QUADRINHOS, VIDEO GAMES E APLICATIVOS: UMA ESTRATÉGIA
TRANSMÍDIA NO GAME INJUSTICE GODS AMONG US1
Felipe Mussarelli2
Resumo: Com base nos estudos do movimento Transmídia e no conceito de Gênero do
Discurso idealizado pelo Círculo de Bakhtin, foi analisada a produção do vídeo game
Injustice Gods Among Us (2013), produzido pelo estúdio Netherhealms, publicado pela
Warner Brother Games e dirigido por Ed Boon. A análise buscou identificar elementos do
movimento Transmídia na produção do vídeo game principal e seus jogos complementares.
Como resultado pode-se compreender que nem todos os pilares do lançamento do game
podem ser considerados como partes de uma narrativa transmídia/estratégia transmídia.
Conclui-se, portanto que apenas uma parcela da estratégia de lançamento do game Injustice
pode ser considerada como uma estratégia transmídia, estando as outras etapas do lançamento
mais ligadas a aumentar a vida útil do game nos consoles do que contribuir para ampliar
significativamente um universo em potencial.
Palavras-chave: Transmídia. Bakhtin. Gêneros do discurso. Vídeo games.
Abstract: Based on the studies of Transmedia movement and the concept of Gender
Discourse conceived by Bakhtin Circle, we analyzed the production of the video game
Injustice Gods Among Us (2013), produced by the studio Netherhealms, published by
Warner Brother Games and directed by Ed Boon. The analysis sought to identify elements of
Transmedia production movement in the main video game and its complementary games. As
a result, one can understand that all or Pillars launch the game may be considered as parts of
a narrative transmedia / transmedia strategy. We conclude therefore that only a portion of the
launch of the game Injustice strategy can be considered as a transmedia strategy with the
other stages of launching more linked to increase the life of the game on consoles than
contribute to significantly expand a universe in potential.
Keywords: Transmedia. Bakhtin. Speech genres. Video games.
Aspectos introdutórios
Com o avanço das tecnologias e sua maior abrangência advento de, entre outros
fatores, a diminuição de impostos e sua fabricação em ambientes propícios, torna-se cada vez
mais comum o cruzamento entre mídias para promover a venda e acrescer a experiência
Trabalho apresentado no Seminário Temático “Serialidade e Narrativa Transmídia”, durante a I Jornada
Internacional GEMInIS, realizada entre os dias 13 e 15 de maio de 2014, na Universidade Federal de São
Carlos.
2
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade da Universidade Federal de
São Carlos (UFSCar). Mestre em Ciência, Tecnologia e Sociedade (UFSCar). Trabalha com questões ligadas ao
estudo de linguagens, CTS e Histórias em Quadrinhos. E-mail: [email protected]
1
imersiva em diversos tipos de narrativas. Este fenômeno da era da convergência midiática
possibilita, de acordo com Massarolo, que “uma história seja desdobrada em diversas mídias,
criando a arquitetura de um universo narrativo que se expande em diferentes direções,
mantendo as características originais e utilizando os dispositivos de geolocalização para
estimular a migração de públicos” (2011, p. 157).
Umas das mídias que tem feito uso de outras plataformas para aperfeiçoar e
implementar novas funções são os vídeo games, que além do aperfeiçoamento buscam
também aumentar a vida útil de seus jogos e consoles. Lançado a pouco mais de quarenta
anos, mais precisamente no ano de 1972, o primeiro vídeo game, batizado de Odyssey, foi
criado pelo engenheiro alemão Ralph Baer baseando-se em uma ideia anterior de criar uma
televisão interativa.
Apesar de ser uma tecnologia relativamente nova, os vídeo games possuem um
quadro evolutivo de velocidade bastante elevada. Hoje nos encontramos as portas do que
especialistas consideram a 8ª geração de consoles, inaugurada com o lançamento do Nintendo
WiiU e que se consolidou com os lançamentos do Xbox One e Playstation 4, das empresas
Microsoft e Sony respectivamente.
Este artigo buscará analisar a abordagem transmidiática utilizada pela produtora de
jogos Netherhealms em conjunto com a Warner Brothers Games no lançamento do game
Injustice: Gods Among Us, visando popularizá-lo e mantê-lo no mercado por mais tempo.
Para tal serão colocados em relação conceitos relacionados ao movimento transmídia e
conceitos sobre os gêneros do discurso de Mikhail Bakhtin buscando uma compreensão
dialógica sobre o movimento envolvendo o game em questão.
Transmídia e Gêneros do Discurso
O movimento transmídia teve início há alguns anos desenvolvendo-se primeiro na
indústria de entretenimento, cinematográfica e televisiva dos Estados Unidos conquistando
entusiastas em países diversos. Entre os principais representantes deste movimento, podemos
citar séries como Lost (2004) e The Walking Dead (2010) ou franquias como Star Trek
(1966), Star Wars (1977) e Matrix (1999) cujas ações transmidiáticas repercutiram pelo
mundo todo.
Nas ultimas três décadas, observam Massarolo e Alvarenga (2010, p. 01),
a franquia de produtos audiovisuais tem se desenvolvido num ritmo
vertiginoso, provocando uma série de mudanças no modo como as marcas
são pensadas. Os grandes conglomerados de mídia estão descobrindo que na
economia da convergência, os consumidores cansaram de consumir ‘mais
do mesmo’ e desejam se relacionar com produtos que sejam ‘mundo’ de
possibilidades- disponibilizando diversas entradas para serem navegadas a
partir de diferentes mídias e que permitam um profundo envolvimento
emocional dos usuários.
Gosciola (2011) faz um apanhado daquilo que Henry Jenkins define como narrativa
transmídia. Suas características são descritas como: partes de uma história dispersos de forma
sistemática através de múltiplas plataformas de mídia; cada elemento de uma história tem sua
plataforma definida de acordo com o que esta possa melhor contribuir para contar o todo da
história, permitindo que a história possa ser expandida; engajamento do público; utilização da
estratégia de mídia chamada "viral" (ou spreadable), uma estratégia promocional para
despertar a atenção pública.
“Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si
mesmo, [...], tudo que é ideológico é signo. Sem signos não existe ideologia” (BAKHTIN,
2002, p. 31). Assim como o significado de um signo não esta em sua essência, mas sim em
sua construção social, sendo esta uma construção ideológica, a convergência de Jenkins não
se dá no objeto em si, mas na construção relacional dos indivíduos.
A criação de universos ficcionais a qual Jenkins atribuída ao movimento transmídia
depende em grande parte da participação ativa dos fãs, que passaram de meros consumidores
de franquias para geradores de conteúdo. Poucas serão as construções de fãs absorvidas pelas
grandes produções, mas o feedback poderá ser capaz de causar mudanças significativas em
determinadas ocasiões.
Assim, um universo ficcional pode ser absorvido a exaustão por um fã, que ainda
pode gerar conteúdos ou reimaginar passagens narrativas, e ao fazê-lo, acaba por criar um
universo distinto ao daqueles fãs que, por diversos motivos, preferiu ou não pôde acompanhar
cada peça narrativa daquele universo. A relação que cada um criará com o universo será
particular, ao mesmo tempo em que será social, pois ambos estarão tematizando um universo
ficcional de bases em comum.
Desta forma, para Jenkins “cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a
partir de pedaços de fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados
em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana”. (2008, p.30).
Assim sendo, inteiramente relacionado a cultura da convergência, considera-se o
movimento transmídia, portanto, como uma maneira de se construir não apenas narrativas
que circulam de forma adaptada em diferentes mídias, mas franquias que complementam-se
em diversas formas midiáticas construindo um universo repleto de diferentes possibilidades
narrativas.
No entanto, por ser um conceito bastante recente, Massarolo salienta
não haver ainda uma compreensão compartilhada da narrativa transmídia, as
abordagens acadêmicas que buscam definir essa noção situam-se entre
diferentes interpretações e cada estudo reflete novas convergências de
visões. Henry Jenkins define a narrativa transmídia como histórias que são
desdobradas nas diversas plataformas de mídia, sendo que cada uma delas
deve contribuir de forma distinta para a compreensão do universo narrativo.
(2012, p. 163)
Uma relação interessante pode ser pensada a partir da teoria dos gêneros do discurso
desenvolvida por Bakhtin e seu Círculo. Para o filósofo russo, os discursos da vida dividemse de acordo com um conjunto de características específicas sob as quais este acontece. Cada
situação discursiva ocorre de maneira a adequar-se ao momento, lugar ou suporte em que está
inserida.
A diversidade funcional parece tornar os traços comuns a todos os gêneros
do discurso abstratos e inoperantes. Provavelmente seja esta a explicação
para que o problema geral dos gêneros do discurso nunca tenha sido
colocado. Estudaram-se, mais do que tudo, os gêneros literários. Mas estes,
tanto na Antiguidade como na época contemporânea, sempre foram
estudados pelo ângulo artístico-literário de sua especificidade, das distinções
diferenciais intergenéricas (nos limites da literatura), e não enquanto tipos
particulares de enunciados que se diferenciam de outros tipos de
enunciados, com os quais, contudo tem em comum a natureza verbal
(linguística). (BAKHTIN, 1997, p. 280).
Cada gênero possui preceitos e regras características de acordo com a esfera social
em que se encontra. Sendo essas esferas do uso da linguagem não “uma noção abstrata, mas
uma referência direta aos enunciados concretos que se manifestam nos discursos”.
(MACHADO, 2005, p. 156).
Os gêneros discursivos distinguem-se em dois agrupamentos, primários e
secundários. Os gêneros primários são aqueles construídos em circunstâncias discursivas em
esferas privadas, ligadas a experiências cotidianas e mais íntimas, como uma carta pessoal,
um bilhete, um convite informal ou uma conversa a mesa de bar. Os secundários, por sua vez,
são arquitetados em situações públicas, relativamente mais formais, como entrevistas,
palestras, editoriais, reportagens, propagandas, novelas e trabalhos acadêmicos.
Marchezan (2010, p. 268-269) complementa que, entre os tipos relativamente
estáveis de enunciados, salienta-se, como se sabe, a diferença – sem, no entanto, deixar de
destacar também sua inter-relação – entre gêneros primários e os gêneros secundários: entre
os enunciados espontâneos do cotidiano, que acontecem, principalmente, face a face, e os
enunciados mais complexos, que compartilham dos valores da sociedade como um todo, mas
surgem e atuam mais diretamente em uma área particular: uma ciência, uma religião, uma
escola artística, entre outros. Fazendo parte do elo da comunicação verbal, os gêneros dão
forma à experiência sócio-histórica, que neles se estabiliza; institui e reforça as formas já
tradicionais, mas retira da dinâmica do dia-a-dia (dos gêneros primários, portanto) o alimento
de sua transformação.
[...] o gênero não pode ser concebido senão como um conceito plural:
reporta-se às formações combinatórias da linguagem em suas dimensões
verbal e extra-verbal. Além disso, articula formas discursivas criadoras da
linguagem, de visões de mundo e de sistemas de valores configurados por
pontos de vista determinados. O conceito de gênero segundo a abordagem
dialógica de Bakhtin é instância de criação e acabamento do objeto estético.
[...] o gênero organiza a manifestação e promove seu acabamento. Quer
dizer: o gênero mobiliza relações entre aspectos internos e externos da
manifestação estética (MACHADO, 2005, p.133)
Os estudos que Mikhail Bakhtin desenvolveu sobre os gêneros discursivos
considerando não a classificação das espécies, mas o dialogismo dos processos comunicativo
que estão inseridos no campo dessa emergência. Aqui as relações interativas são processos
produtivos de linguagem. (MACHADO, 2005).
Desta maneira, compreende-se, pois, que a importância dos estudos dos gêneros
discursivos não está no processo classificatório, mas na compreensão da mudança de um
gênero para outro no processo dialógico, e na sua formação. Assim sendo,
durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e
transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se
constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea. Os
gêneros primários, ao se tornarem componentes dos gêneros secundários,
transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular:
perdem sua relação imediata com a realidade existente e com a realidade dos
enunciados alheios - por exemplo, inseridas no romance, a réplica do
diálogo cotidiano ou a carta, conservando sua forma e seu significado
cotidiano apenas no plano do conteúdo do romance, só se integram à
realidade existente através do romance considerado como um todo, ou seja,
do romance concebido como fenômeno da vida literário-artística e não da
vida cotidiana. O romance em seu todo é um enunciado, da mesma forma
que a réplica do diálogo cotidiano ou a carta pessoal (são fenômenos da
mesma natureza); o que diferencia o romance é ser um enunciado
secundário (complexo). (BAKHTIN, 1997, p. 282).
Baseando-nos nas características de uma narrativa transmídia apresentadas por
Jenkins, de que cada elemento de uma história tem sua plataforma definida de acordo com o
que esta possa melhor contribuir para contar o todo da história permitindo que a história
possa ser expandida, podemos lançar um paralelo relacional com algumas características da
teoria bakhtiniana.
Como visto anteriormente, o gênero constrói-se de forma a funcionar de acordo com
determinadas regras e através de determinadas formas, sendo cada gênero específico para um
orbe social da vida. Tomamos como exemplo uma História em Quadrinhos. Em suas
características básicas encontramos, entre outras, a repetição, a serialidade, apresentadas na
forma de narrativas visuais sequencialmente dispostas dentro de quadro, sendo as falas das
personagens apresentadas em balões.
A esse gênero cabe apenas a forma de apresentação e utilização que suas
características permitem. Diferente de um game, por exemplo, que permite o controle e a
tomada de decisões de uma personagem, a interatividade com uma História em Quadrinhos
tradicional limita-se a leitura da narrativa e as relações que o leitor faz de forma cognitiva,
não cabendo ao leitor tomar as decisões da personagem. Para uma experiência interativa
maior, buscar-se-ia a apresentação do conteúdo narrativo em outro gênero. Assim sendo, uma
narrativa transmídia busca em sua construção de universo diversas mídias (ou gêneros) que
possibilitem a interação esperada/desejada para aquele momento narrativo.
Neste sentido, um movimento que ocorre de forma quase natural, se optarmos pelos
gêneros ligados a comunicação como fala, carta, sermão, conversa de bar onde, de acordo
com a necessidade, pulamos de gênero a gênero sem percebermos a troca do conjunto de
regras relativamente estáveis, a indústria do entretenimento aproveita os diversos gêneros
narrativos para expandir seu universo e alcançar nichos distintos de consumo, ou nos casos de
maior sucesso, introduzindo seus consumidores a novos nichos, de custos mais baixos de
produção, no caso de uma História em Quadrinhos ou Webssérie.
Parece-nos que um diálogo mais aprofundado das relações entre alguns conceitos
foucaultianos, bakhtinianos, e o movimento transmídia pode apresentar compreensões
interessantes no que diz respeito da apropriação de gêneros do discurso emergentes nas
diversas formas de narrativas.
O Game
Lançado em abril de 2013, Injustice Gods Among Us foi produzido pelo estúdio
Netherhealms, publicado pela Warner Brother Games e dirigido por Ed Boon. Trata-se de um
game de luta 2.5D, ou seja, seu design é tridimensional, mas sua jogabilidade é bidimensional
(figura 01). O game traz para os consoles Playstation 3 e 4, Xbox 360 e Xbox One, Nintendo
WiiU e PCs a luta entre personagens das histórias em quadrinhos da DC Comics, como
Batman, Superman, Coringa, Lex Luthor e Bane.
Todo o ambiente do jogo é construído dentro do universo criado pela DC Comics,
bem como sua narrativa, cuja trama baseia-se em famosos arcos tradicionais das HQs
envolvendo universos paralelos, entretanto, de forma inédita.
A trama do game tem início com o Coringa, um dos vilões mais famosos cuja
origem se deu nas estórias do Batman, detonando uma bomba nuclear no meio de Metrópolis,
a cidade protegida por Superman. Como geralmente aconteceria em uma história e
quadrinhos mais clássica, os super-heróis conseguiriam impedir a detonação da bomba e
capturar o vilão, todavia, na trama do game, a detonação da bomba não é impedida, causando
a destruição da cidade toda. De alguma maneira o Coringa ainda consegue manipular
Superman fazendo com que ele mate sua amada Lois Lane, e seu amigo Jimmy Olsen. Este é
então o início da trama do game, bastante violenta se compararmos com alguns arcos mais
clássicos.
Figura 1 - Tela do game
A interação com o jogador, entretanto, inicia-se alguns anos a frente na cronologia,
agora em um universo paralelo ou realidade alternativa onde a bomba não explodiu. Neste
ponto, assim como ocorre em muitas tramas dos quadrinhos, os universos se cruzam. O
Batman do universo em que a bomba explodiu consegue entrar em contato com os superheróis do universo onde a bomba não explodiu, transportando-os para seu universo na busca
de ajuda.
Batman então informa os super-heróis do ocorrido e revela que após a explosão e a
perda de sua amada e amigos, Superman mudou seu comportamento, decidindo que faria
qualquer coisa para impedir que aquilo acontecesse novamente. Sua obsessão o cegou e fez
com que ele quebrasse seu juramento de nunca matar, (Spoiler Alert!) assassinando o Coringa
e até mesmo outros super-heróis que se opuseram a ele, bem como se aliando a alguns vilões.
Superman instaurou uma ditadura com apoio militar a qual Batman, outros super-heróis e
vilões remanescentes tentam destruir.
Tem-se início uma sucessão de confrontos entre super-heróis e super-vilões dos dois
universos que culminará com a derrota do Superman déspota e o retorno dos super-heróis ao
seu universo de origem.
A estratégia transmídia por trás de Injustice
Em outubro de 2012 foi anunciado pelo diretor do game, Ed Boon, o lançamento de
uma série de histórias em quadrinhos (figura 02) com o mesmo nome do jogo, escrita por
Tom Taylor e ilustrada por Jheremy Raapack, lançada inicialmente no formato digital e
posteriormente em seu formato impresso tradicional e possivelmente em um encadernado de
volume único contendo todas as edições lançadas. Em se tratando de um game baseado em
um universo criado e consolidado nos quadrinhos, não foi surpresa alguma tal anuncio.
Figura 2 - Capítulo um da HQ do game
O que surpreendeu foi que o enredo da versão em quadrinhos do jogo não trataria de
repetir a trama do game em outro formato, mas serviria como uma prequel ou prequência da
trama do game. Sendo assim, a estória narrada nos quadrinhos serviria para contar o que teria
acontecido antes do início do game e nos anos após a explosão do aparato nuclear que
dizimou Metrópolis e posterior assassinato do Coringa.
A estratégia transmídia criada pela Warner Brothers em conjunto coma editora DC
Comics e a desenvolvedora do game foi a de ampliar o enredo do game e explorá-lo em outra
mídia, expandindo seu universo e respondendo alguma das perguntas levantadas e deixadas
de lado durante o desenrolar do game.
As histórias em quadrinhos, ainda em publicação, estão sendo comercializadas
através do site da editora DC Comics e do site Comixology (figura 03), que é especializado
na venda de quadrinhos no formato digital, cuja leitura baseia-se principalmente nos novos
dispositivos informacionais como smarthphones e tablets, ao preço de $0,99 a edição digital
e $3,99 a edição impressa, esta vendida em livrarias e comic shops.
Figura 3 - Layout do website Comixology (www.comixology.com)
Atualmente a publicação encontra-se na edição 21 da segunda temporada. Devido ao
sucesso do primeiro ano a série ganhou uma continuação e uma possível terceira temporada.
O lançamento de uma história em quadrinhos cuja trama se insere dentro do universo criado
para o game foi uma das estratégias utilizadas. Outra estratégia da produtora foi o
desenvolvimento de um aplicativo free-to-play (figura 04) para dispositivos móveis com IOS
(sistema operacional Apple) e Android (sistema operacional Google). Free-to-play é o termo
criado para identificar aplicativos e jogos disponibilizados de forma grátis. O aplicativo
caracteriza-se como um jogo cartas, onde o jogador coleciona cartas de heróis e vilões
criando batalhas entre as mesmas, semelhante ao clássico jogo Magic The Gathering.
Diferente da história em quadrinhos que expande o universo do jogo, o aplicativo possibilita
o jogador desbloquear conteúdo extra de forma gratuita para o jogo, como novas Skins
(roupas, design diferenciado) para as personagens do game. Esse conteúdo extra só pode ser
desbloqueado através deste aplicativo.
Figura 4 - Tela do aplicativo Injustice Gods Among Us, disponibilizado na app store da Apple
O uso de aplicativos móveis no auxílio narrativo, do ponto dos estudos da
convergência midiática, explica Massarolo (2012, p. 160), têm desempenhado um papel
importante no desenvolvimento de narrativas para o meio digital. O que diferencia o game
para sistemas móveis ao game para consoles é que os mesmos personagens de universos
diferentes possuem atributos distintos. O Batman do universo original possui pontuação nos
atributos distinta do Batman do universo onde a bomba do Coringa explodiu. No game para
consoles os atributos são os mesmos para ambos os personagens.
Por fim, outra estratégia utilizada pela desenvolvedora do game, esta mais comum
entre os jogos da atual geração, foi o lançamento de forma periódica de conteúdos adicionais
ao game, os chamados DLC (Downloadable Content). Por uma determinada quantia a mais, o
jogador pode adquirir novos personagens e novas skins (caracterizações/roupas) para os
personagens fixos do game.
Observa-se uma estratégia bastante elaborada para o lançamento do jogo,
explorando diversas mídias e buscando criar um universo significativo que desperte interesse
nos jogadores pela exploração do mesmo. Com a atual popularização dos super-heróis na
televisão e cinema, algumas skins são lançadas em conjunto com, por exemplo, com a estreia
do mais recente longa metragem do Superman, O Homem de Aço (2013), dirigido por Zack
Snyder e tendo Henry Cavill no papel principal. Logo após o lançamento do filme, foi
disponibilizada para compra, uma skin do personagem Superman (figura 05) caracterizada
pelo ator Henry Cavill. Estratégia semelhante foi utilizada com o ator da série Arrow,
Stephen Amell, que interpreta o herói Arqueiro Verde.
Figura 5 - Skin de Henry Cavill como Superman
A estratégia de lançamento do jogo desenvolvida pela produção do game baseou-se,
pois, em três pilares: o lançamento de uma história em quadrinhos que serviria como
prequência a narrativa do game, a criação de um aplicativo free-to-play para dispositivos com
IOS e Android que premia o jogador com conteúdo adicional, e o lançamento periódico de
conteúdo extra mediante o pagamento.
Aspectos conclusivos
Procuramos no presente artigo relacionar o conceito de transmídia com a teoria dos
Gêneros do Discurso de Bakhtin e descrever de forma sucinta a estratégia utilizada pela
produtora Netherhealms em conjunto com Warner Brothers Games no lançamento e
manutenção do game Injustice, sem, no entanto, aprofundarmos uma discussão mais crítica
acerca da mesma. Vale ressaltar que muito se tem discutido acerca das estratégias free-toplay e conteúdos adicionais pagos, tanto julgando como “evolução natural” do mercado de
entretenimento virtual, como julgando ser esta uma nova forma de arrecadar lucros vendendo
produtos inacabados onde o consumidor paga uma quantia extra para obter o produto
completo.
A partir da estratégia descrita anteriormente, pudemos compreender que nem todos
os pilares do lançamento do game podem ser considerados como partes de uma narrativa
transmídia, tendo em vista teóricos como Jenkins e Massarolo. Apenas a história em
quadrinhos acrescentou um conteúdo narrativo complementar em uma plataforma distinta ao
game, acrescentando uma narrativa anterior à narrativa principal, bem como o fechamento de
algumas lacunas.
Diferente dos outros conteúdos adicionais, a narrativa apresentada pela história em
quadrinhos contribui para aumentar a complexidade do universo em questão, propiciando que
novos capítulos possam ser contados, em mídias distintas e por diversos outros autores.
Conclui-se, portanto que apenas uma parte da estratégia de lançamento do game Injustice
pode ser considerada como uma estratégia transmídia, estando as outras etapas do lançamento
mais ligadas aumentar a vida útil do game nos consoles do que contribuir para ampliar
significativamente um universo em potencial.
Referencias:
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
________. Marxismo e filosofia da linguagem. 9 ed. São Paulo: Hucitec, 2002.
GOSCIOLA, V. Narrativa transmídia: a presença de sistemas de narrativas integradas e
complementares na comunicação e na educação. Quaestio: Revista de Estudos de Educação,
v. 13, p. 117-126, 2011.
INJUSTICE: gods among us. Netherhealms, Warner Brothers Games. 2013.
JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.
MACHADO, I. Os gêneros discursivos. In: BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed.
São Paulo: Contexto, 2005. p. 151-166.
MARCHEZAN, R. C. Gêneros do discurso: O caso dos artigos de opinião. In: PAULA, L.
de; STAFUZZA, G. Círculo de Bakhtin: Teoria inclassificável. Campinas: Mercado de
Letras, 2010. p. 265-278.
MASSAROLO, J. C. Televisão: Formas Audiovisuais de Ficção e Documentário. 01. ed. São
Paulo: Instituto de Artes/Unicamp; CIAC/Universidade do Algarve; SOCINE Sociedade
Brasileira de Estudos d, 2012. v. Vol.II. 175p.
MASSAROLO, J. C. Das possibilidades narrativas nas plataformas de mídia. In: Socine,
2011, Rio de Janeiro. XV Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e
Audiovisual (Socine) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro:
Socine, 2011. v. 1. p. 01-15.
MASSAROLO, J. C. ; ALVARENGA, M. V. T. de. Franquia Transmídia: O Futuro da
Economia Audiovisual nas Mídias Sociais. In: INTERCOM - Congresso Brasileiro de
Comunicação, 2010, Caxias do Sul. Anais do Congresso Brasileiro de Ciências da
Comunicação. São Paulo: Intercom, 2010. v. 1. p. 1-16.
Download

QUADRINHOS, VIDEO GAMES E APLICATIVOS