Relatório n°. 36624-BR Como Revitalizar os Investimentos em InfraEstrutura no Brasil: Políticas Públicas para uma Melhor Participação do Setor Privado Volume I: Relatório Principal November 5, 2007 Departamento de Finanças, Setor Privado e Infra-estrutura Região da América Latina e do Caribe Documento do Banco Mundial EQUIVALÊNCIA DE MOEDAS Unidade monetária - Real (R$) TAXA DE CÂMBIO 30 de dezembro de 2003 - R$2,90 = US$1 30 de dezembro de 2004 - R$2,65 = US$1 30 de dezembro de 2005 - R$2,34 = US$1 PESOS E MEDIDAS Sistema Métrico Decimal ANO FISCAL 1 de janeiro a 31 de dezembro Siglas e Abreviações ACI ALC ANTAQ ANTT CREMA DNIT EPE FUST GDP IGP-M OCDE PPI PPP RFFSA TCU Análise do Clima de Investimentos América Latina e Caribe Agência Nacional de Transportes Aquaviários Agência Nacional de Transportes Terrestres Contrato de Restauração e Manutenção da Malha Rodoviária Federal Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte Empresa de Pesquisa Energética Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações Produto Interno Bruto Índice Geral de Preços do Mercado Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento Projeto Piloto de Investimento Parceria Público-Privada Rede Ferroviária Federal S.A. Tribunal de Contas da União Vice-Presidente Diretor no Brasil Diretor Setorial Gerente Setorial Coordenador 2 Investment Climate Assessment Latin America and the Caribbean National Water Transport Agency National Land Transport Agency Federal Road Network Maintenance Contract Department of Transport Infrastructure Energy Research Company Universalization Fund for Telecommunication Services Gross Domestic Product General Market Price Index Organization for Economic Cooperation and Development Investment Pilot Project Public-Private Partnerships Federal Railway Network S.A. General Accounting Office Pamela Cox John Briscoe Makhtar Diop Susan Goldmark Paulo Guilherme Correa AGRADECIMENTOS Este relatório foi elaborado por Paulo Correa, Luis Alberto Andres, Mariam Dayoub, Katherine S. Coleman (Banco Mundial) e Rodrigo Moita (Universidade de Illinois, em Urbana Champaign), com a colaboração de Marianne Fay e Tito Yepes (Capítulo 3); Maria Elena Pinglo (Capítulo 4); Aymeric-Albin Meyer, Carlos Velez, Jayme Porto Carreiro, Luiz Maurer, Garo Batmanian e Raffaella Mota (Capítulo 5), sob a supervisão de Susan Goldmark e José Luis Guasch. Os estudos preliminares foram realizados por Caio Mario (FGV-SP), Claudio Considera (UFF), Cleveland Prates (FGV-SP), Marcelo Neri (FGV-RJ) e Ronaldo Seroa da Motta (IPEA). Agradecemos os comentários de Aymeric-Albin Meyer, Carlos Velez, Luiz Maurer, José Guilherme Reis, Angela Furtado e Marianne Fay sobre a minuta inicial deste documento. Os fundamentos analíticos deste relatório se baseiam no trabalho regional de M. Fay e M. Morrison (Capítulo 1); L. Servén e C. Calderón (Capítulo 3); L.A. Andres, S. Sirtaine, M.E. Pinglo, J.L. Guasch e V. Foster (Capítulo 4), além de J.L. Guasch (Capítulo 6). Agradecemos também o apoio da Public Private Infrastructure Advisory Facility (PPIAF) e a P. Correa, C. Pereira (MSU), B. Muller (UNB) e M. Mello (UFPE) pela elaboração do estudo preliminar (Capítulo 7) Regulatory Governance in Infrastructure Industries – Assessment and Measurement of Brazilian Regulators, PPIAF Occasional Paper No. 3. Armando Castelar Pinheiro (IPEA), Clive G. Harris (SASEI, Banco Mundial), José Cláudio Linhares (IADB) e Mark Roland Thomas (Banco Mundial, PRMED) fizeram a revisão técnica deste estudo. O relatório consolida três anos da assistência técnica não vinculada a empréstimos fornecida pelo Banco Mundial ao Governo brasileiro. Partes do relatório e as versões preliminares dos capítulos foram discutidas em diferentes ocasiões com as autoridades do País, entre as quais o Ministério das Finanças, o Ministério do Planejamento, a Casa Civil e o Tribunal de Contas da União. 3 Como Revitalizar os Investimentos em Infra-estrutura no Brasil: Políticas Públicas para uma Melhor Participação do Setor Privado Sumário Agradecimentos ...............................................................................................................................................3 Siglas e Acrônimos ..........................................................................................................................................2 Resumo Executivo ...........................................................................................................................................5 Relatório Principal .........................................................................................................................................16 I. Infra-estrutura e Crescimento no Brasil: Avaliando a Situação ................................................................ 17 A. Qual é a nossa situação? .................................................................................................................. 17 B. A queda nos investimentos em infra-estrutura e suas causas........................................................... 18 C. O Brasil precisa investir mais em infra-estrutura?........................................................................... 23 D. Participação privada em infra-estrutura........................................................................................... 27 II. Como Revitalizar os Investimentos em Infra-estrutura no Brasil ............................................................ 31 A. O marco legal e as políticas............................................................................................................. 32 B. Renegociação de contratos............................................................................................................... 38 C. Governança regulatória.................................................................................................................... 43 III. Recomendação de Políticas .................................................................................................................... 45 Lista de Tabelas Tabela 1a. Mudanças no desempenho educacional associadas ao acesso à infra-estrutura no Estado de São Paulo (%) ............................................................................................................................................ 26 Tabela 1b. Resultados da diferença entre cenários com boas e más condições habitacionais no Estado de São Paulo (%)........………………………………………………...............................……..……….27 Tabela 2. Brasil: resumo dos efeitos da privatização sobre o desempenho das empresas de serviços públicos ............................................................................................................................................................ 30 Tabela 3. Resumo das questões referentes aos principais setores................................................................. 39 Tabela 4. Brasil: a parte nos contratos que iniciou as renegociações nos setores de transportes e água ...... 42 Lista de Figuras Figura 1. Brasil: parcela da população frustrada com os serviços de infra-estrutura, por decis de renda (%), 1991 e 2000......................................................................................................................................... 19 Figura 2. Investmento em infra-estrutura no Brasil: total, público e privado (% do PIB), 1980-2001......... 20 Figura 3. Investimento do setor público em infra-estrutura (% do PIB), 1995-2002 ................................... 23 Figura 4. Brasil: superávit primário e investimento público em infra-estrutura (% do PIB),1998-2002...... 23 Figura 5. Retornos das concessões de infra-estrutura no Brasil ................................................................... 28 Figura 6. Governança regulatória, eficiência e desempenho setorial ........................................................... 45 Lista de Quadros Quadro 1. Estabelecendo a credibilidade por meio de Garantias Parciais contra o Risco Regulatório………………………………………………………………………...………………….49 Quadro 2. A Qualidade dos Gastos Públicos................................................................................................ 50 4 COMO REVITALIZAR OS INVESTIMENTOS EM INFRA-ESTRUTURA NO BRASIL: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA UMA MELHOR PARTICIPAÇÃO DO SETOR PRIVADO RESUMO EXECUTIVO 1. Mais de US$164 bilhões foram investidos em projetos de infra-estrutura, que envolveram a participação privada no Brasil durante o período 1994-2004. Esse montante corresponde a mais de dois terços do total dispendido em projetos privados nesse setor no Leste Asiático e na região do Pacífico. Apesar do alto nível de investimento, a opinião pública está frustrada com a oferta privada de serviços de infra-estrutura e os formuladores de políticas se mostram decepcionados com o financiamento privado desses projetos. Este não é um fenômeno característico do Brasil: os governos em toda a América Latina e as organizações multilaterais, que antes apoiavam a privatização, discutem agora como aumentar o investimento público em infra-estrutura. A tendência das novas políticas se dirige novamente para as provisões oferecidas pelos recursos públicos. 2. No contexto das mudanças no ambiente da formulação de políticas, este relatório discute como os programas públicos podem atrair mais e melhores investimentos privados. Levando-se em conta as atuais restrições fiscais e as necessidades de infraestrutura do Brasil, a revitalização do investimento nessa área, nos próximos anos, precisará contar com a participação da iniciativa privada. O Brasil pode transformar suas necessidades de infra-estrutura em oportunidades para a iniciativa privada, reduzindo o custo do capital e elevando a rentabilidade de longo prazo das concessões, para converter os possíveis investimentos em projetos com taxas de retorno competitivas. Isso requer o controle do risco regulatório e o aumento da lucratividade dos projetos, duas tarefas nas quais é essencial a atuação do setor público: em última instância, os governos são responsáveis pelos riscos regulatórios e, por meio de políticas tarifárias, subsídios e de outros mecanismos afins podem, direta ou indiretamente, exercer influência sobre o retorno financeiro dos projetos. 3. Para atrair novamente a participação do capital privado, este relatório sustenta que o Brasil precisa (a) eliminar os gargalos reguladores e as incertezas políticas ainda existentes em determinados setores, (b) planejar concessões de infra-estrutura de modo a evitar o excesso de renegociações, garantindo ao mesmo tempo uma taxa de retorno adequada para os investidores e protegendo o bem-estar dos consumidores, e (c) melhorar o funcionamento das agências reguladoras, para que os processos de decisão sejam coerentes e tecnicamente seguros. Além disso, o Brasil deve aperfeiçoar os métodos de seleção, avaliação e implementação dos investimentos públicos em infraestrutura. Em suma, o País deveria evitar a adoção de uma solução simplista de retorno ao financiamento público e planejar políticas governamentais com o objetivo de estimular uma maior e melhor participação privada. As principais mensagens e recomendações de políticas deste relatório são detalhadas a seguir. 5 Principais Mensagens 4. A queda nos investimentos em infra-estrutura foi causada principalmente pelo colapso da estrutura institucional nos anos 70 e não devido às reformas setoriais. No Brasil, o financiamento para infra-estrutura sofreu uma acentuada redução nos anos 80 e 90, um declínio duas vezes maior do que na região da América Latina e do Caribe (ALC). A maior parte dessa queda ocorreu durante o período 1986-95, quando houve uma total deterioração do quadro institucional para investimentos públicos nesta área e a elevação das despesas correntes federais impediu os gastos de capital. O financiamento público para investimento em infra-estrutura, uma peça central do quadro institucional, caiu bruscamente devido a uma série de eventos, que abrangeram o impacto da moratória mexicana de 1982 sobre os níveis de endividamento das empresas estatais; a desvalorização das tarifas, com o objetivo de controlar a inflação; a eliminação de impostos federais incidentes sobre setores específicos; e as novas prioridades de gastos públicos estabelecidas pela Constituição de 1988. As reformas no setor de infra-estrutura e o ajuste fiscal que se seguiram a esses eventos tiveram em geral relativamente pouco efeito sobre esse declínio. 5. Por outro lado, o aumento do financiamento privado para infra-estrutura nos anos 90 não foi suficiente para compensar o declínio nos recursos públicos. Nesse mesmo período, os investimentos privados no Brasil foram basicamente dirigidos à transferência (alienação) de bens e não à expansão da infra-estrutura. Outros países aplicaram fundos privados, principalmente em novos projetos (green-field), como é ilustrado pelo caso da Indonésia. No Chile, o financiamento privado compensou largamente a queda nos gastos públicos desde 1989, provocando um impacto líquido positivo no total dos investimentos. Na Colômbia, o aumento do financiamento privado, combinado com o investimento público sustentado, evitou uma maior redução nos investimentos em infra-estrutura, tal como ocorreu na maioria dos países da América Latina e do Caribe durante os anos 90. 6. O Brasil precisa aumentar o investimento em infra-estrutura para melhorar o seu desempenho econômico e social. O estoque de infra-estrutura no Brasil está bem próximo ao da ALC, mas distante de seus pares internacionais no Leste Asiático, por exemplo. O acesso à infra-estrutura melhorou durante a década passada, mas ainda existem expressivos hiatos nas áreas rurais e no atendimento aos pobres. O abastecimento de água, em particular, sofreu um declínio de quase 4% nos dois decis mais baixos, entre 1991 e 2000, o que pode refletir a falta de mecanismos apropriados de subsídios que compensem os problemas decorrentes da capacidade de pagamento. As pequenas e médias empresas dos setores que requerem mão-de-obra intensiva são as mais afetadas pela deficiência nos serviços de infra-estrutura. Embora não se possa afirmar que a infraestrutura restrinja obrigatoriamente a elevação das taxas de crescimento sustentável no Brasil – sobretudo quando comparada aos altos níveis de gastos correntes e de incidência de impostos – as evidências mostram que patamares mais elevados de investimento nessa área podem levar a taxas mais altas de crescimento e a melhores indicadores sociais. 7. Os exercícios de contabilidade do crescimento mostram que o baixo investimento em capital é a principal “causa” das limitadas taxas de crescimento. As estimativas da elasticidade de longo prazo do PIB para os investimentos em infra-estrutura variam entre 6 0,5 e 0,6, enquanto a estimativa da elasticidade do resultado em relação aos gastos com manutenção é muito mais alta (2,52). Além disso, a infra-estrutura tem grande impacto social. Para uma menina afro-descendente no Estado de São Paulo, este relatório estimou que o acesso aos serviços de infra-estrutura está associado a uma redução de 20% na probabilidade de 6 ou mais dias por ano de ausência na escola e a uma melhora entre 11% e 13% no aprendizado.1 Os impactos variam inversamente à infra-estrutura estadual e à renda familiar. A influência das condições habitacionais foi avaliada, com resultados semelhantes: por exemplo, o acesso a boas condições de habitação foi associado a um desempenho 7,1% e 4,6% maior na 4ª e 8ª séries, respectivamente, em 2001. 8. A participação privada pode não somente prover financiamento adicional, mas também melhorar a oferta de serviços. Este relatório concluiu que o impacto da privatização sobre as antigas empresas estatais foi de modo geral positivo, embora limitado no tempo e no tipo de efeito. As empresas privatizadas apresentaram importantes ganhos de eficiência técnica, como demonstram os indicadores de perdas na distribuição e de produtividade do trabalho, bem como de qualidade e cobertura. Contudo, a maior parte dos benefícios da participação privada foi obtida durante o período de pré-privatização, com uma redução no ritmo das melhorias após o final desse processo. Além disso, os ganhos nem sempre foram repassados aos consumidores, especialmente quando os preços são considerados. Concebida essencialmente como um mecanismo destinado a melhorar a eficiência técnica e a gestão, e para reduzir as pressões orçamentárias, as privatizações parecem ter alcançado a maioria de seus objetivos. 9. Ao revitalizar os investimentos em infra-estrutura no Brasil, autoridades públicas deveriam ter como principal objetivo estimular mais e melhores investimentos privados no setor. Levando em conta a magnitude das necessidades infraestruturais, as restrições à realocação dos gastos públicos e os impactos da expansão da dívida pública na solvência de longo prazo, a retomada dos investimentos em infraestrutura no Brasil nos próximos anos terá de contar com o apoio do financiamento privado. É importante criar espaço fiscal para investimentos do governo, mas o uso dos recursos públicos deveria se restringir às situações nas quais os ganhos sociais tendem a ser superiores aos investimentos privados. As Parcerias Público-Privadas (PPPs) permitem um melhor uso dos recursos públicos, porém não contornam as restrições fiscais do Brasil ou o seu ambiente regulatório inadequado para concessões de infraestrutura. 10. O relatório prevê gastos anuais de 3,2% do PIB como um cenário mais desfavorável para o Brasil em 2010 (um índice cumulativo que também compreende a resposta à crescente demanda, cobertura universal e manutenção). Um montante muito mais elevado (até 9% do PIB) seria necessário para situar o Brasil nos atuais níveis de 1 Boas condições estão associadas a 4 residentes por domicílio situado em um bairro não precário, que habitam em uma casa construída em terreno pago e de propriedade da família. Más condições são definidas como 8 residentes por domicílio, em um bairro precário, que residem em uma casa construída em terreno fornecido pelo empregador ou por outros meios. A estimativa se refere a uma menina afro-descendente que vive em uma área urbana, freqüenta uma escola pública e cujos pais têm nível de escolaridade inferior ao 4° ano do ensino básico. 7 atendimento da Coréia do Sul. Ainda que ambicioso, esse esforço, que acrescentaria mais de 4 pontos percentuais ao índice de crescimento do PIB brasileiro, não é irreal. Aumentos semelhantes foram obtidos pela Coréia do Sul, Indonésia e Malásia, a partir do final dos anos 70 até o final da década de 90. Na verdade, a infra-estrutura coreana era, há 25 anos, muito pior do que a do Brasil na mesma época. De modo geral, independentemente do cenário considerado, os indicadores são bastante incompatíveis com os recursos adicionais que podem ser obtidos por meio da realocação de despesas públicas ou da redução do superávit primário no curto a médio prazo. 11. Outrossim, as oportunidades para os investimentos privados parecem estar longe de se esgotar, embora as transações privadas tenham sido reduzidas a menos de um quarto de seu nível mais elevado na metade dos anos 90, devido à insatisfação dos investidores com os mercados emergentes. No Brasil, a participação privada em infraestrutura é pequena em comparação aos países que estão fora ou dentro da ALC. Por exemplo, a participação privada per capita em infra-estrutura no Brasil está abaixo da metade do valor correspondente à Malásia. No Chile, a iniciativa privada no setor de geração de energia é quase três vezes maior do que no Brasil, onde pelo menos mais 6.700 km de estradas federais poderão ser privatizadas, após a segunda rodada de concessões, de acordo com a agência reguladora do setor, e o abastecimento privado de água e saneamento está limitado a aproximadamente 5% dos consumidores brasileiros (cerca de apenas 70 entre mais de 5.000 municípios). A principal questão que se coloca aos formuladores de políticas brasileiros é, portanto, como administrar melhor a participação privada de modo que o financiamento seja mobilizado para essas oportunidades no setor de infra-estrutura. 12. No entanto, as concessões feitas à iniciativa privada produzirão lucros adequados apenas no longo prazo, quando o período total de concessão for levado em conta. Este relatório estima que a taxa interna de retorno média dos projetos com valor terminal entre 1997 e 2003 foi negativa nos setores de telecomunicações (-26%) e de energia (-5%), indicando ganhos inferiores ao seu custo de oportunidade do capital, e é positiva para o de água (16%). A média de retorno dos investimentos em serviços de infra-estrutura variou entre 3% (água) e 5% (telecomunicações). Essas avaliações dos ganhos de curto prazo no Brasil não diferem substancialmente daquelas feitas para a região da ALC, exceto pelo desempenho relativamente pior das telecomunicações (que pode ser explicado, pelo menos em parte, pela necessidade de investimentos relativamente maiores nos primeiros anos no Brasil) e pelos melhores resultados no setor de água. Deste modo, as concessões de infra-estrutura não apresentaram lucros adequados no curto prazo. 13. Os retornos das concessões também são voláteis, indicando que o investimento em infra-estrutura é um negócio arriscado no Brasil. O seu nível de risco é consistente com o de outros países da ALC, mas incompatível com os países da OCDE, onde os investimentos em infra-estrutura constituem alternativas de longo prazo e baixo risco/lucro para investidores conservadores. O nível de risco se torna uma questão particularmente importante para a atração de financiamento privado, levando-se em conta o maior nível de exposição a riscos desse tipo de investimento (em comparação com a dívida). Esse fator, explica em parte as dificuldades de estimular os investidores 8 institucionais, especialmente os fundos de pensão, a participar das iniciativas do setor de infra-estrutura no Brasil. 14. O incentivo a mais e melhores investimentos privados em infra-estrutura requer, portanto, estimular um ambiente regulador estável e confiável, que permita aos investidores obter os dividendos adequados no longo prazo. Transformar as concessões de infra-estrutura no Brasil em um negócio de baixo risco/lucro constitui o núcleo da estratégia para transformar as necessidades infra-estruturais em oportunidades para o setor privado e revitalizar os investimentos nessa área. Ao diminuir o risco regulatório e melhorar o retorno do investimento, o Brasil poderia reduzir o custo do capital privado e ampliar os ganhos de longo prazo das concessões de infra-estrutura, expandindo assim o volume dos projetos que poderiam ser financiados pelo setor privado. 15. Um ambiente regulador estável e confiável deveria ser complementado pelo planejamento de programas com eficiência de custo, que aumentem o acesso dos pobres, e pela aplicação de normas que protejam totalmente os consumidores e a economia dos abusos de poder das empresas beneficiadas. Sem uma regulamentação eficiente, é possível que as vantagens da participação privada não sejam totalmente usufruídas pelos consumidores e tenham duração limitada. Normas eficientes contribuem para estimular maiores ganhos de produtividade e sua transferência, pelo menos em parte, para os consumidores. O desenho de programas eficientes em termos de custo, que tenham como objetivo o acesso dos pobres aos serviços de infra-estrutura, não constitui apenas um instrumento importante para melhorar os indicadores sociais, como é analisado neste relatório. Essa estratégia ajuda também a impedir o surgimento de contratos mal elaborados que eventualmente não germ rendimentos suficientes para atrair o setor privado ou levam a renegociações oportunistas. Recomendações de Políticas 16. O primeiro passo para atrair a participação do setor privado exige a eliminação dos gargalos legais e de políticas que ainda subsistem. Esse objetivo deveria ser considerado no contexto mais amplo da melhoria geral do clima de investimento. No setor de energia, o financiamento privado é freqüentemente impedido por brechas legais não resolvidas, pelos incentivos incorporados ao planejamento dos leilões de energia e pelos custos irrecuperáveis gerados pelas recorrentes mudanças na legislação do setor. O atual marco legal para o gás natural não permite o estabelecimento de contratos de fornecimento adequados à operação das usinas térmicas em um sistema predominantemente hidrelétrico e foi ineficiente na redução do comportamento anticompetitivo – duas etapas necessárias para deflagrar as oportunidades de investimento privado no setor. A recente abordagem da Bolívia quanto ao gás natural representa mais um desafio à sustentabilidade do fornecimento dessa matéria-prima no Brasil. 17. Do ponto de vista logístico, entre os fatores que impedem o investimento privado em infra-estrutura estão o atraso de cinco anos no início da segunda fase do programa de concessão de rodovias federais, a paralisia do processo de descentralização das estradas 9 secundárias e a interrupção da reforma portuária. No setor de água e saneamento, sem levar em conta a solução para o problema do poder concedente, que é um fator bemconhecido de limitação ao investimento privado nessa área, o Brasil terá que abordar a questão das economias de escala e de aglomeração, o planejamento adequado do marco regulatório e o nível correto das tarifas, para que um maior número de municípios seja atendido de modo eficaz pelo setor privado. O aprimoramento da governança corporativa das empresas estatais, o melhor acesso à informação e a transparência também são objetivos importantes. 18. Apesar do recente progresso, os obstáculos que persistem ao licenciamento ambiental precisam ser ainda mais reduzidos, o impacto da revisão jurídica das decisões normativas sobre os riscos regulatórios precisa ser atenuado, e ampliada a colaboração entre as instituições públicas envolvidas no processo regulador e de concessões, especialmente quanto à atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. 19. Como uma segunda etapa, o Brasil precisa melhorar o planejamento dos contratos para evitar as renegociações excessivas das concessões, o aumento desnecessário dos riscos regulatórios e do custo de capital. A história recente das renegociações dos contratos de concessão de infra-estrutura no Brasil mostra sinais de excesso de renegociações iniciadas pelo governo. O País apresentou um percentual de contratos renegociados (41%) maior do que na região da ALC (30%). Cerca de três quartos das renegociações foram iniciadas pelo governo, comparadas a um quarto em toda a região. O tempo médio até a primeira renegociação também é menor no Brasil do que na ALC. As revisões dos contratos foram iniciadas devido às alterações nas tarifas e aos planos e necessidades de investimento, ao contrário do restante da região. 20. Os fatores que contribuíram para as renegociações no Brasil incluem a falta de um órgão regulador independente, o fato de o marco regulatório estar incorporado ao contrato e não à legislação do setor, a utilização de tetos de preços como política tarifária e a adoção da tarifa mais baixa como critério para a concessão. Embora as renegociações de contratos não possam ser consideradas negativas em si, o fenômeno pode ser um sintoma de que os contratos de concessão são mal planejados e uma causa da adoção de taxas de prêmio de risco inadequadas para os projetos de infra-estrutura. O planejamento desses contratos ainda se torna mais complicado pela definição dos objetivos da concessão e da distribuição dos riscos. 21. A desvalorização da taxa de câmbio em 1999 contribuiu para a redução do lucro proveniente dos serviços de infra-estrutura entre 1998 e 2003, quando os preços dos serviços de telecomunicação, energia e água no Brasil declinaram em termos reais (se medidos em dólares americanos), ao contrário da maioria dos países da ALC. Um segundo fator foi a aplicação ineficaz das políticas tarifárias, causada por um marco regulatório incompleto ou por interferência política. Um terceiro elemento pode ser a persistência das perdas não-técnicas, particularmente nos setores de eletricidade e de água. Outra razão importante para o baixo rendimento das concessões de infra-estrutura foram os altos níveis de investimento nos primeiros anos. 10 22. As definições adequadas das metas de cobertura e da alocação de risco, especialmente cambial e regulatório, provavelmente continuarão a ser a questão principal no tocante à atração do capital privado para investimento em infra-estrutura. As metas de atendimento deveriam ser consistentes com taxas adequadas de retorno e utilizados subsídios eficientes em termos de custo, para que possam ser definidos objetivos sociais mais ambiciosos. A nova Lei de Parceria Público-Privada (PPP) prevê garantias no caso de o governo não cumprir com suas obrigações financeiras estabelecidas em qualquer contrato de PPP, mas não contra riscos regulatórios. Em 2005, a administração federal considerou a possibilidade de substituir o IGP-M por índices de custos em setores específicos. Essa medida pode eliminar o mecanismo de proteção implícito e imperfeito que existia nos contratos indexados pelo IGP-M, porém não resolve totalmente o problema do risco cambial. A segunda fase da concessão de rodovias incluirá provavelmente procedimentos que desestimulam as propostas estratégicas feitas por operadores oportunistas, mas não protege os investidores sérios contra o risco regulatório e o comportamento acomodatício do setor público. 23. Em uma terceira etapa, o Brasil precisa melhorar a eficiência das agências reguladoras de infra-estrutura, aprimorando a governança regulatória. Sem uma governança regulatória adequada, as leis positivas do setor e os contratos bem planejados serão cumpridos de modo incorreto, o que aumentará o risco regulatório e o custo do capital. No início de 2005, uma pesquisa realizada junto a 21 agências reguladoras no Brasil mostrou que a maior parte dos elementos gerais transferíveis por lei, que constituem a boa governabilidade, parece ter sido colocada em prática. O desafio está na maneira de desenvolver os atributos mais detalhados que não podem ser cobertos pela legislação e em como aplicá-los com eficiência. 24. Por exemplo, apesar de quase todas as leis setoriais terem concedido independência às agências reguladoras, mais da metade das agências reguladoras pesquisadas informou que o Executivo interferiu pelo menos uma vez em sua deliberação final. Além disso, foi solicitado formalmente à maioria das agências (18) que documentassem seus processos decisórios, mas a poucas (7) foi pedido que mencionassem a jurisprudência para embasar suas determinações, o que afeta a consistência das decisões ao longo do tempo. Poucas agências estabeleceram sanções legais contra reuniões extra-oficiais entre diretores de empresas e partes interessadas, o que também pode influenciar a justiça do processo decisório. Apenas um quinto do pessoal das agências, em média, foi admitido por concurso público. Os salários oferecidos para os cargos técnicos e administrativos foram considerados muito abaixo (pelo menos 25%) da remuneração de um procurador geral ou secretário estadual de finanças (utilizadas como referência) por 12 das 21 agências reguladoras pesquisadas. 25. As iniciativas para melhorar a governança regulatória abrangem a Lei das Agências e o Plano de Carreiras. A Lei das Agências inclui algumas determinações importantes, como a transferência do poder concedente e a reatribuição do planejamento de políticas aos ministérios setoriais. A proposta de introdução de contratos de gestão entre as agências reguladoras e o Poder Executivo pode ameaçar a autonomia das agências e nenhuma mudança importante foi proposta para melhorar as atribuições específicas dos reguladores. A aprovação do Plano de Carreiras permitiu a aplicação de 11 concursos públicos por algumas agências reguladoras, mas a estrutura salarial e os benefícios existentes parecem ser inferiores aos de outros cargos semelhantes no setor público. 26. Como em outros países, os órgãos que estabelecem as regras para o setor de infraestrutura foram criados no Brasil com o objetivo de aumentar a credibilidade do compromisso de longo prazo do governo de honrar os direitos de concessão. No entanto, para que esse objetivo seja integralmente alcançado, a governança regulatória precisa funcionar bem. Se for ineficaz, este projeto poderá levar à implementação inadequada de regras e contratos de concessão, influenciando assim o coeficiente entre risco e lucratividade dos projetos de infra-estrutura. 27. Em suma, o Brasil precisa estabelecer um conjunto coerente de políticas públicas para permitir mais e melhores investimentos privados em infra-estrutura. Considerando a magnitude das necessidades, bem como as restrições à realocação de gastos do governo e a expansão da dívida pública, o setor privado pode desempenhar um papel essencial. Isso não significa que a participação pública deva ser menor, mas, ao invés disso, o País deve evitar a volta à opção do financiamento puramente público. Agora, o desafio está em encontrar um modo de atrair novamente o setor privado – ou seja, como transformar as oportunidades no setor de infra-estrutura em projetos com taxas de retorno competitivas. Isso exige a redução do risco regulatório e o aumento dos rendimentos auferidos com os projetos, duas tarefas para as quais o papel do setor público é essencial: os governos são, em última instância, responsáveis pelos riscos decorrentes das regras estabelecidas e, por meio de políticas tarifárias, subsídios e mecanismos correlatos, podem direta ou indiretamente, influenciar na lucratividade dos projetos. Um segundo desafio é assegurar que os benefícios da participação privada sejam transferidos para os consumidores e para a economia como um todo. 28. A estratégia para revigorar o setor de infra-estrutura no Brasil deveria incorporar três pilares fundamentais, conforme resumidos na tabela abaixo: • Maior fortalecimento dos fundamentos das concessões de infra-estrutura. Isso envolve: (a) a conclusão das reformas regulatórias e a eliminação das incertezas geradas pelas políticas nos setores de portos, gás natural, água e saneamento, (b) o melhor funcionamento das agências reguladoras, incluindo em seus processos decisórios incentivos à adoção de decisões coerentes e tecnicamente estáveis, bem como os instrumentos necessários para essa prática, como por exemplo, uma equipe bem treinada e motivada, especialmente no nível estadual, e (c) o aprimoramento da elaboração dos contratos para evitar o excesso de renegociações, que eliminam os benefícios econômicos obtidos por meio de propostas competitivas e aumentam os riscos regulatórios percebidos. Como uma etapa básica, o Brasil deveria explorar integralmente as oportunidades existentes de participação da iniciativa privada, adiantando a segunda fase do programa de concessão de rodovias (2.700 km e com um fluxo de recursos estimado em US$9,3 bilhões), alinhando os incentivos dos leilões de energia às possibilidades de participação do setor privado e agilizando o processo de concessão de ferrovias, levando em conta que a maioria dos fundamentos para o investimento privado parece ter sido estabelecida nesse setor. 12 • Investir na credibilidade do processo regulatório. Mesmo quando um ambiente regulador foi corretamente reformado, levará algum tempo até que sua estabilidade e boas normas se tornem confiáveis. A oferta de garantias parciais contra riscos regulatórios pode se constituir em uma maneira de estabelecer essa credibilidade – especialmente em relação aos aspectos do ambiente regulador sobre os quais o governo dispõe de razoável controle. Como os investimentos em infra-estrutura são irrecuperáveis e os projetos têm vencimento a longo prazo, a estabilidade e a confiabilidade do ambiente institucional do setor constituem o ponto central para a participação privada. A expectativa de que os governos podem ter fortes incentivos para não honrar os direitos de concessão ou a possibilidade de mudanças nas regras do setor poderiam representar logo de início um desestímulo. Esses fatores podem elevar o prêmio exigido pelo investimento em um determinado projeto, aumentando, assim, o custo do capital e as tarifas a serem cobradas dos consumidores. O governo brasileiro poderia considerar essa opção, baseando-se na experiência do Peru, que estabeleceu um órgão de garantia, apoiado pelo Banco Mundial. • Aprimorar as decisões tomadas pelas instituições do setor público. Em primeiro lugar, o Brasil precisa recuperar a sua capacidade de planejamento de acordo com os princípios básicos da análise de custo-benefício que, por sua vez, podem impor uma grande e desnecessária demanda de informação. Embora se espere divergências nas taxas de retorno financeiro e econômico em diversos casos, os projetos menos lucrativos deveriam ser submetidos a um escrutínio adicional cuidadoso antes de receber o apoio público, para evitar o surgimento de “elefantes brancos”. Em segundo lugar, considerando-se a possibilidade de que os contratos de PPP possam afastar as concessões puras, deveria ser consolidada e divulgada uma estrutura institucional estável para o uso dos recursos públicos. Com esse objetivo, uma possibilidade seria basear-se nas iniciativas existentes nos departamentos de PPP dos diferentes ministérios e no Projeto Piloto de Investimento (PPI). Em terceiro lugar, o Brasil poderia gerar uma poupança adicional melhorando a qualidade de seus gastos nesse setor. • Melhorar a qualidade dos gastos públicos. São necessários mais recursos para manutenção. Nos últimos seis anos, o gasto médio anual do Brasil foi de aproximadamente RS$600 milhões para a reabilitação e RS$150 milhões para a manutenção da malha rodoviária federal pavimentada, um nível considerado suficiente para impedir uma maior deterioração da rede. No entanto, para aumentar a parcele de estradas em boas condições, dos atuais 25% para 63%, e evitar despesas perdulárias com a sua reconstrução no futuro, o Banco Mundial estima que será preciso investir pelo menos cerca de RS$1,2 bilhão ao ano nos próximos seis anos. Além disso, a qualidade dos gastos públicos pode ser ainda mais aperfeiçoada por meio de um melhor planejamento e da estabilidade dos financiamentos. No setor de manutenção de rodovias, por exemplo, a adoção de contratos com base em resultados e a provisão de um fluxo estável de recursos poderiam evitar as renegociações de contratos e os aumentos de custo devido às demoras no início dos trabalhos, às interrupções na implementação e à falta de pagamento pelo governo, além de produzir significativas reduções de custo. Uma análise do Banco Mundial mostrou que os custos unitários dos contratos com base em resultados são 30% menores do que os dos instrumentos legais tradicionais – enquanto as renegociações aumentaram o seu custo em pelo menos 50%. A aprovação de um 13 programa plurianual de investimentos em rodovias poderia se tornar um importante instrumento. Essas questões são discutidas de forma mais detalhada no relatório sobre gastos fiscais a ser publicado. • Desenvolver bases institucionais para elaboração de políticas eficazes de infraestrutura. Em primeiro lugar, o Brasil precisa estabelecer uma estratégia de infraestrutura para abordar de forma coerente e sistemática suas necessidades de longo prazo nesse setor. Isso requer a consolidação de um processo de planejamento, que ainda é fragmentado e embrionário, entre os ministérios ou os diferentes órgãos federais. Essa estratégia abrangeria a racionalização dos programas que têm como objetivo o melhor atendimento dos pobres e o aumento do impacto das melhorias na infra-estrutura sobre o alívio da pobreza. O processo deveria identificar as fontes potenciais de financiamento, tanto privadas quanto públicas, inclusive as contribuições esperadas dos diversos níveis de governo e os obstáculos previstos à participação privada. De forma ideal, compreenderia também outras questões estratégicas, como a utilização ativa da competitividade enquanto instrumento de estímulo à participação do setor privado e à eficiência econômica. Em segundo lugar, essa estratégia seria integralmente incorporada ao processo orçamentário do Brasil e poderia fazer parte da formulação do Plano Plurianual do governo, e subseqüentemente ser priorizada na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei do Orçamento Anual. Em terceiro lugar, a estratégia de infraestrutura deveria ser completamente monitorada e avaliada, com as lições aprendidas sendo incorporadas às suas revisões periódicas. • Questões mais amplas. O aumento dos gastos com infra-estrutura envolverá inevitavelmente a redefinição das prioridades públicas, a redistribuição de receitas e o uso mais flexível das despesas “carimbadas”. Diversas soluções intermediárias poderiam ser adotadas – como condicionar a flexibilização das verbas com destinação específica à obtenção de indicadores sociais predefinidos – mas como ainda é preciso chegar a um consenso, a adoção de medidas e avaliações objetivas dos impactos do acesso à infraestrutura sobre o alívio da pobreza poderia facilitar o debate. Finalmente, a definição de uma estratégia de infra-estrutura apropriada no nível federal irá requerer a abordagem do marco institucional inadequado para a formulação do orçamento. Os gastos com infraestrutura enfrentam os mesmos problemas de oportunismo e coordenação que a oferta de bens públicos puros mas, no caso do Brasil, esses obstáculos são exacerbados pela descentralização das receitas públicas para os estados e municípios e por um cenário político que favorece os objetivos locais de curto prazo em detrimento das metas nacionais de longa duração, no processo de formulação orçamentária e em sua aprovação pelo Congresso. Melhorar a coordenação entre as três esferas de governo e redesenhar o marco institucional, para facilitar a adoção de projetos nacionais de infra-estrutura, representam portanto desafios de longo prazo. Essas questões são discutidas em mais detalhe no relatório sobre gastos fiscais que será publicado em breve. 14 Como revitalizar os investimentos em infra-estrutura no Brasil: principais ações Pilares Ações de curto prazo 1. Maior fortalecimento dos fundamentos das concessões de infra-estrutura Eliminar os obstáculos reguladores e as • No setor de água, abordar a questão do poder concedente em incertezas das políticas relação às regiões metropolitanas e definir o marco regulatório de modo geral • No setor de portos, esclarecer o papel das agências reguladoras e adiantar o processo de descentralização • No setor de rodovias, concluir a descentralização das estradas federais secundárias • No setor de eletricidade, alinhar ainda mais o desenho dos leilões de energia com a participação da iniciativa privada e aprovar a nova lei para o setor de gás natural • Abordar de forma geral os riscos cambial e regulatório no planejamento dos contratos • Garantir que os objetivos de cobertura sejam consistentes com as taxas adequadas de retorno • Estabelecer processos e condições claras para as renegociações de contratos Melhorar a governabilidade reguladora • Melhorar a consistência, exigindo a menção de jurisprudência para apoiar as decisões regulatórias • Ampliar a eqüidade, introduzindo sanções para as reuniões extra-oficiais entre reguladores e partes interessadas 2. Melhorar a capacidade institucional para que o setor público tome decisões eficazes Recuperar a capacidade de planejamento do • Explorar as oportunidades existentes para o investimento setor privado em ferrovias, rodovias e geração de energia Evitar renegociações excessivas de contratos • Institucionalizar a estrutura da PPP para tornar os gastos públicos mais eficientes (possivelmente com base na experiência com a PPI) Melhorar a qualidade dos gastos públicos • Estabilizar os recursos para recuperação e manutenção de rodovias e o uso de contratos com base em resultados • Fortalecer a capacidade do DNIT de tomar decisões, planejar e priorizar 3. Desenvolver as bases institucionais para um planejamento eficiente da infra-estrutura no longo prazo Desenvolver uma estratégia coerente de • Preparar uma estratégia nacional de infra-estrutura que infra-estrutura abranja as necessidades do Brasil no longo prazo, as possíveis fontes de financiamento e os instrumentos para aumentar o acesso dos pobres Incorporar a estratégia de infra-estrutura aos • Monitorar, avaliar e disseminar o impacto do investimento processos orçamentários existentes em infra-estrutura Abordar questões mais amplas • Medir e divulgar os impactos do acesso à infra-estrutura sobre a redução da pobreza Institucionalizar a tomada de decisão sobre as PPPs Fonte: Elaboração dos Autores. 15 Ações de médio prazo • No setor de água, melhorar a governança corporativa das empresas estatais, sobretudo quanto à prestação de informações • No setor de portos, abordar as questões trabalhistas e melhorar a governança corporativa nas companhias docas • No setor de energia, fortalecer a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para melhorar a qualidade dos projetos oferecidos e aumentar a transparência; no setor de gás natural, e definir o papel da geração térmica na política nacional de energia • Minimizar os obstáculos que persistem no licenciamento ambiental, reduzir o impacto da revisão jurídica das decisões sobre normas no risco regulatório e melhorar a colaboração entre as instituições públicas envolvidas nos processos regulatório e de concessões, especialmente a atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União • Considerar o uso de garantias parciais para cobrir o risco regulatório • Desenvolver uma estrutura de cargos e salários compatível com outros postos semelhantes no setor público • Aumentar o contingente de pessoal, por meio de concursos públicos • Melhorar o treinamento e elevar o número de pessoas com nível superior • Recuperar a sua capacidade de planejamento de acordo com a análise de custo-benefício e priorizar os projetos com retornos financeiros mais altos, evitando o surgimento de “elefantes brancos” • Criar mecanismos para induzir o planejamento de concessões no setor de água com escala e subsídios eficientes mínimos para os pobres em regiões metropolitanas conhecidas • Aumentar os recursos públicos para recuperação e manutenção de rodovias, a fim de evitar gastos desnecessários com reconstrução • Considerar a possibilidade de consolidar programas fragmentados • Considerar a incorporação da estratégia de infra-estrutura ao PPA e, subseqüentemente, priorizá-la na Lei de Diretizes Orcamentárias • Discutir a possibilidade de flexibilizar as verbas destinadas aos gastos sociais, com o objetivo de expandir os investimentos em infra-estrutura, utilizando talvez as metas sociais como uma condicionalidade • Criar um mecanismo de coordenação para o planejamento de infra-estrutura entre os governos municipais, estaduais e federal COMO REVITALIZAR OS INVESTIMENTOS EM INFRAESTRUTURA NO BRASIL: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MELHORAR A PARTICIPAÇÃO DO SETOR PRIVADO RELATÓRIO PRINCIPAL 1. Mais de US$164 bilhões foram investidos em projetos de infra-estrutura, que envolveram a participação privada no Brasil durante o período 1994-2004. Esse montante corresponde a mais de dois terços do total dispendido em projetos privados nessa área no Leste Asiático e na região do Pacífico. O aumento repentino da participação privada resultou, pelo menos em parte, da implementação de ambiciosas reformas no setor de infra-estrutura: embora a privatização tenha recebido a maior parte da atenção, as mudanças também compreenderam uma transformação radical do ambiente regulatório, a quebra de monopólios antes integrados verticalmente e, quando foi viável, a introdução de concorrência. 2. Apesar de ter iniciado mais tarde o processo de reformas, o Brasil implementou mudanças rápidas e diligentes. Em 1998, os serviços de telecomunicações foram totalmente privatizados, após a subdivisão do Sistema Telebrás em três provedores regionais e uma portadora internacional. Três grandes companhias de geração de energia e 17 empresas de distribuição foram vendidas entre 1997 e 2000, permitindo que a concorrência desempenhasse um papel central cada vez maior no setor. Toda a malha ferroviária foi desestatizada no período de 1995-99, da mesma forma que a maior parte dos terminais portuários; e foram feitas concessões de cerca de 5.000 km de rodovias federais. Mudaram as leis que regem os diversos setores de infra-estrutura e a gestão dos contratos de concessão foi atribuída a agências reguladoras independentes. 3. Embora a privatização tenha produzido alguns resultados positivos, as pesquisas de opinião mostram a frustração do público com os serviços de infra-estrutura no Brasil. Essa decepção serve para posicionar o ponto de vista dos formuladores de políticas contra a participação privada no setor. De 1998 a 2004, o percentual da população insatisfeita com a privatização aumentou de 40% para 60%. No entanto, este não é um fenômeno característico do Brasil: de acordo com o Latinobarómetro, o apoio à privatização na América Latina caiu pela metade (de 56% para 25%) entre 1998 e 2002. As autoridades públicas e as instituições multilaterais, que antes apoiavam a privatização, estão discutindo agora como aumentar o investimento público no setor de infra-estrutura, sem prejudicar a estabilidade da gestão fiscal. A tendência das novas políticas se dirige novamente para as provisões oferecidas pelos recursos públicos. 4. Este relatório aborda a questão de como os formuladores de políticas podem facilitar o investimento eficaz em infra-estrutura no Brasil. A Parte I analisa a situação e sustenta que é preciso criar mais infra-estrutura e, como as atuais restrições fiscais limitam um maior investimento público, considera que os níveis de financiamento futuros para essa área dependerão em grande parte da participação do setor privado. A Parte II adota uma perspectiva mais ampla e discute como revitalizar os investimentos privados 16 em infra-estrutura no Brasil, avalia a lucratividade das concessões e o desempenho das empresas privatizadas no País, aborda os principais desafios ao investimento privado em infra-estrutura e sugere políticas para ajudar a superá-los. I. Infra-estrutura e Crescimento no Brasil: Avaliando a Situação 5. Esta seção explica a necessidade de uma maior infra-estrutura e por que o financiamento privado poderá desempenhar um papel decisivo na revitalização dos investimentos nessa área no Brasil. A. Qual é a nossa situação? 6. Os indicadores de referência internacionais mostram que o estoque de infraestrutura do Brasil está mais próximo ao dos países da ALC e menos ao de seus pares no Leste Asiático. Este é particularmente o caso do setor de transportes. Nas telecomunicações, os índices brasileiros são muito melhores que os da ALC e, de modo geral, ultrapassam os de outras regiões. Na área de eletricidade, o Brasil se situa em um nível melhor ou próximo ao de outros países da ALC. No entanto, a malha rodoviária pavimentada do País está abaixo da média da ALC e de outras regiões. A cobertura do Brasil nesse segmento corresponde a menos de um terço da média da ALC e é inferior a um décimo da existente no Sul da Ásia, considerada a região mais eficiente. A análise da extensão de rodovias pavimentadas por 1.000 habitantes revela que o Brasil dispõe de menos de um terço de estradas em relação à ALC, mas essa proporção não é tão inferior àquela dos países do Leste Asiático e do Pacífico, regiões altamente populosas, que compreendem Bangladesh, China e Índia. 7. O acesso aos serviços de infra-estrutura no Brasil melhorou na última década, mas ainda apresenta alguns hiatos nas áreas rurais e no atendimento aos pobres. Existe também uma grande variação em nível estadual. De acordo com o Censo de 2000, cerca de 92% da população brasileira tem acesso à eletricidade, 75% à água potável, 50% a esgoto e 37% aos serviços de telecomunicação (telefones fixos) e um percentual maior utiliza a telefonia celular. Nos estados onde a renda per capita é mais baixa, as taxas de cobertura são menores, mas existem evidências de alguma recuperação: os estados que mostravam um nível mais baixo de atendimento em 1991, como, por exemplo, Ceará, Piauí, Rondônia e Tocantins, apresentaram taxas de cobertura relativamente mais elevadas. À exceção do setor de eletricidade, existe um hiato significativo entre o acesso aos serviços públicos nas áreas urbanas e rurais. As análises de regressões indicam que, para os pobres que vivem nas zonas rurais, a probabilidade de contar com serviços de infra-estrutura é 95% menor do que para aqueles situados nas regiões metropolitanas. Um dado que pode ser considerado importante é que as pessoas mais carentes parecem se beneficiar menos das melhorias na infra-estrutura. Entre 1991 e 2000, as taxas de cobertura para eletricidade, esgoto e água melhoraram em todos os decis da distribuição de renda menos nos dois mais baixos, com ganhos proporcionalmente maiores nos decis mais altos. O abastecimento de água, em particular, sofreu um declínio de quase 4% nos dois decis mais inferiores, o que pode refletir a falta 17 de mecanismos de subsídios apropriados que compensem os problemas decorrentes da capacidade de pagamento (ver a Figura 1).2 8. A falta de serviços apropriados de infra-estrutura também existe no nível empresarial. Esse fator é particularmente evidente nas indústrias que utilizam mão-deobra intensiva e nos estados do Amazonas e de Goiás. As perdas acumuladas resultantes da oferta inadequada de serviços de infra-estrutura em relação às vendas totais anuais variaram de 1,15% no Rio Grande do Sul a 9,22% no Amazonas. A indústria de calçados, que perdeu mais de 10% do valor das vendas em 2003 devido às interrupções no fornecimento de serviços de infra-estrutura, parece ter sido a mais afetada, seguida pelos setores de vestuário, têxtil e moveleiro. Os cortes de eletricidade e os danos e demoras no transporte são as principais causas das paralisações no fornecimento de serviços de infraestrutura, responsáveis por três quartos das interrupções no Amazonas e dois terços na indústria de calçados. As maiores perdas no setor de transporte foram informadas pela indústria de autopeças (4,71%). Os prejuízos resultantes de problemas no fornecimento de serviços de infra-estrutura são causados tanto pela freqüência quanto pela duração da interrupção, indicando problemas de confiabilidade. Os cortes de energia foram os mais freqüentes e as interrupções nos transportes as mais longas. Para atenuar os riscos de cortes de eletricidade, quase 60% das grandes empresas brasileiras no setor manufatureiro utilizam geradores de energia. Esse percentual diminui de acordo com o tamanho da firma e revela a natureza regressiva do fornecimento ineficiente dos serviços de infraestrutura.3 B. A queda nos investimentos em infra-estrutura e suas causas 9. Os investimentos em infra-estrutura sofreram um declínio durante as duas últimas décadas. Como em muitos outros países da ALC, os investimentos em infraestrutura no Brasil apresentaram uma acentuada redução de 1980 a 2002, tendo o maior declínio ocorrido nos anos 80. Esses investimentos caíram de uma média de 5,22% do PIB, no período 1981-85, para 2,35% do PIB entre 1996 e 2000. Em 2001, os níveis de investimento no setor corresponderam à metade de seu patamar em 1981. A queda de 2,87 pontos percentuais entre os dois períodos é muito maior do que a média regional de 1,2 pontos percentuais, refletindo os níveis mais elevados de investimento do Brasil no início dos anos 80. É importante notar que essa expressiva redução se concentrou entre 1981 e 1996, quando os níveis caíram 2,61 pontos percentuais (ou seja, 93% do total). Apesar da recuperação parcial nos anos subseqüentes, o declínio mais acentuado no investimento em infra-estrutura no Brasil ocorreu de 1987 a 89, quando caiu cerca de 50% (ver a Figura 2). 2 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 1, Seção 1.2, com base no estudo preliminar “Acesso a Serviços de Infra-Estrutura”, realizado por M. Neri para este relatório. 3 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 1, Seção 1.3. Com base em World Bank (2005) “Chapter 8: Infrastructure Services and Firm Performance in Brazil: The Need for Creative and Efficient Partnerships between the Public and Private Sectors.” In: World Bank, “Brazil Investment Climate Assessment – Volume II: Background Documents”. Mimeo. 18 Figura 1. Brasil: parcela da população frustrada com os serviços de infra-estrutura, por decis de renda (%), 1991 e 2000 Eletricidade Taxa de crescimento da população com acesso à electricidade ( % ) Telefone 100 100 90 80 80 60 70 40 60 20 50 46.25 34.56 29.69 31.52 32.28 8 9 30.28 25.35 17.29 15.23 8.66 0 1 2 3 4 5 6 1991 7 8 9 10 1 2000 2 3 4 5 6 7 8 9 1 10 2 3 4 5 6 Água Taxa de crescimento da população com acesso à água ( %) Esgoto 42.89 42.68 100 80 70 60 50 40 30 20 10 0 90 80 70 60 50 40 2 3 4 5 6 1991 7 10 1991 200 0 Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE 1 7 8 9 2000 Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE 10 42.78 46.21 43.69 32.75 17.96 15.85 1 2 3 4 5 1991 6 7 2000 Fonte: CPS/FGV a partir dos microdados da PNAD/IBGE Fonte: IBGE/Censo Demográfico 1991 e 2000. 19 8 9 10 1 -3.92 2 -1.49 3 4 5 6 7 8 9 10 10. A queda nos investimentos em infra-estrutura no Brasil foi causada por uma substancial redução dos gastos do setor público. Esta foi uma tendência comum à maioria dos países da ALC. Os investimentos públicos no Brasil caíram de 3,6% do PIB entre 1981 e 85, em média, para 1% do PIB no período 1996-2000. Esses percentuais representaram uma redução de 2,6 pontos percentuais, que corresponde a 90% do declínio geral de 2,87%. Mais da metade dessa retração ocorreu nos períodos 1986-90 e 1991-95, antes da maioria das privatizações no setor de infra-estrutura (1995-98) e do ajuste fiscal (1999-2002). O restante do declínio nos investimentos públicos poderia ser dividido em parcelas quase iguais entre os outros dois períodos (antes de 1986 e depois de 1995). Na ALC, os investimentos governamentais caíram 2,1% entre 1981-85 e 19962000. A Argentina, o Chile e o México estão entre os países que apresentaram reduções comparáveis às do Brasil, enquanto a Colômbia conseguiu manter grandes financiamentos públicos para infra-estrutura. Em outras regiões, países como as Filipinas e a Tailândia sustentaram níveis crescentes de gastos públicos no setor de infra-estrutura. 11. Ao contrário dos outros países, o aumento do investimento privado no Brasil não foi suficiente para compensar a queda nos gastos públicos. O Chile é um exemplo do caso oposto. Em outros países, como a Colômbia – onde não houve modificação nos investimentos públicos – os financiamentos privados foram quase cinco vezes maiores nos anos 90. Outra diferença no Brasil é que o crescimento do financiamento privado para infra-estrutura nesse mesmo período foi dirigido principalmente à transferência (alienação) de bens e não à expansão do estoque de infra-estrutura. Em outros países, como a Indonésia, a maioria dos recursos foi aplicada em novos projetos (green-field). Mesmo no setor de telecomunicações, no qual os contratos de concessão estimularam novos investimentos e levaram a uma expansão na cobertura dos serviços, os maiores montantes de recursos foram desembolsados para aquisição de 12 companhias do Sistema Telebrás, que foram desestatizadas. Figura 2. Investimento em infra-estrutura no Brasil: total, público e privado (% do PIB), 1980-2001 6% 5% total 4% 3% público 2% 1% privado 0% 1980 1982 1984 1986 1988 1990 1992 1994 1996 Fonte: Elaborado pelos Autores, com base nos dados de Calderón e Servén (2004). 20 1998 2000 12. O gradual desgaste do marco institucional quanto à provisão de serviços de infra-estrutura levou ao declínio dos investimentos no setor. Em primeiro lugar, a centralização da maior parte das atribuições de planejamento, regulamentação e operação não melhorou a governabilidade corporativa e o desempenho das empresas públicas. No final dos anos 80, as companhias estatais brasileiras ofereciam serviços extremamente ineficientes e contribuíam para o déficit do setor público, respondendo por cerca da metade de toda a dívida durante o período 1983-88. Em segundo lugar, a estratégia financeira apoiada nos empréstimos externos e no autofinanciamento, por meio da estrutura tarifária, foi prejudicada por duas crises externas, sobretudo em 1982 (com a moratória mexicana), e pela desvalorização das tarifas dos serviços de infra-estrutura, que tinha o objetivo de controlar a inflação. Esses fatores tiveram um efeito direto sobre as companhias de eletricidade, que utilizavam os mercados financeiros internacionais durante os anos 70, por causa de suas dívidas crescentes. Como resultado disso, os investimentos do Sistema Eletrobrás, que entre 1980 e 82 atingiram em média 0,84% do PIB, foram reduzidos a 0,72% em 1984-86 e a 0,48% em 1988-91 – uma queda de 43% em dez anos. De modo geral, a deterioração da situação fiscal afetou indiretamente os setores dependentes do orçamento federal, como o de transporte. 13. A Constituição de 1988 contribuiu para enfraquecer o marco institucional para infra-estrutura. O financiamento do setor público – a parte central do marco institucional para o setor de infra-estrutura – sofreu uma acentuada redução com a Constituição de 1988. Em primeiro lugar, a Carta Magna substituiu os impostos federais incidentes sobre alguns segmentos específicos – energia, transporte e telecomunicações – por outros não específicos no nível estadual. Por exemplo, a taxa rodoviária, que contribuiu para os investimentos nas estradas federais, foi transferida para os estados, enquanto a tarifa do setor de eletricidade foi incorporada ao ICMS dos estados. Em segundo lugar, a Constituição aumentou as transferências de verbas federais para os governos subnacionais, especialmente os municípios: a parcela municipal da receita federal e da arrecadação de impostos sobre produtos industrializados, por exemplo, cresceu de 17% para 22,5%. Essa medida reduziu o montante de recursos públicos disponíveis para as despesas de capital e acarretou potenciais problemas de coordenação entre os três níveis da administração, quando há necessidade de participação dos governos subnacionais no co-financiamento de projetos de infra-estrutura federais. Finalmente, a Constituição de 1988 aumentou e pré-fixou determinados gastos públicos correntes – particularmente em saúde e educação – enquanto as despesas de capital, em geral, e os investimentos em infra-estrutura, em particular, foram deixados a critério dos formuladores de políticas. 14. Ao longo do tempo, os investimentos públicos federais foram ainda mais reduzidos devido às crescentes despesas correntes. Os gastos básicos dos governos centrais aumentaram de 13,7% do PIB em 1991 para 21,6% em 2002, enquanto os investimentos públicos federais sofreram uma redução de 1,45% para 0,75% do PIB. Cerca de três quartos do aumento nos gastos básicos (6,9% de 8,9% do PIB) foram destinados a benefícios previdenciários, salários dos servidores públicos e transferências para os estados e municípios. Além da descentralização das receitas públicas, essa distribuição de receitas foi determinada pela Constituição de 1988, que estabeleceu, por outro lado, benefícios sociais mais elevados para toda a população. Esses benefícios 21 foram estendidos aos trabalhadores rurais e o generoso regime do funcionalismo público foi expandido a todos os servidores públicos. De uma parte, o crescimento dos gastos ao longo do tempo pode ser explicado por diferentes fatores institucionais, como a mudança no salário mínimo (que afeta dois terços dos benefícios previdenciários) e o aumento na arrecadação do imposto de renda (quase a metade desse total foi transferida para o fundo municipal). Vários dispositivos institucionais podem ter atuado para garantir um fluxo intertemporal de recursos orçamentários para áreas selecionadas. 15. A contribuição das privatizações de 1995-98 para o declínio dos investimentos em infra-estrutura é relativamente pequena. Uma crítica comum ao processo de privatização no Brasil é que ele transferiu o controle de uma grande parcela dos investimentos em infra-estrutura para o setor privado, porque a opção pelas ações preferenciais (golden shares, que dão ao governo algum controle sobre as decisões estratégicas das companhias privatizadas) raramente foi adotada. Os investimentos das empresas estatais em 1995-98, período em que ocorreu a maioria das privatizações, diminuíram para 0,89% do PIB, mas somente os investimentos em telecomunicações responderam por 0,93% do PIB. Esses percentuais sugerem que os reduzidos investimentos das empresas públicas deveriam ter se limitado ao setor de telecomunicações, no qual os contratos de concessão forneceram incentivos suficientes para mais investimentos e a expansão do setor. Portanto, é possível que o impacto das privatizações de 1995-98 não tenha se restringido apenas às telecomunicações, mas seu efeito de repasse foi também pequeno sobre o total dos investimentos em infra-estrutura, porque os financiamentos privados podem ter compensado em parte o declínio da participação pública (ver a Figura 3). 16. O efeito do ajuste fiscal de 1999-2002 sobre os investimentos públicos federais foi menos rígido do que se admite geralmente. Durante o período 1998-2002, houve uma redução no investimento público em infra-estrutura de 0,75 ponto percentual do PIB, com uma queda de 0,18 ponto das empresas estatais e de 0,57 ponto percentual da administração pública. Esses índices são bastante baixos se comparados às políticas fiscais implementadas durante o período. Além disso, uma grande parcela do declínio nos investimentos em infra-estrutura, cerca de dois terços da redução geral (0,5 ponto percentual), foi proveniente dos estados e municípios. Isso não é surpreendente porque a maior parte do investimento na área estava concentrada nesses níveis da administração pública. Em geral, um aumento nos gastos correntes, combinado a um alto nível de rigidez orçamentária, tornou as despesas de capital o principal alvo dos cortes. Fatores político-econômicos e os bem-conhecidos problemas de incentivos para provisão de bens públicos complicaram ainda mais o desafio do ajuste fiscal. O seu impacto pode ter aumentado entre 2003 e 2005, levando-se em conta as metas mais elevadas de superávit primário, estabelecidas pelo atual governo (ver a Figura 4). 22 Figura 3. Investimento do setor público em infraestrutura (% do PIB), 1995-2002 3,5% 3,0% 2,5% 2,0% Figura 4. Brasil: superávit primário e investimento público em infra-estrutura (% do PIB), 1998-2002 4,5 Administração Pública Empresas Públicas Total do Setor Público 1,5% 4,0 3,19 3,5 3,63 3,89 3,0 2,5 2,17 2,0 1,41 1,5 1,0% 3,47 1,20 1,38 1,42 2001 2002 1,0 0,5% 0,5 0,0% 0,0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Fonte: Elaboração dos Autores, com base em Afonso et al. (2005). 0,01 1998 1999 Investimento Público em infra-estrutura 2000 Superávit primário Fonte: Elaboração dos Autores, com base em Afonso et al. (2005). C. O Brasil precisa investir mais em infra-estrutura? 17. As limitadas taxas de crescimento no Brasil estão intimamente relacionadas aos baixos coeficientes de investimento nas últimas décadas. A análise da contabilidade do crescimento indica que a contribuição do capital para o crescimento durante os anos 90 foi muita reduzida se comparada à sua contribuição para o trabalho e a produtividade total dos fatores (PTF). No Brasil, a dotação de infra-estrutura produtiva por trabalhador é normalmente inferior à dos países que apresentaram melhores índices de crescimento, como o Chile e a Malásia. As evidências sugerem que ocorreu no Brasil uma redução dos investimentos privados nos setores manufatureiros e dos investimentos públicos nos setores de infra-estrutura. Isso está relacionado a um clima de investimento inadequado (basicamente uma carga tributária alta), que reduz a lucratividade do setor privado; a um alto nível de dívida pública que afasta o setor privado; e a elevados gastos correntes que, considerando-se as rígidas condições de solvência fiscal no Brasil, reduzem os recursos disponíveis para investimento público. Quando perguntados sobre os principais obstáculos ao crescimento, os empresários brasileiros indicaram outros fatores, em especial as alíquotas de impostos e o custo do financiamento, muito maiores do que os problemas relacionados aos serviços de infra-estrutura. 18. É possível afirmar que níveis mais altos de investimento em infra-estrutura levariam a um maior crescimento. Utilizando um modelo de gerações sobrepostas, Glomm e Rioja (2003) mostram que os investimentos em infra-estrutura no Brasil teriam que atingir cerca de 5% do PIB para maximizar o impacto sobre o crescimento econômico. Calderón e Servén (2004) observam que a compressão da infra-estrutura nos anos 90 reduziu em 3 pontos percentuais ao ano o crescimento a longo prazo do Brasil. Confirmando os resultados anteriores, Ferreira e Araújo (2004) concluíram que as elasticidades de longo prazo se situam próximo ou acima de 1 (um), na maioria dos casos, nos setores de infra-estrutura, com resultados mais significativos para energia e transporte. Os serviços ineficientes de transporte e energia também parecem exercer um amplo e negativo impacto sobre a produtividade de uma empresa e a sua probabilidade de poder exportar. Utilizando o banco de dados da Análise do Clima de Investimento (ACI) 23 para diversos países da ALC, a avaliação do efeito da infra-estrutura sobre a competitividade, realizada por Escribano et al. (2005), mostra que os serviços de infraestrutura são determinantes fundamentais da PTF no Brasil e em outros países selecionados da ALC.4 19. Talvez seja mais importante observar que uma expansão nos estoques de infra-estrutura pode contribuir para melhores oportunidades econômicas para os pobres e melhor distribuição de renda. Nas áreas rurais pobres, a infra-estrutura expande as oportunidades de emprego para as pessoas mais desassistidas, reduzindo o custo de acesso aos produtos e aos mercados de fatores (Smith et al., 2001). Pode gerar também ganhos de capital para os agricultores pobres, porque o valor dos bens nas áreas agrícolas menos desenvolvidas aumenta com o maior valor presente líquido dos lucros gerados pelas colheitas (Jacoby, 2000). Azzoni et al. (2003) deduziram que o acesso à infra-estrutura, junto com o capital humano, eram os principais fatores que explicavam as diferenças nas taxas de crescimento entre os estados brasileiros. Utilizando um amplo conjunto de dados em painel que abrange mais de 100 países no período 1960-2000, Calderón e Servén (2004) concluíram que, se o estoque e a qualidade da infra-estrutura no Brasil fosse elevada para o nível médio dos Tigres Asiáticos, isso reduziria o coeficiente de Gini em 9%. Em um estudo que analisa se o crescimento foi positivo para os pobres no Brasil, Menezes-Filho e Vasconcellos (2004) mostram que a pobreza está associada ao acesso inadequado à infra-estrutura, aos baixos níveis de escolaridade, a ter filhos, a ser não-branco, a estar desempregado ou ter um emprego agrícola informal. O estudo indica que um aumento de 10% na renda diminui a pobreza extrema em cerca de 8%, em média, com a elasticidade do crescimento da pobreza dependendo positivamente do nível inicial de renda e negativamente do nível inicial de desigualdade. Embora observe o efeito positivo da desigualdade sobre o crescimento, essa análise também mostrou que as compensações entre o crescimento e suas estratégias que levam em conta os pobres não existiriam se fossem feitos investimentos em infra-estrutura. 20. Um conjunto crescente de pesquisas empíricas confirma que o maior acesso à infra-estrutura contribui para a ocorrência de melhores indicadores sociais. A energia exerce um efeito positivo sobre a educação, tornando possível estudar à noite e reduzindo a quantidade de tempo gasto na obtenção de combustíveis tradicionais, liberando, desta forma, o tempo de uma criança para se dedicar ao aprendizado. O acesso à água tratada e ao saneamento básico diminui as doenças transmitidas pela água, reduz a mortalidade infantil e contribui também para um melhor desempenho educacional. Por exemplo, estima-se que a presença de sistemas de esgoto reduz pela metade a probabilidade de mortalidade infantil na Nicarágua e a falta de abastecimento de água diminuiu a freqüência escolar entre 2% e 17% na África. Os impactos relacionados ao transporte ocorrem principalmente na diminuição do tempo de viagem até as escolas, na maior facilidade para instalá-las e na queda do índice de desastres ambientais que afetam o desempenho educacional. No Peru, por exemplo, 56% das crianças que moram à distância de uma hora de viagem freqüentam a escola, comparadas a 29% daquelas que precisam se deslocar de 2 a 4 horas por dia. 4 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 3, Seção 3.1. 24 21. Indicadores preliminares que vinculam índices sociais aos serviços infraestrutura também estão disponíveis para o Brasil. Para uma menina afro-descendente no Estado de São Paulo, o acesso aos serviços de infra-estrutura está associado a uma redução de 20% na probabilidade de estar 6 ou mais dias por ano ausente da escola e a uma melhora de 11% a 13% em suas notas (ver a Tabela 1a).5 Os impactos variam de modo inverso em relação à disponibilidade de infra-estrutura e à renda familiar. A influência das condições habitacionais foi avaliada, com resultados semelhantes: por exemplo, o acesso a boas condições de habitação foi associado a um desempenho 7,1% e 4,6% maior na 4ª e 8ª séries, respectivamente, em 2001 (ver a Tabela 1b).6 Um estudo recente do IPEA também mostrou que um aumento de 1% no suprimento dos serviços de água e esgoto pode reduzir a mortalidade infantil entre 108 e 216 ao ano, respectivamente, ou 9,9% do total de crianças mortas (Seroa da Motta e Moreira, 2004). Embora pareça preferível adotar soluções alternativas menos dispendiosas em primeira instância, uma análise mais detalhada indica que os benefícios nem sempre são compatíveis com os de uma infra-estrutura mais aprimorada. Por exemplo, o estudo do IPEA apontou que o aumento do nível de escolaridade da mãe não era a melhor abordagem para reduzir a mortalidade infantil, quando os efeitos ambientais e de saúde (considerando o valor da propriedade dos pobres) fossem incluídos como fatores. 22. As metas de longo prazo para atender às necessidades infra-estruturais do Brasil ainda podem ser alcançadas. A quantidade de infra-estrutura necessária depende do objetivo escolhido. Este relatório prevê gastos anuais de 3,2 % do PIB como um limite inferior para o cenário do Brasil em 2010. Este é um índice cumulativo que compreende a resposta à crescente demanda (1,55% em 2010, com base em uma taxa de crescimento anual de 2%), o custo estimado da cobertura universal (0,2%) e as despesas de manutenção (1,5%). Seria necessário um percentual muito maior (4,7% a 9% do PIB) para situar o Brasil nos atuais níveis de atendimento da Coréia do Sul (cobertura universal incluindo os custos de manutenção). Embora ambicioso, esse objetivo – que acrescentaria mais de 4 pontos percentuais ao crescimento do PIB brasileiro – não é irreal. Aumentos semelhantes foram obtidos por Coréia do Sul, Indonésia e Malásia a partir dos últimos anos da década de 1970 até o final da década de 90. De fato, a provisão de infra-estrutura na Coréia do Sul, há 25 anos, era substancialmente pior que a do Brasil nessa época.7 5 O relatório considera o acesso aos serviços de infra-estrutura como a obtenção de eletricidade, água, saneamento e serviços de telecomunicação. 6 Boas condições de habitação estão associadas a 4 residentes em uma casa situada em um bairro não precário, construída em terreno pago e de propriedade da família. Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 3, Seção 3.2, com base no estudo preliminar “Infrastructure and Educational Progression”, preparado por M. Neri e R. Moura. 7 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 3, Seção 3.3, com base nas estimativas feitas por M. Fay e T. Yepes para este relatório. 25 Tabela 1a. Mudanças no desempenho educacional associada ao acesso à infra-estrutura no Estado de São Paulo (%) Atributo Aproveitamento escolar 4ª série 8ª série 3° ano do ensino médio Freqüência Nunca está ausente 6 ou mais dias ausente Matrícula escolar A Primeiro ano Último ano B A B 11,4 12,3 13,1 12,3 12,9 13,8 10,9 11,8 12,8 11,8 12,4 13,5 49,9 -20,8 38,1 44,7 -23,5 36,2 --29,0 --31,9 Notas: Para o aproveitamento escolar: primeiro ano (1999) e último ano (2003). Para freqüência escolar: está disponível somente um ano (2001), considerado como primeiro ano. Para matrícula escolar: primeiro ano (2001) e último ano (2004). “A” está associado a um domicílio com quatro residentes. “B” está associado a um domicílio com 8 residentes. Para freqüência e matrícula escolar, o domicílio está localizado em um bairro precário, construído em terreno fornecido pelo empregador ou por outros meios. Estimativa para uma menina afro-descendente que vive em uma área urbana, freqüenta a escola pública e o nível de escolaridade dos pais é inferior à 4ª série do ensino básico. Fonte: Neri e Moura (2005). Tabela 1b. Resultados da diferença entre cenários com boas condições de habitação em relação àqueles com más condições de habitação no Estado de São Paulo (%) Atributo Aproveitamento escolar 4ª série 8 ª série 3° ano do ensino médio Matrícula escolar Primeiro ano Último ano 7,1 4,6 4,6 3,9 6,8 4,4 4,5 3,5 Notas: Para o aproveitamento escolar: primeiro ano (1999) e último ano (2003). Para matrícula escolar: primeiro ano (2001) e último ano (2004). Boas condições estão associadas a 4 residentes em uma casa situada em um bairro não-precário, construída em terreno pago e de propriedade da família. Más condições são definidas como 8 residentes em uma casa situada em um bairro precário, construída em terreno fornecido pelo empregador ou por outros meios. Estimativa para uma menina afro-descendente que vive em uma área urbana, freqüenta a escola pública e o nível de escolaridade dos pais é inferior à 4ª série do ensino básico. Fonte: Neri e Moura (2005). 23. Considerando a situação fiscal e as necessidades atuais de infra-estrutura, o Brasil precisará de uma maior e melhor participação do setor privado para revitalizar o setor. A disposição para investir em infra-estrutura diminuiu nos últimos anos, mas o potencial do País ainda não foi totalmente explorado: a parcela do fornecimento privado de energia corresponde pelo menos à metade daquela da Colômbia, o abastecimento privado de água e saneamento é insignificante se comparado ao do Chile e contratos relativos a mais de 2.000 km de rodovias federais serão concedidos em breve, além de 6.700 km adicionais que poderão ser entregues à iniciativa privada. De modo geral, o número de projetos privados de infra-estrutura no Brasil se manteve pequeno em relação à magnitude da sua economia. A participação privada como parcela do PIB em 1996-2000, por exemplo, foi inferior à média na ALC e representou cerca da metade do índice atingido pela Colômbia, muito distante dos níveis alcançados pelos países do Leste Asiático, como as Filipinas e a Tailândia. Na próxima seção, discutiremos se os investidores privados obtiveram retornos adequados das concessões de infra-estrutura no Brasil, e o desempenho das empresas privatizadas. 26 D. Participação privada em infra-estrutura 24. Ao contrário da percepção pública, as concessões privadas não foram excessivamente rentáveis quando é considerado o custo total do capital. Essa impressão equivocada é criada pelos indicadores de lucro operacional que não se ajustam às necessidades de investimento nem aos prêmios de risco. A estimativa da taxa interna de retorno média dos projetos com valor terminal entre 1997 e 2003 é negativa para os setores de telecomunicações (-26%) e energia (-5%), indicando ganhos inferiores ao custo de oportunidade do capital, e positiva para água (16%). A média de retorno dos investimentos em serviços de infra-estrutura variou de 3% (água) a 5% (telecomunicações). Os altos níveis de investimento nos primeiros anos de concessão, implícitos nos contratos, explicam em parte os baixos índices de lucratividade nas telecomunicações. No setor de eletricidade, a crise de energia de 2001 e o estímulo à redução do consumo contribuíram para menores retornos. O custo médio ponderado do capital (CMPC) variou entre 14% e 16%, com um custo do investimento (CE) estimado entre 19% e 24% – percentuais que são, em média, pelo menos duas vezes maiores do que nos EUA e no Chile. 25. Mais importante, talvez, seja notar que a volatilidade dos retornos indica que o investimento em infra-estrutura no Brasil é um negócio relativamente arriscado. O nível de risco desses investimentos é consistente com o de outros países da ALC, mas incompatível com os países da OCDE. Os serviços de infra-estrutura são, em geral, monopolistas e impõem baixo risco comercial aos investidores, se comparados a outros empreendimentos. A demanda por serviços de infra-estrutura tende a ser relativamente inelástica em termos de variação de preços e a estar vinculada ao crescimento econômico ou demográfico. Os ambientes de mercado monopolizados podem implicar retornos previsíveis por meio de regulação ou de contratos de longo prazo. Os contínuos gastos com operação e manutenção podem ser relativamente baixos e estáveis, quando um ativo de infra-estrutura já tiver sido desenvolvido, o que aumenta o potencial de fluxo de caixa livre. Por essa razão, nos países da OCDE, os investimentos nesse setor constituem alternativas de longo prazo e baixo risco/retorno para investidores conservadores. 26. O nível de risco se torna uma questão particularmente importante se o Brasil quiser atrair financiamento privado. O Brasil apresentou o quarto maior custo médio de capital e o quinto maior custo de capital próprio entre um grupo de 10 países latinoamericanos, segundo dados de 2004. Mais importante é observar que a diferença entre o CE (6%) e o CMPC (3%) médios do Brasil reflete o prêmio adicional exigido pelos investidores de renda variável por assumir riscos mais elevados do que os detentores de títulos da dívida pública. Esses resultados ilustram as dificuldades associadas à atração de investidores internacionais, especialmente fundos de pensão. Levando-se em conta os retornos comerciais esperados, níveis mais altos de risco tenderão a restringir ainda mais a disponibilidade de capital próprio para as concessões de infra-estrutura. 27. Apesar das perspectivas negativas de curto prazo, as concessões podem gerar retornos adequados no longo prazo. Para isso, contudo, os acionistas vão depender de várias fontes de remuneração (entre as quais dividendos, honorários de administração e ganhos de capital) e de superar sistematicamente o crescimento histórico do mercado 27 durante toda a duração de suas concessões. Embora a taxa interna de retorno (TIR) seja negativa – e, portanto, mais baixa do que o CPMC – para todos os países na amostra, a TIR com valor terminal (VT) está acima do CPMC médio, quando o crescimento futuro é pelo menos igual ao crescimento econômico histórico médio de cada país e o valor agregado residual é considerado. Esses resultados sugerem que as concessionárias operam com perspectivas de longo prazo e se baseiam no período integral de concessão para produzir um retorno adequado (Sirtaine et al., 2005). Figura 5. Retornos das concessões de infra-estrutura no Brasil (a) Retornos do capital investido e custo médio do capital, 1997-2003 (b) Retornos dos investimentos e custo do capital próprio, 1998-2003 18 30 16 25 14 20 12 15 10 10 8 5 6 4 0 2 -5 0 Energia ROCE Telecomunicações 1998 1999 2000 2001 2002 2003 -10 Água CPMC ROE – Energia ROE – Telec. ROE - Água COE - Energia COE – Telec. COE - Água Fonte: Elaboração dos Autores, com base em Sirtaine et al. (2005). Fonte: Elaboração dos Autores. 28. Os retornos inadequados dos investimentos em infra-estrutura, se comparados ao custo de oportunidade do capital, podem resultar da baixa lucratividade, do alto custo de oportunidade do capital ou de uma combinação de ambos. Esses fatores também afetam cada setor de maneira diferente e é improvável que apenas uma situação abranja todos os casos. Um dos elementos que contribuiu para retornos mais baixos dos serviços de infra-estrutura em 1998-2003 pode ter sido a desvalorização da taxa de câmbio em 1999. Pelo menos três outros fatores exerceram influência sobre a baixa lucratividade das concessões de infra-estrutura: (a) a má aplicação das políticas tarifárias, (b) a persistência das perdas não técnicas, especialmente nos setores de água e eletricidade, e (c) a crise de energia em 2001. Uma importante causa do baixo retorno dos financiamentos para infra-estrutura foi o alto nível de investimento requerido nos primeiros anos da concessão. 29. No entanto, existem sinais de que o custo de capital no Brasil pode ter sido reduzido nos últimos anos. Apesar de seus altos níveis, os dois indicadores do custo de capital (CE e CPMC) mostram sinais de um recente declínio. O Brasil apresenta um dos mais elevados custos de oportunidade de investimento em infra-estrutura entre os países da ALC (9 pontos percentuais acima do México e 10 pontos percentuais acima do Chile, em 2004). Os custos de capital para os três setores analisados se mantiveram estáveis de 28 1996 a 2001 e começaram a decrescer após 2001. Um fator positivo que contribuiu para a diminuição do custo de oportunidade do capital nas concessões de infra-estrutura foi a redução do prêmio do risco-país, que é o principal fator de discriminação para o CE e o CPMC. Existe uma perceptível correlação entre o CE e o prêmio do risco-país. Não surpreende que o CE nos setores de infra-estrutura brasileiros venha caindo desde 2001. O custo de capital, estimado pelo CPMC, segue o mesmo padrão do CE. Em especial, o decréscimo do CE após 2002 pode ser explicado pela redução da incerteza política associada às eleições presidenciais de 2002. 30. A redução do risco-país é uma razão para otimismo, porque poderá ser mais fácil para o Brasil atrair capital privado para seus projetos de infra-estrutura. Com um menor risco-país, o Brasil poderá obter ganhos significativos, por meio da criação de um ambiente regulatório estável para os investimentos em infra-estrutura. A estabilidade é essencial para que possam ser atingidos níveis adequados de retorno no longo prazo. Em condições ideais, essa estabilidade também deverá ser confiável e, por sua vez, irá requerer: (a) o fortalecimento do marco legal e das políticas do setor, (b) um melhor planejamento dos contratos, para evitar o excesso de renegociações, e (c) um nível mais alto de qualidade das agências reguladoras (governança regulatória), para que as leis e os contratos sejam cumpridos de modo mais adequado.8 31. Em termos do desempenho das empresas privatizadas, os melhores resultados foram relacionados ao aumento de sua eficiência técnica. No setor de eletricidade, a produtividade do trabalho (quantidade de energia distribuída por empregado) dobrou; no setor de água, as perdas na distribuição caíram 40%; e nas telecomunicações, o número de linhas instaladas por empregado aumentou quase cinco vezes, enquanto o número de chamadas incompletas decresceu 33%. A expansão da produção e a redução dos postos de trabalho levaram a ganhos de produtividade que, em sua maior parte, ocorreram durante o período de “transição”, quando as privatizações estavam sendo preparadas e implementadas. O ritmo desse crescimento sofreu uma significativa redução após esse período. 32. As melhorias no desempenho técnico e na cobertura também são consideráveis. A freqüência das interrupções na distribuição de eletricidade caiu 48% enquanto a parte digital da rede de telecomunicações cresceu 116%. À exceção da água, o ritmo da melhoria nos indicadores de qualidade diminuiu no período após a privatização. A cobertura dos serviços prestados pelas companhias desestatizadas foi ampliada. O atendimento aumentou 109% nas telecomunicações, 22% no abastecimento de água e 15% na distribuição de eletricidade, com esses dois últimos setores situados um pouco abaixo dos resultados para a região da ALC como um todo. Em parte, isso se deve aos maiores níveis de atendimento no Brasil antes da privatização, que tornaram as expansões posteriores do sistema mais caras e reduziram as margens de lucro para a ampliação das redes. O crescimento dos índices de cobertura se acelerou no período seguinte à privatização, possivelmente como conseqüência das metas estabelecidas nos contratos de concessão. 8 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 4, Seção 4.2. 29 33. As tarifas dos serviços públicos diminuíram quando calculadas em dólares americanos, mas aumentaram quando avaliadas na moeda local. Uma exceção é o preço da taxa de instalação da linha telefônica residencial, que foi reduzido após a privatização independentemente da moeda utilizada. Uma interpretação desse resultado é que a política tarifária previu uma indexação incorreta em relação ao dólar: suficiente para manter o valor dos serviços acima da média dos preços ao consumidor, porém insuficiente para garantir a sua total paridade com a divisa americana. Por comparação, os preços dos serviços na ALC aumentaram em termos reais tanto na moeda local quanto em dólares. A maior parte do aumento das tarifas se concentrou durante o período seguinte à privatização, provavelmente devido ao uso do IGP-M (um índice de preços muito próximo ao dólar americano) como referência para os reajustes das tarifas na maioria dos contratos de concessão. Tabela 2. Brasil: resumo dos efeitos da privatização sobre o desempenho das empresas de serviços públicos Setor Distribuição de eletricidade Produtividade do trabalho Perdas de distribuição Cobertura = = Telecomunicações fixas Preços (em Reais) Chamada de 3 minutos: Tarifas mensais: Taxa de instalação: Distribuição de água N.D. = Notas: = aumento. = redução. N.D. = não disponível. Os resultados de preços para o setor de água não foram significativamente altos (tamanho da amostra = 1). Veja mais detalhes no Volume II, Capítulo 4, Seção 4.2. Fonte: Elaboração dos Autores. 34. Embora a privatização tenha produzido resultados expressivos, a opinião pública se mostra frustrada com a provisão dos serviços de infra-estrutura. No Brasil, a oposição à participação privada nesse setor tem muitas causas. Em primeiro lugar, alguns observadores questionam o sucesso efetivo das reformas – ou seja, se a privatização melhorou a oferta dos serviços de infra-estrutura em termos de preço, qualidade e atendimento. A qualidade desses serviços é uma das principais queixas formais dos órgãos de proteção ao consumidor. Em segundo lugar, foram levantadas questões quanto às reformas terem levado a uma redução nos investimentos em infraestrutura e, com isso, restringido o recente crescimento econômico. O baixo nível de investimento nos últimos anos tem sido muitas vezes atribuído à estratégia fiscal conservadora, adotada em 1999, indicando desta forma que a retomada dos financiamentos para infra-estrutura no Brasil implicaria em um aumento de gastos do governo federal. No entanto, a administração nacional pode não estar disposta ou em condições de elevar significativamente as suas despesas no setor. 35. As percepções negativas da privatização podem ser causadas pela queda nas atividades econômicas. O descontentamento público pode estar ligado à frustração devido aos resultados não terem atendido às expectativas. Além disso, a percepção da 30 transparência do processo de privatização é provavelmente crucial para a formação da opinião pública. Em particular, as privatizações têm sido muitas vezes consideradas injustas, com ou sem razão. A teoria dos jogos mostra que as pessoas preferem não ganhar nada ao invés de aceitar um negócio cujo retorno seja menor do que a sua expectativa. Esse resultado, aparentemente pouco racional, combinado à percepção comum de que as concessionárias ou o governo possam ter se beneficiado desproporcionalmente, pode constituir a parte principal do paradoxo da privatização. Isso implica que os governos devem tratar com cuidado as percepções de justiça e significa não apenas que as operações de compra e venda devem ser transparentes, mas também que os procedimentos de privatização precisam ser utilizados de modo a afastar qualquer possível sentimento de injustiça.9 II. Como Revitalizar os Investimentos em Infra-estrutura no Brasil 36. Levando em conta a magnitude das necessidades, as restrições à redistribuição de gastos do governo e os impactos da expansão da dívida pública sobre a solvência de longo prazo, a revitalização dos investimentos em infraestrutura no Brasil precisará se apoiar largamente no financiamento privado. A criação de espaço fiscal para investimentos públicos é muito importante, mas, atualmente, a sua expansão está limitada pelos níveis de tributação e de despesas correntes, no contexto da rigidez orçamentária e do alto nível histórico de endividamento público. De acordo com Ferreira e Araújo (2006), a dívida pública é tão elevada que um aumento de gastos no setor, financiado totalmente por uma dívida adicional, resultaria em um acréscimo no coeficiente dívida-PIB no curto a médio prazo, colocando em risco a solvência do setor público e desencadeando aumentos nas taxas de juros para compensar os ganhos de receita futuros. Portanto, o País deveria evitar a retomada do financiamento público. 37. Além disso, as oportunidades de investimento privado parecem estar longe de se esgotar, embora tenham caído a menos de um quarto de seu nível máximo em meados dos anos 90, como conseqüência do desagrado dos investidores com os mercados emergentes. A participação privada é pequena no Brasil, se comparada a outros países da ALC e de outras regiões. Por exemplo, o investimento privado per capita em infra-estrutura no País está abaixo da metade do valor para a Malásia, enquanto no Chile essa participação no setor de geração de eletricidade é quase três vezes maior do que no Brasil. O abastecimento privado de água e saneamento está limitado a 5% dos consumidores em cerca de 70 municípios, entre mais de 5.000 municípios brasileiros. De acordo com a agência reguladora, a segunda fase do programa de concessão de rodovias passará à iniciativa privada cerca de 2.600 km de estradas, gerando em torno de US$9,3 bilhões, com mais 6.700 km em condições de serem repassados em breve às concessionárias. Uma questão central para os formuladores de políticas brasileiros, portanto, é como administrar melhor a participação privada em infra-estrutura de tal forma que o financiamento privado seja dirigido à oferta eficiente de serviços no setor. 9 Ver Fay e Morison (2005). 31 38. As concessões de infra-estrutura no Brasil poderão gerar retornos adequados apenas quando o período total de concessão for considerado. Estimular mais e melhores investimentos privados em infra-estrutura implica, conseqüentemente, em possibilitar que o investidor obtenha dividendos adequados no longo prazo. Isso requer, por sua vez, garantir um ambiente regulatório estável e convincente e tornar as concessões de infra-estrutura um negócio de baixo risco/retorno. Levando em conta esse objetivo, o Brasil precisará concluir o marco legal e as políticas para setores selecionados, aperfeiçoar o desenho dos contratos visando evitar renegociações excessivas e melhorar a qualidade das agências reguladoras (governança regulatória). A. O marco legal e as políticas 39. Um marco legal estável e eficiente reduz os incentivos ao comportamento oportunista do Estado e protege os consumidores do abuso de poder das firmas operadoras. Isso leva à redução do risco regulatório e à oferta adequada de serviços de infra-estrutura. Políticas estáveis e bem definidas também são importantes, porque afetam a lucratividade dos investimentos no setor. A oferta de serviços de infra-estrutura compartilha semelhanças com os problemas atribuídos à provisão de bens públicos puros: as economias de escala e de escopo e as externalidades distorcem a fixação de preços e a competitividade, tornando inútil o planejamento. Os parágrafos a seguir analisam o ambiente regulatório de cada setor e discutem os desafios a serem enfrentados para melhorar o marco legal e as políticas. A Tabela 2 resume os principais obstáculos jurídicos e de políticas.10 40. Telecomunicações. O ambiente regulatório das telecomunicações no Brasil é provavelmente o mais completo. O desafio consiste no desenvolvimento de uma estratégia para eliminar os subsídios cruzados, sem prejudicar os atuais níveis de cobertura. A expansão e a universalização dos serviços de telecomunicação foram obtidas em grande parte por meio de algum nível de subsídios cruzados entre os serviços. Devido às metas de universalização, parte das instalações das concessionárias de telefonia fixa não é lucrativa. Os titulares das concessões estão preocupados com a provável adoção de medidas para promover a concorrência sem a revisão das metas de universalização. As concessionárias de serviços acreditam que suas concorrentes irão adotar estratégias para atrair os melhores consumidores, “roubando-lhes” os clientes lucrativos. Por isso, as operadoras sustentam que as metas de universalização dos serviços não são viáveis e sugerem suas revisões ou substituições por um novo conjunto de objetivos. Do ponto de vista da políticas para o setor, ainda não existe nenhuma decisão sobre o modo de usar os recursos do Fundo de Universalização para os Serviços de Telecomunicações (FUST), criado em 1998. 41. Eletricidade. Nos últimos três anos, o Brasil adotou um novo modelo conceitual para o setor de energia elétrica com o objetivo de aumentar o fornecimento de eletricidade. O padrão adotado em 2003 centraliza a compra de energia elétrica das companhias de distribuição em leilões unificados, visando aumentar a estabilidade da 10 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 5. 32 oferta e o poder de barganha dos distribuidores, para reduzir os preços ao consumidor. Essa medida não cria um comprador único, mas uma importante característica da nova estrutura é que a função progressiva do mecanismo de preço e concorrência, que era prevista no modelo utilizado antes da crise de energia, foi virtualmente abandonada. No entanto, a transição para o novo padrão também gerou “custos irrecuperáveis”, porque impõe um tratamento diferenciado para as aquisições de energia “nova” e “velha” (de usinas existentes ou amortizadas). A expansão do mercado se dará por meio de novos investimentos, excluindo, portanto, os antigos investidores. Isso cria um fator de sustentabilidade para o modelo, porque os novos investidores tomarão decisões com base nas avaliações das condições presentes, da credibilidade do governo e de seu comportamento anterior. Se as regras atuais penalizarem os antigos investimentos, os potenciais investidores poderão ficar desestimulados a entrar no mercado. 42. Um importante obstáculo regulatório é a falta de incentivo para a incorporação da resposta à demanda no processo decisório do setor. Os leilões se basearão nas projeções de demanda futura das companhias de distribuição (DISCOs). Além disso, o sucesso do modelo de comprador único está de alguma forma comprometido, porque o governo ainda controla 75% da geração de energia (hidrelétrica e “energia velha”). Quanto ao aspecto positivo, a reforma preservou as instituições estabelecidas pelo antigo modelo e criou a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que tem como objetivo o planejamento a longo prazo do setor no Brasil. O primeiro leilão de “energia nova” ocorreu em dezembro de 2005, com o objetivo de comprar eletricidade para suprir a previsão do aumento da demanda em 2008, 2009 e 2010, mas seus resultados foram contraditórios. O leilão não conseguiu atingir o total da carga prevista para 2008 e 2009 e a maioria dos investidores privados não participou, enquanto as empresas estatais tiveram um papel preponderante. Além disso, seu efeito não minimizou o custo de expansão do sistema, porque o leilão envolveu a compra de energia térmica, cujo valor é mais alto do que o da hidrelétrica. De modo geral, os resultados sugerem que a estrutura e as regras dos leilões devem ser revistas para que sua abordagem inclua a expansão pelo menor custo e possa atender integralmente à estimativa de demanda. 43. Por fim, o desempenho do Brasil quanto ao cumprimento dos contratos não é bom no setor de energia.11 O planejamento e a exigência de contratos são relativamente novos no setor e apenas com a reforma de 1988 se tornaram o elemento de ligação entre as diversas peças de um sistema verticalmente desintegrado. Apesar do progresso feito desde essa época, ocorreram muitas disputas. Entre os exemplos, podemos citar o grande volume de débito das empresas geradoras estatais ao Mercado Atacadista de Energia (MAE), que reduziu a liquidez do mercado no final de 2000. Durante as discussões sobre os ganhos e perdas resultantes da crise de 2001, muitas regras e cláusulas contratuais foram contestadas, envolvendo grandes somas de recursos. No período após o 11 Antes das reformas no final da década de 90, não havia a tradição de se estabelecer contratos de aquisição de energia entre compradores e vendedores, porque todas as companhias eram estatais. Além disso, qualquer questão relativa a direitos de propriedade era resolvida por um fórum administrativo, coordenado pela Eletrobrás, que se baseava em normas colaborativas. Essas funções foram absorvidas pelo Operador Nacional do Sistema e pelo Mercado Atacadista de Energia. No entanto, essas novas entidades não tratam de disputas sobre contratos, exceto aquelas decorrentes da interpretação do Código de Rede e das Regras do Mercado. 33 racionamento, ocorreram outras tentativas unilaterais das usinas geradoras de energia térmica de quebrar contratos e importar energia, que abrangeram quantias substanciais. Os investidores também acreditam que os mecanismos de aplicação dos contratos são ineficientes, porque o sistema judiciário é lento e não está preparado para lidar com as nuances da área de energia. Recentemente foi sugerida a criação de um tribunal especial para tratar de assuntos relativos ao setor.12 44. Gás natural. O ambiente institucional para investimentos em gás natural se caracteriza por contratos mal planejados e pelo acesso inadequado aos gasodutos. O risco assumido nos contratos estabelecidos entre a Petrobrás e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) – que respondem por uma grande parte do fornecimento de gás natural ao Brasil – foi transferido para os distribuidores locais e destes para os Independent Power Providers (IPPs). Isso resultou em contratos de abastecimento que são inadequados à operação das usinas térmicas em um sistema predominantemente hidrelétrico. Além disso, os contratos de fornecimento de gás natural para geração térmica não contemplam o desenvolvimento de mercados secundários. Finalmente, os gasodutos – principais meios de transporte das grandes reservas de gás natural para o Brasil – são controlados pela Transpetro, subsidiária da Petrobrás. O acesso aberto é determinado por lei e as regras são estabelecidas pela agência reguladora do setor. Contudo, a aplicação dessas normas foi extremamente complicada e onerosa, e os potenciais participantes impetraram sucessivas ações judiciais ou divulgaram publicamente suas contestações. Um novo projeto de lei para reformar o sistema e estabelecer o mais que necessário acesso aos gasodutos está sendo debatido no Congresso. 45. De modo geral, o segmento de gás natural ainda não dispõe de uma estratégia de longo prazo baseada em uma política sobre a composição da geração de energia no Brasil. Para isso, é necessário desenvolver uma fonte de energia que não dependa das condições climáticas, como é o caso da geração de energia hidrelétrica. Essa questão também está relacionada ao custo ambiental e social da expansão do sistema, levando-se em conta as áreas onde seriam instaladas as usinas hidrelétricas. Por esta razão, o Congresso iniciou o debate sobre um novo marco jurídico para o setor de gás natural (PLS No. 226/2005).13 46. Portos. As reformas foram interrompidas nos últimos anos após significativas melhorias. Embora as companhias portuárias tenham sido incluídas no programa de privatização desde 1996, não existe ainda um claro consenso sobre a continuidade de sua descentralização e/ou privatização. Como resultado, vinte portos – inclusive os de Santos e Rio de Janeiro – continuam sob o controle federal por meio de oito companhias marítimas. Essas empresas estão altamente endividadas e enfrentam numerosos processos judiciais ligados a questões trabalhistas e restrições decorrentes de suas inclusões no programa de privatização. Devido a essas dificuldades, essas companhias continuam impossibilitadas de cumprir suas novas responsabilidades como Autoridades Portuárias, inclusive fazer investimentos em modernização e manutenção. A mão-de-obra portuária 12 Ver a Tabela 5.2.1. Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Seção 5.2. 13 Ver o Quadro 2. Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Seção 5.2. 34 ainda é responsável por uma grande parte do alto custo do manuseio de carga nos portos brasileiros e não está completamente adaptada à mecanização dos portos. 47. Sob o ponto de vista regulador, embora a Lei de Modernização dos Portos e a Lei de Reestruturação do Setor de Transportes estabeleçam normas para a nova organização do setor, ainda existem dúvidas quanto às atribuições de muitas instituições (autoridades portuárias e seus conselhos, companhias docas e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ, por exemplo).14 A concorrência entre os portos foi negligenciada porque cada companhia pública arrendava os terminais de modo independente e de formas diferentes. As questões regulatórias e de concorrência também ainda estão pendentes: a propriedade cruzada entre os terminais nos Portos de Santos e do Rio de Janeiro afeta os incentivos à concorrência interportuária e tem sido limitada nos portos (intraportuária) devido ao número reduzido de operadores privados, à verticalização e ao comportamento não-competitivo das empresas dominantes. Em 2004, a Agenda Portos identificou os obstáculos físicos mais significativos no sistema e definiu as principais prioridades para investimento em 11 grandes portos. O setor privado vem investindo pesadamente em instalações e equipamento nos terminais, mas os avanços têm sido lentos quanto a maiores investimentos públicos. Levando-se em contas as ineficiências apontadas pela Agenda Portos, o Brasil precisa estabelecer uma ampla estratégia para enfrentar os principais entraves regulatórios e de políticas se quiser estimular a participação privada em seu sistema portuário. 48. Rodovias. Uma ampla reforma institucional e de políticas foi iniciada nos anos 90 no setor rodoviário, com os seguintes objetivos: (i) a transferência de seções de estradas, com tráfego suficiente, para concessionárias privadas e a recuperação parcial ou integral dos custos de operação, manutenção e modernização por meio da cobrança de pedágios diretamente dos usuários; (ii) a reclassificação da malha rodoviária, mantendo apenas as principais estradas inter-regionais e interestaduais de interesse nacional sob jurisdição federal e transferindo aos estados aquelas de interesse local; e (iii) a contratação de serviços combinados de reabilitação e manutenção de rodovias no restante da malha, por meio de contratos de longo prazo com base em resultados (Contratos de Manutenção e Reabilitação de Rodovias, CREMA), devendo as empresas contratadas se responsabilizar pelo cumprimento de níveis específicos de serviço. 49. Avanços foram obtidos, mas o ritmo das reformas diminuiu nos últimos anos. Cerca de 5.000 km de rodovias, correspondendo a 8% das estradas federais pavimentadas, estão sendo repassadas às concessionárias. No entanto, a segunda fase do programa de concessão de rodovias federais, compreendendo em torno de 2.500 km, foi adiada há mais de cinco anos devido a conflitos legais e burocráticos. Foram assinados acordos com 14 estados para a transferência de 14.000 km de rodovias federais em 2006, mas sua implementação ainda não foi concluída. Em uma tentativa de adiantar o projeto de descentralização, o governo federal reabriu as negociações com os estados em 2005 sobre o montante de recursos federais necessários à manutenção e às melhorias nas condições das estradas a serem transferidas. Além disso, a lei que deveria reclassificar a 14 Leis No. 8.630/1993 e No. 10.233/2001, respectivamente. 35 malha rodoviária e fornecer a base legal para os acordos de descentralização ficou paralisada no Congresso durante anos. 50. Ferrovias. A maioria dos obstáculos regulatórios e operacionais herdados do processo de privatização das ferrovias foi abordada nos últimos anos. A reorganização do setor foi iniciada com a reestruturação da propriedade. Como não havia restrições à aquisição de ações pelos grandes usuários ou fornecedores, ou à participação de diferentes operadoras, surgiram vários problemas de governabilidade que afetaram o desempenho do setor. Por exemplo, a estrutura comercial, às vezes integrada de forma vertical, que emergiu dessa composição de propriedade, favoreceu o abuso de poder (por meio da discriminação de preços, do bloqueio de acesso e do racionamento do serviço) e inibiu a conectividade, prejudicando a viabilidade econômica das concessões e a disponibilidade de novos recursos para investimentos. 51. O processo de reestruturação de propriedade foi complementado pela reorganização operacional, consolidada por diversas resoluções da agência reguladora do setor. A malha ferroviária brasileira era historicamente fragmentada e a privatização consolidou esse processo, subdividindo a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA) em seis monopólios geograficamente dispersos. A segmentação operacional limitou o volume do transporte de carga e reduziu a competitividade do setor em relação a outros meios de transporte, o que afetou sua sustentabilidade financeira. Com a implementação da reforma, melhoraram os resultados financeiros e operacionais do setor ferroviário brasileiro: o transporte de cargas aumentou 9,6% e os investimentos cresceram 66,2% em 2003-04. 52. Água e saneamento. Um importante obstáculo à participação privada no setor de água e saneamento está relacionado à incerteza sobre o poder concedente. A Constituição brasileira (artigo 175) determina que os serviços de água e saneamento devem ser prestados por um órgão público, de modo direto ou por meio de concessões ou permissões. A Carta Magna também atribui a responsabilidade sobre o fornecimento de serviços públicos de “interesse local” (artigo 30) aos municípios e transfere aos estados a competência sobre os serviços de “interesse comum” nas áreas metropolitanas. A controvérsia está relacionada à diferença entre as definições jurídicas de interesse “local” e “comum”.15 O problema do poder concedente é ampliado pelas mudanças na receita relativa, causadas pela transferência de propriedade dos direitos de concessão. Teoricamente, seu impacto deveria ficar restrito às áreas atendidas pelos sistemas integrados, sem obstruir completamente os investimentos privados em outras regiões. Independente da solução adotada para o problema do poder concedente nas regiões metropolitanas, o Brasil terá que tratar da questão da amplitude – e da criação de mecanismos que propiciem uma escala ideal por meio da aglomeração – para que os municípios menores sejam atendidos. Como esses municípios são em geral mais pobres, 15 “Interesse local” tem sido caracterizado em geral como um sistema isolado de abastecimento de água e saneamento. Com base nisso, um município que tenha a sua própria fonte de água, reservatórios e usinas de tratamento, meios de distribuição e instalações de coleta e tratamento de águas servidas em seu território teria direito a fazer concessões de serviços de água e saneamento. Pela razão oposta, os municípios nas regiões metropolitanas não poderiam deter direitos de concessão, que devem pertencer ao estado correspondente. Essa proposta foi recentemente contestada na Justiça sem sucesso. 36 será necessário abordar as questões relacionadas aos níveis adequados de tarifas (capacidade de pagamento) e subsídios. A Lei dos Consórcios, recentemente aprovada, estabelece um marco legal adequado para a associação entre municípios que buscam economias de escala.16 53. O objetivo de atrair o capital privado para o setor de água e saneamento no Brasil também requer uma melhor definição do marco regulatório. Diversas companhias estatais operam sob contratos de concessão precários, os principais fatores econômicos – como os níveis de investimento e as tarifas – são controlados pelos governos estaduais e a interferência política é freqüente e recebe apoio judicial, como é ilustrado pelo conhecido caso de Limeira (SP). Dois projetos de lei estão sendo analisados no Congresso, um dos quais apresentado pela atual Administração.17 Embora ambos tenham abordado os aspectos regulatórios, nenhum deles atribui claramente os direitos de concessão nas áreas atendidas pelos sistemas integrados. Mais importante, ao permitir que os municípios estabeleçam diretamente os direitos de concessão às companhias estaduais, a Lei de Consórcios poderá desestimular a participação privada. 54. Um progresso significativo também foi alcançado no campo de licenciamento ambiental. O sistema de licenciamento ambiental brasileiro é provavelmente o mais organizado entre os países em desenvolvimento, podendo também, no entanto, ser burocrático e impedir os projetos de infra-estrutura. Até recentemente, os procedimentos governamentais trataram as questões ambientais fora do processo de planejamento – o que estimulou os litígios subseqüentes e introduziu um risco regulatório ainda maior. Em 2005, o governo elevou o exame da questão ambiental a um patamar “superior” no processo de concessão, determinando que os novos contratos podem ser estabelecidos apenas mediante a apresentação de uma licença prévia válida, que é exigida pelas agências reguladoras ambientais antes do início de novos projetos. Embora ainda existam providências a serem tomadas para tornar mais abrangente o processo de compatibilidade, essa inovação tende a reduzir o risco ambiental para os investidores privados. 55. Outra questão que afeta o risco dos projetos de infra-estrutura é a revisão das decisões regulatórias pelos tribunais. As disputas entre operadores privados e reguladores devem ser resolvidas pelos Tribunais de Justiça, como ilustram diversos casos em que juízes decidiram sobre o reajuste de tarifas adequado para distribuição de eletricidade, as concessões de rodovias e os serviços de água e saneamento. Esse procedimento pode não ser apropriado porque os tribunais não dispõem de conhecimento técnico e, historicamente, tendem a privilegiar a justiça social em detrimento da aplicação do contrato. No entanto, de modo gradual, está sendo formada jurisprudência na qual os tribunais evitam mudar a substância da decisão tomada pelo regulador. Embora a revisão judicial das determinações administrativas seja necessária para garantir a confiabilidade das medidas regulatórias, a adoção de mecanismos alternativos pode ser menos incômoda e arriscada para todas as partes envolvidas. 16 Lei No. 11.107/2005. PLS No. 155/2005 e PL No. 5.296/2005. Veja uma comparação dos projetos de lei na Tabela 5.4.1, no Volume II, Seção 5.3. 17 37 B. Renegociação de contratos 56. Um marco regulatório completo (legal e de políticas) pode não ser suficiente para reduzir o risco e facilitar os investimentos privados, se os contratos de concessão forem mal planejados e estimularem comportamentos oportunistas dos setores público e privado. Os investimentos em infra-estrutura têm altos custos irrecuperáveis, que não são facilmente recompostos quando há deterioração do ambiente econômico e podem levar o governo a assumir um comportamento oportunista, fazendo com que tome medidas reguladoras que expropriem a quase-renda disponível. Essa possibilidade é uma importante fonte de risco regulatório, que afeta os níveis de investimento privado, o custo de capital, as tarifas e os subsídios públicos, porque são necessários prêmios adicionais para cobrir o risco. Não é apenas o governo que pode assumir esse comportamento oportunista.18 Para compreender melhor a dinâmica e os efeitos da renegociação das concessões no Brasil, a experiência recente foi analisada.19 18 Quando uma empresa recebe uma concessão ou franquia no setor de infra-estrutura, ela poderá, por sua vez, tomar medidas para “achacar” o governo, insistindo, por exemplo, na renegociação do contrato ex post ou por meio da captura regulatória, com o objetivo de cobrar tarifas excessivas dos usuários, em detrimento da eficiência. 19 Os resultados se baseiam em uma amostra contendo mais de 80 contratos de concessão nos setores de telecomunicações, energia, transporte, água e saneamento, apresentados em uma tabulação especial preparada para este relatório, a partir do conjunto de dados utilizados por Guasch (2004). 38 Setor/Principais questões Telecomunicações Reduzir os subsídios cruzados sem prejudicar os níveis de cobertura Tabela 3. Resumo das questões referentes aos principais setores Explicação Detalhada A expansão e a universalização dos serviços por meio de subsídios cruzados (consumidores de alta renda + taxas de interconexão); as operadoras estão preocupadas com o estímulo à competitividade sem a revisão das metas universais (poderia ser utilizado o financiamento do FUST) Posição do Governo Não existe nenhuma política de investimento para o uso dos recursos do FUST Próximas etapas essenciais Considerar o uso do FUST para reduzir os subsídios cruzados Eletricidade: Os geradores privados se sentem ameaçados pelas mudanças na lei do setor As mudanças nas regras não preservam todos os direitos das concessões de energia hidrelétrica, que podem afetar a taxa de retorno das usinas em construção; o primeiro leilão para compra de “energia nova” não foi completamente bem-sucedido Aguardando os primeiros resultados do novo modelo; o primeiro leilão não apresentou os resultados esperados Alinhar os incentivos dos leilões com a participação privada/ ampliar a divulgação de informações ao público sobre a expansão dos sistemas (projeto da EPE) Gás natural: Definição da política para estabelecer o papel do gás natural e do acesso aos gasodutos A otimização do setor de gás e de energia hidrelétrica (ambos mercados voláteis) na geração térmica ainda não foi concluída; o alto custo fixo do desenvolvimento da infra-estrutura de gás ainda precisa ser amortizado; a Petrobrás monopoliza as operações dos gasodutos e do transporte de gás (além de ser acionista de algumas usinas térmicas e de companhias de distribuição) Projeto de lei (PLS No. 226/2005) que propõe uma nova estrutura institucional para o setor de gás natural está em discussão no Congresso Aprovar a revisão da lei para o setor e definir o papel do gás natural na política de energia brasileira Portos: Interrupção das reformas A reforma (privatização, estímulo à concorrência e descentralização) foi interrompida devido à ausência de políticas e diretrizes claras; as companhias portuárias não foram privatizadas; a propriedade cruzada entre terminais e o número limitado de operadoras diminui a concorrência inter e intraportuária, respectivamente; persistem as questões trabalhistas (alto número de ações trabalhistas e compensações excessivas); funções regulatórias mal definidas A Agenda Portos de 2004 não foi inteiramente implementada; o programa de contratação de companhias das docas está sendo implementado (beneficia 4 portos) Melhorar a governança corporativa das companhias das docas/concluir a reforma trabalhista/esclarecer as competências dos reguladores Rodovias: Falta da definição de uma política para o setor Reformas para solucionar os problemas que surgiram com a eliminação do fundo rodoviário e melhorar a política de manutenção; o acordo com os estados para a transferência das rodovias nem sempre foi implementado; a gestão e execução dos contratos ainda é ineficiente; o DNIT não exerce as suas funções com eficiência Aguardando a próxima fase de concessões/aperfeiçoamento da capacitação institucional para a gestão da manutenção e reabilitação de rodovias Implementar a segunda fase do programa de concessões/efetivar a descentralização/ concluir a capacitação do DNIT. Ferrovias: Atrair uma nova onda de investimentos privados A reforma do setor foi bem-sucedida: a privatização foi implementada em meados dos anos 90, mas a estrutura de propriedade confundiu os interesses dos acionistas e das companhias; desde 2003, as resoluções da ANTT tratam dos obstáculos operacionais e de propriedade Agilizar o processo de concessão Água e saneamento: O marco legal para o setor ainda não foi definido Incertezas sobre os direitos legais das concessionárias em relação à oferta de serviços de interesse “comum”; faltam órgãos regulatórios apropriados; ambiente institucional ineficiente; economias de escala não têm sido consideradas na provisão de serviços (Brasil: 35% da população residem em 90% dos municípios) Concluída a reestruturação; a ANTT aprimorou a metodologia do cálculo das tarifas de interconexão e aumentou o seu apoio ao transporte intermodal A Lei de Consórcios (No. 11.107/2005) permite que as companhias estatais recebam concessões dos municípios; 2 projetos de lei (PL No. 5.296/2005 e PLS No. 155/2005) para o setor estão sendo discutidos no Congresso Energia Transportes Fonte: Elaboração dos Autores. 39 Aprovar a lei do setor Melhorar a governança corporativa das empresas estatais Estimular concessões/PPPs que abranjam escala e subsídios eficientes em termos de custo 57. Renegociações. O Brasil apresentou uma maior proporção de renegociações de contratos de concessão (41%) do que a ALC (30%), com maior freqüência nos setores de água e saneamento (100%) e transportes (57%) – um padrão também encontrado na região. A maioria das renegociações (cerca de três quartos) foi iniciada pelo governo (federal ou estadual), comparada a um quarto na ALC, indicando que os ciclos eleitorais afetaram a estabilidade dos contratos no País. O tempo médio até a primeira renegociação é menor no Brasil do que na ALC. As renegociações ocorreram devido às revisões de tarifas e mudanças nos planos e necessidades, ao contrário da ALC, onde as crises macroeconômicas foram mais importantes do que os outros dois fatores. No Brasil, todas as renegociações resultaram em mudanças nos planos de investimento ou nas tarifas, não tendo sido registrado nenhum caso de cancelamento ou de retomada da concessão pelo governo. Na ALC, quase um terço das renegociações resultaram na volta do controle para o governo, no cancelamento ou em uma nova concessão. Dessa forma, é possível que tenha havido uma maior incidência de renegociações no Brasil em um período mais curto de tempo do que na ALC como um todo. Embora as renegociações de contratos não possam ser consideradas negativas em si, o fenômeno no Brasil pode ser um sintoma de contratos mal elaborados e uma explicação para as taxas inadequadas de prêmio de risco dos projetos de infra-estrutura (ver a Tabela 3). Quais são as suas possíveis causas? 58. O regime regulatório. A ocorrência de renegociações é menos provável quando há um órgão regulador independente, porque a existência de um árbitro tecnicamente preparado reduz o ganho previsto nas estratégias oportunistas. No Brasil, todos os contratos em setores em que não existia um órgão regulador foram renegociados, em comparação a um quinto dos contratos em segmentos sob controle regulatório. (Na ALC, essas proporções foram de 61% e 17%, respectivamente.) Além disso, a renegociação se tornou mais provável quando o marco regulatório era estabelecido no contrato, ao invés de inscrito em uma lei, porque uma base legal mais forte diminui a possibilidade de obtenção de melhores resultados em termos de lucratividade. No Brasil, nenhum caso de contrato com regras estabelecidas por lei foi renegociado, se comparado a 41% dos casos em que as normas foram incorporadas ao contrato. Finalmente, o estabelecimento de regras para a taxa de retorno parece reduzir as renegociações porque o custo das potenciais situações adversas é pago pelo consumidor. Com a regulação por teto de preços, o risco é assumido pelo operador e, conseqüentemente, um processo de renegociação será acionado para restaurar o equilíbrio financeiro da concessão. O Brasil utilizou mais o método do teto de preços do que o restante da ALC, e essa postura mais arriscada pode explicar em parte a maior incidência de renegociações no País do que na região. Como os limites de preço também são o modelo predominante de regulação na ALC, outros fatores podem elucidar essa discrepância. 59. O critério e o planejamento das concessões. Além das questões regulatórias, as renegociações se tornaram mais prováveis quando os contratos de concessão se basearam na menor tarifa, em vez da maior taxa de concessão. Isso ocorre em parte porque a tarifa mínima impõe poucos compromissos “irrecuperáveis” à concessionária, reduzindo o custo do comportamento oportunista. No Brasil, 95% dos contratos concedidos pela menor tarifa foram renegociados (60% na ALC). Por comparação, 5% dos contratos concedidos pela maior taxa de transferência foram renegociados no Brasil (11% na ALC). O planejamento das concessões pode estimular as renegociações quando as 40 questões relacionadas à viabilidade econômica e à expansão/cobertura não são tratadas de modo adequado como indica a sua freqüência, motivada por mudanças nos planos de tarifas ou de investimento no Brasil. Por exemplo, um grande investimento pode ter contribuído para um aumento no valor do pedágio nas rodovias estaduais do Paraná, que acionou uma renegociação de contrato pelo novo governo eleito. Embora outros fatores, tais como o controle do sistema de fixação de preços que acrescenta ao custo incorrido um percentual ou montante fixo (cost-plus), possam ter exacerbado esse resultado, o fato é que um plano de investimento menos ambicioso teria resultado em tarifas de pedágio mais baixas, reduzindo as oportunidades de intervenção política. A difícil compensação entre cobertura e tarifas é essencial no setor de água e saneamento, podendo ser atenuada por meio de mecanismos dirigidos com base em resultados. 60. Os contratos de concessão devem ser melhor elaborados para evitar o excesso de renegociações. As renegociações podem constituir um bom instrumento para abordar as falhas nos contratos de concessão, mas as características dessa atividade no Brasil sugerem que foram cometidos excessos, motivados mais por comportamentos oportunistas do que pelas chances de ganho mútuo. Em sua forma ideal, a renegociação deveria ocorrer apenas quando for justificada por contingências especificadas no contrato ou por importantes eventos inesperados. Seu objetivo deveria ser melhorar o desenho das concessões para garantir a eficiência do setor no longo prazo, estimulando o cumprimento das condições acordadas entre o governo e a operadora. 61. O planejamento dos contratos de concessão se torna ainda mais complicado, pela definição dos seus objetivos e da alocação de riscos. Por exemplo, a meta de garantir uma maior cobertura, em especial para os pobres, reduz muitas vezes a recuperação do custo do projeto e envolve o uso de subsídios públicos, aumentando o risco regulatório e o custo do capital. Embora os investidores em projetos de infraestrutura nos países em desenvolvimento possam aceitar riscos maiores para obter retornos mais elevados, existem algumas formas de risco que os investidores privados relutam em assumir, porque não conseguem administrá-las de modo adequado e porque podem envolver grandes perdas potenciais. As flutuações da taxa de câmbio e os riscos regulatórios são, em geral, transferidos para os governos. Se os governos devem assumir esse risco é uma questão a ser discutida.20 62. Um fator que contribuiu para a menor lucratividade dos serviços de infraestrutura em 1998-2003 pode ter sido a desvalorização da taxa de câmbio em 1999. Ao contrário da maioria dos países da ALC, os preços dos serviços de telecomunicações, energia e água diminuíram em termos reais quando medidos em dólares americanos e aumentaram substancialmente quando avaliados na moeda local. Essa dicotomia pode ser explicada, pelo menos em parte, por uma falha na indexação à moeda americana, que tomou como base o IGP-M e foi utilizada na maioria dos contratos de concessão, revelando que esse índice foi um substituto inadequado da proteção financeira 20 Ver Mas (1997). 41 tradicional, o que enfatiza a necessidade de uma abordagem adequada das questões de risco cambial nos futuros contratos de concessão.21 63. Um segundo fator que contribui para a baixa lucratividade dos investimentos em infra-estrutura é a má aplicação das políticas tarifárias. Isso pode ocorrer devido a falhas na legislação do setor ou nos contratos de concessão. Por exemplo, as telecomunicações apresentam melhores taxas de retorno do que outros setores, o que não pode ser considerado uma surpresa, porque o seu ambiente regulatório é o mais estável e consolidado – na verdade, foi estabelecido antes da privatização. No setor de água, o outro extremo, o ambiente regulatório não é adequado e os contratos estão sujeitos a interferências políticas sistemáticas.22 Tabela 4. Brasil: a parte dos contratos de concessão que iniciou as renegociações nos setores de transporte e água Setor Concessionária Governo Transportes 0 32 Água 22 28 Total 22 60 Fonte: Elaboração dos Autores, com base em Guasch (2004). Total 32 50 82 64. Um terceiro fator pode ser a persistência de perdas não técnicas, especialmente nos setores de água e eletricidade. A Light, companhia distribuidora de eletricidade na cidade do Rio de Janeiro, afirma que 30% da energia distribuída é roubada em instalações clandestinas. A companhia de água e saneamento do Estado de São Paulo (SABESP) sofreu perdas econômicas que atingiram RS$ 48 milhões em 2003 devido às redes ilegais, apenas na região metropolitana da cidade de São Paulo, o que correspondeu a 1,2% do lucro da companhia ou a 45,7% de seus investimentos em 2004. 65. Outra importante causa da baixa lucratividade das concessões de infraestrutura é o alto investimento inicial. Além disso, à medida que a expansão das redes atinge áreas mais distantes, o lucro das companhias de distribuição privatizadas tende a diminuir ainda mais. No Brasil, as empresas de telecomunicações locais estabeleceram metas de expansão ambiciosas nos primeiros anos posteriores à privatização: o número de telefones fixos por 100 habitantes aumentou de 8,5 em 1994 para 27,8 em 2003. As metas de universalização também foram adotadas nos setores de água e energia, mas em escalas bem menores.23 No caso da ALC, os níveis médios de investimento nos primeiros anos, como parcela da receita total, variaram de 21% no segmento de energia a 32% no de água. À medida que os níveis de investimento se estabilizam ao longo do tempo, a lucratividade das concessões tende a aumentar. 66. As definições adequadas das metas de cobertura e de alocação de riscos, especialmente cambial e regulatório, continuarão provavelmente a ser a questão central quanto à atração do capital privado para investimento em infra-estrutura, 21 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Capítulo 4, Seções 4.1 e 4.2. ver o capítulo sobre Regulação e Renegociação de Contratos. 23 Para o caso da ALC, veja Sirtaine et al. (2005). 22 42 apesar de alguns importantes avanços recentes. Em particular, a nova Lei de PPP prevê garantias no caso de o governo deixar de cumprir suas obrigações financeiras estabelecidas em qualquer contrato de PPP, mas não contra riscos regulatórios. Em 2005, a discussão preliminar no âmbito da administração federal, que considerou a possibilidade de substituir o IGP-M por indicadores de custo em setores específicos, pode ser uma boa estratégia para eliminar o sistema de cálculo implícito e imperfeito que existia nos contratos indexados pelo IGP-M, mas não resolve totalmente o problema do risco cambial. A segunda fase da concessão de rodovias incluirá provavelmente procedimentos que desestimulam as propostas estratégicas feitas por operadores oportunistas, mas não protegem os investidores sérios contra o risco regulatório e o comportamento manipulador do setor público. C. Governança regulatória 67. Como em muitos outros países, os órgãos que estabelecem as regras para o setor de infra-estrutura foram criados no Brasil com o objetivo de aumentar a credibilidade do compromisso de longo prazo do governo de honrar os direitos de concessão. No entanto, esse objetivo poderá ser alcançado somente quando a governança regulatória for adequada, ou seja, dispor de (a) autonomia para exercer com eficiência os poderes estabelecidos pelo seu estatuto, (b) um processo decisório que garanta a consistência e evite arbitrariedades, (c) acesso aos meios e instrumentos regulatórios apropriados para tomar medidas e fazer cumprir as suas determinações, e (d) confiabilidade. A má governança regulatória leva à implementação incorreta de normas e contratos de concessão, influenciando o coeficiente entre risco e retorno dos projetos de infra-estrutura (ver a Figura 6). O atual estado da governança regulatória no Brasil foi avaliado em um estudo preparado para este relatório, com base nos resultados de uma pesquisa feita junto a 21 agências federais e estaduais, resumido a seguir.24 68. Autonomia. Em quase todos os casos, os reguladores da infra-estrutura têm poder para controlar as tarifas e a maioria dos atributos formais da autonomia política já foram estabelecidos. A autonomia é concedida por lei a quase todas as 21 agências reguladoras pesquisadas. Com exceção de 6 agências estaduais, existem restrições legais à dispensa de diretores. Na maioria dos casos, esses executivos têm mandatos por tempo determinado, que não coincidem com os mandatos do governo. No entanto, os atributos formais nem sempre se traduzem em resultados efetivos. Entre os diretores, um terço não terminou o seu mandato. Treze agências apontaram que os ministérios ou os governos estaduais interferiram em seus processos decisórios, com maior incidência no nível estadual. Em relação à autonomia financeira, a maior parte dos reguladores afirma que teve a sua receita contingenciada pelo Executivo. Isso causou impactos negativos “muito elevados” (46,2%) ou “elevados” (30,8%) nas operações das agências. 69. Processo decisório. De acordo com a lei, a maioria dos reguladores (18 em 21) é solicitada a documentar formalmente o processo decisório, detalhando as ações de cada agente envolvido. No entanto, apenas 8 agências tiveram de mencionar a jurisprudência para fundamentar suas determinações. Essa situação enfraquece a consistência regulatória 24 Com base em Correa et al. (2006). 43 ao longo do tempo. A documentação oficial do processo de decisão é exigida por lei e deve conter todas as ações dos protagonistas diretamente envolvidos no processo. Contudo, apenas em alguns casos a troca de informações entre os membros do conselho antes das decisões é formalmente proibida e sujeita à sanção. Em um menor número de casos, um aparato legal proíbe as reuniões extra-oficiais entre diretores e partes interessadas. Em 17 agências, os participantes externos e aqueles afetados pelas suas determinações têm direito a tomar parte no processo decisório. Isso aumentou substancialmente a participação, especialmente porque esse comparecimento acarretou mudanças nas determinações de 15 agências. 70. Meios e instrumentos de decisão. Quase todas as agências pesquisadas consideraram dispor de meios legais para garantir o cumprimento de suas determinações. A maioria dos reguladores afirmou que tem acesso aos instrumentos regulatórios padrão, mas um número surpreendentemente alto (8 em 21) não respondeu à pergunta ou não tinha acesso a eles. Instrumentos mais sofisticados, relacionados ao estabelecimento de regras econômicas (ao invés de normas técnicas) estavam menos disponíveis. Apenas um quinto do pessoal das agências, em média, foi admitido por concurso público (26% e 18% nas agências federais e estaduais, respectivamente). Os salários oferecidos pelas agências para os cargos técnicos e administrativos mais qualificados foram considerados muito abaixo (pelo menos 25%) da remuneração do procurador geral ou do secretário estadual de finanças (utilizados como parâmetro de referência) por 12 entre 21 agências pesquisadas. 71. Responsabilidade. O Congresso nacional e as Câmaras estaduais exercem algum controle sobre 17 agências, que abrange (a) a exigência de audiências públicas, (b) convocação de diretores e (c) solicitação formal de explicações. As audiências públicas afetaram as decisões das agências, porque causaram mudanças em suas determinações pelo menos uma vez em 15 agências, enquanto que, em um quarto delas, ao menos um caso foi solucionado pelo Supremo Tribunal Federal. 72. Sumarizando, a maioria dos elementos gerais para uma boa governabilidade, que são transferidos por lei, está disponível e o desafio consiste em criar atributos mais detalhados, que não possam ser transferidos por lei, aplicando-os efetivamente. Por exemplo, embora seja oficialmente exigido dos reguladores a documentação de seus processos decisórios, poucas agências necessitam mencionar jurisprudência para fundamentar suas determinações ou impor sanções legais contra reuniões extra-oficiais entre diretores e partes interessadas. Além disso, na maioria dos casos, não há impedimentos legais aos membros do conselho para combinar decisões antes das reuniões para essa finalidade, e nada impede que os diretores participem de reuniões informais ou se envolvam em trocas de informações não documentadas com as partes interessadas. A maioria das agências afirmou que os níveis salariais são considerados não competitivos, a ocupação de cargos efetivos por meio de concursos públicos não é comum e a parcela de funcionários com diploma universitário é baixa. Meios mais sofisticados, especialmente aqueles relacionados à regulação econômica – como os instrumentos e metodologias destinados à determinação de parâmetros de comparação para estabelecer tarifas de interconexão – estão disponíveis somente para um pequeno número de agências reguladoras (em geral, federais). 44 73. As iniciativas para melhorar a governança regulatória abrangem a Lei das Agências e o Plano de Carreira das Agências Reguladoras. A Lei das Agências contém alguns importantes avanços, como a transferência do poder concedente e o retorno do planejamento das políticas aos ministérios setoriais. A proposta de adoção dos contratos de administração entre as agências e o Poder Executivo pode ameaçar a autonomia dos reguladores e nenhuma mudança importante foi sugerida em termos de um melhor detalhamento de suas competências.25 A aprovação da lei que estabelece o Plano de Carreira das Agências Reguladoras previu alguns concursos públicos para novas contratações, mas a atual estrutura de salários e benefícios parece ser inferior à de outros cargos semelhantes no setor público. Figura 6. Governança regulatória, eficiência e desempenho setorial Aspectos Institucionais Forma de governo (democracia x ditadura; presidencialismo x parlamentarismo, relações entre Executivo e Legislativo, independência do Judiciário, burocracia, regras eleitorais Marco Legal Contratos de Concessão Governança Regulatória Leis setoriais e ambiente jurídico Autonomia Processo Decisório Confiabiblidade Instrumentos decisórios Política Instrumentos Regulatórios Financeira Poder Concedente Pessoal Produtos da Regulação Desempenho Setorial Investimento, inovação, preços e qualidade III. Recomendação de Políticas 74. Em um ambiente de políticas em mutação, este relatório abordou o modo como os seus formuladores podem revitalizar os investimentos em infra-estrutura no Brasil. Há necessidade de mais infra-estrutura e, considerando as atuais restrições fiscais, o relatório se concentrou em como os programas públicos podem atrair mais e melhores investimentos privados, reduzindo o custo de capital para financiamentos de investimentos no setor e elevando os retornos de longo prazo das concessões de infra- 25 Para obter mais detalhes, veja o Volume II, Seção 5.5. Veja uma ampla análise do projeto de Lei das Agências em Correa e Pereira Neto (2005). 45 estrutura. Isso não significa que o papel do governo deva ser necessariamente menor, mas que o País precisa evitar a tendência de voltar à opção do uso de recursos públicos. 75. O desafio atual enfrentado pelo Brasil é encontrar um modo de atrair novamente o setor privado – ou seja, transformar as oportunidades de infra-estrutura em projetos com taxas de retorno competitivas. Para isso, é preciso diminuir o risco regulatório e aumentar a receita dos projetos, tarefas para as quais a atuação do setor público é essencial: em última análise, o governo é responsável pelos riscos regulatórios e, por meio de políticas tarifárias, subsídios e mecanismos correlatos, pode, direta ou indiretamente, influenciar a lucratividade dos projetos. Um segundo desafio é garantir que os benefícios da participação privada sejam transferidos aos consumidores e à economia como um todo. 76. Este relatório sustenta que, para garantir a necessária participação do setor privado em infra-estrutura, o governo deveria retomar os princípios básicos e fortalecer os fundamentos que compreendem normas estáveis e abrangentes, adequada avaliação de risco e regras claras e sem constantes alterações. Uma estratégia de longo prazo e o compromisso do governo com as reformas restauraria a sua credibilidade, atraindo mais investimentos privados para o setor. A manutenção de gastos públicos de alta qualidade estimularia a participação privada a fim de maximizar o potencial de crescimento do Brasil. O restante desta seção apresenta um resumo de alguns dos possíveis elementos das novas políticas públicas. 77. Um primeiro componente da estratégia para revitalizar o setor de infraestrutura no Brasil deveria ser o fortalecimento dos fundamentos visando a participação privada. Isso envolve: (i) concluir as reformas regulatórias nos setores de portos, gás natural, água e saneamento; (ii) aumentar a eficiência das agências reguladoras, inserindo incentivos ao cumprimento de decisões coerentes e tecnicamente seguras em seus processos decisórios, além dos instrumentos necessários para essa prática, como, por exemplo, equipes treinadas e motivadas, especialmente no nível estadual; e (iii) melhorar o planejamento dos contratos para evitar o excesso de renegociações, que eliminam os benefícios econômicos obtidos por meio de licitações competitivas e aumentam o risco regulatório. A esse respeito, uma questão importante é a gestão e a alocação de riscos, especialmente cambial: embora possa ser necessária a criação de um instrumento de proteção que torne atrativo o coeficiente de risco dos projetos, o governo precisa ter cuidado para não assumir um nível muito elevado de risco nem compensá-lo em excesso. 78. Deve ser considerada a importância do estabelecimento de regras estáveis e convincentes para transformar os investimentos em infra-estrutura no Brasil em um negócio de baixo risco/retorno a longo prazo, como na maioria dos países da OCDE. A partir da crise de energia de 2001 e da demora no lançamento da segunda fase de concessões de rodovias, passando pela alta incidência de renegociações de contratos nos setores de água e saneamento, a mudança no modelo energético e pelo longo debate sobre o papel das agências reguladoras, o cenário que emergiu não estimulou a recuperação dos investimentos privados em infra-estrutura. Portanto, mesmo sendo impossível abordar simultaneamente todas as questões regulatórias, o Brasil precisa tratar de um número significativo ao mesmo tempo a fim de recriar condições que favoreçam uma nova onda 46 de participação privada no setor. O início de uma nova administração é sempre caracterizado por uma dinâmica natural e é uma boa oportunidade para promover novas iniciativas. Comunicações públicas eficientes, que possam incluir a criação de um documento com informações sobre a estratégia para o setor de infra-estrutura, ampliariam as chances de sucesso dessas ações. 79. Em segundo lugar, o estabelecimento de garantias parciais contra o risco regulatório – especialmente quanto aos aspectos do ambiente regulador sobre os quais o governo dispõe de razoável controle. Essa medida pode ser um modo eficaz de multiplicar os recursos públicos, conforme ilustrado pela garantia parcial de risco oferecida pelo Banco Mundial no Peru. Como os investimentos em infra-estrutura são irrecuperáveis e os projetos têm vencimento a longo prazo, a estabilidade do e a confiabilidade no ambiente institucional do setor constituem as bases para a participação privada. A expectativa de que os governos possam ter grandes incentivos para não honrar os direitos de concessão ou a hipótese de mudanças nas regras do setor podem desestimular inicialmente a participação privada ou elevar o prêmio exigido pelo investimento em um determinado projeto, aumentando assim o custo do capital e as tarifas a serem cobradas dos consumidores. Mesmo quando o ambiente regulatótio tiver sido corretamente reformado, é necessário algum tempo para se adquirir credibilidade em sua estabilidade e boas normas. A oferta de garantias parciais contra os riscos regulatórios pode ser um meio de estabelecer essa confiabilidade. 80. Um terceiro componente dessa estratégia é melhorar a qualidade do gasto público em infra-estrutura. Como objetivo básico, o Brasil precisa investir mais e melhor na manutenção e na reabilitação de rodovias, definindo uma fonte estável de financiamento e expandindo o uso de contratos com base em resultados. A aprovação de um programa plurianual de investimentos em estradas, que está em elaboração, poderia se constituir em um instrumento importante. Além disso, considerando a possibilidade de que os contratos de PPP desloquem as opções de concessão pura, um marco institucional adequado para a aplicação dos recursos públicos nos projetos do setor deveria ser consolidado e divulgado ao público. Para isso, uma oportunidade é partir das iniciativas existentes nos departamentos de PPP em diversos ministérios e no PPI. O Quadro 2 discute com mais detalhes algumas dessas iniciativas. Além disso, as políticas setoriais precisam ser melhor definidas visando fornecer as informações adequadas para o planejamento público e privado. Isso é importante no segmento de rodovias, cuja estratégia de descentralização foi interrompida, e no de energia, que lançou recentemente o plano de expansão de longo prazo do sistema, mas ainda persistem questões relevantes, especialmente quanto ao papel do setor de gás natural. 81. Em quarto lugar, deveria ser realizada uma avaliação sistemática dos impactos diretos e indiretos do acesso à infra-estrutura sobre a distribuição de renda e os indicadores sociais. Essa iniciativa visaria a questão essencial de como proteger os investimentos públicos federais em infra-estrutura, levando em conta os incentivos incorporados ao atual ambiente institucional. Os gastos com infra-estrutura sofrem dos mesmos problemas de oportunismo e coordenação que a oferta de serviços públicos puros. Esses problemas são exacerbados pelo institucionalismo político, que favorece os objetivos locais de curto prazo em detrimento das metas nacionais de longa 47 duração. Além disso, a descentralização das receitas públicas para os estados e municípios torna ainda mais premente a abordagem dos problemas de coordenação e oportunismo. Finalmente, considerando a atual rigidez orçamentária, o nível de despesas correntes, o alto nível tributário e o custo das dívidas adicionais, qualquer aumento substancial dos investimentos públicos em infra-estrutura necessitará inevitavelmente de uma redistribuição de receitas e de maior flexibilidade no uso dos gastos “carimbados”. Estas são questões politicamente sensíveis, porque atingem interesses corporativos e afetam fortes preferências sociais. Contudo, essa sensibilidade poderá ser reduzida por meio da proposta de avaliação sistemática, que deveria ser realizada no contexto mais amplo de uma estratégia de crescimento a longo prazo para o Brasil. 82. Finalmente, é necessário um melhor planejamento para ajudar o Brasil a determinar como atender às suas necessidades de infra-estrutura no longo prazo. Para isso, é preciso definir e rever periodicamente uma estratégia abrangente e consolidar o processo de planejamento que ainda está fragmentado entre os ministérios ou entre as entidades federais. Além disso, esse processo deveria abranger os fundamentos dos programas que visam o maior acesso dos pobres aos serviços, por meio da multiplicação dos impactos da infra-estrutura sobre a distribuição de renda e a redução da pobreza. Essa estratégia precisaria identificar as prováveis fontes de financiamento, públicas e privadas, inclusive as possíveis contribuições dos diferentes níveis de governos e os obstáculos à participação privada. De forma ideal, esse planejamento deveria abranger também outros procedimentos, como o uso ativo da concorrência como um instrumento para promover a participação do setor privado e a eficiência econômica. A estratégia de infra-estrutura poderia fazer parte da formulação do Plano Plurianual do governo e ser inserida na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei do Orçamento Anual. 48 Quadro 1. Estabelecendo a credibilidade por meio de Garantias Parciais contra o Risco Regulatório A atribuição das funções regulatórias a uma instituição independente resolve apenas em parte o problema da credibilidade em relação ao cumprimento dos contratos de concessão no longo prazo e à garantia de que o governo não atuará de modo oportunista porque os investimentos são irrecuperáveis. É necessário que os próprios reguladores se tornem confiáveis – o que pode levar tempo. A credibilidade desses agentes depende essencialmente da situação da governança regulatória, ou seja, do grau de independência, da adoção de regras adequadas para a tomada de decisões, da disponibilidade de pessoal e de instrumentos regulatórios, e da sua responsabilidade. Além disso, a inadequação das políticas e do marco legal e os contratos de concessão mal definidos também podem afetar a reputação dessas entidades. Os governos poderiam obter credibilidade no contexto do estímulo aos investimentos privados em infraestrutura oferecendo uma garantia contra os riscos que estejam sob o seu controle. Um exemplo deste tipo de apoio público ao investimento privado são as garantias estabelecidas nos contratos de PPP, se o governo deixar de cumprir com suas obrigações financeiras. No entanto, mesmo no caso de projetos de concessão pura, existem riscos que são controlados pela administração pública e que consistem, de modo geral, em mudanças na lei setorial, na quebra de uma cláusula contratual ou em uma alteração na regulamentação que afeta claramente o retorno do investimento. Para cobrir o risco regulatório, é necessário apenas estabelecer um conjunto de medidas nas quais, em última instância, quem absorve os riscos é capaz de punir suficientemente quem os causou. Por definição, os riscos estão limitados a um determinado número de aspectos bem conhecidos e são, portanto, parciais. A composição desses incentivos poderá ou não envolver uma instituição internacional, como o Banco Mundial. Considere, por exemplo, um papel potencial para o governo federal em um contrato de PPP hipotético, estabelecido por um município brasileiro. O investidor privado enfrentará pelo menos três riscos: (i) o risco comercial do projeto, (ii) o risco da falta de pagamento pelo município e (iii) o risco regulatório, associado à questão do poder concedente e a outros aspectos explicitamente estabelecidos na concessão do contrato (como o reajuste de tarifas, a revisão das regras, as metas de qualidade, os planos de investimento, etc.). Nesse caso, uma alternativa para reduzir o risco regulatório é a garantia federal para com os compromissos regulamentares assumidos no contrato – que são inteiramente controladas pelo município (e não para a questão do poder concedente, que ainda precisa ser consolidada pelo Judiciário). A garantia seria estabelecida contra o direito de suspensão dos financiamentos federais, uma vez que o investidor privado passe a utilizá-los. O fato de um município se dispor voluntariamente a participar dessa transação representaria, portanto, um forte sinal de compromisso com o cumprimento das normas. É preciso notar a necessidade do estabelecimento de uma relação financeira hierárquica entre as instituições, que assuma o risco da entidade que possa provocá-lo. O Banco Mundial oferece um produto semelhante para essa finalidade. 49 Quadro 2. A Qualidade dos Gastos Públicos O apoio ao projeto correto, uma das condições para a eficiência dos gastos públicos, requer planejamento e seleção adequados. A seleção apropriada dos projetos envolve a identificação e a classificação de acordo com o retorno econômico de todas as alternativas de uso dos recursos disponíveis. Essa abordagem, embora teoricamente viável, impõe uma excessiva demanda por informações. Mesmo quando os novos instrumentos representam uma escolha correta, os desenhos de engenharia imperfeitos podem levar a falhas nos projetos. Outro desafio para a infra-estrutura é a sustentabilidade financeira. Embora sejam esperadas divergências nas taxas de retorno financeiro e econômico em diversas situações, é essencial a realização de projeções financeiras confiáveis na fase de avaliação para evitar as taxas de retorno inadequadas, que prejudicariam a sustentabilidade dos projetos de infra-estrutura e, em casos extremos, produziriam “elefantes brancos”. Portanto, os planejamentos com expectativa de baixo retorno financeiro deveriam passar por um cuidadoso exame adicional antes de receber o apoio do governo. São necessários mais financiamentos para manutenção. A garantia da disponibilidade de recursos para a manutenção dos projetos de infra-estrutura sem fins lucrativos implica em outro desafio. Como o custo total de um projeto raramente incorpora o dispêndio esperado para manutenção, devido a razões políticas que não favorecem a alocação de recursos orçamentários para essa finalidade em comparação a novos investimentos ou porque a manutenção é mais eficiente em termos de custo do que a reconstrução e menos arriscada do que os novos projetos, os países em geral se beneficiam da realocação de verbas para essa atividade. Nos últimos seis anos, foram gastos médias anuais de aproximadamente R$ 600 milhões com reabilitação e R$ 150 milhões com manutenção da malha rodoviária federal pavimentada no Brasil, níveis considerados suficientes para evitar a maior deterioração da rede. No entanto, para aumentar o número de estradas em boas condições dos atuais 25% para 63%, o Banco Mundial estima que será necessário investir pelo menos cerca de R$ 1,2 bilhão por ano nos próximos seis anos. A qualidade dos gastos públicos pode ser aprimorada através de melhor planejamento e estabilidade de financiamentos. Quanto à manutenção de rodovias, por exemplo, a adoção de contratos com base em resultados e a provisão de um fluxo estável de recursos poderia evitar a renegociação de contratos e os aumentos de custos devidos à demora para iniciar o trabalho, interrupções na implementação e à falta de pagamento pelo governo, e poderiam levar a significativas reduções no custo. As análises do Banco mostram que os custos unitários dos contratos com base em resultados são 30% menores do que nos contratos tradicionais – enquanto as renegociações aumentaram o seu valor em pelo menos 50%. De modo geral, o tipo de apoio para infra-estrutura (por exemplo, subsídios em dinheiro com base em resultados, doações em espécie, isenção de impostos, garantias ou até mesmo apoio não fiscal) deve ser cuidadosamente avaliado, porque cada instrumento impõe diferentes custos e oferece diversos níveis de exatidão, dependendo da situação. A aprovação da Lei No. 11.079/2004, que institui a Parceria Público-Privada (PPP), representa uma grande contribuição ao aprimoramento dos gastos públicos em infra-estrutura, mas também implica em importantes riscos. Essa lei flexibiliza as regras de licitação pública e disponibiliza mais fundos para complementar os recursos privados quando as concessões puras não forem viáveis. Apesar de seus possíveis benefícios, existe a preocupação de que os contratos de PPP ocuparão o lugar dos projetos de concessão puros. O problema é que, considerando as assimetrias de informação, os contratos de PPP poderão compensar os riscos regulatórios ao invés de simplesmente equalizar os retornos sociais e privados, aumentando conseqüentemente o lucro privado. Isso poderia significar uma perda de recursos públicos e criar um incentivo perverso contra as melhorias no marco regulatório. Para impedir que isso aconteça, os contratos de PPP devem ser controlados por uma série de regras e por uma estrutura de governo que garanta que esse instrumento não será utilizado como um substituto para os projetos que poderiam ser concedidos em condições regulatórias normais. 50 BIBLIOGRAFIA Afonso, J.R.R., E.A. Araújo e G. Biassoto Junior. “Fiscal Space and Public Sector Investments in Infrastructures: A Brazilian Case-Study.” IPEA, Texto para Discussão No. 1139. Rio de Janeiro: IPEA, 2005. Azzoni, C.R., N. Menezes-Filho, T.A. de Menezes e R. 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