COORDENAÇÃO DE ENSINO E PESQUISA, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA
INFORMAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-DOUTORADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
RELATÓRIO DE PESQUISA – PÓS-DOUTORAMENTO
FEVEREIRO 2011 – FEVEREIRO/MARÇO 2012
Pesquisador – Jeroen Johannes Klink
Supervisor responsável - Giuseppe Mario Cocco/Professor Titular
UFRJ
Título do projeto:
Governanças, escalas e o território metropolitano. Novas dinâmicas
informacionais, comunicacionais e de inovação.
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Regimes, regulação e máquinas urbanas transescalares.
Contornos de uma agenda de pesquisa ampliada sobre a metrópole?
“ ‘You don’t have to be a postmodernist’, Harvey Molotch (1990: 175) argues, ‘to
suspect efforts that cast all cities as uniform in their response to larger economic
changes’. Nor, of course, do you have to be an unreformed structuralist to discern
intriguing parallels and telling similarities in the response of contemporary cities to
wider forces, such as neoliberalism and economic globalization.”
(JESSOP; PECK; TICKELL, 1999, p. 141).
“ ‘O INQUILINO é para o PROPRIETÁRIO o que o ASSALARIADO é para o
CAPITALISTA’. Isso é absolutamente falso.” (MARX; ENGELS, sd, p. 118).
1. Introdução
As metrópoles continuam desempenhando um papel central nos debates sobre
o desenvolvimento. O discurso mais recente das agências internacionais de
fomento representa um caso emblemático. Estas últimas redescobriram as
economias urbanas e regionais como espinha dorsal do espaço nacional, a serem
conectadas à economia mundial – pelo Estado facilitador – por meio de um
sistema de livre comércio e circulação de capital.1 Por exemplo, o Relatório de
Desenvolvimento do Banco Mundial de 2009 constrói um raciocínio de acordo
com o qual as economias de aglomeração formam a base de uma trajetória
virtuosa de desenvolvimento, na qual o Estado, nas suas múltiplas escalas, apenas
interfere para garantir o funcionamento correto dos mercados (via a construção de
cadastros e registros de propriedade, o fortalecimento e a flexibilização do
mercado de capitais e de crédito etc.), ou para conectar os territórios periféricos às
regiões vencedoras na economia mundial (WORLD BANK, 2009).
Numa crítica à abordagem deste relatório, Harvey problematiza a
“naturalização” do discurso neoclássico sobre a produção de espaços “desiguais e
1
Trata-se de uma redescoberta, pois, já nos anos 1980-1990, várias agências multilateriais e bilateriais produziram
diagnósticos sobre o papel das cidades na Economia e na estratégia nacional de desenvolvimento urbano (WORLD
BANK, 1991; UNDP, 1991).
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combinados” e o fato de esta abordagem dissociar a evolução da metrópole de
uma leitura geo-histórica do movimento dinâmico e contraditório do capital na
economia mundial. No arcabouço neoclássico, “nunca se aprofunda a ideia de que
uma cidade pode se dar bem, enquanto o seu povo vai mal” (HARVEY, 2009, p.
1275). Na visão desse autor, o fato de o referido Relatório nem sequer mencionar
as raízes urbano-fundiárias da mais recente crise do subprime de 2008 é apenas
uma das várias facetas dessa representação esterilizada da metrópole que marca a
nova economia espacial mainstream.
Também no Brasil do chamado novo desenvolvimentismo (OLIVA, 2010), o
paradoxo das metrópoles continua no centro das discussões (MARICATO, 2011;
ROLNIK; KLINK, 2011). Assistimos à retomada de taxas expressivas de
crescimento econômico, acompanhadas por avanços referentes ao fortalecimento
do arcabouço de regulação dos mercados urbanos, o que se refletiu na aprovação
do Estatuto da Cidade, assim como na consagração de um planejamento
colaborativo-participativo como norma para nortear a atuação do Estado na
(re)produção do espaço. Após um período prolongado de ajustes fiscais, o Estado
brasileiro injetou recursos financeiros vultosos destinados às cidades por meio de
programas como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV) e o Plano de Aceleração
do Crescimento (PAC). Ao mesmo tempo, os conflitos, historicamente enraizados
em torno do ambiente construído e da terra, fizeram com que poucas cidades
conseguissem produzir planos diretores participativos compatíveis com a função
social da propriedade (SANTOS Jr.; MONTANDON, 2011).2
Guardadas as devidas proporções, referidos debates lembram as discussões
dos anos 60 e 70 sobre o papel urbano-metropolitano nas transformações mais
amplas que ocorriam no campo da economia e da sociedade.
De um lado, havia uma “macroteoria” que interpretava a crise do fordismokeynesianismo e o esvaziamento do Estado nacional nos países centrais (JESSOP,
1995) como oportunidades para deslanchar estratégias de desenvolvimento local
endógeno. De acordo, com tal visão, os galpões industriais vazios, as áreas
portuárias abandonadas e as macroinfraestruturas obsoletas representariam o
2
Ver também a edição especial do periódico Caderno Metrópoles sobre o direito à cidade na metrópole, a ser
publicado em março de 2012.
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ponto de partida para inovar com projetos pautados pela competitividade
sistêmica, na linha de experiências como a da “Terceira Itália”, do “BadenWürtemberg” na Alemanha e do “Vale de Silício” nos Estados Unidos da
América (EUA).
De outro lado, encontrávamos um pensamento crítico, que se deparava com
dois desafios complementares. O primeiro era romper com a tendência do
marxismo clássico de analisar o urbano em termos de um fetiche da teoria
burguesa (CASTELLS, 1975) e inserir o tema do espaço numa reflexão atualizada
acerca da dinâmica socioespacial e temporal do capitalismo.3 O que estava em
jogo nesse caso era complementar o materialismo histórico, que privilegiava uma
leitura do conflito capital-trabalho a partir do tempo, com uma dialética
socioespacial, e reconhecer, por meio da análise geo-histórica, o papel central do
espaço na sobrevivência do próprio capitalismo (LEFEBVRE, 1974; SOJA,
1989). O segundo desafio era problematizar a endogenização das estratégias de
desenvolvimento local-regional e a proliferação do urbanismo empreendedorcompetitivo (HARVEY, 1989; HALL, 1995), no sentido de enraizar estas
tendências numa leitura mais ampla da desestruturação dos espaços do fordismo,
das suas relações socioeconômicas e tecnológicas e formas de produção e
circulação de valor.
De modo geral, referida reflexão crítica desenvolveu-se a partir de duas
tradições complementares, cujas trajetórias, com poucas exceções, não passaram
por um processo de fecundação cruzada.
Primeiramente, encontramos uma vertente geopolítica e histórica, que
priorizou a análise das transformações no sistema de acumulação e no modo de
regulação e seus impactos sobre a produção do espaço urbano e regional. Esta
leitura de inspiração regulacionista privilegiou as tendências macroestruturais,
sem aprofundar a explicação de trajetórias urbano-metropolitanas específicas.
Apesar de avanços recentes no sentido de reconhecer as imbricações entre as
transformações estruturais e a (re)produção do espaço da metrópole (BRENNER,
2004; FERNANDES; CANO, 2005), desta vertente estruturalista-regulacionista
3
A reflexão clássica de autores como Marx e Ricardo foi influenciada pelo momento histórico da transição do
feudalismo para o sistema capitalista, reservando papel marginal para a classe de proprietários de terra.
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emergiu uma caracterização do espaço local-metropolitano como receptáculo das
forças sociais e econômicas, que não reconhecia complexidades, contingências e
aberturas para estratégias locais em cidades-regiões concretas.
Uma segunda corrente, impulsionada pelos trabalhos clássicos de Logon e
Molotch (1987) sobre as chamadas máquinas urbanas de crescimento nas cidades
norte-americanas, privilegiou a análise de coalizações locais de crescimento, que
procuravam maximizar o valor de troca da terra urbana via uma série de
estratégias de desenvolvimento local (frequentemente em detrimento do valor de
uso da terra). Talvez até involuntariamente (JESSOP; PECK; TECKEL, 1999),
esta vertente acabou supervalorizando a capacidade de agenciamento nas
metrópoles, em detrimento de uma reflexão que privilegiasse as relações
imbricadas entre a (re)produção da metrópole e as transformações mais amplas no
campo da economia e da sociedade.
Neste artigo exploramos a hipótese de que um maior diálogo entre as duas
tradições mencionadas acima poderia contribuir com o aprofundamento de uma
visão geo-histórica crítica da trajetória das metrópoles no atual cenário da
economia mundial e o aperfeiçoamento de um programa de pesquisa pautado pela
dialética socioespacial, na linha apontada por autores como Soja, Harvey e
Lefebvre. Mais particularmente, argumentamos que há “complementaridades
intrigantes” (JESSOP; PECK; TICKEL, 1999, p.147) entre a perspectiva
regulacionista, cujo fundamento metodológico é o conflito capital-trabalho e a
geração e circulação de valor e a tese das “máquinas urbanas de crescimento”,
enraizada no prisma da economia política do ambiente construído, que poderiam
servir na construção de uma compreensão aprimorada acerca do papel das
metrópoles no atual estágio da globalização financeira. Uma agenda de pesquisa
que buscasse os limites e as potencialidades desta aproximação epistemológica
não apenas serviria para aprofundar a análise das novas faces de que Maricato
(2011) chama de “o nó da terra” na urbanização periférica que marca o caso
brasileiro (e de outros países), mas também para aprofundar a análise dos
transbordamentos complexos entre os mercados financeiro-imobiliários e os
demais circuitos do capital na (re)produção do espaço da metrópole
contemporânea, mediados pelo Estado nas suas múltiplas escalas de poder e
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facilitados pelas tecnologias de comunicação e informação.
Após esta introdução, estruturamos este artigo em quatro seções. Na primeira,
problematizamos a narrativa mainstream sobre o desenvolvimento local
endógeno, enquanto na seguinte apresentamos uma interpretação da evolução do
pensamento crítico sobre o papel da metrópole na geopolítica do capitalismo
contemporâneo. Na terceira, com base em alguns fatos estilizados sobre o atual
fase do capitalismo mundial, argumentamos em favor de um diálogo mais intenso
entre as abordagens regulacionistas e a “economia política do local” para
aperfeiçoar a compreensão da (re)produção da metrópole na economia mundial
financeirizada. Na conclusão, apresentamos alguns elementos para uma agenda de
pesquisa (aplicada) que caminha na direção apontada ao longo deste artigo.
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2. Tecnologia,
território
e trabalho.
Três
metanarrativas
sobre
o
desenvolvimento local endógeno
Nesta seção, esquematizamos três discursos que, por meio de variações ao
tema central das economias de aglomeração, fizeram com que uma representação
do espaço urbano-regional em termos de plataformas dinâmicas, inseridas na
economia internacional, assumisse gradativamente a hegemonia no debate sobre o
desenvolvimento ao longo dos anos 70 e 80.
Nosso objetivo não será discutir detalhadamente os limites e potencialidades
de cada um dos referidos discursos, mas sintetizar o fio condutor das narrativas,
incluindo suas omissões e “silêncios”, bem como demonstrar em que pontos
ajudaram a “naturalizar” a proliferação de experiências de reestruturação
produtivo-urbana na Europa e nos EUA dos anos 70 em diante. Esta síntese
também nos ajudará a preparar o terreno para o pensamento crítico, cuja análise
mais detalhada será o objeto da terceira seção.
A abordagem neoschumpeteriana baseou-se nas ideias desse autor sobre ondas
longas, inovação tecnológica e empreendedorismo. Diferente da escola
(neo)clássica, cujo raciocínio foi construído em torno da noção central do
equilíbrio, motor subjacente ao sistema de acumulação, na visão schumpetariana,
seria o desequilíbrio, alimentado pela estratégia do empreendedor de romper e
inovar o sistema, para assim gerar e captar sobrelucros temporários. Na fase
inicial (FREEMAN; PEREZ, 1988; NELSON; WINTER, 1982), esta abordagem
ainda caracterizou-se pela ênfase nas trajetórias e paradigmas tecnológicos e por
uma subordinação da chamada esfera socioinstitucional à esfera tecnoeconômica
(ELAM, 1994). A partir de contribuições interdisciplinares, este programa
ampliou-se com uma agenda de pesquisa em torno das economias urbanas e
regionais de aprendizagem e inovação (OECD, 2001), uma aplicação da ideia de
sistemas de inovação para o campo urbano-regional. Os autores buscaram
distanciar-se de certo determinismo tecnológico e lançaram mão de uma análise
mais
cuidadosa
das
interações
sociais
e
dinâmicas
territoriais
que
consubstanciariam o processo de inovação e de aprendizagem. Isso culminou na
proliferação de publicações sobre “learning regions” (FLORIDA, 1995), normas
extramercantis de coordenação das atividades econômicas e interdependências
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tácitas e não-comercializáveis (STORPER, 1997). Também no Brasil,
proliferaram-se, dos anos 90 em diante, estudos sobre regiões inovadoras, clusters
e sistemas locais produtivos e inovativos (LASTRES; CASSIOLATO, 2005;
COSTA, 2007).
A obra de autores como Becattini (1979), Piore e Sabel (1984) e Scott (1988)
sobre a chamada segunda linha divisória na organização industrial moderna (após
a revolução fordista) marcou o ponto de partida para uma abordagem
neosmithiana sobre a substituição das grandes plantas industriais integradas por
um sistema de especialização flexível, composto por redes de micro e pequenas
empresas, articuladas a uma demanda que oscila intensamente em função das
preferências de mercado. Valendo-se do teorema de Adam Smith4, no qual o
tamanho do mercado molda a ampliação da divisão social de trabalho (e, portanto,
o aumento da produtividade), as economias urbanas e regionais flexíveis que
emergiam e que podiam ser interpretadas como verdadeiras “comunidades
produtivas” imbricadas por processos de subcontratação, apresentariam condições
superiores para lidar com os riscos e custos associados às intensas flutuações no
perfil e no tamanho do mercado no regime pós-fordista (SABEL et al, 1989). Em
relação à abordagem neoschumpeteriana, houve um deslocamento do objeto da
análise das questões de viés tecnológico ao tema da construção (social) do
mercado como um todo (ELAM, 1994).
A partir dos anos 70, a escola neoclássica também redescobriu a dimensão
espacial da economia, em geral, e as economias de aglomeração, em particular
(MARSHALL, 1920). A retomada foi estimulada pela capacidade de “modelar”
mercados não competitivos e cenários tecnológicas de rendimentos crescentes de
escala (gerando custos marginais decrescentes), até então considerados obstáculos
insuperáveis para a inserção da questão espacial no pensamento econômico
mainstream (KRUGMAN, 1996; ROMER, 1986). Na visão de Krugman, esta
capacidade foi crucial para avançar na análise dos processos de causação circular
e de crescimento cumulativo que caracterizam as dinâmicas territoriais nas
4
Apesar da ênfase comum nas questões relacionadas à divisão social de trabalho, à estrutura de mercado e à
configuração das relações de subcontratação, há diferenciações internas na narrativa neosmithiana. Na análise de
Scott, por exemplo, inspirada na abordagem dos custos transacionais (o chamado teorema “Coase-WilliamsonScott”), “a herança técnico-profissional e o espirito de comunidade caros aos italianos apagam-se (a metrópole é
um imenso mercado de trabalho flexível) para darem lugar aos efeitos de aglomeração, às economias de variedade
e à redução dos custos de transação provocados pelo florescimento de empresas complementares na mesma área
metropolitana” (BENKO; LIPIETZ ,1994, p. 12).
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metrópoles.5 E também permitiu “o pulo do gato” de endogeinizar a explicação
para a existência do chamado Distrito Central de Negócios (Central Business
District - CBD), uma lacuna grave na primeira geração de modelos da regional
science. Pois, na melhor tradição de autores como von Thünen (1826) e Alonso
(1964), tais modelos explicavam o uso e a ocupação do solo em cidades como
Chicago em base de círculos concêntricos em torno de um distrito central, mas
deixando a própria área central como variável exógena.6
No seu Relatório de Desenvolvimento de 2009 o Banco Mundial utiliza as
ferramentas da nova economia espacial para construir uma abordagem
multiescalar elegante, incorporando como fio condutor o conceito de economia de
aglomeração, que se irradia da escala local-regional (criando densidade), para a
nacional (rompendo distância) e a internacional (aumentando a divisão social de
trabalho).7
As críticas que surgiram às abordagens sintetizadas acima podem ser
agrupadas em quatro blocos complementares, o primeiro de caráter empírico e os
demais de natureza conceitual.
Primeiramente,
o
estereótipo
das
economias
locais
endógenas
não
correspondeu à trajetória “real” das metrópoles. Várias pesquisas empíricas
apontaram a dificuldade de generalizar os distritos industriais marshallianos
clássicos, compostos pelas micro e pequenas empresas que internalizaram as redes
de subcontratação (MARKUSEN, 1999). Na prática, empresas atuando em
estruturas oligopolizadas de mercado (MARTINELLI; SCHOENBERGER, 1994)
e utilizando as novas tecnologias de comunicação e informação, pulverizaram as
diversas funções empresariais, como a pesquisa e desenvolvimento, o marketing,
as finanças e as atividades manufatureiras, entre outros exemplos, para assim
5
O crescimento nas metrópoles assume um caráter circular: determinado estabelecimento localiza-se na metrópole
em função do ambiente propício, isto é, pela rede de fornecedores diversificados e pela presença de bacias de
trabalho qualificadas, entre outros fatores locacionais. Por sua vez, esta decisão locacional aumenta a atratividade
da metrópole para agentes que avaliam a sua estratégia de localização (empresas, mão de obra).
6
“The point is of course, that the von Thünen ring scheme sheds at best a very dim light on the spatial structure
for polycentric cities. What we need to understand, first and foremost, is where the competing centers are located –
precisely the question that von Thünen-type models avoid answering”. (KRUGMAN, 1996, p. 59) - grifo nosso.
7
O trinômio é baseado nos conceitos de densidade, distância e divisão. Densidade é sinônimo para a presença de
economias de aglomeração na escala local-regional, enquanto o conceito distância relaciona-se com a escala
nacional, indicando os relacionamentos entre os polos dinâmicos (as regiões vencedoras) e as demais regiões. Por
fim, o conceito divisão remete à escala internacional, e refere-se à ampliação da divisão social de trabalho em
função do livre comércio e circulação de capital. (WORLD BANK, 2009, p. 33-43).
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transformar as metrópoles em peças-chave no tabuleiro da estratégia empresarial
na escala mundial (AMIN; MALMBERG, 1994). Além disso, a capacidade localregional de aglutinar valor e inovação não podia ser dissociada de uma dimensão
setorial; as redes de cooperação em torno da pesquisa e desenvolvimento em
setores como a aeronáutica e a biotecnologia, por exemplo, assumiram uma escala
nitidamente global (ZHEGU; NIOSI, 2005). Neste sentido, as próprias pesquisas
sobre a geografia das cidades do terciário avançado (SASSEN, 2002) e a das
cadeias produtivas (COE et al, 2004) apontaram que os serviços associados às
funções como as finanças, a logística e o marketing concentraram-se em um grupo
seleto de metrópoles, no topo da hierarquia da rede internacional de cidades.
Um segundo grupo de críticas referiu-se à esterilização do conflito capital e
trabalho, e, com algumas (poucas) exceções, à ênfase na empresa e no mercado
(abstrato) como elemento propulsor da geração e circulação de valor,
paradoxalmente, em detrimento de uma análise mais ampla em relação às
estruturas socioeconômicas e territoriais que moldaram a dinâmica de inovação e
de produção do espaço urbano-regional (GALVÃO; SILVA; COCCO, 2003).
Apesar do discurso em torno da centralidade das fontes tácitas e interacionais de
inovação e de aprendizagem na construção de economias regionais competitivas, a
abordagem neoschumpeteriana também não fez jus às dimensões socioterritoriais
da inovação. Acabou, assim, por privilegiar os limites e potencialidades de
apropriação destas dimensões do valor (na linguagem ortodoxa rotulada como
“capital
estrutural”
e
“capital
humano”)
pela
empresa.
A
análise
neoschumpeteriana da OCDE sobre learning-regions, por exemplo, ilustrou bem o
impasse desta ambivalência:
Structural capital may also be regarded as human capital that
has been appropriated by the firm, translated into routinised
forms and thereby controlled by the firm. Of course, it is safer
for a firm to have access to structural capital than to rely only
on human capital. (OCDE, 2001, p. 14). (Grifo nosso)
Tanto na vertente neosmithiana sobre a especialização flexível, quanto na
análise neoschumpeteriana referente à economia de inovação e de aprendizagem,
emergiu, portanto, um estereótipo apologético “do capitalismo cognitivo-cultural
como uma espécie de trajetória superior de desenvolvimento, dissociado das suas
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características contraditórias e potencialmente destrutivas na atual fase
financeirizada” (KRÄTKE, 2011, p. 23). Esse distanciamento de uma leitura das
forças socioespaciais que moldam o processo de inovação culminou na
popularização das teses sobre as chamadas classes criativas (FLORIDA, 2004).8
Na visão de Florida, a geração e circulação de valor nas metrópoles devem-se à
chamada classe criativa, composta por engenheiros, cientistas, consultores,
profissionais liberais e artistas, que não apenas autonomizou-se em relação à
dinâmica socioespacial que lhes deu origem (o sistema local de inovação na
terminologia neoschumpeteriana), mas, em função da suposta hipermobilidade
destes profissionais, também justificaria uma série de políticas locais para garantir
sua permanência e/ou atração para a metrópole (KRÄTKE, 2011; PECK, 2005). 9
A terceira crítica disse respeito ao pressuposto de um ambiente construído e
um mercado de terras que acompanhassem fluentemente, e sem conflitos, a
emergência das economias regionais de aglomeração. Curiosamente, a nova
economia espacial seria marcada pela ausência da produção social do espaço,
pois, baseada na alocação de uso de solo via sistema de preços – ao modo de
Alonso (1964); Muth (1969) e von Thünen (1832) – e aperfeiçoado pela
modelagem dos rendimentos crescentes para lançar mão de uma explicação dos
espaços metropolitanos policêntricos. Na visão do Harvey (2009), a ausência de
uma dimensão imobiliário-fundiária representa também o “calcanhar de Alquiles”
do Relatório do Desenvolvimento do Banco Mundial, que desconsidera fricções e
conflitos na produção social do espaço urbano-regional. Referido relatório
recomenda uma intervenção territorial do Estado que seja “cega” (spatially blind),
isto é, que não busque influenciar na produção e organização social do espaço da
metrópole (WORLD BANK, 2009, p. 229).10
8
A abordagem das classes criativas de Florida representa uma simplificação em relação aos trabalhos anteriores
deste autor e também se diferencia “da linha californiana”, que analisou a economia cultural e criativa sob o
prisma da especialização flexível. Veja, por exemplo, Storper (1994) sobre a indústria cinematográfica.
9
Peck (2005) menciona que nos EUA existe um ranking, protagonizado pelo próprio Florida, para medir a
qualidade do ambiente urbano para a atração e manutenção da chamada classe criativa.
10
Excetuando as metrópoles já comprometidas nos países com altos níveis de urbanização, quadro que justifica
uma política (compensatória) de urbanização de assentamentos precários. A ênfase nas políticas
desterritorializadas (spatially blind policies) em países com uma taxa baixa de urbanização implica uma tendência
à intervenção reativa, em cidades já comprometidas: “In areas of incipient urbanization, the objective should be to
facilitate a natural rural- urban transformation. The core policy instruments are spatially blind institutions that
facilitate density in some locations. (...) In areas of intermediate urbanization, the rapid growth of some cities
creates congestion. In addition to spatially blind policies to facilitate density, connective policies to tackle
congestion and economic distance become necessary. (...) In areas with advanced urbanization, divisions within
cities caused by formal settlements and slums and by grime and crime add to challenges of density and distance. In
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Por fim, na maior parte das metanarrativas mainstream, o Estado representou
uma variável exógena, uma espécie de deus ex-machina que aterrissou no
território econômico para equacionar um ou outro problema, tipicamente
relacionado à redução das disparidades urbano-regionais ou à montagem de
estratégias de competitividade sistêmica (MARTIN; SUNLEY, 2007). Apesar da
centralidade do tema, o estudo das transformações na organização e intervenção
do Estado sobre a produção do espaço, e seu próprio entrelaçamento com a
dinâmica econômica e política, ficaram como elemento residual nas narrativas
ortodoxas (KLINK, 2011a).
addition to spatially blind and spatially connective policies, spatially focussed policies for addressing intra-city
divisions ar enecessary to target the difficulties of slums, crime, and the environment – and to improve livability.”
(WORLD BANK, 2009, p. 229) (Grifo nosso).
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3. A dialética socioespacial e a metrópole. Uma interpretação da evolução do
debate crítico
Problematizando os espaços do capital. A abordagem regulacionista
O ponto de partida da chamada teoria da regulação, formulada por um grupo
de economistas franceses (AGLIETTA, 1982; LIPIETZ, 1991; BOYER, 1990) foi
a constatação acerca do dinamismo e da capacidade de reprodução do próprio
sistema capitalista. Em uma crítica “às formas mais mecânicas e catastróficas da
obra de Marx, os regulacionistas levavam a sério a questão da própria
sobrevivência do capitalismo” (ELAM, 1994, p. 56).
Ancorada em uma variação da teoria de valor-trabalho, a abordagem
regulacionista foi construída em torno do binômio composto pelo chamado regime
de acumulação – a forma e a organização da relação salarial e da produção e
circulação de valor – e pelo modo de regulação, isto é, o conjunto de normas,
convenções, instituições e intervenções sociais, inclusive as do Estado, para dar
coerência e reprodutibilidade a este regime. Em relação às teorias mainstream,
este arcabouço não apenas abriu a perspectiva para a análise das relações sociais e
do conflito capital-trabalho, mas também da forma de atuação do Estado na
mediação de crises maiores ou menores11, dimensões relegadas para o domínio do
mercado (neosmithiana/neoclássica) ou da tecnologia (neoschumpeteriana) nas
narrativas ortodoxas.
Vários autores regulacionistas dialogaram com a tese dos espaços localmetropolitanos que emergiriam no regime de acumulação mais flexível (BENKO;
LIPIETZ, 1994). Mas a natureza deste programa assumiu maior abertura e
indefinição do que a ortodoxia quanto às formas espaciais e sociais concretas e à
virtualidade do futuro regime de acumulação e regulação (AMIN, 1994).12 Em um
primeiro balanço sobre o pós-fordismo, por exemplo, Esser e Hirsch (1994)
ressaltaram o agravamento das contradições socioespaciais nas cidades alemãs.
11
A teoria distingue entre crises menores (ou no regime de acumulação, ou no modo de regulação) e maiores
(compostas pela ocorrência simultânea de crises no regime de acumulação e no modo de regulação), estas últimas
gerando uma perspectiva concreta de crises sistêmicas (por exemplo, no sistema fordista).
12
“É o que confirma, como macroeconomista, Robert Boyer. Intervindo a montante do debate (“As alternativas ao
Fordismo”), o autor põe a questão: “Estará em vias de emergir um novo modelo de desenvolvimento?” E, num
estilo perfeitamente acessível, dá o seu diagnóstico: “é possível que sim, em estado embrionário, mas nesse caso
há vários, em concorrência uns com uns outros. Seria, pois vão pretender que a forma espacial canónica do pósfordismo seja uma forma urbana(...)”(BENKO; LIPIETZ, 1994, p. 12).
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Ao mesmo tempo, autores como Lipietz (1994) e Mayer (1994) argumentaram em
prol da possibilidade de uma política local emancipatória nos espaços do
fordismo.
Boyer
(1990) menciona que a teoria da regulação disseminou-se
principalmente a partir do debate sobre a reestruturação do fordismo, mas que
suas aplicações, baseadas na tensão “criativa” entre acumulação e regulação,
transbordam os limites dessa discussão.
Abramo (1995), por exemplo, discutiu a utilidade da abordagem regulacionista
para mediar entre um marxismo clássico estruturalista, que subordinava o urbano
à lógica de reprodução do capital e das suas relações sociais e um approach que
buscava uma leitura mais apurada das particularidades históricas e geográficas do
fenômeno urbano (ABRAMO, 1995, p. 510). Em uma tentativa de “espacializar”
a teoria por meio de conceitos como regulação urbana e regime urbano, este
autor discute uma série de hipóteses sobre a trajetória geo-histórica do sistema
capitalista – com ênfase no caso norte-americano, desde as cidades operárias do
capitalismo concorrencial, ao subúrbio construído via o binômio carro-moradia
subsidiada, culminando nas tecnopóles na era pós-(neo)fordista.
Outro transbordamento “produtivo” do approach regulacionista ocorreu na
discussão sobre as escalas e os regimes de organização e atuação do Estado sobre
o espaço, que, de certa forma, ampliou os trabalhos anteriores de Harvey (1989a)
sobre as transformações de gerenciamento para empresariamento urbano no
capitalismo tardio. Brenner (2004), por exemplo, também influenciado pela
tradição lefebvriana, enraizou a reestruturação produtiva e territorial no contexto
europeu em uma análise sobre a transformação do que chama de regimes de
políticas públicas territoriais desde a década de 70. O argumento é que, a partir
desse período, um regime de keynesianismo espacial de organização e intervenção
do Estado na produção do espaço evoluiu para um regime competitivo e
reescalonado de organização e intervenção territorial do Estado. O keynesianismo
espacial concentrou-se no objetivo de redistribuição de ativos, renda e
infraestrutura e na manutenção da coesão territorial na escala nacional,
coordenada pelo Estado nacional por meio de intervenções e instituições
relativamente homogêneas e centralizadas. O regime competitivo, no entanto,
representou
14
uma
Maio 2012
mudança
de
abordagem
para
arranjos
institucionais
descentralizados, baseados em componentes customizados, com um papel
proeminente das estratégias e intervenções locais-regionais de modo a
proporcionar competitividade urbano-regional. Ainda de acordo com Brenner, o
regime competitivo e reescalonado de organização e intervenção do Estado na
produção do espaço aumentou as instabilidades e disparidades inter-regionais nas
economias nacionais e na economia espacial europeia, em particular, por meio da
proliferação do empreendedorismo competitivo em nível urbano-metropolitano.
Também no Brasil, esta perspectiva de regimes desencadeou uma série de
estudos referentes à desestruturação do keynesianismo-espacial periférico, em sua
versão nacional-desenvolvimentista e na emergência de um neolocalismo
competitivo via projetos de planejamento estratégico e de desenvolvimento
econômico local, agravando as históricas disparidades intra e interurbanas no
espaço nacional brasileiro (FERNANDES, 2001; BRANDÃO, 2003).
A teoria da regulação, e suas diversas aplicações para o campo de estudos
urbanos e regionais, não ficaram sem críticas.13 Apesar da abertura em relação ao
determinismo tecnoeconômico que marcava a ortodoxia, a teoria sofreu críticas
em função do seu funcionalismo, deixando pouca margem para uma leitura mais
contestada e dialética do processo histórico (AMIN, 1994, p. 11).
A visão de Brenner sobre o reescalonamento e os regimes competitivos,
mencionada acima, é emblemática. Autores como Brown e Purcell (2004), por
exemplo, argumentaram que não há nada inerente e fixo ao conceito de escala,
que é politicamente contestada e construída ao longo do tempo pelos agentes que
buscam alcançar seus interesses, gerando uma perspectiva mais complexa “de
política de escalas e escalas de política” (VAINER, 2002).
Esta permanente tensão no arcabouço estruturalista-regulacionista entre
“macronecessidades e microdiversidades” (JESSOP; PECK; TICKEL, 1999, p.
149) também se deveu ao fato deste se basear numa teoria de valor-trabalho –
centrada na relação salarial – (BOYER, 1990) o que implicou em um foco menor
nos possíveis conflitos entre as diversas frações do capital (produtivo, imobiliáriofinanceiro, rentista) e os entrelaçamentos destes com as estratégias locais de
desenvolvimento. Portanto, as abordagens regulacionistas conseguiram dar um
13
Para uma crítica das bases epistemológicas da teoria da regulação ver também o prefácio à edição brasileira do
livro de Lipietz, elaborado por Francisco de Oliveira (LIPIETZ, 1991, p. 7-16).
15
Maio 2012
macrossentido crítico à emergência de economias urbanas e regionais flexíveis e
inovadoras, moldadas pela intervenção espacial do Estado que incentivou a
inserção competitiva de cidades e metrópoles na economia internacional
(BRENNER, 2004). Ao mesmo tempo, referido programa de pesquisa não lançou
muita luz sobre a formação, consolidação e estabilidade das alianças regionais de
classes, as forças que consubstanciaram a sua coerência regional estruturada
(HARVEY, 2005, p. 151-152) e a disputa de hegemonia sobre a direção de
estratégias
locais
específicas.
Conforme
argumenta
Krätke
(2011),
a
reestruturação produtiva, a emergência de novas tecnologias de comunicação e de
informação e as transformações na regulação não sobredeterminam a produção de
espaço em cidades específicas, tampouco explicam trajetórias urbanas e alianças
regionais diferenciadas, desde as metrópoles com uma presença significativa de
serviços de “comando e controle” (inclusive as finanças), as que captam poder
aquisitivo externo (via eventos, turismo e grandes projetos urbanos etc.) ou
recursos junto às escalas superiores de governo, até as cidades de inovação e de
aprendizagem.
Metrópoles, máquinas urbanas de crescimento e a economia política do local
Uma segunda linha de trabalho consolidou-se em torno da tese da chamada
“máquina urbana de crescimento”. A obra pioneira de Logon e Molotch (1987)
delineou os principais pressupostos conceituais e o objeto desse programa de
pesquisa, cuja análise iria contrapor-se às tradições deterministas no campo dos
estudos urbanos, tanto as da ecologia humana e suas vertentes neoclássicas –
naturalizando a estruturação do espaço a partir do sistema dos preços – como as
do
marxismo
clássico,
com
seu
enfoque
abstrato-estruturalista,
que
sobredeterminava o espaço local a partir das relações sociais. Em relação a esta
última abordagem, a teoria das máquinas agregou uma dimensão de agenciamento
ao campo dos estudos urbanos no sentido de privilegiar a produção e
transformação social do espaço pelo homem.
O fio condutor da abordagem do realismo crítico de Logon e Molotch foi a
existência de coalizações locais nas cidades – compostas por empresas enraizadas
no território local, governos locais e políticos, (filiais de) bancos, jornais,
16
Maio 2012
autarquias e empresas de infraestrutura, auxiliados por agentes como sindicatos
de trabalhadores, universidades, museus, clubes esportivos e filiais de grandes
empresas (multinacionais), cujo objetivo principal seria aumentar o crescimento
da economia local, para, assim, maximizar o valor de troca da terra urbana. O
conflito principal, e força motriz da dinâmica local, originou-se na contradição
entre o valor de troca da terra, cuja maximização seria estratégia consensual da
coalização local (as chamadas máquinas urbanas de crescimento)14 e o valor de
uso da terra, cuja preservação seria objetivo central dos moradores e dos
movimentos sociais. O empreendedor imobiliário – o chamado especulador
estrutural (LOGON; MOLOTCH, 1987, p. 30) – desempenharia um papel central
no sentido não apenas de projetar rendas imobiliárias, mas também de interferir na
própria trajetória urbana e na produção do espaço, para, desse modo, gerar e
captar rendas fundiárias diferenciadas, associadas às mudanças no ambiente
construído. As coalizões locais e as máquinas urbanas utilizar-se-iam de
constructos ideológicos, consolidando, assim, uma representação hegemônica do
espaço local em termos do que os autores chamaram de “desenvolvimento isento
de valores” (value free development), indicando que o desenvolvimento,
interpretado em termos de crescimento econômico local e intensificação do solo
urbano, beneficiaria a cidade como um todo. A história urbana dos EUA estaria
repleta de exemplos de máquinas urbanas que moldaram e influenciaram o
crescimento das cidades (urban boosters) (COX, 1995). 15
A teoria das máquinas urbanas originou-se e disseminou-se no debate sobre as
cidades
no
cenário
norte-americano,
marcado
pela
fragmentação
macroinstitucional e pelo alto grau de descentralização para a escala local –
incluindo atribuições como o desenvolvimento urbano e o planejamento do uso e
da ocupação de solo, com uma presença significativa do setor privado na
14
Na visão de Logon e Molotch, a teoria das máquinas apresenta uma descrição melhor da política de
desenvolvimento local norte-americana que a teoria das elites pluralistas e o marxismo clássico. O pluralismo
privilegiou o tema de “quem governa”, mas distanciou-se da questão mais relevante, isto é, “governar para o
que?”. Portanto, não reconheceu o fato de que, apesar dos frequentes desencontros entre as facções da elite local
no que se refere a temas públicos, estas últimas sempre se reuniriam em torno de uma representação do espaço
pautado pelo tema central de crescimento: “The issues that reach the public agenda (and are therefore avaliable
for pluralists ‘ investigations) do so precisely because they are matters on which elites have, in effect, agreed to
disagree. Only under rather extraordinary circumstances is this consensus endangered” (LOGON; MOLOTCH,
1987, p. 51).
15
Nas regiões menos favorecidas do Centro-Oeste, e da Costa Oeste, tratava-se de mobilizar apoio federal em
termos de recursos financeiros e infraestrutura para desenvolver as cidades. No caso de Los Angeles, uma cidade
com escassez de água, um porto deficitário e fraca acessibilidade, o papel dos empreendedores imobiliários em
trazer a rede ferroviária e a água foi fundamental (LOGON; MOLOTCH, 1987, p. 55).
17
Maio 2012
produção do espaço urbano (diretamente, mas também via financiamentos de
campanhas eleitorais).
Talvez pela semelhança com o quadro das cidades norte-americanas, em geral,
e considerando a efervescência do neolocalismo e a alavanca dos agentes privados
sobre o mercado do ambiente construído, em particular, a teoria “viajou” com
certa facilidade para o cenário brasileiro. Isso culminou, particularmente a partir
de meados dos anos 90, na proliferação de estudos sobre o empresariamento
urbano a partir de projetos estratégico-imobiliários, cidades globais (imaginárias)
e coalizões locais de patriotismo urbano (FIX, 2007; ARANTES; MARICATO;
VAINER, 2000), sempre apontando um conflito básico em torno da
mercantilização das cidades e da maximização do valor de troca da terra, em
detrimento à função social da cidade e da terra.
A teoria das máquinas urbanas não ficou sem questionamentos (JONAS;
WILSON, 1999). Na formulação inicial de Logon e Molotch, que combateram
explicações mais estruturalistas, a abordagem estava, mesmo assim, relativamente
alinhada com uma interpretação mais abstrata sobre o funcionamento do
capitalismo, em geral, e o caráter fictício da terra, em particular. Entretanto,
Jessop, Peck e Tickel (1999, p. 143-144) argumentaram que, nos trabalhos
posteriores, o approach acabou:
(...) privilegiando o papel da política local e do agenciamento pelas
elites locais. A metodologia bottom-up tende a atribuir uma
capacidade explicativa causal às redes políticas locais, e por isso
sugere, talvez de forma involuntária, que variações espaciais nas
riquezas urbanas se relacionam com a distribuição geográfica de
lideranças carismáticas, ou a capacidade de criar redes urbanas
funcionando com efetividade.
Desse modo, a teoria das máquinas teria privilegiado a leitura das dinâmicas
urbanas a partir do agenciamento local, distanciando-se de uma compreensão
acerca dos entrelaçamentos entre as trajetórias locais e as estruturas sociais.
O referido distanciamento teria gerado um custo de oportunidade. Pois, as
transformações multifacetadas (no campo da economia, da tecnologia e da cultura,
entre outros) e a globalização financeira, que se intensificaram a partir dos anos
80, fizeram com que a abordagem, em termos de agentes locais e coalizões,
enraizados no espaço local, estivesse ameaçada de virar anacrônica. A
18
Maio 2012
proliferação de estratégias multiescalares gerou um cenário local mais complexo
em comparação ao circuito urbano-econômico fechado que marcava o fordismo,
inclusive aumentando o desafio de criar e manter a coesão local das máquinas
urbanas de crescimento.16 Em uma análise de Los Angeles no período pós-1985,
Purcell (2000, p. 89-91), por exemplo, argumentou que a globalização da
economia dificultou a manutenção da coesão interna das coalizões locais prócrescimento nesta cidade.
Outros autores alertaram para o fato de que uma estratégia de crescimento
pautada em torno do ambiente construído era importante, mas não representaria a
única tática para garantir a valorização e circulação do capital, em geral, e do
imobiliário, em especial. Krätke (2011), com base em Harvey (2005), ressaltou
que a concorrência intercapitalista na escala mundial implicou na moldagem de
espaços locais e regionais com coerência estruturada, mas que o formato destas
estratégias locais não estava prescrito no espaço; dependendo do entrelaçamento
entre dinâmicas locais e fatores estruturais, este poderia assumir faces
diferenciadas (cidades criativas e inovadoras, cidades do comando e controle,
cidades do entretenimento etc.).
Na próxima seção, argumentamos que uma fecundação cruzada das tradições
mencionadas acima poderia contribuir para uma compreensão mais apurada dos
entrelaçamentos entre a (re)produção do espaço da metrópole e a geopolítica do
capitalismo global.
4. Acumulação, regulação e (re)produção social das máquinas urbanas. Por
uma agenda de pesquisa ampliada? 17
16
Logon e Molotch (1987, p. 220) reconheceram a importância de incorporar o efeito da globalização e das
estratégias transescalares na teoria das máquinas. A proliferação de filiais de empresas multinacionais reduziria o
multiplicador de renda e emprego associado à expansão da economia local, aumentando os custos da construção de
consensos locais em torno de crescimento.
17
Esta seção beneficiou-se das discussões que ocorreram durante o III Seminário Internacional sobre Capitalismo
Cognitivo. “Revolução 2.0: Da crise do capitalismo global à constituição do comum”, organizado no período de
24 a 26 de agosto de 2011 no Rio de Janeiro pelo Laboratório Território e Comunicação (LABtec- PPGCO/UFRJ),
pelo Laboratório Interdisciplinar sobre informação e Conhecimento (Liinc-IBICT-UFRJ), pelo Programa de PósGraduação em Ciência da Informação (PPGCI-IBICT-UFRJ) e pela Rede Universidade Nômade.
19
Maio 2012
“O que acontece com a política urbana quando as principais
forças econômicas são orientadas para o mercado mundial?
(SASSEN, 1991). É uma pergunta interessante, mas que ela
em nenhuma ocasião chega a aprofundar” (PURCELL,
2000, p. 89).
O quadro de “encontros e desencontros” entre as duas grandes narrativas
críticas que discutimos anteriormente, uma baseada no eixo da macronecessidade,
outra na microdiversidade, ainda caracteriza o pensamento crítico sobre a geohistória das metrópoles.
O objetivo aqui não será providenciar ajustes teóricos rápidos para este
impasse, mas sim sugerir elementos de complementaridade entre estes dois
programas que evoluíram de forma relativamente desarticulada. Geramos a
hipótese de que uma maior espacialização da agenda regulacionista permitiria
fortalecer o approach da economia política do desenvolvimento local. Em
seguida, discutiremos duas possibilidades de um maior entrelaçamento entre estas
agendas, a primeira relacionada ao regime de acumulação, a outra referente ao
modo de regulação.
Acumulação financeira e a reestruturação das máquinas urbanas
O primeiro exemplo refere-se às relações imbricadas entre a financeirização da
economia e das políticas públicas e a produção das metrópoles. Não se trata aqui
de retomar a abundante literatura acerca da implosão do sistema de coordenação
monetária internacional de Bretton Woods nos anos 70 pelos EUA e da
(re)emergência das finanças globais, orquestradas a partir das políticas de
desregulamentação e de liberalização dos mercados de crédito, de capitais e de
câmbio pelos Estados Nacionais, coordenadas pelos EUA (HELLEINER, 1994).
O que cabe destacar desta literatura de inspiração histórico-regulacionista é
que a financeirização e a crescente interdependência entre os mercados imobiliário
e financeiro18 permitiram uma renovação da clássica “fuga para frente” do capital,
a partir da penetração das relações de débito e crédito na economia e sociedade,
em geral, e na produção e reprodução das cidades (e da própria vida), em
particular. A financeirização do circuito imobiliário e a ampliação do volume de
18
De certa forma, estes entrelaçamentos fizeram com que a separação de Harvey (1989b) entre os circuitos
primário (o capital produtivo) e secundário (o capital imobiliário e o ambiente construído) virasse artificial.
20
Maio 2012
crédito (subsidiado) para a compra da casa própria – ambas patrocinadas pelo
Estado – permitiram, ao mesmo tempo, conter o crescimento dos salários, sem
brecar a demanda agregada macroeconômica, condição sine qua non para a
manutenção da taxa de rentabilidade no sistema de acumulação. Em vários países,
esta estratégia também consolidou uma “sociedade de proprietários”, cujos
“sócios” podiam compartilhar dos benefícios associados ao crescimento
imobiliário19, via engenharia financeira que proporcionou o surgimento de novos
instrumentos como as hipotecas flexíveis e as invertidas.
O caso do “arranjo espacial” espanhol pós-Franco, cuja bolha imobiliária
estourou em 2007-2008, foi um exemplo emblemático desta trajetória. Na era
Franco, a ideologia da casa própria e a política desenvolvimentista de construção
de moradias públicas e, posteriormente, de subvenção da construção pelo
mercado, já haviam desempenhado papel importante como amortecedor dos
conflitos sociais no processo rápido de urbanização espanhola no período de 1950
a 1970 e preparado o terreno para o que viria a ser um ciclo econômicoimobiliário virtuoso no período de 1995 a 2007.
Como analisado por Hernández e López (2010), o que formou a base desta
trajetória no período de 1995 a 2007 foi a articulação estreita, já iniciada nos anos
80, entre a política habitacional, financeira e fundiária, com forte participação
(transescalar) do Estado via a (des)regulação e o financiamento público. Alinhada
à dinâmica internacional dos mercados subprime (GOTHAM, 2009), a
“modernização” e financeirização do sistema habitacional espanhol, coordenadas
pelo Estado Nacional por meio de medidas como a securitização das hipotecas, a
criação e ampliação dos mercados secundários e a conexão com as praças
financeiras internacionais proporcionaram maior liquidez, diluição dos riscos e
aumento de escala na estrutura de provisão habitacional, elementos estratégicos
para viabilizar a inserção definitiva do mercado do ambiente construído espanhol
no circuito financeiro internacional. Hernández e López (2010), num démarche
regulacionista, rotulam este cenário, ancorado num espiral de desregulação
19
As hipotecas flexíveis (os chamados Home Equity Loans) são lastreadas ao crescimento do valor da garantia
(isto é, o valor da casa). O crescimento do valor da casa implica na possibilidade de usar a hipoteca para comprar
bens de consumo não-duráveis. Referido instrumento é amplamente utilizado em países com uma maior
penetração do capital financeiro-imobiliário na economia, como os EUA, a Inglaterra e a Espanha. Hipotecas
invertidas permitem que o mutuário receba um empréstimo de acordo com o valor das prestações já quitadas. Nos
países anglo-saxônicos, referido instrumento proliferou-se na faixa etária dos aposentados (o chamado terceiro
circuito de Harvey [2005]).
21
Maio 2012
financeiro-imobiliária, juros baixos, créditos fartos e aumentos sistêmicos de
preços, uma espécie de keynesianismo de preços de ativos, considerando a
retroalimentação entre o aumento dos preços imobiliários, o efeito positivo sobre a
riqueza e a renda dos proprietários e, subsequentemente, a demanda agregada das
famílias.
Entretanto, a “macronecessidade” da financeirização da economia e da política
na Espanha traduziu-se numa microdiversidade de máquinas urbanas de
crescimento. Pois, conforme observam Hernández e López (2010, p. 267-315), a
estrutura fundiária pulverizada de muitas cidades espanholas criou um conflito
entre o pequeno proprietário de terra agrário-urbano, figura rentista ricardiana
enraizada na comunidade local, e o promotor imobiliário – o especulador
estrutural à Logon e Molotch, mas agora inserido nas dinâmicas informacionaiscomunicacionais e imobiliário-financeiras em escala nacional-internacional, que
visava a transformação do espaço em grande escala. Cabia, no caso espanhol, ao
Estado, à Comunidade Autônoma (esfera provincial, responsável pela legislação
urbanística e pela aprovação de planos locais) e ao município (responsável pela
elaboração dos planos locais), um papel central na mediação de tais conflitos entre
as duas frações do capital.
A Comunidade Autônoma de Valência, por exemplo, objetivando reduzir o
preço da terra por meio do aumento da oferta, lançou mão, no início dos anos 90,
de uma legislação considerada progressista, que limitou a capacidade de
apropriação de rendas especulativas, pelo proprietário de terra, em benefício da
captação de rendas imobiliárias associadas à utilização da terra através de projetos
de habitação, infraestrutura e equipamento público. De certa forma, com esta
legislação, o Estado consolidou um papel hegemônico para o promotor imobiliário
de grande porte, ligado ao circuito imobiliário-financeiro globalizado, na
transformação desenvolvimentista do espaço urbano-regional. Ao contrário da
expectativa inicial, os preços imobiliários no período 1995-2007 subiram
consistentemente.20
Ao mesmo tempo, Hernández e López (2010, p. 311-312) relatam experiências
20
E isso não era tão surpreendente assim, considerando o cenário de preços imobiliários locais ancorados ao
ambiente internacional financeirizado, com forte expectativa de alta nos preços. Apenas um arcabouço teórico
neoclássico mais rudimentar poderia alimentar uma expectativa de redução de preços a partir da ampliação da
oferta de terra urbanizada.
22
Maio 2012
nas quais as Comunidades Autônomas, influenciadas pela configuração do bloco
hegemônico local, moveram o pêndulo na direção dos proprietários de terra,
favorecendo arranjos mais pulverizados e localistas de produção de espaço,
alinhados à análise inicial de máquinas urbanas de crescimento.
O caso de Madri talvez tenha sido o exemplo mais complexo e acabado de
uma máquina urbana financeirizada. À primeira vista, a legislação da Comunidade
Autônoma, que favoreceu os proprietários de terra (e não os promotoresfinancistas), pareceu contraditória com a natureza cosmopolita e financeira da
metrópole de Madri, marcada pela presença significativa de um setor financeiro
relativamente moderno (OCED, 2007). Entretanto, as aparências enganam; a
maioria das empresas (produtivas-financeiras-imobiliárias) comprou lotes na
periferia na década de 50, o que contribuiu para quase eliminar os conflitos entre
as diversas frações do capital. Hernández e López (2010, p. 313) sintetizam o
papel da máquina urbana de Madri da seguinte forma:
En realidade, se ha tratado de crear un modelo más “acabado” de
agente imobiliário: una síntese que pone el espacio urbano a los pies
de la nueva oligarquia, al tiempo que reúne de forma perfecta
términos que parecian en principio contradictorios: proprietário e
promotor, local y global, agente econômico e politico, rentista y
desarrolista.
Se a evolução geo-histórica mais recente das “máquinas urbanas” espanholas
deixa menos margem de dúvida quanto ao caráter imobiliário-financeiro da sua
expansão (as dúvidas remanescentes referem-se mais ao ritmo e à distribuição dos
benefícios deste crescimento entre as frações do capital que compõem a máquina),
a exploração do cenário brasileiro abre uma perspectiva mais complexa.
De um lado, um conjunto de estudos mais recentes aponta a gradativa inserção
brasileira no circuito imobiliário-financeiro internacional, iniciado a partir dos
anos 90 por meio da estabilização da inflação, do fortalecimento do arcabouço
institucional dos mercados financeiros e creditícios, e da introdução de alguns
instrumentos da engenharia financeiro-imobiliária já conhecidos nos circuitos
internacionais (SHIMBO, 2010; ROYER, 2009).21 No período pós-2006, marcado
pela retomada de crescimento econômico e pela expansão dos financiamentos
21
Esta representa o que Shimbo (2010) chama de fase da aproximação truncada entre o circuito financeiro
(internacional) e imobiliário no Brasil, num cenário de baixo crescimento econômico, de incertezas acerca da
consistência e sustentabilidade do plano de estabilização macroeconômica do Real e de pouca familiaridade com
as novas engenharias financeiras.
23
Maio 2012
habitacionais-urbanos, esta tendência intensifica-se, levando alguns autores a
gerar a hipótese da financeirização da política urbana e habitacional, de acordo
com a qual o Estado – via desregulação e financiamentos urbano-habitacionais –
delega a (re)produção do espaço para o setor privado. Análises empíricas recentes
apontam que o preço da terra vem aumentando sistematicamente (SÍGILO, 2011),
apesar do aumento expressivo da produção de “habitação de interesse social de
mercado” (SHIMBO, 2010).
De outro lado, referida macrotendência à financeirização da política urbanahabitacional e seus impactos contraditórios sobre a produção do espaço urbano e
metropolitano, devem ser calibrados à luz dos avanços alcançados, por mais
frágeis que fossem, a partir da articulação e aprovação do Estatuto da Cidade e da
criação de um conjunto de mecanismos de democratização da gestão urbana
(SANTOS Jr.; MONTANDON, 2011). Longe de pretender aqui representar uma
visão estereotipada acerca da capacidade transformadora de um planejamento
local do tipo participativo-colaborador em torno dos planos diretores
participativos (KLINK; DENALDI, 2011b; HEALEY, 1997), dissociada das
relações de poder e da construção política e contestada da escala local, cabe, ao
mesmo tempo, destacar o risco do extremo contrário, no sentido de caracterizar o
espaço local como mero receptáculo das forças mais amplas da globalização
financeira. Isso porque, os obstáculos enfrentados na elaboração e aprovação de
Planos Diretores Participativos, que buscam a função social da cidade, podem
abrir perspectivas para a construção de outros espaços de representação que
facilitem a construção de “planejamentos subversivos” e de contestações da
representação hegemônica do espaço (RANDOLPH, 2007).
Regulação, economia política das escalas e as escalas da economia política.
A agenda regulacionista avançou na reflexão sobre regimes neolocalistas e
competitivos e na proliferação de disputas neo-hobbesianas entre os lugares
(BRENNER, 2004). Como vimos, referida perspectiva apresenta fragilidades,
tendo em vista que incorporou uma visão relativamente estática das escalas e
deixou de lançar luz sobre a estratégia transescalar dos agentes em busca de seus
interesses.
24
Maio 2012
Reside aqui uma perspectiva de construir um programa de pesquisa que
estabeleça um diálogo maior entre as teses sobre a reestruturação do modo de
regulação e a (re)produção de máquinas urbanas transescalares. Vejamos algumas
implicações desta agenda ampliada.
Primeiramente, em países como Brasil, as escalas supralocais permanecem
estratégicas na produção de máquinas (urbanas e regionais) de crescimento e na
reprodução de contradições no espaço urbano e regional. Esta evidência torna
mais problemática a tese, particularmente disseminada no debate Europeu, sobre a
transformação de um keynesianismo-espacial (voltado para a manutenção de uma
coesão espacial nacional), rumo a um neolocalismo competitivo.
No caso brasileiro, esta transformação é relativa. Durante o keynesianismoespacial “periférico” do regime militar, a escala nacional representava uma arena
privilegiada para o capital multinacional e o Estado construir polos regionais,
intensivos na utilização de recursos naturais e energéticos, diretamente articulados
com a economia internacional (BECKER; EGLER, 1996). O discurso para
justificar referidas iniciativas baseava-se no conceito dos polos de crescimento
perrouvianos que, na prática, não geraram muita “irradiação” de crescimento para
o entorno, mas transformaram-se em verdadeiros arquipélagos marcados pelo
passivo ambiental (MONTEIRO, 2005).
Guardadas as devidas proporções, apesar dos avanços macroinstitucionais que
ocorreram nas
últimas
duas
décadas
(democratização,
descentralização,
fortalecimento das instituições de planejamento), a escala nacional continua
desempenhando papel estratégico na estruturação de economias metropolitanas e
regionais competitivas, particularmente em setores como mineração, siderúrgica e
agronegócios.
Em uma avaliação do PAC no Estado do Pará, por exemplo, Leitão (2009)
argumenta que o Plano reproduz contradições de abordagens anteriores (tanto a do
nacional-desenvolvimento autoritário quanto a do planejamento via os eixos
nacionais competitivos dos anos 90), pois, seu fio condutor é a produção de
espaços urbanos e regionais competitivos, articulados à economia internacional
por meio de macroinvestimentos em infraestrutura logística e energética, em
detrimento
de
uma
estratégia
pautada
socioambientais que marcam a região.
25
Maio 2012
pela
recuperação
dos
atrasos
Autores como Cocco (2001) e Gusmão (2010) mostram que, no caso da
Grande Rio de Janeiro, a ausência de mecanismos institucionais-financeiros para a
coordenação do planejamento e da gestão transforaram a escala metropolitana em
uma arena privilegiada, com participação ativa dos governos federal e estadual e
as grandes empresas nacionais e multinacionais, para garantir a competitividade
sistêmica brasileira em setores intensivos em recursos naturais e energéticos.
Como em tantas outras áreas metropolitanas brasileiras, os macroinvestimentos
públicos e privados desencadeados pela máquina transescalar de crescimento e
pelo vácuo institucional metropolitano, intensificaram as contradições sociais e
ambientais na produção do espaço urbano e regional.
Na mesma linha, no ambiente do federalismo competitivo que marcava o
cenário institucional brasileiro dos anos 90, os governos estaduais frequentemente
protagonizaram estratégias de competitividade sistêmica. Por exemplo, Klink e
Denaldi (2011a) discutem como a máquina curitibana de crescimento, sob a
liderança carismática do então governador (e ex-prefeito) Jaime Lerner,
transbordou para a escala metropolitana por meio de uma política agressiva de
atração de indústrias automotivas, intensificando as contradições socioespaciais e
ambientais na chamada “capital ecológica do mundo”.
Em segundo lugar, a escala local é arena de disputas entre os agentes sobre a
hegemonia da política urbana, e, enquanto é moldada pelas relações sociais, ao
mesmo tempo influencia as estratégias (transescalares) de ampliação e circulação
do capital. Ao contrário do que nos levam a crer as múltiplas teses sobre as
“cidades criativas-inovadoras”, “as cidades (semi)globais” e “as cidades do
comando e controle”, o resultado destes embates não está prescrito no espaço
local e regional em função de uma sobredeterminação a partir das instâncias
técnica e/ou socioeconômica (KRÄTKE, 2011). Constitui-se aqui uma agenda de
pesquisa promissora sobre as relações imbricadas entre a reestruturação
produtivo-regulatória, de um lado, e, de outro, a (re)produção dinâmica e
contestada da escala local, alinhada com uma concepção de arranjos e alianças
regionais com coerência estruturada.
Klink (2011b), por exemplo, analisa que, no caso específico de Santo André
(Grande ABC), a estratégia local e o planejamento estratégico (através do
chamado Projeto Eixo Tamanduateí) não representaram uma “aterrissagem
26
Maio 2012
mecânica” de um empresariamento urbano, mas foram moldados pelas disputas
contínuas entre movimentos sociais, trabalhadores, frações do capital e governo
local pela hegemonia sobre a política urbana. 22
A transformação rumo a economias urbanas e regionais de inovação e
aprendizagem, ressaltada na literatura neoschumpeteriana, representa outro campo
de disputas transescalares na produção da escala local. Donald (2006, p. 10),
baseado em pesquisas para as cidades de Toronto e Boston, argumenta que estas
se transformariam em verdadeiras “máquinas urbanas de ideias”, com um papel
não apenas auxiliar (conforme as formulações iniciais da tese da máquina urbana),
mas também central para as universidades e os grandes laboratórios de pesquisa
(os chamados Eds e Meds) na construção de coalizões locais e extralocais (estas
últimas assumindo papel estratégico em função da centralização das funções de
pesquisa e desenvolvimento nos grandes laboratórios de pesquisa nos países
centrais).
O referido autor ainda menciona que a ampliação da agenda de crescimento
com o tema de inovação e criatividade não eliminou os conflitos em torno do
ambiente construído. Após vencer uma concorrência nacional que mobilizou a
academia e o setor de biotecnologia, historicamente muito presente na cidade, a
Universidade de Boston ganhou um contrato de US$ 1,6 bilhão para viabilizar
experimentos com germes como Antrax e Ebola. A Universidade propôs construir
o laboratório numa das comunidades mais carentes da cidade, gerando riscos para
os 25mil moradores que moram num raio de menos de um quilômetro do local
proposto.
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27
Para uma leitura semelhante sobre o caso brasileiro, ver Fernandes e Cano (2005).
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5. Conclusão
Após esquematizar as narrativas mainstream sobre o desenvolvimento local
endógeno, argumentamos em favor de um programa de pesquisa crítica que
pudesse entrelaçar o realismo crítico das “máquinas urbanas transescalares de
crescimento” e a abordagem regulacionista na busca de maior compreensão geohistórica acerca da (re)produção do espaço da metrópole no atual estágio do
capitalismo internacional. Um programa com este perfil contribuiria para a análise
das tendências macroestruturais no regime de acumulação (financeirização,
inovação e informação, especialização flexível etc.) e no modo de regulação
(reescalonamento do Estado, políticas de fomento e indução às economias locais e
regionais competitivas etc.), sem, no entanto, cair numa armadilha estruturalista,
de acordo com a qual o espaço da metrópole seria sobredeterminado pelas
instâncias econômicas e políticas.
Não pretendendo apresentar um arcabouço teórico alternativo, ilustramos o
potencial desse entrelaçamento das abordagens com dois exemplos, ambos
centrados nas relações imbricadas entre processos de reestruturação do regime de
acumulação e do modo de regulação (no caso, a financeirização e a emergência de
regimes mais competitivos de organização e intervenção do Estado), de um lado, e
a (re)produção (contestada) de escalas e espaços (incluindo os locais), de outro.
Pesquisas mais detalhadas, nacionais e internacionais, poderiam verificar a
robustez de determinadas hipóteses estruturalistas-regulacionistas, assim como sua
imbricação com a produção social de espaços urbano-metropolitanos específicos.
Por fim, parafraseando Flávio Villaça no prefácio do livro de Mariana Fix
(2007, p. 7-11), uma agenda de investigação ambiciosa, baseada em premissas
amplas, mas ancorada na conceituação da produção social do espaço, não apenas
serviria para superar “o cansaço intelectual” e a tendência de apenas descrever, ao
invés de analisar as grandes manifestações do capitalismo (uma vez que este
sistema seria eterno), mas geraria também implicações para uma práxis
transformadora nas metrópoles. Neste sentido, são inegáveis os desafios
associados à montagem de um projeto alternativo, que não apenas passaria pela
articulação de escalas políticas, circuitos econômicos (primário, secundário,
terciário etc.) e de tempo (pois, no capitalismo de débito e crédito, a renda
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associada ao trabalho futuro já foi hipotecada), mas também pela elaboração de
estratégias discursivas e práticas espaciais contra-hegemônicas em tempos de
globalização neoliberal.
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Relatório Final de Pesquisa