DIRETRIZES DE TRATAMENTO DO CÂNCER UROLÓGICO DIRETRIZES DE TRATAMENTO DO CÂNCER UROLÓGICO Planmark Editora Ltda. Rua Basílio da Cunha, 891 - V. Mariana - São Paulo - SP - CEP 01544-001 Tel.: (11) 2061-2797 - E-mail: [email protected] Diretora executiva: Marielza Ribeiro Gerente editorial: Karina Ribeiro Assistente editorial: Renata Rezende Revisão: Antonio Palma Criação: Carlos Alberto Martins Diagramação: Yuri Fernandes Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados, sem a autorização prévia por escrito da Planmark Editora Ltda. O conteúdo desta publicação é de responsabilidade exclusiva de seu(s) autor(es) e não reflete necessariamente a posição da Planmark Editora Ltda. www.editoraplanmark.com.br © 2009 Planmark Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 4 APRESENTAÇÃO Prezados colegas As sociedades médicas têm o dever de trazer atualizações científicas para seus associados, pois a evolução e as transformações na medicina são constantes e ocorrem com muita rapidez. O projeto Diretrizes em Uro-Oncologia realizado e publicado em 2004-05, sob a coordenação do Prof. Antonio Carlos Pompeu, foi um grande avanço na Urologia brasileira. Com o apoio do presidente da SBU, Dr. José Carlos Almeida, com a colaboração de alguns grandes nomes da Oncologia Urológica nacional e com a dedicação dos funcionários da SBU, fizemos a revisão do tratamento do câncer urológico baseada em evidências, nas últimas publicações e outras diretrizes de sociedades internacionais. Este livro de bolso será sem dúvida um instrumento de grande valor para o urologista como fonte de pesquisa, estudo e segurança no tratamento de seus pacientes. Agradeço a todos os colaboradores que, com sacrifício, mas com entusiasmo contagiante, fizeram um grande trabalho para revisão e atualização destas Diretrizes para todos os urologistas brasileiros. Carlos Corradi Fonseca Chefe do Depto. Uro-Onco SBU 2008-09 5 AUTORES Carlos Eduardo Corradi Chefe do Serviço de Urologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Chefe do Depto de Uro-Oncologia da SBU. Franz Campos Chefe do Depto. de Uro-Oncologia da Salus – Centro de Oncologia do Rio de Janeiro. Médico do Serviço de Urologia do Instituto Nacional de Câncer – INCa. Gustavo Carvalhal Doutor em Urologia pela Universidade de São Paulo. Professor Adjunto do PG em Medicina e Ciências da Saúde, Faculdade de Medicina da PUCRS. Lucas Nogueira Urologic Oncology Fellow – Memorial Sloan Kettering Cancer Center, EUA. Coordenador de Uro-Oncologia e da Residência Médica em Urologia – Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais. Marcelo Bendhack Mestre e Doutor em Clínica Cirúrgica pela UFPR. Doutor em Uro-Oncologia pela Universidade Heinrich-Heine de Düsseldorf, Alemanha. 6 Marcos Dall’Oglio Chefe do Setor de Oncologia Urogenital HC-ICESP, Divisão de Clínica Urológica – FMUSP. Professor Doutor do Departamento de Cirurgia, Disciplina de Urologia FMUSP. Marcos Tobias-Machado Chefe do Setor de Uro-Oncologia da Disciplina de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC – FMABC e do Instituto Brasileiro de Controle do Câncer – IBCC. Doutor em Ciências Médicas pela USP. Misael Wanderley dos Santos Jr. Research Fellow em Uro-Oncologia, M.D. Anderson Cancer Center. Assistente do Serviço de Urologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco. Renato Scaletscky Médico do Serviço de Urologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre – UFRGS. Senior Lecturer da Universidade de Londres. Wagner Eduardo Matheus Assistente da Disciplina de Urologia UNICAMP. Membro da Urologia Oncológica da UNICAMP. 7 SUMÁRIO CÂNCER DE RIM Diagnóstico e classificação .................................................................. 11 Estadiamento ....................................................................................... 12 Classificação histológica ..................................................................... 12 Investigação radiológica ...................................................................... 13 Bases do tratamento do câncer de rim ................................................. 13 Ressecção de metástases (metastasectomias) .................................... 15 Tratamentos sistêmicos na doença metastática .................................... 15 Nefrectomia em tumores de rim metastáticos ....................................... 18 Tratamento adjuvante e neoadjuvante ................................................... 18 Recomendações .................................................................................. 19 CÂNCER DE BEXIGA Epidemiologia ...................................................................................... 21 Patologia ............................................................................................. 21 Apresentação clínica ............................................................................ 22 Tumor superficial ................................................................................. 23 Carcinoma de bexiga invasivo .............................................................. 26 Diretrizes: tratamento do CaB superficial e invasivo .............................. 26 Estadiamento do câncer de bexiga ....................................................... 28 CÂNCER DE PRÓSTATA Tratamento do câncer localizado da próstata ........................................ 32 Prostatectomia radical ......................................................................... 33 Vigilância ativa ..................................................................................... 35 8 Radioterapia ........................................................................................ 36 Braquiterapia ....................................................................................... 37 Regime de observação ........................................................................ 38 Crioterapia ........................................................................................... 38 Ultrassom focado de alta intensidade (HIFU) ........................................ 38 Recomendações .................................................................................. 39 Tratamento do câncer localmente avançado da próstata ....................... 40 Introdução ........................................................................................... 40 Opcões de tratamento .......................................................................... 40 Recomendações .................................................................................. 46 Câncer de próstata metastático ............................................................ 47 CÂNCER DE TESTÍCULO Introdução ........................................................................................... 51 Exploração inicial ................................................................................. 51 Histologia, estadiamento e fatores prognósticos ................................... 51 Tratamento .......................................................................................... 55 CÂNCER DE PÊNIS Introdução ........................................................................................... 61 Tratamento .......................................................................................... 62 Abordagem dos linfonodos .................................................................. 63 Tratamento sistêmico .......................................................................... 67 Diretrizes para o tratamento do câncer de pênis ................................... 69 9 10 Sociedade Brasileira de Urologia CÂNCER DE RIM As neoplasias malignas do rim têm apresentado uma incidência crescente ao longo das últimas décadas. O aumento dos diagnósticos verificados pelos métodos de imagem não tem se acompanhado de uma redução concomitante das taxas de mortalidade. Diagnóstico e classificação Cerca de 60% das neoplasias renais são incidentalmente descobertas durante a realização de exames de imagem. A tríade clássica de dor lombar, hematúria e massa palpável no flanco costuma ocorrer em menos de 10% dos casos; no entanto, são muitas as manifestações possíveis decorrentes de metástases (em cerca de 20% dos casos presentes ao diagnóstico) ou de síndromes paraneoplásicas (presentes em 40% dos casos). Sintomas clínicos como hematúria, massa palpável, aparecimento tardio de varicocele ou edema de membros inferiores devem ser investigados com exames de imagem como USG, TC e RNM em casos específicos. Câncer de rim 11 Estadiamento Estadiamento do carcinoma de células renais – TNM (AJCC, 2002) Estágio Descrição Tx Falta informação quanto ao tumor primário T0 Sem evidência de tumor primário T1a Tumor < 4 cm, limitado ao rim T1b Tumor > 4 cm < 7 cm, limitado ao rim T2 Tumor > 7 cm, limitado ao rim T3a Tumor compromete gordura perirrenal, gordura do seio renal ou adrenal, sem ultrapassar a fáscia de Gerota T3b Tumor se estende para a veia renal, seus ramos segmentares, ou veia cava inferior abaixo do diafragma T3c Tumor se estende para a veia cava inferior acima do diafragma ou invade a parede da veia cava inferior T4 Tumor se estende para além da fáscia de Gerota Nx Sem informações sobre linfonodos regionais N0 Ausência de metástases em linfonodos regionais N1 Metástase em um único linfonodo regional N2 Metástases em mais de um linfonodo regional Mx Sem informações sobre metástases a distância M0 Ausência de metástases a distância M1 Metástases a distância Classificação histológica Cerca de 75-80% dos tumores do parênquima renal são carcinomas de células claras. Os tumores papilares ocorrem em cerca de 10% dos casos, tumores cromófobos em cerca de 8%, enquanto os restantes são tipos mais raros de neoplasia maligna, como oncocitomas ou tumores de ducto coletor (de Bellini). 12 Câncer de rim Investigação radiológica TC com contraste deve ser o principal exame para avaliação diagnóstica e do grau de extensão da doença. USG e especialmente RNM são alternativas em casos selecionados por deficiência na função renal, alergia ao meio de contraste ou avaliação de extensão venosa tumoral. A TC de tórax é o exame de maior acurácia para avaliar doença metastática pulmonar, sendo o RX de tórax considerado de avaliação mínima. Bases do tratamento do cancêr de rim A cirurgia é a base do tratamento das lesões primárias do rim. Entretanto, cerca de 15-20% das lesões renais sólidas com diâmetro < 4,0 cm mostram-se benignas (angiomiolipomas, adenomas, fibrose, etc.) após a ressecção cirúrgica. Desta forma, podem ser aceitos tanto a biópsia préoperatória como o acompanhamento mais conservador de lesões pequenas e não características ao exame de imagem em pacientes selecionados ou com poucas condições cirúrgicas. Nefrectomia radical aberta e laparoscópica A nefrectomia radical está principalmente indicada no tratamento de pacientes com rim contralateral normal, na impossibilidade da realização de nefrectomia parcial com margem livre. Costuma ser priorizada em lesões > 4,0 cm devido à maior associação destas com tumores multicêntricos no mesmo rim. Pode-se utilizar quaisquer das vias de acesso (transperitoneal, lombotomia, tóracofrenolaparotomia, etc.) dependendo da experiência do cirurgião, características do tumor e condições do paciente. Câncer de rim 13 Não há evidência favorável a qualquer das abordagens, embora a nefrectomia laparoscópica possa ser considerada padrão para tumores de estádio clínico T1b-T2. A adrenalectomia não deve ser realizada de rotina, a menos que haja alteração na TC ou em casos de tumores extensos de polo superior. A linfadenectomia hilar deve ser restringida para efeito de estadiamento e em casos de envolvimento de trombo venoso sem evidência de metástase a distancia, a completa remoção deve ser priorizada. Nefrectomia parcial aberta e laparoscópica A nefrectomia parcial é a técnica preferencial nos casos de lesões pequenas (< 4 cm) e periféricas, nas quais a chance de multifocalidade é reduzida, e nos cistos complexos (Bosniak III e IV), devendo ser indicada mesmo quando o rim contralateral for normal, sempre que se obtiver uma margem cirúrgica mínima de segurança. Existe uma tendência em se considerar a realização de NP em lesões de até 7 cm em casos selecionados. Em centros de grande volume e com cirurgiões experientes, a nefrectomia parcial pode ser realizada mesmo para lesões mais complexas intrarrenais com necessidade de clampeamento de pedículo por via aberta e laparoscópica com excelentes taxas de preservação da função renal e controle oncológico, porém não deve ser considerada padrão de tratamento para estes casos. Técnicas ablativas e tratamentos minimamente invasivos A crioablação e a ablação por radiofrequência, por ultrassom (high intensity focused ultrasound - HIFU) e por radiocirurgia são as principais alternativas minimamente invasivas, mas os resultados iniciais destas técnicas necessitam de maiores seguimentos. A crioablação 14 Câncer de rim aparentemente fornece segurança razoável em séries de pacientes selecionados, com cerca de 5 anos de seguimento. Pode ser realizada por punção percutânea apenas ou assistida por laparoscopia. Ressecção de metástases (metastasectomias) O melhor tratamento para as metástases de carcinoma renal ainda é a ressecção cirúrgica. Em caso de recorrências múltiplas, a cada ressecção de metástases a chance de sobrevida em cinco anos se assemelha aos resultados obtidos com a ressecção inicial. A metastasectomia pode estar indicada em pacientes com lesões passíveis de ressecção, independentemente de haver recidivas prévias. Indicações e condições ideais (mais de 30% de controle da doença): • Metástase única (independente do orgão); • Sítio pulmonar (mesmo que múltiplas, se totalmente ressecáveis); • Intervalo para o aparecimento da metástase maior que um ano; • Ressecabilidade completa; • Recidiva isolada na loja renal. Tratamentos sistêmicos na doença metastática Quimioterapia – Esquemas de quimioterapia citotóxica com as drogas convencionais não apresentam eficácia no câncer renal. Imunoterapia – A interleucina-2 (IL-2), devido à elevada Câncer de rim 15 toxicidade e às baixas taxas de resposta objetiva, somente é oferecida a pacientes com bom estado de saúde e alta motivação. Apenas pacientes com o subtipo histológico de células claras podem ter benefício clínico com IL-2. Terapia com drogas de alvo molecular – Inibidores da angiogênese como os inibidores do fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e da tirosina quinase são atualmente a primeira linha de tratamento sistêmico no carcinoma renal de células claras. Sunitinibe – Inibidor oral da tirosina quinase, terapia de primeira linha em pacientes de risco baixo ou intermediário. Bevacizumabe – Anticorpo monoclonal, terapia de primeira linha associado ao interferon alfa (IFN-a) em pacientes de risco baixo ou intermediário. Tensirolimus – Inibidor da via da mTOR, regula a transcrição da proteína HIF em resposta à hipóxia, primeira escolha em pacientes com doença de alto risco. Sorafenibe – Inibidor oral de multiquinases, segunda linha de tratamento, após falha de citocinas. Everolimus – Inibidor oral da mTOR, opção na falha dos inibidores de tirosina quinase. A seleção da terapia de alvo molecular (terapia de primeira linha) a ser iniciada no cenário de doença metastática baseiase nos resultados dos estudos clínicos disponíveis até o momento e nos guidelines das sociedades oncológicas internacionais. Os critérios de Motzer são utilizados para estratificar em grupos de baixo risco, risco intermediário e risco elevado de progressão, e tomam por base cinco critérios clínicos (níveis de hemoglobina, cálcio, DHL, escala de Karnofski, nefrectomia prévia). A Figura 1 mostra os vários níveis de ação das drogas. 16 Câncer de rim Figura 1 Na ocasião do diagnóstico de um tumor renal metastático é importante que o paciente receba uma abordagem multidisciplinar, incluindo também a opinião do oncologista. A avaliação de cada caso em particular permitirá que o paciente possa receber o melhor tratamento considerando-se as várias alternativas existentes. Recomendações de tratamento sistêmico, no carcinoma renal metastático (Adaptado dos guidelines on renal cancer – EAU) Tratamento Grupo de risco ou Agente recomendado tratamento prévio Primeira Linha Risco baixo Sunitinibe ou intermediário Bevacizumabe (opção) +Interferon alfa Risco alto Tensirolimus Segunda Linha Falha a citocinas Sorafenibe Falha a inibidores Everolimus do VEGFR Falha a bloqueadores Estudos clínicos da mTOR Câncer de rim 17 No momento de impressão deste documento, muitas das drogas descritas previamente não são aprovadas ou estão em fase de aprovação pela ANVISA para seu emprego no Brasil. Estes fatos devem ser tambem levados em consideração na hora de prescrever o tratamento. O ácido zoledrônico na dose de 4 mg IV a cada quatro semanas pode ser útil no caso de metástases ósseas, reduzindo o número de eventos ósseos adversos (em 61%) e melhorando a qualidade de vida destes pacientes. Nefrectomia em tumores de rim metastáticos A cirurgia citorredutora para tumor de rim metastático, em pacientes selecionados, tem função no tratamento dos sintomas locais, na melhora da qualidade de vida e parece melhorar a resposta ao tratamento sistêmico. A nefrectomia radical em pacientes com doença metastática está indicada quando os mesmos apresentam bom desempenho físico, ausência de comorbidades significativas, doença primária ressecável, ou em caráter paliativo; há evidências de que a nefrectomia está relacionada a uma maior resposta terapêutica a citocinas e a drogas alvo-molecular. Tratamento adjuvante e neoadjuvante Não há indicação de quimioterapia, imunoterapia, terapia com drogas alvo-molecular ou radioterapia adjuvantes após cirurgia definitiva. A neoadjuvância com drogas alvo-molecular tem sido sugerida em casos selecionados de doença primária irressecável, mas há preocupações quanto à cicatrização e ao sangramento transoperatório. 18 Câncer de rim Recomendações 1. A observação de lesões sólidas ou císticas renais pode ser considerada nas situações especiais de lesões pequenas (< 3,0 cm), com crescimento lento e em pacientes com comorbidades severas, desde que cientes dos riscos associados a esta conduta; 2. A nefrectomia radical por via aberta ou laparoscópica é o padrão ouro do tratamento do câncer de rim > 4 cm; a seleção da técnica depende das características do paciente e do tumor; 3. A nefrectomia parcial está indicada nos tumores < 4 cm e nos cistos complexos de localização favorável. A via laparoscópica é uma opção viável em casos selecionados; 4. Nos pacientes submetidos à nefrectomia radical, a linfadenectomia regional ou mesmo ampliada pode ser realizada em pacientes com comprometimento linfonodal macroscópico; nos demais casos, a linfadenectomia hilar é suficiente; 5. Terapias ablativas podem ser consideradas em lesões periféricas de pacientes orientados e motivados; 6. A adrenalectomia ipsilateral está indicada quando a glândula estiver alterada ou em tumores extensos de polo superior; 7. A metastasectomia pode estar indicada em pacientes selecionados com lesões ressecáveis, com intenção curativa ou paliativa; 8. A nefrectomia radical em pacientes selecionados com tumores metastáticos está indicada na paliação de sintomas e em associação a tratamentos sistêmicos na busca de uma melhor resposta clínica; 9. A primeira linha do tratamento sistêmico de pacientes com doença metastática inclui drogas alvo-molecular, com Câncer de rim 19 potencial de melhora na qualidade de vida e na sobrevida livre de doença, mas sem perspectivas curativas. Imunoterapia com interleucina-2 em altas doses pode ser indicada com intenção curativa em pacientes muito selecionados com bom estado clínico. 20 Câncer de rim Sociedade Brasileira de Urologia CÂNCER DE BEXIGA Epidemiologia O câncer de bexiga (CaB) é uma doença de comportamento potencialmente letal, com 70% dos pacientes apresentando-se inicialmente com tumor superficial e 30% diagnosticados com tumor músculo invasivo associado a alto risco de morte e disseminação sistêmica. Trata-se da segunda neoplasia maligna geniturinária em frequência, com aumento da incidência ao longo dos anos, com pico dos 50 aos 70 anos, sendo três vezes mais comum no homem que na mulher. Os fatores de risco para o desenvolvimento do CaB relacionam-se basicamente com exposição química ou ambiental, como exposição a aminas aromáticas, nitritos, fenacetina, acroleína e arsênico; todavia, o fator ambiental mais importante é o tabagismo. A outra causa importante é a irritação crônica da bexiga com cateteres de demora e irradiação pélvica. Patologia Mais de 90% dos CaB são carcinomas uroteliais, 5% células Câncer de bexiga 21 escamosas e menos de 2% adenocarcinomas. Os tumores uroteliais foram classificados em quatro categorias: papiloma, tumor urotelial papilífero com baixo potencial de malignidade, carcinoma urotelial papilífero de baixo grau e carcinoma urotelial papilífero de alto grau. A maioria dos tumores uroteliais superficiais são diagnosticados em estágio Ta, T1, ou tumor in situ; todavia, 5070% destes tumores irão recorrer e 10 a 20% irão progredir para doença invasiva da muscular própria da bexiga (T2-4) (Figura 1). O Cis apresenta um comportamento imprevisível, com altas taxas de recidiva, progressão e metástases. Figura 1 Câncer de bexiga - Estadiamento União Internacional Contra Câncer Apresentação clínica Hematúria microscópica ou macroscópica, indolor e intermitente, é o sintoma e o sinal mais comum em CaB, ocorrendo em 75% dos pacientes. Sintomas irritativos do trato urinário inferior, como polaciúria, urgência e disúria constituem a segunda 22 Câncer de bexiga apresentação mais frequente de CaB, ocorrendo em 25% dos casos, nestes especialmente associados a carcinoma in situ ou a tumores invasivos. Cistoscopia Cistoscopia é a conduta padrão no diagnóstico e acompanhamento do CaB. A presença de lesão compatível com CaB à cistoscopia se correlaciona com presença de câncer ao exame anatomopatológico em mais de 90% dos casos. Diversos marcadores moleculares de CaB detectáveis na urina e no sangue têm sido utilizados. Entretanto, a citologia urinária continua sendo o exame mais empregado na atualidade (Tabela 1). Tabela 1 Métodos diagnósticos para seguimento clínico Métodos Sensibilidade Citologia Baixo grau: 7-17% Alto grau: 53-90% NMP 22 Não invasivo: 50% Invasivo: 90% Fish 70-86% Especificidade 90-98% 85% 66-93% Tumor superficial Ressecção transuretral (RTU) A RTU é o procedimento padrão para diagnóstico, estadiamento patológico e tratamento do tumor superficial de bexiga. Após a RTU do tumor vesical, vários parâmetros são utilizados para identificar os pacientes com maior risco de recorrência e progressão, e após isto escolher o tipo de terapia intravesical. A RTU inicial pode subestadiar o tumor de bexiga entre 14 a 25% dos casos ou ser incompleta em 37% a 54% deles. Por essa razão, uma nova RTU (Re-RTU), realizada 4 a 6 semanas após, deverá ser indicada em ressecções incompletas e em todos os tumores pT1 ou de alto grau (Tabela 2). Câncer de bexiga 23 Tabela 2 Classificação de risco para os tumores superficiais Baixo risco Alto risco Tumor < 3 cm Tumor > 3 cm Tumor único Tumor múltiplo Baixo grau Alto grau PTa PT1 Ausência de Cis Presença de Cis Sem recorrência Recorrência frequente BCG É o agente mais recomendado para a terapia intravesical, sendo idealmente iniciado quatro semanas após a RTU. O esquema mais empregado consiste em uma aplicação semanal durante 6 semanas, 2 horas de permanência na bexiga, na dose de 40 a 120 mg. Após a fase de indução, terapia de manutenção é recomendada em pacientes de alto risco, podendo ser utilizados os seguintes esquemas: • ciclos de 3 semanas após 3 meses, seguidos de 6 em 6 meses por 3 anos. • instilação mensal por 1 ano. Durante terapia de manutenção, as doses são as mesmas da fase de indução. DIRETRIZES: Diagnóstico e tratamento do CaB 1. Cistoscopia é a conduta padrão no diagnóstico e acompanhamento do CaB. 2. Investigação do aparelho urinário superior em CaB deve ser reservada a pacientes de alto risco através de urografia excretora e a TC. 3. O diagnóstico definitivo de CaB é realizado por meio de RTU sob anestesia. 24 Câncer de bexiga a) biopsiar a base da lesão com pinça de biópsia. b) biópsias de mucosa vesical só em áreas suspeitas de detectar Cis e na presença de tumores sésseis; biópsias de uretra devem ser realizadas nos casos onde se planeja cistectomia radical. 4. Uma segunda RTU (Re-RTU) deve ser realizada se o material retirado na primeira ressecção for insuficiente para avaliação histopatológica, se a ressecção for incompleta e nos casos de pT1 ou de alto grau. Cistectomia radical no tumor vesical superficial O papel da cistectomia precoce no T1 de alto grau mostra uma melhor sobrevida naqueles que sofreram cistectomia precoce (90% vivos em 5 anos), reduz-se para 50 a 60% em 5 anos quando a cistectomia é postergada por mais de dois anos (Figura 2). Figura 2 Sobrevida câncer específica (15 anos) dos pacientes submetidos a cistectomia precoce versus tardia no carcinoma superficial de bexiga Herr J Urol 166, 1296, 2001 Câncer de bexiga 25 Carcinoma de bexiga invasivo Cistectomia radical com linfadenectomia pélvica A cistectomia radical com linfadenectomia pélvica é o tratamento principal no CaB músculo invasivo. Os principais fatores que determinam a evolução do CaB são a eficiência da cistectomia e a extensão da linfadenectomia (Tabela 3) (Figura 3). Tabela 3 Número de linfonodos ressecados e sobrevida LN ressecados N Pacientes Recorrência local Sobrevida 10 anos 0-5 149 26 33 6-10 152 13 49 11-14 157 9 73 >14 179 5 79 Figura 3 Papel da linfadenectomia no câncer de bexiga invasivo Herr. Clin Am North, 2005 Diretrizes: tratamento do CaB superficial e invasivo Tumores superficiais 1. RTU de bexiga é o tratamento padrão. 2. Quimioterapia intravesical, com mitomicina C, em dose única é recomendável imediatamente após a RTU. 26 Câncer de bexiga 3. Re-RTU, realizada 4 a 6 semanas após, é recomendável em ressecções incompletas, lesões pT1 ou de alto grau. 4. Tumores com moderado ou alto risco de recidiva ou progressão, após a RTU, devem ser tratados com terapia intravesical adjuvante, preferencialmente com esquemas de BCG de indução e manutenção. 5. Cistectomia radical poderá ser indicada para tumores superficiais, recidivados, refratários à terapia intravesical e é recomendável nos casos de T1 de alto grau recorrente, principalmente associado a Cis. Tumores invasivos 1. Cistectomia radical com linfadenectomia pélvica é o tratamento recomendado para câncer de bexiga com invasão de camada muscular. 2. Uretrectomia total está indicada em ambos os sexos, durante a cistectomia, quando a margem uretral estiver comprometida na congelação. 3. Cistectomia parcial pode ser indicada em casos selecionados (tumor único, não recidivado, na ausência de carcinoma in situ e em cúpula vesical ou divertículo). 4. Quimioterapia neoadjuvante pode ser oferecida a pacientes com câncer de bexiga em casos selecionados com estadiamento clínico T3, T4 e/ou N+, adicionando ganho de apenas 5% na sobrevida em 5 anos quando comparada a cistectomia somente. 5. RTU conjugada à radioterapia e quimioterapia podem ser utilizadas em casos selecionados, como tentativa de preservação da bexiga. Tumor metastático 1. O tratamento padrão para o câncer metastático é a quimioterapia com esquemas MVAC (metotrexato, vimblastina e doxorrubicina, cisplatina) ou GC (gencitabina e cisplatina). Câncer de bexiga 27 Estadiamento do câncer de bexiga Classificação TNM da UICC, 2002 TX - O tumor primário não pode ser avaliado. TO - Não há evidência de tumor primário. Ta - Carcinoma papilífero não-invasivo. Tis - Carcinoma in situ: “tumor plano”. T1 - Tumor que invade o tecido conjuntivo subepitelial. T2 - Tumor que invade músculo. T2a - Tumor que invade a musculatura superficial (metade interna). T2b - Tumor que invade a musculatura profunda (metade externa). T3 - Tumor que invade tecido perivesical. T3a - Microscopicamente. T3b - Macroscopicamente (massa extravesical). T4 - Tumor que invade qualquer uma das seguintes estruturas: Próstata, útero, vagina, parede pélvica ou parede abdominal. T4a – Tumor que invade próstata, útero ou vagina. T4b – Tumor que invade parede pélvica ou parede abdominal. N - Linfonodos regionais. NX - Os linfonodos regionais não podem ser avaliados. NO - Ausência de metástase em linfonodo regional. N1 - Metástase, em um único linfonodo, com 2 cm ou menos em sua maior dimensão. N2 - Metástase, em um único linfonodo, com mais de 2 cm até 5 cm em sua maior dimensão, ou em múltiplos linfonodos, nenhum com mais de 5 cm em sua maior dimensão. N3 - Metástase em linfonodo com mais de 5 cm em sua maior dimensão. M - Metástase a distância. MX - A presença de metástase a distância não pode ser avaliada. 28 Câncer de bexiga MO - Ausência de metástase a distância. M1 - Metástase a distância. Câncer de bexiga 29 30 Câncer de bexiga Sociedade Brasileira de Urologia CÂNCER DE PRÓSTATA O câncer de próstata (CaP) é a neoplasia mais comum e a segunda em mortalidade no sexo masculino. No ano de 2008 foram estimados 49.530 novos casos no Brasil, correspondendo a um risco estimado de 52 casos novos a cada 100 mil habitantes. Esquemas de estratificação de risco são baseados nos níveis séricos de PSA, escore de Gleason, dados de biópsias e categoria clínica do tumor, contidos na classificação TNM (Tabela 1). De acordo com a agressividade e risco de progressão, os pacientes são classificados em diferentes grupos: 1. Baixo risco – PSA < 10 e Gleason < 6 e estágio clínico T1c ou T2a. 2. Risco intermediário – PSA entre 10-20 ou Gleason 7 ou estágio clínico T2b. 3. Alto risco – PSA > 20 ou Gleason > 8 ou estágio clínico T2c. Câncer de próstata 31 Tabela 1 Câncer de próstata Tumor Primário (T): pTX Lesão primária não classificada pT0 Sem evidência de tumor T1 Tumor não palpável e não visível por imagem • T1a - Tumor incidental em 5% ou menos do tecido ressecado • T1b - Tumor incidental em mais de 5% do tecido ressecado • T1c - Tumor em biópsia por agulha devido a elevação do PSA T2 Tumor confinado à próstata • T2a - Tumor envolve um lobo • T2b - Tumor envolve mais da metade de um lobo • T2c - Tumor envolve os dois lobos T3 Tumor com extensão extracapsular • T3a - Extensão extracapsular uni ou bilateral • T3b - Invasão de vesícula seminal T4 Tumor fixo ou invadindo estruturas adjacentes: colo vesical, esfíncter externo, reto, músculo elevador ou parede pélvica Linfonodos regionais (N): NX - Linfonodos não avaliados NO - Linfonodos não acometidos N1 - Metástase linfonodal regional Metástases a distância (M): MX - Metástases a distância avaliadas MO - Ausência de metástases a distância M1 - Metástases a distância presentes • M1a - Linfonodos não regionais • M1b - Ossos • M1c - Outros órgãos Tratamento do câncer localizado O CaP localizado é aquele restrito à próstata (T1-T2). A utilização crescente da dosagem do PSA no rastreamento do CaP vem possibilitando o diagnóstico precoce e o tratamento desta doença. Diferentes modalidades terapêuticas podem ser utilizadas para o tratamento do CaP localizado. As principais são prostatectomia radical (PR), radioterapia (RXT), braquiterapia (BT), vigilância ativa (VA) e observação (OBS). 32 Câncer de próstata Prostatectomia radical A prostatectomia radical (PR) é o tratamento de escolha para homens com CAP localizado e expectativa de vida de 10 anos ou mais. Não há limite de idade para a realização da PR, sendo este um parâmetro em desuso nos tempos atuais. A estimativa da expectativa de vida é de fundamental importância no aconselhamento de um paciente para a cirurgia. A PR pode ser realizada por via retropúbica, perineal, laparoscópica ou assistida por robô. Todas as opções técnicas são validas e dependem do treinamento do cirurgião. Em nosso meio, a abordagem retropúbica é feita mais frequentemente. Estudos de revisão sistemática mostraram que as cirurgias minimamente invasivas (laparoscópica e robótica) apresentam menor sangramento e menor tempo para recuperação pósoperatória. Os resultados funcionais e oncológicos a médio prazo parecem similares a cirurgia convencional. Mais do que a técnica em si, estes resultados são amplamente dependentes do cirurgião. A Tabela 2 mostra dados referentes ao controle oncológico alcançado pela PR no tratamento do CaP localizado em diferentes séries: Tabela 2 Resultados oncológicos de PR em doença localizada N Tempo (anos) % LRB Rohel, 2004 3478 10 68 Pound, 1999 1997 15 NR Freedland, 2004 1582 3 84 Han, 2003 2091 5 84 10 72 15 61 Ward, 2003 3903 8,8 77 Holmberg, 2002 695 5 NR 8 NR SCE (%) 97 94 NR NR NR NR 92 97 93 NR – Não relatado; % LRB – Percentual de pacientes livres de recidiva bioquímica Câncer de próstata 33 Controle oncológico Atualmente, a PR é o único tratamento para CAP localizado que mostrou benefício na sobrevida câncer específica (SCE) quando comparada a conduta conservadora em estudo de nível de evidência 1. A presença de margem cirúrgica positiva está associada a um aumento no risco de recidiva bioquímica e local da doença com maior taxa de tratamento secundário. Trabalhos recentes demonstraram que o volume cirúrgico e a experiência do cirurgião também influenciam esta taxa. Resultados funcionais a. Continência pós-operatória As taxas de incontinência urinária após PR diferem muito de acordo com o critério utilizado na sua definição. A idade dos pacientes, a experiência do cirurgião e a técnica cirúrgica são os principais fatores determinantes da continência. Em estudo com 1.213 PR realizadas em diferentes serviços, a taxa de continência foi de 89% em dois anos. b. Função sexual A definição de potência sexual após a cirurgia é a capacidade de se manter o intercurso sexual satisfatório com ou sem o uso concomitante de medicações inibidoras da fosfodiesterase-5 (PDE-5). São fatores fundamentais para a recuperação da capacidade erétil a potência prévia à cirurgia, a idade do paciente e a técnica operatória empregada. A preservação bilateral dos feixes vasculonervosos cavernosos depende da dissecção minuciosa, evitando tração excessiva e aplicação de energia térmica (cautério, ultrassom) aos nervos. Séries acadêmicas de PRR relatam taxas de potência de 34 Câncer de próstata cerca de 60% em dois anos para os pacientes sem disfunção erétil no pré-operatório. Este resultado foi comparável à cirurgia minimamente invasiva. Indicação e extensão da dissecção linfática Ainda não foi atingido um consenso a respeito de quando ela está indicada. Pacientes com valor de PSA < 10 ng/ml e escore Gleason < 7 possuem baixo risco de metástase no gânglio linfático, sendo sua indicação facultativa nestes casos. Em pacientes com características de alto risco, a linfadenectomia estendida deve ser considerada. Vigilância ativa Critérios clínicos, histológicos e radiológicos ainda não nos permitem a identificação eficaz daqueles pacientes com doença indolente, de curso lento, que não representam ameaça à vida. Vigilância ativa se refere ao acompanhamento de pacientes com CaP de baixo risco, com reavaliações periódicas destes critérios, com o intuito de identificar progressão tumoral. Evidências de progressão da doença indicam abandono desta abordagem e tratamento imediato. Existem vários critérios para indicação da vigilância. Os critérios ideais para inclusão neste tipo de tratamento seriam: • Estágio clínico T1c ou T2a. • PSA <10 e escore de Gleason < 6 em pacientes < 70 anos. • Menos do que 3 em 12 fragmentos da biópsia, nenhum deles com mais de 50% do fragmento. • Densidade do PSA < 15%. • Tempo de duplicação do PSA < 3 anos. Câncer de próstata 35 Pacientes em VA devem ser monitorados periodicamente através de biópsia prostática, PSA e toque retal. Velocidade de duplicação do PSA, piora dos critérios histológicos e solicitação do paciente são indicativos da necessidade de tratamento definitivo. Radioterapia Não há estudo randomizado comparando PR com RXT em pacientes com câncer localizado da próstata. A radioterapia externa (RXT) pode ser indicada em todos os pacientes com CaP localizado, com exceção daqueles com obstrução urinária. Radioterapia conformacional tridimensional (RTC-3D) é o padrão ouro. Recentemente, a radioterapia modulada de intensidade (IMRT) passou a ser a mais utilizada em centros de excelência. Existe um efeito significativo do escalonamento de dose na resposta ao tratamento, com menos recorrências com doses acima de 72 Gy. Não há indícios de que a irradiação profilática de linfonodos pélvicos clinicamente negativos tenha algum impacto na sobrevida. Na prática diária, uma dose mínima de 74 Gy é recomendada. Em pacientes com risco intermediário e alto, doses acima de 78 Gy são indicadas. A IMRT possibilita aumentar doses de radiação homogeneamente até no máximo 86 Gy, respeitando as tolerâncias dosimétricas em órgãos de risco. Certamente para valores acima de 80 Gy, a IMRT é a única forma segura de tratamento. As complicações mais comuns das diversas modalidades de RXT são sintomas miccionais irritativos (disúria, urgência, 36 Câncer de próstata polaciúria, noctúria), proctite, retenção urinária. A disfunção erétil (DE) após RTX ocorre em 45% dos pacientes submetidos a esta forma de tratamento. Braquiterapia Consiste no implante homogêneo via perineal guiado por US transretal de sementes radioativas de iodo ou de palladium. A BT é principalmente utilizada em estádios iniciais e doença de baixo volume. A BT pode ser indicada em pacientes com CaP localizado, na presença dos seguintes critérios: • Estágio clínico T1b-T2a. • Ausência de padrão de Gleason 4 ou 5. • PSA <10 ng/mL. • Menos do que 50% dos fragmentos da biópsia envolvidos. • Volume de próstata de < 50 g. • Ausência de sintomas urinários obstrutivos. O quadro abaixo lista as contraindicações relativas para a indicação da braquiterapia: Contraindicações relativas • RTU prévia da próstata • Expectativa de vida <5 anos • Próstata >60g • Estreitamento anorretal • Discrasia sanguínea • Uropatia obstrutiva significativa • Arco púbico e deformidades ósseas http://www.acr.org/departments/stand Câncer de próstata 37 Regime de observação Modalidade bastante questionável em doentes jovens e quaisquer tipos de CaP; pela dificuldade de controle, protocolos confiáveis, ausência de critérios estabelecidos para seguimento e baixa aderência dos pacientes. Pode ser considerada como uma opção no tratamento de pacientes com CaP localizado nos quais a expectativa de vida é limitada, pacientes mais idosos com cânceres menos agressivos nos casos de negativa de tratamento. Crioterapia A crioterapia usa técnicas de congelamento que induzem a célula à morte. Pacientes que são candidatos ideais para crioterapia são aqueles com doença mínima de baixo risco, principalmente aqueles sem condição clínica de submeter-se a outras modalidades. A próstata deve ter o tamanho < 40 mg. PSA deve ser < 20 ng/mL, e o escore de Gleason < 7. Não existem, até o momento, dados de controle a longo prazo que justifiquem a indicação desta modalidade como de escolha para o tratamento do CaP localizado. Complicações comuns após crioterapia: disfunção erétil (80%), incontinência urinária (4,4%), dor pélvica (1,4%) e retenção urinária em aproximadamente 2%. Ultrassom focado de alta intensidade (HIFU) Apesar dos resultados iniciais animadores (2 anos de segmento), não existem trabalhos com seguimento longo e nível 38 Câncer de próstata de evidência que permitam a recomendação rotineira desta modalidade como forma de tratamento do câncer de próstata localizado. Recomendações 1. O tratamento do CaP localizado deve ser individualizado, com a participação do paciente na escolha. 2. Tratamento cirúrgico está indicado em todos os casos de doença localizada, desde que os pacientes apresentem condições clínicas e expectativa de vida que justifiquem o procedimento (NE1; GRA). 3. Terapia neoadjuvante com análogos LH-RH não é recomendada no tratamento da doença localizada (NE1c GRA). 4. Embora a maioria dos estudos sugira melhor resultado da cirurgia em seguimentos mais prolongados (> 10 anos), a radioterapia externa pode ser indicada nos casos de CaP localizado, independente do grupo de risco. Não são bons candidatos a RXT pacientes com obstrução urinária (NE2; GRA). 5. A braquiterapia deve ser preferencialmente indicada em pacientes com escore de Gleason < 7, glândula < 50 gramas, expectativa de vida > 5 anos e sem sintomas urinários obstrutivos importantes (NE2; GRA). 6. O regime de vigilância ativa pode ser instituído para pacientes tumores indolentes (ausência de padrão de Gleason 4/5, PSA baixo e pequeno volume tumoral à biopsia). Os pacientes devem ser monitorados pelo menos com dosagem de PSA e toque retal periodicamente (6/6 meses) e biópsia anual. O tratamento definitivo deve ser imediato quando houver indícios de progressão tumoral (NE2; GRB). Câncer de próstata 39 Tratamento do câncer localmente avançado da próstata Introdução O CaP clinicamente diagnosticado como localmente avançado correspondente ao estádio T3-T4 (TNM) é definido como um tumor não mais restrito ao órgão. É passível de subestadiamento clínico entre 30%-60% das vezes, sendo o diagnóstico feito por exame digital retal, imagem e biópsia. O tratamento desses tumores tem os seguintes objetivos: • possibilidade de cura. • controle da progressão local com diminuição da morbidade. • melhora da qualidade de vida. Opções de tratamento Prostatectomia radical (PR) A perspectiva de bons resultados da PR em pacientes com estádio T3 baseia-se na remoção completa do tumor e tecidos adjacentes. O conhecimento dos limites anatômicos e o comportamento biológico da neoplasia são determinantes para uma adequada técnica cirúrgica. Os resultados contemporâneos têm mostrado que mais de 50% dos pacientes têm um controle da doença sem terapia adjuvante. Com os avanços da técnica cirúrgica, a maioria das complicações peri e pós-operatórias tardias são menos comuns que há 20 anos, em séries contemporâneas e não diferem significativamente das complicações cirúrgicas para doença localizada. A necessidade de ressecção dos feixes vasculonervosos, além de levar a DE, aumenta a probabilidade de incontinência urinária pós-cirúrgica. 40 Câncer de próstata Diferentemente do que pensávamos no passado, a PR pode ser indicada em pacientes com doença de alto risco ou com extensão extraprostática com resultados animadores. Considerar a indicação de linfadenectomia estendida, uma vez que mais de 20% dos casos podem ter metástase linfonodal fora do sítio da linfadenectomia simplificada. O paciente deve ser informado sobre a necessidade da abordagem multimodal associando RT e/ou HT no intuito de melhorar os resultados. RT adjuvante a prostatectomia radical Existem três estudos randomizados considerando o emprego de RT adjuvante após PR (Figura 1). Todos mostram uma redução na sobrevida livre de recorrência bioquímica. Recentemente, Thompson e colegas relataram o resultado de um estudo randomizado envolvendo 431 homens com CAP pT3N0M0. Nesse estudo foi observada melhora da sobrevida, inclusive em pacientes com invasão de vesícula seminal e Gleason>7. Figura 1 Séries de RT adjuvante a cirurgia radical Grupo N FW med (a) SLP EORTC 1005 5.0 72 vs 52 P<0,0001 SWOG 410 9,7 67 vs 48 P=0,0001 GERMAN 385 3,3 81 vs 60 P<0,0001 RT: 60 - 64 GY T3a/T3b ou margem (+) SG NS 74 vs 63 P=0,11 NS FW: seguimento, SLP: sobrevida livre de progressão, SG: sobrevida global Tratamento hormonal neoadjuvante à prostatectomia radical (THN) Os estudos que dispõem de dados a longo prazo sobre recorrência e sobrevida não mostram melhora significativa destes Câncer de próstata 41 quesitos, não havendo indicação deste tipo de terapia no momento. Tratamento hormonal adjuvante a cirurgia radical Em casos de linfonodo positivo na histopatologia final, bloqueio hormonal (BH) adjuvante deve ser considerado. Messing et al. examinaram a função do BH versus a observação em pacientes com linfonodo positivo encontrado na cirurgia inicial. Com um acompanhamento médio de 11,9 anos, aqueles que recebiam BH imediato tiveram uma melhora significativa em SG sobre aqueles controlados com observação (Figura 2). Figura 2 Gráfico de sobrevida do estudo de Messing e cols. Pacientes vivos (%) 1.0 0.8 0.6 0.4 HR 0.54 (95% CI 0.99, 0.30; p=0.04) Castração imediata (n=47) Castração retardada (n=51) 0.2 0.0 0 2 4 6 8 Tempo (anos) 10 12 Gosserrelina adjuvante à PR significativamente reduz o risco de morte em 46% comparada com PR isolada para pacientes com LN+ Radioterapia (RTX) O uso de RTX pode ser indicado em pacientes com tumor da próstata localmente avançado. RTX externa é o tratamento mais apropriado para os pacientes com CaP localmente avançado que irão receber radiação. Os resultados da RTX são similares aos da cirurgia, mas sua morbidade é considerada menor. Radioterapia convencional x conformacional A RTX conformacional tem o potencial de diminuição absoluta, de até 30%, no risco de complicações e de aumentar o controle tumoral. 42 Câncer de próstata Dose de radioterapia A dose de RTX aplicada tem correlação direta com o controle da doença. Estudos com doses mais altas tiveram melhores resultados, de acordo com uma revisão sistemática da literatura. Houve tendência para melhor resultado no grupo que recebeu tratamento conformacional. Um estudo randomizado comparando RTX conformacional de 70Gy contra 78Gy mostrou melhora no segundo grupo, em termos de tempo para progressão da doença. Radioterapia de intensidade modulada O uso de RTX com intensidade modulada permite que se atinjam doses de mais de 80Gy diretamente no tumor, preservando os tecidos vizinhos, o que diminui a toxicidade. Recente revisão sistemática da literatura, feita para um estudo de análise econômica, detectou que há evidências de que a RTX de intensidade modulada é capaz de evitar efeitos colaterais, mesmo atingindo doses mais altas. Irradiação de campo prostático x irradiação de pelve total Não há dados consistentes de alto valor científico que comprovem o benefício da irradiação de pelve total. Emprego de bloqueio hormonal associado a RT O uso pode ser utilizado 2-3 meses antes da RT (neoadjuvante) e durante o tratamento para potencializar os efeitos da radiação e no intuito de redução do volume prostático (Figura 3). A American Society of Therapeutic Radiation Oncology (ASTRO) preconiza que a terapia hormonal adjuvante deve ser indicada de acordo com a classificação de risco de recidiva. Para pacientes de baixo risco não há vantagens em associar HT. Nos pacientes de risco intermediário, a HT deve ser instituída pelo período de 6 m. Nos pacientes com alto risco, a terapia hormonal Câncer de próstata 43 prolongada por 2-3 anos deve ser realizada (Figura 4). Figura 3 Gráfico de sobrevida do estudo de Bolla e cols. mostrando a vantagem da HT adjuvante prolongada após RT em pacientes de alto risco HT adjuvante à RT melhora significativamente a SG EORTC - 5.5 anos de f-up mediano Gosserrelina adjuvante à Rt reduz significativamente o risco de morte em 49% comparada com RT isolada Figura 4 Recomendação de terapia hormonal adjuvante após RT (baseada nas orientações da ASTRO) Grupo Risco Baixo Intermed. Alto HT + RT EC, Grau, PSA T1-T2a, GS 2-6, PSA < 10 T2b, T2c, GS7, PSA 10-20 T3, GS 8-10, PSA > 20 N+ Recomendação Sem HT HT 6 meses HT 2-3 anos Bloqueio hormonal exclusivo O uso isolado de BH nesse estádio da doença foi estudado em 5 estudos randomizados, alguns já antigos (antes da era do PSA), sugerindo que o bloqueio hormonal precoce poderia influenciar o curso da doença, retardando o início de sua progressão. Mais um estudo, desenhado para analisar esses dados com mais profundidade, comparou bloqueio hormonal imediato com tardio. 44 Câncer de próstata A ocorrência de obstrução ureteral, fratura patológica e compressão medular foi o dobro entre os pacientes sem bloqueio imediato. Tanto a sobrevida global quanto a sobrevida doença-específica foram significativamente maiores no grupo que recebeu bloqueio imediato. Em relação ao tipo de bloqueio androgênico mais indicado, se bloqueio completo, também denominado bloqueio máximo, ou apenas testicular, existe ainda controvérsia. O Prostate Cancer Trialists’ Collaborative Study é talvez a metanálise mais importante até hoje publicada sobre este assunto. Inclui a análise de 27 pesquisas multicêntricas, randomizadas e bem elaboradas. A sobrevida em 5 anos entre bloqueio androgênico máximo (BAM) e nos castrados ou usando análogo LH-RH não foi significativa. Alguns estudos sugerem também que o emprego de antiandrógenos não-esteroidais apresentam taxas similares de sobrevida, mas com melhor qualidade de vida quando comparados com a castração (Figura 5). Figura 5 Gráfico de Forrest plot mostrando as vantagens da bicalutamida nos domínios da qualidade de vida quando comparada a terapia hormonal com castração química ou cirúrgica em pacientes com doença localmente avançada Favorece a castração Favorece a bicalutamida 150 mg Capacidade física Bem-estar emocional Interesse sexual Vitalidade Função social Dor Limitação Distúrbio do sono Saúde global p=0,046 p=0,029 -2 -1 0 1 2 3 4 5 Câncer de próstata 45 Recomendações 1. PR é uma opção viável em pacientes com doença cT3a, Gleason 8-10 e PSA>20 (NE3). 2. Durante a PR é recomendável a realização de linfadenectomia pélvica estendida (NE3). 3. O paciente deve estar ciente da possibilidade de possuir margens+, extensão extracapsular, vesícula seminal +, sendo habitualmente necessária mais de uma modalidade terapêutica (NE2). 4. Pacientes com T3 patológico após a PR devem ser esclarecidos do custo-benefício do emprego da RT adjuvante, especialmente nos pacientes com margens positivas (NE1). 5. A RT conformacional como terapia inicial é adequada (NE2). 6. A IMRT é opcional, faltando dados acerca da SV e custobenefício (NE2). 7. A extensão do campo irradiado (pelve total X próstata), utilizando-se classificações de risco, pode ser utilizada, mas não há dados concretos acerca da SV e toxicidade (NE2). 8. A terapia hormonal exclusiva é uma opção paliativa no tratamento da doença localmente avançada. Quando for uma opção viável, evidências sugerem que deva ser instituída precocemente, visando reduzir morbidade e o aparecimento de metástases. Devem ser considerados também os custos e as complicações do tratamento (NE1). 9. BAM não oferece superioridade significativa sobre o BA simples, não havendo justificativa para recomendação de seu uso (NE1). 10. Antiandrogênicos periféricos no tratamento dos tumores localmente avançados mantêm a qualidade de vida e aparentemente não prejudicam a sobrevida quando comparados à castração (NE2). 46 Câncer de próstata Câncer de próstata metastático O carcinoma de próstata metastático é considerado incurável. Sendo assim, o tratamento visa melhorar a sobrevida e a qualidade de vida. Embora o tratamento hormonal já exista há mais de meio século, muitas perguntas ainda não foram completamente respondidas. Bloqueio hormonal parcial • Recomenda-se o uso de análogo ou orquiectomia (bloqueio hormonal parcial) como tratamento de primeira linha no CaP metastático (NE1; GRA). • É recomendada a utilização de antiandrogênico administrado por 5 a 7 dias antes e durante as 3 primeiras semanas, após o início do uso do LHRH (NE3; GRD). • Diversas formas de bloqueio hormonal são eficientes, sendo a monoterapia com antiandrogênico a opção de menor atividade (NE1; GRA). Adição de antiandrogênico (AA) no bloqueio androgênico incompleto • A adição dos antiandrogênicos não-esteroidais (BHC) é recomendável na falha da castração cirúrgica ou química isolada (NE4; GRC). Bloqueio intermitente • O bloqueio hormonal intermitente pode ser oferecido como uma modalidade de tratamento para os pacientes com CAP metastático; baseado na melhora de qualidade de vida e diminuição de custos (NE2; GRB). Bloqueio imediato • Recomenda-se bloqueio hormonal imediato para os pacientes diagnosticados com CaP metastático (NE1; GRA). Câncer de próstata 47 Drogas e esquemas mais eficazes do bloqueio hormonal • Recomenda-se o uso de análogo LHRH nas doses preconizadas de gosserrelina 3,6 mg por mês ou gosserrelina 10,8 mg a cada 3 meses ou leuprolida 7,5 mg por mês (NE1; GRA). Bloqueio hormonal de segunda linha O tratamento hormonal de segunda linha deve ser individualizado: • Retirar antiandrógenos nos pacientes com bloqueio hormonal completo (NE4; GRC). • Introduzir antiandrógenos nos pacientes com bloqueio hormonal incompleto (NE4; GRC). • Trocar o antiandrógeno quando houver falha (NE3; GRB). • Na falha da troca do antiandrógeno, recomenda-se a introdução de estrógenos, cetoconazol ou corticoides (NE3; GRB). Indicação de quimioterapia no câncer da próstata metastático resistente à hormonioterapia Pacientes com neoplasia de próstata metastática hormôniorefratário sintomático devem receber quimioterapia, com o intuito de paliar sintomas e/ou obter aumento de sobrevida (NE1; GRA). Corticoides devem ser usados em associação com quimioterapia (NE1; GRA). Indicação do uso de bisfosfonatos para o tratamento do câncer da próstata metastático hormônio-insensível • Para os pacientes com CaP metastático hormôniorefratário, sintomáticos ou não, indica-se o uso de zoledronato (NE1; GRA). Bisfosfonatos e CaP metastático hormônio-sensível • Nos pacientes com CaP metastático, hormônio-sensíveis, 48 Câncer de próstata sintomáticos ou não, recomenda-se o uso de bisfosfonatos na prevenção de osteopenia (NE2; GRB). Tratamento de coluna vertebral • O tratamento de escolha para pacientes com compressão medular é a intervenção cirúrgica ou radioterapia associada a corticoides (NE2; GRB). Esquemas terapêuticos mais utilizados Agente Análogos LHRH Produto Gosserrelina Leuprolida Dose 3,6 mg/28 dias 10,8 mg/3 meses 7,5 mg/28 dias Principais efeitos colaterais Impotência, osteoporose, aumento de peso, ondas de calor Busserrelina Antiandrogênico Ciproterona de ação central 6,6 mg/60 dias 200 a 300 mg/dia Ginecomastia, impotência, fenômenos tromboembólicos Antiandrogênicos Flutamida 750 mg/dia Ginecomastia, periféricos Nilutamida 150 mg/dia diarreia, Bicalutamida 50 mg/dia hepatotoxicidade, 150 mg/dia pneumonia intersticial Estrógeno Dietilestibestrol 1-3 mg/dia Ginecomastia, impotência, osteoporose, fenômenos tromboembólicos, ondas de calor Bloqueio AA Cetoconazol 400 mg – Dispneia, náusea adrenal 2 a 3X/dia Estrógeno EV Estrógeno EV 1200 mg EV/dia Retenção 2X por semana hidrossalina, edema agudo do pulmão, ginecomastia, impotência, fenômenos tromboembólicos Câncer de próstata 49 50 Câncer de próstata Sociedade Brasileira de Urologia CÂNCER DE TESTÍCUL O TESTÍCULO Introdução Os tumores malignos do testículo representam a neoplasia mais frequente em homens com idade inferior a 45 anos, ocorrendo 8.090 novos casos e 380 óbitos nos Estados Unidos em 2008. Avanços recentes permitiram uma abordagem mais individualizada e eficaz, com melhoradas taxas de cura para mais de 95% atualmente. Exploração inicial Pacientes com massa testicular suspeita devem ser submetidos à exploração cirúrgica por via inguinal com exteriorização do testículo. Orquiectomia radical deve ser realizada se tumor for encontrado. Histologia, estadiamento e fatores prognósticos Do ponto de vista prático, os TCG podem ser agrupados em seminomas e não-seminomas, representando cada um destes grupos 50% dos casos. Câncer de testículo 51 O sistema de estadiamento recomendado por esta diretriz é o TNMS 2002 (Tabela 1). Tabela 1 Estadiamento TNMS para TCG Tumor primário (T): A extensão local é avaliada após Orquiectomia Radical: pTX - Lesão primária não classificada pTO - Sem evidência de tumor pT1 - Tumor circunscrito ao testículo e epidídimo pT2 - Tumor com invasão da túnica vaginal pT3 - Tumor com invasão do cordão pT4 - Tumor com invasão da parede escrotal Linfonodos regionais (N): Classificação clínica: NX - Linfonodos não classificados NO - Ausência metástases em linfonodos retroperitoneais N1 - Metástase em linfonodo(s), diâmetro < 2 cm N2 - Metástase em linfonodo(s), diâmetro 2 a 5 cm N3 - Metástase em linfonodo(s), diâmetro > 5 cm Classificação patológica (após linfadenectomia): pNX - Linfonodos não classificados pNO - Ausência metástases em linfonodos retroperitoneais pN1 - Metástases em 5 ou menos linfonodos, diâmetro < 2 cm pN2 - Metástases em mais de 5 linfonodos com diâmetro < 2 cm ou metástases em menos de 5 linfonodos com diâmetro de 2 a 5 cm, ou evidência de extensão extragonadal pN3 - Metástases em linfonodos, diâmetro > 5 cm Metástase a distância (M): MX - Metástases a distância não classificadas MO - Sem metástases a distância M1 - Metástases a distância presentes M1a - Metástases pulmonares ou em linfonodos não regionais M1b - Metástases em outros locais Metástases séricos (S): SX - Marcadores não disponíveis ou não realizados SO - Marcadores dentro dos limites normais S1 - DHL < 1,5N e bHCG (mlu/mL) < 5.000 e AFP (ng/dL) < 1.000 S2 - DHL 1,5 – 10 x N ou bHCG (mlu/mL) entre 5.000 - 50.000 ou AFP (ng/dL) entre 1.000 - 10.000. S3 - DHL > 10 x N ou bHCG (mlu/mL) > 50.000 ou AFP (ng/dL) > 10.000 Obs.: N representa o limite superior do valor de referência para a dosagem do DHL 52 Câncer de testículo Os pacientes são agrupados de acordo com os seguintes critérios: Estadiamento agrupado Estádio T N M S Estádio 0 pTis NO MO SO Estádio I pT1-4 NO MO SX Estádio IA pT1 NO MO SO Estádio IB pT2 pT3 pT4 NO NO NO MO MO MO SO SO SO S 1-3 Estádio IS qualquer T NO MO Estádio II qualquer T qualquer N MO SX Estádio IIA qualquer T qualquer T N1 N1 MO MO SO S1 Estádio IIB qualquer T qualquer T N2 N2 MO MO SO S1 Estádio IIC qualquer T qualquer T N3 N3 MO MO SO S1 Estádio III qualquer T qualquer N M1 SX Estádio IIIA qualquer T qualquer T qualquer N qualquer N M1 M1 SO S1 Estádio IIIB qualquer T qualquer T qualquer N qualquer N MO M1 S2 S2 Estádio IIIC qualquer T qualquer T qualquer T qualquer N qualquer N qualquer N MO M1A M1B S3 S3 qualquer S Em 1997, o IGCCCG (International Germ Cell Cancer Collaborative Group) elaborou a seguinte classificação de prognóstico que foi incorporada à TNMS. Câncer de testículo 53 Prognóstico Bom Seminoma TODOS os critérios abaixo: SLD 5 anos - 82% • qualquer sítio primário Sobrevida 5 anos - 86% • ausência de metástases viscerais não 90% dos casos pulmonares • AFP normal • qualquer bHCG • qualquer DHL Não-seminoma TODOS os critérios abaixo: SLD 5 anos - 89% • sítio primário - testículo ou Sobrevida 5 anos - 92% retroperitoneal 10% dos casos • ausência de metástases viscerais não pulmonares • AFP < 1.000 ng/mL • HCG < 5.000 IU/L • LDH < 1,5 x N Prognóstico Intermediário Seminoma QUALQUER um dos critérios abaixo: SLD 5 anos - 67% • qualquer sítio primário Sobrevida 5 anos - 72% • metástases viscerais não 10% dos casos pulmonares • AFP normal • qualquer bHCG • qualquer DHL Não-seminoma TODOS os critérios abaixo: SLD 5 anos - 75% • sítio primário - testículo ou Sobrevida 5 anos - 80% retroperitoneal 28% dos casos • ausência de metástases viscerais não pulmonares • AFP entre 1.000 - 10.000 ng/mL • HCG entre 5.000 - 50.000 IU/L • LDH entre 1,5 - 10 x N Prognóstico Ruim Seminoma NÃO EXISTEM SEMINONAS NESTA CATEGORIA Não-seminoma QUALQUER um dos critérios abaixo: SLD 5 anos - 41% • sítio primário - MEDIASTINO Sobrevida 5 anos - 48% • metástases viscerais não pulmonares 16% dos casos • AFP entre > 10.000 ng/mL • bHCG > 50.000 IU/L • LDH > 10 x N 54 Câncer de testículo Em pacientes no estádio I, características clínicas e patológicas estão associadas ao risco de presença de metástases a distância e de recorrência tumoral. Para os seminomas, os mais importantes são o tamanho do tumor (> 4 cm) e presença de invasão de rete testis. Nos tumores não-seminomatosos, estes fatores são: infiltração vascular/ linfática, presença de carcinoma embrionário (acima de 50%). Tratamento Seminoma a) Estádio I O prognóstico é excelente, com taxas de sobrevida livre da doença em longo prazo aproximando de 100%. a.1) Vigilância ativa A taxa de recorrência tumoral em cinco anos é de 15 a 20%, sendo que os linfonodos infradiafragmáticos representam o local mais comum. Quimioterapia com dosagem de acordo com a classificação de risco (IGCCCG) apresenta bons resultados em caso de recorrência. a.2) Radioterapia adjuvante Deve incluir a região paraaórtica e inclusão dos linfonodos ilíacos ipsilaterais, em dose moderada (20-24 Gy), com taxa de recorrência de apenas 1 a 3% em cinco anos. a.3) Quimioterapia adjuvante Dose única de carboplatina é um tratamento alternativo neste estádio, em pacientes com grau de risco intermediário. Câncer de testículo 55 b) Estádio IIA e IIB A radioterapia pode ser utilizada. No EC IIB, as margens laterais devem se estender por 1,5 cm além dos linfonodos acometidos. Em casos de recidiva, indica-se QT conforme classificação de risco. Em pacientes no EC IIB, quimioterapia é a tendência atual de tratamento. c) Estádio IIC, III e localizações extragonadais O tratamento recomendado é a quimioterapia de acordo com o risco. 1. Bom prognóstico: 3 ciclos de PEB ou 4 ciclos de EP. Prognóstico Intermediário: 4 ciclos de PEB. d) Massas residuais após quimioterapia Massas residuais menores que 3 cm devem ser observadas. Naquelas maiores que este limiar, o PET scan (FDG-PET) apresenta alto valor preditivo positivo para a presença de tumor viável e deve ser utilizado. Tumores germinativos não-seminomatosos (TGNS) a) Estádio IA e IB As decisões terapêuticas baseiam-se em fatores de risco descritos anteriormente. Pacientes com ausência destes fatores podem ser observados, enquanto aqueles com fatores de risco presentes devem ser submetidos à linfadenectomia retroperitoneal ou quimioterapia primária. a.1) Vigilância ativa Cerca de 30% dos pacientes apresentarão recorrência tumoral durante o seguimento, sendo que 80% ocorrem no primeiro ano. QT de resgate nestes 56 Câncer de testículo pacientes está associada a sobrevida livre de doença (5 anos) de 98%. a.2) Linfadenectomia retroperitoneal (LNRP) A LNRP estabelece o correto estadiamento patológico, promovendo a cura na maioria dos casos em estádios IIA e IIB até 3,0 cm. Em casos de recorrência pós-operatória, QT com 2 ciclos de BEP deve ser utilizada. A preservação da ejaculação com a técnica seletiva é possível na maioria dos casos. Porém, margens cirúrgicas não devem ser comprometidas na tentativa de se prevenir a ejaculação retrógrada. LNPR laparoscópica parece ser uma boa alternativa à cirurgia aberta, mas no momento estudos de longo prazo ainda são necessários para sua recomendação. a.3) Quimioterapia primária Dois ciclos de PEB logo após a orquiectomia apresentam taxa de recorrência de 2,7% em 8 anos de seguimento. Após QT primária, o estudo por métodos de imagem em longo prazo é recomendado, devido ao risco de desenvolvimento de teratoma retroperitoneal, que é quimiorresistente. b) Estádio IS Devem ser considerados como portadores de doença residual, e serem submetidos à quimioterapia adjuvante, com 3 ciclos de PEB. c) Estádio IIA e IIB Naqueles pacientes inicialmente como ECI, submetidos à Câncer de testículo 57 LNRP com presença de linfonodos acometidos (ECII), o uso de QT adjuvante, com 2 ciclos de BEP, é recomendado. Pacientes com elevação de marcadores tumorais ao diagnóstico devem ser submetidos a QT primária, com 3 ou 4 ciclos de PEB. Aqueles com marcadores normais podem ser tratados com LNRP ou vigilância ativa. Casos de aumento nos níveis de marcadores tumorais devem ser submetidos à QT de acordo com os grupos de risco. d) Estádio IIC, III e localizações extragonadais O tratamento recomendado é a quimioterapia, seguindo o mesmo esquema utilizado nos TG seminomatosos com o mesmo estadiamento. e) Tratamentos adicionais Os esquemas abaixo podem ser utilizados em caso de necessidade de QT de 2a linha: PEI/ VIP, TIP, VeIP ou EP/ carboplatina em altas doses. f) Ressecção das massas residuais Se houver normalização dos marcadores e presença de massa residual, pode ser realizada LNRP, pois a presença de teratoma é provável. Em outras situações a decisão deve ser individualizada pela falta de informações na literatura. Em casos de massas residuais com marcadores aumentados após QT convencional, deve-se tentar QT de 2a linha. 58 Câncer de testículo Recomendações A. SEMINOMA A.1 EC 1 Baixo risco para metástases (<4 cm e sem invasão rete testis): • Pacientes aderentes - vigilância ativa (NE1 GRA) • Pacientes não aderentes: – RT paraaórtica com ou sem inclusão dos linfonodos ilíacos ipsilaterais (NE1 GRA) – QT com carboplatina em dose única (NE1 GRA) Alto risco para metástases (>4 cm ou invasão rete testis): • RT paraaórtica com ou sem inclusão dos linfonodos ilíacos ipsilaterais (NE1 GRA) • QT com carboplatina em dose única (NE1 GRA) A.2 EC IIA e IIB IIA • QT com 4 x EP ou 3 x BEP (bom prognóstico) (NE1 GRA) • RT paraaórtica com inclusão dos linfonodos ilíacos ipsilaterais - 30 Gy (NE1 GRA) IIB • QT com 4 x EP ou 3 x BEP (bom prognóstico) (NE1 GRA) • RT paraaórtica com inclusão dos linfonodos ilíacos ipsilaterais - 36 Gy (NE1 GRA) A3 EC IIC e III Bom prognóstico: • QT com 3 x BEP (NE2 GRB) • QT com 4 x EP (NE2 GRB) - alternativo se contraindicação à bleomicina Prognóstico intermediário: • QT com 4 x EP (NE2 GRB) B. TUMORES NÃO-SEMINOMATOSOS B.1 EC 1 Baixo risco para metástases (ausência de invasão linfática ou vascular, carcinoma embrionário < 50%, pT1): • Pacientes aderentes - vigilância ativa por no mínimo 5 anos (NE2 GRB) • Pacientes não aderentes: – Linfadenectomia retroperitoneal (NE1 GRA) Câncer de testículo 59 – QT primária com 2 ciclos de PEB (NE1 GRA) Alto risco para metástases (presença de invasão linfática ou vascular, carcinoma embrionário > 50%, pT2-4): • Linfadenectomia retroperitoneal (NE1 GRA) • QT primária com 2 ciclos de PEB (NE2 GRB) ECIS (não normatização dos marcadores tumorais após orquiectomia): • QT primária com 3 ciclos de PEB (NE4 GRD) B.2 EC IIA e IIB Marcadores tumorais pós-orquiectomia normais: • Vigilância ativa por no mínimo 5 anos (NE2 GRB) • Linfadenectomia retroperitoneal (NE1 GRA) Marcadores tumorais pós-orquiectomia alterados: • QT primária com 3 ou 4 ciclos de PEB, conforme risco (NE2 GRA) B.3 EC IIC e III Baixo risco: • QT primária com 3 ciclos de PEB (NE2 GRA) Risco intermediario ou alto: • QT primária com 4 ciclos de PEB (NE2 GRA) B.4 MASSAS RESIDUAIS Marcadores tumorais pós-orquiectomia normais ou em declínio: • Linfadenectomia retroperitoneal (NE2 GRB) Marcadores tumorais pós-orquiectomia alterados: • QT primária com 3 ou 4 ciclos de PEB, conforme risco (NE2 GRA) 60 Câncer de testículo Sociedade Brasileira de Urologia CÂNCER DE PÊNIS Introdução O câncer de pênis é uma neoplasia relativamente rara, sendo mais frequente nos locais com níveis socioeconômicos mais baixos. No Brasil, representa 2% das neoplasias do homem, atingindo até 10% em alguns Estados das regiões Norte e Nordeste. O carcinoma espinocelular (CEC) representa aproximadamente 95% das neoplasias do pênis e toda a diretriz será apresentada considerando-se esta variante histológica. Com relação às rotas de disseminação, na grande maioria dos casos o sítio inicial de metástases são os linfonodos inguinais superficiais (podendo ser bilateral independente da lateralidade da lesão), seguindo para os linfonodos inguinais profundos, linfonodos pélvicos e em um estágio final a disseminação hematogênica. Câncer de pênis 61 O sistema de estadiamento internacionalmente utilizado é o TNM revisado em 2002 (UICC). Sistema de classificação - TNM - 2002 T – Tumor primário TX – Tumor primário não avaliado TO – Sem evidência de tumor Tis – Carcinoma in situ Ta – Tumor verrucoso não-invasivo T1 – Tumor invade tecido conectivo subepitelial T2 – Tumor invade corpo cavernoso ou esponjoso T3 – Tumor invade uretra ou próstata T4 – Tumor invade estruturas adjacentes N – Linfonodos regionais Nx – Os linfonodos regionais não avaliados NO – Sem metástase em linfonodos N1 – Metástase única em linfonodo inguinal superficial N2 – Metástases múltiplas ou bilaterais em linfonodos inguinais superficiais N3 – Metástase em linfonodos inguinais profundos ou ilíacos M – Metástase a distância Mx – Metástases não avaliadas MO – Sem metástases a distância M1 – Metástase a distância Tratamento Lesão primária O tratamento mais indicado para a lesão primária do CEC é a amputação parcial ou total. Entretanto, devido ao seu caráter de mutilação, esforços têm sido realizados para encontrar alternativas menos invasivas. Nas principais séries comparativas da literatura, a taxa de cura da amputação é bastante superior quando comparada às técnicas conservadoras (Tabela 1). 62 Câncer de pênis Tabela 1 Taxa de cura comparando penectomia com tratamento conservador Autor Nº pacientes Penectomia Tratamento (n) (%) conservador (%) Mistry e colaboradores 65 87,5 62 Lont e col. 157 95,5 64,7 Leijte e col. 748 90 66 Ornellas e col. 700 94,7 72,3 A cirurgia micrográfica de Mohs, embora preserve tecido peniano, apresenta índices de recorrência local entre 20 e 30%. A criocirurgia é outro tratamento ablativo que também pode ser utilizado em casos com pequenas lesões, principalmente o carcinoma verrucoso. A radioterapia pode ser utilizada através de radioterapia externa ou braquiterapia. O índice de radiorresistência ou recorrência tumoral gira ao redor dos 20%. Os melhores resultados são obtidos em pacientes portadores de lesões superficiais. A eficácia em lesões invasivas é limitada, uma vez que a dose necessária para erradicar o tumor causa um elevado índice de complicações locais graves. O tratamento com laser para as lesões primárias do pênis tem o seu benefício mais evidente apenas para casos em estádios iniciais. Cirurgias complexas, como desarticulações ou hemipelvectomias, têm sido raramente empregadas, sendo fundamental uma seleção criteriosa dos pacientes. Abordagem dos linfonodos O principal determinante da sobrevida dos pacientes com câncer de penis é a invasão e a extensão do comprometimento linfonodal (Tabela 2). Câncer de pênis 63 Tabela 2 Sobrevida de homens com câncer de pênis após tratamento considerando-se o comprometimento linfonodal Sobrevida em 5 anos Autor Ano NN+ Srinivas e col. 1987 85% 32% Ornellas e col. 1991 87% 29% Ravi 1993 95% 53% Pandey e col. 2006 95.7% 51.1% Indicações A linfadenectomia inguinal tem indicação em uma das seguintes condições: • tumores de alto grau (grau histopatológico II ou III); • estadiamento local avançado (T2 ou superior); • invasão microscópica linfovascular; • linfonodos inguinais palpáveis após tratamento local e antibioticoterapia; • linfonodos inguinais palpáveis que surgiram no acompanhamento sem evidência de doença a distância; • ressecção de lesão ulcerada para paliação de sintomas. Nas outras situações não existe indicação precisa de linfadenectomia e os pacientes devem ser acompanhados regularmente. Pacientes com carcinoma verrucoso (Ta) não necessitam de linfadenectomia, uma vez que não evoluem com metástases regionais. Aspectos técnicos da abordagem linfonodal O momento da abordagem inguinal é motivo de debate. Sua realização precoce tem melhores taxas de sobrevida no caso de linfonodos comprometidos após 5 anos. A maioria dos autores preconiza intervalo de 4 a 6 semanas sob antibioticoterapia, após o tratamento da lesão primária para a realização de linfadenectomia quando indicada. 64 Câncer de pênis A linfadenectomia inguinal convencional é um procedimento acompanhado de alta morbidade (Tabela 3). Ainda que as séries contemporâneas tenham revelado uma redução significativa da morbidade quando comparadas a séries históricas, o índice de complicações ainda é maior do que 40% (NE4). Em virtude deste fato, discute-se muito atualmente métodos que pudessem predizer uma maior necessidade e extensão da cirurgia em pacientes com linfonodos impalpáveis. A biópsia de linfonodo sentinela proposta por Cabanas apresenta um elevado índice de falsos-negativos, não sendo atualmente recomendada. A biópsia de linfonodo com auxílio da linfocintilografia com injeção intradérmica peritumoral de tecnécio 99 tem uma baixa morbidade (por volta de 10%) (Tabela 3), porém o índice de resultados falsos-negativos varia de 5-50%. No nosso meio, o emprego desta técnica em centros de referência apresentou um índice inaceitável de acurácia, não sendo recomendada de rotina. Com relação à lateralidade, a maioria dos autores recomenda a abordagem bilateral das regiões inguinais. Quanto à extensão da linfadenectomia, há bastante divergência. Para pacientes com linfonodos clinicamente negativos ou pouco aumentados, uma opção à cirurgia convencional é a linfadenectomia limitada proposta por Catalona. Apresenta como atrativo a redução de morbidade cirúrgica em comparação com a linfadenectomia clássica (Tabela 3). Porém, como tem uma abrangência limitada, alguns estudos mostram que até 15% dos pacientes podem apresentar recidiva inguinal tardia com comprometimento da sobrevida. A linfadenectomia ilíaca só é justificável em pacientes com mais de 2 linfonodos inguinais comprometidos. Por outro lado, a cirurgia realizada em pacientes com massas pélvicas evidentes tem benefício terapêutico discutível. Câncer de pênis 65 Tabela 3 Incidência de complicações associadas a linfadenectomia inguinal Autor (ano) Pacien- Necrose Infecção Sero- Linfo- Linfetes de pele de parede ma cele dema Ornellas e cols. 200 45% 15% 6% 23% (1972-87) Lopes e cols. (1953-85) 145 15% 22% 60% - 30% D’Anconna e cols. (1994-99) Radical 26 - - - - - - 38% - 38% - 38% Simplificada Kroon e cols. (1994-2003) Radical 129 0% - - 26% - - 0% - - 15% 27% 9% 12% 31% Sentinela - 1% 5% 2% 1% 1% Perdona e cols. (1990-2004) Radical 70 - - - - - 48 8% 8% 13% 4% 21% Sentinela 22 0% 5% 9% - - Pompeo (1984-97) 50 6% 12% 6% - 18% Tobias-Machado e col Videoendoscópica 10 0% 0% 5% 10% 5% Aberta 10 20% 30% 0% 20% 0% Sotelo e cols. Videoendoscópica 8 0% 0% 0% 23% 0% No intuito de preservar uma área adequada de dissecção nodal e reduzir a morbidade cirúrgica, alguns centros do mundo têm descrito sua experiência inicial com a cirurgia videoendoscópica. Os resultados mostram uma redução global da morbidade, especialmente à custa da morbidade cutânea. Apesar de promissora, o resultado oncológico carece de avaliação a longo prazo para recomendar rotineiramente esta modalidade para ressecção linfonodal em pacientes com câncer de pênis. 66 Câncer de pênis Cirurgia paliativa higiênica A cirurgia paliativa é realizada em pacientes com CEC avançado que apresentam metástases para a região inguinal ou a distância. Ocasionalmente, o desbridamento cirúrgico aliado a técnicas de reconstrução promove alguma paliação para pacientes com doença locorregional. Tratamento radioterápico das regiões inguinais Utilizada com intenção curativa em pacientes com metástases linfonodais, a radioterapia apresenta resultados inferiores aos da linfadenectomia. Seu uso adjuvante ou neoadjuvante tem sido proposto por alguns autores, mas o pequeno número de séries, bem como a morbidade decorrente da irradiação, não permite conclusões definitivas. Tratamento sistêmico Doença de grande volume e irressecável ocorre em 2-15% dos casos por ocasião do diagnóstico. Não há tratamento quimioterápico padrão para o carcinoma de pênis. Os pacientes com doença avançada podem ser divididos em três grupos: com doença metastática a distância (menos de 5% dos casos), com doença locorregional inabordável cirurgicamente e com recidiva após tratamento primário. É importante a avaliação dos pacientes quanto ao estado geral, risco potencial para o desenvolvimento de eventos adversos e expectativas em relação ao tratamento. Doença locorregional avançada Os medicamentos citotóxicos avaliados até o momento, utilizados de forma isolada, têm eficácia em 10% a 15% dos casos e benefícios de curta duração (3 a 4 meses), com Câncer de pênis 67 toxicidade proporcional às doses utilizadas. Relatos de casos isolados sugerem que a associação de radioterapia e quimioterapia, principalmente bleomicina, pode produzir resultados semelhantes aos da cirurgia em pacientes com grandes massas linfonodais inguinais ou promover paliação mais adequada do que a radioterapia utilizada isoladamente. Recidiva após tratamento primário Os pacientes com recidiva sistêmica e com bom estado geral podem ser considerados para quimioterapia paliativa. Não há dados de literatura que justifiquem a ressecção de metástases. Deve-se considerar o tratamento cirúrgico radical associado a tratamento complementar com quimioterapia, nos casos de recidiva locorregional não operados anteriormente. A radioterapia adjuvante ao tratamento cirúrgico comumente se associa a grandes linfedemas de membros inferiores e sua indicação, nestes casos, é muito limitada. Em algumas séries, eventos adversos graves podem ocorrer em mais de 30% dos casos, inclusive com óbitos. Tratamento sistêmico neoadjuvante (pré-operatório) Tem sido estudada a indicação para a quimioterapia préoperatória para pacientes com bom estado geral e que apresentam linfonodos inguinais fixos ou tumor estádio T4. A análise combinada de pequenos estudos com quimioterapia pré-operatória revela que mais de 70% dos pacientes apresentam resposta clínica e 65% de pacientes têm regressão tumoral suficiente para permitir a excisão cirúrgica radical subsequente. 68 Câncer de pênis Quimioterapia neoadjuvante intra-arterial também pode ser uma opção de tratamento, porém são necessários estudos mais amplos para comprovação de seus efeitos quando combinada à cirurgia. Tratamento sistêmico adjuvante (pós-operatório) O subgrupo de pacientes com mau prognóstico, caracterizado por comprometimento linfonodal bilateral, disseminação extracapsular nos linfonodos, linfonodos > 2 cm de diâmetro, envolvimento de linfonodos pélvicos ou mais de dois linfonodos comprometidos pode se beneficiar de tratamento quimioterápico pósoperatório. Diretrizes para o tratamento do câncer de pênis 1. O tratamento mais indicado para a lesão primária do CEC é a amputação parcial ou total (NE4; GRC). 2. Em casos selecionados (Tis, Ta, T1G1 no prepúcio), a lesão primária pode ser tratada por métodos mais conservadores (NE2; GRB). 3. Linfadenectomia inguinal bilateral está indicada nos casos de linfonodos palpáveis (NE4; GRC). 4. Nos pacientes com linfonodos impalpáveis, a linfadenectomia inguinal bilateral está indicada nos casos de alto risco de comprometimento linfonodal (T1G2, T1G3, T2, T3, T4) (NE4; GRC). 5. Pacientes com carcinoma verrucoso (Ta) não necessitam de linfadenectomia (NE4; GRC). 6. Existe indicação de radioterapia nas regiões inguinais com Câncer de pênis 69 finalidade paliativa em casos de tumores inoperáveis (NE4; GRC). 7. Quimioterapia pode ser utilizada na doença metastática ou locorregional avançada, associada ou não ao tratamento cirúrgico para pacientes selecionados (NE4; GRC). 8. Em casos de neoplasia incurável, a associação de modalidades terapêuticas pode ser indicada com finalidade paliativa ou higiênica (NE3; GRB). 70 Câncer de pênis