado ineficaz, pois apenas não surtirá efeitos e essa ineficácia será relativa porque não surtirá efeitos apenas perante aquele credor. STJ, em 2006 julgou o REsp nº 506312/MS nesse sentido. 20 - SIMULAÇÃO A simulação não é considerada pelo CC como um defeito do negócio jurídico. Não faz parte do Capítulo IV do Título I do Livro III, o qual trata especificamente dos defeitos do negócio jurídico, dividindo os seis defeitos anteriormente estudados em seis seções. Está presente no art. 167, o qual faz parte do Capítulo V, que trata da invalidade do negócio jurídico. Cuidado! Vários doutrinadores e provas de concurso continuam chamando a simulação de defeito do negócio jurídico, mesmo após essa alteração do Código Civil de 2002. A simulação é tratada pela doutrina como um vício social, pois fere os interesses da sociedade – Intenção de enganar a sociedade, terceiros ou o Estado. Segundo Pablo Stolze, na simulação celebra-se um negócio jurídico que tem aparência normal, mas que em verdade não pretende atingir o efeito que juridicamente deveria produzir. Para Clóvis Beviláqua, é uma declaração mentirosa de vontade, que se difere do dolo porque neste uma das partes do negócio é a “vítima”, já na simulação as partes estão em conluio para enganar a sociedade, um terceiro ou o Estado. CC, Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pósdatados. § 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. A simulação, diferentemente de todos os defeitos do negócio jurídico, gera a nulidade absoluta do negócio e não apenas a nulidade relativa (novidade do CC de 2002!), podendo, portanto, ser pronunciada de oficio pelo juiz e nunca podendo ser suprida por ele, nem mesmo a requerimento das partes (Art. 168). 20.1 – Tipos de SIMULAÇÃO Existem dois tipos de simulação. A simulação absoluta e a simulação relativa. - Simulação absoluta – Simulação de um negócio jurídico aparentemente normal, mas que na verdade será ineficaz, não produzirá efeitos. Ex.: Simulação de um contrato de transferência de bens para terceiro com o intuito de prejudicar o cônjuge. Na realidade a transferência não ocorrerá. - Simulação relativa – Simulação de um negócio jurídico aparentemente normal, mas que na verdade visa disfarçar outro negócio jurídico de fins ilícitos. Ex.: Cônjuge casado, no intuito de fazer doação à concubina, forja negócio jurídico de compra e venda (a compra e venda será a “máscara” da doação); Cônjuge casado, no intuito de fazer doação à concubina, realiza doação à um amigo para que este doe à concubina. Como já dito anteriormente, a simulação gera a nulidade absoluta do negócio jurídico, mas no caso da simulação relativa, sendo possível o negócio dissimulado (se válido na substância e na forma), poderá ser aproveitado, respeitando-se assim o princípio da conservação – Art. 167, caput, 2ª parte. Ex.: Aquele cônjuge casado que forjou a compra e venda para doar o bem à concubina já está separado de fato há mais de 1 ano – Se separado de fato há mais de um ano, já pode constituir União Estável, o negócio portanto é válido na substância e na forma – Poderá ser aproveitado. 20.2 – Lide simulada A lide simulada é exemplo típico de simulação e ocorre, por exemplo, quando patrão e empregado, em conluio, entram com demanda na Justiça do Trabalho com o objetivo de realizar acordo judicial. Se uma das partes desistir do negócio simulado, pode alegar a simulação contra a outra parte, sendo que ambas agiram de má-fé? Não seria alegar a própria torpeza?? O Código Civil de 1916, em seu art. 104 proibia que uma das partes alegasse a simulação contra o outro simulador, pois seria alegar a própria torpeza, mas tal artigo foi revogado pelo Código Civil de 2002. Hoje, como a simulação gera a NULIDADE ABSOLUTA, podendo inclusive ser alegada de ofício pelo juiz, e sendo tema de interesse público, pode ser alegada por qualquer pessoa, até mesmo por um dos simuladores. Assim confirma o Enunciado nº 294 da IV Jornada de Direito Civil. 21 – RESERVA MENTAL CC, Art. 110. A manifestação de vontade subsiste ainda que o seu autor haja feito a reserva mental de não querer o que manifestou, salvo se dela o destinatário tinha conhecimento. A reserva mental ocorre quando a parte do negócio jurídico pronuncia uma manifestação de vontade contrária a sua íntima intenção, que é, na verdade, a de não cumprir a finalidade essencial do negócio. Para a doutrina, enquanto a reserva mental é apenas psicológica, enquanto não foi conhecida das demais partes e interessados, não gera nenhum efeito jurídico. O problema ocorre a partir do momento em que é exteriorizada, o que prejudicará o negócio. A partir do momento em que a reserva mental é exteriorizada e chega ao conhecimento das demais partes o negócio jurídico poderá ser invalidado ou considerado inexistente, de acordo com a corrente doutrinária escolhida. Para a primeira corrente, defendida por Caio Mário e Carlos Roberto Gonçalves, o negócio jurídico se tornará inválido pela presença de “dolo” ou de “simulação”. Haverá a presença de dolo quando a outra parte se sente enganada, vítima do dolo, o que gerará a nulidade relativa do negócio jurídico (defeito do negócio jurídico). Haverá a presença da simulação quando a parte “enganada” descobre a reserva mental e se mancomuna com a parte que possuía a reserva mental com o objetivo de enganar terceiros, o que gerará a nulidade absoluta do negócio jurídico (simulação). Para a segunda corrente, defendida pelo Ministro Moreira Alves e adotada pelo art. 110 do Código Civil de 2002, a partir do momento em que o destinatário tem conhecimento da reserva mental, o negócio será considerado inexistente. Diz o art. 110 que a manifestação de vontade SUBSISTE havendo reserva mental, salvo se o destinatário dela tinha conhecimento. Portanto, se o destinatário tem conhecimento da reserva mental, não subsistirá mais a MANIFESTAÇÃO DE VONTADE, requisito do plano da existência do negócio jurídico. 22 – INEXISTÊNCIA X INVALIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO Importantíssima é a clareza da diferença entre negócio jurídico inexistente e negócio jurídico inválido, e dentro deste último, negócio jurídico inválido por nulidade absoluta e negócio jurídico inválido por nulidade relativa. Retomando os elementos de existência e validade já explicados na página 62: 1º Plano EXISTÊNCIA Manifestação da Vontade Agente Objeto Forma 2º Plano VALIDADE *DN M.V. Livre e de BoaFé A. Capaz e Legitimado O. Lícito, Possível e Determinado ou Determinável F. Livre ou Prescrita em Lei Os negócios jurídicos inexistentes são aqueles realizados sem algum de seus elementos de existência, ou seja, negócio jurídico realizado sem Manifestação de Vontade (por coação absoluta, por exemplo), sem Agente, sem Objeto ou sem Forma. Para chegar-se ao plano da validade, necessária se faz a anterior passagem pelo plano da existência e que todos os elementos deste sejam existentes. Ou seja, para que se analise se o negócio jurídico é válido ou inválido, necessário é que ele EXISTA! Negócio jurídico válido ou inválido é negócio jurídico existente. Sendo negócio jurídico existente (estando presentes todos os elementos de existência), analisar-se-á se o negócio jurídico é válido pela análise dos elementos de validade, que são os elementos de existência qualificados: Manifestação de Vontade Livre e de Boa Fé; Agente Capaz e Legitimado; Objeto Lícito, Possível e Determinável ou Determinado, e Forma Livre ou Prescrita em Lei. A falta desses elementos de validade (elementos de existência qualificados) tornará o negócio jurídico inválido e essa invalidade se dará por nulidade absoluta ou nulidade relativa. Interprete como uma escada de degraus largos. Se não ultrapassado o degrau anterior, não se chegará ao degrau posterior, e, portanto, este nem será analisado. O primeiro degrau é o degrau do plano da existência, onde se analisará a presença dos elementos do plano da existência: Manifestação de Vontade, Agente, Objeto e Forma. Existindo os 4 elementos, é permitido subir o degrau. O próximo degrau é o do plano da validade. Neste se analisará a existência dos elementos de validade do negócio jurídico: Manifestação de Vontade Livre e de Boa Fé; Agente Capaz e Legitimado; Objeto Lícito, Possível e Determinável ou Determinado, e Forma Livre ou Prescrita em Lei. Existindo os 4 elementos do plano da validade, é permitido subir o degrau, chegando ao degrau do plano da eficácia, onde será feita a análise dos elementos desse plano: Condição, Termo e Modo de Encargo, os quais determinarão a capacidade de produzir efeitos de um negócio jurídico existente e válido. Apenas no degrau da validade (já havendo transposto o degrau da existência e, portanto, sendo NJ existente) é que será feita a análise da nulidade absoluta (Art. 166 e 167) e da nulidade relativa (Art. 171). NULIDADE ABSOLUTA NULIDADE RELATIVA A nulidade absoluta do negócio jurídico encontra suas hipóteses nos artigos 166 e 167 e a nulidade relativa no artigo 171, todos do Código Civil: CC, Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção. CC, Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. §1.º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transferir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pósdatados. §2.º Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado. CC, Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: I – por incapacidade relativa do agente; II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. Assim, quando o CC diz “É nulo” está se referindo a negócio jurídico nulo de pleno direito, nulidade absoluta, e quando diz “É anulável” está se referindo a negócio jurídico anulável, nulidade relativa. 23 – NULIDADE ABSOLUTA X NULIDADE RELATIVA Conforme ensinamentos do doutrinador Pablo Stolze: NULIDADE ABSOLUTA 1. Atinge interesse público superior 2. Opera-se de pleno Direito 3. Não admite confirmação 4. Pode ser argüida pelas partes, terceiro interessado, Ministério Público, quando lhe couber intervir, ou pronunciada de ofício pelo Juiz; 5. A ação declaratória de nulidade é decidida por sentença de natureza declaratória com efeitos “ex tunc” NULIDADE RELATIVA (ANULABILIDADE) 1. Atinge interesses particulares, legalmente tutelados; 2. Não se opera de pleno Direito; 3. Admite confirmação expressa ou tácita; 4. Somente pode ser argüida pelos legítimos interessados 5. A ação anulatória é decidida por sentença de natureza desconstitutiva com efeitos “ex tunc” 6. Não se submete a prazo 6. Somente pode ser argüida, pela prescricional ou decadencial. via judicial, em prazos decadenciais Segundo o novo Código Civil, pode de 4 (regra geral) ou 2 (regra ser reconhecida a qualquer tempo. supletivas) anos, salvo norma específica em sentido contrário. C - 3º PLANO DO NEGÓCIO JURÍDICO - EFICÁCIA Como já dito anteriormente, o plano da eficácia é o último a ser analisado, sendo ali que analisar-se-á se o negócio jurídico existente e válido produzirá efeitos. Portanto, os elementos essenciais de existência e validade já estão todos presentes no negócio jurídico. Os elementos do plano de eficácia não são essenciais como os elementos de existência e validade. São apenas acidentais, cuja presença é facultativa às partes, mas, uma vez convencionados, passam a fazer parte inseparável do negócio jurídico. Seus elementos constituem convenções acessórias, autolimitações da vontade aceitas apenas para atos de caráter patrimonial (com exceções, como, por exemplo, a renúncia e a aceitação de herança), e nunca aceitas para atos de caráter estritamente pessoais, como atos de direito de família e de direitos personalíssimos (casamento, emancipação). São os elementos de eficácia do Negócio Jurídico: - A Condição - O Termo - O Modo / Encargo C.1 - CONDIÇÃO CC, Art. 121. Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto. A condição se vinculará a evento FUTURO E INCERTO. C.1.1 - Requisitos da CONDIÇÃO A condição há de ser: - Voluntária (Autonomia Privada) - Futura - Incerta A condição voluntária é aquela criada pela vontade das partes, fruto da autonomia privada. A condição não voluntária é chamada de condição imprópria ou legal (conditio iuris) e consiste em uma exigência da lei. Teoricamente não é uma condição por não ser voluntária. É uma condição imprópria. É o caso, por exemplo, do pacto antenupcial – No dia da realização do pacto, esse NJ é existente e válido, mas não produz efeitos. Está “dormindo” até que o casamento se realize. A condição há de ser futura. Não há como subordinar o NJ a fato passado. Se o fato ocorrer, o negócio se desenvolverá plenamente. Será existente, válido e produtor de efeitos. A condição há de ser incerta. Se houver certeza não será condição, mas sim termo. A incerteza pode ser Incertus an Incertus quando ou Incertus an Certus quando . - Incertus an Incertus quando – Não se sabe se o evento ocorrerá e nem quando ocorrerá. Ex.: Te darei uma BMW se, um dia na vida, ganhar na megasena. - Incertus an Certus quando – Não se sabe se o evento ocorrerá, mas se ocorrer será em um prazo determinado. Ex.: Te darei uma BMW se ganhar na mega-sena dessa semana. *Exemplo típico de concurso é a CHUVA. “Te darei uma BMW quando chover em Goiânia” – Isso não é condição. É TERMO! É um evento certo – Um dia choverá em Goiânia. Há o “certus an”, não se sabe apenas quando “Incertus quando”. O que seria diferente em locais onde nunca chove. Seria condição se o exemplo fosse “Te darei uma BMW se chover em Goiânia amanhã”, por que aí sim haverá incerteza. C.1.2 - Classificações da condição C.1.2.1 – Classificação quanto aos efeitos da condição: Condição suspensiva (INÍCIO) – Quando ocorre dá início aos efeitos do negócio. Suspende tanto o exercício quanto a aquisição do direito. Não gera direito adquirido, mas apenas expectativa de direito. Condição resolutiva (FIM) – Quando ocorre finaliza os efeitos do negócio. A aquisição do direito ocorreu com a formação do NJ e este produzirá efeitos enquanto a condição não acontecer. Venda a contento é condição suspensiva ou resolutiva? A condição é gostar. C.1.2.2 – Classificação de acordo com a licitude: Condição lícita (válida) – De acordo com o ordenamento jurídico = lei + moral + bons costumes + ordem pública Condição ilícita (nula) – Contrária ao ordenamento jurídico. A condição ilícita pode ser perplexa ou contraditória – priva o negócio de todo e qualquer efeito (Ex.: Te dou a BMW se você me devolver imediatamente); ou puramente potestativa – sujeita a produção de efeitos do negócio ao simples arbítrio de uma das partes. Ex.: Te darei a BMW se eu quiser. C.1.2.3 – Classificação segundo a possibilidade: Condição possível – Há de ter possibilidade física e jurídica. Ex.: Te dou a BMW se você correr 2 Km. Condição impossível – Aquela que não pode ser cumprida, seja no aspecto físico, seja no aspecto jurídico. Se for suspensiva tornará o NJ nulo. Ex.: Te dou a BMW se você colocar toda a água do rio em um copo. Se for resolutiva, o NJ será válido e a condição será considerada inexistente. Ex.: Fique com a BMW até que eu coloque toda a água do rio em um copo. C.1.2.4 – Classificação segundo a natureza: Condição causal – independe da vontade geralmente vincula-se a eventos da natureza. das partes, Condição potestativa – Vincula-se a idéia de poder. Pode ser meramente (ou simplesmente) potestativa, a qual depende da vontade das duas partes - será válida (Ex.: Te dou a BMW se você vier de roupa branca amanhã); ou puramente potestativa, a qual depende apenas da vontade de uma das partes, de seu único arbítrio - será nula (Ex.: Amanhã te darei a BMW se eu quiser). Condição mista – É a soma de uma condição causal e uma potestativa e será válida dependendo do tipo de condição potestativa. Pode ser condição causal + meramente potestativa (Válida – Ex.: Se chover amanhã e você vier de roupa branca, te darei a BMW) ou causal + puramente potestativa (Inválida – Ex.: Se chover amanhã e se eu quiser, te darei a BMW). Condições Defesas ou Proibidas: São condições defesas aquelas que privam o NJ de qualquer efeito jurídico (contraditórias) e as que o sujeitam a vontade de uma só das partes (puramente potestativas). Podem ser: Condição contraditória ou perplexa: Priva o NJ de qualquer efeito. Chama-se contraditória pois cria contradição entre a declaração de vontade (NJ produz efeitos) e a situação de fato (a condição retira do NJ a possibilidade de produzir efeitos.) Condição puramente potestativa: CC, Art. 122. Submete a produção de efeitos do NJ a vontade de uma só das partes. Ex.: Te doarei a BMW se eu quiser (cláusula si volam). Condições que tornam o NJ inválido: Condições física ou juridicamente impossíveis, se suspensivas: A condição não ocorrerá. O NJ terá seus efeitos suspensos até que a condição ocorra, mas esta não ocorrerá, tornando o NJ inválido. Se a condição impossível for resolutiva, a CONDIÇÃO será tida como inexistente (CC, art. 124), da mesma forma a condição de não fazer coisa impossível. Condições ilícitas ou de fazer coisa ilícita. Condições contraditórias, perplexas ou incompreensíveis: Condição que priva o NJ de qualquer efeito jurídico torna o NJ inválido. C.2 – TERMO O termo é a cláusula do negócio jurídico que impõem a realização de evento FUTURO E CERTO para que os efeitos do negócio possam ocorrer. Exemplo típico são as datas futuras. C.2.1 - Classificações do TERMO C.2.1.1 – Classificação segundo os efeitos: Termo suspensivo ou inicial ou dies a quo - Aquele que quando ocorrer dará início aos efeitos do NJ – Suspende apenas o exercício, não suspende a aquisição do direito, o que difere da condição suspensiva. Assim, o termo suspensivo gera direito adquirido, não apenas expectativa de direito. Termo resolutivo ou final ou dies ad quem - Aquele que quando ocorrer, colocará fim aos efeitos do NJ. Exemplo: Faço contrato de locação de veículo em 16.11.2011 para o período de 20.12.2011 (termo inicial) a 04.01.2012 (termo final). Em 16.11.11 o NJ se formou, será existente, válido e não produzirá efeitos (os quais só ocorrerão no período entre o termo inicial e o termo final), mas desde sua formação já me dá direito adquirido. CONDIÇÃO X TERMO CC, Art. 125. Subordinando-se a eficácia do negócio jurídico à condição suspensiva, enquanto esta se não verificar, não se terá adquirido o direito, a que ele visa. CC, Art. 131. O termo inicial suspende o exercício, mas não a aquisição do direito. C.2.1.2 – Classificação segundo a certeza: Termo certo – É o termo “certus an certus quando” – Há a certeza que o termo ocorrerá e quando ocorrerá. Ex.: Data futura. Termo incerto – É o termo “certus an incertus quando” - Há a certeza que o termo ocorrerá, mas não se sabe quando. Ex.: Morte. C.3 – MODO / ENCARGO O modo de encargo é a realização de uma liberalidade subordinada a um ônus. Exemplo: Passo meu terreno para a prefeitura para que construa uma escola, contanto que a construa em 2 anos. Se não construída em 2 anos haverá um ônus. Se o encargo não for cumprido, pode-se pedir a revogação da liberalidade judicialmente. Não há caráter suspensivo ou resolutivo, pois a idéia, a intenção principal é que a produção de efeitos ocorra desde a formação do negócio e que tal produção seja eterna, sem fim. CC, Art. 136. O encargo não suspende a aquisição nem o exercício do direito, salvo quando expressamente imposto no negócio jurídico, pelo disponente, como condição suspensiva.