AT U A L I Z A Ç Ã O
Síndrome do folículo vazio
Empty follicle syndrome
Resumo
A síndrome do folículo vazio (SFV) é um evento raro que se caracteriza pela ausência de
oócitos no fluido folicular ovariano de pacientes com boa resposta à indução da ovulação
para ciclos de reprodução assistida (RA). Os possíveis fatores etiológicos envolvidos estão
relacionados às alterações na foliculogênese e à baixa biodisponibilidade da gonadotrofina
coriônica humana (hCG). A SFV permanece como assunto controverso frente à possibilidade de
etiologia multifatorial, às dúvidas na condução dos casos e aos riscos inerentes aos tratamentos
até então propostos. Em vista da ocorrência de gestações prévias e subseqüentes ao seu
diagnóstico, não parece implicar redução do potencial de fertilidade em ciclos futuros de RA.
Alguns serviços têm utilizado, com bons resultados, o tratamento com administração de uma
segunda dose da hCG em pacientes cuja aspiração folicular do primeiro ovário não obtém
oócitos, mas a ausência de estudos controlados não permite chegar a conclusões. A equipe
médica deve, assim, buscar condições para lidar com o problema, abordando-o com o máximo
de propriedade para que o casal tome ciência dos riscos de sua ocorrência desde sua entrada
no serviço de reprodução assistida.
1
Bruno Ramalho de Carvalho
Ana Carolina Japur de Sá Rosa e Silva1
Rosana Maria dos Reis1
Rui Alberto Ferriani1
Palavras-chave
Folículo ovariano
Técnicas de reprodução
Key words
Empty Follicle Syndrome
Assisted Reproduction Technique
Abstract
The empty follicle syndrome (EFS) is a rare event, characterized by the lack of retrieved oocytes
from the ovarian follicular fluid of patients deemed to have good response to ovulation induction
in assisted reproduction techniques (ART) cycles. Possible etiologic factors involved are related
to alterations in folliculogenesis and poor bioavailability of human chorionic gonadotropin (hCG).
The EFS remains controversial, once there is the possibility of a multifactorial etiology as well
as doubts on how to conduct the cases and the inherent risks of the treatments currently
proposed. Since gestations have occurred before and after diagnosis, they do not seem to
predict a reduction in the fertility potential of ART cycles. Some centers of human reproduction
have been using, with considerable success, a second dose of hCG in those patients whose
follicular aspiration of one of the ovaries resulted in no oocytes. However, further conclusions
can not be drawn due to the lack of controlled trials. As a matter of fact, the medical team
must establish conditions to deal with the problem and discuss it with knowledge in order to
provide the couple with adequate information about the possible occurrence of this syndrome
from the moment they arrive in the center of human reproduction.
1
Setor de Reprodução Humana. Departamento de Ginecologia e Obstetrícia. Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
FEMINA | Outubro 2007 | vol 35 | nº 10
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Síndrome do folículo vazio
Introdução
A síndrome do folículo vazio (SFV) é caracterizada pela ausência de oócitos aspirados dos folículos ovarianos de pacientes
que, aparentemente, tiveram boa resposta à estimulação ovariana
em ciclos de reprodução assistida (RA) - (Coulam et al., 1986). A
importância de se conhecer o problema reside no fato de que, a
despeito dos vários relatos na literatura, ainda não é possível prever
sua ocorrência pelos métodos propedêuticos disponíveis – ultrasonografia e dosagens hormonais.
Considerada um fenômeno raro, a SFV tem incidência entre 0,5
e 7% (Aktas et al., 2005; Evbuomwan et al., 1999; Peñarrubia et al.,
1999). Apesar de incidir mais em mulheres com resposta ovariana
aquém do esperado (Aktas et al., 2005), os dados na literatura
mostram que sua ocorrência não reflete exatamente o potencial
reprodutivo da paciente, uma vez que é freqüente tanto em mulheres com antecedente de captações oocitárias bem sucedidas em
ciclos de RA prévios quanto em ciclos subseqüentes (Evbuomwan
et al., 1999; Kourtis et al., 2004; Lorusso et al., 2005; Peñarrubia
et al., 1999). Estima-se que a chance de recorrência do problema
seja de 20% para pacientes na faixa etária entre os 35 e 39 anos,
atingindo 54% das pacientes com mais de 40 anos submetidas a
ciclos de alta complexidade (Zreik et al., 2000).
Desde a descrição da SFV, inúmeras hipóteses vêm sendo
elaboradas na tentativa de se obterem informações acerca de sua
etiologia, fatores predisponentes, métodos diagnósticos e tratamento adequado. Este artigo tem como finalidade revisar a literatura
sobre o assunto, na intenção de favorecer a melhor compreensão
desse raro fenômeno e discutir possíveis medidas preventivas e
terapêuticas, além de fornecer subsídios para o aconselhamento do
casal, principalmente frente à possibilidade de recorrência.
Etiologia
Apesar de ter sido inicialmente atribuída a defeitos da fase
lútea do ciclo menstrual (Coulam et al., 1986), o melhor entendimento da fisiologia ovariana permite, hoje, suspeitar que a SFV
tenha etiologia multifatorial. Antes de se iniciar a discussão, é
necessário frisar que a existência de folículos ovarianos desprovidos
de oócitos é uma premissa absolutamente hipotética e que, ainda
que real, o termo “folículo vazio” é inadequado por conter em seu
interior, certamente, o fluido folicular (Aktas et al., 2005). Ainda,
deve-se considerar que o mecanismo normal da ovulação evolui
do crescimento à ruptura dos folículos ovarianos, interpondo-se à
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separação do complexo cumulus-oophorus (CCO) das células da
granulosa (Zreik et al., 2000).
As especulações sobre a fisiopatologia da SFV levam à suposição
de que ocorreriam alterações na foliculogênese que poderiam desencadear atresia folicular precoce ou alterações no desenvolvimento
do oócitos (Zreik et al., 2000), fazendo-se uma analogia com o
que ocorre na perimenopausa fisiológica. A principal explicação
reside na possível intensificação do apoptose celular secundário
ao envelhecimento ovariano, mas, nos casos de SFV, permanece
uma resposta residual das células da granulosa ao estímulo gonadotrófico exógeno (Awonuga et al., 1998). Estariam, aqui, mais
bem esclarecidos os casos de SFV, em que as taxas de estradiol (E2)
são baixas e incompatíveis com a estimulação ovariana adequada,
mas que apresentam o crescimento folicular esperado.
A maioria dos relatos, contudo, demonstra a ocorrência da SFV
em pacientes com níveis estrogênicos normais (e, portanto, com a
foliculogênese supostamente adequada). Essa condição corrobora
a teoria que defende a resposta insatisfatória das células foliculares
à gonadotrofina coriônica (hCG) exógena – administrada como
substituta do hormônio luteinizante (LH) endógeno – como causa
da ausência de oócitos no fluido folicular aspirado.
No processo ovulatório normal, acredita-se que o destacamento do
CCO da parede folicular esteja relacionado não apenas aos processos
de crescimento e ruptura do folículo, mas também a mecanismos
moleculares secundários à ação local das gonadotrofinas endógenas.
O LH, neste contexto, estimula uma cascata enzimática que leva à
degradação da matriz perifolicular e decomposição das fibras colágenas da parede do folículo, mediadas pela ação de eicosanóides e
interleucinas (Tsafriri, 1995). Sendo assim, o pico do LH na metade
do ciclo menstrual é o responsável direto pelo enfraquecimento
do tecido conectivo folicular, essencial para o destacamento do
CCO. Infere-se que a falta dessa etapa após a administração da
hCG explica a ocorrência da SFV em ciclos de RA de pacientes cuja
concentração sérica de E2 sugere integridade funcional do folículo
(Meniru & Craft, 1997). Há que se considerar a possibilidade de que
a hCG não exerça ação equivalente à do LH sobre os mediadores
do destacamento do CCO da parede folicular.
As causas da resposta insatisfatória à hCG não foram até
então elucidadas. Alguns autores sugerem que a baixa biodisponibilidade da gonadotrofina constitui o principal fator envolvido,
o que ocorre em casos de SFV em que há esquecimento ou uso
incorreto da medicação. Além disso, deve-se considerar a possibilidade de anormalidades de alguns lotes de hCG comercializados
e de metabolização hepática acelerada do hormônio por parte de
algumas pacientes (Awonuga et al., 1998; Meniru & Craft, 1997;
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Ubaldi et al., 1997; Zegers-Hochschild et al., 1995). Apoiados nessa
teoria, Ndukwe et al. (1997) chegaram a sugerir a necessidade de se
dosar rotineiramente a β-hCG no dia da captação oocitária e que
valores sanguíneos inferiores a 10 mUI/ml são altamente sugestivos
da ocorrência da SFV.
Uygur et al. (2003) questionaram a integridade funcional da unidade folicular aferida apenas pelos níveis hormonais séricos. Segundo
esses autores, a ausência de resposta à ação da hCG que ocorre nos
ciclos estimulados é secundária à interferência no processo normal
de formação da unidade folicular, produzindo foliculogênese disfuncional. A possibilidade de anormalidades na expressão de receptores
do LH em determinadas células foliculares já havia sido levantada
por Ubaldi et al. (1997), assim como outros autores mencionaram a
limitada ação in vivo de determinados lotes da hCG como causa da
SFV (Ndukwe et al., 1997; Zegers-Hochschild et al., 1995). Surge,
então, a teoria a favor da reduzida ou ausente bioatividade da hCG
como causa da síndrome.
Ainda na tentativa de definir a etiologia da SFV, observa-se a busca
de associações com alterações genéticas, partindo-se do princípio
de que mutações gênicas pudessem levar à disfunção das células da
granulosa, com conseqüente desordem dos eventos periovulatórios
(Vujisic et al., 2005). Önalan et al. (2003) relataram a ocorrência da
SFV em duas irmãs submetidas a ciclos de RA, ambas portadoras
de déficit auditivo neurossensorial leve, e levantaram a hipótese da
existência de uma mesma alteração gênica levando aos dois problemas. Mais recentemente, o achado de inversão pericêntrica do
cromossomo 2 em uma paciente que apresentara a SFV deu mais
credibilidade à discussão. Além de serem os genes desse cromossomo estreitamente envolvidos na regulação do ciclo menstrual e na
ocorrência de falência ovariana precoce, inversões pericêntricas em
geral provocam distúrbios no alinhamento e pareamento dos fusos
meióticos, o que influencia sobremaneira a foliculogênese normal
(Vujisic et al., 2005).
Propostas terapêuticas
Uma vez que a etiologia permanece hipotética, poucas são as
estratégias terapêuticas oferecidas a pacientes com antecedentes de
SFV. A maior parte dos relatos envolve ciclos de RA realizados por
protocolos longos, utilizando gonadotrofinas urinárias ou recombinantes para estimulação ovariana, após dessensibilização com análogo
do hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH).
Hassan et al. (1998) descreveram o caso de uma paciente de 24
anos, submetida a ciclo de RA com protocolo longo de estimulação,
cuja aspiração folicular 36 horas após dose de 10.000 UI de hCG
resultou na ausência de oócitos, apesar da resposta folicular ultrasonográfica adequada e níveis esperados de E2, progesterona (P) e
`-hCG. A aplicação de uma nova dose da hCG, seguida da aspiração
de 17 folículos após intervalo de 24 horas, permitiu a captação de 11
oócitos, dos quais sete encontravam-se em metáfase II (maduros).
Outros autores da época ofereceram suporte a essa proposta, mostrando que mulheres cujos níveis de hCG e P são normais no dia da
falha na aspiração folicular podem ter oócitos maduros recuperados
após uma segunda dose da gonadotrofina e repetição da aspiração
após 24 a 36 horas (Awonuga et al., 1998; Ubaldi et al., 1997).
Uma variação dessa proposta foi publicada por Awonuga et al.,
também em 1998. Os autores optaram por suspender a aspiração
folicular de duas pacientes após a constatação de ausência de oócitos no fluido folicular até então aspirado. Para uma das pacientes,
foram deixados folículos por aspirar em ambos os ovários. Para a
outra, esgotaram-se os folículos de uma, permanecendo intacta a
outra gônada. Após a aplicação de nova dose da hCG e a obediência a novo intervalo de 24 horas, relataram a obtenção de oócitos
maduros nos fluidos foliculares de ambas as pacientes, das quais
uma obteve gestação.
Entretanto, considerações devem ser feitas em relação aos riscos
de administração de uma segunda dose de gonadotrofina. Submeter
a paciente a uma nova dose da hCG pode levar à ovulação durante
o período de espera para a segunda aspiração, principalmente em
pacientes com níveis séricos de P elevados (Ubaldi et al., 1997) e
naquelas em que não há adequada sincronia do crescimento folicular.
Além disso, a somatória de doses de hCG está sabidamente associada
à ocorrência da síndrome de hiperestimulação ovariana (SHO).
A falta de uniformidade nas concentrações entre os diferentes
lotes de hCG urinária comercializados foi aventada por Peñarrubia
et al. (1999) como possível causa de má-resposta em ciclos de RA
e, conseqüentemente, da SFV. Esses autores sugerem a utilização
da gonadotrofina recombinante (hCG-r) para minimizar esse efeito,
baseado em um caso em que a paciente, após apresentar SFV em
dois ciclos de RA com hCG urinária, obteve gestação com hCG-r.
Outros autores propõem a associação de hCG recombinante e urinária (Littman; Milki, 2003). Recente revisão sobre a utilização das
gonadotrofinas em ciclos de RA destaca as vantagens da utilização
do LH recombinante (LH-r) em associação com o FSH recombinante
para melhores resultados, pela maior uniformidade das concentrações
oferecidas quando comparadas, por exemplo, à gonadotrofina menopausal humana urinária (hMG-u) - (Gurgan & Demirol, 2005).
Encontra-se apenas um registro de SFV em ciclos de RA envolvendo protocolo de estimulação utilizando o antagonista do GnRH.
Os autores descrevem o sucesso da captação oocitária em paciente
de 34 anos, com níveis hormonais adequados e SFV em dois ciclos
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de RA prévio. Para a terceira tentativa, utilizaram o antagonista do
GnRH na estimulação ovariana e induziram a maturação oocitária final
pela administração do agonista do GnRH, sabidamente responsável
pela elevação aguda dos níveis séricos de gonadotrofinas endógenas
antes do bloqueio hipofisário (efeito flare up), mimetizando ciclos
ovulatórios naturais (Lok et al., 2003).
Considerações finais
A SFV permanece assunto controverso, desafiando as equipes
de serviços de reprodução humana assistida em todo o mundo.
A despeito do considerável número de publicações e especulações, nenhuma das teorias sobre a etiologia conduz ao completo
esclarecimento e todas as propostas terapêuticas sugeridas até
o presente momento deixam lacunas a preencher.
Resumidamente, o problema é de etiologia multifatorial, que
envolve disfunções da foliculogênese, uso incorreto da medicação
e resposta insatisfatória ao hCG administrado, esta última podendo
estar relacionada à atividade reduzida ou à baixa disponibilidade
biológica da gonadotrofina. Em vista da ocorrência de gestações
prévias e subseqüentes ao diagnóstico da síndrome, pode-se afirmar
que a SFV não implica obrigatoriamente a redução do potencial
de fertilidade em ciclos futuros de reprodução assistida.
Por fim, merece comentário a denominação “folículo vazio”,
que parece inadequada, uma vez que a existência de folículos sem
oócitos é uma condição hipotética à luz dos conhecimentos atuais.
O problema em questão demonstra ser resultado de distúrbios da
maturação final dos oócitos e não da sua ausência. Dessa forma,
o termo “síndrome do folículo vazio” deveria ser revisto.
Leituras suplementares
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