Ecos do voto do ministro Peluso - TÂNIA RANGEL O GLOBO - 16/09 Em razão da sua aposentadoria, o ministro Cezar Peluso, especialista em Direito Penal, só votou no primeiro item do mensalão, que analisou a prática de corrupção e peculato por Marcos Valério, seus sócios, João Paulo Cunha e Henrique Pizzolato. Mas seu voto poderá ter crescente influência nas próximas semanas. Mostra disso aconteceu na sessão da última quintafeira, quando suas ideias foram utilizadas pela ministra Rosa Weber. Peluso entendeu que cabe à defesa o ônus de explicar fatos que fogem da normalidade. Ou seja, ele inverteu o jogo. A prova não é só o que foi produzido pelas partes. É também a consequência dos fatos provados. Assim, se alguém recebe dinheiro em condições clandestinas, por interposta pessoa, com fraude nos registros bancários, é dela o ônus de provar que isso é legal, porque o natural numa situação lícita era a pessoa receber o dinheiro sem fraude ou ocultação. Além disso, Peluso realçou a norma que dispensa de prova fatos públicos e notórios. A partir disso, pode- se sustentar, por exemplo, que a acusação não precisa provar que o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu exercia o papel de articulador da base parlamentar do governo. Isso era, afinal, uma decorrência inevitável do cargo. Tome-se ainda a discussão sobre a existência ou não do chamado “ato de ofício”, para fins de caracterização do crime de corrupção. Peluso foi bastante claro. No caso do corrompido (corrupção passiva), quando ele afirma que usou dinheiro para pagar dívidas de campanha, ele não se livra da acusação. Ele confessa o crime. Para Peluso, independentemente do motivo do recebimento, a vantagem é indevida e nenhum parlamentar tem o direito de receber dinheiro de forma oculta. E no caso do corruptor (corrupção ativa), basta à acusação provar que o ato de ofício era da competência do funcionário público, do parlamentar, por exemplo, e que houve oferecimento de vantagem. No julgamento de José Dirceu, a acusação precisará provar que a articulação política envolveu compra de apoios. E, a defesa, que ele não ofereceu vantagem alguma aos parlamentares. Nos próximos dias, o julgamento do mensalão chegará ao setor que mais atrai atenções, o setor político. Peluso não vota mais. Suas ideias, no entanto, poderão continuar transitando pelo plenário da nossa Suprema Corte. E podem ser decisivas. Tânia Rangel é professora da FGV Direito Rio