O PENSAMENTO POLÍTICO DE OLIVEIRA VIANNA WALLACE DA SILVA MELLO, GRADUADO EM HISTÓRIA PELA UNIFSJ – CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA RJ, PÓS-GRADUADO LATO SENSU EM POLÍTICA BRASILEIRA PELA UNIFSJ - CENTRO UNIVERSITÁRIO SÃO JOSÉ DE ITAPERUNA, PROFESSOR DA REDE ESTADUAL DO RJ, TUTOR DE HISTÓRIA DO PRÉ-VESTIBULAR DO CEDERJ – RJ. [email protected] INTRODUÇÃO O objetivo do trabalho que se segue é o pensamento autoritário no Brasil. Classicamente o período em que esse pensamento teve muita repercussão, alcançando a mente de muitos estudiosos da realidade e da sociedade brasileira, foi o da Primeira República e o período do primeiro governo Vargas. Desse modo o que discuto sobre pensamento autoritário está inscrito cronologicamente no intervalo que vai de início da década de 1910 até a década de 1950, pois apesar de Vargas ter saído do poder em 1945 algumas obras foram publicadas após este período – algumas das quais até póstumas, como o livro “Instituições Políticas Brasileiras” de Oliveira Vianna. Partindo para a seara deste trabalho dividi o presente texto em três capítulos: Apresentação do tema e contexto de antiliberalismo; principais expoentes do pensamento nacionalista autoritário; e o pensamento político de Oliveira Vianna. No primeiro capítulo inicio por uma discussão sobre a importância das pesquisas nesta área, apresentando a base das interpretações deste pensamento. Em outras palavras, busco discutir, com base em Cientistas Políticos quais são as bases interpretativas deste pensamento e seus aspectos mais gerais, ou seja, aqueles que fazem deste pensamento uma coisa única e cognoscível – a saber, sua interpretação de Estado como sendo um ator com lógica própria; o cientificismo de caráter positivista, pois criam que poderiam apreender o passado e a lógica do passado tal qual ele se passou, tal como aconteceu; a crítica ás idéias mal concebidas, ou mal adaptadas a determinadas realidades; e a crítica ao liberalismo empregado no Brasil. Neste subtítulo busco sistematizar de modo bem sumário as linhas gerais que marcam o pensamento autoritário brasileiro e como a academia tem concebido a tarefa por eles empreendida. No segundo tópico analiso a teoria e a prática brasileira do positivismo comtiano. Apresento, baseado na exposição feita por Arsênio Correa no Livro “O Positivismo e a Ingerência Militar na República”, os pressupostos da teoria Positivista em Comte. Em seguida faço uma discussão sobre a ação política do positivismo no Brasil, observando os casos específicos do Rio de Janeiro, com Teixeira Mendes e Miguel Lemos, e do Rio Grande do Sul. Sobre o Rio Grande do Sul faço uma discussão sobre os princípios do positivismo que seguiram e a forma como o colocaram em prática. Para isso apresento a ação de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, principais personagens na efetivação dos ideais positivistas na constituição do dito Estado. E concluo com uma breve discussão sobre o conceito de coronelismo e as práticas que vigoraram na Primeira República, momento em que os pensadores que discuto neste trabalho – em especial Oliveira Vianna maior objeto de pesquisa – estão vivendo, observando e posteriormente criticando. No segundo capítulo discuto, baseando-me majoritariamente em Jarbas Medeiros, o pensamento de Francisco Campos, Alceu Amoroso Lima e Plínio Salgado. Justifica-se a presença de Francisco Campos neste trabalho haja vista a sua participação na Constituição de 1937 e a de 1964, importante jurista e grande articulador do golpe de 64. Apresento a sua concepção de Estado, os problemas que a sociedade brasileira enfrenta e as soluções, as formas de se resolvê-los, de acordo com sua visão. A seguir apresento o pensamento católico, nacionalista e autoritário de Alceu Amoroso Lima. Por aí percebe-se uma especificidade até o momento não vista em outros autores – saiba-se, a forte e sempre presença dos ideais católicos norteando a idiossincrasia de Lima. Discuto sobre esse autor sua concepção de autoridade e Estado, economia e como poderia se dar a inserção do catolicismo na política, na economia e no direcionamento da sociedade. Por fim, no último tópico do capítulo dois, apresento e discuto o pensamento autoritário de Plínio Salgado. Justifica-se a utilização de seu pensamento haja vista sua grande articulação no Golpe de Outubro de 1937 e sua anterior participação na Semana de Arte Moderna de 1922 como um influente escritor e após o fim do Estado Novo em 1945 organizando o Partido da Representação Popular. Discuto sua concepção de Estado e também como concebia os problemas da sociedade brasileira e as respectivas soluções. Ainda nesse tópico busquei fazer algumas comparações entre seu pensamento e o dos outros autores, pois percebi que era importante assim o fazer haja vista que não há apenas um, mas algumas formas de se compreender o pensamento autoritário. Aliás, isso pode ser observado nas especificidades de cada autor presente no capítulo dois. No capítulo três, discuto o pensamento autoritário de Oliveira Vianna. Para atender a esse objetivo apresento inicialmente uma breve biografia deste autor. Também discuto as contra o que Oliveira Vianna escreve. Isso porque compreendo que antes de falar de sua concepção específica de Estado e as interpretações sobre o pensamento de Oliveira Vianna faz-se necessário apresentar os problemas que ele vislumbra na sociedade brasileira. E por fim, busco discutir as interpretações do pensamento de Oliveira Vianna. Em específico a concepção de “autoritarismo instrumental” cunhada por Wanderley Guilherme dos Santos que expressa não o autoritarismo em si e por si, mas o desejo de colocar o Brasil na ordem do dia da sociedade capitalista atual. Para isso, apresento um debate historiográfico entre historiadores e Cientistas Políticos de renome. 1. APRESENTAÇÃO DO TEMA E CONTEXTO HISTÓRICO DE ANTILIBERALISMO 1.1 – Alguns apontamentos prévios sobre o pensamento nacionalista autoritário Já de algum tempo que o estudo sistematizado do pensamento político brasileiro tem sido empreendido por inúmeros pensadores. Inseridos ao longo da história brasileira desempenharam papel importantíssimo na construção de uma noção de Brasil. Em especial há dois motivos para se estudar o pensamento nacionalista autoritário brasileiro: o primeiro refere-se à aceitação, por parte de certos grupos – que no futuro próximo irão se utilizar deste pensamento para legitimar suas posturas políticas, e ao mesmo tempo, constituindo um dos grandes momentos de transformação social do Brasil – e o incentivo ao desenvolvimento algumas das teorias que seriam postas em prática por Vargas no pós-30 (LAMOUNIER, 1977). Tudo isso somado ao fato de ser um dos momentos em que há uma grande difusão e institucionalização acadêmica das ciências sociais garantem a este pensamento algum prestígio e valor de análise. Diante desta perspectiva as opções teóricas são várias, tanto que garantem ao pesquisador uma gama elevada de possibilidades interpretativas. No, entanto, é comum ver-se a utilização inadequada de algumas concepções teóricas para explicaram determinado objeto. É o que ocorre com a Teoria Política em voga que concebe o Estado como sendo uma instituição que existe somente em função de, ou seja, ele é visto como sendo apenas representantes de determinadas classes sociais. Ou ainda, as teorias que veem nas produções dos autores nacionalistas autoritários “análises esquemáticas em que os agentes do acontecer histórico como portadores de conteúdos de consciência universais, e, portanto, conhecidos de antemão” (LAMOUNIER, op.cit. p. 346). Uma das alternativas a esses trabalhos é a sociologia weberiana que, no dizer de Ricardo Vélez Rodríguez, (...) tem constituído marco teórico apto outro estudo do Estado Moderno como realidade per se, ao contrário de outras abordagens que reduzem a dimensão político-burocrático á expressão de outros fenômenos. Esta é o vício fundamental de uma metodologia como o marxismo. A perspectiva originada no pensamento weberiano é valioso subsídio para a análise do pensamento de um teórico do papel do estado na sociedade brasileira como Oliveira Vianna. (1997, p. 19) Ainda nesta perspectiva Simon Schwartzman afirma: Nessa nova perspectiva o estado não aparece apenas como um conceito referente à integração e soberania do povo de um determinado país – em cujo caso a noção de diferentes níveis ou ‘graus de estatismo’ não teria sentido –, mas, ao contrário, diz respeito a uma instituição específica dentro de seu país, que não apenas executa funções de manutenção de fronteiras e de soberania, mas pode ser menor ou maior, mais forte ou mais fraca, independente ou controlada por outros grupos e instituições sociais. Em outras palavras, há uma mudança de uma perspectiva funcional para uma perspectiva estrutural, isto é, o Estado é analisado como uma instituição dotada de estrutura e processo que lhe são próprios. (1982, p. 40) Deste ponto de vista então o Estado e os seus componentes não só representam interesses de classes específicos como também podem simbolizar um plano efetivo de legitimação e dominação deflagrado pelo Estado. Segundo a interpretação de Bolívar Lamounier este pensamento pode ser explicado a partir do conceito de “ideologia de Estado”, ou seja, “uma construção intelectual que sintetiza e dá direção prática a um clima de ideias e de aspirações políticas de grande relevância nas últimas décadas de século XIX e na primeira metade deste” (1977, p. 357). Continuando Lamounier afirma: O termo ideologia de Estado, que a muitos poderá parecer impróprio, pretende exatamente acentuar o contraste com a outra matriz ideológica à qual se opõe: o mercado... No modelo liberal clássico a imagem central ou princípio integrador era o mercado. Este é que estrutura uma visão abrangente da ordem social generalizada para as demãos instituições. O próprio Estado é aí teorizado em função do mercado... com seu pressuposto... O fulcro da ideologia de Estado é, ao contrário, o intento de domesticar o mercado. (op.cit. p. 357-8) Com isto temos, doravante, uma realidade diferente onde o Estado não é mais visto como agindo em função do Mercado, mas como instituição autônoma que pode e deve ser entendida em sua forma específica de atuação. Não obstante, discordo das teses de Lamounier na medida em que identifico nestes autores algo além de “ideologia de estado”. Explico: apesar de concordar com a tese de que não é o mercado – e as classes que o formam – que determina a ação do Estado considero forçoso interpretar isso – o pensamento autoritário – como sendo uma manifestação do Estado no sentido de legitimação. Até porque, mesmo Plínio Salgado, o mais engajado politicamente no projeto de renovação da sociedade brasileira via Integralismo foi contra o Golpe de Outubro – Oliveira Vianna manteve-se isento, Francisco Campos, e Alceu Amoroso Lima tiveram uma postura de critica ao golpe por considerarem este movimento uma afronta ao regime legal que defendiam. Ou seja, todos a princípio não escrevem para legitimar o estado, mas antes o Estado serve-se deles para seu projeto político – vale apena como exemplo a implementação das ideias de Oliveira Vianna e Francisco Campos quando estiveram como consultor da justiça do trabalho e do Ministério da educação respectivamente. Como forma de corroborar esta visão, Boris Fausto apresenta a concepção do caráter do Estado, dada por um dos mais importantes formuladores da concepção autoritária de Estado no Brasil – Azevedo Amaral assim: “o Estado autoritário baseia-se na demarcação nítida entre aquilo que a coletividade social tem o direito de impor ao indivíduo, pela pressão da maquinaria estatal, e o que forma a esfera intangível de prerrogativas inalienáveis de cada ser humano” (2001, p. 10) Entender o pensamento autoritário e a sua emergência no início do século XX obrigame a falar brevemente do contexto social do mundo e principalmente do Brasil. Após a Primeira Guerra Mundial o mundo, e também o Brasil, passam por um período de instabilidade, na medida em que algumas questões não têm respostas1. Assim, serve de terreno fértil para o surgimento, ou afirmação de ideais novos e até certo ponto 1 Seria o liberalismo a melhor forma de se pensar a sociedade e a economia? Haja vista os problemas enfrentados no entre guerras. revolucionários. Contudo, olhando para o Brasil, perceber-se-á que estas ideologias, ora revolucionárias – marxismo –, ora reacionárias – fascismo –, chegam principalmente como crítica ao liberalismo – “associado às práticas oligárquicas, que pressupunham fraude eleitoral, a escassa participação política da população e o controle do país pelos grandes estados, enfraquecendo o poder da União” (FAUSTO, op.cit. p. 14). Sobre essas direitas que começam a se difundir pelo Brasil e formam a base do pensamento nacionalista autoritário no Brasil, é bom que se tenha em mente que neste momento não há somente um tipo de ideologia de direita, sendo melhor a utilização do termos ‘direitas’. Sobre isso Frederico Costa assim se expressa: “Os autores citados representam ‘autoritarismos’, diferentes. O que interessa... é a percepção de que no começo do século XX no Brasil, a opção por pratica políticas autoritárias era predominante em relação a quaisquer outras” (2005, p. 51). Devido às divergências dentro do próprio seio do pensamento – haja vista ele não ser um, mas vários – sua base era bem diversificada: bebiam desde Darwin, passando pelo positivismo comtiano, chegando à psicanálise freudiana – deixando de lado, é claro, os teóricos da evolução das raças. Outro componente que influenciou esta ideologia é exposto por Bolívar Lamounier “A formação da ideologia de Estado no caso brasileiro é inseparável da assimilação pelas elites intelectuais do conjunto de ideias sociológicas que se convencionou chamar de protofascistas” (1977, p. 361). Como um ponto comum entre esses autores era a percepção de que as ações políticas no Brasil deveriam ser pensadas tomando-se em como princípio o passado do país, agindo em conformidade com nossas possibilidades de desenvolvimento. Há uma iniciativa destes autores de explicar o Brasil de acordo com nossas experiências históricas únicas e indeléveis. Segundo essa interpretação Oliveira Vianna assim se manifesta tendo em vista os fatores mesológicos, como expressão da colônia, a carência de vias de comunicação, a América portuguesa se caracterizaria pela fraqueza de instituições sólidas e abrangentes... Isto redundaria no isolamento das populações... na supremacia da vida privada cujo núcleo era o clã rural, constituído pela família patriarcal. (apud FAUSTO, 2001, p. 33): Para estes autores o grande problema que a sociedade brasileira incorria era a existência – ou inexistência – de uma nação. O Estado formou a nação. Povo nós tínhamos, mas a nação, formadora de laços de identidade e solidariedade tão importantes no Estado liberal não foi constituída. Para eles, a forma de nós conseguirmos sanar essas dificuldades era através do Estado. O Estado é visto como o promotor das reformas necessárias para a efetivamente democratização do povo. Desse modo, o autoritarismo constitui-se apenas em um meio de se alcançar os objetivos propostos. Ainda nesta perspectiva Wanderley Guilherme dos Santos afirma: Desde a independência que o problema teórico e prático predominante e de alta visibilidade das elites políticas e intelectuais brasileiras tem sido fundamentalmente este: de que modo implantar e garantir o eficiente funcionamento da ordem liberal burguesa (apud LAMOUNIER, 1977, P. 354). Quem melhor sintetizou as incoerências entre a necessidade e as ideias copiadas de outros lugares foi Oliveira Vianna quando afirmou “idealismo utópico é todo e qualquer sistema doutrinário... em íntimo descordo com as condições reais e orgânicas da sociedade que pretende dirigir” (apud FAUSTO, op.cit. p. 56). Ao passo que o idealismo orgânico nasceria das próprias exigências da sociedade. Desse como, a partir da observação científica da sociedade em que se vive, atentando para o passado da mesma poder-se-ia pensar na melhor forma de implantar determinados teorias ou instituições, fazendo as devidas adaptações. 1.2. O Positivismo 1.2.1. O Positivismo na Origem Tal é pois a missão do positivismo, generalizar pela ciência real e sistematizar a arte social Para que se possa esboçar o contexto histórico da Primeira República faz-se necessário uma breve apresentação da corrente filosófica positivista e sua atividade política. Como doutrina filosófica surge no século XIX, tendo como seu grande propagador August Comte e inserida neste século é herdeira da racionalização que está sendo difundida por todo o Ocidente, sendo assim, um dos pressupostos básicos de sua concepção filosófica é a ordenação da realidade através de fatos que podem ser observados e estudados por meio de um método científico próprio. Sem embargo, a doutrina desenvolvida a partir do pensamento de Comte é múltipla – num sentido bem restrito – ou seja, possui não apenas uma, mas algumas facetas, que necessariamente não se contradizem ou desacreditam-se, mas trazem novos olhares sobre diferentes objetos. Para fins de melhor entendimento procurarei desenvolver pontos sobre alguns dos aspectos de sua teoria ao longo deste subtítulo e ao final farei algumas observações sobre como o Positivismo chegou ao Brasil e sua repercussão na prática aqui. Em uma das obras mais importantes, August Comte afirma: O Curso de filosofia positiva... representa uma notável sistematização dos progressos realizados pela ciência moderna ao longo do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX. É unânime o reconhecimento de que Comte era um grande expositor (CORREA, 1997, p. 19). Ainda dentro deste contexto o pensador enumera as ciências integrantes do saber positivo: matemática, astronomia, física, química, fisiologia, física social. Considerando-as sob o ponto de vista dinâmico, tudo se reduz a estudar a marcha efetiva do espírito humano, pelo exame dos procedimentos realmente empregados para obter os diversos conhecimentos exatos que já foram adquiridos, o que constitui essencialmente o objeto geral da filosofia positiva, [pois] que os movimentos da sociedade, e mesmo os do espírito humano podem ser realmente previstos. (apud CORREA, op.cit. p. 25-27). Na análise da realidade histórica o autor do Curso de Filosofia Positiva percebe a existência humana percorrida em três estágios diferentes, a saber, o teológico – ou fictício – o metafísico – ou abstrato – e o científico – ou positivo. Como sendo um processo evolutivo a sociedade humana aprendeu a raciocinar e paulatinamente desenvolveu um conjunto de ferramentas de análise da sociedade, desde o período onde ele explicava tudo pelo viés religioso, passando pelo estágio do raciocínio lógico – semicientífico culminando no estágio científico, onde o indivíduo estaria apto a buscar as verdadeiras explicações para a vida humana. Implícito nesta afirmação temos um dos pressupostos mais marcantes no Positivismo: a destinação universal desta filosofia política. Em seu Discurso Preliminar sobre o Conjunto do Positivismo Comte nos diz: “O Positivismo se compõe essencialmente duma filosofia e duma política, necessariamente inseparáveis, uma constituindo a base, a outra a meta dum mesmo sistema universal, onde inteligência e sociabilidade se encontram intimamente combinados” (COMTE, 1978, p. 43). Mas Comte vai além e propõe uma reestruturação de toda a lógica da sociedade, assim “sua fundação teórica encontra logo um imenso destino prático, a fim de presidir hoje toda a regeneração da Europa Ocidental... a reorganização política se apresenta cada vez mais como necessariamente impossível, sem a reconstrução prévia das opiniões e costumes” (COMTE, op.cit. p. 43). No entanto, apesar de Comte propor esta reestruturação é um erro pensar-se em Revolução: quando o filósofo faz esta afirmação está sendo bem conservador, na medida em que “reformaria a sociedade sem Revolução. Isso sem dúvida consolidaria o poder nas mãos dos atuais detentores, pois descoberto o caminho era só segui-lo” (CORREA, 1997, p. 33). Até porque, nunca é demais lembrar, o objetivo de August Comte é gerar equilíbrio social para depois possa haver a reestruturação de que tanto fala. Desse modo, ele concebe a inserção das mulheres e do proletariado2 a fim de que estes atores sociais pudessem desempenhar um papel de difusores desta nova ordem de determinações sociais. De fato, percebe-se através das análises que o pensamento de August Comte é em parte múltiplo, mas norteado por princípios básicos, a saber, a ordenação social através de leis, a capacidade de transformação social via positivismo e a ordem como fator básico para a existência de progresso. Não há dúvidas que ele julgava ter conseguido sintetizar a sociedade humana criando uma ciência social e uma moral científica. Não contava, entretanto, que a ciência não estava esgotada e que não há moral científica possível. Deste Modo Comte seguiu tortuoso caminho ao sabor do propósito de encontrar receptividade para a sua proposta de reforma social. Essa circunstância explica o aparecimento no Brasil de múltiplas vertentes, até mesmo em contraposição uma a outra. 1.2.2. O Positivismo no Brasil – ideologia política Antes de falarmos sobre a ação de grupos baseados no pensamento de August Comte, é importante perceber como o Positivismo achou espaço no pensamento brasileiro. Segundo José Veríssimo, havia dois motivos que explicam a adesão de algumas mentes brasileiras a este pensamento: “A decadência da metafísica e do teologismo [e] paralelamente o surto de novas concepções filosóficas” (JUNQUEIRA, 1979. p. 19). Tomadas no Brasil, estas novas concepções filosóficas sofreram muitos revezes, sendo apropriadas por diversos setores da sociedade, que não necessariamente sabiam a maneira adequada de pensar estas teorias. Diferentemente, Veríssimo afirma que: O contrário justamente se deu com o comtismo. Não só aceitaram as ciências físicas-matemáticas, como se lhe depararam sequazes e propagandistas que ao saber reuniam devoção entro nós raríssima às suas idéias e princípios. E como o Positivismo é mais que um mero sistema 2 “Na visão de Comte, o evento decorreria do comprometimento do que se poderia chamar de comunidade científica para usar uma expressão contemporânea com aquilo que ele caracterizou como estado metafísico. Essa constatação equivalia a uma outra; o estado positivo não seria plasmado historicamente de modo espontâneo. Era preciso o que Marx chamou de o “parteiro da História”. Do mesmo modo que Marx, Comte também voltou-se para o proletariado. Certamente os dois não tinham entendimento idêntico quanto a camada social que efetivamente mereceria a denominação. Em Comte é certamente não é a classe operária, ou pelo menos não apenas esta. É provável que tivesse em mente o que no século XVIII chamou-se de ‘terceiro estado” (CORREA, 1997, p. 30-31). filosófico, uma doutrina universal, abrangendo o homem e todas as suas relações, uma doutrina completa e uma fácil lhes foi organizarem-se em escola, agremiarem-se em igreja, e assim unidos fazerem uma evangelização. (apud JUNQUEIRA, op.cit. p.20) Isto posto, na medida em que no Brasil não se tinha instituições organizadas de forma coerente era de se esperar que esta filosofia política tão bem ordenada – segundo Veríssimo – tivesse ampla aceitação na sociedade brasileira. Segundo Antônio Paim, A filosofia política de inspiração positivista constitui um fenômeno estudado insuficientemente, em decorrência talvez da consideração do movimento positivista segundo o ponto de vista da história das idéias na França e do correlato menosprezo pela circunstância brasileira, vigente durante largo período. Do ângulo do historiador francês, é provável que se possa considerar satisfatória a divisão clássica dos positivistas em ortodoxos e dissidentes. Em nosso caso, entretanto... verificar-se-á... que, sem dúvida, eles pretenderam implantar uma nova religião, uma filosofia das ciências e uma filosofia política... Como se vê, o esquema simplista adotado no passado (a divisão entre ortodoxos e dissidentes) servia apenas para obscurecer a complexidade e amplitude desse movimento. (apud JUNQUEIRA, op.cit. p. 9) Tomando esta citação de Paim na introdução do livro “A filosofia política positivista I” pode-se perceber que o positivismo brasileiro é diferente do francês. Ainda segundo José Murilo de Carvalho “Constituíram, sem dúvida, o grupo mais ativo, mas beligerante, no que diz respeito à tentativa de tornar a Republica um regime não só aceito como também amado pela população” (1990, p.129). Como um dos grupos mais ativos no Brasil do momento, os positivistas possuíam um projeto efetivo de conquista de terreno ideológico. O interessante é observar, como bem saliente Carvalho que “o que os adversários nem sempre compreendiam era que a ortodoxia não constituía um fim em si mesmo, ela tinha uma finalidade política” (CARVALHO, op.cit. p. 133). Miguel Lemos e Teixeira Mendes, os dois líderes do movimento ortodoxo no Brasil eram, até o encontro com Laffite, positivistas ao estilo Littré – discípulo de Comte que não aceitava o período pós-Clotilde – mas após o contato com Laffite, aderem ao ortodoxismo comtista. Contudo dois anos após assumir o cargo de líder do movimento no Brasil Lemos rompe com Laffite, pois este cria que os brasileiros não estavam sendo fiéis aos ensinamentos de Comte – no centro da discussão estava a possibilidade ou não de se assumir cargos públicos. Os próprios positivistas de outros países criticavam esta postura de Lemos e dos outros. Contudo, ao se analisar as cartas de Lemos e Laffite, perceber-se-á que Lemos compreende a realidade social brasileira pelo viés da urgência da ação política. Num trecho de umas das cartas de Miguel Lemos Carvalho destaca: Aqui, são as classes liberais instruídas que farão a transformação. Não temos um proletariado propriamente dito, nossa indústria é exclusivamente agrícola, e o trabalhador rural é o negro escravo... Tudo isso exige do Positivismo uma atitude extraordinária, a fim de estar preparado para atender às necessidades do público... Mas para chegar lá, considerando as circunstâncias indicadas acima, não precisaremos apenas de devotamento e atividade, mas também de uma organização e uma disciplina suficientemente desenvolvidas. (apud CARVALHO, 1998, p. 192) Essa leitura é bem heterodoxa, pois Comte não concebe as classes liberais o papel de transformadoras da sociedade, este, por sua vez, caberia ao proletariado, o patriciado e as mulheres. A ênfase em um dos grupos variou durante os acontecimentos na Europa. O ponto central da discussão das concepções de Comte esta na adequação feita por Lemos à realidade brasileira, como afirma Carvalho. Lemos percebia que no Brasil o proletariado rural não existia politicamente e o urbano apenas começava a formar-se. Percebia também que os conservadores estavam presos socialmente à escravidão... As mulheres constituíam um elemento acessível, mas o trabalho entre elas só poderia ser de longa duração... Restavam-lhes, então, as classes médias. (op.cit. 137) Está aí uma das contradições no pensamento de Lemos, pois esse grupo a quem ele atribui a responsabilidade de transformação – classes médias, mais especificamente o setor técnico científico – estava mais próximo do littréismo do que do comtismo, pois esta contraelite baseada no cientificismo visava a homogeneidade e a disciplina, gerando conflitos internos e o afastamento de grandes nomes do movimento como Benjamin Constant e Silva Jardim. Mas as polêmicas não se restringiam a questões teóricas. Lemos iniciou uma série posicionamentos dos membros da Sociedade Positivista, sendo uma delas a questão dos cargos públicos. Mesmo não tendo Comte deixado isso muito bem claro em seus escritos, Miguel Lemos não aceitava que membros do movimento assumissem cargos públicos, pois “Num país em que a visibilidade do governo era grande... não aceitar posições de poder era quase um ato de heroísmo cívico, era a rejeição de uma prática universal embora muito criticada. Era grande a autoridade moral daí resultante” (CARVALHO, op.cit. p. 138). Dessa forma, os ortodoxos devem ser vistos mais como um grupo político com objetivos próprios, idéias definidas e como realizá-las do que um bando de fanáticos religiosos. Somando a visão comtista com a estratégia dos ortodoxos temos a configuração de teoria e prática, ou seja, o conteúdo simbológico e a estratégia que impulsionava a ação dos sectários. Para isso, fizeram uso de textos, artigos e livros publicados e como meio de convencimento a simbologia, muito utilizada pelos ortodoxos para persuadir mulheres e o proletariado. 1.2.3. O Positivismo no Brasil – ação política Pensando sobre os projetos de atividades dos positivistas tanto a filosofia das ciências quanto a Religião da Humanidade não deram muito certo, ficando relegados a alguns locais específicos da sociedade. No entanto, a filosofia política deu certo e tem no Rio Grande do Sul, mais especificamente no Castilhismo sua maior marca. Segundo Antônio Paim, A filosofia política de inspiração positivista corresponde, em sua primeira fase, ao castilhismo, assim chamado por ter sido obra de Júlio de Castilhos3 (1860-1903) que, além de tê-la formulado teoricamente, introduziu a sua prática no Rio Grande do Sul a partir de 1893. (JUNQUEIRA, 1979, p. 10). E mais, os próprios opositores a Castilhos como Assis Brasil4, “reconhece(m) equilíbrio e inteligência, honestidade, tenacidade, dom de proselitismo, capacidade de impor confiança e obediência qualidades superiores enfim...” (JUNQUEIRA, op.cit. p. 106). E o que Castilhos encontra em Comte e na sua filosofia política? Segundo nos diz Rubens de Barcelos: Castilhos achou na meditação da obra de Comte, e na observação dos fatos históricos, a fórmula mais capaz de resolver, de um ponto de vista humano, o insanável problema político... Essa doutrina – a que a ortodoxia tanto tem prejudicado – visava solucionar o problema da organização social pela aplicação à política, entregue ao empirismo, de um critério sociológico... Assim orientado, Castilhos resolveu o apremiante problema, criando um aparelho governativo capaz de garantir a ordem material peal robustez da autoridade civil, forte e responsável, e de permitir o autodesenvolvimento da sociedade pelo livre jogo de suas forças espirituais. (apud JUNQUEIRA, 1979. p. 127) Já se sabe quem foi Júlio de Castilhos, mas e de sua obra? O principal fruto do pensamento de Júlio de Castilhos é sem dúvida a Constituição Republicana Rio-grandense de 1981. Tida por muitos como positivista, não se pode deixar de notar seu caráter de afirmação 3 Júlio de Castilhos nascido em 1860 elegeu-se deputado Federal e pertenceu à Constituinte de 1891. Foi o primeiro governador do Rio Grande do Sul (julho de 1891), sendo o responsável pela constituição este estado. Renunciou seis meses depois de assumir o poder, sob pressão de crise política agravada pela dissolução do Congresso por Deodoro da Fonseca em novembro de 1891. Regressou ao poder em 1892 e governou até 1897, quando transmitiu o poder a Borges de Medeiros. (op.cit, 1979, p. 8) 4 Um dos mais importantes políticos riograndenses foi um dos líderes do movimento conhecido como “Aliança Renovadora”, movimento este caracterizado pela crítica ao castilhismo e à constituição que tinha caracteres positivistas que iam contra os ideais liberais de parte da elite riograndense. Crítico voraz de Castilhos, Assim Brasil foi o representante da ala liberal da elite riograndense no acordo firmado entre as partes conflitantes, coordenadas pelo Poder Federal para por fim ao confronto, assinando o chamado Tratado de Paz de Pedras Altas, onde se estabelece algumas garantias às minorias e principalmente o fim da reeleição para presidente do estado. de um poder central, que firmado na autoridade, estabelece regras para o desenvolvimento social. Apesar de todas estas atribuições uma das mais importantes e que demonstram o perfil de positivista desta Constituição é o fato de o Presidente poder se eleger indefinidamente desde que tenha o “sufrágio de três quartas partes do eleitorado” (JUNQUEIRA, op.cit. p. 31). Importante também é o papel da Assembléia neste governo: “(Art. 46 – Compete privativamente à Assembléia: 1°) Fixar a despesa e orçar a receita do Estado, reclamando para esse fim do Presidente todos os dados e esclarecimentos de que carecer” (JUNQUEIRA, op.cit. p. 38). Ainda para que se possa ter uma visão do caráter do governo instituído por Castilhos, é importante perceber que até os magistrados são indicados pelo Presidente do Estado.Se por um lado vemos o reforço do poder do Presidente, do outro vemos garantias dadas pela constituição como o direito ao ensino livre e gratuito, liberdade de culto religioso, liberdade de livre associação, liberdade de imprensa. 1.3 – Relações de mandonismo, clientelismo e coronelismo no Brasil (1891-1930) Apesar de não ser o foco deste trabalho, não posso deixar de citar as relações políticas na Primeira República brasileira. O perigo ora existente, e sempre que se empreende uma pesquisa ele manifesta-se é o de não ser fiel aos conceitos, pois estes usualmente são criados e desenvolvidos para contextos específicos. Para isso, recorro a José Murilo de Carvalho para desenvolver sobre os conceitos de mandonismo, clientelismo e coronelismo e também ao texto de Lincoln de Abreu Penna sobre o pacto oligárquico de Campos Sales. Partindo do conceito mais amplo e que pode ser aplicado a muitos contextos, haja vista sua característica de ser maleável temos o conceito de mandonismo. Segundo José Murilo de Carvalho: Refere-se à existência local de estruturas oligárquicas e personalizadas de poder. O mandão, o potentado, o chefe, ou mesmo o coronel como indivíduo, é aquele que, m função do controle de algum recurso estratégico, em geral a posse da terra, exerce sobre a população um domínio pessoal e arbitrário que impede de ter livre acesso ao mercado e a sociedade política. O mandonismo não é um sistema, é uma característica da política tradicional. Existe desde o início da colonização e sobrevive ainda hoje em regiões isoladas. A tendência é que desapareça completamente à medida que os direitos civis e políticos alcancem todos os cidadãos. A história do mandonismo confunde-se com a história da formação da cidadania, desaparecendo um ao ser expulso pela outra. (1998, p. 133)) Pode-se retirar no mínimo três observações da citação acima. Primeiro, o conceito de mandonismo refere-se a uma prática de exercício de poder que independe do contexto em que se esteja vivendo, na medida em que ele expressa uma prática política e não um sistema fechado e característico de uma determinada sociedade no tempo e espaço – no caso brasileiro desde o início da colonização; segundo, há que existir uma relação de simbiose entre o servidor e o patrão – ou mandão – na medida em que aquele depende deste para prover seu sustento e através disso o mandão exerce seu poder de influencia; e a terceira, que está intimamente ligada às de cima refere-se à consequencia quase lógica da segunda, a saber, a existência de um controle de massa e – às vezes – do imaginário das pessoas devido á não participação na política, garantida pelos direitos civis e políticos. O outro conceito muito confundido com o de coronelismo é o de clientelismo. Assim é apresentado por José Murilo de Carvalho: De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em troca de apoio político, sobretudo na forma de voto. Este é um dos sentidos em que o conceito é usado na literatura internacional (Kaufman, 1977). Clientelismo seria um atributo variável de grandes sistemas políticos. Tais sistemas podem conter maior ou menor dose de clientelismo nas relações entre atores políticos. (1998, p. 134) Sobre o conceito de clientelismo é a associação que Carvalho faz com a possibilidade de haver maior ou menor presença de clientelismo nos sistemas políticos. Isso se dá devido ao fato de o conceito de clientelismo também poder ser aplicado a alguns contextos históricos diferentes e com dinâmicas próprias. Contudo, há um corpo que inexorável: qual seja o da troca, barganha entre o político ou indivíduo de posse e o cliente. Importante também é compreender que mesmo com a possibilidade de ter coexistido os dois conceitos juntos – mandonismo e clientelismo – eles são melhores entendidos em contextos mais específicos. O conceito de mandonismo refere-se mais a mundos majoritariamente onde haja muita hierarquia social e pouca mobilidade, do outro lado, clientelismo refere-se mais a contextos onde haja uma certa mobilidade social, no entanto as formas de ascensão social estão sendo controlada por determinados indivíduos. Posto isso podemos discutir brevemente o conceito de coronelismo. Como o compreendo, coronelismo é um termo específico de um período da história do Brasil, a saber, de 1891 a 1030 – também conhecido como República Velha. Grosso modo denota um tipo de relação entre os senhores locais e os detentores dos poderes regional e nacional onde em troca de poder eleitoral através do voto dava-se apoio aos locais para se perpetuarem no poder devido ao seu estado de decadência econômica. Leia-se em Carvalho O compromisso coronelista baseava-se exatamente na decadência econômica dessa classe [coronéis]. É a perda de poder econômico que leva o coronel a necessitar do apoio do governo para manter sua posição de classe dominante. Mas é verdade que a teoria é formulada apenas em termos de compromissos político: os coronéis apóiam o governador, que lhes dá carta branca em seus domínios; e os governadores apóiam o presidente da república, este reconhece a soberania deles nos estados. (1998, p. 18) Baseado em Victor Nunes Leal, José Murilo de Carvalho assim expõe o conceito de coronelismo: o coronelismo é um sistema político, uma complexa rede de relações que vai desde o coronel até o presidente da República, envolvendo compromissos recíprocos... alem disso é datado historicamente... surge na confluência de um fato político com uma conjuntura econômica. O fato político é o federalismo5implantado pela república em substituição ao centralismo imperial. O federalismo criou um novo ator político com amplos poderes, o governador de Estado... A conjuntura econômica... era a decadência econômica dos fazendeiros. Esta decadência acarretava enfraquecimento político do poder político dos coronéis em face de seus dependentes e rivais. A manutenção desse poder passava então, a exigir a presença do Estado, que expandia sua influência na proporção em que diminuía a dos donos da terra. O coronelismo era fruto da alteração na relação de forças entre os proprietários rurais e o governo, e significava o fortalecimento do poder do Estado antes que o predomínio do coronel. O momento histórico em que se deu essa transformação foi a Primeira República, que durou de 1889 até 1930. O conceito de coronelismo expressa um conjunto de práticas que vigoraram no Brasil no início do século XX e esteve embasado, segundo Carvalho (1998) em uma conjuntura política e uma econômica. (CARVALHO, op.cit. p.131-2) É no período concomitante a este que os autores da linha autoritária estão escrevendo seus primeiros livros, constatando todos os problemas que o regime político implantado no Brasil, com base nos pressupostos liberais inscritos na carta de 1891. Diante disso, penso que esta breve exposição dos conceitos de mandonismo, clientelismo e coronelismo e do contexto político da época já se possa pensar na recepção que os pensadores nacionalistas autoritários estavam tendo deste Brasil. Através desta breve citação podem-se perceber os problemas existentes no país e como esse regime de fachada não atendia às expectativas dos autores autoritários. Não tento aqui uma defesa dos pressupostos autoritários, mas busco mostrar como os homens são parte do meio em que vivem e inevitavelmente não podem ser muito diferente do contexto em que estão imersos. Boa parte da crítica ao liberalismo presente na 5 De caráter positivista, principalmente o do Rio Grande do Sul. No entanto, a da federação também possuía vínculo com o positivismo cf. capítulo 1. obra de autores como Azevedo Amaral e Oliveira Vianna são exemplificadas via Primeira República. Então se pode ter uma idéia do quão importante é o esboço deste contexto para a compreensão deste pensamento. 2. Principais expoentes do pensamento nacionalista autoritário 2.1 – Francisco Campos Só o Estado forte pode exercer a arbitragem justa; A democracia como todas as expressões que traduzem uma atitude geral da vida, não tem um conteúdo definido, ou não conota valores eternos Francisco Campos tem dentro do escopo do pensamento nacionalista autoritário muita influência, haja vista sua participação ativa durante a ditadura varguista e sua articulação, mesmo no fim da vida, com o Golpe de 64. Devido a essa longa jornada são muitas as possibilidades de interpretá-lo e opto por partir do mais geral em sua teoria para em seguida trazer á tona aspectos mais específicos, que fazem dele um importante pensador a ser estudado. Como princípio o ponto que mais deve nos chamar a atenção é o fato de Campos concebe a realidade brasileira e o processo de transformação desta realidade pela via autoritária. E vai além, defende não só a ordem como também a legalidade dos regimes instituídos. Dessa forma [era] ao longo de toda esta fase Campos revelava-se um político situacionista (aliás, é digno de nota que jamais em sua vida militou nas hostes da oposição), defensor convicto da ordem estabelecida e do regime então vigente, ou seja, das instituições políticas da República Velha, que perduraram até a Revolução (ou Golpe) de 1930 (que Campos, aliás, ajudou a tramar e deflagrar na qualidade de secretário do Interior do Governo Antônio Carlos, um dos próceres aliancistas6 mais destacados). Como deputado federal Campos é um agressivo crítico e opositor das sublevações tenentistas e do programa da Aliança Libertadora, de Assis Brasil. (MEDEIROS, 1978, p. 10) Antes mesmo de adentrar ao plano da política, já se podia perceber, como neste discurso acadêmico dos anos 10, suas tendências teóricas (apud MEDEIROS, op.cit. p.11) “O 6 Alusão ao movimento conhecido como Aliança Nacional Libertadora, encabeçada por setores dos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e outros, também conhecidos na Primeira Republica como “eixo alternativo do poder” que sob a liderança de Getúlio Vargas derrubaram a República Velha em Outubro de 1930. cf. cap. 1. futuro da democracia depende do futuro da autoridade. Reprimir os excessos da democracia pelo desenvolvimento da autoridade será o papel político de numerosas gerações”. Pode parecer um equívoco interpretativo conceber Francisco Campos como um defensor da ordem e da legalidade se este mesmo ajuda na articulação da Revolução (ou Golpe), mas o ponto principal nisto tudo é o conceito de “Revolução por cima”, ou seja, busca-se a reforma ou mesmo alteração de algumas estruturas societais vigentes, no entanto, esta reforma ou mesmo alteração manifesta-se na esfera de cima da sociedade, entre os detentores do status quo em vigor. Como bem nos mostra Medeiros Colocado dentro de uma estrutura de poder então vigente, nela trabalhava não certamente para solapar suas bases sociais – e nisto qualifica-se como um conservador – mas sim para substituir e reconstituir do alto as suas instituições políticas e burocráticas modernizando-as. (MEDEIROS, 1978, p. 12). É importante não deixar de notar a preocupação de Campos em adaptar toda e qualquer idéia a realidade brasileira. Neste contexto entende-se sua recusa a aceitar totalmente a democracia moderna, nos moldes em que ela foi instituída, assim, segundo Campos a democracia moderna, que vive da prosperidade e da unidade da Nação; essa democracia que precisa de uma espinha dorsal e não a democracia xadrez, constituída de retângulos inumeráveis, cada qual com a sua bandeira e a sua cor; a democracia substancial, moldada na unidade nacional... Essa democracia... não pode constituir-se onde se multiplicam as autoridades políticas locais, estabelecendo separações, semeando ódios, nutrindo a desconfiança, a descrença, o indiferentismo e o desprezo do povo pelo seu regime. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 12-3) Note-se na citação acima o desprezo pelo liberalismo ali representado pelo federalismo, ou seja, a relativa independência de cada província ou estado. Isto porque, não necessariamente Campos não aceitava o liberalismo ou a democracia: o ponto que mais chama a atenção é o fato de ele estar demonstrando que formas de governo de outrora, já não surtem o mesmo efeito, sendo necessário o revise e a adaptação a realidade vivida, como se pode ver a seguir: “Eu creio que nesse caso dos parlamentos continuamos a ser vítimas de uma daquelas ilusões atribuindo às Câmaras o mesmo papel que elas representaram em outros tempos” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 13). Todo o processo de transformação na sociedade e da sociedade seria organizado a partir das necessidades do país, desse modo nos diz Campos Havia no Brasil dois países, o legal e o de fato; o país da mentira e o país da realidade. A revolução é o protesto do último contra o primeiro; são as necessidades e as exigências do Brasil acordando do sono e da abulia dos entorpecentes para reclamar os remédios verdadeiros e eficazes... Na instrução será indispensável considerar, a fim de que possamos atender às exigências do estado atual de civilização e de cultura, que o Brasil não é apenas um país de ‘liberais’, mas também, e, sobretudo, um país de produtores (apud MEDEIROS, op.cit, p. 15) Na última página apresentou-se um texto do próprio Francisco Campos em que este classifica o jogo federativo como sendo uma democracia xadrez, isso muito contribui para se analisá-lo, pois é exatamente esta uma das pedras angulares de sua crítica ao liberalismo: este traria consigo toda uma rede de interesses locais e subalternos – termo de Campos – que seriam prejudiciais à Nação, impedindo que esta se modernizasse. Desse modo temos que “se aquelas instituições ‘liberais’ eram tidas por sinônimo de estado ‘dividido’ e ‘desarticulado’ enquanto que o Estado nacional a que se aspirava seria um Estado hegemônico, ‘integrado’, ‘monolítico’, tornava-se evidente ao nosso pensamento político ‘inovador’ que o ‘liberalismo’ era o responsável último por nosso ‘atraso’ e fraqueza, face aos povos ‘civilizados’. Tudo isto que foi apresentado tem por base o período pré-Estado Novo, ou seja, antes de 1930. Neste segundo momento de sua produção intelectual, Francisco Campos está mais atento às questões que se referem às reformas implantadas durante o governo de Getúlio Vargas, a saber, a reforma do sistema educacional, reforma das instituições jurídicas, e das instituições políticas – principalmente depois de 1937. Do ponto de vista das reformas educacionais, Francisco Campos apóia a implantação da chamada “Escola Nova”, ou “Escola para a vida”. Esse movimento pode ser visto como uma das formas de preparar o Brasil para o futuro glorioso que o aguardava, pois a partir do “sopro de renovação”, o país necessitaria de cabeças pensantes que pudessem competir com o mercado externo na produção de bens industrializados. Mas ainda assim há um marco de conservadorismo nesta reforma, refere-se ao retorno ensejado por Campos do ensino religioso nas escolas, pois “procurava a ‘recuperação dos valores perdidos’, o qual identificava com a ‘religião’, a ‘família’ e a ‘pátria’, assinalando que só ‘a educação poderá incumbir-se dessa tarefa”. E continua Ao passo que, sob a bandeira da doutrina liberal e em nome da liberdade de cátedra, era permitido o ensino das mais extravagantes e destemperadas teorias e às escolas se franqueavam todas as superstições científicas, e todas as cosmogonias, teodicéias e teologias racionalistas, sob o rótulo fraudulento de ciência, fechavam-se à religião as portas das escolas como se tratasse de uma expressão espúria da natureza humana. (apud MEDEIROS, 1978, p. 22) No campo da Política, Francisco Campos produz seus textos enquanto é Secretário da Educação do Distrito Federal, ou seja, são “textos de um ideólogo no exercício de funções de Poder” (MEDEIROS, op.cit. p. 23). E dessa forma, segundo Medeiros, podemos assim sintetizar suas idéias ao longo do período da década de vinte: a) “uma visão apocalíptica daquele período”; b) “uma visão da sociedade moderna como ‘sociedade de massas’”; c) “uma apologia das elites, vistas como agentes da história”; d) “uma visão do Estado moderno como Estado autoritário e antiliberal” (1978 p. 23-24). Respectivamente, podemos compreender estas características como sendo: a percepção de um mundo em franca transformação político-econômica, enredada pelo avanço das idéias capitalistas-burgueses, onde as sociedades e os indivíduos não sabem muito bem os rumos a tomar; a noção de massa e não mais de indivíduo tomado individualmente, mas sim como grupo, entidade social única; a paradoxal existência de um estado autoritário e democrático ao mesmo tempo – isto porque embora este Estado seja autoritário é exatamente por isso que é democrático, porque pelo exercício da sua autoridade é que ele vai garantir a todos representação, direitos e atenção nas propostas de governo, atendendo a todos os grupos sociais; e pela ação de uma elite intelectual e política capaz de conduzir todo o processo de desenvolvimento da sociedade. É importante frisar que Francisco Campos lança uma nova concepção de democracia, já esboçada ao longo deste trabalho: “A democracia nacional.” Pois queria uma democracia que ‘articulasse’ o país – e não uma democracia ‘desarticulada’ como entendia ser a democracia liberal; ambicionava uma democracia ‘nacional’ e não uma democracia de ‘ separatismos’ e conflituosa, como seria aquela das autonomias regionalistas, dos partidos políticas, dos debates parlamentares, das greves sindicais e do ego[ismo das associações profissionais deixados aos sabor de seus próprios interesses particularistas, como entendia que o Estado liberal fazia. Todos estes grupos e interesses seriam retirados doa órbita de uma composição contraditória e individualista onde o liberalismo os colocara, para serem integrados, segundo sua concepção autoritária, dentro do Estado e pelo Estado. (apud MEDEIROS, 1978, p. 26-7) É muito proveitoso para as discussões acerca deste assunto que se compreenda o papel do Estado Nacional nesta conjuntura e como conceitos e coisas como a democracia se encaixam neste momento, pois surge uma nova realidade que atende a demandas também novas. Para corroborar a noção de democracia e de que modo ela se adéqua ao pensamento nacionalista autoritário temos que “Enquanto a democracia de partidos seria uma ‘guerra civil organizada e codificada’, o Estado Novo representaria a ‘estabilidade institucional’, a ‘harmonia das classes sociais’, e a ‘racionalidade administrativa” (apud, MEDEIROS, 1978, p. 27). Por fim, temos também a terceira característica deste segundo momento de produção intelectual de Campos, que se dá durante o Estado Novo, que é das reformas dos códigos e legislação. Seguindo o modelo adotado por Medeiros temos nesta reforma dos códigos: a ênfase na função do estado como árbitro dos conflitos intra-sociais; no clima de massas e na substituição da concepção duelística pela autoritária; e a simplificação do direito, tornando-o mais rápido e barato – não obstante a manutenção da justiça e equidade imanentes ao judiciário. Por fim, Francisco Campos depois de dar uma entrevista acusando Vargas de ter transformado o governo numa ditadura tal qual as latinas deixa o governo para se dedicar ao Direito, sua cadeira na Universidade e sua fazenda em Minas Gerais. Haja vista que foge do escopo deste trabalho deixo apenas referência. 2.2 – Alceu Amoroso Lima O Brasil é uma nacionalidade de tradições precárias e memória fraca, em que tudo se esquece facilmente e dá a impressão de um país em constante disponibilidade A estabilidade da autoridade era, afinal função da “unidade”: “A unidade conduz os indivíduos a uma ação comum para um fito comum por meio de uma ordem comum... Esse propício de unidade social é que constitui propriamente a autoridade base do Estado O pensador que ora apresento esteve participante durante muitos anos dos movimentos sociais católicos no Brasil. Influenciado por idéias como de Bergson e Péguy e Leon Bloy Alceu Amoroso este atuante contra o comunismo por meio de sua inserção nos movimentos religiosos católicos. Por isso mesmo justifica-se apresentá-lo neste trabalho: o pensamento nacionalista autoritário do início do século XX no Brasil foi um movimento que esteve presente nas mais diferentes classes sociais de formas diversas. Assim temos, por exemplo, Azevedo Amaral querendo a inserção do Brasil no processo de industrialização e, consequentemente, no universo capitalista, ao passo que Alceu Amoroso Lima está mais preocupado como resgate de alguns valores tradicionais que foram perdidos com o tempo. Esse autor inicia suas discussões políticas com a entrada no movimento católico como Jarbas Medeiros nos apresenta “Foi precisamente depois de meu encontro com a Igreja... que passei a me preocupar pelos problemas políticos... A minha participação nos acontecimentos, meu juízo dos acontecimentos, está mais ligado á ação católica do que a ação política ou a ação social” (apud MEDEIROS, 1978, p. 226). Além disso, muito do que Alceu Amoroso compreendia de mundo adveio da influencia de autores como Maritain, Jackson de Figueiredo entre outros que estiveram ligados de alguma forma com a Action Française e os princípios do renouveau catholique. Então: desenvolveu uma longa correspondência epistolar com Jackson de Figueiredo – reconhecidamente a influencia determinante e decisiva na sua conversão ao catolicismo. então, sob a influencia conjunta destes intelectuais cristãos, Amoroso Lima busca ‘a superação das coisas efêmeras, passageiras, fluidas, pelas coisas estáveis, sólidas, permanentes, sem prejuízo das outras... na filosofia do realismo integral terminaria por encontrar respostas àquelas indagações. (MEDEIROS, op.cit. p. 221) Após apresentar as bases de seu pensamento discutirei alguns aspectos que julgo importante para esse trabalho. Já em seus primeiros textos onde Amoroso Lima faz críticas ao liberalismo e o comunismo. Desse modo temos de um lado a causa do erro e do outro a causa da verdade... De um lado a regeneração pela idéia revolucionária, do outro a regeneração pela idéia religiosa... a causa do Cristo e a causa do anticristo... O século XX vai ser ora um diálogo, ora um duelo, entre o Vaticano e o Kremlin. (apud MEDEIROS, 1978. p. 233) Jarbas Medeiros conclui: “Definia-se a um só tempo como antiliberal e como anticomunista – o que, afinal, veio a ser a posição manifesta de todos os ideólogos autoritários brasileiros da década de 30” (MEDEIROS, op.cit. p. 235). Em contrapartida apresentava a profilaxia, qual seja a da revalorização dos caracteres religiosos cristãos, pois ’Se o Brasil permanecesse fiel ao cristianismo, poderia, por ele, encontrar sua autenticidade de ‘civilização brasileira’. E acrescentava: ‘ E para isso é que devemos procurar repor a civilização brasileira sobre a base religiosa em que nasceu, mas de que nunca chegou verdadeiramente a ter consciência total’ (apud MEDEIROS, op.cit. p. 234). Nesta conjuntura de queda dos pressupostos iluministas – porque baseados na razão e no evolucionismo – e de reafirmação da religião ele desenvolve uma série concepções sobre a política e a economia, onde a autoridade estaria embasando todas as relações. Com efeito afirma, “politicamente uma vez que o ‘atomismo democrático dissociou toda a ordem social, desligando as classes econômicas das classes políticas e estas das espirituais’, o que se impunha era a ‘reassociação dos três poderes básicos da sociedade: o político, o econômico e o espiritual’” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 241). E em resposta a esta questão Alceu Amoroso Lima nos diz: “A reassociação político-econômico-espiritual caracterizar-se-ia pelo intervencionismo estatal na vida social e econômica da Nação, pela outorga de uma legislação trabalhista e previdenciária, pela nacionalização de certos serviços públicos, por uma política econômica ‘distributivista’ (na qual o ‘problema fundamental é o da distribuição e não o da produção’, com a ‘subordinação da vida material à ordem espiritual. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 241) Diante desta nova realidade que deveria ser construída, Alceu Lima apresenta o Estado como sendo o responsável pela organização. Então é a partir da autoridade do mesmo que ocorreriam as mudanças necessárias. Segundo Medeiros: partindo do conceito neotomista de autoridade... e considerando-se este último como objetivo final da política, a ‘unidade social’ era colocada como condição básica e essencial para o ‘bem comum’. Autoridade, in concreto, era o Estado, organismo privilegiado na hierarquia política tomista, ao lado da Igreja, da família, da escola e das corporações. O Estado era, afinal, o agente principal e o promotor destacado da ‘unidade nacional’. A autoridade estatal não poderia ser colocada em risco ou, contestada, a não ser em casos excepcionais e assim mesmo por outras autoridades constituídas. Objetivamente, portanto, o pensamento político católico entre nós, tal como formulado por Amoroso Lima, propunha-se, de fato, à manutenção da ‘unidade nacional como forma de manutenção da autoridade do estado burguês... [afirma ele] o ‘bem comum’ são ‘ a ordem e a paz que só podem ser obtidas pela restauração do sentido cristão da autoridade tanto no Estado, como nos grupos naturais da sociedade, pela sobrenaturalização da vida individual e coletiva’ e quando reclama a ‘defesa da Autoridade forte que organiza o Estado’. (1978, p. 358) Essa concepção da necessidade de uma nova organização – também chamada de terceira opção, como resposta ao socialismo e o capitalismo –, ou seja, o Estado autoritário exigiria no mínimo duas exigências: a primeira é a reorganização das nossas instituições, pois A terceira alternativa (item c), a ideal, implicaria que o Estado, afinal, deveria ‘nascer naturalmente e não ser construído artificialmente... É preciso, portanto, que as leis fundamentais do Estado brasileiro correspondam organicamente a toda à nacionalidade e não sejam apenas expressão de oligárquicas políticas ou agrupamentos sectários (MEDEIROS, 1978, p. 266); A segunda era uma nova forma de relação entre os setores produtivos da sociedade, de modo que, segundo Amoroso Lima era assim, o estado ético-corporativo – ‘formado pela imortalidade dos princípios do cristianismo’ – única alternativa válida para o Estado individualista de um lado, e o Estado coletivista, do outro. Fora de seu modelo ideal de Estado teríamos, ou o Estado técnico neo-burguês (EUA) ou então o Estado técnico proletário (Rússia)” (MEDEIROS, op.cit. p. 266) Toda esta discussão está fundamentada nos textos até a década de 1940, pois daí em diante Alceu Amoroso Lima começará a se converter em um defensor da democracia liberal, ligada a sua concepção de democracia cristã.7. O texto seguir nos diz muito sobre essa mudança muitos da nossa geração rejeitamos, em tempo, a democracia por ser ela ou pelo menos ter se tornado exclusivamente o setor político da burguesia, a máscara da hipocrisia política de que ela se revestia para ‘fazer crer ao povo que ele governa’... é em Maritain que vamos procurar os fundamentos metafísicos indispensáveis para uma restauração da dignidade da democracia, que deixa assim de ser, quando bem entendida e aplicada, a defesa de uma classe moribunda, para se tornar a garantia dos próprios direitos do homem, contra toda a opressão econômica e política, na sociedade’ lembrando aqui a ‘ sentença bergsoniana’ de que ‘a democracia é de essência evangélica. (apud MEDEIROS, 1978, p. 304) Apesar de toda essa mudança, advertindo que não era a favor do liberalismo clássico, então afirmava: “Não queremos voltar ao liberalismo clássico, já definitivamente ‘ultrapassado’ – o caminho seria a ‘terceira solução’, o ‘humanismo político’, o ‘socialismo democrático’ ou a ‘democracia social’” (MEDEIROS, 1978, p. 312). Mais adiante apresenta o que seria a ‘democracia social’: “ a democracia social, que se baseia na liberdade e na justiça e não apenas na liberdade” (MEDEIROS, op.cit. p. 312). 2.3 – Plínio Salgado O povo é um monstro que se doma com a mesma paciência com que se domam os leões e os tigres... Não podemos, de nenhuma maneira, cortejar a massa popular. Ela é um monstro inconsciente e estúpido. O Brasil é assim, por ser um povo-criança. A infância é dócil e impulsiva, irrequieta e arguta, concorda e insubordina-se. Plínio Salgado constitui-se um dos mais importantes pensadores e atores políticos deste período no Brasil, fazendo-se presente em um dos momentos mais importantes da história política do Brasil: a saber, o golpe do Estado Novo de Getúlio Vargas, como um dos articuladores e defensores do movimento. Além disso, possui uma extensa obra que versa literatura e análises histórico-sociológicas da realidade brasileira, possuindo cada uma dessas fases especificidades. Não obstante a constatação da pluralidade e importância de cada uma 7 Uma das explicações para essa mudança na sua idiossincrasia deva-se ao contexto de abertura e de retorno da democracia – lembremo-nos que é exatamente neste contexto que Getúlio Vargas deixa o poder e põe fim a Estado Novo. desses momentos tomarei principalmente o momento compreendido entre 1930-40. Apesar disso é provável que em certos momentos eu recorra a textos de outros períodos – isso porque a obra de Plínio Salgado não passa por grandes transformações que contradiga um período anterior. Como já se foi dito, justifica-se esse breve esboço da obra deste autor haja vista sua participação na articulação do golpe de Outubro, liderando a Ação Integralista Brasileira – AIB – e escrevendo durante muitos anos sobre a realidade do Brasil e as soluções para nossos problemas. O que se segue é um esboço de seu pensamento, e desde já aviso ao leitor que o que darei prioridade é o pensamento político, dessa forma não darei grande atenção aos outros aspectos de seu pensamento. Um dos grandes problemas apontados por Plínio Salgado, que deveria ser resolvido o mais rápido possível, com prejuízo a toda a nação caso não fosse, é o da urbanização. Compreendia que, pelo fato de o país está se desenvolvendo rumo á industrialização, estaríamos perdendo muito de nossas raízes tradicionais, que traziam consigo um série de valores tão importantes para nossas vidas em sociedade. Assim nos afirma: do nosso Hinterland, é que deveriam comandar e dirigir o nosso processo de urbanização e de desenvolvimento capitalista. Este ‘espírito’ e esta ‘mentalidade’ se resumem, afinal, no paternalismo coronelista, no assistencialismo e no autoritarismo ‘benfazejo’ das classes patronais, sobre o conjunto das classes e setores médios que lhe ficam abaixo. (apud MEDEIROS, 1978, p. 530) Ainda nessa perspectiva, Plínio Salgado continua apresentando a sua concepção das características sócio-políticas ideais para o Brasil: o desenvolvimento da nossa vida urbana não pode efetivar-se numa progressão maior do que a do crescimento de nossas forças do interior. A fascinação das cidades é a fonte das discórdias sociais. A luta nela é mais violenta... Não é possível o sentimento da Pátria onde se sofre mais influencia do século do que a influencia da terra A tendência das cidades é para a desnacionalização. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 398) Isso porque compreendia que além dos males da perda deste sentimento das regiões do interior o homem poderia se apegar a ideias estrangeiras que prejudicariam muito ao Brasil. Desse modo, “a sacola do imigrante pode trazer para a sociedade germes mais perigosos do que a lagarta rosada8” (MEDEIROS, 1978, p. 396). Tem-se assim, formado um escopo de nacionalismo – que nesse sentido equivale à solução dos problemas do país na medida em que 8 Atente-se para o risco que a realidade apontava: com imigrantes desembarcando cada vez em maior quantidade no Brasil era extremamente perigoso não se atentar para as ideologias que também chegam – principalmente o comunismo. Este é um ponto importante na visão de Plínio Salgado, e de modo geral no pensamento nacionalista autoritário: o risco de que outras idéias mudem “quem somos”, ou seja, transformem nossa realidade – que no caso de Plínio Salgado é o Hinterland. se compreende que as nossas relações políticas e sociais devem estar pautadas na realidade de nossa história e não nos pressupostos de outros países – que estará presente em toda a sua obra refinando sua percepção dos problemas do país e suas soluções. É importante ter-se em mente a forma específica como pensava Plínio Salgado a modernidade: via-a não com olhos muito bons, porque compreendia que ela acarretaria problemas grandes para o país e dado o passado e a tradição histórico-sociológica de nossa nação dizia que “O arbítrio mental não pode sobrepor-se às fatalidades cósmicas, étnicas, sociais ou religiosas... País sem preconceitos, podemos destruir as nossas bibliotecas.. sem a menor conseqüência no metabolismo funcional dos órgãos vitais da Nação” (apud MEDEIROS, 1978, p. 406). Conclamava então o país para se reorganizasse visando o restabelecimento da ‘ordem’ que se havia perdido – a saber, os valores do Hinterland. Na outra ponta dessa corda há as críticas à liberal-democracia e ao capitalismo – apontado por Salgado como o “verdadeiro bolchevique”. Isso, pois entendia que o capitalismo e a democracia – em menor escala – haviam deturpado os sentimentos nacionais substituindoos por esse gosto deletério que é o do internacionalismo. Desse modo: A Terra e a Raça seriam os fatores declarados destas ‘verdades essenciais’, Tudo o que era adventício’ e ‘alienígena’, era ‘reacionário’... O projeto assentava-se no ‘Estado forte’: ‘Por que o Estado forte? Para garantia do indivíduo e da família, e não para sua anulação. O indivíduo precedeu o Estado’... O indivíduo como força moral é o centro da família, como força econômica é a razão de ser da classe... Em razão da valorização, por igual, de cada homem, decorreria a valorização, por igual, de cada classe... ‘As classes devem ser organizadas... E só um Estado forte poderá sobrepor-se para fixar e garantir direitos’. (MEDEIROS, op.cit. p. 427) É interessante perceber essa última frase de Plínio Salgado e a semelhança entre ela e a de Francisco Campos: “E só um Estado forte poderá sobrepor-se para fixar e garantir direitos” – de Plínio Salgado – e “Só o Estado forte poderá promover a arbitragem justa” de Francisco Campos. Sobre essa semelhança dá para percebermos como há um corpo, uma estrutura de pensamento que perpassa as obras: nesse caso a idéia de que é o Estado quem garantirá aos cidadãos os direitos e a garantia de que não haverá usurpação de poder. Ao leitor, pode parecer sem propósito a utilização destes caracteres, no entanto faço uso destes para lhes apresentar a base do pensamento político de Plínio Salgado – entenda-se sua opção pelo nacionalismo autoritário. Sobre esse Estado afirma Plínio Salgado: O Estado seria corporativista: ‘... organizar as classes, ordenando todas as forças produtoras da Nação... Todas essas classes devem ser organizadas. Todas devem representar uma força nacional’ garantindo-se-lhes uma ‘representação federal... para que se acabe, de uma vez para sempre, a luta entre os estados, que é dissolvente e desagregadora’(apud MEDEIROS, op.cit. p. 440) E em contraponto a essa visão da sociedade brasileira Plínio Salgado reconhece que a crise fundamental dos dias atuais tem sua origem imediata no fator moral do desfalecimento da autoridade e da perda de todo o senso dos deveres que trouxeram desequilíbrio das forças sociais e econômicas no panorama internacional e na paisagem nacional. A restauração da autoridade é o passo preliminar no rumo de um possível entendimento entre os povos. A objetivação de um ideal democrático tem de renunciar ao imediatismo democrático (apud MEDEIROS, 1978, p. 450) E continua sua crítica ao liberalismo e à perda da autoridade afirmando que “’Os povos estão sendo asfixiados pelos reis do ouro’ O responsável era o liberalismo: ‘É a falta de disciplina... o liberalismo enfraqueceu, castrou os seus governos’ autoridade (apud MEDEIROS, op.cit. p. 450). E mais uma vez ressalta caráter mister do nacionalismo se se pretendia que o Brasil crescesse “É fora de dúvida que o Brasil deve assumir uma atitude de franco nacionalismo... Tratar de sermos o que somos. Com nossas possibilidades, nosso caráter, com a consciência de nossas necessidades” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 451). Seguindo na linha de críticas ao liberalismo e da necessidade do apoio ao movimento do integralismo afirma: o integralismo surge como a única força capaz de implantar ordem, disciplina. A única força capaz de amparar o homem, hoje completamente esquecido pelo estado liberal burguês, como aniquilado e humilhado pelo estado marxista soviético. ‘O integralismo era o Estado orgânico’, ‘organização corporativa da Nação’, ‘economia dirigida’, ‘representação corporativa’, ‘harmonia das forças sociais’, o ‘princípio de autoridade’, ‘primado da inteligência’. No integralismo a representação ‘autêntica’ seria encontrada ao nível das regiões, das famílias, das profissões e das classes, sob o ‘pensamento dominante de disciplina e coordenação do Estado’ apud MEDEIROS, (op.cit. p. 478) É interessante perceber como há uma ligação entre este autor e os outros. Tanto Plínio Salgado quanto Azevedo Amaral – e Oliveira Vianna, que será analisado no próximo capítulo – estão pensando no modelo corporativista como sendo o melhor para o Brasil. Para esses autores é o corporativismo que garantirá a verdadeira entrada do país no mundo democrático, pois todas as classes teriam representação nos órgãos respectivos. Assim, tanto Plínio Salgado quanto Azevedo Amaral elaboram o termo “Estado orgânico” que expressa sua noção de integralidade e legitimidade na medida em que os grupos sociais estariam bem representados, ou seja, haveria uma relação de organicidade entre os representados e os representantes pois os que governam estariam agindo especificamente em prol dos que a eles lhes dedicaram confiança. A democracia corporativa e o Estado orgânico são dois conceitos que se nos apresentam como dois pilares do novo Estado surgido da revolução por dentro pensada por estes autores. Ainda no que se refere à economia podemos perceber a semelhança entre Azevedo Amaral e Plínio Salgado no concernente ao conceito de “economia dirigida/equilibrada” – apesar dos conceitos serem diferentes penso podermos colocá-los em posição de semelhança pois o princípio da articulação Estado-mercado é presente. Estes dois autores compreendem que a economia não poderia ficar a mercê do livre mercado. Deste modo, há que se ter a presença do Estado garantindo a boa circulação e desenvolvimento do mercado, de forma que não venha a explorar a nenhuma das partes envolvidas nas negociações. Outra ligação que podemos fazer entre os autores refere-se ao apelo à autoridade presente em todos. De modos diferentes eles elaboram uma série de teorias que vão ao encontro umas das outras em quase todos os aspectos. Podemos perceber que o apelo que Francisco Campos faz ao reforço da autoridade é seguido de perto pelo de Plínio Salgado, pois compreendem que as massas são incapazes de pensar e responder a estímulos como a democracia exige. Assim, recorrem a uma muito refinada análise sócio-histórica identificando nossos maiores problemas e elaborando soluções. 3. O pensamento político de Oliveira Vianna 3.1 – Introdução O primeiro dever de um verdadeiro nacionalista é nacionalizar as suas ideias – e o melhor caminho para fazê-lo é identificar-se, pela sua inteligência com o seu meio e a sua gente Cada grupo humano deve ter o seu idealismo próprio, nascido da sua experiência histórica e da sua experiência social Por outro lado, o Poder central, o grande inimigo das liberdades locais e individuais nos povos europeus, exerce aqui uma função inteiramente oposta. Ao invés de atacá-las, é ele quem defende essas mesmas liberdades contra os caudilhos territoriais que as agridem Oliveira Vianna foi um sociólogo fluminense que nasceu em 1883 em Saquarema, estado do Rio de Janeiro. Exerceu muita influência no pensamento e na política de sua época e juntos com os autores discutidos no capítulo 2 deste trabalho constitui-se num dos mais importantes autores da linha conhecida como autoritária no Brasil. Trabalhou na imprensa carioca em jornais como “Diário Fluminense”, “A Capital”, A Imprensa”, “O Paiz”, entre outros. Somado a essa carreira jornalística Oliveira Vianna tinha muitos estudos na área da sociologia, sendo um grande ensaísta e teórico da brasilidade, dos nossos problemas e da nossa história – sempre pautado na sociologia. Escreveu dezenas de livros sobre a realidade social, política, trabalhista, jurídica e etnológica do Brasil, iniciando duas publicações com o livro “Populações Meridionais do Brasil – volume I: Populações do Centro Sul” publicado em 1920, mas concluído em 1918. Após esse esboço biográfico do autor podemos indagar sobre dois problemas que podem ser vistos e discutidos: o primeiro, de que modo, baseando-me principalmente no caso de Oliveira Vianna, surge no início do século XX no Brasil uma vertente de compreensão teórica autoritária; e a segunda, quais são as especificidades do pensamento de Oliveira Vianna que o fazem importante para a história sociológica do Brasil no que concerne aos problemas e soluções de nossos gargalos institucionais e sociais. 3.2 – Caracterização e contra que surge o pensamento autoritário de Oliveira Vianna Toda a nossa história é a história de um povo agrícola, é a história de uma sociedade de lavradores e pastores... e somente o autoritarismo, o Poder pessoal e o paternalismo teriam as ‘fontes de sua vitalidade na subconsciência da nacionalidade’ A raça é em última análise, um fator determinante das atividades e dos destinos dos grupos humanos O pensamento autoritário de Francisco José de Oliveira Vianna é pautado numa visão dual do processo de formação de uma nacionalidade e de um povo. Seguindo o modelo apresentado por João Quartim de Moraes para ele, a base institucional consiste num princípio, enquanto que o complexo democrático constitui uma realidade cultural. Estamos diante do leitmotiv da crítica às instituições brasileiras: a separação entre os princípios institucionais e a realidade cultural” (MORAES, BASTOS, 1993, 97). Assim temos que há um esforço muito grande deste autor identificar os fundamentos teóricos, ou seja, aqueles princípios que servem de estrutura formal para a implementação da política, que embasam uma determinada sociedade e um determinado modus operandi de um povo – para isso lança mão sobre o passado europeu, principalmente o inglês, para identificar os princípios que baseados na experiência deste povo norteou sua história. Noutro lado temos que existe a análise, muito bem sucedida do ponto de vista teórico, muito bem sucedida de uma realidade histórica própria dos povos. Assim, Oliveira Vianna compreendia que os países europeus, principalmente a Inglaterra e na América olhando para os Estados Unidos tinha, devido á sua história de autogoverno, fundado na township, ou seja, no autogoverno das províncias ou pequenas aldeias. Note-se que ele entende que uma coisa complementa a outra, ou seja, cada país possui os seus fundamentos institucionais e noutra mão possuem uma história. Isso se reflete na adequação ou não destes fundamentos à realidade de determinada nação. Então temos possibilidade de começar a responder a primeira questão colocada no tópico 3.1 sobre contra que surge esse pensamento político autoritário. Nascido no último quartel do século XIX Oliveira Vianna está atento aos problemas que têm nos afligidos, a saber, o regime instituído na Carta constitucional de 1891, liberal em sua essência e com algumas características positivistas. Percebe todo o mandonismo e o chamado coronelismo (discutido no tópico 1.3) do regime político da Primeira República, com seus vícios e defeitos. No entanto, sua crítica vai muito além disso, porque se usarmos o método que de Quartim de Moraes da análise dos princípios e realidades de uma sociedade veremos que Oliveira Vianna vai além: percebe a incoerência entre a política oficial e a política real. Temos que O problema da nossa salvação tem que ser resolvido com outros critérios, que não os critérios até agora dominantes. Devemos doravante jogar com os fatos, e não com hipóteses, com realidades, e não com ficções e, por um esforço de vontade heróica, renovar nossas ideias, refazer nossa cultura, reeducar nosso caráter... obra de organização e construção... só assim, no contato forçado com esses grandes povos que estão invadindo e senhoreando o globo poderemos, pelo, reforço previdente das nossas linhas de menor resistência, conservar intactas, no choque inevitável a nossa personalidade e a nossa soberania. (apud MEDEIROS, 1978, p. 157) Seguindo nessa mesma interpretação Frederico Costa assim se expressa: O autor buscava respostas e alternativas sempre segundo a especificidade da História do Brasil, sempre condenando a insistência com que as elites nacionais teimavam em adaptar, canhestramente, modelos europeus, nascidos da história e dos costumes da Europa, a uma realidade brasileira totalmente diversa àquela, seja cultural, geográfica ou sociopoliticamente considerada... Ora, a democracia liberal, alvo das elites políticas idealistas do começo do século XX, exigiria vivência prévia de laços comunitários de solidariedade para que suas instituições não operassem no vazio sociológico já apontado por Joaquim Nabuco... A arquitetura institucional do Brasil, então, deveria levar em consideração a história do povo brasileiro e isso significaria – em Oliveira Vianna – ter em conta tipos sociais brasileiros como o oligarca, o coronel, o afilhado, o genro, o juiz nosso o eleitor de cabresto. (2005, p. 39-41) Note-se nestes autores, a preocupação que expressam de Oliveira Vianna conceber realidades políticas e instituições políticas, princípios políticos de outros lugares. Aqui cabe uma observação importante: Oliveira Vianna é um autor que critica o liberalismo no Brasil, e não necessariamente o liberalismo em si, pois como já demonstrei acima a crítica era a instituições inadequadas a realidades. Assim se na Europa e nos estados Unidos, o Estado liberal resultara de uma ‘evolução natural’ – dentro de ‘estágios’ históricos por ele denominados sequencialmente, de ‘Estado-Aldeia’, ‘Estado-Império’ e ‘Estado-Nação’ – no Brasil aquela linha evolutiva não fora, por injunções históricas, obedecida e, faltando-nos a etapa democrática do ‘Estado-Aldeia’, já havíamos iniciado nossa existência sob o ‘Estado-Império’, de nenhuma base democrática, mas antes autoritário e cesarista. A revolução liberaldemocrática na Europa teria, assim, cabimento e sentido, o que não aconteceria conosco. (MEDEIROS, op.cit. p. 164) Complementando essa interpretação Luiz Werneck Vianna afirma Haveria, aqui, uma sociedade agrária, patrimonial, mas de uma sociedade tradicional diversa da que predominara na história européia. Não vínhamos da feudalidade, nem conhecemos as comunas burguesas emancipadas em luta contra o poder local dos senhores de terra, assim como nos era estranho o produtor direto como indivíduo livre e proprietário da sua força de trabalho. Descendíamos diretamente do capitalismo mercantil e da ação racionalizadora de um Estado, nossas cidades foram concebidas para dominar o campo e nossos sistemas produtivos forma implantados sob o estatuto do trabalho servil ou escravo, imposto por elites militarizadas a povos de origem diversa da sua... O liberalismo político nasce, portanto, sob o estigma da ordem e da autoridade, com a função de fornecer sustentação ideal ao estabelecimento de um Estado nacional, e não para consagrar a liberdade (1997, p. 155) Some-se a isso a citação de em Jarbas Medeiros Os pressupostos funcionais de uma estrutura democrática moderna, de tipo Estado-Nação (de base democrática), hão de ter o seu assentamento principalmente num complexo cultural, que deve ser anterior e preliminar à instituição deste tipo de estado: e que é a capacidade de cada indivíduo para se subordinar, ou mesmo sacrificar, os seus egoísmos naturais e os seus interesses pessoais (de indivíduo, de família ou de clã) aos interesses gerais ou coletivos dos grupos ou comunidades maiores a que ele pertence ( aldeia, comuna, província, Nação) Sem esta base preliminar, é certo que a estrutura democrática... degenera e se corrompe. (1978, p. 165) Dessas análises sobre a incoerência entre as instituições políticas e a realidade brasileira Oliveira Vianna cria quatro conceitos que dão conta dessas especificidades. São eles: o “Brasil legal”, “Brasil real”, “idealismo orgânico” e “idealismo utópico”. Como “Brasil legal – ou artificial” Oliveira Vianna compreendia o Brasil das instituições políticas garantidas pela constituição, ou seja, aquele Brasil jurídico, que está expresso na lei, baseado nos princípios europeus e norte-americanos que não expressavam os anseios da sociedade brasileira. Noutro extremo, temos o “Brasil real”, ou seja, aquele que Luiz Werneck Vianna nos apresentou como sendo baseado no patrimonialismo, na não liberdade individual onde a nação foi uma obra do estado. Sobre isso Oliveira Vianna assim se expressa: Há um século vivemos politicamente em pleno sonho (...) O grande movimento democrático da Revolução francesa; as agitações parlamentares inglesas; o espírito liberal das instituições que regem a república Americana, tudo isso exerceu e exerce sobre nossos dirigentes políticos, estadistas, legisladores, publicistas, uma fascinação magnética, que lhes daltoniza completamente a visão nacional dos nossos problemas. Sob esse fascínio inelutável, perdem a noção objetiva do Brasil real e criam para uso deles um Brasil artificial... 1)Na vida política de nosso povo, há um direito público elaborado pelas elites e que se acha concretizado na constituição. 2) Este direito público, elaborados pelas elites está em divergência com o direito elaborado pelo povo-massa que tem prevalecido, praticamente. 3) toda a dramaticidade de nossa história política está no esforço improfícuo das elites para obrigar o povo-massa a praticar este direito por elas elaborado, mas que o povo-massa desconhece e a que se recusa a obedecer(apud SILVA, 2008, p. 243-4) É nesse contexto que entendemos os conceitos de idealismo orgânico e utópico. Oliveira Vianna assim compreende o conceito de Idealismo utópico ‘Idealista [utópico] é, pois, para nós, todo e qualquer sistema doutrinário ou todo e qualquer conjunto de aspirações políticas em íntimo desacordo com qualquer conjunto de aspirações orgânicas da sociedade que pretendem reger e dirigir’, citando em apoio, o ‘idealismo orgânico... que só se forma de realidade que só se apóia na experiência, que só se orienta pela observação dos povo e do meio... (apud MEDEIROS, 1978, p. 204) Nilo Odália assim sintetiza esses conceitos: teorias e soluções que por nascerem em contextos históricos diferente, onde a cidade, ou a comunidade possuem uma força conformadora, nada representam onde a grande realidade são os imensos espaços vazios, a descontinuidade, a solidão, a insolidariedade, a experiência pessoal e familiar, que comandam e determinam as ações práticas do homem, quer sejam aquelas destinadas à sobrevivência, que sejam aquelas que se destinam a constituir uma sociedade política ou uma sociedade civil. O conhecimento é, antes de mais nada, o ponto de partida de uma ação política que tem como centro o Estado e um programa de reformas(MORAES; BASTOS, 1993, p. 151-2) É importante ter em mente que Oliveira Vianna compreende a realidade como sendo o ponto máximo onde o ser humano que pensa socialmente encontrará as soluções para os devidos gargalos que porventura existirem. Então temos que: primeiro, existe uma realidade social e histórica que determina a melhor ou pior adaptação de princípios teóricos que servem de base para a organização de uma sociedade; segundo, as sociedades européias, principalmente a inglesa e a sociedade americana passaram por todos os estágios de evolução de uma nação – Estado-Aldeia, EstadoImpério e Estado-Nação –, enquanto que nós brasileiros nascemos sob o Estado-Império, o que significa que nunca antes – até aquele momento – estivemos em contato com outra coisa senão o autoritarismo e o cesarismo; terceiro, as elites brasileiras erraram ao basearem-se em “ficções” e não em fatos ao instituírem o regime liberal no Brasil. Então quais são as medidas que devem ser tomadas? Qual o caminho a se seguir? É sobre isso que discorrerei agora. 3.3 – Concepções de Estado e programa de reformas em Oliveira Vianna Todo o grupo regional é produto desta fórmula: meiocultura-raça... Cada um destes fatores ocorre, porém na composição de equação do grupo, em proporções diversas, ora mais, ora menos, variando ao infinito, para cada um deles suas combinações... se ontem como agora, o problema da democracia no Brasil tem sido malposto, é porque tem sido á maneira inglesa, à maneira francesa, à maneira americana; mas nunca, à maneira brasileira Para que se sanassem essas deficiências presentes na realidade do Brasil era necessário que se empreendesse uma obra baseada em três pilares, segundo Jarbas Medeiros “a unidade nacional – compreendida aqui em sua dimensão territorial, política, social e econômica – a partir da qual deve ser entendido o seu nacionalismo; b) a modernização institucional – que ele tinha como sinônimo do corporativismo, sobretudo administrativo; c) a conciliação das classes” (1978, p. 159). Ainda na caracterização dos princípios norteadores do pensamento político de Oliveira Vianna Nilo Odália elege três pontos, a saber: 1. uma fundamentação histórica que permeia interna e integralmente, constituindo-se no elemento central de decisão quanto à escolha das alternativas político-sociais que conduzirão ao objetivo colimado; 2. a utilização do Estado como um instrumento privilegiado de ação e; 3. um programa de reformas que abrange a sociedade como um todo. (MORAES; BASTOS, 1993, p. 149) Como bem assinala Odália, é o Estado que obrigatoriamente vai empreender as reformas. É através dele que serão tomadas as decisões e é em prol do benefício do povo, da nação que será despendido esse esforço. No entanto, antes de o Estado iniciar esse processo de modernização há que se fazer uma reforma na sociedade – basta nos lembrar que antes que um projeto institucional seja empreendido, do ponto de vista formal, há que haver uma reeducação do povo-massa, de modo que este venha a estar preparado para receber este novo modelo de sociedade. Assim o “complexo cultural” deve estar adaptado à essa nova forma institucional, assim como essa nova forma institucional deve ser moldada de acordo com o local onde ela for ser posta em prática. Na tentativa de se perceber a realidade do Brasil para realização deste novo projeto institucional perceber-se-ia que devido a nosso passado somos uma sociedade de elites. Com efeito, Estas grandes e pequenas oligarquias não são, pois, em si mesma, condenáveis. Num povo como o nosso, são elas mesmo inevitáveis. Diremos mais: elas são necessárias. O grande problema não está em destruílas: está em educá-las, em discipliná-las... Estas oligarquias esclarecidas seriam, então, realmente, a expressão da única forma de democracia possível no Brasil. (apud MEDEIROS, op.cit. p. 161) Complementando está visão Frederico Costa afirma: A imagem que melhor ilustra a idéia de elite política em Oliveira Vianna – este tipo de homem fora da História – é a por ele construída a respeito da elite do Império, os “homens de 1000”. Estes homens estavam fora da história porque não os animava na vida pública o instinto individualista e privatista típico do povo-massa, além de serem recrutados pela atitude conscientemente seletiva do Imperador, ‘estes homens, assim tão grandes, não eram grandes porque inspirados no povo-massa, mas na sua cultura e em seus complexos respectivos’ mas antes por seu carisma, e repito, por suas qualidades excepcionais, identificáveis e aproveitadas pelo Imperador. (2005, p. 44) Há nesta visão de Oliveira Vianna a percepção sociológico-histórica do homem brasileiro como sendo o homem que crescendo separado, isolado, “dendrófilo” e “fragueiro”, sem laços mecânicos com a sociedade que o cerca. Assim (apud VIANNA, 1997, p. 172), “... o nosso homem do povo, o nosso campônio é essencialmente o homem de clã, o homem de caravana, o homem que procura um chefe, e sofre uma como que vaga angústia secular todas as vezes que, por falta de um guia, tem necessidade de agir por si, autonomamente”. Complementando esta visão temos esta citação de Oliveira Vianna Valente, bravo, altivo, arrogante mesmo, o nosso campônio só está bem quando está sob um chefe, a quem obedece com uma passividade de autômato perfeito... Do nosso campônio, do nosso homem do povo... está a base da sua consciência social... Toda a sua psicologia política está nisso” (apud MEDEIROS, 1978, p. 192). Após esta apresentação poder-se-ia perguntar para qual o objetivo desta obra reformadora que toca toda a sociedade. Existem na tradição das ciências Sociais três interpretações para essa resposta. Segundo Ricardo Silva: Com a justa preocupação em distinguir entre as diferentes modalidades do pensamento autoritário, as quais circulavam naquela década politicamente turbulenta e intelectualmente criativa, Santos observa que, além do autoritarismo justificado com argumentos éticos e naturalistas (como o dos integralistas) e do autoritarismo justificado por razões de ordem históricoestrutural (Azevedo Amaral e Francisco Campos, por exemplo), havia uma terceira corrente de pensadores autoritários que, diferentemente das duas primeiras, via no “sistema político autoritário” apenas um meio para se chegar a uma “sociedade liberal” (2008. p. 241) Sobre essa interpretação nos diz No entanto, apesar do evidente autoritarismo que inspira o preconceito anti-parlamentar de Oliveira Vianna, o sociólogo fluminense deixa uma porta aberta à democracia e é em virtude dessa obra que podemos falar na presença, na sua obra, de um autoritarismo apenas instrumental, como sugere Wanderley Guilherme dos Santos. Essa porta aberta é a afirmação de Oliveira Vianna, de que a independência do poder Judiciário garantirá no Brasil as liberdades civis dos cidadãos, e que, garantidas essas liberdades, o Brasil poderá pensar na conquista das liberdades políticas. Ricardo Vélez Rodríguez (1997, p. 192) Isso pode ser comprovado ao analisarmos a citação contida em Medeiros o que é capital para a democracia é a participação coletiva, a participação destas classes como tais nos negócios públicos, na atividade dos governos, na determinação de suas diretrizes administrativas e políticas... [Para compensar a derrogação das] garantias políticas ele pede a institucionalização de um sistema judiciário garantidor dos direitos civis. Organização sólida e estável da liberdade, principalmente da liberdade civil, por meio de uma organização sólida e estável da autoridade, principalmente da autoridade federal... Um poder Executivo forte; ao lado dele, um Poder Judiciário ainda mais forte – eis a fórmula... Ora a verdade é que é possível existir um regime de perfeita liberdade civil sem que o povo tenha a menor parcela de liberdade política: e o governo do ‘bom tirano’ é uma prova disso. (1978, p. 172) Neste contexto pode-se também entender o que Oliveira Vianna compreendia como sendo sua “democracia social”. Esse conceito expressa a ideia de que a democracia verdadeira, aquela que surtiria efeito no Brasil e que era trazia em si o que melhor poderia existir era a democracia corporativa. Neste sentido, o sociólogo fluminense estava preocupado com a representação e a participação de todas as camadas sociais na política. Por certo, como já deixei claro acima, ele compreendia que existia uma elite social que deveria controlar e dirigir a obra política do país. Não obstante, isso não significava que as classes baixas não teriam nenhum tipo de representatividade. Assim, “A realização de um grande ideal nunca é obra coletiva da massa, mas sim de uma elite, de um grupo, de uma classe, que com ele se identifica, que por ele peleja que, quanto vitoriosa, lhe dá realidade e lhe assegura a execução...” (apud MEDEIROS, op.cit. p. 193). E segundo Medeiros: As elites, assim, seriam os ‘mais capazes’, ‘os melhores’, ‘as maiores competências’, os ‘ quadros dirigentes’ de qualquer grupo classe ou categoria. Para ele nada havia de antidemocrático na expressão Governo das elites, essa forma de governo democrático muito mais penetrada do espírito do povo, que lhe permite uma representação direta e imediata, do que a forma de democracia até agora realizada pelo sistema de partidos, que só lhe permite uma representação indireta e mediata. (op.cit. p. 193-4) O grande problema do Brasil na perspectiva de Oliveira Vianna é que nós absorvemos muitas coisas de outros povos como o voto direto e universal, o liberalismo e a democracia de massas, no entanto não estávamos preparados para elas, e concomitantemente, não houve nenhuma adaptação deste ideal pra nossas instituições e nossa nação – observando-se os valores e a tradição histórica do Brasil. CONCLUSÃO O objetivo deste trabalho expresso na introdução era esboçar, baseado na bibliografia existente o pensamento nacionalista autoritário no Brasil de inícios do século XX, especificamente o pensamento de Francisco José de Oliveira Vianna, professor de sociologia e homem muito influente na academia brasileira da época e na política, assumindo vários cargos no governo Vargas. Dentro deste espectro, busquei apresentar e discutir as suas críticas à sociedade da época, nossos gargalos que nos impediam de crescer e entrar de vez na modernidade e, concomitantemente, sua contribuição para a academia. Para isso, no primeiro capítulo fiz algumas discussões teóricas sobre o pensamento autoritário e a suas características mais gerais; também neste ponto apresentei a interpretação mais aceita que embasa o pensamento autoritário no Brasil – a saber, a sociologia weberiana que vê no Estado uma instituição própria com sua agente e seu proceder próprio, não sendo e agindo em concordância com o mercado como bem discutiu Bolívar Lamounier. É também neste capítulo, no segundo tópico que recorri ao contexto histórico para apresentar o espírito de antiliberalismo que existia na época. Desse modo, apresento uma das teorias mais importantes deste período no Brasil: o Positivismo. Deste subtítulo podemos extrair alguns pontos. O primeiro deles é que o contexto histórico em que o Brasil, e consequentemente os homens que nele habitavam e pensavam, estavam sendo muito influenciados por ideais que não os liberais. O segundo ponto que podemos extrair deste tópico é que a sociedade brasileira, e mais especificamente, alguns homens, estavam começando a pensar a nossa realidade de acordo com as nossas possibilidades. Assim, os positivistas são um exemplo de como as ideologias difundidas na Europa e os Estados Unidos já não são vistas como panacéias, ou seja, já há no país, um espírito crítico que surge contra a colocação ipso facto de concepções oriundas de outros lugares aqui no país. Isso é bem evidente nas palavras de Miguel Lemos e Teixeira Lemos em carta a Laffite. A partir dos anos de 1910, já existem autores escrevendo sobre o Brasil afirmando o que mais tarde será difundido por Oliveira Vianna, Alceu Amoroso Lima, Francisco Campos e Plínio Salgado – um dos que estiveram na vanguarda deste movimento foi Alberto Torres. É sobre isto que fala o capítulo dois deste trabalho. Se no capitulo um estive preocupado com uma breve discussão teórica sobre as bases interpretativas do pensamento autoritário, no capítulo dois estive interessado em dar mais atenção a cada autor em separado. Deste modo, nos três subtítulos discuto separadamente o pensamento de Francisco Campos, Alceu Amoroso Lima e Plínio Salgado. Sobre o primeiro autor o que podemos afirmar é a sua percepção de que as reformas deveriam ser feitas de cima para baixo, os seja, o Estado Autoritário por ele é justificado devido à inexistência de qualquer consciência na população brasileira. Isso porque Francisco Campos é um dos autores que mais fizeram parte do governo de Getúlio e estava interessado em reformas efetivas e tinha de pensá-las em termos práticos, que pudessem ser empregados no momento. Todo o movimento de reformas deveria ser feito pelo Estado – haja visto que a população não tinha capacidade de promover revoluções de fato. O pensamento de Alceu Amoroso Lima pode ser bem colocado e entendido na perspectiva da ciência + religião. Muito influenciado pela ideologia da Rerum Novarum e da Ação católica, ele é está muito atento às necessidades do Brasil de vencer os limites das classes, pondo a sociedade corporativa, autoritária, moderna de democrática. Tanto para um lado, quanto para o outro compreendiam que existiam necessidades que deveriam ser sanadas pelo Estado, como o benefício à saúde, educação, emprego e melhores condições de vida. E como uma das marcas já faladas sobre estes autores, Amoroso Lima também compreendia que as reformas deveriam ser promovidas pelo Estado, pois é a partir da autoridade existente nesta instituição que fará com que os projetos sejam efetivamente postos em prática. Neste autor, encontramos várias citações de que o que se deveria buscar é humanizar o capitalismo, a democracia, com vistas a ensejar o desenvolvimento espiritual dos homens. Outro autor que esteve muito ligado à ação política foi Plínio Salgado. Desde a década de 1930 com a criação da Ação Integralista Brasileira, ele estava atento aos problemas do país e apontava que a via autoritária seria a melhor e única solução. Sendo um dos autores mais importantes deste período ele tinha muitas características das apontadas como sendo gerais deste pensamento: Estado elitista, autoritário, democrático-corporativo. Como concebia uma crítica muito ácida ao liberalismo é importante que se apresente: compreendia os problemas da sociedade hodierna como sendo devido à cobiça e ao egoísmo liberal que teria devastado o espírito do ser humano, sendo necessário o resgate deste espírito abandonado. Na parte final deste trabalho o assunto central é o pensamento de Oliveira Vianna e podemos perceber duas coisas: a primeira é que ele é um dos mais importantes autores desta linha de pensamento, haja visto a sua grande produção bibliográfica, sua participação nas reformas promovidas pelo governo Vargas e sua influencia após sua morte.O segundo motivo para essa maior atenção a seu pensamento e às interpretações que se fizeram do mesmo é devido à sua contribuição no que concerne a análise da realidade brasileira, observando as relações entre senhores e escravos, entre patriarca e seus agregados, a inadequação das ideologias aqui em nosso país e o esforço de em colocar o país na ordem do dia do desenvolvimento ocidental capitalista. O trabalho dele em tornar as pesquisas sociológicohistóricas no Brasil em trabalhos científicos, objetivos, o mais imparciais possível, sendo apontado como um dos primeiros cientistas sociais no moldes modernos da história do Brasil. Sobre isso, todos os autores estavam preocupados em dar uma contribuição real e objetiva para o país com o objetivo de através de suas análises participarem do processo de modernização da nação. Assim, ainda que aceitemos que Oliveira Vianna era um autor de linha autoritária é importante entendermos como ele concebia sua forma de revolução e transformação sociais. E neste sentido que quero corroborar aqui a tese de Wanderley Guilherme dos Santos sobre o ‘autoritarismo instrumental’. Ela pode servir como um Norte para se discutir esse pensador. Oliveira Vianna é um autor que tem suas pesquisas permeadas por um eixo comum – a saber, a dualidade fatores culturas e formais institucionais na constituição de uma determinada nacionalidade. Seu autoritarismo para além dos preconceitos e incoerências interpretativas de outrem pode ser enquadrado como sendo instrumental porque tinha como principal objetivo a adaptação do ideal democrático ao país. Assim, devido a nossa história de mandonismo e de quase nenhum contato com a liberdade deveria ser de tipo corporativo, pois assim, estaria sendo garantida o acesso ao processo de decisão política todas as classes, sem nos esquecermos do controle que seria exercido pelas elites esclarecidas. É um autor muito preocupado com a realidade do Brasil e com a nossa inserção no mundo e com a garantia de nossa evolução e crescimento enquanto nação. Tinha muitas preocupações com nossa nacionalidade e contribuiu para a edificação dos pressupostos teóricos científicos de muitas áreas e pesquisas durante o século passado. Seus conceitos influenciaram muitos estudiosos e fazem parte das principais interpretações sobre o Brasil. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1990. ____________. Mandonismo, coronelismo, clientelismo: uma discussão conceitual. In:_________________. 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