Proceso C.C. 7/2009 SJC-CT Deliberação Assunto: celebração de casamento a bordo de navio em cruzeiro O Senhor Conservador destacado na CRC da (…) dirigiu ao Ex.mo Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado consulta/requerimento, em que informa ter instruído um processo preliminar de casamento, cujos nubentes pretendem contrair casamento civil no dia 25 de Abril p.f., em mar alto, a bordo do paquete (…), no decurso de um cruzeiro de três dias a Marrocos (de 24 a 26 desse mês), com partida e chegada a Lisboa e embarque marcado para as treze horas do dia 24 (sexta-feira) e solicita informação sobre se lhe é autorizada a celebração do casamento nos termos peticionados pelos nubentes e, na afirmativa, se deverá ser apresentado documento comprovativo do navio (…) ser detentor de matrícula portuguesa, se deverão ser colocadas em menções especiais as coordenadas a que se celebrar o casamento ou se este terá de ser realizado em águas territoriais portuguesas. Juntou cópia autenticada do processo preliminar respectivo com despacho final favorável (omissa, no entanto, quanto à respectiva importância cobrada) bem como documento subscrito pelos nubentes e endereçado ao Ex.mo Presidente do IRN, no qual requerem que o casamento seja realizado pelo Senhor Conservador consulente, a bordo do aludido navio, e protestam juntar documento comprovativo de o navio em referência ter pavilhão português (o que até à data não consta terem feito). Por despacho proferido por delegação, o Ex.mo Vice-Presidente, em 12 de Fevereiro p.p. – na sequência de pertinente, detalhada e bem documentada informação do SJC concluindo no sentido de “atento às dúvidas suscitadas e ao melindre da questão em apreço parece-nos ser de a submeter à apreciação do Conselho Técnico” – foi o caso sub iudice submetido a parecer/deliberação deste Conselho com carácter de urgente. Dada a linearidade da solução face à lei vigente, optámos por deliberação. Assim – sem embargo do nosso apreço pela disponibilidade manifestada pelo Senhor Conservador consulente em satisfazer a referida pretensão dos nubentes e reconhecendo como legítima a sua preocupação em obter prévia autorização superior, pois a celebração do casamento nos termos pretendidos além de constituir “inovação” sem cobertura legal explícita (daí a pertinência da consulta), implicaria frontal violação do Despacho do Ex.mo Director-Geral nº 14/2000 citado pelo SJC (daí a necessidade da autorização) – passamos de imediato a conhecer e apreciar. Pelo exposto e considerando que: 1º - está em causa a celebração de um casamento civil não urgente; 2º - as conservatórias do registo civil portuguesas – através de qualquer conservador dos registos ou de quem o substitua (cfr. arts. 2º e 3º do DL 236/2001, de 30 de Agosto, na redacção dada pelo artº 8º do DL 324/2007, de 28 de Setembro) – são as competentes para a celebração de casamentos civis não urgentes, quando ocorridos em território português (cfr. art. 10º, nº 1 do CRC); 3º - embora se desconheça a rota provável do paquete (…) no cruzeiro de 24 a 26 de Abril próximo de Lisboa-Tânger-Lisboa, é de presumir que na data escolhida para o casamento (25 de Abril) o navio não estará em território português e nem sequer em águas territoriais portuguesas (até doze milhas marítimas da costa nacional), pelo que, salvo o devido respeito pela opinião em contrário, esteja em águas territoriais marroquinas ou em águas internacionais, estará, de qualquer modo em local onde o senhor conservador consulente carece de competência para celebrar o acto, ainda que fosse aplicável a lei portuguesa ex vi do preceituado no art. 24º do CC); por outro lado, 4º - a partir do CRC de 1911 (art. 215º) e nos diplomas subsequentes – arts. 32º da Lei de 10 de Julho de 1912 (apud CRC Anotado e Comentado, Dr. Pedro Chaves, fls 94), 200º do CRC de 1932, 179º do CRC de 1958, 194º do CRC de 1966, 189º do CRC de 1978 e 155º do CRC de 1995, que se mantém apesar de sucessivas alterações deste último diploma, a mais recente das quais introduzida pelo DL nº 324/2007, de 28 de Setembro – a lei impõe como requisito do acto da celebração do casamento a publicidade; e igualmente o Código Civil de 1967 no art. 1615º estabelece que a celebração do casamento é pública; e é entendimento consensual que este termo é utilizado pela lei com o sentido de “podendo assistir qualquer pessoa que o deseje fazer e não apenas os convidados dos nubentes” apontado por J. Robalo Pombo no seu Código do Registo Civil Anotado e Comentado (ed. Almedina, 1991, pág. 631); 5º - tanto assim que desde a reforma produzida pelo DL nº 36/97, de 31 de Janeiro, o CRC passou a impor para a celebração do casamento que estejam presentes no acto os nubentes, ou um deles e o procurador do outro, e o conservador (art. 154º, nº 1), tendo dispensado a partir de 1 de Abril desse ano a presença das testemunhas exigidas até então em todos os anteriores CRC; 6º - por conseguinte o preenchimento deste requisito (da publicidade do casamento) não depende da efectiva presença de público no acto da celebração do casamento; satisfaz-se tão-só com a possibilidade de quem quer que seja que se disponha a assistir ao casamento tenha acesso ao lugar da sua celebração; 7º - bem explícita neste sentido é também a própria letra do DL nº 236/01, de 30 de Agosto – diploma que não foi revogado pelo acima mencionado DL 324/2007, pois o seu objecto (regula as condições para que seja satisfeito o interesse dos cidadãos na celebração de casamento civil fora do período normal de funcionamento das conservatórias) não foi incluído nas alterações posteriormente introduzidas ao CRC e foi, sim, sujeito, como ficou dito em 2º supra, a alterações nos seus arts. 2º e 3º introduzidas pelo dito art. 8º do DL 324/2007 – ao preceituar no art. 1º 2 sobre a celebração de casamentos civis [...] nas conservatórias ou em qualquer outro lugar a que o público tenha acesso; 8º - o mesmo já resulta, aliás, das disposições combinadas dos arts. 57º, nº 1 e 180º do CRC, pois, determinando o primeiro normativo que “os assentos são lavrados na conservatória competente ou, a pedido verbal dos interessados, nas unidades de saúde ou em qualquer outro lugar a que o público tenha acesso” e impondo o segundo que “o assento do casamento civil não urgente celebrado em Portugal [...] é lavrado e lido em voz alta pelo funcionário [...] logo após a celebração do casamento”, óbvio é que, não sendo este celebrado na conservatória, terá de ser necessariamente em lugar a que o público tenha acesso; e finalmente 9º - compreende-se a razão da exigência: viabilizar a presença no acto da celebração de quem queira deduzir algum impedimento que obste à realização do casamento (v. arts. 1611º nº 1 CC e 142º, nºs 1 e 2 do CRC); de outro modo, a ser impedido ou mesmo dificultado o acesso, ficaria destituída de eficácia a interpelação do conservador para que as pessoas presentes declarem se conhecem algum impedimento que obste à realização do casamento, imposta pelo art. 155º, nº 1, al. c) do CRC. O Conselho Técnico, em reunião de 26 de Março de 2009, delibera: I - Não ser de celebrar casamento civil não urgente a bordo de navio não atracado a cais do território nacional e em que não esteja garantida a subida a bordo de quem quer que seja que se proponha assistir ao acto, maxime para deduzir oposição ao casamento; II – Ficam assim prejudicadas todas as restantes questões. Esta deliberação foi homologada por despacho, do Exmº Presidente, de 27 de Março de 2009. 3