Diario de Pernambuco - PE 23/06/2014 às 03:00hs
Conversa decisiva sobre o câncer
Em pesquisa da USP, mães apontam atitudes que são indispensáveis para o anúncio de
um diagnóstico em crianças. Levar os pais a lugar reservado e esclarecer dúvidas deles
são os cuidados mais reivindicados
É grande a dificuldade de aceitar uma doença complexa como o câncer. Tanto para o
paciente quanto para os familiares dele. Quando o tumor acomete uma criança, o
processo costumar ser ainda mais delicado. Daí a importância de informar aos pais
sobre a ocorrência do problema da melhor forma possível. Em busca dos
comportamentos mais indicados, a enfermeira Talitha Bordini de Mello, da
Universidade de São Paulo (USP), entrevistou mães que passaram pela situação. A
importância de a conversa inicial se dar em um lugar mais reservado e conduzida por
uma pessoa bem preparada está entre os pontos ressaltados pelas participantes do
estudo.
“Tivemos casos em que a notícia foi dada por enfermeiros e, só depois, o médico
explicou o problema com cuidado, sendo que, muitas vezes, isso não ocorreu em um
lugar fechado, desrespeitando o momento de choro e desespero dos pais”, relata Mello.
A estudiosa conversou com 24 mulheres entre junho de 2012 e março de 2013, no Setor
de Oncologia da Clínica Pediátrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto (HCFMRP), ligado à USP. “Realizamos conversas em grupo para que
elas dessem suas opiniões e ouvissem as das outras, o que ajudou na hora de chegarmos
às conclusões”, relata.
Outro ponto destacado pela pesquisadora é a importância de, no momento da conversa,
as informações serem passadas repetidas vezes, evitando que a emoção repentina dos
pais não comprometa o entendimento do problema. Fagna Nayara de Paiva, 27 anos,
entendeu melhor o câncer que acomete o filho João Sebastian, 4, só depois de uma
revelação no mínimo indelicada. Uma enfermeira soltou o diagnóstico de leucemia.
“Ela achou que eu já sabia. Quando me disse, levei um grande susto porque não
imaginava que o problema dele era esse. Ainda não tinham nem me dado os resultado
dos exames”, lembra. Após o choque, a mãe foi amparada por um psicólogo e o médico
do filho, que repassaram mais detalhes sobre a doença. “Fiquei mais calma, mas
acredito que um apoio em conjunto, e mais reservado, teria me auxiliado mais.”
A opção por saber e entender o câncer e, depois, falar sobre a doença para o rebento
doente também foi muito relatada pelas entrevistadas. Tânia Mara Batista, 21 anos,
ouviu de um médico a notícia de que a filha Kamila Vitória Santos, 4, tinha um tumor
bilateral no rim longe da criança e com todo o cuidado possível. Segundo ela, o cuidado
tomado foi essencial para a compreensão da doença. “A Kamila não estava na hora e
acho que isso foi importante, pois, depois de entender tudo, pude explicar para ela com
as minhas palavra. Mesmo sendo pequena e entendendo pouco, foi o melhor caminho.”
Em uma sala reservada, Tânia ouviu do especialista que menina não estava em uma
situação crítica e que a chance de cura do tumor era bastante alta. “Ele me explicou com
cuidado e me deu esperanças.”
O outro lado
Informar a existência de um câncer também não é uma tarefa fácil para os profissionais
da saúde. Países como os Estados Unidos adotam um protocolo, chamado Spikes,
composto por um passo a passo de como dar a notícia. “O documento aponta justamente
a necessidade de estar em um local fechado, tranquilo, privativo, e que o profissional
precisa estar disponível para a conversa”, destaca Mello.
Para Sílvia Coutinho, supervisora técnica de psicologia do Hospital da Criança do
Distrito Federal, os protocolos poderiam auxiliar os médicos, mas trariam um resultado
muito mais positivo se fossem elaborados com base na cultura brasileira. “Esse método
funciona mais em uma sociedade de perfil mais frio em relação aos comportamentos.
No nosso caso, somos mais emocionais. Acredito que, com adaptações, poderíamos tirar
mais proveito dessa estratégia”, destaca.
Diario de Pernambuco - PE 23/06/2014 às 03:00hs
Entrevista - Fernando Maluf, oncologista
“Médico deve ser claro e infomativo”
Quais são os cuidados que precisam ser tomados pelo médico ao lidar com uma doença
tão séria e o que o paciente deve esperar desse momento de diagnóstico?
O médico deve ser claro e informativo, ao mesmo tempo afetuoso e deixar claro que
essa é uma batalha de todos (paciente, família e médico). Eu sempre ensino aos meus
residentes que, para fazer a oncologia de modo completo, devemos sentar na cadeira do
paciente a fim de contemplar o que ele ou ela está sentindo no momento. O paciente
precisa de um bom médico acima de um bom técnico.
Uma das motivações para a publicação do livro seria um certo combate à desinformação
sobre o câncer promovida principalmente pela internet. Como o senhor vê essa
interferência?
O doutor Google pode ser útil em algumas ocasiões, mas pode ser danoso em outras.
Não é incomum as informações disponíveis em uma busca de internet serem providas
por profissionais sem grande profundidade ou experiência no tema ou até mesmo por
pessoas de outras áreas que não de saúde. Além disso, nem sempre as palavras de
procura remetem a um texto que as descreve com exatidão. Isso muitas vezes não é
percebido pelo leigo e, portanto, as informações são mal-interpretadas. Sem falar no
fato de que o texto de internet muitas vezes é simples e sem uma discussão ampla que
contemple os detalhes da doença, do paciente e do meio ambiente. Esses três fatores são
críticos e podem influenciar de modo importante o prognóstico e os tratamentos
oferecidos.
Como isso refletiu no projeto do livro Vencer o câncer?
O projeto Vencer o câncer na figura do livro e do site procura, por meio de especialistas
de renome nacional e internacional, prover informação clara, transparente, simples e, ao
mesmo tempo, detalhada para permitir que pacientes e famílias se munam do melhor
modo possível para abater o bandido, no caso, o tumor.
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