Revista Médica Ano XVII, Nº 37, Julho - Dezembro de 2005 ÍNDICE Instruções aos Autores ................................................................................................................................. 6 Artigo Original Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar ................................................. 7 Antonir Nolla , Antonio Severo , Osvandré Lech, Paulo Piluski , Jorge Borges†. O Hipotireoidismo Esquecido ................................................................................................................... 13 Aline W. dos Reis, Anderson N. Rocha, Arthur S. Lazaretti, Carla R. Bürkle, Daniela T. Borges, Mateus F. Messinger, Paulo R. Weinert. Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo .......................................... 16 César Augusto L. Pires, Loane Rottenfusser, Robson Rottenfusser, Eliezer N. Dertelmann, Rui Portes da Silva Filho. Orientações Fisioterapêuticas aos Cuidadores de Crianças Portadoras de Paralisia Cerebral ................. 21 Cristiane dos Santos Paliga, Janaína Cardoso Costa. Relação entre a Goniometria do Arco Medial do Pé e a Pressão Plantar em Baropodometria ................ 25 Cristina Santin Bilibio, Daniela Bertol, Hugo Tourinho F°. Pico de Torque Supra-espinhoso no Teste de Jobe ................................................................................... 30 Adriana Pensin & Cássia Nardon. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II ............................................... 34 Sílvia Lorenzini & Denise Martelli. Epidemiologia das Artroplastias Totais de Quadril no Hospital São Vicente de Paulo ............................. 40 Fabrício Perin da Rosa & Anderson Cattelan. Artigo de Revisão Modificações no Modelo de Tradução Gênica .......................................................................................... 44 Cristian F. Nunes, Angela Sanderson, Caroline Duarte, João G. Castellano, Tailize Menegazzo, César Augusto L. Pires. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes ................................................................................... 50 Fernanda Luzzatto, Rochele G. Cruz, Viviane Rech. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromialgia ...................................................................................... 56 Adriana F. Dessuy, Lia Mara Wibelinger, Venelise A. Formighieri. Artigo Especial Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa ........................................ 65 Leila Juliana Antunes, Luciana Blanco, Lenir Maria Baruffi, Nelci Terezinha Zorzi. Relato de Caso Síndrome de Eagle .................................................................................................................................. 72 Roque Miguel Rhoden, Paulo Fogaça, Douglas Voss, Diego Pons, Vinícios Rhoden, Fernando Rhoden. Transtorno Conversivo em Criança ........................................................................................................... 75 Edson R. Dalberto, Luciane Miozzo, Aline J. Romagna, Cláudio J. Wagner. Reabilitação em Transplante Meniscal ....................................................................................................... 77 Daniela Delazeri, Gilnei Lopes Pimentel, César Antônio de Quadros Martins. Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tardias Provocadas por Queimaduras de Terceiro Grau ........................................ 82 Emanuele Mesquita, Cristiane Vicenzi, Sílvia Lorenzini. INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista Médica do Hospital São Vicente de Paulo publica artigos enviados espontaneamente ou por solicitação e aprovados pela Editoria Científica que expressam, prioritariamente, a produção científica na área de saúde em nosso meio. Estrutura suas edições com conteúdos de aplicação prática e de utilidade na rotina diária da maioria dos que a recebem, além de conteúdos científicos que sejam relevantes e relacionados. O aceite subentende a publicação exclusiva do artigo neste periódico. As afirmações contidas nos trabalhos são de responsabilidade exclusiva dos autores. As normas editoriais da Revista Médica seguem as recomendações do International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE: Uniform requeriments for manuscripts submitted to biomedical journals. N Engl J Med 1997; 336:309-315). Também, podem ser obtidas na Internet (http:// www.acponline.org). Os trabalhos deverão ser digitados em um editor de textos eletrônico (preferencialmente Word), dispensando-se formatação. Deverá ser enviada cópia impressa e em disquete 31/2". Os disquetes não serão devolvidos. Os autores devem manter cópias de todo material enviado (inclusive fotos e figuras). Os artigos enviados deverão, obrigatoriamente, incluir os seguintes itens: •Página Título: deverá conter título conciso e informativo; primeiro nome e sobrenome principal por extenso, com inicial de sobrenome secundário dos autores; instituição onde se realizou o trabalho (não deve constar a titulação dos autores); nome de um autor com endereço e telefone para correspondência. •Resumo e Summary: o resumo deverá ser apresentado em único parágrafo de não mais que 150 palavras, devendo ser informativo, trazendo, nos artigos originais, o objetivo, a metodologia, os resultados e as conclusões, enfatizando aspectos novos e importantes. O summary deverá ser uma tradução do resumo para a língua inglesa, devendo trazer também o título do trabalho e os unitermos em inglês. •Unitermos: fornecer ao final do resumo uma lista de 3 a 10 palavras ou frases curtas, que identifiquem os temas revisados com vistas à indexação. Procurar utilizar termos listados pelos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs), editado anualmente pela BIREME/OPAS/OMS, São Paulo. Observar a redação e organização dos artigos conforme padrão da revista, como segue: Artigo Original: organização com Introdução, Material e Métodos, Resultados e Discussão, Referências. Evitar parágrafos muito curtos (2 ou 3 linhas) e procurar reunir uma linha de pensamento em um único parágrafo. Artigo de Revisão: organização com Introdução, Discussão, Conclusões e Referências. Relato de Caso: breve Introdução, Relato do Caso, Comentários e Conclusões e Referências. Referências Bibliográficas: trabalhos publicados citados no texto deverão ser numerados, uma referência para cada número, ordenados conforme ordem de aparecimento no texto. Os seguintes modelos devem ser adotados: Referências de Revistas: Palma L A S, Pilau J, Borges F G, Eickhoff C M. Pneumopatia por Fármacos. Rev Médica HSVP 1999; 11(24): 65-68. O nome do periódico deve ser abreviado segundo a edição do List of Journals do Index Medicus (publicado anualmente na edição de janeiro do Index Medicus) ou segundo o Index Medicus Latino-Americano. Referências de Resumos: Coleman RJ. Current drug therapy for Parkinson disease -a review (resumo ou "abstract"). Drugs Ag 1992; 2(2):112-24. Quando não publicado em periódico: publicação. Cidade em que foi publicado: publicadora, ano, página(s). Referência de Livros: Gilman AG, Rall TW, Nies AS & Taylor P. Pharmacological Basis of Therapeutics. 8th ed. USA: Pergamon, 1990. Referências de Capítulos de Livros: Brow, AC. Pain and Itch. In: Patton HD, Fuchs AF, Hille B, Scheram AM & Steiner R (Eds) - Textbook of Physiology. 21st ed. USA: WB Saunders Company, 1989; 1(16): 346-64. Quando existir mais de um volume, deverá ser referido imediatamente antes do número do capítulo, que ficará entre parênteses (exemplo acima). Comunicações pessoais: Só devem ser mencionadas no texto, entre parênteses. Tabelas: algarismos arábicos deverão ser usados para a numeração das tabelas, na ordem de aparecimento no texto. Cada tabela deverá ter um rodapé breve. Não utilizar linhas horizontais e/ou verticais dentro das tabelas. As tabelas não deverão duplicar o material do texto ou das ilustrações. Ilustrações: deverão ser referidas como Figuras e, para a numeração, deverão ser usados algarismos arábicos na ordem de aparecimento do texto. As figuras deverão ser desenhadas ou fotografadas de modo profissional, como aparecerão na Revista. As legendas contendo título e explicações para as Figuras deverão ser apresentadas em uma folha separada. Cada figura deverá ser impressa de forma que a imagem fique clara. Atrás das figuras deverá ser escrito a lápis ou em etiqueta adesiva o nome do primeiro autor, o título reduzido, uma seta indicando a posiçao correta e o número da figura. Agradecimentos: indivíduos ou instituições que contribuíram significativamente ao preparo do trabalho são identificados nesta seção. Os trabalhos que não se ajustem a estas diretrizes não serão aceitos. OBS.: A Editoria Científica da revista reserva-se o direito de adotar medidas para aprimorar o conteúdo, estrutura e redação dos artigos. –6– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 6. Artigo Original Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar Antonir Nolla , Antonio Severo , Osvandré Lech, Paulo Piluski , Jorge Borges†. Instituto de Ortopedia e Traumatologia, Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). ( †in memoriam) Resumo Existe uma grande diversidade de métodos para o tratamento de fraturas da diáfise do úmero, dentre eles, o método Sarmiento, osteossíntese com placas ou hastes, tração esquelética e fixadores externos. O objetivo deste trabalho é avaliar casos de fratura da diáfise do úmero tratados pelo método de fixação externa. Foram tratadas 21 fraturas diafisárias de úmero com o uso de fixador externo. Os fixadores utilizados foram o Ortofixr e o Tubular AOr. A consolidação radiográfica foi obtida em 90,45% dos casos, com média de 4,15 meses (mínimo de três e máximo de sete meses). O seguimento dos pacientes variou de 64 a 112 meses (média de 88 meses). Um paciente evoluíu para pseudoartrose. A média de idade foi de 32,1 anos. Os resultado clínicos e radiográficos tornam o método reproduzível, considerando-se a facilidade do uso com fixação minimamente invasiva e mais biológica. Este método, quando corretamente executado, também diminui a quantidade de complicações, como lesão do nervo radial e infecções, além de permitir mobilidade precoce do ombro e cotovelo, evitando a rigidez articular. Unitermos: Diáfise, úmero, fixador externo. As fraturas diafisárias de úmero podem ser tratadas de várias maneiras, muitas controversas e conflitantes entre si no que se refere à indicação. Geralmente, opta-se por métodos conservadores, sendo mais utilizado tratamentos o método de Sarmiento1,2. Os métodos cruentos utilizados são a osteossíntese com placas 3, hastes intramedulares 4 e fixadores externos5. Os fixadores externos tem sido utilizados em fraturas complexas de úmero, fraturas expostas, politraumatizados e em casos de pseudoartroses oligotróficas, com ou sem infecção. Por se tratar de método seguro e reproduzível, pouco invasivo, com técnica cirúrgica fácil e apresentar bons resultados, têm merecido destaque no tratamento das fraturas do úmero. A indicação do tratamento com fixador externo não reside apenas no fato de ser a fratura exposta ou fechada, mas sim na magnitude das lesões de partes moles que outros métodos podem acarretar. O objetivo deste trabalho foi avaliar os casos de fraturas da diáfise do úmero com o uso de fixador externo tratados no Instituo de Ortopedia e Traumatologia de Passo Fundo(IOT) e Hospital São Vicente de Paulo(HSVP). Os fixadores utilizados foram o Ortofixr e o Tubular AOr, por serem disponíveis e oferecidos em nosso local de trabalho. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. MATERIAL E MÉTODO No período de maio de 1995 a maio de 1999, 21 pacientes com fraturas diafisárias de úmero foram tratados com fixador externo monopolar no serviço de cirurgia do membro superior, sob supervisão de um dos autores. Vinte pacientes foram submetidos ao tratamento com fixador externo primariamente. Um paciente recebeu tratamento primário com fixação interna com placa e parafusos e evoluiu para pseudoartrose, sendo então tratado com fixador externo. Dos 21 pacientes, 13 eram do sexo masculino (62%) e oito eram do sexo feminino (38%). Nove (42%) eram fraturas expostas e 12 (58%) eram fraturas fechadas. A causa mais freqüente do trauma foi o acidente automobilístico com 15 casos (75%), seguido de queda de própria altura com quatro casos (19%) e ferimento por arma de fogo (FAF) com dois casos (6%). Catorze pacientes (66%) eram politraumatizados. Todos foram tratados inicialmente na emergência do Hospital de acordo com o protocolo do Advanced Trauma Life Support (ATLS) e em seguida tiveram suas fraturas fixadas. A técnica de inserção dos pinos de Shanz (pinos auto-rosqueantes de 4,5 mm) foi a seguinte: 1- Utiliza-se um trocater com protetor de partes moles –7– Nolla A e cols. Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar. que é introduzido através de incisão de aproximadamente um cm. A incisão deve ser ampla o suficiente para que não exista tensão em partes moles contra o pino a ser colocado; 2- Retira-se o trocater e o orifício é utilizado como guia para a colocação de uma broca de 3,5 mm que deve perfurar as duas corticais. 3- Coloca-se o pino de Schanz manualmente; este deve ser auto-rosqueante, pois desta forma evita-se o risco de se perder a rosca no canal feito pela broca, o que implicaria novas perfurações. São utilizados no mínimo dois pinos para cada fragmento ( proximal e distal). 4- Coloca-se o conector que liga o pino a haste do fixador, permitindo assim a correção das deformidades. O controle radiográfico da redução é realizado no ato operatório, através do intensificador de imagens. A seqüência dos passos de colocação do fixador externo deve ser seguida sistematicamente para evitar dificuldades ou complicações futuras, sendo a mais freqüente a soltura dos pinos após necrose térmica do osso adjacente, que ocorre quando os pinos são colocados com perfuradores elétricos1. Durante o acompanhamento, foram realizados exames radiológicos a cada duas semanas no primeiro mês, a seguir, o controle era feito a cada quatro semanas. O seguimento variou de 64 a 112 meses, com média de 88 meses. Na reavaliação, foram utilizados parâmetros segundo Barbieri et al 6., como a cicatrização de partes moles e óssea, a amplitude dos movimentos ativos e passivos do ombro e do cotovelo e o grau de satisfação do paciente com relação ao resultado final do tratamento, classificando-se: Bom: fratura consolidada, sem complicações ou deformidades; mobilidades ativa e passiva irrestritas; Regular: fratura consolidada, com pequena deformidade, sem complicações ou seqüelas neurológicas; mobilidade moderadamente diminuída (até 30% do normal); Mau: fratura não consolidada, ou consolidada com grande deformidade, ou com complicação ou seqüelas neurológicas; mobilidade muito diminuída (60% ou mais do normal). RESULTADOS O tempo de consolidação médio das fraturas foi de 4,1 meses. Não houve complicações neurológicas ou lesão nervosa por ocasião da colocação dos pinos. Um paciente apresentou lesão do nervo radial (neuropraxia) devido ao trauma, evoluindo satisfatoriamente. Ao longo da consolidação óssea a maioria iniciou mobilização precoce do braço (os pacientes politraumatizados que estavam em cuidados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) foram assistidos pela equipe de fisioterapia para mobilidade articular imediata). Em quatro pacientes (19%) a extensão do cotovelo ficou restrita, com perda de extensão de 25o e perda de flexão de 10o, porém, sem acarretar perda funcional do membro. O tempo de consolidação das fraturas expostas foi discretamente superior ao das fraturas fechadas, porém, as fraturas expostas foram as que possuíam cominuição menor. A média em geral foi de 4,1 meses(Figura 1). Poucos pacientes queixaram-se de dor, que quase na totalidade foi aliviada por analgésicos e antiinflamatórios associada a repouso nos primeiros dias após a cirurgia. Infecção superficial dos pinos ocorreu em 10 pacientes (47%), sendo tratada com limpeza diária e uso de antibióticos. Apesar disto, não houve soltura dos pinos, casos de quebra dos mesmos ou refratura após remoção do fixador. Em quatro pacientes (19%) houve infecção no local de exposição óssea, havendo necessidade de debridamentos seriados e antibioticoterapia. O fechamento ocorreu por segunda intenção. Na série, um paciente evoluiu para pseudoartrose oligotrófica, onde o fixador externo foi substituído por placa de compressão mais enxerto ósseo autólogo. (Figura 2). Outro paciente foi inicialmente tratado com placa e parafusos e evoluiu para pseudoartrose tipo hipertrófica, sendo retirado material de síntese e substituido pelo fixador externo (Figura 3). Ambos evoluíram para a consolidação após a troca de método. Os resultados funcionais obtidos foram de 15 (71%) de bons resultados, cinco (23%) de resultados regulares e um (4,7%) mau resultado. (Tabela 1). DISCUSSÃO O úmero é um dos ossos em que deformidades angulares relativamente grandes são aceitáveis, sendo que segundo Zagorsky5, até 25o de varo pode ser aceitável sem complicação cosmética; por isso, grande parte das fraturas fechadas ainda são tratadas conservadoramente com órteses5,7. A deformidade em valgo, contudo, causa problema funcional devido distensão do nervo ulnar. As angulações pós-consolidação das fraturas tem sem mostrado melhores com o uso de fixação interna e externa do que com o uso de tratamento conservador, mesmo em casos de fraturas cominutivas5. O uso de fixador externo para tratamento de fraturas diafisárias do úmero tem aumentado significativamente nos últimos anos. Técnica fácil, baixo custo, fixação estável e mobilidade articular precoce são seus principais atrativos1. O objetivo primário do uso da fixação externa é dar estabilidade para a consolidação da fratura, Figura 1. Fratura cominutiva de úmero tratada com fixador externo. Evolução com consolidação após 4 meses. –8– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. Nolla A e cols. Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar. Figura 3-a. Pseudoartrose hipertrófica pós-fratura do úmero tratada com placa e parafusos. Figura 2-a. Fratura cominutiva de úmero por arma de fogo tratada com fixador externo com evolução para pseudoartrose. Figura 3-b. Substituição do material de síntese por fixador externo com resolução do quadro. Figura 2-b. Substituição do fixador por placa, parafusos e enxerto ósseo com resolução do quadro. associado à mobilidade precoce do ombro, cotovelo, punho, mão e, particularmente, aos músculos circundantes no foco de fratura. Isto é importante porque sabe-se que a realização de micromovimentos no foco de fratura serve de estímulo para a produção de calo ósseo3. Seu uso pode ser temporário para o manejo inicial das fraturas e posteriormente utilização de fixação interna, mas hoje existe a tendência da sua utilização como tratamento definitivo, com ótimos resultados8. Milani et al.8 avaliaram 14 pacientes com fraturas diafisárias do úmero fechadas tratadas com fixador externo monolateral tipo morsa interpotencial (MIP)R, que é uma modificação do fixador de Hoffmann. Onze eram não REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. cominutivas e três eram cominutivas. Obtiveram consolidação em todos os casos, com tempo que variou de 44 a 120 dias, com média de 91 dias e sem complicações. Consideram o método de fácil aplicação e com poucas complicações, sugerindo seu uso como método definitivo, e não apenas temporário, no tratamento das fraturas diafisárias do úmero. Barbieri et al.6 avaliaram seis pacientes submetidos a tratamento com fixador externo monolateral para fraturas expostas da diáfise do úmero. Em dois casos foi utilizado como método definitivo de tratamento, obtendo-se a consolidação em nove e 12 semanas, respectivamente. Em três casos foi utilizado por período de oito a 12 semanas e posteriormente, substituído por uma imobilização gessada tipo “pinça de confeiteiro”. Em um paciente foi usado por quatro semanas e substituído por fixação interna com placa. Em dois casos tiveram infecção superficial no trajeto dos pinos, noutro, retardo de consolidação e um caso de infecção profunda. Consideram o fixador externo como o método de escolha no tratamento inicial de fraturas expostas e, ocasionalmente, adequado ao tratamento definitivo, nos casos de fratura cominutiva. Hungria Neto et al.1 utilizaram um fixador AO tubotubo simplificado (montagem monolateral) em três pacientes politraumatizados, dois com fraturas expostas e um com fratura fechada. A consolidação foi obtida nos três casos após –9– Nolla A e cols. Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar. Tabela 1. Resultados . Auto = Trânsito - FAF = Ferimentos com arma de fogo. 10, 12 e 20 semanas, respectivamente. No caso de fixação mais prolongada houve restrição da mobilidade do ombro. Consideram o método como sendo de boa indicação nas emergências, desde que sua instalação não agregue lesão tecidual, e a estabilização obtida seja suficiente. Wisniewski e Radziejowski9 avaliaram 38 pacientes com fraturas diafisárias cominutas, provocadas por arma de fogo e tratados com fixador externo dos tipos HoffmannR, OrthofixR e AOR. Obtiveram consolidação em 34 pacientes num período que variou de 12 a 24 semanas. Em dois casos ocorreu retardo de consolidação e em outros dois pseudoartrose, sendo então submetidos à fixação interna com placa. Cinco pacientes tiveram infecção superficial no trajeto dos pinos, dois tiveram infecção profunda e um evoluiu com osteomielite. Consideram o método adequado no tratamento das fraturas ocasionadas por projéteis de baixa velocidade. Lenoble et al. 10 apresentam os resultados de 39 pacientes com fraturas diafisárias tratadas com fixador externo tipo HoffmanR. A consolidação óssea foi obtida em 38 casos num período médio de 10,5 semanas. Um paciente evoluiu para pseudoartrose e 14 tiveram consolidação em rotação interna do fragmento distal, com perda funcional da retroversão em média de 19 graus, em média. Seis pacientes necessitaram reposicionamento do fixador devido a desvio secundário, evoluindo para consolidação. Consideram o método como de simples aplicação e alto grau de satisfação. Caso ocorram desvios dos fragmentos durante a evolução do tratamento, estes são de fácil correção através da manipulação, sem necessidade de retirada do fixador. O tempo de evolução de fraturas tratadas com fixador externo observado em nossa casuística foi semelhante aos encontrados por outros autores5,9 e discretamente superior ao tempo das fraturas tratadas com método conservador². –10– Acreditamos que isso ocorreu porque as fraturas tratadas nesta série em geral foram graves e cominutas. O ganho de mobilidade se mostrou rápido e de grande vantagem em relação à placa, pois fraturas cominutas estabilizadas com fixador externo foram liberadas prococemente para mobilização. Apesar da técnica se mostrar simples, deve-se ter muita atenção em alguns detalhes de redução e colocação dos pinos, pois o úmero é circundado de uma abundância de tecidos moles e estruturas neuro-vasculares importantes, como a artéria braquial, artéria braquial profunda e nervo radial, entre outras. Lesões nestas estruturas podem levar a uma dificuldade técnica cirúrgica. O corredor de segurança (Guia) para inserção dos pinos, descrito por Green14, deve ser utilizado. A técnica correta de instalação dos pinos de Schanz é essencial para que se evite a soltura precoce, evitando casos de pseudoartrose e infecção1,3,13. CONCLUSÃO A consolidação radiológica nas fraturas de úmero onde se utilizou o método de fixadores externos aconteceu em 90% dos casos, tornando a fixação externa um método reprodutível, considerando-se a facilidade de uso, fixação menos invasiva e mais biológica. Também houve uma diminuição das complicações e a possibilidade de iniciar mobilidade do ombro e cotovelo precocemente. A fixação externa pode ser utilizada como tratamento definitivo, mas também pode ser utilizada como um método alternativo na falha de consolidação de outra modalidade de tratamento, como casos de pseudoartrose hipertrófica ou fratura infectada. O fixador externo é uma boa opção de tratamento tanto na emergência bem como método de tratamento definitivo para as fraturas diafisárias do úmero. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. Nolla A e cols. Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar. Figura 4. Aspecto clínico pós-operatório. Summary DIAPHYSEAL FRACTURES OF THE HUMERUS TREATED WITH MONOPOLAR EXTERNAL FIXATION. There are many methods for the treatment of Humeral shaft fractures, among them, the Sarmiento method (screw and plate fixation, bone traction and external fixation). The purpose of this study is to evaluate the cases of humeral shaft fracture treated by external fixation. Twenty one fractures were treated with external fixation. The fixators used were the OrtofixÔ and the Tubular AOÔ. To verify the bone consolidation, a Roentgenogram was performed in 90,45% of the cases, average time 4,15 months (minimum 3 and maximum 7 months). The follow-up had na average of 88 months ( 64 to 112 months). Two patients got an pseudoartrosis. The mean age was 32,1 years. The clinical and radiologic results make this a reproductible method, concerning the easiness of use and a less invasive and more effective biological fixation. This method, when used in a correct form, also reduce the complications, like radial nerve lesions and infection. Moreover, this method permits an early mobility of the shoulder and elbow, avoiding joint stiffness. Keywords: Shaft, Humeral, External Fixation. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. –11– Nolla A e cols. Fraturas Diafisárias do Úmero tratadas com Fixador Externo Monopolar. REFERÊNCIAS 1. Neto JSH, Mercadante M, Teixeira AAA, Fregonese M, Abagge M, Costa K. Uso de fixador externo modular AO simplificado no atendimento de emergência dos politraumatizados. Rev Bras Ortop 1996;31(8):655661. 2. Koch PP, Gross DF, Gerbec C. The resoults of functional (Sarmiento) bracing of humeral shaft fractures. J Shoulder Elbow Surgery 2002;11(2):143-150. 3. Silva NW, Catagni M. Pseudoartrose do úmero. Tratamento com a técnica de Ilizarov. Rev Bras Ortop 1996;31(8):633-637. 4. Brooks CH, Carvell JE. External fixation for fracture dislocations of the proximal humerus. J Bone Joint Surg 1989;7(5):864-865. 5. Zagorski BJ, Latta LL, Zycj AG. Finnieston A.R.: Diaphyseal fractures of the humerus. J Bone Joint Surg, 1988; 70(4):607-610. 6. Barbieri CH, Mazzer N, Barros MM. Fraturas diafisárias do úmero. Rev Bras Ortop 1996;31(7):587-594. 7. Giriboni EO, Ferreira JCA, Heinrich PCC. Fratura diafisária do úmero - “Sarmiento” simplificado. Rev Bras Ortop 1999;34(5):323-328. 8. Milani A, Ascênio JER, Galvão PEC, Marion TW. Tratamento das fraturas de ossos longos com fixador externo modular AO simplificado no atendimento de emergência dos politraumatizados. Rev Bras Ortop 1995;31(8):655-661. –12– 9. Wiskiewiski T, Radziejowki M. Gunshot Fractures of the humeral shaft treated with external fixation. J Orthopaedic Trauma 1996;10(4):273-278. 10. Lenoble E, Terracher R, Kessi H, Goutallier D. Treatment of the fractures of the humeral shaft using Hoffman’s external fixator. Rev Chir Orthop Reparatrice Appart Mot. 1993;79(8):606-614. 11. Ruland W. Is there a place for external fixation in humeral shaft fractures? Injury 2000;31(1):27-34. 12. Pollak A, Ziran B. princípios de fixação interna, in Traumatismos do Sistema Musculo Esquelético. Edit: Browner BD, Júpiter J. et al. 2ed. 2000;(1):267-284. 13. Kristiansen B, Kofoed H. External fixation of displaced fractures of the proximal humerus. J Bone Joint Surg (Br)1987;69:643-646. 14. Green SA. Complications of external skeletal fixation:causes,prevention and treatment. Clin Orthopaedics 1983;180:109-116. 15. Lavini F., Renzi B.L., Pizzoli A., Giotakis N., Bartolozzi P. : tratment of non union of the humero using the ortofix external fixator. Injury 2001; 32:(4)35-40. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 7-12. Artigo Original O Hipotireoidismo Esquecido Aline W. dos Reis, Anderson N. Rocha, Arthur S. Lazaretti, Carla R. Bürkle, Daniela T. Borges, Mateus F. Messinger, Paulo R. Weinert. Ambulatório de Endocrinologia da Faculdade de Medicina, Universidade de Passo Fundo (RS). Resumo O hipotireoidismo pode apresentar-se com discreta ou nenhuma manifestação clínica, podendo passar desapercebido pelo médico. Alguns sintomas da doença como fadiga, fraqueza, sonolência, dificuldade de concentração, diminuição da memória e adinamia podem ser confundidos com quadro unicamente depressivo e o paciente não receber reposição hormonal. Objetivou-se estudar a associação entre hipotireoidismo e os sintomas citados. Estudaram-se dezesseis pacientes consecutivas, encaminhadas ao consultório de endocrinologia com diagnóstico de hipotireoidismo, ainda sem tratamento hormonal. As pacientes responderam a um questionário; quinze pacientes (94% da amostra) com diagnóstico laboratorial de hipotireoidismo responderam sim a todos os sintomas em estudo. Os resultados desse estudo sugerem que pacientes com depressão sejam investigados para o diagnóstico de hipotireoidismo. Unitermos: Depressão, hipotireoidismo, tireóide. O quadro clínico de deficiência dos hormônios da tireóide varia amplamente, podendo apresentar-se desde uma gama enorme de sinais e sintomas até ser assintomático. Na população de mulheres adultas, especialmente, são comuns as queixas de fadiga, fraqueza, sonolência, dificuldade de concentração, diminuição da memória e vontade de não fazer nada. Estas queixas podem ser rotuladas como estresse, nervosismo, ansiedade, depressão ou envelhecimento e não serem investigadas adequadamente1. Às vezes, mesmo sem diagnóstico, estas pacientes recebem tratamentos os mais diversos, como ansiolíticos e antidepressivos. Estas queixas são sugestivas de depressão; porém, o hipotireoidismo pode manifestar-se, unicamente, com essas mesmas manifestações clínicas 2,3 . Quando o diagnóstico é deficiência de hormônio da tireóide, não acompanhado de outra patologia, o tratamento com reposição hormonal é muito gratificante porque reverte, facilmente, os sinais e os sintomas da paciente4. É provável que muitas mulheres com hipotireoidismo e apenas as manifestações clínicas descritas não recebam investigação e este distúrbio possa ser esquecido! REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 13-15. MATERIAL E MÉTODOS Estudaram-se todas as mulheres adultas, não grávidas, encaminhadas ao ambulatório de endocrinologia, no segundo semestre de 2003, já com diagnóstico laboratorial de hipotireoidismo, ainda sem tratamento com hormônio da tireóide. Os exames laboratoriais haviam sido solicitados para estas pacientes como rotina médica para o seu médico ginecologista. O critério usado para diagnóstico da doença foi TSH igual ou maior que 10 µUI/ml podendo o T4 livre estar normal ou baixo. A técnica laboratorial para o T4 livre e o TSH foi a quimioluminiscência. Todas pacientes submeteram-se ao exame físico geral e da glândula tireóide. Aquelas elegíveis para o estudo responderam a um formulário, contendo as perguntas: sente fadiga, fraqueza, sonolência, dificuldade de concentração, diminuição da memória, vontade de não fazer nada(para serem respondidas sim ou não). Os resultados foram analisados em estatística descritiva. RESULTADOS A amostra ficou constituída de dezesseis mulheres com idade entre 26 e sessenta anos. Todas tiveram o diagnóstico de hipotireoidismo primário através da dosagem –13– Reis AW e cols. O Hipotireoidismo Esquecido. Idade TSH T4 Fadiga Fraqueza Sonolência Dif. conc. Dim. memória Avolia 52 10,72 0,78 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 53 13,75 0,77 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 53 17,84 0,7 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 50 10,04 0,96 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 41 33,82 0,65 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 39 76,46 0,37 Não Não Não Não Não Não 57 55,21 0,65 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 60 14,48 0,92 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 39 17,81 0,71 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 42 15,1 0,82 Não Não Não Não Não Não 58 32,16 0,66 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 43 27,62 0,69 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 26 19,26 0,76 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 57 14,1 0,81 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 50 16,4 0,9 Sim Sim Sim Sim Sim Sim 46 17,2 0,87 Sim Sim Sim Sim Sim Sim Tabela 1. Idade dos pacientes, níveis de TSH, T4 e sintomas referidos. laboratorial do TSH e do T4 livre. Os valores encontrados de TSH variaram entre 10,04 e 76,46 µUI/ml e o T4 livre entre 0,37 e 0,96 ng/dl. Quanto às manifestações clínicas em estudo, apenas uma paciente (6% da amostra), com diagnóstico laboratorial de hipotireoidismo, não respondeu sim a todas as questões do formulário. DISCUSSÃO Manzoni e colaboladores4 estudaram 14 pacientes com hipotireoidismo sub-clínico, TSH de 8,8 ±1,5 µUI/ml e um grupo controle com função da tireóide normal, TSH de 1,1± 0,4 µUI/ml. Num primeiro momento, as pacientes foram submetidas a bateria de testes para avaliar depressão e encontrou-se diferença significativa entre os grupos. Num segundo momento, as mulheres com TSH elevado receberam reposição hormonal com tiroxina para atingirem taxas normais de hormônio da tireóide. Quando reavaliadas, as diferenças entre os grupos desapareceram, mostrando que o hipotireoidismo leve seria o responsável pelas manifestações clínicas de depressão. Gold e colaboradores 3 estudaram 250 pacientes, encaminhados a uma clínica psiquiátrica para tratamento de depressão ou anergia; oito por cento apresentaram algum grau de hipotireoidismo. Neste estudo, encontrou-se forte associação entre hipotireoidismo e as manifestações clínicas. Curiosamente, a única paciente da amostra que não apresentava os sintomas em estudo chegou ao consultório com –14– hipotireoidismo primário bem estabelecido (TSH=76,46µUI/ ml e T4livre=0,37ng/dl). O hipotireoidismo, na população adulta, pode ocorrer com ou sem aumento de volume da glândula5. A presença de bócio leva o médico a investigar a tireóide, porém as pacientes deste estudo foram cuidadosamente examinadas e nenhuma apresentou crescimento glandular. As manifestações clínicas em estudo não são específicas de uma única doença; a literatura cita-as como sintomas de hipotireoidismo e, também, de depressão1,2. Deve-se ressaltar que estas duas doenças ocorrem principalmente em mulheres, com o mesmo pico de incidência(aos cinqüenta anos de idade) e podem ocorrer juntas ou de forma isolada6,7. Existe um potencial viés na associação. O hipotireoidismo, na população de mulheres adultas, tem elevada prevalência e os sintomas em estudo podem ocorrer também em mulheres sem doença da tireóide. Porém, quando a associação existe, o tratamento com hormônio da tireóide auxilia muito na melhora da paciente4. Na amostra estudada, encontrou-se forte associação entre hipotireoidismo e os sintomas anteriormente elencados. A quase totalidade das pacientes (94%) com diagnóstico de hipotireoidismo apresentava as manifestações clínicas. Sugere-se que, na população de mulheres adultas que apresentam esses sintomas, deva ser pesquisada a possibilidade de hipotireoidismo. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 13-15. Reis AW e cols. O Hipotireoidismo Esquecido. Summary THE FORGOTTEN HYPOTHYROIDISM Hypothyroidism can be presented with few or without any clinical manifestations, which can be unrecognized by the physician. Some symptoms of the disease like fatigue, weakness, sleepiness, concentration difficulties, decrease in memory and lack of volition can be confused with a unique depressive state and the patient not getting hormonal replacement. The objective of this study was to analyze the association between Hypothyroidism and the symptoms above described. Sixteen consecutive patients who were oriented to consult an Endocrinologist with the diagnosis of Hypothyroidism without treatment were studied. The patients answered a questionnaire which asked: do you feel fatigue, weakness, sleepiness, concentration difficulties, decrease in memory and lack of volition to perform activities? Fifteen patients (94% of the sample) with a laboratorial diagnosis of Hypothyroidism answered yes to all the studied symptoms. In the studied sample, we found an association between Hypothyroidism and the symptoms inquired. This study suggests that patients who present depressive symptoms must be investigated for Hypothyroidism. Keywords: Depression, Hypothyroidism, Thyroid. REFERÊNCIAS 1. Wartofsky L. Diseases of thyroid. In: Isselbacher KJ, Braunwald E, Wilson JD, Martin JB, Fauci AS, Kasper DL. Harrisons’s Principles of Internal Medicine, 13 ed, New York: McGraw-Hill, 1994. 2. Whybrow PC. Behavioral and psychiatric aspects of hypothyroidism. In: Braverman LE, Utiger RD editors. Werner and Ingbar’s The Thyroid, 7 ed, LippincottRaven publishers, Philadelphia,1996. 3. Gold MS, Pottash ALC, Extein I. Hypothyroidism and depression. JAMA 1981; (245):19. 4. Manzoni F, DelGerra P, Caraccion N, Prunetti CA, Puvvi E, Luisi M, et al. Subclinical hypothyroidism: Neurobehavioral features and beneficial effect of Lthyroxine treatment. Clin Invest 1993; (71):367-371. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 13-15. 5. Braverman LE, Utiger RD. Introduction to hypothyroidism. In: Braverman LE, Utiger RD editors. Werner and Ingbar’s The Thyroid, 7 ed, Lippincott-Raven Publishers, Philadelphia,1996. 6. Tucker GJ. Psychiatric disorders in medical practice. In: Wyngaarden JB, Smith LH Jr. (eds) Cecil-Textbook of Medicine, 18 ed. Philadelphia, WB Saunders, 1988. 7. Williams TF. Management of common problems in the eldery. In: In: Wyngaarden JB, Smith LH Jr. (eds) CecilTextbook of Medicine, 18 ed. Philadelphia, WB Saunders, 1988. –15– Artigo Original Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo César Augusto L. Pires, Loane Rottenfusser, Robson Rottenfusser, Eliezer N. Dertelmann, Rui Portes da Silva Filho. Neurocentro, Hospital de Ensino São Vicente de Paulo, Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo As doenças vasculares cerebrais representam a principal causa não-traumática de sequelas neurológicas do adulto. No Brasil ultrapassou as doenças cardiovasculares e o câncer nas taxas de mortalidade. No ano de 2002 morreram 90 mil brasileiros de doença vascular cerebral e cerca de 60 mil de causas cardíacas. Acarreta enormes prejuízos pessoais, familiares e ao conjunto da sociedade. É imprescindível a atuação enérgica na conscientização da população quanto aos fatores de risco modificáveis. Por outro lado, as instituições hospitalares de referência necessitam estruturarem-se para assistir os pacientes com doença vascular cerebral aguda como emergência médica, de forma coordenada e eficaz, organizando unidades de AVC. O Neurocentro coordenou a implantação da Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo(Projeto Neurovascular). Exibe-se a experiência do Neurocentro no atendimento de pacientes com doença vascular cerebral aguda, no período de agosto de 2004 a julho de 2005. Os resultados mostram-se satisfatórios e semelhantes aos encontrados em centros de referência. São necessárias medidas educativas na comunidade médica e leiga, especialmente em relação ao encaminhamento precoce para o centro de referência regional. Unitermos: Doenças das artérias cerebrais, embolia e trombose cerebral, infarto cerebral, hemorragia cerebral, distúrbios cerebrovasculares As doenças vasculares encefálicas são a terceira causa de óbito em países desenvolvidos 1,2. Conforme a Organização Mundial da Saúde, cerca de 5 milhões de pessoas morrem todos os anos devido a Acidente Vascular Cerebral(AVC). Morreram 162 mil americanos de AVC agudo em 2002. Existem 5 milhões e meio de americanos vivos que sofreram AVC. Ocorrem 700 mil casos a cada ano, sendo que 200 mil serão recorrentes. Estatísticas recentes mostram que no Brasil é a primeira causa de óbito2. Em 2002 morreram 90 mil brasileiros devido ao AVC, enquanto o Infarto Agudo do Miocárdio determinou cerca de 60 mil óbitos. A cada 3 mortes por eventos cardiovasculares duas ocorrem por AVC e uma por Infarto Agudo do Miocárdio. Apenas 30% dos sobreviventes tem recuperação completa e, pelo menos, 60% dependerão de familiares ou cuidadores. Estima-se que a maioria dos indivíduos acometidos de AVC-agudo demore, em média, 12 horas para chegar a um hospital; ou,ainda,que apenas 30% dos casos sejam levados ao hospital nas primeiras 6 horas(extrapolando as janelas terapêuticas para possibilidade de tratamento trombolítico endovenoso-3 horas ou intra-arterial-6 horas). O AVC pode ser classificado quanto a etiologia, sendo de maior incidência os isquêmicos 3 . O Ataque Isquêmico Transitório (AIT) difere-se do acidente vascular –16– cerebral (AVC) por haver melhora da sintomatologia em até 24h, o que não ocorre no AVC isquêmico ou hemorrágico. O AVC compartilha vários fatores de risco com a doença arterial coronariana3, além de ser mais incidente na população do sexo masculino, com história prévia de AVC, AIT ou IAM e com história familiar de AVC 3 . O diagnóstico clínico pode ser feito através dos sinais focais neurológicos e quadro geral, sendo mais comuns as paresias, queda do nível de consciência, síncope, afasia, disfasia, disartria, disfagia, cefaléia, distúrbios visuais, vertigem, ataxia, vômitos e crise convulsiva, respectivamente 1,3. O AVC é uma emergência médica e deve ser conduzido prontamente por equipe médica neurovascular. Recomendase o desenvolvimento de Unidades de AVC em todos os centros hospitalares que sejam referência para esta doença1,2. A melhor compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da cascata de lesão isquêmica e a determinação temporal da viabilidade da região de penumbra, bem como as evidências do benefício do uso do ativador do plasminogênio tissular recombinante (rtPA) nas primeiras três horas do infarto cerebral ou, mais, recentemente, a trombólise intra-arterial, acarretaram a necessidade de nova postura e estruturação para o atendimento aos pacientes com AVC. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 16-20. Pires CAL e cols. Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo. Sintoma Paresia Red. Consciência Afasia Cefaléia Disfasia Distúrbios visuais Vômitos Paralisia facial Disfagia Disartria Síncope Ataxia Vertigem Convulsão Prevalência (%) 90 47,5 35 27,5 25 15 15 12,5 12,5 12,5 7,5 7,5 5 2,5 Tabela 1. Prevalência da sintomatologia Projeto Neurovascular do Hospital São Vicente de Paulo As doenças cerebrovasculares agudas incluem-se entre as principais causas de morte e invalidez. No Brasil, o acidente vascular cerebral (AVC) supera o Infarto do Miocárdio e, segundo dados do Datasus de 1997, são a principal causa de morte não-violenta entre os brasileiros. A mortalidade do AVC hemorrágico atinge 50% em 30 dias e 62% em um ano. O AVC isquêmico determina mortalidade de 12% em 30 dias e cerca de 18% em 6 meses. A taxa de indivíduos mortos ou dependentes após um ano é de 50% no AVC isquêmico e 74% no AVC hemorrágico. Com o intuito de modificar essa realidade, uma série de iniciativas em vários centros nacionais e internacionais tem sido implementadas, buscando diminuir os graves efeitos deletérios desta patologia. O modelo implantado no Hospital São Vicente de Paulo, coordenado pelo Neurocentro, a partir de 2003, privilegia o paciente no sentido de proporcionar o atendimento de forma rápida e eficaz, utilizando recursos humanos qualificados e a melhor infra-estrutura disponível na instituição. O diagnóstico precoce, além de possibilitar a opção por medidas terapêuticas modernas, permite o manejo clínico otimizado na fase aguda, além de proporcionar o atendimento em área específica assistida por equipe multidisciplinar. São 3 equipes médicas distintas que prestam plantões de 24 horas, em escala específica para atendimento de AVC agudo. Seguem-se protocolos escritos e algoritmos, desde a admissão no setor de emergência, até a decisão terapêutica(baseados nas diretrizes da Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares-Academia Brasileira de Neurologia e da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia). Unidade de AVC A unidade de AVC possui área física específica, localizada no subsolo do hospital, junto ao Centro de Cuidados Intensivos de Enfermagem (CCIE). Estão disponíveis para internação 3 leitos. Cada leito dispõe de monitorização cardíaca e oximetria, além de acesso à rede de oxigênio e ar comprimido. Os pacientes são assistidos por equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, nutricionistas, fisioterapeutas e REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 16-20. Fator de Risco HAS Cardiopatias Arteriopatias Hipercolesterolemia Diabetes mellitus Fibrilação atrial Hipertrigliceridemia Tabagismo AVC prévio AIT prévio Uso de álcool Distúrbio de coagulação IAM prévio História familiar Prevalência (%) 82,5 35 35 27,5 25 25 22,5 20 20 12,5 5 5 5 2,5 Tabela 2. Prevalência dos fatores de risco fonoaudiólogos. São realizados treinamentos e seminários de ensino aos profissionais envolvidos com a Unidade de AVC, objetivando proporcionar aquisição de conhecimentos e motivação. A assistência médica, de enfermagem e fisioterapia encontra-se, também, associada aos programas de ensino dos cursos respectivos da Universidade de Passo Fundo (UPF). Na Unidade de AVC estão estabelecidos protocolos específicos para o manejo clínico de pacientes com AVC agudo, inclusive com disponibilidade de usar métodos terapêuticos modernos e mais eficazes como a trombólise endovenosa ou trombólise intra-arterial seletiva por cateterismo percutâneo (Neurointervenção vascular). Os pacientes internados na Unidade de AVC são assistidos por médico neurologista e/ou neurocirurgião. Admitem-se, conforme disponibilidade de leito, pacientes com AVC agudo, isquêmico ou hemorrágico, confirmados por exames laboratoriais e de neuroimagem, com até 24 horas de evolução a partir do início dos sintomas neurológicos, que apresentem indicação de tratamento conservador. A unidade não está equipada e não objetiva admitir pacientes com necessidade de monitoração invasiva e terapia intensiva como, por exemplo, ventilação mecânica. São admitidos com alta prioridade pacientes com diagnóstico confirmado de AVC isquêmico agudo, com até seis horas de evolução desde o início dos sintomas e que, após avaliação pelo protocolo específico e obtenção de consentimento informado receberão tratamento com trombolítico endovenoso ou trombólise intra-arterial. Em 2003 avaliou-se os primeiros seis meses de implantação da Unidade de AVC – Projeto Neurovascular do HSVP. Os resultados relacionados ao tempo de internação e freqüência de complicações foram extremamente positivos quando comparados à literatura. Entre as complicações verificadas, observou-se que as infecções estavam presentes desde a admissão sendo, portanto, por definição, comunitárias. É importante salientar que o tempo médio de internação na unidade foi de apenas 5,5 dias e 78,6% dos pacientes tiveram alta diretamente para o domicílio, reduzindo-se riscos e custos. O número de pacientes que –17– Pires CAL e cols. Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo. receberam tratamento trombolítico endovenoso foi reduzido em função do pequeno contingente de pacientes admitidos dentro da janela terapêutica (3 horas), já que não ocorreu atraso intra-hospitalar como causa da não realização de trombólise. Possivelmente, com a melhora do nível de conhecimento da comunidade sobre as manifestações iniciais do AVC e a conscientização quanto a necessidade de imediata procura por um centro especializado de diagnóstico e tratamento, deve aumentar o número de beneficiados por esta opção terapêutica. O Projeto Neurovascular do Hospital São Vicente de Paulo(HSVP), coordenado pelo Neurocentro, teve o objetivo de propor o desenvolvimento de um Centro de Referência para o atendimento de Doenças Vasculares Cerebrais, com recursos humanos, infra-estrutura e organização para tratar pacientes com AVC agudo, rápida e eficientemente. Os objetivos iniciais foram plenamente atingidos, sendo o Hospital São Vicente de Paulo o primeiro hospital do interior do estado do Rio Grande do Sul a contar com estruturação de Unidade de AVC, conforme as exigências técnico - científicas preconizadas pela Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares. A sistematização do atendimento do AVC agudo, desde a admissão no Setor de Emergência até a internação na Unidade de AVC, foi adequadamente assimilada pelo pessoal médico e equipes multi-profissionais de apoio, ensejando atividade coordenada e eficaz. Os pacientes admitidos foram adequadamente assistidos, não se verificando complicações graves nos poucos tratamentos trombolíticos realizados (as indicações seguiram rigidamente os protocolos). O advento da Neurointervenção vascular agregou valor inestimável aos recursos diagnósticos e, especialmente, terapêuticos, com a perspectiva de utilização da trombólise intra-arterial percutânea por cateterismo seletivo (diminuindo os riscos da trombólise endovenosa e ampliando a janela terapêutica para 6 horas). Também, oportuniza tratamento diferenciado de outras patologias vasculares, de alta morbi-mortalidade, como aneurismas ou mal-formações vasculares cerebrais. Os recursos humanos e a infra-estrutura obtida permitem a instituição situar-se na classificação da Sociedade Brasileira de Doenças Cérebro - Vasculares como Centro de Referência nível A, para diagnóstico e tratamento de doenças encéfalo-vasculares. METODOLOGIA Estudo descritivo e retrospectivo que incluiu pacientes internados na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo, aos cuidados da Equipe do Neurocentro, no período de agosto de 2004 a julho de 2005. Os critérios de inclusão foram idade entre 18 e 90 anos, AVC agudo, escala NIHSS 4 a 22, indicação de tratamento conservador. Através de busca ativa nos prontuários dos pacientes arrolados, analisaram-se as variáveis: sintomatologia, fatores de risco, comorbidades, tempo de internação hospitalar, tempo entre avaliação neurológica e exames de neuroimagem, uso de trombolítico; na formulação do questionário, valeu-se do Primeiro Consenso Brasileiro do Tratamento da Fase Aguda do Acidente Vascular Cerebral de setembro de 2001. –18– RESULTADOS E DISCUSSÃO Avaliaram-se 40 pacientes, com idade média de 67 ± 13 anos [40;87] com prevalência maior do sexo feminino (62,5%). O tempo de avaliação clínica foi de 14 ± 25h [1;97] e neurológica de 17 ± 23h [1,5;97], pois uma paciente foi atendida com 4 dias de evolução. Cerca de 85% dos diagnósticos clínicos foram de AVC isquêmico. Quanto a apresentação, 84% tiveram início súbito da sintomatologia e 60% apresentaram evolução na chegada ao hospital com persistência de sinais. Conforme observa-se na Tabela 1, a paresia foi o sintoma mais prevalente, em cerca de 90% dos pacientes. Entre os fatores de risco, encontrou-se a HAS como a mais prevalente (acima de 80%). Como achado tomográfico mais comum, encontrou-se hipodensidade no território da artéria cerebral média (aproximadamente 25%), seguido de infarto capsulo-ganglionar, doença vascular cerebral difusa, hemorragia subaracnóidea, infarto lacunar antigo, infarto do tronco cerebral e infarto cerebelar. Não foram encontrados alterações patológicas significativas em 17,9% dos exames de neuroimagem, achado em conformidade com a literatura5,6, já que o AVC pode demorar até 72h para se traduzir em tomografia computadorizada. Em nenhum dos pacientes da amostra em foco foi realizada trombólise, sendo que 57,5% dos pacientes ocorreu exclusão por perda da janela terapêutica e 42,5% por contra-indicação a terapia trombolítica. Verificou-se ocorrência de AIT em 12,5% dos casos, corroborando-se com a literatura que aponta ocorrência de até 26%. O risco de AVC após AIT é de 8% no primeiro mês, 13% durante o primeiro ano e até 29% em cinco anos. Os pacientes de maior risco são idosos, AIT "crescendo", doença carotídea severa, cardiopatia, fibrilação atrial, fonte cardioembólica definida e AIT hemisférico1,2. Como complicação clínica mais comum encontrou-se broncopneumonia(33%), seguido de conversão hemorrágica, sepsis, infecções do trato urinário, bexiga neurogênica e outras infecções, respectivamente. O tempo de permanência na Unidade de AVC foi de 5,7±3,9 dias, com taxa de mortalidade de 15%. Cerca de 75% dos pacientes apresentaram melhora sintomática no momento da alta. O AVC agudo isquêmico(cerca de 85% dos casos) é uma síndrome de múltiplas etiologias e manifestações clínicas variáveis. É possível identificar-se os pacientes com risco elevado de AVC isquêmico(Figura 1). O principal fator fisiopatogênico é a aterosclerose de artérias de grande e pequeno calibre. A doença aórtica proximal pode estar envolvida como fonte embolígena aterogênica. Graves estenoses ou oclusões ateroscleróticas e trombose associada ou embolia artério-arterial podem determinar repercussões isquêmicas ao encéfalo. O microateroma, a lipo-hialinose e outras doenças oclusivas das pequenas artérias cerebrais penetrantes determinam infartos lacunares subcorticais. Cerca de 20% dos AVCs isquêmicos devem-se à embolia cardiogênica, especialmente fibrilação atrial. Ainda, cerca de 30% dos AVCs isquêmicos permanecem sem etiologia definida (criptogênicos), ensejando a necessidade de considerar etiologias menos frequentes ou, ainda, a serem desvendadas7,8,9,10. O AVC hemorrágico(cerca de 15%) encontra-se REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 16-20. Pires CAL e cols. Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo. Risco elevado Fibrilação atrial Estenose mitral Próteses valvares mecânicas IAM recente Trombo em ventr.esquerdo Mixoma atrial Endocardite infecciosa Miocardiopatias dilatadas Endocardite marântica Risco pequeno Prolapso da válvula mitral Calcificação do anel mitral Forame oval patente Aneurisma do septo atrial Estenose aórtica calcificada Filamentos da valva mitral Tabela 3. Fontes Cardioembólicas(modificado de Albers GW et al.7) Figura 1. Risco anual de AVC ou morte entre pacientes de vários subgrupos de alto risco. Adaptado de Albers GW et al. Apud Wilterdink e Easton. relacionado com a doença hipertensiva, na maioria dos casos. Hemorragias em núcleos da base e/ou cápsula interna ou lobares são mais comuns. A hemorragia subaracnóidea tem uma incidência anual de até 20 casos/100 mil habitantes; 15% dos pacientes morrem em nível pré-hospitalar, 10% dentro das primeiras 24h, geralmente em razão de ressangramento de aneurisma cerebral(85%). A mortalidade geral é de até 60% nos primeiros 30 dias e 50% dos sobreviventes apresentarão déficit neurológico incapacitante. Os objetivos terapêuticos principais são a prevenção do ressangramento e do déficit neurológico isquêmico tardio1,2,3. Usualmente o AVC agudo tem etiologia conhecida, decorrendo de fatores de risco bem estabelecidos. Diversos estudos internacionais, como o de Framingham, demonstraram o inquestionável papel da doença hipertensiva, tabagismo, dislipidemias, diabetes mellitus e idade como fatores de risco independentes. A hipertensão arterial sistêmica é o principal fator implicado. Os fatores predisponentes incluem a obesidade, sedentarismo, história familiar precoce de AVC ou doença cardiovascular, etnia e fatores psicossociais. Outro grupo de fatores de risco condicionais, com papel provável na aterogênese, inclui hipertrigliceridemia, lipoproteína, homocisteína, LDL pequena e densa, fibrinogênio e fatores inflamatórios. Possivelmente o climatério possa ser fator de risco independente para mulheres3,7,8. Evidências recentes sugerem que até 15% dos acidentes vasculares cerebrais que ocorrem em indivíduos abaixo dos 45 anos estejam relacionados à migrânea com aura(infartos migranosos). Mulheres jovens com migrânea que fumam tem um aumento de aproximadamente 10 vezes no risco de AVC e aquelas com migrânea em uso de contraceptivos orais o risco é de quatorze vezes maior que no grupo controle4. Curiosamente, na presente série, os dois casos de infartos migranosos ocorreram em homens. Apenas o controle da doença hipertensiva diminuiu o AVC em 42%, o controle do colesterol em cerca de 30% e a REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 16-20. retirada do fumo em até 70%. Dados americanos indicam que apenas 25% dos portadores de hipertensão arterial apresentam doença controlada3. A situação geral entre os brasileiros, quanto a estes fatores de risco, devem ser semelhantes. São necessárias ações enérgicas de conscientização da população quanto a relação direta dos fatores de risco e as doenças vasculares cerebrais e cardiovasculares. CONCLUSÕES A Unidade de AVC do HSVP e o atendimento emergencial aos pacientes estão funcionando próximo aos parâmetros desejados, podendo haver melhora no tempo de avaliação neurológica e no intervalo entre a avaliação inicial médica e o exame de neuroimagem. Há uma grande necessidade de educação popular quanto aos fatores de risco e sintomatologia do AVC, a fim de que a população procure o atendimento competente em tempo de avaliar-se a possibilidade de serem utilizadas as técnicas de trombólise endovenosa ou intra-arterial com rtPA. Além disso, os cuidados e intervenções precoces, em unidade de AVC, asseguram manuseio adequado do AVC agudo. Em relação às políticas de saúde pública, urge o controle da HAS, dislipidemia e cessação do tabagismo, por serem fatores de risco modificáveis e de elevada relevância na patogênese do AVC agudo. Faz-se, também, necessária conscientização da comunidade médica quanto as vantagens do manejo e tratamento de AVC-agudo nas unidades de atendimento especial, para que os pacientes sejam prontamente encaminhados. Os casos graves de AVC agudo(sinais focais densos, hipertensão intracraniana, comatosos, etc), com elevada morbi-mortalidade per se, costumam ser encaminhados rapidamente. Todavia, os casos leves e moderados(escala de AVC do National Institute of Health-USA entre 4 e 22), especialmente com AVC agudo isquêmico, seriam os maiores beneficiados, em razão de diagnóstico e conduta terapêutica em tempo hábil de socorrer o tecido cerebral isquêmico, reduzindo a área do infarto, prevenindo e solucionando complicações precocemente e, então, reduzindo sequelas e a mortalidade. –19– Pires CAL e cols. Perfil do Atendimento na Unidade de AVC do Hospital São Vicente de Paulo. Summary PATIENTS PROFILE AND ASSISTENCE IN STROKE UNIT OF SÃO VICENTE DE PAULO HOSPITAL, PASSO FUNDO(RS), BRAZIL. The cerebral vascular disease represents the principal cause of neurological nontraumatic sequelae in adults. In Brazil overshoted cardiovascular disease and cancer in mortality rates. In 2002, 90.000 brazilians died of stroke and 60.000 of cardiac diseases. It cause significant personal, familial and society impairment. Is necessary energic actions in comunity, about modificable risk factors. The reference Hospitals needs disposable structure to assistence patients with stroke as a medical emergency and that have a Stroke Unit. The authors show the experiences in patients care with stroke, during one year(august 2004-july 2005). The results showed satisfactory and similar with others reference centers, for diagnosis and treatment of stroke. Is necessary educationals actions for the community and health professionals, especially for precocious assistence in regional reference center. Keywords: Cerebral artery diseases, cerebral emboly and trombosis , cerebral infarction, cerebral haemorragy, cerebrovascular disturbances. REFERÊNCIAS 1. Dion JE. Management of Ischemic Stroke in the Next Decade: Stroke Centers of Excellence. J Vasc Interv Radiol 2004; 15:S133-S141. 2. 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Resumo Objetivou-se verificar e demonstrar a importância das orientações fisioterapêuticas aos cuidadores das crianças portadoras de paralisia cerebral, no manuseio e como coadjuvante no tratamento e desenvolvimento neuropsicomotor; também observar as dificuldades enfrentadas pelos cuidadores ao manusear a criança portadora de paralisia cerebral. O estudo foi desenvolvido na APAE de Erechim, tendo seu início em abril e término em agosto/2005; seis cuidadores foram incluídos na amostra. Os encontros foram realizados três vezes por semana, com duração de uma hora; enquanto a criança estava na sessão de fisioterapia, os cuidadores participaram dos encontros. Realizou-se a avaliação fisioterapêutica e os cuidadores receberam um questionário com questões referentes aos cuidados na vida diária da criança, salientando dúvidas e inseguranças em manusear a criança diariamente. Após, foi elaborado um programa de orientações fisioterapêuticas, utilizando-se um folder, com figuras ilustrativas, com as posições e maneiras corretas de manusear a criança em seu âmbito familiar. Ao término desta pesquisa, pôde-se observar melhora significativa em relação ao manuseio dos cuidadores para com a criança portadora de paralisia cerebral, além de contribuir positivamente para o desenvolvimento motor de tais crianças. Unitermos: Paralisia cerebral, orientações, fisioterapia. Paralisia Cerebral é o termo usado para designar um grupo de distúrbios motores não-progressivos, porém sujeitos a mudanças, resultante de uma lesão no cérebro nos primeiros estágios do seu desenvolvimento1. É uma desordem do movimento e da postura devido a um defeito ou lesão no cérebro imaturo. A lesão cerebral não é progressiva e provoca debilitação variável na coordenação da ação muscular, com resultante incapacidade da criança em manter posturas e realizar movimentos normais. Esta deficiência motora central está freqüentemente associada a problemas da fala, visão e audição, com vários tipos de distúrbios da percepção, um certo grau de retardo mental e/ou epilepsia2,3. Ter que cuidar de uma criança com paralisia cerebral REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 21-24. é origem de muitos problemas para os pais que exibiam expectativa e ansiedade pela chegada de uma criança normal. Uma criança excepcional, do ponto de vista físico ou intelectual, gera muitos transtornos pela necessidade de adaptação a um fato indesejado. É importante que os pais se conscientizem de que rejeitar ou ignorar a excepcionalidade de uma criança apenas irá aumentar o problema4. Sem ajuda especializada, muitos pais angustiados tendem a amenizar sua angústia deturpando a relação com a criança deficiente e com o restante da família. A aceitação do problema e o estabelecimento de relações satisfatórias entre a criança e a família permitem que sua personalidade se desenvolva em um ambiente mais favorável5. –21– Paliga C S e cols. Orientações fisioterapêuticas aos cuidadores de crianças portadoras de paralisia cerebral. MATERIAL E MÉTODOS O estudo foi desenvolvido na APAE de Erechim(RS), sendo que seis cuidadores foram incluídos na amostra, responsáveis por crianças com idade entre zero e quatro anos(quatro portadoras de quadriplegia espástica, uma hemiplegia espástica e outra quadriplegia atetóide). Os encontros foram realizados três vezes por semana, com duração de uma hora, sendo que, enquanto a criança estava na sessão de fisioterapia, os cuidadores participaram dos encontros. No primeiro contato com os responsáveis pelas crianças, os cuidadores receberam o termo de consentimento livre e informado, contendo as informações à respeito da pesquisa, seus benefícios, independência para desistir de participar a qualquer momento, sem qualquer prejuízo ou danos. Posteriormente, realizou-se a avaliação fisioterapêutica e os cuidadores receberam um questionário com questões referentes aos cuidados na vida diária da criança, salientando dúvidas e inseguranças dos mesmos em manusear a criança diariamente. No decorrer dos encontros, os cuidadores foram questionados quanto à dificuldades encontradas no dia-dia para manusear a criança. Após, foi elaborado um programa de orientações fisioterapêuticas, utilizando-se um folder, com figuras ilustrativas, com as posições e maneiras corretas de manusear a criança em seu âmbito familiar. De acordo com os dados obtidos no questionário, a maior dificuldade encontrada pelos mesmos em manusear a criança tornou-se evidente ao vestir e no transportar. No decorrer dos encontros, de acordo com as dificuldades apresentadas pelos cuidadores, foi elaborado um programa de orientações fisioterapêuticas, utilizando-se um folder, contendo figuras ilustrativas, com as posições e maneiras corretas de manusear a criança portadora de paralisia cerebral diariamente, em seu âmbito familiar. Após um período de cinco meses, de adaptação dos cuidadores às orientações, utilizou-se novamente um questionário verbal, através de uma entrevista informal, para saber por parte dos cuidadores sua sincera opinião sobre as orientações fornecidas e se houve alguma contribuição para o desenvolvimento neuropsicomotor da criança, no seu ponto de vista, sem que a pergunta influenciasse sua resposta. RESULTADOS E DISCUSSÃO Ao término desta pesquisa, foi possível observar e comprovar a real contribuição das orientações fisioterapêuticas ao desenvolvimento neuropsicomotor da criança portadora de paralisia cerebral. Em cinco meses de orientações passadas aos cuidadores e seguidas no ambiente familiar, todas as crianças obtiveram melhora do seu quadro clínico, variando conforme o seu grau de comprometimento neurológico. Os cuidadores obtiveram consciência de que o tempo de sessão da fisioterapia é importante, porém insuficiente para obter ganhos ou, pelo menos, fornecer uma qualidade de vida à criança. Compreenderam, também, que o manuseio correto da criança em seu ambiente familiar e a fisioterapia –22– são fatores que devem estar sempre juntos, com o mesmo objetivo: a qualidade de vida da criança, respeitando suas limitações. A intervenção precoce ou essencial é um tipo de prevenção secundária, cujos objetivos são evitar e/ou amenizar distúrbios do desenvolvimento neuropsicomotor, bem como a identificação dos sinais iniciais provocados pela lesão. O tratamento precoce é indicado como uma forma de aumentar a interação do organismo com o ambiente, obtendo respostas motoras próximas ao padrão de normalidade e prevenindo a aprendizagem de padrões anormais de movimento e postura6,7. O termo “essencial” determina que o início da intervenção ocorra antes do sexto mês de idade, preferencialmente no primeiro trimestre, antes que seja estabelecida, por completo, a patologia, especialmente nos casos de Paralisia Cerebral 9 . Portanto, a intervenção deve ser realizada logo que sejam notados os primeiros desvios no desenvolvimento, de forma a prevenir a adoção de comportamentos sensório- motores não-funcionais, determinados pelas alterações tônicas e sensoriais10. Além disto, quanto mais imediata a intervenção, maiores serão as probabilidades de habilitação da criança com paralisia cerebral devido a este ser o período de maior plasticidade cerebral11,12. De acordo com os resultados obtidos, pode-se perceber a importância do diagnóstico médico preciso, a fim de detectar precocemente a existência de alterações no desenvolvimento da criança, para posterior intervenção fisioterapêutica, seja como tratamento e/ou sob orientações aos cuidadores. Se a criança com paralisia cerebral não receber tratamento adequado precocemente, suas fases motora, intelectual e psíquica serão estimuladas depois do momento ideal para isto e, inevitavelmente, se desenvolverá abaixo de suas possibilidades5,6. Contraturas e deformidades também atingirão a criança com maior intensidade e freqüência caso ela não seja estimulada pelos terapeutas nos momentos apropriados e num ritmo constante. O amadurecimento do sistema nervoso acontece, principalmente, antes dos sete anos de idade, sendo que os primeiros três anos são os mais importantes7. O manuseio é um termo aplicável a comportamentos seqüenciais, com objetivos definidos para a obtenção de respostas relacionadas ao ajustamento. No entanto, a eficiência do manuseio em crianças com alterações posturais, de equilíbrio, força e movimento, como ocorre na paralisia cerebral, pressupõe procedimentos definidos e organizados, para que a resposta não ocorra distorcida8,9. É de grande ajuda orientar e esclarecer aos pais, quanto à posições do corpo adotadas pela criança durante o dia e durante o sono. A maneira correta de manipular a criança, ao carregar, dar banho, trocar, etc.; ao ser aprendida beneficia a criança e é mais um ponto de auxílio em seu desenvolvimento.A fisioterapia exerce papel fundamental no tratamento de crianças portadoras de paralisia cerebral11-12. O fisioterapeuta ajuda os pais alertando para a necessidade, quando preciso, de uma consulta ao ortopedista; é capaz de fornecer orientação quanto à REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 21-24. Paliga C S e cols. Orientações fisioterapêuticas aos cuidadores de crianças portadoras de paralisia cerebral. conveniência ou não de cadeira de rodas, colchões ou redes que estejam sendo usadas e avaliar se estão ajudando ou prejudicando a criança14. CONCLUSÃO Após a análise dos resultados e discussões, pode-se concluir que as orientações fisioterapêuticas desempenham um fator imprescindível para a melhora no desenvolvimento das crianças com paralisia cerebral, sendo que quanto mais precocemente os cuidadores colocarem em prática as orientações, maior será a chance de a criança obter uma qualidade de vida, com suas limitações e incapacidades reduzidas diariamente14,15. Com o tratamento adequado e com o devido apoio emocional por parte dos pais, manuseando a criança corretamente, pode-se evoluir muito no tratamento e na recuperação da criança com paralisia cerebral.Não é possível afirmar qual a capacidade de evolução de uma criança comprometida, pois não se pode saber com exatidão suas potencialidades, percepções, sentimentos e pensamentos. Entretanto, é possível afirmar com certeza que, após a confusão inicial da descoberta da afecção, é possível integrar agradavelmente as crianças portadoras de qualquer quadro ao nosso cotidiano e torná-las felizes17. Diante da importância atribuída às orientações fisioterapêuticas e à quantidade ínfima de trabalhos de pesquisa realizados sobre tal abordagem, torna-se relevante a realização de outros estudos semelhantes, focalizando o tripé terapêutico criança-família-fisioterapia, projetando, desta forma, maior austeridade e eficácia no tratamento holístico da criança portadora de paralisia cerebral19. Summary PHYSIOTHERAPY ORIENTATION TO THE CARETAKERS OF CHILDREN WITH BRAIN PARALYSIS. The aim of this study,was to verify and to demonstrate the importance of the physiotherapeutic orientation for the caretakers of children having brain paralysis, handling them and as a helper in the treatment and psychomotor development as well as to observe the difficulties faced by the caretakers to handle children having a brain damage. This study was developed at APAE in Erechim, beginning in April 2005 and ending in August 2005, where six caretakers were included in the samples. Meetings were performed three times a week, with the duration of one hour, where, while a child was in a section of physiotherapy, the caretakers attended the meetings. Then, a physiotherapeutic evaluation was carried out and,the caretakers received a questionnaire with questions referring to the daily care of children, pointing out doubts and insecurities that they have, to take care of children. After that, a program of physiotherapeutic orientations was elaborated, using a folder, with illustrative pictures, with the positions and correct manners to handle a child in a home environment. In the end of this research, it was possible to observe a significant improvement referring to the handling of the children by the caretakers, besides positively contributing to the motor development of these children. Uniterms: Brain Paralysis, Orientations, Physiotherapy. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 21-24. –23– Paliga C S e cols. Orientações fisioterapêuticas aos cuidadores de crianças portadoras de paralisia cerebral. REFERÊNCIAS 1. Bobath, K., Bobath, B. Desenvolvimento motor nos diferentes tipos de paralisia cerebral. São Paulo: Manole, 1989. 2. Bobath K. Uma base neurofisiológica para o tratamento da paralisia cerebral. 2ªed. São Paulo: Manole. 3. Burns RY, MacDonald. J. Fisioterapia e crescimento na infância. 1ªed, Santos. 4. Camargo S. Manual de ajuda para pais de crianças com paralisia cerebral. São Paulo: Pensamento, 1999. 5. Rosa Filho BJ. O conceito bobath. 2001.Disponível: www.wgate.com.br/fisioweb. Acesso em 20/05/ 05. 6. Finnie N. O manuseio em casa da criança com paralisia cerebral. 3ªed. São Paulo: Manole, 2000. 7. Gatti N. Alterações ortopédicas em crianças com paralisia cerebral da clínica escola de fisioterapia da universidade do sagrado coração- USC. Fisioterapia e movimento, São Paulo 2000-2001;13(2):31-36. 8. Herbert S et al. Ortopedia e traumatologia: princípios e prática. 3ªed. Porto Alegre: Artes Médicas,2003 9. Lamônica D et al. Análise perceptual de mães de flhos com paralisia cerebral sobre a atividade de banho. Arquivos Brasileiros de Paralisia Cerebral 2004; 1(1):30-34. 10. Lanfredi AP et al. Nível de habilidade motora funcional em crianças portadoras de paralisia cerebral. Reabilitar, São Paulo 2004;25:20-23. –24– 11. Lianza S. Medicina de reabilitação. 3ªed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2001. 12. Macedo R. Acúmulo de ácido lático e pacientes portadores de paralisia cerebral. Fisioterapia e movimento, São Paulo 2000-2001;13(2):21-30. 13. Miller G & Gary C. Paralisias cerebrais: causas, conseqüências e conduta. São Paulo: Manole, 2002. 14. Oliveira T. et al. Uso da toxina botulínica tipo A como coadjuvante no tratamento da espasticidade: uma revisão de literatura. Fisioterapia e movimento, São Paulo 1999-2000;12(2):33-47. 15. Poutney M et al. Repeatability and limits of agreement in measurement of hip migration percentage in children with bilateral cerebral palsy. The journal of the chartered society of physiotherapy 2003;89(5):276-281. 16. Sanches SLG. A escoliose na paralisia cerebral. 2002. www.centrodesaopaulo.com.br/artigos/artigos5.htm 17. Stockes M. Neurologia para fisioterapeutas. São Paulo: Premier, 2000. 18. Thomson, A.,Skinner A.,Piercy J. Fisioterapia de Tidy. 12ª ed. São Paulo: Santos, 2002. 19. Tudella E et al. Comparação da eficácia da intervenção fisioterapêutica essencial e tardia em lactentes com paralisia cerebral. Fisioterapia em movimento, Curitiba 2004;17(3):45-52. 20. Umphred D. Fisioterapia neurológica. 2ªed. São Paulo: Manole, 1994. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 21-24. Artigo Original Relação Goniometria do Arco Medial do Pé e Pressão Plantar em Baropodometria Cristina Santin Bilibio1, Daniela Bertol2, Hugo Tourinho F°3. Serviço de Fisioterapia1, Residência de Fisioterapia, Instituto de Cardiologia, Porto Alegre(RS)2, Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo(RS)3. Resumo O desenvolvimento do arco longitudinal medial (ALM) foi o primeiro passo na evolução do homem para a postura bípede e forneceu aos pés a capacidade de absorver os impactos causados pela postura ereta. Isto têm feito do ALM objeto de interesse clínico e de pesquisa. Assim, buscou-se verificar a relação entre o teste de goniometria do ALM do pé com o exame das pressões plantares por baropodometria computadorizada. Selecionou-se amostra randomizada de dez indivíduos adultos, com idades entre 20 e 30 anos e IMC entre 18,5 e 30. Mensurou-se goniometricamente o ALM através do ângulo obtuso entre a primeira articulação metatarso-falangeana, porção medial do navicular e porção medial do maléolo medial. Para a baropodometria computadorizada utilizou-se o F-Scan versão 4.22 Windows 95 Tekscan®, Boston, MA. Pode-se verificar que a goniometria do ALM do pé apresenta relação regular (r = -0,43; p£0,05) quando comparada com meios mais precisos de mensuração, como o Modified Arch Index calculado através da baropodometria, de forma que deve ser utilizada com cautela. Unitermos: Pés, arco medial do pé, goniometria, baropodometria. Uma das mais importantes características estruturais do pé é o arco longitudinal medial e por esse motivo várias técnicas têm sido propostas para avaliar os tipos de arcos plantares. Sabe-se que a aparência visual do pé não é tão importante como suas funções posturais e, neste contexto, cabe ressaltar que estudos têm demonstrado que pés com arcos aumentados ou reduzidos desenvolvem diferentemente suas funções 1. Nesse sentido, o método clínico mais usado para avaliar o arco longitudinal medial do pé é mensurar a distância entre um ponto do navicular ou do tálus e o solo com o indivíduo em postura ereta. Porém, este método apresenta algumas desvantagens, tais como, a subjetividade da palpação e a experiência do avaliador. A busca de um método que atingisse medidas precisas e reprodutíveis da forma e função do pé foi sempre uma constante, pois os meios existentes mostravam-se úteis, porém inadequados e obsoletos para uma avaliação seqüencial ou para ser comparada por diferentes observadores, pois estes, tendo a mesma visão poderiam ter diagnósticos diferentes2. Segundo Williams e McClay3 dentro das experiências clínicas utilizadas na classificação dos tipos de pé, a mais corriqueira é a classificação visual, porém é muito inconsistente para que todo um tratamento seja baseado na REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 25-29. mesma. Na presente pesquisa comparou-se a goniometria do arco longitudinal medial do pé, método fácil e bastante difundido, com o exame de baropodometria computadorizada que é um método que permite a mensuração das pressões exercidas em vários pontos anatômicos da superfície plantar com medidas precisas sendo capaz de realizar uma avaliação objetiva por meio de sensores pressóricos de alta sensibilidade2. Por meio da comparação entre ambos os métodos procurou-se verificar a validade da goniometria na mensuração do arco longitudinal medial do pé. MATERIAIS E MÉTODOS Realizou-se estudo descritivo observacional e comparativo, considerando-se que, foram analisados dados objetivos compostos por duas avaliações específicas: a goniometria do arco longitudinal medial do pé e a baropodometria das pressões plantares por meio do cálculo do Modified Arch Index (MAI). A amostra foi composta por dez indivíduos adultos jovens, com idades entre 20 e 30 anos, sendo funcionários e alunos da Faculdade de Educação Física e de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo, com índice de massa corporal (IMC) entre 18,5 e 30, sendo quatro do sexo –25– Bilibio C S e cols. Relação Goniometria do Arco Medial do Pé e Pressão Plantar em Baropodometria. masculino e seis do sexo feminino. Após terem assinado o termo de consentimento os indivíduos foram encaminhados ao Laboratório I de Biomecânica da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo, onde realizaram avaliações em três momentos distintos. Primeiramente foram submetidos à entrevista e exame físico onde foram aferidos os dados necessários para inclusão do indivíduo na amostra, ou seja, ter idade entre 20 e 30 anos, pois nesta idade segundo Palmer e Epler [4] há um platô na ADM, e, ter IMC entre 18,5 e 30, pois acima de 30 é considerado obesidade, além de não ter histórico de lesões graves em membros inferiores. Em um segundo momento realizou-se a avaliação goniométrica, por meio de um Goniômetro Universal da marca Trident® (figura 1). Durante a avaliação goniométrica os indivíduos ficaram descalços, vestindo bermuda e camiseta, permanecendo em bipedestação estática ao nível do solo, com os pés afastados quinze centímetros entre si. Foi realizada palpação para localização das estruturas que segundo Hunt, Fahey e Smith5 delimitam o ângulo do arco longitudinal medial do pé e a marcação destes pontos com lápis dermográfico para facilitar a mensuração (figura 1). Estes autores definem o ângulo do arco medial como o ângulo obtuso formado pela porção mais medial do maléolo medial, tuberosidade do navicular e linha articular média da cabeça do primeiro metatarso. Figura 1. Marcações das medidas do ângulo do ALM do pé. Foram realizadas três mensurações do ângulo do ALM do pé e anotadas, e para fins estatísticos foi utilizado o valor intermediário entre as três medidas. Tais mensurações foram realizadas em ambos os membros para posterior estudo comparativo. A partir do exame goniométrico foram obtidos valores em graus referentes ao ângulo do arco longitudinal medial, que de acordo com Hunt, Fahey e Smith5 classificam-se em: pé plano para valores = que 120o; pé normal para valores entre 120o e 150o; e pé cavo para valores = 150o. Após a avaliação goniométrica realizou-se a avaliação baropodométrica, por meio de um sistema de baropodometria computadorizada - F-Scan versão 4.22 Windows 95 Tekscan®, utilizando-se palmilhas com sensores de pressão. Para a avaliação baropodométrica, ainda –26– descalços, os indivíduos permaneceram em pé sobre as palmilhas centradas, com quinze centímetros de distância entre elas, em uma superfície nivelada[6,7,8,9]. Permaneceram nesta posição por dez segundos, tempo necessário para o computador registrar os dados. A partir do exame baropodométrico foi calculado o Modified Arch Index (MAI) de cada pé de todos os indivíduos, já que esta é uma das formas mais precisas para classificar o arco plantar e é também a que apresenta maior correlação estatisticamente significativa quando comparado com os outros parâmetros descritos em literatura[1]. O Modified Arch Index (MAI) é definido como a proporção da pressão do terço médio em relação à pressão total, excluindo os dedos[1]. Cavanagh e Rodgers[6] definiram os critérios para classificação dos tipos embasados nos valores do MAI e AI como arco medial aumentado MAI < 0,21, arco medial normal 0,21 £ MAI £ 0,26, e arco medial diminuído MAI ³ 0,26. Qualidade dos Dados Para verificar a fidedignidade e a objetividade da avaliação goniométrica, foi realizada avaliação goniométrica em uma amostra a parte, a fim de realizar o cálculo do erro intra (fidedignidade) e interavaliador (objetividade). Para tal análise foi selecionada uma amostra de dez indivíduos aleatória e diferente da amostra utilizada no estudo. Foi realizada três vezes a mesma medida utilizada no estudo do ALM em cada pé de todos os indivíduos, sendo utilizado para fins estatísticos o valor intermediário. Cada avaliadora mediu os dez indivíduos num mesmo dia em horas distintas, para reduzir as variáveis de temperatura e umidade do ar que, segundo a literatura, tem grande influência na correta marcação dos pontos de referência, logo, no valor final encontrado [10]. Os resultados obtidos, na verificação do Erro Técnico da Medida(ETM) da mensuração goniométrica, conforme tabela 1 indicaram um r = 0.96, o que corresponde a um erro de para 1,86ú para o pé direito, e, um r = 0.92, o que corresponde a um erro de 2.19ú para o pé esquerdo (p = 0,05). Indicando uma correlação muito forte entre os dados avaliados por ambas as avaliadoras, após terem sido devidamente treinadas. Pé D Avaliador 1 Pé D Avaliador 2 Pé E Av 1 Pé E Av 2 Av1 X Av2 Pé D Av1 X Av2 Pé E Primeira Avaliação X = 136,44° Dp = 8,8° X = 138,66° Dp = 8,3° X = 141,77° Dp = 8,07° X = 141,33° Dp = 7,48° Segunda Avaliação X = 136,44° Dp = 7,97° X = 137,55° Dp = 7,29° X = 141,44° Dp = 8,6° X = 141,11° Dp = 8,9° r ETM 0,96 1,58° 0,95 1,82° 0,97 1,37° 0,96 1,87° - - 0,96 1,86° - - 0,92 2,19° Tabela 1. Tabela do Cálculo do Erro Técnico da Medida (p =0,05). REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 25-29. Bilibio C S e cols. Relação Goniometria do Arco Medial do Pé e Pressão Plantar em Baropodometria. RESULTADOS E DISCUSSÃO A média obtida na goniometria indica que a maioria dos valores se aproxima de 137 o , sendo classificados segundo Hunt5 como pés normais. Enquanto, a média obtida na baropodometria (0,153±0,09) fornece valor que segundo Shiang1 , Chu et al.11 e Morag e Cavanagh7 classificam a maioria dos pés avaliados como cavo. Pela análise dos resultados da goniometria, 100% da amostra foi classificada como pés normais (figura 5); enquanto, a baropodometria apresenta dados que classificam 70% dos indivíduos apresentando pés cavos, 20% pés normais e 10% pés planos (figura 6). Estudos anteriores sobre a avaliação do arco plantar através das pressões plantares apresentam conflitos importantes em seus resultados. Nesse sentido, Shiang1 dirigiu um estudo comparando as principais formas de avaliação dos tipos de pé através da impressão plantar, apresentando AI, (r = -0,70; p=0.0001), enquanto o MAI, (r = -0,71; p=0.0001), com os dados encontrados em exame de raio-x. Resultados semelhantes foram encontrados por McCroy et al.12. Shiang 1 apresentou em seu estudo resultados semelhantes (média de 0,138 ± 0,06), portanto, pela média dos valores encontrados pelo autor também houve uma maior incidência de pés cavos dentro de sua amostra, assim como no presente trabalho. O presente estudo utilizou a medida de Modified Arch Index (MAI), como parâmetro, para comparação com uma das formas de avaliação mais difundidas entre os fisioterapeutas, a goniometria, e os resultados apresentaram correlação estatística regular (r = -0,43)13. A baropodometria quando comparada a uma das formas mais precisas que é o raio-x, conforme pesquisa realizada por Saltzman 14 , apresentou uma correlação forte (r = 0.91; p=0.05). Porém, a goniometria do arco longitudinal medial, assim como outras avaliações clínicas descritas por outros autores, como, por exemplo, a classificação visual, citada por Williams e McClay3, não apresentou correlação significativa, ou quando houve correlação, esta foi classificada como regular. Hunt5 realizou estudo comparando duas medidas de goniometria o Medial Arch Angle (MLA) e o desvio do calcâneo. Foi encontrada uma média de 150,3o± 9,1, com a amostra variando entre 135o e 170o, indicando que a maioria dos pés avaliados foram classificados como normal e plano, apresentando grande discrepância com os resultados encontrados na presente pesquisa. Tal discrepância pode ter ocorrido devido a algumas limitações citadas pela literatura e que também foram encontradas no decorrer do presente trabalho. Nesse sentido, Hunt5 descreve que a principal limitação encontrada foi quanto à precisão da marcação dos pontos de referência para a mensuração, e pequenas diferenças na marcação dos pontos na pele podem alterar em vários graus o resultado final. Saltzman et al.14 conduziu um estudo comparativo entre as formas de mensuração clínica e radiográfica do arco longitudinal medial do pé e relatou que há fraca correlação entre estas medidas, porém não foi utilizada a medida do medial arch angle, a qual utiliza os mesmos pontos de referência na pele que a CA-MT1 angle na radiografia. Para esta mensuração radiográfica este autor encontrou uma média de 132o±10o para uma amostra de 100 indivíduos, o que se aproxima bastante dos achados no presente estudo. Por meio do Coeficiente de Correlação de Pearson (r), no presente trabalho, encontrou-se uma relação regular e inversamente proporcional entre as variáveis analisadas (r = -0,45; p £ 0,05)13. Ao serem analisadas as mesmas variáveis, porém separando os sexos, os resultados obtidos com a baropodometria indicaram que entre os homens, foram encontrados 62,5% dos pés cavos, 25% dos pés normais e, 12,5% planos, com uma média de 0,168 kg/cm2 ± 0.08. Quando os mesmo sujeitos foram avaliados pela goniometria do arco longitudinal medial (ALM), novamente encontrou-se 100% da amostra com pés normais e uma média de 135 ú± 5,34. A análise dos dados do sexo masculino apresentou Figura 2. Classificação dos tipos de pé encontrados na avaliação goniométrica. Figura 3. Classificação dos tipos de pé encontrados no exame baropodométrico. A tabela 2 apresenta a média dos valores da mensuração do arco longitudinal medial (ALM) do pé pela goniometria, e, valores de Modified Arch Index (MAI) calculado através da baropodometria dos pés, direito e esquerdo, dos dez indivíduos que participaram da amostra. Amostra Média Desvio Padrão Baropometria MAI 0,153 0,09 Goniometria 137,95 6,61 Tabela 2. Média dos valores referentes à mensuração do ALM do pé pela goniomentria e valores de MAI obtidos com a técnica de baropodometria. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 25-29. –27– Bilibio C S e cols. Relação Goniometria do Arco Medial do Pé e Pressão Plantar em Baropodometria. uma correlação regular r = -0,53 (p £ 0,05)13. Entre as mulheres, pela baropodometria, encontrouse 75% de pés cavos, 16,6% pés normais, e, 8,33% pés planos. Por meio da goniometria encontrou-se uma média de 0,142 kg/cm 2 ± 0.10, enquanto para a goniometria encontrou-se uma média de 139,91ú ± 6,84ú; portanto, através destes resultados para a baropodometria os valores indicam que a maioria dos indivíduos classificam-se como tendo pés cavos, enquanto na mensuração através da goniometria forneceu para os mesmos pés um valor que os classifica como pés normais. A análise dos dados coletados nos indivíduos do sexo feminino que compuseram a amostra apresentaram uma correlação regular r = - 0,40, assim como a análise da amostra masculina r = -0,53 ( p £ 0,05). Porém, na amostra masculina há uma tendência de relação melhor do que na feminina. Neste sentido, apesar de a goniometria apresentar limitação na avaliação dos tipos de pé por meio da mensuração do ALM para ambos os sexos, os resultados indicam que há uma relação melhor quando o indivíduo avaliado é do sexo masculino. No decorrer do estudo foram encontradas algumas limitações como a dificuldade, mesmo após várias vezes realizado o mesmo teste, de localizar com precisão os pontos de referência, e, mais ainda de repetir a marcação em mesmo local para posterior comparação. Saltzman et.al14 coloca que a variação biológica na estrutura óssea e nos tecidos moles apresenta-se como grande dificuldade na precisão da identificação correta dos pontos de referência. William e McClay3 também relataram que a dificuldade de palpação dos pontos de referência óssea foi descrita como maior dificuldade por 90% dos dez avaliadores que participaram do estudo. Outra dificuldade na realização da mensuração da goniometria, a qual também foi descrita por William e McClay3, diz respeito ao tecido mole que recobre a borda medial do arco. Este é bastante variável e pode mascarar a real arquitetura óssea dos pés. O calor e a umidade são variáveis que podem alterar a performance dos sensores. Esta variabilidade pode ser diminuída se os testes forem realizados com calçados padronizados e realizados no mesmo dia10. Na tentativa de anular estas variáveis, no presente estudo todas as mensurações foram realizadas no mesmo dia, isto é, com a mesma umidade do ar, e, em sala climatizada por ar condicionado o que ofereceu ao ambiente de coleta uma temperatura uniforme de 24oC para todas as coletas. Woodburn e Helliwell15 avaliaram a performance do F-Scan avaliando o erro de calibragem a eficácia e repetitibilidade das mensurações, e, encontrou que há um erro de calibragem de 4%, sugerindo que o protocolo de calibração do equipamento não é preciso e que isto sugere que seus resultados podem não ser repetidos, tendo uma capacidade limitada de eficácia absoluta. Rabuffeti et al.16 realizou estudo sobre a calibração do F-Scan e encontrou resultados semalhantes. Antes de todas as avaliações foi realizada nova calibração do aparelho para que não houvesse alterações nos resultados. Ainda, Hunt5 afirma que é necessária muita cautela na interpretação clínica das mensurações estáticas dos pés. –28– Estas medidas têm um embasamento muito pobre para que sejam nelas baseadas prescrições de intervenção, como órteses ou tratamentos. Portanto, não existe uma mensuração, do que quer que seja, que não tenha limitações. Qualquer uma apresentase melhor para alguma variável, porém limitada para outra. Sabendo disso, é importante que os benefícios e limitações sejam conhecidos para que possam ter uma aplicação mais confiável. A partir deste conhecimento deve-se tentar maximizar os benefícios de dado tipo de mensuração, e trabalhar dentro das limitações oferecidas por esta ou aquela abordagem17. Payne18 coloca que o mau alinhamento do pé pode aparecer de diversas formas, tanto na pronação associada a um desabamento do arco longitudinal medial do pé, como pode uma supinação do antepé, associada a uma elevação do mesmo. A aparência visual destes distúrbios no alinhamento não é tão importante quanto à função postural que este pode causar. Neste estudo o autor afirma não crer que a avaliação visual possa detectar as verdadeiras alterações, mas também afirma que nenhuma das formas utilizadas consegue mensurar precisamente a função, e, portanto, não podem ser consideradas apropriadas. E, ainda, quando se compara a forma de mensuração existente e se fez a mensuração da correlação entre estas e a avaliação por meio de observação visual os resultados não foram bons. Segundo Williams e McClay3 dentro das experiências clínicas utilizadas na classificação dos tipos de pé, a mais corriqueira é a classificação visual, porém é muito inconsistente. Os dados obtidos na presente pesquisa demonstram que não apenas a classificação visual é inconsistente, mas também a goniometria do arco longitudinal medial que seria uma opção fácil, acessível e bastante difundida entre os fisioterapeutas também apresenta grandes variações e não reflete o real apoio plantar do indivíduo, por isso, deve ser usada com muita cautela para a classificação dos tipos de pé, principalmente para indivíduos do sexo feminino. CONCLUSÕES Cabe aos fisioterapeutas o estudo crítico e o desenvolvimento de mais pesquisas a respeito dos métodos de avaliação utilizados atualmente para que num futuro próximo possam apresentar dados mais confiáveis e objetivos na prescrição de tratamentos, bem como na avaliação da progressão dos mesmos. Quando se fala em avaliação dos tipos de pé, pode-se dizer que a goniometria, assim como a avaliação visual, é um método baseado no olho humano e que apresenta um grande número de variáveis o que faz com que seja menos preciso. O presente trabalho se propôs a tal análise verificando uma certa fragilidade da goniometria na mensuração do ALM do pé e conseqüentemente na avaliação dos tipos de pé. Apesar de não ter sido estudado na presente pesquisa, acredita-se que o plantígrafo seja uma alternativa acessível na avaliação dos tipos de pé, pois também fornece a impressão plantar e tem um custo financeiro muitas vezes inferior à baropodometria computadorizada. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 25-29. Bilibio C S e cols. Relação Goniometria do Arco Medial do Pé e Pressão Plantar em Baropodometria. Summary RELATIONSHIP BETWEEN THE GONIOMETRY OF THE MEDIAL ARCH OF THE FOOT AND THE PRESSURE TO THE PLANT IN BAROPODOMETRY. The development of the Medial Longitudinal Arch (MLA) was the first step in the man’s evolution to the biped posture and gave to the feet the capacity to absorb the impacts caused by the erect posture. This fact makes MLA object of clinical interest and of research. The goal of this paper was to verify the relationship between the Goniometry of MLA of the foot and the plantar pressures detected by Computed Baropodometry. For this study, ten adults aged from 20 to 30 years, whose Body Mass Index (BMI) ranged from 18,5 to 30 were random selected. For the Computed Baropodometry, the F-Scan version 4.22 Windows 95 Tekscan®, Boston, MA was used. The Authors concluded that the Goniometry of MLA of the foot presents a constant relationship (r = -0,43; p£0,05) when compared with more precise measuring methods like the Modified Arch Índex. Keywords: Feet, Medial Arch of the Foot, Goniometry, Baropodometry. REFERÊNCIAS 1. Shiang, Y et al. Evaluating different footprint parameters as a predictor of arch height. IEEE Engeneering in medicine and biology, Taiwan, 1998; 0739-5175:62-66. 2. F-Scan user´s manual, South Boston, MA, EUA: September, 1998. 3. Williams DS, Maccley IS. Measurements used to characterize the foot and the medial longitudinal arch: reliability and validity.. Physical Therapy Seatle 2000; 90(9):864-871. 4. Palmer ML, Epler ME.. Fundamentos das Técnicas de Avaliação Musculoesquelética (traduzido por Giuseppe Taranto). 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 5. Hunt AE, Fahey AJ, Smith RM. Static measures of calcaneal deviation and arch angle as predictors of rearfoot motion during walking. 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Mccroy JL, Young MJ, Boulton AJM, Cavanagh PR. Arch index as a predictor of arch height. ASB annual meeting,1995. 13. Callegari-Jacques, SM. Bioestatística: Princípios e aplicações. Artmed: São Paulo, 2003. 14. Saltzman CL, Nawoczenski DA, Talbot KD. Measurements of the medial longitudinal arch. Arch Phys Med Reahabil 1995;76:45-49. 15. Woodburn J, Helliwell PS.Observations on the F-Scan inshoe pressure measuring system. Clinical Biomechanics 1997;12(3):S16. 16. Rabuffeti M, Ferrarin M, Mazzoleni P, Benvenutti F, Pedotti A. Optimised procedure for the calibration of the force platform location. Gait and posture 2003;17:75-80. 17. Mueller MJ. Application of plantar presure assessment in footwear and insert desing. Journal of orthopaedic & sports physical therapy 1999;29(12):747-755. 18. Payne CB. Is excessive pronation of the foot really pathologic. Australasian Journal of Podiatric Medicine 1999;33:7-10. –29– Artigo Original Pico de Torque Supra-espinhoso no Teste de Jobe Adriana Pensin & Cássia Nardon. Curso de Fisioterapia, Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo Objetivou-se analisar o pico de torque do músculo supra-espinhoso quando submetido ao teste de Jobe nos ângulos de 45°, 60° e 75° no aparelho isocinético BIODEX™. A amostra foi composta de 30 indivíduos sedentários, sendo 19 indivíduos do sexo feminino e 11 do sexo masculino, com idade média de 26,18 ± 5,91 anos para homens e 23,93 ± 1,49 anos para mulheres. Foram observadas diferenças significativas apenas no grupo das mulheres avaliadas, na comparação entre os picos de torque obtidos nos ângulos de 45° - 60°. Comparando com a literatura, que indica ângulos próximos à 90º para melhor avaliar o músculo supra-espinhoso, os autores sugerem que, para o grupo do sexo feminino avaliado, o ângulo que apresenta o melhor pico de torque do músculo supra-espinhoso ao teste de Jobe no BIODEX™ é o de 45º. Unitermos: Avaliação isocinética, pico de torque, supra-espinhoso. O ombro atua de forma coordenada para realizar movimento amplo e suave do membro superior. Assim, durante o movimento normal, cada articulação com sua determinada função contribui de maneira coordenada e concomitante para o que é conhecido como ritmo escapuloumeral. É uma articulação com três graus de liberdade capaz de grande amplitude de movimento. Isto é possível graças à anatomia articular e pela contração muscular sincronizada de vários músculos, dentre estes os que compõem o manguito rotador que possibilitam o início da elevação, estabilizando a cabeça do úmero na glenóide, numa ação de pivô. O manguito rotador é a confluência de quatro tendões musculares - redondo menor, subescapular, infraespinhoso e supra-espinhoso - que se inserem na cabeça do úmero. Em função da grande mobilidade e do envolvimento de toda estrutura anatômica no movimento de elevação do ombro, o risco de lesões musculares é eminente e uma das formas de identificar clinicamente estas lesões é a aplicação de testes manuais especiais. Para avaliar a força de um grupo muscular é comum aos profissionais da saúde empregar várias posições estáticas enquanto realizam testes musculares manuais nos seus pacientes. Enquanto essas técnicas, se usadas constantemente, poderiam oferecer uma boa avaliação clínica de um indivíduo, dariam, ao mesmo tempo, estimativas incorretas e variadas se aplicadas por profissionais diferentes. Um dos testes manuais com este –30– objetivo é o Teste de Jobe, que avalia clinicamente a capacidade funcional do músculo supra-espinhoso. Como os testes especiais são formas subjetivas de avaliar e possuem grande variação de resultados entre avaliadores, observou-se a necessidade de verificar em qual ângulo articular há maior precisão nos resultados clínicos do Teste de Jobe, formulando-se o seguinte questionamento: Qual o pico de torque do músculo supra-espinhoso quando submetido ao teste de Jobe em três diferentes ângulos articulares? MATERIAL E MÉTODOS Trata-se de um estudo descritivo constituído de 30 indivíduos do quadro de funcionários e acadêmicos da Universidade de Passo Fundo - UPF. A idade média foi de 26,18 ± 5,91 anos para homens variando entre 21 e 37 anos e 23,93 ± 1,49 para mulheres variando entre 19 e 25 anos, sendo 19 indivíduos do sexo feminino e 11 do sexo masculino. Foram excluídos da pesquisa os indivíduos que apresentavam sintomas agudos e subagudos de lesões no ombro, indivíduos portadores de hipertensão e cardiopatias por ser uma contra-indicação absoluta ao teste isocinético em isometria e indivíduos praticantes de atividade física regular com mais de quatro horas semanais. Antes de iniciar qualquer processo da pesquisa os indivíduos assinaram um termo de Consentimento Livre e REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 30-33. Pensir A & Nardon C. Pico de Torque Supra-espinhoso no Teste de Jobe. Esclarecido, no qual consta a descrição dos procedimentos utilizados durante a pesquisa, bem como seus efeitos e desconfortos possíveis. Todos os sujeitos foram submetidos à avaliação física para determinar a aptidão necessária à realização da pesquisa, isto é, se o indivíduo não estava dentro dos critérios de exclusão e avaliação isocinética reproduzindo o Teste de Jobe. Os torques foram analisados através da dinamometria computadorizada, pelo dinamômetro da Biodex, Multi-Joint System 3 pro, por ser o método mais acurado para a avaliação da capacidade muscular isométrica através do pico de torque¹. Segundo Hall² o modo isométrico é o método mais utilizado para a comparação das características funcionais de diferentes grupos musculares. O teste de Jobe (TJ) foi reproduzido no dinamômetro isocinético. Foram realizadas duas repetições com cada seguimento nos três ângulos pré-definidos. Entre cada repetição teve um intervalo de 10 segundos. Antes da realização dos testes o equipamento foi calibrado de acordo com as orientações do fabricante. Todos os dados foram registrados pelo software do equipamento, que ao final ofereceu um relatório impresso com o resultado das avaliações. Embora existam descrições, na literatura, de que o teste de Jobe é realizado com o paciente em ortostatismo, membros superiores em abdução no plano frontal e anteflexão de 30º, assim alinhando o eixo longitudinal do braço com o eixo de movimento da articulação glenoumeral a reprodução desse, no BIODEX, deu-se com o paciente sentado e com o membro superior a ser testado em abdução no plano frontal e anteflexões de 45º, 60º e 75º, definidas como posições de prontidão pelo protocolo de avaliação isocinética. O ângulo de 30º teve que ser desprezado pelo aparelho por considerá-lo não funcional para testagem. Antes do início do teste o indivíduo foi posicionado sentado na cadeira do aparelho, que está rodada a 15º, com o membro superior a ser testado posicionado com o ombro na posição anatômica, extensão do cotovelo e pronação do antebraço. Ao iniciar o teste, o aparelho Biodex posiciona automaticamente o segmento a ser testado no ângulo de 45º então ao comando do avaliador o indivíduo tenta realizar a flexão do ombro contra a resistência do aparelho, realizando uma contração isométrica mantida por 5 segundos, relaxando durante 5 segundos e realiza uma segunda tentativa também por 5 segundos. Após o aparelho volta à posição inicial na qual ocorre um repouso de 10 segundos. Dando continuidade ao teste o aparelho leva o segmento ao ângulo de 60º onde se repete o teste e, logo após o período de repouso, acontece a verificação no ângulo de 75º e termina o teste. Assim que termina o teste num segmento ele é repetido no segmento contra-lateral da mesma forma. A análise estatística foi realizada através do programa de estatística Statistic for Windows. Foi utilizada a estatística descritiva para o cálculo das variáveis numéricas (médias e desvios padrões). Para a realização das comparações entre os grupos foi utilizado o teste estatístico “ANOVA” e “Posthoc” Scheffé para grupos independentes, com um nível mínimo de significância p<0,05. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 30-33. RESULTADOS As tabelas 1 e 2 referem-se aos resultados dos testes realizados com os indivíduos do sexo masculino, apresentando valores médios do torque do músculo supraespinhoso do membro superior direito na tabela 1 e do membro superior esquerdo na tabela 2 quando submetidos a uma avaliação isocinética reproduzindo o teste de Jobe. A45o A60o A75o X 57,5 53,39 52,3 DH DH DH S 10,46 10,50 11,33 Tabela 1. Valores médios do pico torque do músculo supra-espinhoso para o membro superior direito de indivíduos do sexo masculino. Com a análise estatística os resultados apresentam F = 2,145145 e p = 0,143210; no qual F é a variação entre os grupos e p a probabilidade, portanto, não foi encontrada diferença significativa entre os ângulos avaliados para o membro superior direito dos indivíduos do sexo masculino. A45o EH A60o EH A75o EH X 51,92 50,54 49,22 S 15,02 11,58 12,12 Tabela 2. Valores médios do pico torque do músculo supra-espinhoso para o membro superior esquerdo de indivíduos do sexo masculino. Com a análise estatística os resultados apresentam F = 2,103668 e p = 0,148194, portanto, não foi encontrada diferença significativa entre os ângulos avaliados para o membro superior esquerdo dos indivíduos do sexo masculino. As tabelas 3 e 4 referem-se aos resultados dos testes realizados com os indivíduos do sexo feminino, apresentando valores médios do torque do músculo supra-espinhoso do membro superior direito na tabela 3 e do membro superior esquerdo na tabela 4 quando submetidos a uma avaliação isocinética reproduzindo o teste de Jobe. A45o DM A60o DM A75o DM X 26,92 24,78* 23,93** S 5,72 5,10 4,95 * p=0,003075 entre A45º e A60º ombro direito de indivíduos do sexo feminino. ** p=0,000046 entre A45º e A75º ombro direito de indivíduos do sexo feminino. Tabela 3. Valores médios do pico torque do músculo supra-espinhoso para o membro superior direito de indivíduos do sexo feminino. Pode-se observar diferença significativa quando se compara 45º com 60º (p=0,003075) e 75º (p=0,000046), mas não foi observada diferença entre os ângulos de 60º e 75º (p=0,348327). A variação entre os grupos foi F=14,14327 com um nível de significância p=0,000029. –31– Pensir A & Nardon C. Pico de Torque Supra-espinhoso no Teste de Jobe. X A45o EM A60o EM A75o EM S 26,20 23,71* 24,13** 4,82 5,52 6,13 * p=0,014617 entre A45º e A60º ombro direito de indivíduos do sexo feminino. ** p=0,048125 entre A45º e A75º ombro direito de indivíduos do sexo feminino. Tabela 4. Valores médios do pico torque do músculo supra-espinhoso para o membro superior esquerdo de indivíduos do sexo feminino. Na tabela 4, os valores médios do torque do músculo supra-espinhoso nos três ângulos avaliados, em indivíduos do sexo feminino, no membro superior esquerdo. Observouse diferença significativa com a comparação entre os ângulos 45º e 60º (p=0,014617) e 75º (p=0,048125), mas não foi observada diferença entre os ângulos de 60º e 75º (p=0,876017). A variação entre os grupos foi F=5,466818 com um nível de significância p=0,008448. DISCUSSÃO Desde o estudo de Jobe e cols.³ foi pesquisada a ativação do manguito rotador utilizando eletromiografia intramuscular, enquanto os indivíduos realizavam exercícios específicos. Apesar desses autores terem relatado que o supra-espinhoso deve ser isolado e exercitado preferencialmente com o braço em 90o de abdução, 30o de flexão horizontal e rotação interna plena, Blackburn e cols.4 observaram que o supra-espinhoso sempre participa se o braço é elevado. O isolamento do supra-espinhoso parece ocorrer durante a abdução pura, com rotação neutra do braço na posição ereta. Além disso, foi observado que um aumento significativo na função do supra-espinhoso pode ser conseguido na posição de decúbito ventral, com o braço na posição de rotação externa máxima e em 100o de abdução horizontal 5. Blackburn e cols. 4 concluíram que nenhuma posição conseguia isolar totalmente o supra-espinhoso. Além disso, relataram que a melhor posição-teste para isolar supra-espinhoso é com o braço em 90o de elevação no plano escapular, com 45o de rotação externa do úmero. Howell e cols.6mediram o torque produzido pelo supra-espinhoso e deltóide nos planos de flexão e elevação; constataram que o deltóide e o supra-espinhoso são igualmente responsáveis pela produção de torque ao redor da articulação do ombro nos planos funcionais do movimento.Mesmo que estes autores tenham afirmado que o músculo supra-espinhoso é isolado para o teste em amplitudes em torno de 90o de abdução com rotação externa do úmero, o teste de Jobe, que é um teste clínico para testar esse músculo7, é realizado com os membros superiores em abdução no plano frontal e com uma anteflexão de 30o, o que caracteriza a elevação no plano escapular. Dessa forma a aplicação do teste isocinético para avaliar o torque do supra-espinhoso durante a realização do teste de Jobe serviu para auxiliar na definição de qual o melhor ângulo de aplicação deste teste. Após a análise dos dados, foi possível observar que houve diferença estatisticamente significativa ao comparar os diferentes ângulos apenas em mulheres. Observou-se –32– essa diferença com a comparação entre os ângulos 45º 60º, mas não foi observada diferença entre os ângulos de 60º e 75º. Presume-se, portanto, que o teste de Jobe, para o grupo de mulheres avaliadas, é mais eficaz quando realizado entre 45o e 60o, o que discorda das afirmações quanto à posição de teste para isolar o músculo supra-espinhoso, porém recebem a confirmação de Rasch 8 e Hall 2 que observaram que o braço de alavanca do supra-espinhoso é praticamente constante através de toda amplitude de movimento (ADM) e é maior do que o do deltóide para os primeiros 60o de abdução. Com a análise estatística, pode-se observar que os resultados obtidos pelos indivíduos do sexo masculino não apresentam diferença significativa tanto para o membro superior direito quanto para o esquerdo. Portanto, para o grupo masculino avaliado, tornou-se indiferente a angulação na qual o segmento foi testado. Este fato, aparentemente, está em conformidade com o que a literatura afirma, pois os ângulos de teste propostos ficaram abaixo de 90º e o ombro estava em rotação interna e não rotação externa como é indicado pelos autores. Essa pesquisa tem sua fidedignidade questionável pelas seguintes razões: amostra com um número de elementos pequeno (n=30), na sua maioria do sexo feminino (mais homogêneo no que tange à idade (coeficiente de variação = 6%), e pelo grupo masculino de indivíduos ser heterogêneo (coeficiente de variação = 22%); pela não utilização de um equipamento de eletromiografia, o que, segundo Jobe3, Blackburn4 e Davies5, seria a única forma de comprovar a ação exclusiva do músculo supra-espinhoso. Segundo Guaratini9 e Dvir10 há três fontes de erro que podem tornar um teste isocinético não confiável: falhas inerentes à instrumentação; erros produzidos pelo examinador; falta de consistência inerente à variável no tipo de sujeito que está sendo examinado. Essa falta de consistência pode estar relacionada com a presença, ou não, de alguma lesão prévia, dor, que pode variar independente da força muscular e por isso precisa ser melhor investigada tanto a validade quanto a confiabilidade por meio de pesquisas. Segundo Dvir10 um dos grandes problemas na investigação isocinética está relacionado com o fato de que, até que ponto uma medida pode influenciar as demais medidas numa outra ocasião. Quanto à dominância dos membros, Cahalan e cols.11 realizaram testes isométricos e isocinéticos para os movimentos do ombro em 50 voluntários (de ambos os sexos), saudáveis, com a finalidade de encontrar valores de normalidade para o pico de torque nesses movimentos. Em relação à flexão do ombro, membros dominantes obtiveram valores significativamente maiores que os membros nãodominantes para as velocidades de 180 o/s e 300o /s em voluntários do sexo masculino. Já para o sexo feminino, diferenças significativas entre os membros para a flexão de ombro foram encontradas apenas em teste isométrico, sendo que membros dominantes obtiveram valores mais altos que membros não-dominantes. A maioria dos estudos com testes isocinéticos indicam não haver diferenças estatisticamente significativas entre membros dominantes e não-dominantes. Nos estudos de Ivey12, Chandler13 e Mcmaster14 não foram REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 30-33. Pensir A & Nardon C. Pico de Torque Supra-espinhoso no Teste de Jobe. encontradas diferenças estatisticamente significativas entre valores obtidos em membros dominantes e não-dominante de voluntários saudáveis, quando testados movimentos de ombros não treinados. Concordando com os autores acima os resultados obtidos no presente estudo, pois não houve diferença significativa entre a dominância dos membros, em mulheres ou homens. CONCLUSÕES Por meio desta pesquisa, verificou-se que há diferença estatisticamente significativa apenas em mulheres nos ângulos de 45o - 60o, constatando que o pico de torque nestas angulações é maior, indicando que para essa amostra o teste será melhor aplicado nos ângulos entre 45º - 60º. Não há diferença no que diz respeito à dominância dos membros nos resultados observados em relação ao pico de torque. Portanto, ao submeter-se o músculo supra-espinhoso ao teste de Jobe num aparelho isocinético é possível obter resultados satisfatórios; porém são necessários mais estudos envolvendo amostras maiores que utilizem eletroneuromiografia acoplada e em sincronia com o isocinético para comprovar a ação da musculatura avaliada, oferecendo maior confiabilidade para validar as medidas isocinéticas garantindo, assim, uma maior credibilidade para a prática clínica e pesquisa científica. Summary PEAK TORQUE OF THE SUPRASPINOUS MUSCLE WHEN SUBMITED IN THE JOBE TEST In this context, the present research has the objective of to analyze the peak torque of the supraspinous muscle when submitted to the Jobe test, in the angles of 45°, 60° and 75°, in the BIODEX™ isokinetic device. The sample was composed by thirty (30) sedentary people, nineteen (19) feminine and eleven (11) masculine individuals, whose average age was 26.18 ± 5.91 years for men and 23.93 ± 1,49 years for women. Significant differences had been observed only in the group of evaluated women, in the comparison of the peak torque gotten in the angles of 45° - 60°. Confronting with the previews literature, that indicate angles next to 90º better for evaluate the supraspinous muscle, the authors of this research suggest, for the feminine group evaluated, the angle that presents the best torque peak of the supraspinous muscle, to the test of Jobe in the BIODEX™, is the angle of 45º. Keywords: Isokinetic Evaluation, Peak Torque, Supraspinous Muscle. REFERÊNCIAS 1. Aquino M. Amorin et al., Isokinetic Biomecanic of knee flexor/extensor muscular strength in elderly women. Revista do Hospital das Clínicas, São Paulo 2002;57(4):131-134. 2. Hall S. Biomecânica básica. 3ª ed. Editora Guanabara Koogan. Rio de Janeiro, 2000. 3. Jobe FW, Moynes DR. Delineation of diagnostic criteria and a rehabilitation program of rotator cuff injuries. American journal of sports and medicine, 1982. 4. Blackburn TA, McLeod WD, White BW, Wofford L. EMG analysis of posterior rotator cuff exercises. Athletic Training Resources 1990; 25:40-45. 5. Davies G, Ellenbecker T. Aplicação da isocinética nos testes de reabilitação. In: Andrews, James; Harrelson, Gary; Wilk, Kelvin. Reabilitação Biomec das lesões desportivas. 2 ed., Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000. 6. Howell SM, Imobersteg AM, Segar DH, Marone PJ. Clarification of the role of the supraspinatus muscle in shoulder function. 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As úlceras classificadas em graus I e II foram submetidas ao tratamento com Ultra-som terapêutico Sonopulse III (Ibramedâ). Determina-se como parâmetros do equipamento a freqüência de 3 MHz, na forma pulsada a 100 Hz, com relação de pulso em 1:5 e dose de 0,4 W/cm². Foram realizadas duas aplicações semanais com o tempo de um minuto por área efetiva de radiação (ERA), durante trinta dias, pelo período em que os pacientes permanecessem internados na UTI. Antes e após o tratamento foi realizada avaliação das úlceras e registradas com fotografias digitais, a fim de possibilitar a comparação macroscópica das áreas tratadas, o que permitiu constatar uma melhora no aspecto tecidual das lesões. Unitermos: Úlceras de pressão, cicatrização, fisioterapia, ultra-som. As úlceras de pressão são complicações comuns em pacientes hospitalizados, que atingem principalmente os que se encontram imobilizados, acamados, com restrição da mobilidade decorrente de patologias diversas ou seqüelas destas1. São definidas como uma área localizada de necrose, que se desenvolve quando o tecido mole é comprimido entre uma proeminência óssea e uma superfície dura, por um período de tempo prolongado2. A úlcera de pressão, também conhecida como escara, afeta aproximadamente 9% do total de pacientes hospitalizados e 23% daqueles em atendimento domiciliar3. Assim, representam um problema significante e desafiador para toda equipe de saúde, atingindo 33% dos pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva em hospitais americanos1. As úlceras causam preocupação àqueles que cuidam de pacientes acamados por períodos longos, pois esse tipo de ferida além de incômoda e ameaçadora à saúde do paciente, faz com que este permaneça na instituição durante um tempo maior, retardando o processo terapêutico e aumentando os custos hospitalares4. –34– Vários recursos terapêuticos estão sendo usados com o objetivo de diminuir a incidência de úlcera de pressão nos pacientes internados em Unidades de Tratamento Intensivo. Um desses recursos que pode ser utilizado pelo Fisioterapeuta é o Ultra-som; porém, a escassez de pesquisas sobre a eficácia do mesmo, reflete a posição geral em Fisioterapia, onde a maioria dos tratamentos é baseada na opinião pessoal e na experiência5. O Ultra-som terapêutico é uma modalidade clínica usada no tratamento conservador de uma ampla variedade de patologias, em áreas como a dermato-funcional, ortopédica, traumatológica e reumatológica. Em feridas por pressão, foi observada sua efetividade na promoção da cicatrização onde obteve efeitos benéficos6 . Portanto, esta pesquisa teve como objetivo geral, a análise do efeito do ultra-som pulsado, com freqüência de 3 MHz na cicatrização das úlceras de pressão de graus I e II, e como objetivo específico, a verificação da incidência das úlceras de pressão nos pacientes que internaram no período de 01/09/2005 à 01/10/2005 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital da Cidade de Passo Fundo, RS. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 34-39. Lorenzini S & Martinelli D. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II. MATERIAIS E MÉTODOS Tabela 5. Incidência por localização. Tabela 6. Incidência pela classificação. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 34-39. Trocânter Tabela 4. Incidência por nível de consciência. Reg. Sacra Tabela 3. Incidência por diagnóstico clínico. Reg. Sacra Tabela 2. Incidência por sexo. Maléolo Tabela 1. Incidência por faixa etária. Calcâneo Foi utilizada uma Ficha de Avaliação, onde investigamos os seguintes dados: idade, sexo, diagnóstico da internação, nível de consciência, localização e classificação clínica das úlceras de pressão. A análise comparativa do processo cicatricial das úlceras de pressão foi feita através da observação física e de fotografias digitais, as quais foram realizadas no dia da avaliação e no dia seguinte à aplicação do ultra-som para observarmos a evolução do tratamento. A interpretação dos dados foi realizada de forma visual comparativa antes e após o tratamento e os dados obtidos com a ficha de avaliação para análise da incidência durante o mês de investigação, foram analisados na forma de percentual simples e representados na forma de gráficos. O aparelho de Ultra-som utilizado é da marca Ibramedâ, modelo Sonopulse III. Os parâmetros usados foram: freqüência de 3 MHz, modo pulsado com freqüência de repetição do pulso de 100 Hz, com tempo de duração (on) e tempo de pausa (off) de 1/5, com intensidade de 0,4 w/ cm² e tempo de aplicação de 1 minuto por área efetiva de radiação (ERA). Calcâneo O presente estudo foi realizado na Unidade de Terapia Intensiva do Hospital da Cidade de Passo Fundo - RS, de 01/09/2005 à 01/10/2005. Foram avaliados todos os pacientes que internaram neste período, sendo que onze11 sujeitos constituíram amostra para análise da incidência e sete7 foram submetidos ao tratamento proposto, ou seja, apenas os que apresentaram úlceras de pressão de graus I e II. Após obtermos a permissão do Diretor do Hospital da Cidade para a realização do estudo na instituição e autorização da médica responsável pela Unidade de Terapia Intensiva para a realização da pesquisa em seus pacientes, foi apresentado um Termo de Consentimento aos pacientes que se encontravam em condições e foram esclarecidas as dúvidas verbalmente, aos que estavam impossibilitados, a autorização foi dada pelo familiar responsável que também recebeu um Termo de Consentimento e esclarecimentos sobre a pesquisa, os quais poderiam aceitar ou não. A presente pesquisa obteve também a aprovação do Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo. –35– Lorenzini S & Martinelli D. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II. Antes da terapêutica os pacientes foram submetidos à assepsia do local a ser tratado com solução fisiológica 0,9%. A aplicação do ultra-som foi feita diretamente sobre a ferida, tendo o gel como meio de contato entre o transdutor e a pele do paciente. O transdutor foi movido circularmente durante toda a sessão, mantendo o cabeçote sempre em contato direto com a pele para evitar a formação de bolhas de ar. O cabeçote e o transdutor foram limpos com algodão embebido em álcool 70%, antes e após cada sessão. Ao final da terapia, os pacientes foram higienizados com algodão na região tratada. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o período de investigação deste estudo, foram avaliados vinte e sete pacientes (27), destes, onze (47%) apresentaram úlceras de pressão e dezesseis (53%) não apresentaram sinais das mesmas. Logo, encontramos um percentual alto de sujeitos acometidos, apesar de haver maior percentual de sujeitos que não apresentaram a lesão na Unidade de Terapia Intensiva. Através da análise da incidência por faixa etária, não foi encontrada úlcera de pressão em nenhum paciente abaixo dos 50 anos. Este achado está em concordância com Silva7, que demonstrou em seu estudo que um dos principais fatores de risco para desenvolvimento de úlceras de pressão é a idade, tendo como característica etária predominante nos pacientes investigados, idade maior ou igual a 60 anos, devido às alterações orgânicas decorrentes do envelhecimento. A incidência é maior comum entre os idosos, em 75% dos casos acima dos 70 anos, porém pode vir a ocorrer em qualquer Figura 7. Sujeito 1. Pré-tratamento. Figura 10. Sujeito 2. Pós-tratamento. –36– idade devido a outros fatores de risco 8 . A maioria dos pacientes que apresentam úlceras são idosos e doentes, então as tentativas de controle são freqüentemente interrompidas por morte9. No gráfico 02, representando a análise da incidência por sexo, observamos que dos onze(11) pacientes analisados sete (64%), eram do sexo feminino e quatro do sexo masculino (36%), representando a minoria com dos casos. Maior incidência em mulheresestá em concordância com a literatura que estudou as úlceras de pressão em um total de 52 pacientes, sendo que 63,5% eram mulheres e 36,5% homens7. Porém, outros autores8 discordam, relatando que as úlceras podem se desenvolver em ambos os sexos. A figura 3 demonstra o diagnóstico da internação na UTI, onde foi verificada a presença de Comprometimento Neurológico em sete pacientes(Acidente Vascular Cerebral), Parkinson e Hidrocefalia; dois (18%) apresentaram Insuficiência Respiratória devido a Pneumonia, e outros dois (18%) outras patologias como Pancreatite e Fratura de Fêmur. Este dado está em concordância com os estudos de7, que ao analisar 52 pacientes internados no Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital universitário do interior paulista, durante 3 meses, encontrou alterações neurológicas como paraplegia, hemiplegia, tetraplegia e acidente vascular cerebral (AVC), como patologias que contribuiram para o desenvolvimento das úlceras de pressão, pois diminuem a capacidade de movimentação, sendo um dos principais fatores de risco para estas lesões. Musskopp e cols8 ressaltam a importância de que profissionais de saúde e familiares de pacientes com distúrbios neurológicos, paraplégicos e tetraplégicos Figura 8. Sujeito 1. Pós-tratamento. Figura 11. Sujeito 3. Pré-tratamento. Figura 9. Sujeito 2. Pré-tratamento. Figura 12. Sujeito 3. Pós-tratamento. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 34-39. Lorenzini S & Martinelli D. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II. especificamente, estejam atentos para o desenvolvimento das úlceras, evitando situações graves que poderão restar poucas alternativas de cura. Gentz e cols 9encontraram comprometimento neurológico em 86,9% e 96,7% dos pacientes com úlceras em graus III e IV, respectivamente, em estudo realizado utilizando a estimulação elétrica. A figura 4 representa a análise do desenvolvimento da úlcera de pressão quanto ao nível de consciência apresentado pelo paciente, que foi identificado através da Escala de Coma de Glasgow (ECG) descrita por Knobel3. Segundo Jorge e cols2, o nível de consciência está associado direta ou indiretamente à percepção sensorial, mobilidade e atividade por sua vez relacionadas à pressão; quanto maior a diminuição do nível de consciência, maior a probabilidade de se desenvolver úlceras. Porém, cabe salientar que em nosso estudo a incidência de úlceras de decúbito foi maior em pacientes conscientes (ECG maior que sete) e talvez isto se deva ao fato de que os sujeitos apesar de conscientes apresentavam algum tipo de seqüela neurológica como hemiplegia, pois encontramos uma incidência maior de lesões em pacientes com acometimento neurológico. Musskoppe e cols 8, encontraram o paciente com úlcera de pressão, lúcido, coerente e com consciência parcial de sua situação geral, o que o deixava deprimido e com sentimento de medo quanto ao futuro, afetando diretamente o estado emocional do paciente. A análise está de acordo com Costa10, que em estudo realizado com 20 pacientes, que desenvolveram 59 úlceras, também encontrou a região do calcâneo como predominante (42,4%), seguido da região sacra (30,5%) e diferindo do nosso estudo apenas no terceiro dado onde obteve a região dos glúteos como mais acometida (11,8%). A figura 6 representa a análise da incidência das úlceras de pressão quanto à classificação. Houve predominância, das úlceras de grau II. Os resultados desta análise discordam de Costa (2003) em estudo, onde houve predomínio de úlceras de grau I em 59% de um total de 52 pacientes. Selecionamos três casos em que foi aplicado o aparelho de ultra-som para avaliar a eficácia do mesmo. Através das imagens fotográficas, observamos na figura 7, que o sujeito 1 apresentou úlcera de pressão de grau II, localizada na região do calcâneo esquerdo. Classifica-se como úlcera de grau II porque a pele encontra-se íntegra, com hiperemia e há presença de bolha com líquido no seu interior. Após cinco aplicações do Ultra-som, observamos que a bolha não apresentava mais líquido no seu interior, porém a pele apresentava-se com hiperemia (figura 8); observamos melhora da lesão. O sujeito 2 apresentou úlcera de pressão no calcâneo esquerdo, como podemos observar na figura 9. Classificada como de grau II devido às mesmas características das lesões dos sujeitos 1. Este sujeito foi submetido a três sessões do tratamento devido a óbito. Podemos observar na figura 10 que houve uma diminuição do líquido no interior da bolha, sugerindo uma melhora da lesão. O sujeito 3 apresentou úlcera de pressão grau I, pela REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 34-39. presença de pele íntegra, hiperemia e ausência de bolha (figura 11). Este sujeito foi submetido a apenas duas sessões, pois obteve alta da UTI. Após aplicação do tratamento, observamos diminuição da hiperemia (figura 12). Através da análise das fotografias das úlceras de pressão, no pré e pós-tratamento, podemos observar que houve uma melhora no aspecto das lesões, ou seja, o ultrasom possui efeito benéfico no processo de cicatrização. Também verificamos que os resultados obtidos são satisfatórios com um número reduzido de sessões. Os resultados positivos estão de acordo com vários autores, que pesquisaram os efeitos do Ultra-som em lesões. Dyson11 através de um trabalho realizado com animais, utilizando o aparelho de ultra-som, demonstrou aceleração na cura das úlceras, assim como Roche e West apud11 que confirmaram esse estudo em uma amostra de 26 sujeitos. Mostraram que as úlceras obtiveram uma diminuição significativamente maior em duas semanas com o uso deste método. McDiarmid et al. Apud11 com uma amostra de 40 pacientes portadores de úlceras, mostraram que todos os pacientes tratados com o ultra-som obtiveram uma cura mais rápida. Guirro e cols6 observaram a eficácia do ultra-som no alívio da congestão limpando as áreas de necrose e promovendo a cicatrização e recuperação da pele saudável, que apresentou espessura normal e sem aderências, com evolução aproximadamente normal. Estudos realizados por Kitchen e Partridge apud12 em lesões cutâneas experimentais mostraram que a aplicação do ultra-som exerce um efeito positivo, acelerando o processo de reparação. Com o objetivo de estudar os efeitos da baixa dose do aparelho na aceleração da cicatrização de feridas, Byl et al. apud13 induziu cirurgicamente lesões na pele de animais, e após 5 dias de tratamento ultra-sônico, a força de tensão, a deposição de colágeno e a redução das dimensões da ferida foram significativamente maiores que no grupo controle. Estudos feitos em animais por Fyfe e Chahl apud14 mostraram que uma única dose de Ultra-som aplicada dentro de 48 horas após a lesão pode ser suficiente para proporcionar a cura. Oakley e Patrick apud2, descreveram que a terapia por ultra-som deverá ser iniciada de preferência durante a fase inflamatória inicial do reparo das feridas agudas, pois nesta fase o aparelho responde positivamente, resultando numa entrada mais rápida na fase proliferativa. Três estudos separados reportaram, cada um, diminuições de 33 a 35% no tamanho da ferida, durante um período de estudo de quatro semanas com um ultra-som não térmico pulsado, de 3 MHz em uma intensidade de 0,2 à 1,0 W/cm², liberado na periferia da ferida durante 5 à10 minutos, de uma a três vezes por semana15. Hogan et al. apud6, relatam que, quando um tecido crônico isquêmico é tratado com ultra-som, formam-se novos capilares e a circulação é restabelecida mais rapidamente do que na ausência do recurso terapêutico. Sabemos que há uma predominância das úlceras de –37– Lorenzini S & Martinelli D. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II. I e II graus, conforme relata Costa10 (2003) e, apesar de todos os achados positivos quanto ao uso do ultra-som na cicatrização nas úlceras de pressão, a maioria dos autores pesquisados não referem os graus das úlceras tratadas; os estudos encontrados referem-se a úlceras de III e IV graus em estudo realizado utilizando a estimulação elétrica; em estudo de caso8,9. Pelo presente estudo ter sido realizado em uma U n i d a d e d e Te r a p i a I n t e n s i v a , n ã o f o i p o s s í v e l acompanhar os pacientes durante um período prolongado ou até a cicatrização total da lesão, devido à alta dos mesmos para o quarto ou óbito. Conforme Gentz e cols 9, a maioria dos pacientes que apresentam úlceras de pressão são idosos e doentes; logo, as tentativas de controle das amostras são freqüentemente interrompidas por morte. Constatou-se através do estudo realizado e das bibliografias consultadas que as teorias envolvendo o ultrasom ainda não foram totalmente elucidadas; portanto, muito ainda é preciso saber a respeito da eficácia do ultra-som para a cicatrização das úlceras de pressão de graus I e II. Foi observado que são preferíveis intensidades bem reduzidas, porém, há necessidade de trabalhos adicionais para determinar os melhores parâmetros a serem utilizados15. CONCLUSÕES A princípio questionava-se o uso do Ultra-som como um procedimento efetivo na promoção da cicatrização das úlceras e através da revisão bibliográfica verificamos que há evidências aceitas quanto à eficácia deste equipamento. Logo, a terapia ultra-sônica vem sendo utilizada para promover a cicatrização de feridas provocadas por pressão, tendo efeitos benéficos. O aparelho de ultra-som mostrou ser eficaz na cicatrização das úlceras de pressão de graus I e II, e, através da análise da incidência, observamos que apesar de todo avanço da Medicina, as úlceras de pressão ainda fazem parte da realidade dos pacientes hospitalizados, que ficam por um tempo prolongado no leito. Pelos resultados obtidos neste trabalho, fica bastante clara a necessidade de continuidade, dirigindo a aplicação do ultra-som em amostras maiores e distintas, na busca de resultados que diminuam o empirismo na área de Fisioterapia Dermato-funcional. Também ressaltamos a importância do trabalho interdisciplinar no tratamento das úlceras de pressão, pois vários profissionais deveriam atuar em conjunto, visando a saúde e bem estar do indivíduo. Esperamos que num futuro bem próximo as técnicas Fisioterapêuticas aplicadas em Dermato-funcional possam ser praticadas com segurança, embasadas em resultados científicos. Summary CICATRICIAL RESPONSE OF ULTRASOUND IN PRESSION ULCERS OF DEGREE I E II The objective of the present study had to analyze the effect of Ultrasound in the cicatrization process in Pressure Ulcers, using as reference the Intensive Care Unit (ICU) of the Hospital da Cidade, Passo Fundo, RS, Brazil. From the total of twenty-seven (27) appraised patients, eleven (11) of them presented Pressure Ulcers, for those which were analyzed the following aspects: age, sex, clinical diagnosis, level of conscience, location and classification. The ulcers classified in degrees I and II were submitted to the treatment with the Therapeutic Ultrasound Sonopulse III (IBRAMED®), in the frequency of 3 MHz, in the pulsed form to 100 Hz, with pulse in 1:5 and dose of 0,4 W/cm². Two weekly applications were accomplished with 1 minute time in the Effective Radiation Area (ERA), during thirty days, for that period while the patients stayed interned in the ICU. Before and after the treatment, the evaluation of the Ulcers accomplished and registered with digital pictures, in order to make possible macroscopic comparison of the treated areas, so that it allowed to verify an improvement in the tecidual aspect of the lesions. Keywords: Pressure Ulcers, Cicatrization, Physiotherapy, Ultrasound. –38– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 34-39. Lorenzini S & Martinelli D. Resposta Cicatricial do Ultra-Som nas Úlceras de Pressão de Graus I e II. REFERÊNCIAS 1. Fernandes LM, Braz E. A Utilização do óleo de Girassol na Prevenção de Úlceras de Pressão em Pacientes Críticos. Nursing – Revista Técnica de Enfermagem, ed. Brasileira 2002;5(44):29-34. 2. Jorge Sílvia A, Dantas SR. Abordagem Multiprofissional do tratamento de feridas. São Paulo: Atheneu, 2003. 3. Knobel Elias. Condutas no Paciente Grave. 2. ed. São Paulo: Ed. Atheneu, 1999. 4. Meneghin P, Lourenço MTN. 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Concluiu-se que o perfil do paciente submetido à prótese é, na maioria das vezes, mulher branca, com idade em torno de 60 anos e com diagnóstico de artrose de quadril direito. Unitermos: Artroplastia de quadril, artrose, fisioterapia. A Organização Mundial de Saúde calcula que 75% de todas as fraturas de quadril no mundo vão ocorrer nos países em desenvolvimento e o número de ocorrências deve triplicar neste século. Estima-se que 25% da população brasileira sofram de osteoporose e, segundo a Fundação Internacional de Osteoporose, 40% das mulheres em todo o mundo correm o risco de ter alguma fratura por conta da doença. Entre os homens, a porcentagem é de 13%. A esmagadora maioria desses casos ocorrerá em idosos, por serem predominantemente mais afetados pela doença. A artrose também é uma das maiores indicações de prótese total de quadril. Ocorre com maior freqüência em pessoas idosas e quase todas as formas de lesão ou de doenças articulares podem iniciar o processo que resulta em artrose. A artrose pode seguir-se a uma agressão mecânica e/ou uma doença articular inflamatória. Contudo, seus fatores de risco são a idade, raça, peso e história familiar. A cirurgia para colocação da prótese de quadril (Figura 1) é realizada principalmente em pacientes portadores de coxoartrose grave, quando existe grande limitação dos movimentos e quando a dor é muito intensa, tornando as atividades diárias muito penosas. Mesmo que se tomem todos os cuidados recomendados durante o ato cirúrgico, poderão ocorrer complicações; a fratura do fêmur nas artroplastias de quadril pode ocorrer no intra, pós-operatório imediato ou –40– tardio, às vezes não visível nas radiografias. Entretanto, a cirurgia de colocação da prótese total de quadril, tem como primeiro objetivo o alívio da dor, obtendo-se este resultado em 95% dos casos. Além disso, consegue-se restabelecer os movimentos articulares, e a combinação desses dois fatores permite o retorno do paciente as suas atividades de vida diária normais. Figura 1. Radiografia de prótese implantada em lado direito. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 40-43. Rosa F P & Cattelan A. Epidemiologia das Artroplastias Totais de Quadril no Hospital São Vicente de Paulo. METODOLOGIA A pesquisa foi desenvolvida tendo um delineamento transversal, sendo classificada como quantitativa e descritiva. A população caracterizou-se pelos pacientes internados no Hospital São Vicente de Paulo e a amostra constituiu-se de 68 pacientes submetidos a artroplastia total de quadril, no período de junho a setembro de 2005. Os dados para a realização da pesquisa foram obtidos de fontes secundárias retiradas dos prontuários dos pacientes (Laudo Médico para a Emissão da AIH), com prévio consentimento e autorização por parte do Hospital São Vicente de Paulo. A coleta de dados foi feita pelo pesquisador que realizou visitas diárias, durante o período entre junho a setembro, a todos os postos de enfermagem e salas de recuperação na busca dos prontuários dos pacientes. Depois disso, cruzou-se os dados entre os vetores analisados e obteve-se a comparação por classes da amostra. As variáveis foram submetidas à análise estatísticas através do programa Microsoft Excel 97. Todas as variáveis foram catalogadas em tabelas para cada índice e gráficos quantitativo-comparativos entre duas variantes, relacionando-as entre si. Além disso, obteve-se os resultados da média de idade e desvio padrão, dados calculados pela fonte do banco de informações criado pelo presente trabalho. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados foram digitados e processados obtendo-se média de idade e o desvio padrão dos dados pesquisados. O primeiro tópico que compõe o perfil dos pacientes submetidos à cirurgia de artroplastia total de quadril é a faixa etária mais acometida. Em relação à idade, 58,82% da população encontrase nas faixas etárias entre 51 e 60 anos e 61 e 70 anos. A idade da maioria da amostra gira em torno de 60,17 anos (DP=11,12). As mulheres (52,95%) sofreram maior número de artroplastias totais de quadril em relações aos homens (47,05%). A maioria dos pacientes que realizaram a artroplastia foi de cor branca (92,64%). Os pacientes foram classificados segundo a cor da pele que constava nas fichas de internação hospitalar. Para catalogação, utilizou-se como referência a classificação racial utilizada pelo Ministério da Saúde. Pacientes das raças Amarela e Indígena não foram encontrados na amostra. A artrose caracterizou-se como o principal motivo da indicação para a realização da cirurgia (57,35% dos casos), segundo o laudo médico. Para classificarmos em “Outros”, foram selecionados as patologias menos freqüentes e, por isso se excluíram as artroses, as fraturas e as solturas que tiveram grande representação, e que mereceram classificações próprias. Comparando os lados afetados, nota-se uma prevalência do Direito (55,88%) sobre o Esquerdo (44,12%). Percebe-se que na relação Idade x Sexo (Figura 2) teve-se uma grande prevalência de mulheres entre 61 e 70 anos (38,89% da população de mulheres), já para os homens REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 40-43. a idade mais relevante é entre 51 e 60 anos (50%). Com menos de 30 e mais de 80 anos, observou-se apenas mulheres. Os valores são iguais na faixa etária de 41 a 50 anos. Os homens prevalecem somente no espectro entre 51 a 60 anos. Nas faixas etárias entre 31 a 40, 61 a 70, 71 a 80 há prevalência de mulheres. Para fatores etiológicos em relação à idade (Figura 3) observamos que 64,10% dos casos de artrose concentramse nas faixas etárias entre 51 a 60, e 61 a 70 anos. As fraturas só ocorreram a partir dos 61 anos e predominou nos pacientes com idade acima de 80 anos. As solturas distribuem-se pelo espectro amplo de 31 a 80 anos, mais freqüentes entre 61 a 70 anos. Outros fatores como a artrite séptica, falência biomecânica e necrose avascular são pouco freqüentes, mas aparecem entre 41 e 70 anos. Na relação lado afetado por faixas etárias (Figura 4), o lado direito prevalece sobre o esquerdo principalmente na faixa etária entre 61 a 70 anos, onde temos o maior número de casos (39,47% do total de pacientes acometidos no lado direito). Para os casos no lado esquerdo, verificamos uma maior distribuição em três faixas, 41 a 50, 51 a 60 e 61 a 70 anos. Na relação Sexo versus Etiologia (Figura 5), temos um equilíbrio entre homens e mulheres com artrose e soltura de prótese, com leve predominância de homens na primeira e de mulheres na segunda causa. Já nas fraturas, a predominância de mulheres é visível, temos uma relação de 11 casos para apenas 1 homem. Outros fatores também têm pouca diferença entre homens e mulheres, porém tendendo ao sexo masculino. Quando comparamos as relações entre lado acometido e sexo (Figura 6), há um equilíbrio no sexo masculino, dividido igualmente nos dois lados, já as mulheres têm uma maior prevalência de intervenções no lado direito (61,11% das mulheres da amostra). Quando comparamos os fatores etiológicos (Figura 7) que acometem os lados direito e esquerdo da população de amostra desta pesquisa podemos verificar que nas artroses e nas fraturas há pouca discrepância de valores representativos, porém nas solturas temos uma prevalência de 69,23% de casos do lado direito em relação ao total de solturas da amostra. Além disso, na população representativa dos outros fatores, também temos uma maior prevalência de casos no lado direito em relação ao esquerdo. Quando se relacionou o resultado encontrado com pesquisas anteriores observou-se que em relação à idade dos pacientes, estes dados vão ao encontro com fatores como o envelhecimento populacional brasileiro e mundial, o que ressalta a importância de tal pesquisa, visto que cada vez Figura 2. Relação entre faixa etária e sexo. –41– Rosa F P & Cattelan A. Epidemiologia das Artroplastias Totais de Quadril no Hospital São Vicente de Paulo. Faixas etárias (em anos completos) com n = 68 Até 30 31 a 40 41 a 50 51 a 60 61 a 70 71 a 80 + de 80 1 4 8 18 22 10 5 Classificação da amostra segundo o sexo: (n = 68) Homens Mulheres 32 36 Classificação por raça (n = 68) Brancos Pardos Negros Amarelos Indígenas 63 3 2 - Classificação segundo a etiologia das artroplastias: (n = 68) Artrose Solturas Fraturas Outros 39 13 12 4 Classificação pelo lado acometido: (n = 68) Lado direito Lado esquerdo 38 30 Tabela 1. mais teremos representantes destas faixas etárias. No ano 2000 estimava-se que o Brasil teria uma população de 21,5 milhões de pessoas com mais de 60 anos.3 A artrose do quadril é uma doença de alta prevalência, especialmente nas faixas etárias mais avançadas.27 Além disso, outras pesquisas mostraram que as artroses acometem pessoas a partir dos 50 anos, podendo ocorrer antes, relacionada a problemas ortopédicos e profissionais, constituindo-se na mais freqüente das doenças reumáticas.3 Em relação ao sexo, os dados concordaram com pesquisas de Eichemberg que dizem que os homens e mulheres são igualmente acometidos pela artrose de quadril.7 Sobre a raça, os resultados vão ao encontro com os dados das pesquisas de Moreira, onde se observou que os amarelos e negros têm menor incidência de artrose do que os brancos.21 Em relação às solturas, a maior parte das cirurgias ortopédicas realizadas no Brasil utiliza próteses com articulação cabeça/acetábulo tipo metal/polímero, a qual tem demonstrado altos índices de falhas. Este tipo de articulação pode durar até cerca de dez anos, sendo a soltura da articulação o maior problema em longo prazo.13 Não foram encontradas pesquisas relacionando à soltura com outros fatores. Os dados encontrados concordam com outras pesquisas. A incidência de fraturas de quadril aumenta exponencialmente com a idade, indo de 9/100.000 entre as idades de 35 e 44 anos para 3.317/100.000 mulheres/ano em pacientes com 85 anos ou mais.8 No ano 2000 estimava-se que o Brasil teria quase 2 milhões de casos de fratura de colo do fêmur em pessoas com mais de 60 anos.3 Além disso, cerca de 85% das fraturas de Figura 8. Incidência de fraturas por osteoporose em mulheres. –42– quadril ocorrem entre as mulheres.8 Na Figura 8 podemos observar a relação da idade com o índice de fraturas em mulheres com osteoporose. Nesta pesquisa observou-se o número de casos de fraturas de quadril, em relação às fraturas de vértebras e de punho. Segundo o Ministério da Saúde, assim como as artroses, a artrite séptica distribui-se de maneira semelhante em ambos os sexos.3 Além disso, na artrite séptica o agente etiológico mais comum em adultos é o Staphylococcus aureus, a articulação mais acometida é a coxofemoral e pode ser encontrada em qualquer idade.3 Por fim, não foram encontradas estatísticas relacionadas ao lado acometido em pacientes com próteses totais de quadril. Além disso, utilizaram-se os fatores etiológicos para dividir a discussão devido ao fato de que foram as causas que levaram a colocação da prótese total de quadril. CONCLUSÃO Através deste estudo verificou-se o perfil dos pacientes que realizaram artroplastia total de quadril no Hospital São Vicente de Paulo, sendo na maioria, pessoas entre 51 e 70 anos, do sexo feminino, pertencente à raça branca e com diagnóstico de coxo-artrose de quadril em lado direito. Dentre as principais causas para a realização da artroplastia total do quadril destacaram-se as artroses seguidas das solturas e fraturas. O lado direito foi o mais acometido provavelmente devido à relação com o alto número de destros na população. Conhecendo-se o perfil do paciente, políticas de prevenção poderão ser dirigidas mais especificamente a este público, além disso, poderão ser orientados quanto ao fato de serem mais propensos ao uso das próteses. Medidas fisioterápicas preventivas e de reabilitação poderão ser tomadas, mais especificamente para o grupo de maior prevalência da amostra, a fim de que se obtenha uma melhor qualidade de vida dos indivíduos, além da prevenção de futuras complicações advindas do processo de desgaste da prótese. Sugerem-se novas pesquisas na elaboração de propostas para protocolos de prevenção e de informações destinadas ao público alvo desta pesquisa, e também se sugere novas pesquisas em relação a fatores como o lado dominante em relação ao lado mais acometido e também ao tipo de prótese que são utilizadas com maior freqüência, ou seja, as cimentadas e as não-cimentadas, e sua relação com as solturas das próteses. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 40-43. Rosa F P & Cattelan A. Epidemiologia das Artroplastias Totais de Quadril no Hospital São Vicente de Paulo. Summary EPIDEMIOLOGY OF HIP’S TOTAL ARTHROPLASTY IN PATIENTS OF SÃO VICENTE DE PAULO’S HOSPITAL The hip’s total arthroplasty is indicated to patients who present a painful arthritis articulation and were incapable to obtain any results with a conservative treatment. The main goal of this research is to characterize the patients’ profile who were subdue to total hip’s prosthesis, and were admitted at São Vicente de Paulo’s Hospital in Passo Fundo, in the following aspects: gender, age, color of the skin, specifying the people who suffers this illness and the most frequent reasons of the prosthesis use. This characterize happened by transversal delineation, descriptive and quantitative being the sample selected through 68 patients’ prescriptions who have done the hip’s total arthroplasty from July to September of 2005. With the conclusion that the patient’s profile submitted to a hip’s arthroplasty is in most of the times female, white in the age group of the 60 year-old with a right hip’s arthrosis diagnosis. Uniterms: Hip’s prostheses, arthrosis, physiotherapy. REFERÊNCIAS Obs.: 32 referências à disposição dos leitores. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 40-43. –43– Artigo de Revisão Modificações no Modelo de Tradução Gênica Cristian F. Nunes, Angela Sanderson, Caroline Duarte, João G. Castellano, Tailize Menegazzo, César Augusto L. Pires. Faculdade de Medicina, Universidade de Passo Fundo (RS). Resumo Nesta revisão buscamos demonstrar a importância bem como explicitar dois dos mecanismos pelos quais as células se protegem da produção de proteínas anômalas, o nonsense-nediated decay e o nonstop decay. Estes processos reconhecem erros nos genes, que determinam o término prematuro, ou a falha no término da tradução, respectivamente. Para tanto, utilizam elementos do processo de tradução tradicional para localizar e eliminar RNAm contento alteração. Então, o correto funcionamento deste complexo pode evitar ou minimizar a ocorrência de patologias genéticas. Unitermos: Modelos genéticos, genética médica, tradução genética. Desde que a idéia da tradução gênica foi concebida, inúmeros estudos vêm sendo realizados a fim de se entender melhor todo este processo, que em sua complexidade permite aos mais diversos organismos expressarem os produtos de seu código genético. Após anos de pesquisas chegou-se a um padrão ou modelo para a tradução gênica que, basicamente, resume-se em: (1) RNAm que sofreu splicing é exportado para o citoplasma; (2) os ribossomos se ligam a essa fita de RNAm e começam a ler os códons; (3) ao achar o códon de iniciação (AUG), o ribossomo “atrai” um RNAt com um anti-códon complementar possuindo um aminoácido ligado a ele, que se liga ao códon na fita de RNAm; (4) este processo se repete com outros códons e vão se formando ligações peptídicas entre os aminoácidos adjacentes; (5) o ribossomo continua lendo os códons até achar o códon de terminação (UGA, UAG ou UAA ), então se solta da fita de RNAm, deixando como saldo do trabalho uma molécula de proteína. Porém, este modelo não se aplica em todas circunstâncias. Estudos que vêm sendo realizados por muitos anos, têm provado que a célula possui mecanismos de “controle de qualidade”, que buscam por mutações nas fitas de RNAm. Uma vez encontrada uma mutação, esta fita é degradada, a fim de minimizar ou abolir os danos causados pela produção de uma proteína defeituosa. Tal artifício tem servido de base para o estudo de diversas patologias relacionadas à defeitos ou ausência de determinadas proteínas. Existem basicamente dois mecanismo de degradação de RNAm com mutação, a nonstop decay (NSD) e a nonsense-mediated decay (NMD), que é o mais importante e estudado destes mecanismos. um códon de terminação prematuro (CTP) e, que podem levar a formação de proteínas truncadas. Este mecanismo está presente em todos os eucariotos estudados até agora1. Levando-se em conta a definição acima, fica claro que a NMD depende do reconhecimento da posição imprópria de um CTP. Em eucariotos superiores, o códon de terminação verdadeiro é encontrado, geralmente, no último éxon do RNAm, sendo assim, um códon de terminação anômalo que esteja localizado no último exon de um RNAm, após o códon de terminação verdadeiro, não desencadeará esse processo. Então, para que o mecanismo da NMD seja iniciado é necessário que a alteração seja suficientemente prematura, ou seja, geralmente, 50-55 nucleotídeos (nt) antes da última junção éxon-éxon. Para tanto, essas junções éxon-éxon precisam estar marcadas de alguma forma para que sejam reconhecidas pelos ribossomos, esta marcação é feita por determinadas proteínas durante o processo de splicing. Baseando-se nesses dados podemos afirmar que a NMD é dependente do splicing, pois é necessário que este ocorra para que os ribossomos reconheçam as junções éxon-éxon onde anteriormente localizava-se um íntron. Igualmente, a NMD é dependente do processo de tradução. Isso pode parecer um tanto estranho, já que a NMD se trata de um mecanismo que, como dito anteriormente, é uma modificação do processo de tradução. No entanto, tal afirmação se torna verdadeira se pensarmos que as mesma estruturas, como os ribossomos e certas proteínas, que estão envolvidas na tradução típica são utilizadas para a realização da NMD. O que é a NMD? A NMD é o processo responsável pela eliminação de fitas de RNAm contendo mutações nonsense, ou seja, aquelas mutações que se caracterizam pela presença de Qual a importância da NMD? Uma vez que a perfeição do produto que está codificado em um gene é essencial, a taxa de erro na expressão do mesmo deve ser muito baixa. Sendo assim, a –44– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. Nunes CF e cols. Modificações no Modelo de Tradução Gênica. NMD é de suma importância para o ser humano já que a freqüência estimada de mutações nonsense e frameshift em desordens genéticas é de cerca de 25%2. Tem-se o conhecimento de que esse sistema pode agir sob cerca de 200 desordens genéticas que podem ser geradas por um CTP1. Essas alterações podem ser causadas por transcritos que não sofreram splicing ou sofreram splicing incompleto, produzindo assim proteínas truncadas e sem função, que podem até ser deletérias ao organismo por competir com os produtos funcionais do gene4. Uma das patologias mais conhecida que pode ser causada por um CTP é a β-talassemia, uma hemoglobinopatia, causada por falha na produção da cadeia β da hemoglobina humana. Quando há um CTP no RNAm da β-globina, ocorre a forma recessiva da b-talassemia, onde esse transcrito é degradado pela NMD. Já a sua forma dominante, e mais severa, ocorre quando esse RNAm defeituoso não é degradado, por escapar a NMD4. Outra doença que pode ser causada por um CTP é a Doença de Tay-Sachs, uma desordem neurodegenerativa que é herdada de forma autossômica. Nessa patologia há a formação de um CTP, quando há alteração no gene HEXA. A mais comum dessas alterações é a inserção de 4 pares de bases no éxon 11 deste gene, que possui 14 éxons, reduzindo o tamanho do transcrito em 100 códons. A NMD impede que esses RNAm sejam traduzidos, como demonstrado em pacientes homozigotos onde os níveis deste transcrito contendo nonsense, nos fibroblastos, são indetectáveis5. Ainda, a NMD tem importância nos linfócitos, onde tanto imunoglobulinas quanto receptores de células T sofrem recombinações somáticas e mutações em busca de versatilidade para o sistema imune. Esse processo, que é tão importante para o bom funcionamento da imunidade corporal, com freqüência leva a formação de transcritos com um CTP, que especialmente no gene β do receptor de células T sofre extraordinariamente forte regulação do RNAm pela NMD6. Diante destes fatos, evidencia-se que a NMD tem importância fisiológica essencial e pode, a partir do entendimento total desse processo, levar a criação de novas condutas para o tratamento de uma série de desordens causadas por alterações sujeitas a esse mecanismo. O splicing como pré-requisito para a NMD: Como mencionado anteriormente, para que seja possível a realização da NMD é necessário que o RNAm tenha passado pelo processo de splicing. A função principal do splicing é retirar os íntrons do pré-RNAm que foi transcrito, restando apenas as regiões que devem ser traduzidas. Sua importância para NMD está no fato de o spliceossomo depositar certas proteínas no RNAm, modificando sua composição, mas não sua seqüência, e sinalizando ao citoplasma o local onde os íntrons estavam. O spliceossomo deposita, estavelmente, várias proteínas, em um complexo com ~335 kDa, em uma posição constante de 20-24 nt antes das junções éxon-éxon, independentemente da seqüência de bases que ali existir. Este complexo, chamado de “exon-exon junction complex” REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. (EJC)4, é formado por, no mínimo, 5 proteínas: SRm160, DEK, RNPS1, Y14 e REF/Aly. Ele protege cerca de 8 nt do RNAm da digestão completa pela RNAse e, ainda, estudos mostram que a colocação desse complexo promove uma vantagem seletiva na exportação e tradução dos RNAm que sofreram splicing4. Este complexo não é uma estrutura estática, e se modifica a medida em que o RNAm evolui do núcleo para o citoplasma, em direção a tradução7. Sua localização 20-24 nt antes das junções éxonéxon serve para “marcar” essa junções para a NMD. Isso explica o porque códons de terminação, geralmente, não são reconhecidos como prematuros a não ser que estejam localizados 50-55 nt antes da última junção éxon-éxon no sentido 3’ de um RNAm, determinando a dependência do splicing para a NMD7. Além disso, o EJC serve como ponto de ancoragem para proteínas, como a Upf3, que são essenciais para a formação do complexo de vigilância, como será discutido mais adiante4. Três das proteínas desse complexo estão direta ou indiretamente ligadas ao processo de splicing. SRm160, que tem localização na matriz nuclear, é um membro da família SR de fatores de splicing, que ativam o splicing do pra-RNAm por interagir com outras proteínas. DEK é uma fosfoproteína multifuncional, que se associa ao RNAm através de interações mediadas pela proteínas SR e pode modificar a densidade da superhélice do DNA na cromatina e também alterar a transcrição de alguns genes8. RNPS1 tem como função, geralmente, ativar o splicing, juntamente, com outras proteínas como a SRm160 e SRm300 e, também, pode servir para auxiliar no acoplamento da proteína Upf3. Com exceção da RNPS18, as duas outras proteínas não passam do núcleo para o citoplasma, elas se soltam do RNAm após o final do splicing, pois elas somente são necessárias para a realização desse processo. REF/Aly, juntamente com a Y14, tem função de recrutar fatores de exportação como a proteínas TAP. Esta é uma proteína vai e vem núcleo-citoplasma que não consegue interagir diretamente com o RNAm e necessita do intermédio da proteína REF/Aly ou também da Y147. Portanto, a principal função da REF/Aly é facilitar a exportação do RNAm8, sendo que se solta desse logo após sua passagem para o citoplasma, descartando assim a hipótese de servir como Figura 1. Mecanismo do Splicing. –45– Nunes CF e cols. Modificações no Modelo de Tradução Gênica. um marcador para a NMD. A Y14 é a principal constituinte do EJC para a NMD, ela é uma proteína vai e vem núcleo-citoplasma, que não se solta do RNAm após a exportação para o citoplasma. Acredita-se que, no núcleo, como mencionado anteriormente, juntamente com a REF/Aly, a Y14 teria a função de recrutar o TAP, além de ser um indicador de que o splicing ocorreu, impedindo que ocorra um outro processamento, que seria desnecessário e provavelmente prejudicial9. No citoplasma, sua função mais importante é “marcar” a localização das junções éxon-éxon, uma vez que está localizada no RNAm, aproximadamente, ~20 nt antes delas. Dessa forma, ela pode sinalizar a presença de CTP e disparar a NMD9, pois esses estarão sempre antes de pelo menos uma dessas proteínas. Ainda, a Y14, no núcleo, interage com a proteína Upf3, que é essencial para a NMD. Recentemente, uma outra proteína tem sido estudada, ela seria um sexto componente do EJC, ela é chamada de Magoh. Esta proteína se liga avidamente e diretamente a Y14 e ao TAP e, poderia servir como um adaptador para a ligação entre elas10. Ela mostrou acompanhar o RNAm que sofreu splicing no citoplasma1, porém sua função específica ainda não foi definida. As proteínas Upf e suas funções: As proteínas Upf formam um complexo necessário para o funcionamento da NMD11, dentre as três, cada uma delas têm estrutura e função própria e entra no processo em um diferente momento. A Upf3 é uma proteína básica, vai e vem núcleocitoplasma, com predominância nuclear, que tem 45 kDa12. Ela é a primeira a interagir, indiretamente, com o RNAm6, por se ligar a proteína Y14 do EJC no núcleo e acompanha-las até o citoplasma. As Upf2 têm 127 kDa e são proteínas ácidas, com localização perinuclear12. Elas interagem com as proteínas Upf3 logo após a exportação para o citoplasma, criando uma base para a associação das proteínas Upf113. A Upf1 é uma proteína exclusivamente citoplasmática, com 109 kDa12, que interage com a Upf2 na formação do complexo de vigilância e também interage com os fatores de release eRF1 e eRF3. Por meio dessa interação ela pode ter papel de modulação do final da tradução por três maneiras: (1) aumentando a eficiência com que os fatores de release competem com o RNAt pelo sítio A do ribossomo, (2) aumentando a eficiência com que os eRF realizam a hidrólise do peptídio no sítio P ou (3) aumentando a reciclagem dos eRF e, dessa forma, sua disponibilidade para promover o final da tradução1. Além disso, as Upf1 parecem interagir com a proteína Dcp1, envolvida na remoção do cap-5’, o que sugere uma estreita relação entre a Upf1 e a remoção do cap-5’ 6. A montagem desse complexo de proteínas Upf, de acordo com as características de cada uma das proteínas integrantes, ocorre de forma seqüencial. Primeiramente, a Upf3 s liga à Y14 no núcleo e a acompanha até o citoplasma, então a Upf2 se liga a Upf3, na região perinuclear. Finalmente, se a NMD for disparada, a proteína Upf1 se liga ao complexo Upf3-Upf26, através de vários processos que –46– serão explicitados mais adiante, formando o complexo de vigilância maduro. O mecanismo da NMD: Até o momento, temos a presente noção de que o RNAm acaba o splicing, de certa forma, marcado, ou seja, as junções éxon-éxon estão sinalizadas por sinais protéicos, os EJC, ou mais especificamente a proteína Y14. Esta, ainda no núcleo, se liga a proteína Upf3, que a acompanha através do poro nuclear até o citoplasma 7. Com a exportação, algumas das proteínas dos EJC ficam no núcleo, e outras se soltam do RNAm no citoplasma, logo após a exportação. Para a NMD, o interessante é a interação entre as proteínas Y14 e Upf3, que, no citoplasma, servirão de alicerce para o acoplamento das demais proteínas envolvidas no processo. Ainda, existem outras proteínas que se associam com o RNAm, ainda no núcleo, e possuem funções específicas, é o caso da PABP2 (poli-A binding protein ou proteína de ligação de poli-A) que tem a função de ligar caudas de poli-A, estimular sua extensão e controlar o seu comprimento15. Outras dessas proteínas são as CBP (cap binding protein ou proteína de ligação de cap) 80 e 20, as duas juntas formam o complexo nuclear de ligação de cap, um heterodímero, onde a CBP80 interage diretamente com a extremidade 5’ do RNAm e a CBP20 indiretamente, via CBP8015. Concomitantemente ou logo após a exportação, na porção do RNAm que já encontra-se no citoplasma, as proteínas Upf2, que tem localização perinuclear, se ligam às proteínas Upf3 devidamente ancoradas na remanescente do EJC, Y14 7. Estas três proteínas juntas, formam o que nós optamos por chamar de primórdio do complexo de vigilância ou complexo de vigilância jovem, que evoluirá se houver um CTP. Durante o primeiro período ou ciclo de tradução, juntamente com o open-reading frame, os ribossomos retiram esse complexo, formado por: Y14, Upf3 e Upf2 7. Estes ribossomos vão traduzindo o RNAm até que encontrem um stop codon, seja ele prematuro ou verdadeiro, e então param. A parada do ribossomo serve como um sinal para o recrutamento dos fatores de release, eRF1 e eRF3, que chegam unidos em um complexo para se ligar com o sítio A do ribossomo, sendo que juntamente com este complexo vem ligada a proteína Upf116. Se este stop codon for verdadeiro, o ribossomo pela interação com os fatores de release se soltará do RNAm e a tradução continuará a ocorrer com os ribossomos a seguir. No entanto, se este for um CTP, o ribossomo terá falhado em retirar alguns dos complexos que marcam as junções éxonéxon. Caso este CTP seja suficientemente prematuro, ou seja, distante 50-55 nt antes da junção éxon-éxon, haverá uma série de interações entre as proteínas do complexo de vigilância dito jovem e outras que são recrutados, o que levará a formação do complexo de vigilância maduro. Primeiramente, após a ligação do complexo formado por eRF1, eRF3 e Upf1 no sítio A do ribossomo, há a hidrólise da ligação entre o peptídio e o RNAt, e o eRF1 se dissocia do ribossomo. Isso permite que a Upf2, momentaneamente, interaja com o eRF3, logo após isso, há um rearranjo no complexo e a Upf2 se liga novamente a Upf3, havendo a REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. Nunes CF e cols. Modificações no Modelo de Tradução Gênica. liberação do eRF3. Então, um novo complexo com fatores de release é recrutado pelo ribossomo, este se liga ao ribossomo permitindo a sua liberação completa do RNAm. Finalmente, forma-se o complexo de vigilância maduro, formado basicamente por três proteínas: Upf1, Upf2 e Upf316. Após formado este complexo, a proteína Upf1 interage com a proteína Dcp1 (decapping proteing ou proteína removedora de cap), esta, tem como função desfazer a ligação da proteína CBP80 com o RNAm, removendo assim o cap-5’6. Ela faz isso clivando a ligação entre a proteína CBP80 e o RNAm, liberando m7GDP e deixando no transcrito um final 5’ fosforilado, que pode ser substrato para exorribonucleases17. Ainda, existe outra proteína removedora de cap, a Dcp2, mas com importância para a NMD ainda a ser comprovada 16 . A degradação do RNAm é, então, catalisada pela enzima Xrn1, uma exorribonuclese 5’Æ3’, que degrada o transcrito nesse sentido sem a necessidade de que a cauda de poli-A tenha sido encurtada12. O teoria do Pionner Round of Translation: A teoria do Pionner Round of Translation ou ciclo precursor de tradução foi citado, primeiramente, em 2001, e teoriza que existe um primeiro ciclo traducional, que envolveria diferentes proteínas, antes que o RNAm fosse exposto a maquinaria da tradução normal, no qual este seria submetido a NMD se possuísse uma mutação nonsense15. Este primeiro ciclo seria um tanto quanto lógico, uma vez que, a NMD serve como um controle de qualidade para a célula, e o quanto antes um RNAm contendo mutação for degradado, menos prejudicial ele será para a célula. Em células de mamíferos, a NMD se limita a RNAm recém sintetizados18, o que é consistente com a idéia de que este ainda não está com todas as proteínas necessárias para a conformação cíclica do RNAm, durante a tradução regular. Para que o transcrito atinja a composição necessária a tradução regular, certas proteínas são trocadas e adicionadas, por exemplo: o complexo CBP80-CBP20 é substituído por eIF4E, um proteína de ligação de cap citoplasmática; PABP2 é trocada por PABP1, uma proteína ligadora de caudas de poli-A citoplasmática; eIF4G, um fator iniciação da tradução, é adicionado15. A observação e estudo destes fatos, levou a conclusão de que o RNAm só é sujeito a NMD, antes que esteja pronto para a tradução regular, ou seja, antes que essas trocas e adições de proteínas tenham sido feitas15,18. Ainda, estes estudos levantaram a hipótese da existência de três sítios para a NMD: nuclear, citoplasmático ou outro onde o RNAm seria sujeito a fatores citoplasmáticos mas estaria ainda em contato com o poro nuclear15. A terceira é a mais aceita, uma vez que satisfazeria fatores como a presença de ribossomos, que se encontram abundantemente na membrana nuclear externa3, e a idéia de uma degradação rápida, antes que produtos deletérios fossem formados. Dessa forma, podemos afirmar que, a NMD ocorre em um estágio onde o RNAm ainda não está totalmente pronto para a tradução regular, e isto ocorre no momento em que o transcrito está no citoplasma, mas ainda associado com o núcleo. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. Figura 2. Sequência da NMD. –47– Nunes CF e cols. Modificações no Modelo de Tradução Gênica. A NSD A non-stop decay (NSD) é um mecanismo responsável por identificar e degradar os RNAm que não possuem um stop codon, ou seja, que não sinalizam para o ribossomo o final da tradução. Tal mutação pode ser criada de diversas formas, como, por exemplo, a perda ou inserção de um ou mais nucleotídios. Exemplos deste tipo de degradação foram encontrados em bactérias e fungos e, especialmente, estudados na espécie Saccharomyces cerevisiae. Em células de mamíferos este mecanismo também já foi detectado, mas ainda foi pouco estudado, por isso, o mecanismo que será descrito aqui será o observado nos fungos da espécie já citada. A NSD, assim como a NMD, depende da tradução, pois só acontece se houver um ribossomo lendo o transcrito. Sendo assim, primeiramente, após a exportação para o citoplasma, um ribossomo vem lendo e traduzindo o RNAm, se este transcrito for normal, ele acha um stop códon, pára e, após recrutar os fatores de release eRF1 e eRF3, se solta da fita de RNAm. No entanto, se não existir um stop codon neste Figura 3. Mecanismo da NSD. transcrito, o ribossomo continuará traduzindo sem parar. Após ler e “traduzir” toda a cauda de poli-A, adicionando poli-lisina no C terminal do produto protéico, o ribossomo chega ao final 3’ do transcrito e deixa o seu sítio A livre. Então, a proteína associada ao exossomo Ski7, que é citoplasmática, se liga ao sítio A que estava livre e dessa forma recruta o exossomo para degradar o RNAm no sentido 3’Æ5’. Assim, a NSD, como outra modificação no modelo de tradução gênica é mais uma das ferramentas que a célula tem para impedir a produção de proteínas afuncionais, evitando assim, danos a estruturas celulares, o que poderia levar a lise celular. CONCLUSÃO Tanto a NMD quanto a NSD tem como objetivo fazer com que o RNAm passe por um controle de qualidade. Ambos mecanismos, de uma forma ou outra são modificações do modelo de tradução tradicional, uma vez que envolvem fatores normais da tradução, porém de maneiras diferentes e para obterem outros resultados. Enquanto a NMD e a NSD buscam falhas no RNAm para degradá-lo, a tradução tem o objetivo de produzir uma proteína a partir do transcrito. Atualmente, a NMD é alvo de diversos estudos, estes, se tornam cada vez mais freqüentes, visto que tal processo pode nos explicar diversas patologias humanas e também mecanismos celulares de todos os organismos. Muito já é sabido sobre a NMD e espera-se que, com o melhor entendimento desse mecanismo, ela possa ser útil para justificamos diversos acontecimentos que, hoje, não podem ser explicados. Do contrário, sabe-se muito pouco ainda sobre a NSD, principalmente, em células de mamíferos. Isso serve de estímulo para que, cada vez, mais pesquisadores busquem estudar este fenômeno celular e entender todas suas funções e sua execução. Summary GENIC TRADUCTION MODEL MODIFICATIONS - Review In this literature review, the Authors intend to demonstrate the importance, as well as elucidate two of the mechanisms by which the cells protect themselves from the synthesis of anomalous proteins: the Nonsense-mediated decay and the Nonstop decay. These processes recognize errors in genes, that determine the premature ending, or the failure in the ending of traduction, respectively. To do that, it uses elements of the ordinary traduction to locate and eliminate the RNAm containing alteration. Then, the correct functioning of this complex can avoid or minimize the occurrence of genetic pathologies. Keywords: Genetic Patterns, Medical Genetics. –48– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. Nunes CF e cols. Modificações no Modelo de Tradução Gênica. REFERÊNCIAS 1. Czaplinski K, Ruiz-Echevarría MJ, Paushkin SV, Han X, Weng Y, Perlick HA, et al. The surveillance complex interacts with the translation release factors to enhance termination and degrade aberrant mRNAs. Genes Dev 1998;12:1665–77. 2. Neu-Yilik G, Gehring NH, Thermann R, Frede U, Hentze MW, Kulozik AE. Splicing and 3’ end formation in the definition of nonsense-mediated decay-competent human b-globin mRNPs. EMBO J 2001;20(3):532-40. 3. Bohnsack MT, Regener K, Schwappach B, Saffrich R, Paraskeva E, Hartmann E, et al. Exp5 exports eEF1A via tRNA from nuclei and synergizes with other transport pathways to confine translation to the cytoplasm. EMBO J 2002;21(22):6205-15, 2002. 4. Thermann R, Neu-Yilik G, Deters A, Frede U, Wehr K, Hagemeier C, et al. Binary specification of nonsense codons by splicing and cytoplasmic translation. EMBO J 1998;17(12):3484-94. 5. Rajavel KS, Neufeld EF. Nonsense-mediated decay of human HEXA mRNA. Mol Cell Biol 2001;21(16):5512-9. 6. Lykke-Andersen J, Shu M, Steitz JA. Human Upf proteins target an mRNA for nonsense-mediated decay when bound downstream of a termination codon. Cell 2000;103:1121-31. 7. Le Hir H, Izaurralde E, Maquat LE, Moore MJ. The spliceosome deposits multiple proteins 20-24 nucleotides upstream of mRNA exon-exon junctions. EMBO J 2000;19(24):6860-89. 8. Lejeune F, Ishigaki Y, Li X, Maquat LE. The exon junction complex is detected on CBP80-bound but not eIF4Ebound mRNA in mammalian cells: dynamics of mRNP remodeling. EMBO J 2002;21(13):3536-45. 9. Kim VN, Yong J, Kataoka N, Abel L, Diem MD, Dreyfuss G. The Y14 protein communicates to the cytoplasm the position of exon-exon junctions. EMBO J 2001;20(8):2062-68. 10. Kataoka N, Diem MD, Kim VN, Yong J, Dreyfuss G. Magoh, a human homolog of Drosophila mago nashi protein, is a component of the splicing-dependent exon-exon junction complex. EMBO J 2001;20(22):6424-33. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 44-49. 11. Ruiz-Echevarría MJ, Yasenchak JM, Han X, Dinman JD, Peltz SW. The Upf3 protein is a component of the surveillance complex that monitors both translation and mRNA turnover and affects viral propagation. Proc Natl Acad Sci U S A 1998;95:8721-26. 12. He F, Jacobson A. Upf1p, Nmd2p, and Upf3p regulate the decapping and exonucleolytic degradation of both nonsense-containing mRNAs and wild-type mRNAs. Mol Cell Biol 2001;21(5):1515-30. 13. Wang W, Czaplinski K, Rao Y, Peltz SW. The role of Upf proteins in modulating the translation read-through of nonsense-containing transcripts. 2001;20(4):880-90. 14. Le Hir H, Gatfield D, Izaurralde E, Morre MJ. The exon-exon junction complex provides a binding platform for factors involved in the mRNA export and nonsense-mediated mRNA decay. EMBO J 2001;20(17):4987-97. 15. Ishigaki Y, Li X, Serin G, Maquat LE. Evidence for a pioneer round of mRNA translation: mRNAs subject to nonsensemediated decay in mammalian cells are bound by CBP80 and CBP20. Cell 2001;106:607-17. 16. Wang W, Jiao X, Carr-Schmid A, Kiledjian M. The hDcp2 protein is a mammalian mRNA decapping enzyme. Proc Natl Acad Sci U S A 2002;99(20):12663-68. 17. van Dijk E, Cougot N, Meyer S, Babajko S, Wahle E, Séraphin B. Human Dcp2: a catalytically active mRNA decapping enzyme located in specific cytoplasmic structures. EMBO J 2002;21(24):6915-24. 18. Chiu S, Lejeune F, Ranganathan AC, Maquat LE. The pioneer translation initiation complex is functionally distinct from but structurally overlaps with the steady-state translation initiation complex. Genes Dev 2004;18:745-54. 19. Wagner E, Lykke-Andersen J. mRNA surveillance: the perfect persist. J Cell Sci 2002;115;3033-3038. 20. Vasudevan S, Peltz SW, Wilusz CJ. Non-stop decay – a new mRNA surveillance pathway. Bioessays 2002;24:785–788. 21. Frischmeyer PA, van Hoof A, O’Donnell K, Guerrerio AL, Parker R, Dietz HC. An mRNA Surveillance Mechanism That Eliminates Transcripts Lacking Termination Codons. Science 2002;295:2258-61. –49– Artigo de Revisão Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes Fernanda Luzzatto, Rochele G. Cruz, Viviane Rech. Faculdade de Fisioterapia, Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo O Refluxo Gastroesofágico é uma ocorrência fisiológica, presente em algum grau em todos os lactentes. Quando ocasiona alterações relacionas à nutrição, ao esôfago, ao sistema respiratório e sintomas otorrinolaringológicos passa ser definido como Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) resultando no comprometimento dos órgãos próximos do esôfago, incluindo manifestações respiratórias, otorrinolaringológicas e esofágicas que ocorrem independente da presença de sintomas típicos. A pHmetria é o método diagnóstico preferido para a confirmação e para acompanhamento do tratamento farmacológico que utiliza procinéticos e inibidores da bomba de prótons. O tratamento cirúrgico é escolhido para pacientes refratários à terapia farmacológica. A fisioterapia como área da saúde preventiva pode oferecer estratégias educacionais para os pais, com objetivo de orientar sobre as posturas e equipamentos anti-refluxo, além da fisioterapia respiratória para manutenção da higiene brônquica e eficiência das trocas gasosas, evitando complicações pulmonares. Unitermos: Doença do refluxo gastroesofágico, lactentes. Embora todos os lactentes tenham algum grau de Refluxo Gastroesofágico (RGE) a severidade dos sintomas varia. Atualmente, a tendência tem sido a de utilizar apenas os termos RGE e DRGE (Doença do Refluxo Gastroesofágico)1. Muitos profissionais, assim como os familiares dos pacientes, por muito tempo consideraram o RGE uma doença incômoda que tinha apenas um pequeno impacto negativo e algumas discretas complicações a longo prazo. Atualmente, aceita-se que a DRGE não tratada reduz a qualidade de vida e está associada a graves complicações, como esofagite, dificuldade de crescimento em crianças, complicações respiratórias e otorrinolaringológicas, etc.2. Tendo em vista que o RGE é uma das causas freqüentes de infecções respiratórias de repetição, (fator de risco para o desenvolvimento de doenças pulmonares crônicas), observa-se a importância do tratamento fisioterapêutico na profilaxia dessa patologia. O tratamento fisioterapêutico, juntamente com os devidos cuidados em relação à criança, diminui os custos hospitalares, reduz o número de internações e de cirurgias desnecessárias. Porém deve-se lembrar que a eficácia do tratamento depende de –50– um trabalho multidisciplinar e que o papel do pediatra é imprescindível, já que quanto mais cedo for iniciada a fisioterapia, mais precoces serão os resultados3,4. Além disso, a associação da DRGE com sintomas respiratórios e otorrinolaringológicos tem sido cada vez mais freqüentes. Apesar do reconhecimento do refluxo como causa destas manifestações, existem poucos dados a respeito deste tema e muitas dúvidas quanto ao manejo do RGE oculto na infância5. DISCUSSÃO Em crianças saudáveis menores de 2 anos de idade, os episódios de RGE fisiológico apresentam-se na forma sintomática, sendo que a presença de regurgitação é mais freqüente no primeiro ano de vida. Com isso, podemos diferenciar a regurgitação infantil do RGE patológico, que se associa à sintomatologia clínica6. O RGE é trânsito retrógrado e involuntário do conteúdo gástrico para o esôfago, podendo manifestar-se com regurgitação ou vômito de saliva, alimentos e secreção gástrica. Todas as crianças apresentam algum grau de refluxo durante o crescimento, na maioria das vezes não REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. Luzzatto F & cols. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes. levando a seqüela7,8,9,10,. O RGE fisiológico inicia com sintomas entre 1 a 4 meses, resolvendo-se espontaneamente, até o primeiro ano de vida, nos casos mais leves. Após 6 meses de idade, com a introdução de dieta sólida e adoção de postura mais ereta pela criança, a freqüência de regurgitações diminui 11,12. Portanto, da totalidade destes lactentes, apenas 2% necessitam de cuidados especializados e intervenções médicas13. No entanto, a distinção entre o RGE fisiológico e a DRGE é feita em função da quantidade de refluxos observados, pois o DRGE caracteriza-se por um aumento na freqüência, intensidade e duração dos episódios de RGE, com danos tanto à mucosa do esôfago quanto, em alguns casos, ao trato respiratório7. A terminologia DRGE, inclui todos os sintomas e formas de danos teciduais secundários ao refluxo do conteúdo gástrico para o esôfago, ou seja, ocorrem alterações nutricionais esofágicas, respiratórias ou relacionadas ao aparecimento de sintomas neurocomportamentais1,7,14. Sugere-se que o RGE “silencioso” ou oculto pode ser uma causa importante e pouco reconhecida de enfermidades pulmonares. Ocorre quando as manifestações são somente as conseqüências ou complicações, após longos períodos assintomáticos, ou seja, na ausência de regurgitação. O RGE “silencioso” pode estar presente em 46 a 75% dos pacientes com doença respiratória crônica2,7. Incidência e Prevalência A maioria dos estudos que analisam a epidemiologia do RGE em crianças e adultos utiliza métodos diferentes para defini-lo, o que resulta em dificuldades para estabelecer a verdadeira prevalência desta patologia na população12,13,16. Um estudo nos EUA de prevalência de sintomas de RGE em crianças, analisou dados de 948 entrevistados com pais de crianças menores de 13 meses de idade. Foi relatado a presença de regurgitação infantil em 50% das crianças com menos de 3 meses, em 67% na faixa etária de 4 a 6 meses e em 5%, entre 10 e 12 meses de vida11. Contudo, Costa6 et al. (2004), analisando dados de 798 crianças menores de 1 ano de idade relataram a prevalência do refluxo gástrico patológico de 11,15%, sendo maior nos dois primeiros trimestres de vida; 14,62% no primeiro trimestre e 13,76% no segundo trimestre. Portanto, no estudo, predominou os portadores de regurgitação infantil fisiológica. Fisiopatologia Quando analisa-se o RGE na faixa etária pediátrica, deve-se lembrar que lactentes não são iguais a crianças maiores, tendo em vista que no primeiro ano de vida as características do refluxo são relacionadas à imaturidade de alguns mecanismos da barreira anti-RGE17,18). Os mecanismos que contribuem para a barreira antirefluxo são: esôfago abdominal, pilar direito do diafragma, ligamento frenoesofágico, ângulo de His, a roseta gástrica e o Esfíncter Esofágico Inferior12,17). O esôfago abdominal atua como barreira anti-refluxo, pois a pressão intra-abdominal é mais alta que a torácica REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. sendo que a localização parcial do esôfago no abdome auxilia o fechamento do EEI com o aumento da pressão abdominal19). Já a contração do pilar direito do diafragma, aumenta a pressão intraluminal da junção esofagogástrica atuando como uma barreira anti-RGE durante episódios de tosse, inspiração ou esforço físico, comprimindo o esôfago e diminuindo a luz9,10. O ligamento frenoesofágico impede que a pressão intratorácica negativa atinja o EEI, ou seja, mantém o esôfago firme e bem posicionado para que haja maior estabilidade12,19,20. O ângulo de His é formado pela entrada oblíqua do esôfago no estômago e pela prega mucosa formada por essa entrada, que se projeta dentro da luz. Relata-se que quanto mais agudo esse ângulo, mais forte é a barreira anti-refluxo20. Em recém-nascidos esse ângulo é menos agudo que em adultos, favorecendo o RGE em neonatos. Este ângulo de entrada no estômago forma uma válvula que aumenta a pressão distal do esôfago com o aumento do volume gástrico, equivalendo em média um ângulo de 21 graus na população geral10,19. A principal função do EEI é evitar o refluxo gástrico para o esôfago10, tendo como papel fisiológico, a proteção das vias aéreas contra o refluxo gástrico e prevenção da entrada de ar no trato digestivo durante a inspiração21. Por muitos anos suspeitou-se que anormalidades do EEI fossem às únicas responsáveis pelo RGE da criança, mas isso não foi constatado em estudos que demonstraram o tônus inferior adequado, mesmo em lactentes prematuros. Apenas 20% de todos os episódios de RGE têm relação com a hipotonia do EEI22,23. Atualmente, o relaxamento transitório do EEI foi definido como relaxamento do esfíncter independente da deglutição, não acompanhado de contração peristáltica do esôfago normal e com duração maior que 5 segundos 8, sendo um mecanismo de defesa contra a distensão gástrica, permitindo a passagem de ar retrogradamente para o esôfago. Ocorrem principalmente após a alimentação e na posição vertical21. Crianças apresentam, assim como nos adultos, episódios de refluxo relacionados com o aumento da pressão intra-abdominal, que ocorre quando a pressão do EEI é incapaz de se opor ao aumento da pressão abdominal19,23. A quantidade de alimento ingerida pelos lactentes geralmente sobrecarrega a capacidade gástrica consequentemente, o RGE pode agir como uma válvula de alivio13. A mucosa do esôfago é sensível aos efeitos lesivos das substâncias do material refluído, incluindo ácido clorídrico, pepsina e ácidos biliares12,20. Entretanto, a acidez gástrica é baixa ao nascimento, atingindo níveis semelhantes aos dos adultos em torno dos três meses de idade21. A dieta nos lactentes é essencialmente líquida, o que pode favorecer mais a regurgitação apesar disso, a alimentação à base de leite dos lactentes se mostra relativamente benigna no que diz respeito à neutralidade do pH23. Outros autores ainda ressaltam que o grau de exposição do esôfago ao material ácido é o fator mais –51– Luzzatto F & cols. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes. importante na determinação da DRGE contudo, quando o pH esofagiano é superior a 4,0, o material refluído não causa lesão na mucosa esofagiana. Embora regurgitações seja uma manifestação freqüente nos lactentes, estudos mostram que menos de 20% do material refluído para o esôfago distal é regurgitado por lactentes com RGE8,12. Dentre os mecanismos de defesa da mucosa gástrica ressaltamos o mecanismo de clareamento esofágico (“clearance esofágico”), que é dependente do peristaltismo esofágico, da secreção salivar e da força de gravidade. Ocorre por meio das regurgitações e pela ação da motilidade esofágica (peristaltismo), da gravidade e da saliva. Quando a saliva é deglutida se torna alcalina, neutralizando a acidez do material refluído, isso a torna um componente fundamental na manutenção do pH esofágico, e em prematuros que possuem uma atividade peristáltica menos freqüente. Muitos pacientes portadores da DRGE necessitam de um maior numero de deglutições para que o pH esofágico retorne os valores normais1,19,23. Quadro Clínico O quadro clínico da DRGE caracteriza-se de modo geral, pela presença de manifestações clínicas relacionadas às complicações esofágicas ou extraesofágicas do RGE, como vômitos e a esofagite, as conseqüências pulmonares a as alterações orais, otorrinolaringológicas ou neurocomportamentais e até a síndrome da morte súbita1. A principal apresentação do RGE na primeira infância é a regurgitação, que na maioria das vezes não resulta em êmese visível. Pode ocorrer também retardo do crescimento pela conseqüente privação calórica secundaria aos vômitos repetidos. Adicionalmente, os lactentes podem recusar-se a comer, graças a dor experimentada durante a alimentação24. Em lactentes, episódios de irritabilidade, choro noturno, anemia acompanhada de sangue oculto nas fezes podem indicar esofagite. Além disso, a esofagite pode manifestar-se por distúrbios do sono, agitação e recusa da dieta. Hematêmese, melena e anemia ferropriva podem estar presentes. O comprometimento pondo-estatural pode resultar de perda de nutrientes determinada pela esofagite, pelo próprio vômito, ou pelo gasto energético aumentado em decorrência ao broncoespasmo e dificuldades para se alimentar12,25,26. Manifestações Respiratórias Um dos aspectos mais difíceis e controvertidos do RGE é o estabelecimento de uma relação direta e causal entre o refluxo e o desenvolvimento de sintomas respiratórios na criança, principalmente nos dois primeiros anos de vida. Além disso, em alguns casos, a prevenção do refluxo em crianças com manifestações respiratórias recorrentes não determina a resolução da patologia respiratória3,9,27. Em um estudo que pesquisou a utilização da medida da saturação transcutânea de oxigênio concomitantemente com a realização da pHmetria esofágica na tentativa de demonstrar possíveis associações entre quedas do pH esofágico e episódios de dessaturação. Evidenciou-se uma associação significativa em lactentes que apresentavam sintomas pulmonares obstrutivos crônicos ou de repetição27. –52– A tosse crônica persistente pode ser manifestação de RGE, mesmo quando os pacientes não apresentam sintomas digestivos, sendo que evidências mostram que a tosse crônica pode estar associada a RGE assintomático. Aceitase que o RGE cause tosse através de um reflexo esofagobrônquico, mediado por estimulo vagal e estimulação ácida28. Contrariamente, a tosse e o esforço respiratório aumentado promovem um desequilíbrio no sistema de proteção contra o refluxo. Essas particularidades reforçam questionamento se o RGE é um agente etiológico ou secundário em determinadas doenças pulmonares9. Sintomas de RGE são comuns em crianças asmáticas, sendo que estudos de pHmetria são na maioria das vezes anormais. Contudo, a maioria dos pacientes inicia os sintomas de sibilância, tosse e dispnéia antes do primeiro ano de vida, sem diferença entre os pacientes com e sem pHmeria alterada29,30. O estudo brasileiro de Pastorino et al.31 (1998) avaliou retrospectivamente 237 crianças asmáticas e obteve uma prevalência de apenas 24% de RGE. Este estudo foi especifico para pacientes asmáticos na faixa etária dos 5 aos 18 anos de idade. Já para Molle21 (2003), a prevalência de pHmetrias consideradas como alteradas para RGE foi de 47%. Neste estudo foi realizada a espirometria a fim de avaliar a função pulmonar dos pacientes no momento do estudo da pHmetria. Os resultados da espirometria não apresentaram diferenças significativas entre os pacientes com e sem RGE, assim com não apresentaram correlação com os resultados da pHmetria. O RGE tem sido diagnosticado em uma elevada proporção de lactentes com apnéia e episódios de EARVs (eventos aparentes com risco de vida). Estudos sugerem que a apnéia obstrutiva em lactentes está frequentemente associado com refluxo e é mais provável que ela ocorra precedendo um episodio de RGE. Dados da literatura mostraram que de 89 lactentes com história compatível à EARVs, 40 deles apresentavam RGE32. Da mesma forma, um estudo de Nunes et al.33 (1999) avaliou os eventos aparentemente ameaçadores à vida em 56 pacientes, em sua maioria menores de 1 ano de idade, e detectou uma associação de episódios de RGE a 50% dos eventos. Porém, para Molle33 (2003) não existem dados que sugiram que o refluxo seja uma das principais etiologias tanto para a síndrome da morte súbita quanto para os eventos com aparente risco de vida. A associação entre o RGE e a pneumonia periódica tem sido descrita em grupos heterogêneos de pacientes que inclui crianças normais, com incapacidades neurológicas ou com desordens anatômicas do trato digestivo superior29. Pneumonias típicas de aspiração em ápice pulmonar direito são manifestações proporcionalmente raras de DRGE e apenas cinco por cento das pneumonias de repetição são causadas pela DRGE, em crianças não encefalopatas34. Das crianças neuropatas, 10 a 15% apresentam episódios de vômitos sendo que o RGE pode ser documentado em cerca de 70% desses pacientes. A baixa pressão do EEI, a permanência em posição supina por REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. Luzzatto F & cols. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes. períodos prolongados, a espasticidade da musculatura abdominal, a ocorrência de escoliose, convulsões, o efeito de medicações sobre a coordenação do mecanismo de deglutição e sobre a pressão do EEI contribuem para a alta prevalência de RGE nesse grupo de crianças9. Complicações A esofagite de refluxo instala-se quando ocorre um desequilíbrio entre os mecanismos de agressão e de defesa da mucosa esofágica e o diagnóstico baseia-se nas características endoscópica e histológica. É mais comum no esôfago distal e caracteriza-se pela presença de edema de mucosa, erosões e complicações, como úlceras, estenose péptica e o esôfago de Barrett. As alterações encontradas são a hiperplasia na zona basal e das papilas subepiteliais 16. A Estenose Péptica, em seu estágio inicial decorre do edema da mucosa e do espasmo muscular, alterações reversíveis com terapêutica adequada. Se a agressão persiste, as erosões tornam-se confluentes, mais profundas e surgem ulcerações. A principal manifestação clínica é a disfagia (inicialmente para alimentos sólidos e posteriormente para líquidos), engasgo, regurgitações, vômitos e emagrecimento1. O esôfago de Barrett é uma condição em que o epitélio escamoso normal do esôfago é substituído por um epitélio metaplásico colunar, contendo células globosas e colunares, envolvendo a parte mais distal do esôfago (na junção gastroesofageana); não provoca sintomas específicos35. O Adenocarcinoma é raro em crianças (apenas 2%), sendo o fator de risco mais importante para essa neoplasia o Esôfago de Barrett. A prevenção da esofagite e do Esôfago de Barrett na infância levaria a uma diminuição do adenocarcinoma em adultos13. A Hérnia hiatal é a passagem de parte do estômago (ou de todo ele) para o tórax pelo hiato esofágico e dependendo do tipo pode causar opressão e sensação de dispnéia, asfixia e disfagia, pelo conceito espacial entre os órgãos torácicos e porção do estômago herniada, que comprime também o esôfago terminal, podendo ocasionar disfagia e regurgitação36. Os sinais e sintomas otorrinolaringológicos apresentados pelos pacientes são decorrentes do efeito direto do conteúdo gastroduodenal sobre a mucosa esofágica, laríngea ou das vias aéreas superiores. A intensidade e a freqüência dos episódios, assim como a idade do paciente, ditam a forma clínica apresentada19. Os problemas otorrinolaringológicos associados ao RGE em crianças abrangem a rouquidão, globus faríngeo, tosse crônica, faringite, sinusite crônica, adenoidite, laringite, disfagia orofaríngea, amigdalite crônica, otite crônica, granuloma de corda vocal, estenose subglótica, laringomalácea e laringoespasmo. Apesar dos mecanismos prováveis para essas complicações ainda não estarem totalmente esclarecidos, evidências sugerem a associação, assim como a melhora dos sintomas após instituição de tratamento adequado para RGE e alterações da pHmetria e da Impedanciometria esofágicas de pacientes acometidos12,16,21. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. Diagnóstico A história detalhada e o exame físico completo do paciente são fundamentais para a avaliação do RGE, pois o diagnóstico pode ser estabelecido nesta etapa13. Segundo Ribeiro7 et al. (2001), o diagnóstico da DRGE deve ser confirmado por pelo menos dois métodos diagnósticos dentre estudo radiológico, cintilográfico ou ultrassonográfico. Adota-se este critério quando não é possível realizar a monitoração prolongada do pH esofágico, considerado o melhor método diagnóstico par a DRGE. A pHmetria documenta a acidificação esofágica durante períodos prolongados, ao longo das atividades habituais dos pacientes. Permite associar acidificação esofágica com outros sintomas, principalmente respiratórios8. Porém, Rodrigues5 et al. (2005) diz que um teste negativo não exclui o RGE como causa dos sintomas otorrinolaringológicos e respiratórios, uma vez que há resultados falso–negativos em 20 a 50% dos casos. A deglutição com Bário é um modo sensível de detecção, porém tem uma taxa muito baixa de especificidade, porque muitos lactentes que têm pouco ou nenhum sintoma clínico do problema manifestam refluxo de pequena parte do bário para o esôfago. Não é útil também para a avaliação das taxas de esvaziamento gástrico, porque o bário é fisiologicamente inerte e não ativa nenhum mecanismo receptor que tenda a modular o esvaziamento22. Já a Cintilografia Gastroesofágica permite a identificação do RGE mesmo após dieta com pH neutro (habitual em lactentes). Possibilita estudo do esvaziamento gástrico e detecção de aspiração pulmonar. Apresenta baixa sensibilidade para estudo de RGE pós-prandial tardio sendo que sua sensibilidade é de 59 a 83% com período de observação curto1. A manometria esofageana avalia a mobilidade do esôfago, em pacientes que apresentam sintomas sugestivos de dismotilidade esofágica. Atualmente esta sendo pouco utilizada23. A avaliação endoscópica está indicada para os pacientes que apresentam quadro clínico característico das complicações esofágicas da DRGE, mais comumente observado nas crianças maiores e nas portadoras de comorbidades38. Os achados endoscópicos, embora freqüentes em adultos sintomáticos para RGE estão presentes em 60 a 80% das crianças, sendo a biópsia necessária para a confirmação da esofagite, principalmente nas fases iniciais do processo inflamatório, quando o aspecto endoscópico pode ser quase normal, servindo para confirmar a esofagite e graduar sua intensidade39. Tratamento Clínico O tratamento da DRGE tem sofrido modificações ao longo do tempo, à medida que se ampliou o conhecimento sobre a etiopatogênese da doença e as novas opções terapêuticas13. Tratamento Farmacológico O uso de tratamento medicamentoso é recomendado somente quando fica evidenciada a associação do refluxo –53– Luzzatto F & cols. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes. com outros sintomas, caracterizando-o como DRGE17 Os antiácidos são essenciais para o alívio rápido da azia. Antagonistas dos receptores H2 ou agentes prómotilidade em pacientes não complicados com freqüente refluxo, elevam a pressão do EEI e melhoram o esvaziamento esofageano-gástrico. Os agentes procinéticos aumentam o tônus do EEI e melhoram o clareamento esofágico e esvaziamento gástrico. Porém, nenhuma destas drogas mostrou-se capaz de diminuir a freqüência dos relaxamentos transitórios do EEI, atualmente considerado o mecanismo fisiopatológico do RGE1. Efeitos cardiovasculares adversos foram relatados com o uso da cisaprida, o que motivou restrições ao seu emprego e, a seguir, a proibição do uso da droga, apesar de não comprovada a relação causal direta entre essas intercorrências e a medicação. A domperidona, agente antagonista da dopamina, tem sido usada em substituição à cisaprida16. A terapia de supressão ácida, realizada com o uso dos Antagonistas do receptor da Histamina, é recomendada em casos graves de esofagite, mas não corrige distúrbios primários da motilidade. A ranitidina é o melhor e mais popular antagonista do receptor H22. Os Inibidores da Bomba de Prótons atuam não só aumentando o pH do conteúdo do tubo digestivo que reflui, mas também diminui o volume da secreção ácida, facilitando o esvaziamento gástrico. Na criança o tratamento com omeprazol cura esofagite erosiva, por mais grave que esta seja, e a maioria dos sinais e sintomas do RGE41. Orientações Dietéticas Sabe-se que medidas dietéticas são muito importantes no tratamento do RGE, sendo preconizado o espessamento das dietas lácteas, o aumento da freqüência da alimentação e a diminuição do volume de cada refeição. O espessamento da dieta pode ser realizado através de fórmulas antiregurgitação e da adição de hidratos de carbono (amido de milho) ao leite. Soluções de alta osmolaridade diminuem o esvaziamento gástrico e aumentam a freqüência de episódios de RGE8. As refeições volumosas e altamente calóricas devem ser evitadas. Os alimentos gordurosos não são recomendados, pois podem tornar mais lento o esvaziamento gástrico além de diminuírem a pressão do EEI. Alimentos como chocolates, refrigerantes, chá e café não são aconselháveis1. Tratamento Fisioterapêutico A avaliação fisioterapêutica deve ser individual, sendo recomendada especialmente para crianças que possuem anormalidades na pHmetria e que estejam indicadas a remoção do excesso de secreções brônquicas42. O Fisioterapeuta com experiência nas técnicas de manuseio tem muito a ensinar aos pais dos lactentes com RGE suposto ou comprovado. Diversas ações preventivas, simples e eficazes, são essenciais no tratamento do RGE 4, 43 . Entretanto, ocorrem muitas versões dos autores quanto –54– ao melhor posicionamento. Segundo alguns autores o posicionamento eficaz é o ângulo de 30o em decúbito ventral, o que faz o esvaziamento gástrico acelerar. O posicionamento ereto ou decúbito dorsal não são tão eficientes para evitar o refluxo. Esse posicionamento é isoladamente capaz de tratar cerca de 25% dos lactentes com RGE não complicado15,19,44. Porém, há várias evidências de que a posição prona para dormir representa um fator de risco para a morte súbita na infância15. O decúbito lateral direito tem vantagens teóricas, como o aumento do esvaziamento gástrico e a separação do conteúdo gástrico da junção esofagogástrica. Para crianças maiores, a melhor postura após a alimentação é de pé ou sentada na posição ereta1. A posição corporal é uma preocupação constante para a desobstrução brônquica em lactentes com RGE. Alguns autores contra-indicam a drenagem postural em pacientes com RGE e orientam a elevação da cabeça em um ângulo de 30 o como parte essencial do tratamento não medicamentoso15. De acordo com Vandenplas 15 et al.(1991), a fisioterapia aumenta a incidência de RGE, sendo que a manipulação do tórax pode aumentar a aspiração do conteúdo gástrico por efeito da pressão torácica negativa. Chegou-se a esta conclusão após estudo com 63 crianças de 1 a 4 meses com diagnóstico de RGE por pHmetria, sendo submetidos a trinta minutos de fisioterapia respiratória em jejum. A incidência de episódios do RGE descoberta pela sonda foi significativamente mais alta durante a fisioterapia. Neste estudo que relatou o RGE como uma conseqüência da drenagem postural, a Fisioterapia descrita não seria considerada ortodoxa desde que também consistiu no uso de compressão abdominal, aspiração nasofaríngea e as posições eram planas ou Trendelemburg42. Já Button 46 et al. (2004) reveram estudo feito anteriormente e concluíram que durante a Fisioterapia Modificada (não utilizando postura inclinada) realizada em decúbito lateral esquerdo com manobras de percussão e vibração, ocorreram menos episódios de refluxo. O mecanismo para o aumento dos episódios de refluxo durante a fisioterapia com a posição de Trendelemburg, pode relacionar-se a pressão intra-abdominal aumentada e a ocorrência de relaxamento do EEI. Sabe-se que a postura corporal tem impacto substancial na freqüência do relaxamento do EEI. Entretanto, Phillips 42 et al. (1998) afirmam que na posição inclinada além do aumentar o trabalho do diafragma, aumenta também a competência do EEI. Além disto, verificou-se que as crianças que receberam a Fisioterapia Modificada (sem a cabeça inclinada), mostraram aumento significativo da função pulmonar, sendo que apresentaram menos alterações nos raios-X torácicos do que outras submetidas a fisioterapia convencional46. Fischer 49 et al (1998) estudando os efeitos da fisioterapia respiratória em 40 pacientes com manifestações respiratórias crônicas, verificaram que as técnicas de expiração forçada, vibração, estímulo da tosse, realizadas com decúbito elevado em 30 o , não provocavam REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. Luzzatto F & cols. Doença do Refluxo Gastroesofágico em Lactentes. manifestações de RGE. Similarmente, outros autores concluíram que Fisioterapia Respiratória incluindo a drenagem postural, percussão e técnicas de AFE em posições diferentes, não induz ou aumenta a incidência de RGE em pacientes com Bronquite Crônica e Bronquiectasias50. A posição de Trendelemburg (cabeça inclinada para baixo) como tratamento fisioterapêutico é relatado como fator exacerbador do RGE em crianças45. Porém, em um estudo realizado com 21 crianças (1-27 meses) com desordens respiratórias que foram avaliadas com pHmetria e submetidas à Fisioterapia Respiratória com drenagem postural e percussão, concluiu-se que a posição de cabeça para baixo para o tratamento fisioterapêutico, não induziu nem agravou o RGE42. As vantagens do tratamento fisioterapêutico são o aumento da força do diafragma, aumento da pressão do esfíncter esofagiano inferior, diminuição do número de regurgitações e vômitos (conseqüentemente diminuindo os riscos de aspiração), melhora do quadro respiratório, diminuição do esforço respiratório e do broncoespasmo, aumento da eficácia da tosse, aumento da ventilação pulmonar, melhora do condicionamento físico, diminuição de custos hospitalares, diminuição do tempo das internações e cirurgias desnecessárias4. Tratamento Cirúrgico A cirurgia é o último recurso para o tratamento do RGE; assim, apenas uma pequena parte das crianças portadoras de RGE é encaminhada para o tratamento cirúrgico. Apenas 4% das crianças abaixo de um ano de idade com refluxo necessitará de cirurgia contra cerca de 20% das crianças acima desta idade51. A maioria das técnicas atualmente utilizadas é uma variante da técnica original descrita por Nissen e Rosseti em 1959. O estômago é parcialmente liberado pela secção do ligamento gastroesplênico e levado por trás do esôfago abdominal, envolvendo-o sob a forma de uma gravata, criando o mecanismo valvular9. CONCLUSÃO A associação da DRGE com sintomas respiratórios, otorrinolaringológicos e esofágicos tem sido cada vez mais mencionada, o que evidencia a importância de um diagnóstico correto e precoce do profissional, o que evitaria o aparecimento de complicações que se não tratadas podem levar até a morte do paciente. A Fisioterapia, como área da saúde capaz de atuar de maneira preventiva, tem muito a oferecer a estes pacientes, desenvolvendo estratégias educacionais como reuniões, palestras e divulgação de folders explicativos direcionados aos pais, com a intenção de orientar quanto à utilização de posturas e equipamentos anti-refluxo, além da fisioterapia respiratória, com o objetivo de manter a higiene brônquica e eficiência das trocas gasosas evitando o surgimento de complicações pulmonares. Contudo, um maior número de pesquisas deve ser realizado para uma melhor definição da patologia, conseqüentemente a terapêutica também evoluirá. Na área da Fisioterapia, por sua vez, além de mais pesquisas são prioritários os estudos experimentais para comprovação e fomentação de novos métodos de abordagem fisioterapêutica, quanto à DRGE. Summary GASTROESOPHAGEAL REFLUX DISEASE - Revision of literature. Gastroesophageal reflux is a physiological occurrence, present in some degree in all the suckles. When it causes alterations related to nutrition, the esophagus, the respiratory system and otolaringologic symptoms it is defined as Gastroesophageal Reflux Disease (GERD) resulting in the involvement of the organs next to the esophagus, including respiratory, otolaringologic and esophagic manifestations that occur independent of the presence of typical symptoms. The pHmetry is the manly diagnostic method for the confirmation and follow-up of the treatment with medicines that use prokinetic and inhibitors of the proton bomb. Surgical treatment is chosen for refractory patients to the therapy with medicines. Physiotherapy, as na area of preventive health, can offer educational strategies for the parents, with the objective of to guide them about positions and anti-reflux equipment, beyond the respiratory physiotherapy for the maintenance of the bronchial hygiene and efficiency of the gaseous exchanges, preventing pulmonary complications. Keywords: Gastroesophageal Reflux Disease, Suckles, Revision of the Literature. REFERÊNCIAS Obs.: 51 referências à disposição dos leitores. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 50-55. –55– Artigo de Revisão Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromialgia Adriana F. Dessuy, Lia Mara Wibelinger, Venelise A. Formighieri. Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo A fibromialgia é uma doença crônica, que tem como característica dores difusas no sistema músculo-esquelético, rigidez matinal, fadiga muscular, alterações do humor e do sono, existências de pontos dolorosos, entre outras. É uma doença predominantemente do sexo feminino que atinge jovens e adultos, com etiologia ainda pouco conhecida. O tratamento dessa síndrome é muito discutido por ser uma patologia de difícil diagnóstico; acredita-se que o melhor tratamento inclui uma equipe multidisciplinar, envolvendo profissionais como médicos, psicólogos, fisioterapeutas, entre outros. O presente estudo tem por objetivo apresentar uma revisão de literatura a fim de abordar a síndrome da fibromialgia, assim como o tratamento fisioterapêutico para a sintomatologia que acompanha os indivíduos fibromiálgicos. Pode-se afirmar que a fisioterapia tem um papel muito importante no alívio da sintomatologia que envolve esses indivíduos, pois apresenta várias técnicas com eficácia comprovada. Unitermos: Fibromialgia, fisioterapia, tratamento. A fibromialgia é caracterizada pela ocorrência de dor músculo-esquelética generalizada, crônica, não inflamatória e sensibilidade exacerbada à palpação de pontos dolorosos chamados trigger points1. Freqüentemente estão associados outros sintomas, como fadiga, distúrbios do sono, rigidez matinal e distúrbios psicológicos como ansiedade e depressão. Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia definiu critérios diagnósticos a persistência de queixas dolorosas difusas por um período maior que três meses e a presença de pelo menos 11 dos 18 pontos anatomicamente padronizados2. Apesar da dificuldade para chegar a uma definição aceitável de dor, a maioria das pessoas concordaria que essa pode ter uma qualidade variável, indo de leve irritação, passando por prurido, queimação e sensação de pontadas até sensações mais intensas lancinantes e latejantes e, finalmente, até a dor agonizante, intratável, que para algumas pessoas pode ser insuportável3. Stockman apresentou uma ótima descrição da síndrome fibromiálgica em 1904, que na ocasião foi denominada como “reumatismo crônico”, um termo que foi utilizado para distinguir essa condição das formas clinicas agudas ou da febre reumática, inclusive com a realização de sete biopsias em nódulos dolorosos encontrados na região glútea de pacientes com lombalgia, imaginando que tais nódulos fossem a causa dos sintomas, e observaram –56– presença de processo inflamatório nas bainhas neurais. Apartir destes achados histopatológicos iniciais, o termo fibrosite passou a ser aceito na literatura, entre tanto, vários estudos posteriores não conseguiram reproduzir os achados inflamatórios4. Vários termos como miofacite, mialgia tensional, fibromiosite, foram dadas a essa condição. Atualmente, o termo fibromialgia (em grego: algos = dor; ia = condição) parece ser apropriado e evita alguma implicação (como inflamação) na etiologia, que ainda é desconhecida5. O objetivo final do tratamento de pacientes com fibromialgia é a melhora da qualidade de vida deles. O paciente deverá ser informado que embora ainda não se conheça a causa da doença, portanto, nem sua cura, o tratamento deve proporcionar maior tolerância ao desconforto, diminuição da dor e menor limitação na realização das atividades funcionais (Masi, apud Marques et al, 2004) o tratamento atual está voltado, principalmente, para redução dos sintomas. Segundo Rotés e Querol 6 (2002) observa uma variação na estratégia médica, quanto ao tratamento desses pacientes com fibromialgia. Visto que não se pode curar ou anular a sensibilização dolorosa central, então os tratamentos se dirigem para aliviar os transtornos que acompanham a dor fibromiálgica pois, mesmo não curando a enfermidade, melhoram a qualidade de vida destes REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. enfermos e aliviam o quadro clínico. A fisioterapia tem um importante papel na melhora do controle da dor e no aumento ou manutenção das habilidades funcionais do paciente em casa ou no trabalho,assim como na redução de outros sintomas que lhe causam sofrimento7. Sabendo que esta doença causa um impacto negativo na vida de pacientes em idade produtiva de trabalho,isto por que além da dor os sintomas associados causam prejuízos na função, levando a incapacidade para o trabalho e, conseqüentemente a queda de renda familiar8, este trabalho tem por objetivo realizar uma revisão de literatura dentro dessa patologia e da atuação da fisioterapia sobre a mesma, verificando qual o tratamento fisioterapêutico mais utilizado para amenizar os sintomas desta síndrome. DISCUSSÃO A fibromialgia é uma síndrome clinica caracterizada por dor musculoesquelética difusa associada a dor à palpação de áreas musculares circunscritas (pontos dolorosos). Freqüentemente se associam a esse quadro clinico sintomas ou síndromes de natureza puramente funcional, como fadiga, distúrbios do sono, cefaléia, depressão, síndrome do colón irritável, entre outros9. Também se fazem presentes, embora menos freqüentes, as parestesias, as cefaléias, a ansiedade, os sintomas referentes a boca e/ou olhos secos (sintomas sicca) e o fenômeno de Raynaud10. O exame físico e a investigação patológica não revelam evidências de inflamação ou degeneração articular, óssea ou de tecidos moles. A fibromialgia pode ocorrer isolada ou pode ser associada a outras doenças. É, ás vezes, referida como fibromialgia generalizada ou fibrose11. A fibromialgia é uma síndrome dolorosa que apresenta outras síndromes e sintomas interligados, sobrepostos, daí a complexidade e dificuldades que seu tratamento apresenta. Estudos mostram que ela é decorrente de uma disfunção central no processamento da dor12. Como desencadeantes da fibromialgia se tem descrito o trauma físico, fundamentalmente na coluna cervical, e o estresse psicológico. Nos casos em que os pacientes identificam um causa desencadeante demandam maiores cuidados de saúde13. O quadro clínico costuma ser bastante rico em informações, sendo seus portadores, habitualmente, poliqueixosos. Isso demonstra, a princípio, que a consulta tende a ser demorada, exigindo anamnese e exame físico detalhados14. Helfenstein e Feldman 14, em 2002 estudaram de maneira consecutiva, 200 pacientes, foram analisados os dados demográficos e ocupacionais, história clínica, FIQ, exame físico geral e exames complementares, quando necessário; foram aplicados critérios diagnósticos para síndromes disfuncionais e ananmenese dirigida para sintomas específicos, com o objetivo de verificar a variada sintomatologia que acompanha os portadores brasileiros desta síndrome dolorosa, no sentido de auxiliar a abordagem desses indivíduos. Concluíram que a síndrome da fibromialgia predomina no sexo feminino. O seu quadro clínico é polimorfo. Esta síndrome pode apresentar múltiplos REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. sintomas não relacionados ao aparelho locomotor. Tais sintomas não são decorrentes de lesões teciduais e provavelmente fazem parte de um mesmo espectro de disfunção. Os pacientes sentem a dor como de forte intensidade, sem evidência de doença inflamatória, distrófica ou degenerativa. Apesar de sua sintomatologia exuberante, o quadro clinico não é incapacitante. O reconhecimento desta entidade médica permite clarificar diversos estados de dor crônica, que têm sido erroneamente interpretados como manifestações de outras moléstias e, conseqüentemente, com abordagens incorretas e procedimentos iatrogênicos. A síndrome da fibromialgia é uma condição dolorosa crônica bastante comum, na qual um achado clínico reprodutível, ou seja, a presença dos pontos dolorosos (tender points),está associada com sintomas característicos de dolorimento muscular generalizado, rigidez, fadiga e sono não restaurador15. Em um estudo qualitativo da percepção das pacientes sobre a fibromialgia, realizado por Martinez e colaboradores16 no ano de 2002, chegaram a conclusão de que apesar do pequeno número de pacientes, as informações referidas espontaneamente pelas pacientes motivadas por questões abertas indicam que, os principais sintomas segundo as pacientes são dor e fadiga; a ansiedade é uma característica que deve ser valorizada e melhor estruturada na fibromialgia, embora a literatura dê ênfase à depressão; a incerteza quanto ao prognóstico e o medo de incapacidade definitiva é uma constante; a sensação de desamparo é grande e reforçada pela sensação de desconhecimento da síndrome pelos profissionais da saúde, em especial os médicos. Incapacidade para o trabalho é relatada por 31% dos pacientes 17 , podendo levar a tentativa de ganhos secundários, como aposentadoria precoce e afastamento do trabalho. No Brasil não temos estudos dos custos em fibromialgia. Nos EUA, o paciente com fibromialgia custa ao sistema de saúde aproximadamente 2 mil dólares ao ano, despesas causadas pelo excesso de visitas médicas, exames complementares desnecessários, e medicações múltiplas14. Na avaliação do paciente com fibromialgia, são achados constantes: as alterações posturais, caracterizadas principalmente pela acentuação das curvas fisiológicas da coluna, hiperlordose cervical, hipercifose dorsal, hiperlordose lombar com retro pulsão do sacro, além dos pés planos (traduzindo encurtamento da cadeia muscular posterior). Além disso, quando especificamente questionados, a grande maioria dos pacientes refere falta de ar, que poderia ser caracterizada como “respiração suspirosa”, acompanhada ao exame físico por um aumento da caixa torácica, aparentemente decorrente do encurtamento da cadeia muscular respiratória18. Martinez19 (1997) afirma que a dor difusa é sem dúvida o principal sintoma dos pacientes com fibromialgia, sendo que o caráter da dor já recebeu diversas descrições,tais como peso, aperto, queimação, dolorimento, etc. Fazem também parte da sintomatologia dolorosa a alodínea e as disestesias. Conceitua-se alodínea a dor resultante de estímulo que não seria normalmente doloroso. Disestesia é a sensação desagradável que varia desde amortecimento até agulhadas sentida nas extremidades. –57– Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. O principal fator a levar o paciente a procurar cuidados médicos é a dor. As queixas dos pacientes em relação aos sintomas dolorosos, são expressas com palavras do tipo: pontada, queimação, sensação de peso, entre outras. A localização da dor é geralmente relatada de forma desencontrada, em que o paciente apresenta dificuldade na localização precisa do processo doloroso. Alguns tem a impressão de que ela ocorre nos músculos, outros nas articulações, enquanto uma parte relata a dor como se localizasse nos osso, ou “nervos”. As localizações mais comuns são: a coluna vertebral, cinturas escapular e pélvica, podendo também ocorrem em nível de parede anterior do tórax (fato que com relativa freqüência leva ao paciente aos serviços de urgência cardiológica)4. Uma grande parcela dos pacientes queixa-se de rigidez articular, porém diferentemente da rigidez matinal da artrite reumatóide, é de curta duração, com períodos inferiores há quinze minutos4. A fadiga está presente em torno de 90% das pessoas com fibromialgia. Sentem uma fadiga de moderada à severa, com perda de energia, diminuição da resistência aos exercícios, ou um cansaço semelhante àqueles resultantes de uma gripe. Algumas vezes a fadiga é um problema maior do que a dor20. O distúrbio do sono está presente em 75% a 80% dos pacientes, podendo ser descrito com dificuldade para conciliar o sono, insônia terminal, vários despertares ao mínimo ruído, sono não reparador (paciente acorda pela manhã mais cansado do que antes de se deitar)17. Uma série de publicações descreve que a serotonina seria a “chave” da patogênese da fibromialgia.A serotonina é conhecida como um neurotransmissor com efeito regulador do sono profundo restaurador e relacionado com a interpretação do estimulo doloroso,e os baixos níveis poderiam estar diretamente relacionados com esta síndrome4. Sendo a qualidade do sono um fator preponderante na gênese e na manutenção dos sintomas,o paciente deve adquirir “hábitos de sono saudáveis” como dormir cedo,em um ambiente tranqüilo,em horários regulares e evitar o uso de estimulantes tais como a cafeína e nicotina,e situações de estresse emocional e físico,quando possível22. Segundo Kaziyama23 (1998) a fibromialgia pode ser classificada como regional, primária, secundária e concomitante, sendo que a regional é também denominada fibromialgia localizada e síndrome miofascial, isto é, os sintomas dolorosos têm localização regional. Já a fibromialgia primária é caracterizada pela presença de dor difusa generalizada e com múltiplos tender points, e a fibromialgia secundária seria causada por uma patologia de base que apresenta dor muscular generalizada e múltiplos pontos dolorosos. Masi apud Martinez et.al 24 (1998) classificou os pacientes de fibromialgia em três subtipos: fibromialgia idiopática, fibromialgia concomitante a outra doença crônica e fibromialgia induzida por determinados eventos desencadeantes, como estresse emocional, infecção viral, traumas mecânicos, etc. De forma clássica, a fibromialgia está subdividida em três grupos, primária, concomitante e secundária, está –58– classificação é indistinguível em suas características clínicas, portanto está subdivisão pode ser dispensada25. Perea26 (2003) afirma que o predomínio de fibromialgia está no sexo feminino, em relação a idade, ela afirma que varia entre os 12 e 55 anos. Foi descrita uma tendência à agregação familiar, predominantemente para mulheres de uma mesma família, tendo sido proposto um padrão de hereditariedade autossômica dominante, com prevalência no sexo feminino. Trata-se de uma síndrome muito freqüente entre mulheres de 30-60 anos (a uma relação de 20 mulheres para cada homem) em que a principal característica é a amplificação dolorosa. A expressão “dói tudo” é uma constante na anamnese dessas pacientes2. Querol27 (2003) relata que a prevalência de fibromialgia nesta mesma população estima-se em 2% da população geral, sendo que destes, 88% ou mais, são mulheres. O diagnóstico dessa doença é eminentemente clínico, não havendo alterações laboratoriais específicas. As provas de atividades inflamatórias são anormais, bem como os exames de imagem2. De acordo com o Colégio.Americano de Reumatologia (ACR.) em 1990, os critérios de classificação para fibromialgia são: história de dor difusa,persistente por mais de três meses, presente tanto do lado direito e esquerdo do corpo, quanto acima e abaixo da cintura. A dor também deve apresentar-se em pelo menos um segmento do esqueleto axial (cervical, torácico ou lombossacro). E à palpação digital com -4 kg/cm2 em áreas denominadas pontos dolorosos (tender points) em 11 ou mais dos 18 pontos específicos (bilateralmente: inserção dos músculos suboccipitais na nuca). Ligamentos dos processos transversos da quinta à sétima vértebra cervical bordo rostral do trapézio, músculo supra-espinhoso, junção do músculo peitoral com a articulação costo-condral da segunda costela, dois centímetros abaixo do epicôndilo lateral do cotovelo. Quadrante látero-superior da região glútea, inserções musculares no trocanter maior do fêmur e dois centímetros rostralmente à linha articular do côndilo medial femoral28. A utilidade dos tender points no diagnóstico de fibromialgia foi posteriormente confirmado em vários estudos clínicos, com a adoção de diferentes critérios clínicos baseados na exclusão de doenças sistêmicas e a presença de certos sintomas e pontos dolorosos. Posteriormente, o ACR publicou os resultados de um grande estudos multicêntrico, definindo os critérios de classificação para a síndrome como a combinação de dor difusa, definida como bilateral, acima e abaixo do tronco, axial, em pelo menos 11 dos 18 pontos. Tais critérios levaram a uma sensibilidade de 88,4% e uma especificidade de 81,1% e passaram a ser aceitos internacionalmente29. Na pratica clínica é comum observarmos o estabelecimento de diagnósticos errôneos em que se confunde fibromialgia com diversas condições inflamatórias ou não e articulares ou extra-articulares30, tais como artrose, artrite reumatóide, polimialgia reumática entre outras, sendo freqüente que o paciente faça uma peregrinação por consultórios médicos antes que se estabeleça o diagnóstico correto. Segundo Martinez (2002) 16 , os seguintes REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. diagnósticos foram dados previamente à pacientes com fibromialgia, problemas de coluna, doença psiquiátrica, artrite, dores musculares e outros diagnósticos de doença fora do aparelho locomotor. É importante ressaltar que o tender point presente na fibromialgia se difere do trigger point na síndrome miofascial. Os tender points ocorrem bilateralmente, e como fatores agravantes, tem-se: frio, umidade, sono não restaurador, fadiga física ou mental, atividade física excessiva, inatividade física, ansiedade ou stress 31. O trigger point é um local hipersensível dentro de uma faixa muscular tensa, podendo medir de 2 a 5 mm de diâmetro, localizado no tecido muscular, e/ou associado a fascia. Incisão cirúrgica, overuse, traumas por movimentos repetitivos, contusões, tensão e problemas articulares podem ser causas do aparecimento de trigger point32. Sande, Parizzoto e Castro (1999)32 após uma revisão sobre síndrome dolorosa miofascial, concluem que, em relação ao constructo “síndrome miofascial” pode-se perceber que este foi aceito sem um exame crítico. E um forte argumento a este favor é sua definição circular: o ponto gatilho miofascial é a causa, o sintoma e o diagnóstico padrão para a patologia, sendo que também a resposta terapêutica das diferentes modalidades não tem sido apropriadamente validada. Portanto, o exame desta síndrome é difícil e o diagnóstico pode ser dado por qualquer examinador que queira identificá-la. Da mesma forma, o constructo não tem evidências biomecânicas, histológicas e elétricas. Sugerem então, uma padronização do diagnóstico e da prática clínica associada a padronização das metodologias de estudo. Martinez et al (1998)24 após realizarem um estudo comparativo com 26 pacientes do sexo feminino com fibromialgia e 18 pacientes com dor miofascial, sendo que ambos os grupos são semelhantes em relação a idade e estado civil diferem-se na escolaridade, concluíram que a dor miofascial e a fibromialgia são extremos do mesmo espectro de doença. Observaram semelhanças na intensidade da dor e fadiga, presença de fatores desencadeantes e freqüência de atividade física, e diferenças em relação à extensão da dor no ínicio da doença, número de pontos dolorosos e na presença de doenças associadas. Os dados referentes a qualidade de vida, distúrbios do sono, capacidade funcional e depressão, mostraram-se mais intensos no grupo de fibromialgia. Não podemos esquecer que mesmo os doentes com lesões também padecem de sintomatologia dolorosa crônica, que não melhoram simplesmente com o afastamento do trabalho e fisioterapia, ou seja, dependem de uma visão mais ampla de seu problema. Com isso o diagnóstico da síndrome de fibromialgia e miofascial se sobrepõem, acarretando uma série de complicações pela existência de uma doença crônica preexistente, não ocupacional. Assim o conhecimento destas patologias – fibromialgia e miofascial- para a medicina ocupacional torna-se de suma importância, pois está no diaa-dia do médico do trabalho34. Em 2005, Costa et al33 realizaram uma pesquisa onde descrevem que ainda não há uma fisiopatologia bem definida para fibromialgia, embora ocorram fenômenos REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. psicossomáticos na maior parte dos pacientes. Além do possível efeito psicossomático, as áreas de função do sistema nervoso que podem estar representando algum papel na patogênese da síndrome de fibromialgia incluem: alteração na sensibilidade dolorosa, alterações autonômicas e de sistema neuroendócrinos. Agentes bacterianos e virais podem estar relacionados com a origem dessa síndrome35, havendo alguma associação entre a doença e a infecção pelo vírus da hepatite C. Segundo Dias et.al31, em sua pesquisa realizada em 2003, teve por objetivo verificar as etapas de melhoria na qualidade de vida dos pacientes portadores de fibromialgia, após serem submetidas a um tratamento por intermédio das técnicas da hidrocinesioterapia. Revisando a atual bibliografia pertinente ao assunto, foi utilizado um questionário padronizado, visando avaliar a qualidade de vida dos pacientes. No tratamento foi realizado um programa de atividades hidroterapêuticas em grupo, consistentes em alongamentos, exercícios de resistência, coordenação e relaxamento globalizado, associado a musicoterapia e exercícios respiratórios, analisando-se um grupo de 10 pacientes de ambos os sexos, com idade entre 38 a 69 anos. Observou uma melhora na qualidade de vida dos pacientes, pois além de manter uma atividade física, também estimulou o convívio social. Sendo assim, concluiu que o trabalho de hidrocinesioterapia é um bom recurso para o tratamento da fibromialgia e conseqüentemente ajuda na melhora da qualidade de vida; porém é indispensável um trabalho interdisciplinar envolvendo médico, fisioterapeuta, psicólogo para trabalhar o paciente como um todo. A literatura demonstra a repercussão socioeconômica decorrente da fibromialgia, como pensão mais precoce, limitação da atividade na população, maior perda dos anos de vida produtiva e aumento da freqüência nas consultas médicas23, levando a alguns tipos de afastamento ou auxílio para pacientes com vida profissional ativa e, conseqüentemente, à importante queda da renda familiar, o que pode afetar a qualidade de vida dos fibromiálgicos36. TRATAMENTO FISIOTERAPÊUTICO Após o diagnóstico bem definido, o tratamento deve respeitar a individualidade de cada paciente sendo ele na maioria dos casos multidisciplinar, envolvendo diferentes áreas da saúde, como a fisioterapia, psicologia além da medicina reumatológica. O paciente deve estar bem esclarecido sobre sua patologia, sabendo seus sintomas, fatores que podem vir a melhorar ou a agravar os sintomas, assim como o tratamento que se faz disponível, podendo ser medicamentoso ou não. A fisioterapia exerce um papel importante no alívio dos sintomas da fibromialgia através de diferentes recursos e técnicas: alongamento muscular, massagem, calor superficial, conscientização corporal, condicionamento cardiovascular e acupuntura37. A hidroterapia é a utilização dos efeitos físicos, fisiológicos e cinesiológicos, advindos da imersão do corpo, ou parte dele, em meio aquático, como recurso auxiliar na reeducação musculoesquelética, visando o restabelecimento da saúde, sua manutenção ou ainda na prevenção de uma –59– Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. alteração funcional orgânica38. O relaxamento muscular promove uma redução da tensão muscular, ajudando a prevenir restrições a mobilidade articular. Interrompido o ciclo da dor, promovese o relaxamento dos músculos espásticos, o que reduz o tensionamento muscular através dos efeitos relaxantes da água aquecida. O aumento da temperatura corporal subseqüente à imersão, reduz o tônus muscular anormal e espástico, favorecendo ainda o fluxo sanguíneo e periférico. Facilita-se a movimentação das articulações doloridas, devido a diminuição da compressão possibilitada pela propriedade de flutuação promovida pela água39. Após a aplicação de onze sessões de hidrocinesioterapia, três vezes semanais durante cerca de um mês, em quatro mulheres, com idades entre 35-55 anos, com diagnóstico de fibromialgia, observou-se redução, em todas as pacientes, da sintomatologia dolorosa característica da patologia, pela redução do índice do ponto sensível, verificou-se ainda, redução significativa da fadiga e dos distúrbios, concluindo-se então, que apesar da amostra pequena, a hidrocinesioterapia é eficaz na redução da sintomatologia dolorosa e melhora a realização das atividades de vida diárias e profissional40. Em um estudo realizado em grupo, tendo oito pacientes com diagnóstico de fibromialgia, que foram submetidas ao tratamento hidroterápico por dois meses, constataram a evolução das pacientes quanto à melhora da qualidade de vida, isso, pode ser atribuído à melhora do quadro de dor e estado depressivo, possivelmente influenciados pela melhora na realização de suas atividades de vida diária, bem como melhora da mobilidade e qualidade de movimento corporal e da capacidade física, do quadro álgico41. A acupuntura vem sendo bastante utilizada no tratamento de síndromes dolorosas, levando a diminuição da dor assim como a um aumento do limiar de dor26. Atua via estimulação de estruturas nervosas discriminativas dérmicas, sub-dérmicas e musculares que ativam o sistema supressor de dor na medula espinal e encéfalo, promovendo analgesia e relaxamento muscular42. Em um trabalho realizado com 70 pacientes portadores de fibromialgia primária, randonizados para eletro acupuntura e para agulhamento seco (sham acupunture), por seis sessões, num período de três semanas, foi demonstrado que os pacientes do primeiro grupo mostraram melhora no limiar de dor, uma diminuição na quantidade de medicações utilizadas, melhora na escala visual analógica, na qualidade do sono e na avaliação global43. Raimundo, Brandão e Lucena (2004) 36, aplicaram corrente interferencial vetorial com freqüências diferentes, sendo elas 150HZ e 20 HZ em dois grupos distintos de pacientes com fibromialgia. A corrente foi aplicada somente na região dos músculos do trapézio. Concluíram com isso que, mesmo com ausência de dispositivos precisos de avaliação, foi possível observar a melhora satisfatória da dor nos tenders points dos músculos trapézios, aumento da tolerância à digito pressão exercida para geração da dor e melhora da qualidade de vida das pacientes independentemente da freqüência adotada, porém mais –60– significativa para freqüências de 20 HZ em relação a de 150HZ. Matsutani e Marques (2004)44 realizaram um estudo envolvendo diferentes técnicas fisioterapêuticas, sendo elas a terapia a laser e o alongamento. Separaram os pacientes em dois grupos de dez cada um, sendo que o grupo A recebeu atendimento de dez sessões com terapia a laser nos tenders points e exercícios de alongamento, e o grupo B, realizou dez sessões de alongamento muscular. Concluíram então, que não houve diferença significativa entre os dois grupos de amostra, sendo que ambos os grupos relataram melhora do quadro álgico nos pontos dolorosos, e consequentemente uma melhora na qualidade de vida. Um estudo realizado, avaliou os efeitos do condicionamento cardiovascular sobre as manifestações da fibromialgia primária. Quarenta e dois pacientes foram randonizados em um programa com 20 semanas de duração em dois diferentes grupos: condicionamento cardiovascular aeróbico e exercícios de alongamento. Um aumento da performance cardíaca foi obtido em 83% dos pacientes randonizados neste grupo. Uma melhora significativa no limiar de dor sobre os tenders points, bem como a avaliação global feita pelo médico e pelo paciente foi verificada nestes, quando comparados aos selecionados somente para exercícios de alongamento45. Rosen apud Collado et al (2002) 26 , afirma que clinicamente os aspectos de priorização terapêutica são a dor, a disfunção muscular, e a impotência funcional secundária a dor. O tratamento deve ser individualizado e adaptado ao paciente, sendo necessária a participação ativa do paciente. Afirma ainda que, se tem comprovado que pacientes submetidos a exercícios de fortalecimento e tonificação, realizados em condições aeróbicas, tem uma melhora da dor e a fadiga superior a de pacientes controle, e aqueles que realizam exercícios de alongamento. A massagem clássica, a massagem das zonas reflexas, a massagem transversa profunda, a do tecido conjuntivo (Rolfing) e dos pontos clássicos da acupuntura, proporciona relaxamento muscular, alívio da dor, da síndrome de dor miofascial, do edema e da estase linfática. Pode ser realizada no domicílio pelo próprio doente ou aplicada por seus cuidadores. É eficaz quando associada a cinesioterapia, e a mobilização do segmento acometido46. Em estudo realizado por Albrecht, Rachelli e Peroni47 em 2000 foram avaliados e submetidos cinco pacientes do sexo feminino, com diagnóstico de fibromialgia, onde a abordagem se constituiu de técnicas eletroterápicas, manuais e mobilização geral, a melhora foi referida pelas pacientes quanto à dor, mobilidade articular e qualidade do sono, sugerindo que a abordagem fisioterapêutica utilizada contribuiu para diminuição dos sintomas físicos e aumento da tolerância às atividades de vida diárias. O tratamento foi realizado de 12 a 15 sessões, 3 vezes por semana, tendo como base massoterapia (mobilização passiva da cintura escapular, tração cervical, e reeducação respiratória), ultra som (4’,1 w/cm² por área), cinesioterapia (alongamentos, bicicleta ergométrica, mobilização ativa). A melhora referida pelas pacientes quanto a dor, mobilidade articular e qualidade do sono, sugere que a abordagem fisioterapêutica utilizada contribuiu para a diminuição dos sintomas físicos e REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. aumento da tolerância as atividades de vida diária. Um estudo realizado avaliou os efeitos do condicionamento cardiovascular sobre as manifestações da fibromialgia primária. Quarenta e dois pacientes foram randonizados em um programa com 20 semanas de duração em dois diferentes grupos: condicionamento cardiovascular aeróbico e exercícios de alongamento. Um aumento da performance cardíaca foi obtido em 83% dos pacientes randonizados neste grupo. Uma melhora significativa no limiar de dor sobre os tenders points, bem como a avaliação global feita pelo médico e pelo paciente foi verificada nestes, quando comparados aos selecionados somente para exercícios de alongamento45. Porém, Rivera48 (2004) em uma revisão sobre as controvérsias no diagnóstico de fibromialgia, verificou que alguns estudiosos como Hart (1988) e Hazemeijer38 (2003) defendem o ponto de vista da fibromialgia ser uma agrupação de sintomas freqüentes na população em geral, e que foi colocado um nome por alguma conveniência, por comodidade ou por interesse, sendo que na realidade a fibromialgia não corresponde como uma entidade clínica definida. Todavia, nesta mesma revisão, afirma 28 a comprovação de que os sintomas da fibromialgia seguem um padrão específico que se mantém estáveis com o passar dos tempos, sugerindo com isso, algum mecanismo fisiopatológico comum. Ainda neste mesmo estudo, sugerem49 que as opniões divergentes em relação ao fato da fibromialgia ser ou não uma entidade clínica deixa uma linha divisória entre o indivíduo saudável e o indivíduo com fibromialgia. Como fatores desencadeantes da sintomatologia da fibromialgia, encontramos na literatura variações tais como, trauma físico, esforço físico exagerada, atividade ocupacional, variações climáticas bruscas, herança genética50. Entretanto, Nader et al13 (2002) aborda que além do trauma físico o estresse psicológico também faz parte destes fatores. Em estudo realizado por Vaisberg et al30 (2001) após uma avaliação psicológica com atletas portadores de fibromialgia, constatou que os mesmos apresentavam dificuldade no manejo e domínio da ansiedade. No mesmo estudo de Martinez 50 (2002)ele observou a piora da dor associada ao estado emocional alterado, eventos estressantes e variações climáticas. O sintoma verificado em nossa revisão como o mais importante e mais referido pelos pacientes fibromiálgicos, é a dor, que faz com que os mesmos procurem cuidados médicos. Está dor é descrita de forma diferente pelos portadores de fibromialgia, usando termos como, peso, aperto, queimação, dolorimento, pontada, ardência, incômodo, rigidez, fisgada, latejante, agulhada, formigamento, podendo variar com a hora do dia, tipo de atividade, clima, padrão de sono e estresse. A impressão que alguns pacientes têm é que ela ocorre nos músculos, outros referem nas articulações, enquanto uma parte relata a dor como se localizasse no osso, ou “nervos”. As localizações mais comumente relatadas são a coluna vertebral, cintura escapular e pélvica, podendo também ocorrer em níveis de parede anterior do tórax (fato que com relativa freqüência leva ao paciente ao serviço de urgência REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. cardiológica19. Scotton e Fraga4 (2003) relatam que grande parte das pacientes queixam-se de rigidez articular, porém diferentemente da rigidez matinal da artrite reumatóide, sendo esta de curta duração, com períodos inferiores há quinze minutos. A literatura pesquisada é escassa no que diz respeito a rigidez, sendo apenas citada como parte do quadro clínico, e referida como rigidez matinal. A fadiga está presente em torno de 90% das pessoas com fibromialgia, é relatada espontaneamente pelos pacientes fibromiálgicos, que a descrevem como cansaço, fadiga, desanimo,preguiça, podendo ser referida de moderada a severa, com perda de energia, diminuição da resistência aos exercícios, ou um cansaço semelhante aqueles resultantes de uma gripe. Percebe-se também a dificuldade em se distinguir fadiga de depressão. Algumas vezes a fadiga é dita como um problema maior do que o da dor20. O distúrbio do sono está presente em 75% a 80% dos pacientes, podendo ser descrito como dificuldade para conciliar o sono, insônia terminal, vários despertares ao mínimo ruído e sono não reparador, inclue apnéia, mioclonia, e síndrome da perna cansada. Em estudos demonstraram anormalidades na fase quatro do sono. Uma série de publicações descreve que a serotonina seria a “chave” da patogênese da fibromialgia. A serotonina é conhecida como um neurotransmissor com efeito regulador do sono profundo restaurador. Sendo a qualidade do sono um fator preponderante na gênese e na manutenção dos sintomas, o paciente deve adquirir “hábitos de sono saudável”, como dormir cedo, em ambientes tranqüilos e evitar o uso de estimulantes tais como, a cafeína e a nicotina. Os estudos mostram que uma noite mal dormida pode acarretar dor e rigidez, particularmente em indivíduos acometidos por alguma disfunção músculo esquelética. Apesar de não estar clara uma relação causa-efeito entre as intensidades da dor e os distúrbios do sono em pacientes com dor crônica e fibromialgia, um componente psicogênico parece influenciar a qualidade do sono nessas condições. Por outro lado o sono precário ocorre em várias condições músculo esqueléticas crônicas17. Estudos mostram que a fibromialgia é mais prevalente em mulheres do que em homens em todas as faixas etárias. Ela tem sido descrita desde as formas de infância até indivíduos com mais de setenta anos, sendo que o pico de incidência etária na ocasião do diagnóstico se situa entre quarenta e cinqüenta anos, onde a média de idade do inicio dos sintomas varia entre vinte e nove e trinta e sete anos28. Para Weldebach28(2002) trata-se de uma síndrome muito freqüente entre mulheres com 30 a 60 anos. Perea (2003) afirma que o predomínio da síndrome está no sexo feminino, em relação a idade ele afirma que varia entre 12 e 55 anos. No entanto o estudo realizado por Helfenstein e Feldman (2002), onde foram estudados 200 pacientes, sendo que 199 eram do sexo feminino, a média de idade entre os indivíduos era de 57,1 anos, variando entre 20 e 77 anos. Apesar de não ser uma doença grave, tem uma importância pela alta prevalência (5 a 20% da população em geral). Porém uma estimativa dos estudos disponíveis sugere que a prevalência da fibromialgia na população, com –61– Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. definição dos critérios da ACR, deve ser de 2 a 4%. Ainda em outros estudos, afirmam que a prevalência é de 2 a 6%. A prevalência calculada na população Espanhola, utilizando os critérios de classificação do ACR é de 4,2% do sexo feminino e 0,2% para o masculino25. Querol27 (2003) relata que a prevalência de fibromialgia nesta mesma população estima-se em 2% da população em geral, sendo que destes, 88% ou mais são mulheres. Na literatura descrita há predominância da raça branca, mas tem sido relatada entre os japoneses e os negros da África do Sul. Apesar de existir um critério para diagnosticar a fibromialgia (Critérios do Colégio Americano de Reumatologia), é de difícil diagnóstico. Na prática clínica é comum observarmos o estabelecimento de diagnósticos errôneos em que se confunde fibromialgia com diversas condições inflamatórias ou não e articulares ou extra articulares30. Isso pode se dar pelo fato de que alguns médicos não possuem experiência suficiente para constatar os pontos dolorosos, como já observamos no estudo de Silva51 (1997), também pode ser dado pelo fato de sua etiologia, fisiopatologia, idade de começo dos sintomas, não ser bem conhecida, apesar de já existirem várias pesquisas realizadas sobre esses aspectos. Uma das poucas conclusões equivalentes nos estudos é o fato de que a fibromialgia atinge predominantemente o sexo feminino. Confundida com síndrome do túnel do carpo e do tarso, compressões cervicais ou lombares 4 . Ainda são relatados outros diagnósticos diferenciais tais como, síndrome de fadiga crônica, artrose, artrite reumatóide, polimialgia reumática, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjogren, espondiloartropatias52. Observamos, através do nosso estudo, que a fibromialgia e a fibromialgia juvenil possuem sintomatologias semelhantes no que diz respeito a dores musculares, fadiga ao despertar, sono não restaurador, porém não ficou clara a diferença no diagnóstico entre ambas, já que os estudos não deixam claro a idade inicial da fibromialgia juvenil e na idade mais adulta. Pereira52 (1998) coloca que a incorporação da fibromialgia no raciocínio clínico diferencial não deve servir como alívio ao médico e, sim, como mais uma possibilidade diagnóstica. Até lá, o diagnóstico de fibromialgia juvenil, ou de qualquer outra síndrome álgica em crianças será (e deve permanecer) extremamente difícil, uma verdadeira obra de arte clínica, cuja as principais ferramentas continuam sendo uma historia detalhada, um exame físico minucioso, e um imprescindível raciocínio diagnóstico desenvolvido pelo médico. Martinez (1992) Apud Estefani e Arice (2002)53, afirma que a fibromialgia se desenvolve de maneira insidiosa, predominantemente em mulheres entre 40 a 55 anos. Travell (1983) apud Estefani e Arice (2002)54, diz que a sindrome miofascial afeta ambos os sexos, em qualquer idade e de forma que o paciente identifica com precisão o ínicio e o local da dor, geralmente relacionado a sobrecarga mecânica, trauma, movimento rigoroso e repentino, etc. Martinez et al (1998)24, após realizarem um estudo comparativo com 26 pacientes do sexo feminino com fibromialgia e 18 pacientes com dor miofascial, sendo que ambos os grupos são semelhantes em relação a idade e estado civil diferem na –62– escolaridade, concluíram que a dor miofascial e a fibromialgia são extremos do mesmo espectro de doença. Sabendo das diferenças existentes entre as duas síndromes, diferenças tais como, sensibilidade e localização da dor, fatores agravantes, patogenia, achados eletrodiagnósticos, pontos dolorosos, entre outras, verificamos na literatura que ambas as síndromes são patologias distintas, apesar de alguns autores afirmarem o oposto. Não se pode afirmar que ambas fazem parte de uma mesma síndrome, como já referido possuem características diferentes, características essas “essenciais” para o diagnóstico de fibromialgia segundo os critérios do Colégio Americanos de reumatologia, como, por exemplo, a presença de pelo menos 11 dos 18 pontos dolorosos, sendo que estes pontos devem ser bilaterais, características essas que segundo a literatura não se fazem presentes na síndrome dolorosa miofascial. Segundo Sabbag 55 et.al. (2000) a etiologia e a fisiopatologia não são claras, apesar de várias teorias patogênicas (hipóteses: central, periférica, imunológica, infecciosa, integrada), a doença pode ocasionar limitação das atividades ocupacionais,redução do tempo de vida produtiva e inatividade física. Haun22 et.al (2001) dizem que não parece haver mais dúvidas de que se trata de uma síndrome causada pela incapacidade de modulação dolorosa no sistema nervoso central, mesmo na ausência de nocicepção aferente aumentada. A maneira como este mecanismo acontece ainda é apenas parcialmente conhecida. Acredita-se que o distúrbio primário na fibromialgia seria uma alteração em algum mecanismo central de controle da dor, o qual poderia resultar de uma disfunção de neurotransmissores. Tal disfunção neuro-hormonal incluiria uma deficiência de neurotransmissores inibitórios em níveis espinhais ou supra-espinhais (serotonina, encefalina, norepinefrina e outros) ou uma hiperatividade de neurotransmissores excitatórios (substância P, glutamato, bradicinina e outros peptídeos), ou ainda ambas as condições podem estar presentes. Essas disfunções poderiam ser geneticamente predeterminadas e talvez desencadeadas por algum estresse não-específico como, por exemplo, uma infecção viral, estresse mental, ou um trauma físico56. Dentro da literatura pesquisada, verificou-se que a fibromialgia têm forte impacto na qualidade de vida dos portadores desta síndrome, ela pode ser expressa de várias maneiras, como por exemplo na qualidade do sono, na capacidade funcional, e até mesmo na vida profissional, os pacientes acabam por receber pensões precoces, maior perda dos anos de vida produtiva,e uma queda da renda familiar, o que pode causar alterações nervosas e psicológicas no individuo, consequentemente, um aumento da freqüência médico. Verificou-se também a forte influência positiva que a fisioterapia traz na melhora da qualidade de vida destes pacientes, principalmente no que diz respeito a terapias em grupo41. O resultado dos trabalhados utilizados nesta revisão demonstraram de maneira clara que o tratamento fisioterapêutico com hidrocinesioterapia foi eficaz, independente do número de pacientes, tempo de aplicação, REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. e associação com outros métodos, inclusive farmacológicos31. A acupuntura vem sendo bastante utilizada no tratamento de síndromes dolorosas, atua via estimulação de estruturas nervosas discriminativas dérmicas, sub-dérmicas, e musculares que ativa o sistema supressor de dor na medula espinhal e encéfalo, promovendo analgesia e relaxamento muscular46. Porém Pomeranz (1989), apud Lin (2001), afirma que vários trabalhos sobre acupuntura apresentam problemas metodológicos, o que torna difícil avaliar sua real eficácia no tratamento da dor crônica. Apesar da pouca bibliografia encontrada a respeito da acupuntura em pacientes com fibromialgia, Deluze et al apud Antonio 57 (2001) realizaram um estudo com 70 pacientes portadores de fibromialgia primária, e verificaram que tal método é eficaz no tratamento da fibromialgia, promovendo melhora do limiar da dor, diminuição da quantidade de medicações utilizadas, melhora na escala visual analógica, na qualidade do sono e na avaliação global. As técnicas de eletroterapia encontradas em nosso estudo foram, corrente interferencial, estimulação elétrica transcutânea, e terapia a laser, sendo que algumas delas foram associadas a técnica de alongamento muscular. Todos os trabalhos se mostraram eficazes, independente do número de pacientes, do número de sessões aplicadas, e do tempo de tratamento. Porém em alguns estudos, como o de Raimundo, Brandão e Lucena (2004) 36 , as diferentes freqüências utilizadas mostraram resultados diferentes, sendo uma mais significativa que a outra. Nos estudos realizados com técnicas de eletroterapia e alongamento, verificou-se que não houve diferença significativa entre as duas técnicas, mostrando que ambas são eficazes independentemente de estar sendo usadas em associação uma da outra58. Os portadores de fibromialgia demonstram uma boa aderência aos exercícios, sendo até mais assíduos e persistentes que indivíduos em tratamento para controle do stress. Apesar da probabilidade das pacientes com fibromialgia apresentar uma menor performance muscular, os exercícios são extremamente benéficos para aptidão física, aspectos psicosocias e sintomatologia59. Mengshoel et al (1998) apud Marques (2002) 42, realizaram um estudo onde os resultados mostraram que os pacientes com fibromialgia apresentam maiores níveis de fadiga, esforço e dor induzida pós-exercício comparados a indivíduos saudáveis. Além disso, a intensidade da dor permaneceu acima do valor prévio ao exercício por mais 24 horas, entretanto não constataram diferença significante na capacidade aeróbica. Porém, Marques et al (2002) afirma que os exercícios de baixa intensidade, ou aqueles em que o paciente é capaz de identificar o limite do seu esforço e dor, parecem ser os mais efetivos. Além disso, a aderência aos programas de exercícios é a melhora maneira de se prolongarem os ganhos terapêuticos. Segundo Perea (2003)26, após realizar uma revisão bibliográfica sobre fibromialgia, constatou que as evidências sugerem que o condicionamento físico e alongamento são benéficos, com uma discreta superioridade do primeiro sobre o segundo, assim como Rosen apud Collado et al (2002)25, afirma que clinicamente os aspectos de priorização REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. terapêutica são a dor, a disfunção muscular, e a impotência funcional secundária a dor. O tratamento deve ser individualizado e adaptado ao paciente, sendo necessária a participação ativa do paciente. Afirma ainda que, se tem comprovado que pacientes submetidos a exercícios de fortalecimento e tonificação, realizados em condições aeróbicas, tem uma melhora da dor e a fadiga superior a de pacientes controle, e aqueles que realizam exercícios de alongamento. Clark (2001) apud Marques et al (2002)42, afirma que embora os exercícios físicos, de forma geral, sejam considerados benéficos para os pacientes com fibromialgia, não são constatadas evidencias que explicam os mecanismos pelos quais os exercícios atuam no sentido de aliviar o sintoma primário dessa síndrome, ou seja, a dor. A terapia manual pode ser um recurso importante no tratamento da fibromialgia, dadas as propriedades fisiológicas e psicológicas e maior interação entre o fisioterapeuta e o paciente. A massagem clássica, a massagem das zonas reflexas, a massagem transversa profunda, a do tecido conjuntivo (Rolfing) e das pontos clássicos da acupuntura. É eficaz quando associada a cinesioterapia, e a mobilização do segmento acometido. A massagem pode ajudar na diminuição da dor através da melhora da circulação e oxigenação, remoção de escórias musculares e aumento da flexibilidade muscular várias técnicas de massagem incluem: deslizamento, amassamento e fricção.A liberação miofascial, a terapia dos pontos gatilhos, e as terapias crânios sacrais são exemplos de técnicas especializadas para ajudar no alívio da dor em fibromialgia e em outras condições que causam dor. A associação da massoterapia com outras técnicas, como eletroterapia, cinesioterapia, condicionamento aeróbico, também se fizeram eficazes42. Em estudo realizado com 42 pacientes com fibromialgia primária, divididos em dois grupos diferentes, sendo que um dos grupos participou do condicionamento cardiovascular aeróbico, e o outro de exercícios de alongamento. Um aumento da performance cardíaca foi obtido em 83% dos pacientes randonizados nesse grupo. Uma melhora significativa no limiar de dor sobre os tender points, bem como a avaliação global feita pelo médico e pelo paciente foi verificada nestes, quando comparados ao selecionados somente para exercícios de alongamento57. Outro estudo verificou que apartir do terceiro mês de treinamento cardiovascular supervisionado, as portadoras de fibromialgia apresentaram maior tolerância a dor muscular e ao esforço, melhora da capacidade funcional e cardiovascular periférica55. CONCLUSÃO Conclui-se que a fibromialgia é uma síndrome de difícil diagnóstico e tratamento; isso pode ser decorrente da fisiopatologia e causa não serem ainda bem definidas, apesar de existirem vários estudos a respeito dos mesmos. As pesquisas citadas neste trabalho são escassas em relação ao prognóstico e a rigidez muscular, sugerimos novos estudos referentes a esses aspectos. Porém, alguns autores verificaram que apesar das diversas terapêuticas propostas e adotadas aos pacientes, a fibromialgia demonstrou um quadro clinico estável, no entanto os –63– Dessuy AF e cols. Intervenções Fisioterapêuticas em Fibromalgia. pacientes foram acompanhados somente por cinco anos, o que ainda deixa vaga uma afirmação a respeito do prognóstico desta patologia. A eficácia do tratamento fisioterapêuticos dos pacientes com fibromialgia foi comprovada pelos estudos, já que a maior parte destes verificou uma melhora significativa da sintomatologia, principalmente no que diz respeito ao quadro álgico, consequentemente melhora da funcionalidade e qualidade de vida. Dentre as inúmeras técnicas fisioterapêuticas referidas, destaca-se a hidrocinesioterapia, que tem como objetivo principal aumentar a tolerância do indivíduo ao exercício e o nível de resistência física, melhorando seu condicionamento geral, já que a água aquecida exerce efeitos de relaxamento muscular pela redução da tensão, e redução da sensibilidade à dor. A hidrocinesioterapia se destacou não só por sua eficácia, mas também por apresentar uma melhor aceitação pelos pacientes, e também por ter sido a técnica com maior número de estudos encontrados por nós, no entanto, não podemos deixar de ressaltar a grande importância dos outros métodos fisioterapêuticos para reabilitação destes pacientes, como a acupuntura, a eletroterapia, a massoterapia, a terapia manual, a cinesioterapia, o condicionamento aeróbico entre outras, porém, estas últimas não se mostraram tão eficazes quanto à hidroterapia, pois esta teve um melhor resultado em maior número de sintomas em relação as outras técnicas estudadas, isto, independente do número de indivíduos, tempo de aplicação, e associação com outros métodos, inclusive farmacológicos realizadas nas pesquisas. Devemos lembrar que os pacientes com fibromialgia são pouco compreendidos, e muitas vezes desacreditados por alguns profissionais da área da saúde que os tratam com descaso, não confiando em suas queixas, até porque, não existem exames complementares que comprovem a existência desta patologia. Por esta razão as pacientes tornam-se pessoas ainda mais ansiosas, angustiadas e depressivas, o que torna necessário cada vez mais o uso de uma equipe multidisciplinar para o tratamento dos mesmos, pois só a fisioterapia, apesar de eficaz, não é o suficiente para suprir todas as atenções de que esses pacientes precisam. Summary PHYSIOTHERAPEUTIC INTERVENTIONS IN FIBROMIALGIA - Review Fibromyalgia is a chronic illness, that has as characteristic a diffuse pain in the muscleskeletal system, morning rigidity, muscular fatigue, alterations of the mood and sleep, existence of painful points, among others, these symptyoms are the most often found in the patients. This disease is predominant in the feminine sex that reaches young people and adults. Its etiology is still not completely understand. The treatment of this syndrome is discussed even being a pathology of difficult diagnosis, is given credit that the best treatment that includes a multidisciplinary team, involving professionals as a Rheumatologist, Psychologists and Physiotherapists among others. The present study has the objective of presenting a revision of literature in order to approach the syndrome of the Fibromyalgia, as well as the physiotherapeutic treatment for the symptoms that follows the fibromyalgic individuals, for this reason, was carried through a bibliographical survey in the period of 1995 - 2005, by means of the use of articles published in national and international magazines and/or Internet sites. The Authors concluded that Physiotherapy has a very important role in the relief of the symptoms that involve these patients, therefore several techniques presented with proven effectiveness. Keywords: Fibromyalgia, Physiotherapy, Treatment. REFERÊNCIAS Obs.: 59 referências à disposição dos leitores. –64– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 56-64. Artigo Especial Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa Leila Juliana Antunes, Luciana Blanco, Lenir Maria Baruffi, Nelci Terezinha Zorzi. Curso de Enfermagem da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo Objetivou-se onhecer o cuidado de enfermagem prestado às gestantes hipertensas. Foi um estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, realizado na maternidade de um hospital geral do interior do Rio Grande do Sul no período de dezembro de 2002 a março de 2003. Participaram do estudo oito mulheres hipertensas internadas. A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada. Utilizou-se a análise temática, tendo emergido seis categorias: a recuperação das árvores, experimentando frutos, buscando abrigo no ninho, protegendo-se dos perigos, passeio pelo bosque e o cantarolar dos pássaros. O cuidado prestado contempla as necessidades biológicas, mas deixa a humanização em segundo plano. Unitermos: Gravidez, hipertensão arterial, cuidado. A gestação, evento que ocorre naturalmente na vida da mulher, é um processo fisiológico no organismo materno. No entanto, algumas mulheres podem sofrer algum agravo nesse período, o que caracteriza uma gestação de alto risco, muitas vezes exigindo de internação hospitalar. A hipertensão é responsável pela internação de grande parte dessas gestantes. O cuidado prestado pela enfermagem a essas mulheres privilegia a dimensão biológica, enfatizando o modelo assistencial existente, fragmentado e curativo. A gestante hipertensa, ao longo de sua internação, não é vista como uma mulher inserida em seu contexto familiar e sociocultural. Segundo dados da Coordenadoria de Informações em Saúde/RS1, a doença hipertensiva é a primeira causa de morte em gestantes, com 93 óbitos em 1999, dos quais vinte foram decorrentes de hipertensão na gravidez. Ao desenvolver a prática da disciplina de Saúde da Mulher, deparou-se com um número considerável de gestantes que apresentam hipertensão e permanecem internadas por longos períodos na maternidade do hospital de ensino, recebendo um cuidado fragmentado e orientado para os sinais e sintomas. Diante do exposto, questionamos: de que maneira a gestante hipertensa está sendo cuidada no contexto hospitalar? Tendo em vista o questionamento que se apresenta, e levando em conta o pressuposto de que o cuidado de enfermagem humanizado contribui para uma melhor qualidade de vida das gestantes hipertensas, este trabalho teve como objetivo geral conhecer o cuidado de enfermagem prestado às gestantes hipertensas internadas na REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. maternidade. Os objetivos específicos foram identificar aspectos que influenciam na assistência de enfermagem e construir uma proposta de cuidado humanizado às gestantes desse hospital. Branden2,28 afirma que “a gestação e o nascimento da criança são eventos psicossociais, que afetam profundamente as vidas dos pais e das famílias. Nada é mais significativo para o autoconceito de alguns homens e mulheres do que o desafio de gerar e criar um filho”. No entanto, um percentual significativo de mulheres sofre um desequilíbrio nas funções fisiológicas durante a gravidez. Segundo o Ministério da Saúde3, aproximadamente 15% das gestações são de alto risco, decorrentes de inúmeras causas. A hipertensão, as infecções e as hemorragias são as principais responsáveis pelas mortes de gestantes, que na sua maioria poderiam ser evitadas mediante uma boa assistência no período gestacional, parto e puerpério. Segundo Cashion 4,648 ,“os distúrbios hipertensivos são as complicações de ocorrência mais comum na gestação. Eles ocorrem em 5 a 10% das gestações”. A hipertensão induzida pela gestação aparece após as vinte semanas e desaparece nos primeiros dias de puerpério. De acordo com Rezende5,643: surgindo em geral na segunda metade da prenhez e, mais freqüentemente no seu terceiro trimestre, a doença hipertensiva específica da gravidez caracteriza-se pelo aparecimento de hipertensão, edema visível ou oculto (aumento brusco de peso) e, excepcionalmente, por discreta –65– Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. proteinúria (traços ou menos de 0,5%). Entretanto é a elevação da pressão arterial além de 140 X 90 mmHg ou o aumento dos níveis tensionais em 30 mmHg para a pressão sistólica e de 15 mmHg para a pressão diastólica, o principal elemento para identificação da entidade. Tais aumentos devem ser comprovados pelo menos duas vezes dentro de seis horas. A etiologia da doença ainda é desconhecida, mas para o seu aparecimento a presença do vilo corial é fundamental. Explica Rezende5,662: A doença hipertensiva específica da gravidez caracteriza-se pela tríade sintomática: hipertensão, edema e proteinúria. O aparecimento dessas manifestações, em grávida normotensa, ou o agravamento de quadro hipertensivo após as vinte semanas, sugerem, obrigatoriamente, a suspeita de pré-eclâmpsia. O organismo sofre alterações ocasionadas pela hipertensão induzida na gestação, as quais, geralmente regridem de forma espontânea após o parto2. Acredita-se que atender à gestante de alto risco contemplando suas necessidades físicas e psicológicas é fator determinante para que o cuidado prestado seja realmente efetivo e completo, pois, além dos distúrbios biológicos que estão ocorrendo em seu organismo, inúmeros são os eventos emocionais que ela enfrenta. A expectativa da vida da mãe e do bebê saudável se confronta com sentimentos de temor pela prematuridade e pelas seqüelas que podem comprometer a saúde de ambos. Diante dessas gestantes, precisa-se, sim, da tecnologia, de todo o aparato medicamentoso e laboratorial, mas necessitase, acima de tudo, cuidar dela e de sua família. Ao cuidar de gestantes tem-se de considerar que a gravidez tem um significado em sua vida de acordo com sua história, como é explicado por Boff6,91: o cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicarme a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim, de sua vida. Cuidado significa então desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato. Como dizíamos, estamos diante de uma atitude fundamental, de um modo de ser mediante o qual a pessoa sai de si e centra-se no outro com desvelo e solicitude. Cuidar é mais que um ato físico. Para que o processo de cuidar aconteça e seja efetivo, o paciente precisa participar junto à equipe de saúde no seu processo de recuperação e se esforçar para alcançar novas qualidades de vida7. A enfermagem, ao cuidar de gestantes hipertensas, precisa valorizar o momento de fragilidade em que estas se encontram. O cuidado só acontece, na essência, quando –66– existe a troca entre quem cuida e quem é cuidado. Na afirmação de RandünZ8,15: Cuidar profissionalmente ou cuidar em enfermagem é olhar enxergando o outro, é ouvir escutando o outro; observar, percebendo o outro, sentir, empatizando, estando disponível para fazer com ou para o outro aqueles procedimentos técnicos que ele não aprendeu a executar ou não consegue executar, procurando compartilhar o saber com o cliente e/ou familiares a respeito, sempre que houver interesse e/ou condições para tal. A medida que a enfermagem evolui como ciência, é necessário que fundamente suas ações e, entre elas, a sua essência, o cuidado. Enfermagem é cuidar do ser humano buscando novos caminhos e desenvolvendo potenciais para que este ser humano desempenhe seus papéis e/ou possa renunciar a eles com dignidade. Dignidade é o respeito que se deve ter ao ser humano, fazendo-o sentir-se estimado e respeitado durante todo o processo de viver8. Acredita-se ser possível a implementação de novas maneiras de cuidar, que valorizem a gestante hipertensa como ser humano, não apenas como um mero objeto de cuidado, contemplando-a em suas necessidades. METODOLOGIA Trata-se de um estudo exploratório descritivo com abordagem qualitativa, realizado na maternidade de um hospital geral de grande porte do interior do Rio Grande do Sul. Participaram dez gestantes hipertensas que estiveram internadas na referida maternidade no período de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003 A coleta de dados foi realizada através de entrevista semi-estruturada, que indagava aos sujeitos do estudo quanto à sua percepção relativa ao atendimento do serviço de enfermagem, às instalações, à alimentação, às expectativas em relação ao recém-nascido, ao apoio familiar, ao repouso, ao tempo de permanência no hospital, ao autocuidado, às expectativas e às frustrações quanto ao atendimento de enfermagem. As entrevistas foram realizadas na maternidade do hospital em duas etapas; na primeira, o sujeito era convidado a participar do estudo, apresentando o termo de consentimento; mediante a aceitação, em outra data era realizada a segunda etapa, que consistia na entrevista. As entrevistas foram gravadas em fita k-7, com posterior transcrição sendo, ao final destruídas. Os dados foram analisados à luz da análise temática de Minayo 9 , através da leitura e releitura dos dados, da extração das unidades temáticas e da organização das categorias. O estudo observou as diretrizes da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde10 do Ministério da Saúde e do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, e atendeu aos seguintes aspectos éticos: consentimento da instituição e dos sujeitos, garantia de sigilo e anonimato, direito dos sujeitos de se retirarem do estudo em qualquer fase da sua realização, sem prejuízos ao seu cuidado. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. ANÁLISE E DISCUSSÃO Para a identificação dos sujeitos e nomenclatura das categorias, foi utilizada a analogia a um bosque. As participantes foram identificadas com nomes de árvores, pelo caráter gerador de frutos e fonte de vida que se considera semelhante à mulher. Para as categorias, buscou-se manter o mesmo sentido da analogia, procurando-se um título adequado e que refletisse as unidades de significado encontradas. Com a análise das entrevistas, emergiram seis categorias. 1) A recuperação das árvores: A primeira categoria diz respeito ao cuidado de enfermagem prestado à gestante no decorrer da sua internação hospitalar, o qual demanda muita sensibilidade e carinho. Boff7,33 destaca que “cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.”A fala de Araucária denota a necessidade de ser bem tratada: a simpatia das menina também, elas são assim, ah, bem atenciosas, elas são, ãhn, não tem ninguém assim, com mau humor, sabe. Isso conta um monte, porque se tu vem procurar ajuda e tu vê alguém triste, aborrecido, né, tu [...] acaba transmitindo. E não [...] as menina chegam aí toda contente e perguntam como é que tá, e bom dia né, então isso tudo faz com que você se sinta bem, né. Elas te transmite que você tá assim, por mais que você, que ninguém gosta de hospital, por mais que você está num hospital você acaba se sentindo bem, segura né. Elas te transmite aquela confiança, aquela segurança, sabe. Faz com que você se sinta bem, também né, já é um... eu digo sempre que é uma [...] metade da recuperação, então, é aí, né. Tu consegue, consegue se sentir à vontade daí. Nesse sentido, Brüggemann 11 salienta que é necessário compreender que cada pessoa é única e singular; entendê-la e aceitá-la como ela é, com suas boas ou más qualidades, independentemente do que consideramos bom ou mau; compreender seus limites dentro de uma situação que não foi por ela criada ou desejada e, ainda, dar-lhe as condições necessárias para superar esses limites. O cuidado só acontece, na essência, quando existe a troca entre quem cuida e quem é cuidado. Na afirmação de Radünz 8,15: cuidar profissionalmente ou cuidar em enfermagem é olhar enxergando o outro, é ouvir escutando o outro; observar, percebendo o outro, sentir, empatizando, estando disponível para fazer com ou para o outro aqueles procedimentos técnicos que ele não aprendeu a executar ou não consegue executar, procurando compartilhar o saber com o cliente e/ou familiares a respeito, sempre que houver interesse e/ou condições para tal. Carnaúba faz uma fala significativa sobre o atendimento da enfermagem do noturno: “elas acendem(luz) REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. essa aqui da, essa bem fraquinha, aqui né. Tá dormindo elas acordam bem de levezinho, né, pra gente tomá o medicamento, toma, acaba dormindo de novo, bem [...]”. De acordo com Gonzales12 e Silva13, outra questão importante a ser observada ao cuidar das gestantes é buscar conhecer aspectos de sua cultura, do seu modo de vida, ou seja, o que ela vivencia em seu ambiente natural, criando a alternativa de um cuidado mais coerente com o seu viver cotidiano. Na fala de Angico constatamos que seu horário habitual de jantar não é levado em consideração: Ah, o meu horário de jantá era nove, nove e meia. E aqui é cinco e meia, seis horas tá jantando. Ao prestar o cuidado à gestante, a equipe de enfermagem precisa estar atenta e fundamentada em conhecimentos científicos. A verificação da pressão arterial é um ato importante no controle da gestante com préeclâmpsia e deve ser realizada baseada em critérios rigorosos. Sabemos que, se os critérios básicos não forem atendidos, podem ser obtidos falsos resultados. Segundo Cashion5, para a correta aferição da pressão arterial, devem ser seguidos alguns passos: a mulher deve estar sentada ou deitada com a cabeceira elevada a 30º no seu lado esquerdo; aguardar cinco minutos para que haja relaxamento e usar o braço direito para medir a pressão arterial. Durante o estudo, percebemos que esses passos nem sempre foram observados, o que é evidenciado pela fala de Carnaúba quando questionada a respeito de em que braço era verificada sua pressão arterial: é, às vez, no direito e, às vez no esquerdo, né. Quando perguntamos a Angico em que braço e em que posição era verificada sua pressão, a resposta foi a seguinte: sempre no direito, sempre do lado, deitada do lado esquerdo. O repouso constitui um elemento de suma importância na estabilização clínica da gestante com doença hipertensiva específica da gestação. De acordo com Branden2, o repouso no leito em decúbito lateral esquerdo é recomendado para aumentar as perfusões uterina e renal, pois o aumento da perfusão renal facilita a diurese. As outras posições podem reduzir os fluxos sangüíneos uterino e renal, em virtude da compressão da veia cava inferior e da artéria aorta. A clareza com que são passadas as informações sobre o repouso é decisiva para que a gestante o faça de forma correta. Percebemos uma dicotomia na forma de orientar o repouso, pois para algumas estava evidente como e por que repousar, mas outras, nem tanto. Plátano disse: Elas pediram só pra repousar. Para Carnaúba, havia sido explicado o porquê do repouso, no entanto não havia sido dito que ela poderia mudar de posição para descansar:Sempre do lado esquerdo, não poderia me virar pro outro lado, do lado esquerdo o sangue circula melhor, né, onde tem as artérias e ela falou que era sempre do lado esquerdo. Cashion5 afirma que o repouso no leito mostra-se eficiente na diminuição da pressão sangüínea e na promoção da diurese. Porém, o repouso absoluto pode trazer resultados fisiológicos adversos, tais como o estresse psicológico, a atrofia muscular, o descondicionamento cardiovascular. Essas alterações iniciam no primeiro dia de repouso no leito –67– Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. e prolongam-se à medida que dura a terapia. No relato de Plátano, foi constatado o desconforto provocado pelo repouso absoluto: é ruim, né, porque só deitada a gente não consegue ficar, porque começa a doer a perna, aí tu tem que se virar, e depois dói a barriga também, daí tem que virar pro outro lado, ficar só, só do lado esquerdo é ruim. Alternativas para minimizar esses efeitos incluem atividades recreacionais, visitas de amigos, conversas telefônicas e criação de um ambiente confortável. Além disso, é enfatizada a importância de exercícios suaves, tais como a variação de movimento e o alongamento para manter o tono muscular, o fluxo sangüíneo, a regularidade da função intestinal e proporcionar a sensação de bem-estar5. Angico sabia que poderia mudar de posição: sim, que eu poderia sentar, no caso, só não fazer muito esforço físico, não caminha muito, passá a maior parte do tempo deitada. Uma complicação da doença hipertensiva específica da gestação é o descolamento prematuro da placenta. De acordo com Knuppel & Drukker14,412,“o vasoespasmo reduz a perfusão do espaço interviloso, o que parece aumentar o risco de descolamento.” Uma das participantes do estudo, Angico, apresentou este agravo: [...] tava sentada na cama, daí eu levantei pra ir no banheiro e me deu tipo uma hemorragia. Ao analisar as falas dessa gestante, observamos que ela deambulava com freqüência ao banheiro. Sabe-se que o esforço relacionado a essa atividade pode desencadear o descolamento prematuro da placenta. Dessa forma, é importante criar condições de diálogo para conscientizar as gestantes de que devem realizar suas eliminações na comadre, diminuindo o esforço e evitando esse agravo. 2) Experimentado frutos: Esta categoria reúne aspectos referentes às necessidades nutricionais das gestantes com doença hipertensiva específica da gestação (DHEG), além da valorização de hábitos alimentares prévios. A alimentação é, sem dúvida, imprescindível na vida do ser humano e é ainda mais importante no período da gestação. Sem a ingestão adequada de alimentos e seus nutrientes, o feto não poderá crescer nem se desenvolver adequadamente. A gestante hipertensa deve ter alguns cuidados para manter a ingestão adequada de nutrientes, pois a gestação representa um desafio fisiológico e metabólico ao organismo feminino. O fígado – principal órgão metabólico – deve suportar em grande parte esse incremento metabólico e aumentar sua capacidade para processar os diversos nutrientes e grande quantidade de metabólitos. A saúde do tecido hepático é básica para a manutenção da demanda funcional durante a gestação, e é do suprimento nutricional adequado que a integridade do tecido hepático depende15. Em virtude da fisiopatologia da pré-eclâmpsia, alguns grupos de alimentos têm importância especial na nutrição das gestantes, como as proteínas, minerais e vitaminas.As gestantes hipertensas apresentam lesão hepática, o que leva à deficiência de albumina. Dessa forma, é importante o –68– aumento da ingestão de alimentos ricos em albumina.Sobre o exposto: o fígado é a única fonte da albumina do plasma. Os elementos precursores da albumina e outras proteínas plasmáticas são os aminoácidos, que derivam em grande parte das proteínas da dieta. Tem-se demonstrado que as proteínas alimentares mais adequadas para fornecer os elementos para a reposição das proteínas plasmáticas são, lacto-albumina (uma proteína do leite), clara de ovo, músculo de boi, fígado e caseína.”15,81 Essa informação geralmente não é fornecida as gestantes, cuja alimentação, de muitas, é baseada em frutas. A afirmação de Angico confirma essa informação: [...] não sentia falta de comida de sal, [...] só de fruta, pra mim comendo fruta parece que alimentava mais do que se fosse comer comida de sal. A ingestão hídrica também parece não estar sendo evidenciada junto às gestantes, porém é muito importante, pois segundo15,81 “[...] as características clínicas nas condições de pré-eclâmpsia e eclâmpsia são hipoalbuminemia e hipovolemia, com uma subseqüente hemoconcentração, que muitas vezes mascara a anemia e a queda na albumina plasmática” . Ao contrário do que se pensa, não se deve restringir o sal : [...] as gestantes com hipertensão apresentam um volume mais baixo de plasma do que as normotensas, a restrição de sódio não é necessária. As mulheres necessitam de sal para manter o volume sanguíneo e a perfusão placentária. A exceção pode ser a mulher com hipertensão crônica controlada com sucesso por uma dieta baixa em sal antes da gestação. A ingesta adequada de líquido ajuda a manter o volume hídrico ideal, a perfusão e a filtração renal 5 É importante que, além disso, sejam observados os hábitos alimentares e as preferências da gestante, pois esses fatores afetarão diretamente na aceitação dos alimentos. Isso é evidenciado na fala de Carnaúba: [...] eu não sei mas em casa a gente já tem a comida bem mais fraca de sal, sabe, e eu achei forte, até a sopa eu achei forte [...] eu pedi que não, falei que não queria mais sopa. Cedro expressou que, durante sua internação, não foram oferecidas frutas nem uma vez e que, sua fruta preferida é banana: Eu gosto muito de banana. Era a fruta que eu comia direto em casa. É de igual importância o respeito aos horários em que as refeições são oferecidas e aos hábitos da paciente. A fala de Cedro confirma essa afirmação: Ah, o meu horário de janta era nove, nove e meia. E aqui é cinco e meia, seis tá jantando. Muitas vezes, os hábitos alimentares não são valorizados pela equipe de enfermagem. No entanto, se fossem considerados, proporcionariam maior satisfação às pacientes, contribuindo para o seu bem-estar. 3) Buscando abrigo no ninho: Nesta categoria estão os anseios e preocupações das gestantes hipertensas e os fatores que lhe proporcionam REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. A expectativa da vida da mãe e do bebê saudável confronta-se com sentimentos de temor pela prematuridade e pelas seqüelas que podem comprometer a saúde de ambos. Nas falas emergiram sentimentos de medo e angústia vivenciados pelas gestantes. A declaração de Canela confirma: Eu achava que ia morrer. Tinha medo de morrer que nossa. Diante dessas gestantes, precisa-se, sim, da tecnologia, de todo aparato medicamentoso e laboratorial, mas necessita-se, acima de tudo, cuidar da gestante e da sua família. No entender de Soares7,106: o cuidado humano surgiu com o começo da humanidade. Cuidar o ser humano é um ato que requer empatia, sensibilidade e, também, conhecimento. Necessitamos de cuidado antes do nascimento e continuamos requerendo-o sempre que precisamos do outro junto de nós. Cuidar é também ouvir, tocar, olhar o outro e fazer por ele o que ele próprio não consegue. Acredita-se que a tecnologia e a humanização podem e devem ser praticadas em conjunto, o que significa utilizar o conhecimento tecnológico da melhor forma possível, desde que acompanhado de contato, afetividade e compreensão. Faz parte do ato de cuidar considerar a ansiedade e as preocupações da gestante, pois, se não forem amenizadas, poderão contribuir para a elevação da pressão sanguínea. Por sua vez, Knuppel & Drukker14 salientam que as principais preocupações que envolvem a gestante estão relacionadas ao bebê, à saúde pessoal e aos filhos que ficaram em casa. Em sua fala, Ipê traz essa inquietação: Tava nervosa porque eles (medico) me falaram que tinha que tirar o nenê, medo que acontecesse alguma coisa com a criança. Angico reforça a situação: Eu tava bem nervosa, tava apavorada, né. Primeiro, eu descobri que tinha pressão alta, uma coisa que eu jamais imaginei. Segundo, eu ía ter que ficar aqui por um tempo indeterminado. Terceiro, eu tinha minha filha pequena em casa que eu não sabia o que fazer, né. Em contrapartida, o fato de estar internada e de dispor da tecnologia existente na instituição proporciona segurança às gestantes, o que é evidenciado na fala de Platano. O que eu precisar tenho tudo aqui, um suporte.. No entanto, a companhia de familiares pode oferecerlhes segurança e tranqüilidade, contribuindo para o seu bemestar. A fala de Angico reforça essa afirmação: A família é muito importante nessa hora [...] eu acho que sem eles jamais conseguiria superar. O hospital onde o estudo foi realizado permite a permanência de um familiar com a gestante durante as 24 horas do dia. À noite, é estimulada a presença de uma pessoa do sexo feminino, pois geralmente as gestantes estão internadas em quarto semiprivativo. Porém, as condições oferecidas a esse familiar são mínimas, não havendo pelo menos cama para descanso, de modo que o acompanhante que passa a noite com a gestante permanece sentado numa REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. cadeira. Além disso, o espaço físico é reduzido, dificultando a presença do acompanhante e, em algumas situações, prejudicando os afazeres da própria enfermagem. Dessa forma, torna-se importante a adequação da área física. Segundo Silva16, ao enfermeiro cabe permitir que os familiares fiquem próximos da paciente, participando do momento de crise em que ela se encontra. O núcleo no qual a paciente vive não pode ser negado, e todos precisam de atenção para poder crescer e aprender com a experiência. Apesar dessas limitações, a presença de um familiar é relevante para diminuir a ansiedade da paciente, mas ele deve estar consciente de que precisa encorajar a gestante a aceitar e enfrentar sua condição. Para isso, o familiar precisa saber e entender o que está acontecendo, essa função de orientá-lo deve ser exercida continuamente pela enfermagem. 4) Protegendo-se dos perigos: A categoria protegendo-se dos perigos trata da relação da gestante consigo mesma das atitudes desempenhadas pela gestante no intuito de zelar por si e pela saúde de seu filho. De acordo com Boff6,145 cuidar do nosso corpo implica em cuidar da vida que o anima, cuidar do conjunto das relações com a realidade circundante, relações essas que passam pela higiene, pela alimentação, pelo ar que respiramos, pela forma como nos vestimos, pela maneira como organizamos nossa casa e nos situamos dentro de um determinado espaço ecológico. Observa-se que as gestantes tinham presente a necessidade do cuidado de si. É o que demonstra Carnaúba em sua fala: Porque eu sempre alevanto e fico sentada um pouquinho pra depois caminha. Em casa também eu faço assim, que se eu levantasse e saísse, daí, né, eu tenho tontura, mas se não, não. Orem citada por George17,84, define o autocuidado como “o desempenho ou a prática de atividades que os indivíduos realizam em seu beneficio para manter a vida, a saúde e o bem-estar”.Consiste no cuidado desempenhado pelo próprio indivíduo para si mesmo quando ele atinge um estado de maturidade que o torna capaz de realizar uma ação propositada, consistente e eficaz. A resposta de Araucária quando questionada sobre o repouso no leito foi a seguinte: É que eu to consciente que quanto menos caminhar para mim é melhor, né, se não daí vai alterar muito a pressão [...] tu tem que ser bem consciente, né, tu tem que fazer de tudo para dar tudo certo [...]. Nessa perspectiva, a enfermagem pode e deve auxiliar as gestantes a adotarem práticas que contribuam para a promoção de seu próprio bem-estar. 5) Passeio pelo bosque: No contexto hospitalar a gestante está submetida às condições do ambiente (espaço físico, temperatura e ruídos), que podem influenciar seu bem-estar. Constata-se que os –69– Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. quartos não possuem banheiro, o que é uma queixa evidenciada nas falas das gestantes Plátano e Angico, respectivamente: O banheiro, podia ser dentro do quarto, né. Tem que atravessar e ir lá na frente. Podia ser dentro do quarto. É essencial um banheiro [...] se torna muito longe pra gente ir. Os quartos não possuem arejamento adequado, não permitindo, portanto, que as gestantes se sintam bem. A necessidade de ventiladores está evidente na maioria das falas. Angico revela essa condição: Eu acho que deveria ter um ventilador, porque as noites são horríveis aqui. O hospital não dispõe de ventiladores para todos os quartos, entretanto a enfermagem pode contribuir nesse sentido, orientado as gestantes para que o tragam de casa. Observou-se que apenas algumas gestantes recebem essa orientação, o que é evidenciado por Ipê: Trazer de casa, ninguém me falou nada. As falas de Ipê e Plátano revelam a questão da ventilação inadequada: Precisava de uma ventilação melhor, né, [...] pra se senti melhor. (Ipë) Mais arejado, né, é pequeno, abafado. (Platano). Nightingale18,19, a primeira teorista de enfermagem, já afirmava que se deve “conservar o ar que ele respira tão puro quanto o ar exterior”, pois, dessa forma, o paciente terá melhores condições para sua recuperação. Um ambiente calmo e silencioso é importante para essas gestantes, pois, quanto menor a estimulação, menor o risco de alteração da pressão arterial. Burroughs19,329 assinala que quando uma gestante com DHEG é hospitalizada, o cuidado ideal é repouso em um quarto silencioso. O objetivo da assistência é a manutenção do funcionamento dos sistemas orgânicos da mulher, proporcionando-lhe um ambiente tão calmo e sem estímulos quanto possível. Esse plano reduz a irritabilidade neuromuscular e o risco de convulsão. A fala de Carnaúba reflete essa necessidade. “[...] eu gosto de ficar em silêncio, bem quietinha, parece que ajuda a passá, mas na verdade ele não ajuda, continua com a dor de cabeça, né.” A enfermagem deve proporcionar um ambiente o mais adequado e agradável possível; assim, em caso de longo período de internação, pode sugerir à paciente que traga objetos do seu lar, como roupa de cama, um abajur, uma foto da família ou algum objeto de interesse. As gestantes do estudo sugeriram algumas alternativas para tornar o ambiente mais alegre, melhorando seu aspecto: [...] quadro ficaria legal, como eu vi uns no corredor ali de bebê, né, tá amamentando. Acho que quadro ficaria legal, um tipo de quadro assim. (Carnaúba). é uma cor mais alegre, mais pra cima, ajudaria muito [...] mudaria o visual. (Angico). No sentido da organização do ambiente do quarto, Noronha20,74, faz uma relação muito interessante: O quarto hospitalar se transforma, para essas pessoas, em um útero, as medidas médicas, que são sempre cercadas de atenção muito especial, são relacionadas a um seio farto e carinhoso e a parafernália médica usada nestes casos, –70– tais como o soro, o equipo transfusional e os cuidados medicamentosos, uma verdadeira placenta que através de seu cordão umbilical (equipo transfusional) transmite, para o feto, todo a sua necessidade (medicamentos) de segurança. Então, por que não dar ao quarto características inerentes ao útero materno, proporcionando um ambiente silencioso, penumbro, aquecido? Talvez isso seria o mínimo que a enfermagem poderia oferecer para tornar o atendimento humanizado. 6) O cantarolar dos pássaros: A categoria o cantarolar dos pássaros aborda questões relativas ao lazer e ao entretenimento das gestantes durante o período de internação hospitalar. A gestante internada precisa realizar atividades agradáveis, que a auxiliem a tolerar o tempo de internação. Angico relata: Não, não tinha o que fazer. Eu escrevia, fiz um monte de coisa. Conforme Nightingale18,71“[...] todo homem e toda mulher exercem alguma atividade manual [...] Ninguém pode imaginar o alívio que o trabalho manual oferece e como a falta de atividade manual aumenta a irritabilidade peculiar da qual muitos pacientes sofrem.” Apenas um dos quartos destinados à internação das gestantes possui televisão, considerada pelas pacientes como a única fonte de entretenimento, como refere Imbuia: Assisto, só. Porém, essa atividade torna-se cansativa com o passar dos dias. Carnaúba, em seu relato, confirma: Só a TV tu acaba enjoando, né. Por sua vez, as gestantes internadas no quarto que não dispõe de TV sugeriram que um aparelho seria importante. Conforme Angico, seria muito interessante. Daí pelo menos passa o tempo, né. Outro aspecto relevante apontado pelas gestantes do estudo como fonte de distração seria a disponibilidade de material para leitura. Carnaúba apresenta essa necessidade: Mas ler,sabe, ajudaria bastante, a revista passa o tempo, né. A equipe de enfermagem pode contribuir oferecendo as gestantes revistas, jornais, pois no local do estudo, essas fontes de leitura não estão disponíveis. A presença de familiar também é importante no auxílio à tolerância ao tempo de internação. Quando questionada sobre o que faz para passar o tempo, Cedro diz: Só fico deitada, né. Tem sempre alguém junto comigo, né, sempre tá, sempre temo conversando e coisa, daí que passa as hora, senão [...]. Angico reforça essa idéia: E aqui, hoje de manhã era nove, dez, eu achei que era meio -dia e pouco, passado já. A gente se perde. O tempo demora a passar para as pessoas hospitalizadas. A garantia de ocupação e divertimento é um desafio constante para a equipe envolvida no cuidado e para elas mesmas. É útil que as mulheres compartilhem um quarto, pois desse modo há a ajuda mútua e muitas amizades se desenvolvem21. A equipe de enfermagem precisa estar sensível às necessidades de lazer das pacientes, pois o lazer tem fundamental importância no auxílio à recuperação das pacientes. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. Antunes LJ e cols. Reflexão Sobre o Cuidado de Enfermagem na Visão da Gestante Hipertensa. no mundo de cada mulher e ouvir seus relatos, entende-se que o cuidar vai além da execução de técnicas e procedimentos. O que a gestante mais manifesta é a necessidade de ser vista como pessoa, na sua totalidade, que sua identidade e seu contexto familiar sejam valorizados e façam parte do cuidado. Constata-se que a construção de uma proposta de cuidado humanizado a essas gestantes pode se efetivar com condutas muito simples a serem adotadas pela equipe. Essas se iniciam por respeitar o leito da paciente como seu espaço e permitir que ela coloque seus objetos pessoais, tornando o ambiente o mais próximo possível de sua casa, proporcionando-lhe identidade familiar, já que o tempo de permanência no hospital muitas vezes é prolongado. Envolvem respeitar o corpo da paciente, pedindo licença para tocá-lo, saber ouvir a paciente para conhecê-la como pessoa. O ato simples de ouvir, no entender de Silva16,36, tem uma conotação ímpar: “Ouvir cria um silêncio sagrado. Talvez seja o mais poderoso instrumento de cura, porque, quando escutamos generosamente as pessoas, elas podem ouvir a verdade sobre si mesmas, ainda que pela primeira vez. No silêncio de ouvir, você pode conhecer a verdade de toda pessoa”. Para cuidar é preciso conhecer a história de vida da pessoa que está sob os cuidados. Outra maneira de humanizar a assistência é disponibilizar momentos de lazer através de materiais, tais como jogos, artigos para trabalhos manuais e fontes de leitura com linguagem acessível. Estas últimas, além de serem utilizadas como distração, podem suprir a carência de conhecimentos das gestantes a respeito de sua patologia e dos cuidados necessários consigo mesma e com o bebê . Destaca-se ainda a importância de a enfermagem entender o que está acontecendo com essa gestante, pois a qualidade do cuidado prestado depende do conhecimento que a equipe possui sobre o mesmo. Dessa forma, faz-se necessária a educação continuada com a equipe de enfermagem, como uma estratégia de capacitação para prestar o cuidado humanizado à gestante. Para isso, tornase fundamental a participação de uma equipe multidisciplinar, que pode incluir os profissionais enfermeiro, fisioterapeuta, médico, nutricionista e psicóloga, a fim de melhor contemplar as necessidades das gestantes. Acredita-se que, compreendendo a gestante hipertensa a partir de seu contexto familiar, considerando seus significados em relação à gravidez, estarão sendo encontradas novas formas de cuidar. Enfim, este estudo pode contribuir despertando um olhar inovador e diferenciado na implementação de novas maneiras de cuidar das gestantes hipertensas internadas. Summary REFLECTION ON THE NURSING CARE IN THE POIT OF VIEW OF THE PREGNANT WOMEN WHO SUFFER FROM HIGH BLOOD PRESSURE The aim of this study was to understand the Nursing Care given to pregnant women who presented High Blood Pressure. This study was qualitative exploratory descriptive. It was held in a Maternity of a General Hospital in a town in the State Rio Grande do Sul, Brazil, from December 2002 to March 2003. Eight pregnant women who were hospitalized took part in this experiment. The data were collected through semi-structured interviews. The thematic analysis was used to examine the results and six categories emerged: the trees recovery, trying fruit, searching for shelter in the nest, protecting from danger, walking in the woods and the bird singing. The given care contemplates the biological needs, putting humanization in the second level. Keywords: Pregnancy, High Blood Pressure, Nursing Care. REFERÊNCIAS Obs.: 21 referências à disposição dos leitores. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 65-71. –71– Relato de Caso Síndrome de Eagle Roque Miguel Rhoden1, Paulo Fogaça2, Douglas Voss1, Diego Pons1, Vinícios Rhoden1, Fernando Rhoden1. Centro Integrado de Cirurgia Orto-facial(CICOF)1, Serviço de Cirurgia de Cabeça e Pescoço2, Hospital São Vicente de Paulo, Passo Fundo(RS). Resumo A síndrome de Eagle é determinada pelo alongamento do processo estilóide, com conseqüente ossificação do ligamento estilo-hióideo. De etiologia incerta, causa grande dor e desconforto ao paciente na região, podendo freqüentemente ser a causa de dores cervicais e craniofaciais. O diagnóstico é difícil, pois pode ser confundido com uma série de outras neuralgias faciais e/ou orais, dentais, bem como desordens da articulação temporomandibular. Este trabalho ressalta aspectos clínicos (sinais e sintomas), Raios-X pré e pósoperatório, bem como a forma de tratamento proposto para o caso e a técnica cirúrgica extra-oral no lado direito. Unitermos: Síndrome de eagle, ligamento estilo-hióideo, processo estilóide. A síndrome de Eagle manifesta-se como um complexo de sintomas, causados por compressão do processo estilóide alongado e/ou calcificação do ligamento estilo-hióideo, sobre vasos sanguíneos ou nervos adjacentes1,2. É uma ocorrência frequente, sem prevalência de idade, mais comum em mulheres depois dos 30 anos de idade. O desvio lateral parece ser tanto ou mais importante do que o comprimento do processo estilóide. Os sintomas mais comuns são dor faríngea, dor ao girar a cabeça e sensação de corpo estranho na faringe1,2,3. De etiologia discutível e incerta, fatores como máoclusão, tonsilectomias e traumas são considerados agentes desencadeantes5. A sintomatologia não é clara e específica para a síndrome, porém dependente de exame clínico completo e de achados radiográficos (figuras 1 e 2): RX panorâmico, PA e lateral oblíqua de mandíbula e exames tomográficos, apresentando imagens definidas. O ligamento estilo-hióideo é um tecido conjuntivo que está ligado a extremidade do processo estilóide até o osso hióide. A mineralização possui duas classificações: pelo processo (alongado, pseudoarticular e segmentado) e pela qualidade de mineralização (homogêneo, externo, nodular e parcial)1,3,6. Figura 1. Rx de diagnóstico. Figura 2. Rx de diagnóstico. –72– REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 72-74. Rhoden R M e cols. Síndrome de Eagle - Relato de Caso Cirúrgico. RELATO DE CASO do ápice da apófise mastóidea (figura 3), a partir da metade anterior da inserção do músculo esternocleidomastóideo, abaixo do ramo mandibular; a aponeurose cervical superior identificada e aberta, o músculo esternocleidomastóideo retraído posteriormente, o músculo digástrico inferiormente e o ramo ascendente da mandíbula identificado anteriormente; a apófise estilóide identificada (figura 4 e 5) e, após o deslocamento subperiostal da musculatura e dos ligamentos inseridos, removida(figuras 6 e 7), com cuidados especiais à artéria carótica e ao nervo facial. Fechando posteriormente a incisão (figura 8), respeitando o planos musculares. Após 15 dias da remoção cirúrgica (figura 9), a paciente apresentava-se bem e sem quaisquer sintomatologia dolorosa. Paciente feminina, 54 anos, leucoderma, apresenta dor na face há 9 anos no lado direito, disfunção muscular da ATM direita, dormência na língua, gânglios palpáveis submandibulares à direita, com 8 a 10 mm de diâmetro, dor na região cervical direita e do ligamento estilo-hióideo; apresenta o ligamento direito totalmente calcificado. Já teve vômitos, febre e mal-estar geral. Apresenta dentadura total (superior e inferior). Como tratamento não cirúrgico, foram refeitas novas próteses com restabelecimento da dimensão vertical oral, fisioterapia, uso de anti-inflamatórios e analgésicos potentes, inclusive tegretol e compressas quentes no local. Os sintomas mais comuns eram cancerofobia (nove anos de tratamento sem melhora com multi-profissionais); quadro de depressão; edema intermitente na região angular da mandíbula; dor temporal, occipital, periauricular, cérvico-lateral, região submandibular, sempre do lado direito e várias vezes apresentou algias na região malar e infra-orbitária; inúmeras vezes sentiu compressão e latejamento na hemi-face direita, região parotídia e cervical; paciente com roncos noturnos freqüentes (obesa severamente), pescoço curto e grosso; cefaléias periódicas; apresentava dor durante a deglutição, dor ao abrir e fechar a boca; raros momentos de vertigens; quatro a seis crises anuais de disfunção de ATM (neuro-muscular); às vezes, tonturas e nos últimos três meses, náuseas e vômitos ao se alimentar, queixando-se várias vezes de dor de garganta; fisgadas em forma de choque cervical, quando em movimento da cabeça (que confundia com nevralgia do trigêmio) e, às vezes, no interior da cavidade oral do lado direito; queimação no lado direito da língua e, muitas vezes, dormência na região cervical e do ombro direito. Esta paciente, neste período, fez avaliação e tratamento na área da neurologia, oftalmologia, otorrinolaringologia, cirurgia de cabeça e pescoço e ortopedia. O tratamento proposto após o diagnóstico foi a excisão do alongamento do processo estilóide do lado direito, através da técnica cirúrgica com abordagem extra-oral, o lado esquerdo, mesmo calcificado, não apresentava os sinais e os sintomas. A cirurgia foi realizada sob anestesia geral, a paciente colocada em decúbito dorsal horizontal e a cabeça rodada para o lado oposto. Uma incisão na pele e dissecção até o ligamento foi realizada pelo cirurgião de cabeça e pescoço pelo cirurgião buco-facial com extensão de 50mm, oblíqua de trás para frente e de cima para baixo, logo abaixo O tratamento preponderante, quando a terapia conservadora não for eficiente, é a remoção do ligamento estilóide calcificado. Dentro dos tratamentos conservadores, os autores sugerem tratamentos alternativos. Shenoi5 (1972), usou uma a duas infiltrações, ao nível da inserção do ligamento estilo-hióideo no osso hióide(metilpredinisolona 40 mg.) Rizzatti-Barbosa4 (1999), em um caso de associação de disfunção temporomandibular, realizou confecção de novas próteses, o uso de esplinte oclusal, fisioterapia com estimulação elétrica, massagem e exercícios de relaxamento muscular promoveram total resolução da dor. Dentre os tratamentos cirúrgicos, a abordagem intraoral, segundo Glogoff3 (1981), é mais simples, menor tempo cirúrgico, ausência cicatricial e risco infeccioso similar a uma tonsilectomia de rotina. Em contrapartida, segundo Strauss7 (1983), na abordagem cirúrgica extra-oral, obtém-se visualização anatômica adequada do processo estilóide e estruturas adjacentes e há um menor risco de contaminação bacteriana pelas técnicas de descontaminação cirúrgicas pré-operatórias, além de reconhecerem que a via intra-oral permite uma visualização pobre, maior risco de infecção cervical e trauma da artéria carótida externa e do nervo facial. Pela sua sintomatologia complexa, a síndrome exige uma cuidadosa interação entre médicos e cirurgiõesdentistas. É possível que a evolução do conhecimento permita, no futuro, descaracterizar a síndrome de Eagle como entidade distinta. Figura 3. Incisão cirúrgica. Figura 5. Ligamento estilóide. Figura 4. Processo estilóide. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 72-74. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES Figura 6. Remoção do ligamento estilo-hióideo calcificado. –73– Rhoden R M e cols. Síndrome de Eagle - Relato de Caso Cirúrgico. Figura 7. Ligamento calcificado. Figura 8. Figura 9. Rx pós cirurgia, retirado o ligamento, observa-se apenas 2 mm do processo estilóide junto a mastóide. Summary EAGLE´S SYNDROME - Case Report Eagle’s syndrome is determined by the prolongation of the Styloid process with consequent ossification of the Stylohyoid ligament. This disease is of uncertain etiology, and cause a severe pain and discomfort, being frequently cause of cervical and craniofacial pain. Its diagnosis is difficult, therefore can be confused with a series of other facial and/or oral or dental neuralgies, as well as temporomandibular joint disorders. This paper stands out the clinical findings (signs and symptoms), pre and postoperative X-Ray examinations and, as well as the form of treatment considered for the case and the extraoral surgical technique in the Patient’s right side. Keywords: Eagle’s Syndrome, Styloid process, Stylohyid Ligament. REFERÊNCIAS 1. Eagle WW. Elongment styloid process: report of 2 cases. Arch Otolaryngol 1937;25:84. 2. Faber PA, Bertolini PZ, Oliveira Jr PA de, Kalluf GH, Elneser NE. Síndrome de Eagle. Relato de caso cirúrgico em mulher adulta. Ver Bras Cir Periodontia 2003; 1(3):231-3. 3. Glogoff Mr, Gavan SM, Cheiefetz J. Diagnosis and treatment of Eagle syndrome. J Oral Surg 1981;39:941-4. 4. Rizzatti-Barbosa, C.M. et al. Eagle‘s syndrome associated with temporomandibular disorder: a clinical report. J. Prosth Dent 1999; 81(6):649-51. –74– 5. Shenoi, PM. Stylohyoid syndrome. J laryngol Otol 1972; 86;1203-11. 6. Shafer WG, Hine MK, Levy BM. Tratado de patologia bucal: Doenças dos nervos e músculos. Dor facial atípica. 4. ed. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro, 1983. 7. Strauss M, Zohar Laurian N. Elongated Styloid process intraoral versus external approach for styloid surgery. Laryngoscope 1985;95:976-9. 8. Tombini SB. Síndrome de Eagle. Bauru, 1999. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, 1999. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 72-74. Relato de Caso Transtorno Conversivo em Criança Edson R. Dalberto, Luciane Miozzo, Aline J. Romagna, Cláudio J. Wagner. Faculdade de Medicina, Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo Transtorno conversivo é um tipo de distúrbio somatoforme definido quando os sintomas envolvem queixas neurológicas e não são explicados por outra condição médica. Iniciam na adolescência ou em adultos jovens e apresentação mais comum é constituída por pseudo-crises convulsivas. Condições psicológicas estão envolvidas com a origem e severidade. Relatamos o caso de uma criança de 9 anos que apresentou-se com sintomas de pseudoconvulsões e na qual o distúrbio adquiriu caráter crônico. Unitermos: Transtorno conversivo, somatização, pseudo-convulsões. Distúrbios somatoformes apresentam-se com sintomas físicos para os quais não há uma explicação médica apropriada, causando sofrimento emocional e prejuízo social ao paciente. Há íntima relação com estressores de ordem emocional, os quais são determinantes para o início, severidade e duração dos sintomas1. O transtorno conversivo é um tipo de transtorno somatoforme definido quando os sintomas somáticos envolvem queixas neurológicas1,2,6,10, destacando-se, nesse aspecto, as pseudo-convulsões e os déficits sensório – motores. O termo conversão foi primeiramente aplicado por Freud10 e significa a expressão das emoções reprimidas através de sintomas somáticos. A prevalência de conversão está estimada em 40 casos para cada 100.000 habitantes10. submetida a avaliações com equipe multidisciplinar que incluiu pediatra, neurologista, psiquiatra e psicóloga. Em duas ocasiões foi internada buscando-se uma melhor observação dos eventos. Vários tratamentos medicamentosos foram iniciados (ácido valpróico, carbamazepina, clonazepam, paroxetina, oxcarbamazepina, imipramina) sem melhora da sintomatologia. Por exclusão, estabeleceu-se diagnóstico de transtorno conversivo na forma de pseudocrises convulsivas. Foi iniciada psicoterapia individual e familiar (paciente já estava com 10 anos) e após alguns meses os eventos tornaram-se mais raros. Atualmente a paciente está com 12 anos, em uso de oxcarbamazepina e está há mais de 6 meses assintomática. COMENTÁRIOS E CONCLUSÕES RELATO DE CASO Menina de 9 anos apresentou-se com história de movimentos estereotipados de musculatura voluntária e síncopes de ocorrência diária (alguns dias com vários episódios) e duração de poucos minutos. Durante os eventos não se observava liberação esfincteriana, mordedura de língua ou ferimentos. Não havia amnésia para o evento. Os episódios ocorriam sempre na presença de observadores (na escola, na presença de familiares). O exame físico não demonstrava anormalidades. A criança era previamente hígida. Na história psicossocial destacamos mãe depressiva e pai etilista e sem laços afetivos com a criança. Exames laboratoriais de rotina (hematológicos e bioquímicos), eletroencefalograma e tomografia computadorizada de encéfalo eram normais. A paciente foi REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 75-76. Transtorno conversivo consiste de sintomas motores ou sensoriais involuntários e déficits que não podem ser explicados por uma condição médica geral4,6,10 e requer que condições psicológicas estejam associados com o início ou exacerbação dos sintomas1,6. Sugere-se que etiologia esteja ligada à repressão de conflitos intrapsíquicos inconscientes1. Abuso sexual 5,7 , distúrbios alimentares, depressão, ansiedade e transtornos de personalidade estão descritos na literatura associados aos sintomas conversivos5. Estudo realizado na Turquia, envolvendo adolescentes demonstrou que os pacientes separados de seus pais por longos períodos, problemas de comunicação e expressão das emoções na família, ansiedade, presença de conversão no meio em que vive e mãe apresentando distúrbio conversivo ou outras desordens psiquiátricas são significativamente associados com essa –75– Dalberto E R e cols. Transtorno Conversivo em Criança. patologia8. Distúrbios conversivos são mais comuns em mulheres1,6,10 e podem iniciar-se em qualquer idade1. No entanto, verifica-se que a época de início é mais comum na adolescência e adultos jovens1,11. No estudo de Kotagal et al8 o mais jovem paciente com diagnóstico de transtorno conversivo foi um menino de 5 anos. O mesmo autor verificou que, inversamente ao relatado pela maioria dos autores, na idade escolar houve maior número de meninos com diagnóstico de pseudo-convulsões (14 meninos e 8 meninas). O inverso ocorreu entre adolescentes, com predomínio de meninas (26 meninas e 14 meninos). Em outro estudo, a média de idade no início dos sintomas conversivos foi 11 anos, com apenas 2 crianças menores que 9 anos e nenhuma com menos de 8 anos6. Vários estudos referem que a forma mais comum de apresentação do transtorno conversivo é através de pseudoconvulsões (ou PNEs – eventos paroxísticos não epilépticos)6,8 e estas não podem ser facilmente diferenciadas apenas com a observação clínica de um evento convulsivo verdadeiro1. Alguns eventos que costumam ocorrer durante uma convulsão como morder a língua, incontinência urinária e ferimentos após quedas não costumam estar presentes nas pseudo-convulsões e são úteis para o diagnóstico diferencial1. Pseudo-crises ocorrem em todas as faixas etárias e aproximadamente 20% dos pacientes atendidos em centros de referência para tratamento de epilepsia foram classificados como tendo convulsões nãoepilépticas9. Outras formas de apresentação desse distúrbio são cegueira, diplopia, distúrbios de marcha e paralisias11. A maioria dos pacientes tem recuperação rápida e espontânea (dias ou semanas) e até 75% dos pacientes podem não apresentar um segundo episódio1. O tratamento, em geral, é psicoterápico e psicoanalítico1. CONCLUSÕES O diagnóstico de transtorno conversivo é difícil de ser estabelecido, sendo diagnóstico de exclusão. Muitas vezes o médico precisa recorrer a exames complementares como o eletroencefalograma, estudos de imagem e vídeo-EEG caso a apresentação do distúrbio siga um padrão de pseudocrises convulsivas. Um diagnóstico duvidoso e equivocado acarreta tratamentos inadequados e infrutíferos e provoca diferentes atendimentos gerando mais ansiedade e preocupação nos familiares e levantando a possibilidade de o paciente apresentar um problema orgânico mais grave. Somam-se a isso os gastos com consultas médicas, exames e medicações. Em nossa paciente observamos que o curso da doença adquiriu um caráter crônico, com duração de mais de 1 ano, com eventos diários, inclusive alguns dias com inúmeras crises. Acreditamos que a cronicidade do distúrbio tenha ocorrido devido a persistência dos agentes estressores de ordem psicogênica. Com o desenrolar da psicoterapia verificamos que havia uma inversão de papéis no contexto familiar (a criança assumiu o lugar do pai e, inclusive, dormia na cama com a mãe) e que a paciente tinha muitos ganhos secundários com esse comportamento (recebia toda a atenção da família). Summary CONVERSION DISORDER IN CHILDREN Conversion disorder is a kind of somatoform disturbance defined when the symptoms involve neurological manifestation that don’t explain other medical conditions. They start in the youth or young adults and the most common symptom is pseudoseizures. Phychological conditions are involved with its origin and severity. The Authors report a case of a nine year old child who presented pseudoseizures that developed a chronic character. Keywords: Conversion Disorder, Somatization, Pseudoseizures. REFERÊNCIAS 1. Kaplan HI, Grebb JÁ, Sabock BJ. Ciência do Comportamento e Psiquiatria Clínica. 7ªed. Brasil: Artes Médicas, 1997. 2. Hurwitz TA. Somatization and conversion disorder. Can J Psychiatry 2004; 49 (3):172-8. 3. Guz H, Doganay Z, Ozkan A, Colak E, Tomac A, Sarisoy G. Conversion disorder and its subtypes: a need for a reclassification. Nord J Psychiatry 2003; 57 (5): 377 –81. 4. Wald J, Scamvougeras A. Cognitive behavioural and neuropsychiatric treatment of post-traumatic conversion disorder: a case study. Cogn Behav Ther 2004; 33(1): 12-20. 5. Kaufman KR, Mohebati A, Sotolongo A. Pseudoseizures and hysterical stridor. Epilepsy Behav 2004; 5(2): 269-72. –76– 6. Prahbhjot M, Pratibha S. Clinical characteristics and outcome of children and adolescents with conversion disorder. Indian pediatrics 2002; 39: 747-752. 7. Roelofs K, Keijsers GP, Hoogduin KA, Naring GW, Moene FC. Childood abuse in pacients with conversion disorder. Am J Psychiatry 2002; 159 (11): 1908-13. 8. Ercan ES, Varan A, VeznedaroGlu B. Associated features of conversion disorder in Turkish adolescents. Pediatr Int 2003; 45 (2):150-5. 9. Kotagal P, Costa M, Wyllie E, Wolgamuth B. Paroxysmal Nonepileptic Events in Children and Adolescents.Pediatrics 2002; 10. Krem MM. Motor Conversion Disorders Reviewed From a Neuropsychiatric Perspective. J Clin psychiatry 2004; (65): 783-790. 11. Behrman RE, Kliegman RM, Jenson HB. Nelson – Tratado de Pediatria. 17ª ed. Elsevier, 2005 . REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 75-76. Relato de Caso Reabilitação em Transplante Meniscal Daniela Delazeri, Gilnei Lopes Pimentel, César Antônio de Quadros Martins. Centro de Estudos Ortopédicos, Clínica de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo e Laboratório de Biomecânica da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo Este estudo foi proposto com a finalidade de revisar a literatura referente aos principais fatores que envolvem o transplante meniscal, como funções e lesões meniscais, tratamentos prévios e diretrizes que norteiam a reabilitação neste caso, avaliar a efetividade do protocolo de reabilitação neste procedimento, conforme proposto pela Universidade de Pittsburgh. Um estudo de caso é apresentado, baseando-se neste protocolo, cuja avaliação foi realizada durante a reabilitação, através da goniometria e do teste de força muscular aplicados protocolarmente no início do tratamento, no terceiro, sexto, nono e décimo-segundo mês de evolução, e pelo questionário funcional modificado de Noyes, aplicado apenas ao final de um ano. Apesar do caso ter suas particularidades, os resultados obtidos coincidem com os demais encontrados na bibliografia, com a força muscular e a amplitude de movimento normalizadas ao sexto mês pós-transplante. A análise do questionário respondido pelo paciente, apontou um escore de 75 pontos, correspondendo a um conceito “bom”, sugerindo a eficácia do protocolo proposto. Unitermos: Joelho, transplante meniscal, aloenxerto, reabilitação. Segundo Miller, Cooper e Warner1 (1995), as rupturas meniscais representam aproximadamente 50% das lesões de joelho que requerem cirurgia. Com os atuais conhecimentos disponíveis sobre as reais funções meniscais, é cada vez mais importante a preservação desta estrutura, que outrora chegou a ser considerada desprezível e sem função. Desta forma, várias modalidades terapêuticas vêm sendo estudadas com o objetivo de manter a integridade do tecido meniscal, seja por meio de tratamento conservador ou cirúrgico. Dentre as técnicas cirúrgicas, destacam-se os procedimentos via artroscópica, que proporcionam o retorno às atividades funcionais em um reduzido espaço de tempo. Sempre que possível, os cirurgiões têm lançado mão deste recurso a fim de evitar danos maiores à articulação do joelho, efetuando o reparo do menisco ou a sua retirada parcial. Nos últimos anos uma nova opção cirúrgica vem sendo estudada, que é a possibilidade do transplante meniscal. É um procedimento relativamente novo, principalmente no Brasil, com poucas cirurgias já realizadas. Em termos de reabilitação a literatura é ainda mais escassa, com apenas publicações internacionais, porém não foi encontrado nenhum estudo na bibliografia nacional consultada. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 77-81. Desta forma, buscou-se avaliar a eficácia de um protocolo de reabilitação pós-transplante meniscal, baseado em um programa proposto pelo Centro de Medicina Esportiva e Reabilitação da Universidade de Pittsburgh. O estudo procurou ainda revisar a literatura atual sobre as funções meniscais, sobre os efeitos deletérios da meniscectomia e sobre os conceitos existentes em relação ao transplante meniscal como opção cirúrgica e sua reabilitação. Conforme já comentado por Mejias et al.2 (2002) anteriormente, as conseqüências de uma meniscectomia podem ser um dano à cartilagem articular precoce e irreversível. A meniscectomia lateral acelera o processo mais do que a medial, pois no compartimento externo o menisco suporta quase toda a carga de compressão, sendo que no compartimento interno esta se divide entre o menisco e a cartilagem articular. Por todos os possíveis danos posteriores à meniscectomia, existe uma tendência atual para o manejo das lesões meniscais de forma mais conservadora, seja por meio de uma sutura meniscal, sempre que possível, por meio de meniscectomias mínimas, ou através de transplantes meniscais. Em sua obra clássica, Fu, Harner e Vince3 (1994) destacam que, em 1916, Lexer foi o primeiro a buscar um substituto para o menisco, usando gordura como tecido de –77– Delazeri D. e cols. Reabilitação em Transplante Meniscal: Relato de Caso.. interposição, sendo que em 1933 Gebhardt relatou a mesma técnica em um estudo experimental em cães. Ainda relatam que bem mais tarde, em 1983, Toyonaga et al substituíram o menisco lateral com uma rede de teflon. Em seus trabalhos experimentais, no entanto, os autores relataram dificuldades causadas pelas adesões entre o tendão poplíteo, a cápsula articular e o enxerto. Nos anos seguintes foram utilizadas próteses meniscais com silicone e fibras de carbono, porém sem sucesso. Fu, Harner e Vinci3 (1994) ressaltam que os primeiros transplantes livres de menisco foram executados em 1984, quando Milachowski et al. transplantaram meniscos mediais em 23 pacientes. A artroscopia posteriormente revelou a incorporação macroscópica do tecido transplantado. Com o passar dos anos, outros autores utilizaram enxertos meniscais e um número diferente de técnicas passou a ser utilizada com sucesso. Fritz, Irrgang e Harner 5 (1996) propõem que a reabilitação pós-operatória não está completamente desenvolvida, podendo evoluir. A maioria das publicações menciona o uso de órtese no joelho envolvido, 5-6 semanas de sustentação parcial ou não-sustentação de peso sobre a extremidade envolvida, e imediata mobilização da articulação do joelho, seja por meio de exercícios passivos ou através do uso da máquina de movimento passivo contínuo. Mejías et al. 2(2002) preconiza a imobilização do joelho com uma órtese articulada a 30º de flexão, e começando a exercitar a flexão entre 30º e 60º durante duas semanas. Até a sexta semana se permite um arco de movimento entre 30º e 90º de flexão, e nas seguintes seis semanas, entre 20º e 120º . A carga parcial de sustentação é autorizada entre a sexta e décima semana, e depois completa. Existem tendências mais agressivas que permitem a carga que o paciente tolerar desde o início, protegendo o joelho com uma órtese em extensão ou por uma tala gessada. Outros ainda autorizam a extensão completa de forma ativa e passiva sem carga de 0 a 60º ou 0 a 90º, já ao término do primeiro mês. O autor recomenda começar com treino de marcha com carga com 45 dias de pós-operatório e os exercícios de cadeia cinética fechada com flexão de até 60º do joelho, evitando as forças de cisalhamento e cargas compressivas maiores. É de grande importância o fortalecimento muscular do quadríceps, tendo em vista que esse absorve em grande parte as solicitações de apoio. Espera-se a amplitude de movimento máxima e carga completa com 6 a 12 meses de pós-operatório. Os autores preconizam que o treino de marcha sem o uso da órtese em extensão é iniciado 6 semanas após a cirurgia. Estudos em animais têm mostrado interação do menisco à cápsula em 4-6 semanas. A restauração da extensão completa imediatamente após a cirurgia é importante particularmente nos transplantes mediais, que freqüentemente envolvem a remoção e reinserção do ligamento oblíquo posterior e a porção profunda do ligamento colateral medial. Perda da amplitude de movimento após a reconstrução tem sido correlacionada com os reparos dessas estruturas. Afirmam ainda que, com o progresso na reabilitação, atividades em cadeia cinética fechada são limitadas de 0º a 60º de flexão porque a carga transmitida aos –78– meniscos aumenta bastante em angulações próximas à 90º. Os pesquisadores enfatizam treinamento de propriocepção pois os meniscos possuem mecanorreceptores e importantes funções proprioceptivas. Swanik et al.4 (1997) fundamentam que os protocolos de reabilitação deveriam incorporar atividades que busquem a melhora da condição muscular, encorajando adaptações dos aferentes periféricos, reflexos espinhais e padrões motores corticais. Quatro elementos cruciais para restabelecer o controle neuromuscular e a estabilidade funcional são: domínio proprioceptivo e cinestésico, estabilidade dinâmica, características musculares preparatórias e reativas e padrões motores funcionais, conscientes e reflexos. De acordo com Fritz, Irrgang e Harner5 (1996), estudos em animais e humanos têm mostrado boa cicatrização do enxerto, revascularização, e aparência macroscópica em 612 meses após a cirurgia. MÉTODOS E PROCEDIMENTOS O presente estudo foi desenvolvido nas dependências da Clínica de Fisioterapia da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia, caracterizando-se por ser do tipo experimental, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa da UPF. O indivíduo selecionado para o transplante meniscal e participação no estudo, satisfez os seguintes critérios: jovem (até 40 anos de idade), com cirurgia prévia de meniscectomia, estabilidade na articulação do joelho e dor. Após a seleção, o mesmo foi convidado a assinar um termo de consentimento informado, concordando em participar do estudo, bem como permitindo a divulgação dos resultados, desde que respeitada sua identidade. O estudo constou da aplicação do protocolo de reabilitação em transplante meniscal proposto pelo Centro de Medicina Esportiva e Reabilitação da Universidade de Pittsburgh, PA, Estados Unidos. Para a avaliação da eficácia do trabalho realizado foram utilizados os seguintes instrumentos: a goniometria, o teste manual de força muscular de acordo com Kendall, e questionário funcional modificado proposto por Noyes. As avaliações foram realizadas na consulta inicial, ao término do 3º, 6º, 9º e 12º mês, à exceção do questionário funcional aplicado apenas ao final do tratamento. Protocolo para reabilitação pós-transplante meniscal (segundo o Centro de Medicina Esportiva e Reabilitação da Universidade de Pittsburgh) FASE I – PROTEÇÃO MÁXIMA (0-8 semanas) Objetivos: Proteger a fixação do enxerto, controlar da inflamação, estender completamente o joelho, prevenir efeitos adversos da imobilização, controlar o quadríceps. Brace: 0-6 semanas: bloqueado em extensão para deambular, dormir. 6-8 semanas : descontínuo para dormir, liberado para treino de marcha controlado. Sustentação de peso: Como tolerado, com 2 muletas. Limite ADM: 0-90º. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 77-81. Delazeri D. e cols. Reabilitação em Transplante Meniscal: Relato de Caso.. Tratamento: fortalecer quadríceps, estimulação elétrica se necessário, bombeamento dos tornozelos (exercícios metabólicos), progredindo para resistidos com thera-band, elevação do MI (nos 4 planos), mobilizar a patela, hidroterapia (4ª semana). Critérios para avançar: bom controle do quadríceps, extensão completa, 90º flexão, sem sinais inflamatórios. FASE II – PROTEÇÃO MODERADA (8 – 12 semanas) Objetivos: Restaurar marcha normal, evitar sobrecarga sobre o enxerto (transplante), progredir no fortalecimento da extremidade, progredir na flexão (ADM). Brace: descontínuo. Sustentação de peso: total, sem auxiliares, se a marcha estiver normalizada. Limites para ADM: não. Tratamento: continuar com exercícios de elevação do MI estendido, flexibilidade, exercícios aquáticos, bicicleta estacionária, exercícios em CCF – 0-60º flexão; exercícios em CCA – 45-90º, treino de equilíbrio. Critérios para evolução: marcha normal sem acessórios, extensão completa, pelo menos 100º flexão, sem queixas patelofemorais. FASE III – PROTEÇÃO MÍNIMA (3-9 meses) Objetivos: evitar sobrecarga sobre o transplante, iniciar exercícios para isquiotibiais, progredir no fortalecimento, endurance, propriocepção, ADM. Tratamento: manter o programa de flexibilidade, manter e avançar nas atividades em CCF, bicicleta estacionária, esteira, avançar no treino de equilíbrio, natação, corridas na água. Critérios para evolução: força satisfatória, ADM, endurance, propriocepção para iniciação de progressão funcional, sem queixas patelofemorais. FASE IV – RETORNO ÀS ATIVIDADES (9 meses) Objetivos: manter a força, endurance, propriocepção, retornar gradualmente às atividades, e modificá-las (se necessário). Tratamento: fortalecimento, endurance, propriocepção, progressão funcional. Retorno às atividades : aproximadamente um ano pós-cirurgia. Como Fritz et al.5 enfatizam em seu estudo, se a força do quadríceps estiver comprometida, maior será o estresse transmitido aos meniscos. Para que seja determinado o progresso de cinesioterapia, o edema e a dor do joelho envolvido devem ser constantemente avaliados, evitando sobrecargas. RESULTADOS 1. Goniometria: como padrão de normalidade, utilizou-se o membro contralateral, que apresentou 138º de flexão e 0º de extensão. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 77-81. Extensão Flexão Avaliação 3º mês 12º 2º 66º 125º 6º mês 0º 130º 9º mês 0º 138º 12º mês 0º 138º Tabela 1. Resultados da goniometria. 2. Teste manual de força muscular: o membro contralateral apresentou graduação 5, na mensuração da extensão e da flexão da perna. Avaliação m. extensores 3 m. flexores 4 3º mês 4 5 6º mês 5 5 9º mês 12º mês 5 5 5 5 Tabela 2. Resultados do teste manual de força muscular. 3. Questionário funcional de Noyes modificado 1. Com relação à dor 16 ( ) Tenho dor ocasional aos esportes vigorosos ou ao trabalho pesado. As limitações são leves e toleráveis. Intensidade: Moderada Freqüência: Intermitente Localização: Região anterior da perna (não no joelho) Tipo: Queimação 2. Com relação ao edema (inchaço): 8 ( ) Tenho edema (inchaço) ocasional aos esforços vigorosos ou trabalho pesado. 3. Com relação à estabilidade: 20 ( ) Sinto firmeza no meu joelho, não sinto instabilidade Rigidez: Não Crepitação (barulho): Leve Bloqueio: Não 4. Nível de atividade global: 12 ( ) Atividades recreacionais leves são possíveis com raros sintomas. Sou limitado para o trabalho leve. Caminhar: 8 ( ) Problemas leves Escadas: 4 ( ) Problemas leves Correr: 2 ( ) Problemas severos. Corro apenas poucos passos. Saltando e girando: 5 ( ) Normal, sem limitações. Se tivesse que dar uma nota de 1 a 100 ao meu joelho, sendo 100 o melhor, eu daria nota 90. Como está o seu nível atual de atividade comparado com antes da sua cirurgia? e) Eu não me sinto capaz de retornar ao esporte ou trabalho, mas eu não tenho problemas nas atividades de vida diária. Por que você limitou suas atividades? b) Eu diminuí meu nível de atividades para diminuir o desgaste do meu joelho. DISCUSSÃO Tendo em vista ser este um estudo pioneiro na literatura nacional, não foram encontrados dados a serem comparados em periódicos ou livros clássicos da língua portuguesa pesquisados pelos autores. A maioria das pesquisas apresentam resultados de transplantes isolados –79– Delazeri D. e cols. Reabilitação em Transplante Meniscal: Relato de Caso.. ou associados a cirurgia de reconstrução ligamentar, com poucos dados a respeito da realização concomitante de procedimentos de realinhamento, como a osteotomia. Veltri et al.6 (1994) indicam o transplante meniscal àqueles pacientes que apresentam dor, associados a alterações condrais precoces na articulação do joelho, idade inferior a 45 anos, joelho estável; havendo uma angulação tibial (varismo ou valgismo), estes autores não recomendam a osteotomia. Já autores como Cameron e Saha7 (1997) e Verdonk et al.8 (1998) recomendam a correção mediante osteotomia proximal da tibia. O indivíduo selecionado para o transplante meniscal e participação no estudo, satisfez os seguintes critérios: jovem (até 45 anos de idade), com cirurgia prévia de meniscectomia, estabilidade na articulação do joelho, dor e presença de lesão condral. O mesmo apresentava tíbia vara, por este motivo foi submetido a uma osteotomia valgizante tibial concomitantemente ao transplante meniscal. Quanto à sustentação de peso Fritz, Irrgang e Harner5 (1996), em estudo realizado, citam um tempo de 5-6 semanas de sustentação parcial ou não-sustentação de peso sobre a extremidade envolvida; Mejías et al.2 (2002) discorrem que a carga parcial de sustentação é autorizada entre a sexta e a décima semana, e depois completa. O autor recomenda começar com treino de marcha com carga com 45 dias de pósoperatório. Em função de o paciente ter sido submetido a uma osteotomia tibial concomitantemente ao transplante meniscal, o mesmo não foi liberado para a sustentação de peso mesmo com muletas. Isso só ocorreu após a 4ª semana pós-operatória, após comprovação radiológica e liberação médica. Ao término da 4ª semana, o paciente começou a descarga parcial de peso no lado operado, com atividades realizadas no ambiente da piscina. Os primeiros movimentos do treino de marcha fora da água foram realizados com o auxílio de duas muletas e posteriormente nas barras paralelas. Aproximadamente com 40 dias iniciou-se o treino de marcha com apenas uma muleta e logo a seguir, marcha sem muletas com sustentação de peso. Ainda durante este período foram iniciadas atividades mais complexas, como o treino na rampa e nas escadas. Apesar de não ser um dos principais objetivos deste estudo, pôde-se confirmar, ao sétimo mês de pós-operatório, que a morfologia macroscópica ofereceu um aspecto normal, com a integração do menisco à cápsula, que já foi descrito por Arnoczcky, Warren e McDevitt9 (1990) , por Mikic et al.10 (1997) e por Fritz, Irrgang e Harner5 (1996). Mejías et al.2 (2002) relatam a importância de se ter a amplitude de movimento máxima e carga completa com 6 a 12 meses de pós-operatório. Neste caso, já no 3º mês o paciente apresentava flexão passiva de 125º e extensão 2º, força muscular grau 4 para extensores e grau 5 para flexores. No 6º mês, a amplitude era total e a força máxima. Nesse estudo de caso, os resultados obtidos ao final do tratamento com relação a amplitude de movimento (138º flexão e 0º de extensão) e força muscular (grau 5 para quadríceps) foram plenamente satisfatórios, acordando com o que a proposta inicial do protocolo apresentava, que segundo Fritz, Irrgang e Harner5 (1996) seria de pelo menos 100º de flexão permitindo a funcionalidade. O fato de o sujeito do estudo apresentar previamente sinais de lesões condrais e ter sido submetido ao procedimento de osteotomia, particulariza eventuais alterações –80– necessárias ao tratamento inicialmente proposto. Como já foi comentado, encontrou-se uma pequena dificuldade em se conseguir uma extensão completa logo após o transplante, fato explicado por Fritz, Irrgang e Harner5 (1996), que relatam a importância da restauração da extensão completa imediatamente após a cirurgia principalmente em transplantes mediais, que freqüentemente envolvem a remoção e reinserção do ligamento oblíquo posterior e a porção profunda do ligamento colateral medial. A perda da amplitude de movimento após a reconstrução tem sido correlacionada com os reparos dessas estruturas. Mejías et al.2 (2002) preconiza a imobilização do joelho com uma órtese articulada a 30º de flexão, e nas duas primeiras semanas a exercitar a flexão entre 30º e 60º. Até a sexta semana, 30º e 90º de flexão, e nas seguintes seis semanas, entre 20º e 120º . Apesar do paciente ter iniciado o atendimento no 13º dia de pós-operatório, ao final da 4ª semana a flexão de 90º já havia sido obtida, mesmo que de forma passiva, porém a extensão apresentava ainda um déficit de 10º, o que fez com que fossem enfatizadas as atividades de alongamento, para a cadeia posterior dos membros inferiores. No terceiro mês de evolução, os objetivos foram parcialmente atingidos, com o paciente apresentando extensão completa, 120º de flexão, sem queixas de dor relacionadas à articulação patelofemural e uma marcha sem acessórios, porém ainda claudicante. Fritz, Irrgang e Harner5 (1996) comentam que com o progresso na reabilitação, atividades em cadeia cinética fechada devem ser limitadas de 0º a 60º de flexão porque a carga transmitida aos meniscos aumenta bastante em angulações próximas à 90º. Neste estudo, no terceiro mês foram enfatizados os exercícios em cadeia cinética fechada até, no máximo, 60º de flexão, evitando o aumento das forças compressivas sobre a estrutura meniscal, especialmente sobre o corno posterior. Os mesmos autores reafirmam que o treinamento de propriocepção deve ser enfatizado, pois os meniscos possuem mecanorreceptores e importantes funções proprioceptivas; a satisfação dos pacientes após cirurgia de joelho, como por exemplo a reconstrução do ligamento cruzado anterior, tem sido correlacionado com a melhora de propriocepção. Swanik et al.4 (1997) fundamentam que os protocolos de reabilitação deveriam incorporar atividades que busquem a melhora da condição muscular, encorajando adaptações dos aferentes periféricos, reflexos espinhais e padrões motores corticais. A partir do terceiro mês a ênfase na fisioterapia foi dada no sentido de melhorar as condições musculares através da progressão no fortalecimento em cadeia cinética aberta e na reeducação sensório-motora, com o uso progressivo em grau de complexidade de materiais como giroplano, pranchas de Freeman e balancin. Durante a entrevista final, realizada 12 meses após o transplante, o paciente relatou ausência de dor no joelho operado, referindo apenas desconforto à palpação profunda na região da osteotomia. A nota final dada pelo paciente em relação ao seu joelho um ano após o transplante é o melhor indicativo que os procedimentos adotados puderam ser considerados satisfatórios. Acredita-se que o resultado final pudesse ter sido REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 77-81. Delazeri D. e cols. Reabilitação em Transplante Meniscal: Relato de Caso.. ainda mais positivo, especialmente quanto à funcionalidade e condições de desempenhar as atividades de vida diária de forma mais proveitosa se o paciente tivesse se submetido regularmente à fase final de reabilitação, conhecida como fase de retorno das atividades. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para o desenvolvimento de diretrizes que guiem a reabilitação pós operatória, fica evidente a necessidade de compreender a ciência básica das estruturas envolvidas. Devese, no entanto, individualizar os casos, baseando-se principalmente na evolução clínica para progredir no tratamento. O propósito deste estudo foi o de apresentar, de maneira abrangente, os princípios que devem nortear um procedimento de transplante meniscal, através da revisão literária sobre o tema e apresentação dos resultados obtidos em um dos únicos casos documentados no país. Deve-se compreender que, os objetivos a longo prazo para este tipo de procedimento, devem envolver mecanismos que propiciem a redução ou minimização do processo degenerativo cartilaginoso. Novas cirurgias precisam ser realizadas, outros pesquisadores devem inferir sobre o tema, para que se possa traçar diretrizes mais eficazes. Apesar do caso relatado, ser de difícil resolução, especialmente pela lesão condral prévia e necessidade da osteotomia, conclui-se que o resultado final tenha sido satisfatório. Atualmente, não existem soluções ideais para serem oferecidas ao paciente em situação semelhante. Intuitivamente, pode-se ser otimista, pois os resultados experimentais e clínicos a curto e médio prazo permitem esperanças. Estamos hoje frente ao início de uma nova alternativa terapêutica, e é difícil estabelecer conclusões com os poucos resultados conhecidos. O avanço na pesquisa de biomateriais, na tecnologia e na técnica cirúrgica, e na reabilitação ortopédica representam um futuro com mais possibilidades para casos complexos como o deste estudo. Summary REHABILITATION FOLLOWING MENISCAL TRANSPLANTATION The goal of is study was to revise the medical literature regarding to the main factors that involve a Meniscal Transplantation, as meniscal functions and lesions, previous treatments and guidelines that lead the rehabilitation in this case, and to evaluate the effectiveness of the rehabilitation protocol in this procedure, as proposed by the University of Pittsburg. A case study is presented, basing on this protocol, whose evaluation was accomplished during the rehabilitation, throught the goniometry and the muscular force test applied protocolarly in the beginning of the treatment, in the third, sixth, ninth and twelveth month of follow-up, and by the modified functional questionnaire of Noyes, just applied at the end of one year. In spite of, the case having its particularities, the obtained results coincide with results found in the medical literature, with the muscular force and the movement normalized at the sixth month post transplant. The analysis of the questionnaire, answered by the patient, aimed a score of 75 points, corresponding to a good “concept”, checking the effectiveness of the proposed protocol. Keywords: Knee, Meniscal Transplantation, Allograft, Rehabilitation. REFERÊNCIAS 1. Miller M, Cooper D, Warner J. Review of sports medicine and artroscopy. Philadelphia:W.B.Saunders Company, 1995. 2. Mejias A. et al. Trasplante meniscal com aloinjerto: estado actual. Revista de Ortopedia y Traumatologia. 2002; 46(6):551-560. Disponível em http://db.doyma.es/cgibin/wdbcgi.exe/doyma/mrevista. Acesso em 15/10/03. 3. FU FH, Harner CD, Vince KG. Knee Surgery. v.1. Baltimore: Williams & Wilkins, 1994. 4. Swanik CB. et al. Restablishing proprioception and neuromuscular control in the ACL injured athlete. Journal of Sports Rehabilitation 1997;6(2):47. 5. Fritzl JM, Irrgagan JJ, Hrneer CD. Rehabilitation following allograft meniscal transplantation: a review of the literature and case study. The Journal of Orthopaedic & Sports Physical Therapy 1996;24(2):98-106. REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 77-81. 6.Veltri DM. Current status of meniscal transplantation. Clin. Orthop 1994;303:44-45. 7. Cameron CC, SAHA S. Meniscal allograft transplantation for unicompartimental arthritis of the knee. Clin Orthop 1997;337:164-171. 8. Verdonk R. et al. Claessens: viable meniscal transplantation. Acta Orthop Belg 1998;64:70-75. 9. Arnocxky S. et al. Meniscal replacement using a cryopreserved allograft. An experimental study in the dog. Clin Orthop 1990;252:121-128. 10. Mikic ZD. et al. Transplantation of fresh-frozen menisci: an experimental study in dogs. Arthroscopy 1997;13:579-583. –81– Relato de Caso Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tardias Provocadas por Queimaduras de Terceiro Grau Emanuele Mesquita, Cristiane Vicenzi, Sílvia Lorenzini. Curso de Fisioterapia, Universidade de Passo Fundo(RS). Resumo Neste estudo observou-se o efeito da fonoforese, com a aplicação transcutânea da enzima hialuronidase em cicatrizes inestéticas tardias provocadas por queimaduras de terceiro grau. Esta enzima tem a propriedade de despolimerizar o ácido hialurônico, reduzindo a viscosidade do meio intercelular e aumentar a permeabilidade das membranas celulares e vasos sangüíneos. Empregou-se o ultra-som terapêutico da marca KLD®, modelo Avatar III, freqüência de 3MHz, intensidade de 0,8 W/cm² com emissão contínua, 1 minuto por Área de Efetiva Radiação. O agente de acoplamento na forma de gel a base de hialuronidase a uma concentração de 10.000 UTR. O total de aplicações somou dez procedimentos. Foram analisadas macroscopicamente as cicatrizes de um sujeito antes e após a aplicação do tratamento através de imagens fotográficas, medidas da largura e comprimento, paquimetria e estesiometria com monofilamentos de Semmes-Weinstein. Observou-se que a hialuronidase associada ao ultra-som melhorou o aspecto das cicatrizes inestéticas, no que se refere ao tamanho, coloração e sensibilidade das regiões afetadas. Unitermos: Cicatrizes, queimaduras, fonoforese, hialuronidase. Um distúrbio Dermato-funcional que causa preocupações a quem as possui são as cicatrizes decorrentes de queimaduras. A queimadura promove alterações locais e sistêmicas, com grandes variações do processo de reparação, as quais dependem da precocidade da intervenção terapêutica. Sendo que a abordagem fisioterapêutica, com técnicas específicas podem tratar as seqüelas locais, neste caso as cicatrizes inestéticas1. O conceito de queimadura é bastante amplo, porém a queimadura é uma lesão dos tecidos orgânicos em decorrência de traumas de origem térmica. Podendo variar desde uma pequena bolha ou flictema, até formas mais graves capazes de desencadear respostas sistêmicas1. A classificação quanto à profundidade da queimadura é observada em graus (I, II,III, IV). As queimaduras de primeiro grau restringem-se a epiderme, são superficiais e não apresentam alterações hemodinâmicas ou clínicas importantes. As de segundo grau atingem a epiderme e parte da derme, apresentam bolhas ou flictemas. As de terceiro grau são consideradas graves, pois atingem toda a epiderme, derme, podendo em muitos casos, lesar a tela subcutânea, tecido muscular e ósseo. A cicatrização é demorada e deixa –82– seqüelas, sendo necessário, muitas vezes enxertia de pele. A queimadura de quarto grau,é a queimadura elétrica, que envolve a destruição completa de todos os tecidos. O prognóstico, nesse caso, é incerto, sendo necessária uma extensa excisão cirúrgica ou, até mesmo, amputação1. As lesões decorrentes de queimaduras muitas vezes resultam em cicatrizes inestéticas como as hipertróficas e os quelóides. Estes constituem um problema estético significativo e são de tratamento problemático. Caracterizamse por uma síntese de colágeno preponderante, sendo que as fibras colágenas não se orientam como nas cicatrizes normais, ao longo das linhas da fenda, mas sim em espiral projetando-se sobre a superfície cutânea1. Pode-se diferenciar o quelóide como sendo uma cicatriz larga e firme que ultrapassa os limites da lesão e a cicatriz hipertrófica como sendo de aparência vermelha, saliente e de textura firme, permanecendo dentro dos limites da ferida original2. Geralmente pode-se confundir a cicatriz hipertrófica com a formação do quelóide, uma vez que ambas apresentam deposição excessiva de tecido conjuntivo denso em cicatriz cutânea, adquirindo um volume excessivo, assim REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 82-86. Mesquita E & cols. Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tarduas... como o similar aspecto microscópico – fibras irregulares de colágeno, feixes distribuídos ao acaso e excesso de fibroblastos. A cicatrização hipertrófica difere-se do quelóide, uma vez que este se apresenta como uma proliferação fibrosa pós-traumática ou conseqüência de reparação viciosa de queimaduras, com hiperplasia regenerativa, além de formar tumorações em área de cicatrização, normalmente não apresenta regressão. Enquanto que, na cicatriz hipertrófica o quadro tende a ser reversível. Avaliando aspectos genéticos, observa-se uma maior incidência em indivíduos da raça negra3. A fonoforese é um termo que descreve a habilidade do ultra-som em incrementar a penetração de agentes farmacologicamente ativos através da pele, tratando-se de uma alternativa de transporte de substâncias com princípios ativos através da pele1. O aquecimento provocado pelo ultra-som aumenta a energia cinética das moléculas do fármaco e da membrana celular, dilata os pontos de entrada dos folículos pilosos e glândulas sudoríparas e aumenta a circulação da área irradiada. A cavitação é uma propriedade mecânica que pode alterar o transporte de fármacos, através do estresse mecânico, elevação da temperatura ou aumento da reatividade química que ocasiona4. De acordo com Pretince5, a fonoforese é uma técnica que melhora o fornecimento de medicação específica aos tecidos. Talvez a maior vantagem da fonoforese seja fornecer medicamento por meio de uma técnica segura, indolor e não-invasiva. O transporte ativo é fruto de mecanismos térmicos e não térmicos que juntos aumentam a permeabilidade do extrato córneo. Diferente da iontoforese, a fonoforese conduz moléculas inteiras para os tecidos em vez de íons. Conseqüentemente não é propensa a causar dano ou queimadura à pele. Do mesmo modo, a profundidade potencial de penetração com a fonoforese é maior do que com a iontoforese. Goodman e Gilman6 descrevem a fonoforese como sendo uma técnica que oferece a vantagem de levar agentes farmacológicos para estruturas profundas, de uma maneira segura, indolor e minimizando a probabilidade de efeitos colaterais. Na dermatologia a fonoforese é utilizada principalmente com enzimas de difusão. As enzimas são utilizadas como agente terapêutico específico em afecções caracterizadas por hiperpolimerização ou como auxiliar terapêutico na forma liofilizada para favorecer a difusão das substâncias. Entretanto estudos apontam os efeitos deletérios da utilização de enzimas associadas ao ultra-som. O medicamento pode causar reações adversas como perda de potássio (em doses elevadas), reações alérgicas e o aparecimento de equimoses1 . Desde 1929, quando o fator de difusão foi descoberto, as propriedades da hialuronidase têm sido estudadas, Duran7. Segundo Meyer7, foi identificada como enzima mucolítica, que despolimeriza e hidroliza o ácido hialurônico, polissacarídeo essencial do tecido conjuntivo. A hialuronidase é uma enzima, geralmente extraída de testículo bovino, capaz de modificar o tecido conjuntivo mediante a hidrólise do ácido hialurônico. Sua ação diminui REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 82-86. a viscosidade do cimento intercelular e promove a difusão dos líquidos injetados ou dos exudatos e transudatos localizados, o qual facilita a absorção. É antigênica, razão pela qual pode levar ao desenvolvimento de anticorpos. O tempo transcorrido até o restabelecimento da permeabilidade original do tecido é proporcional à quantidade de enzima administrada, embora em doses clínicas, geralmente é restabelecida em 48 horas. Esta enzima está contra-indicada em indivíduos que apresentem hipersensibilidade a hialuronidase, devendo-se realizar um teste de sensibilidade prévio. Também não deve ser utilizada nas proximidades de uma área infectada, nem perto de tecidos cancerosos comprovados ou suspeitos. Como precaução, por não existirem ensaios comprovados, recomenda-se não utilizar em mulheres grávidas, a menos que o benefício para a mãe supere o risco potencial para o feto. A lactação deve ser suspensa8. Esta enzima tem a capacidade de disseminar exudatos e transudatos, facilitando sua absorção e tornar o tecido menos viscoso, por desdobrar o ácido hialurônico (componente principal da substância intersticial) produzindo N-acetilglucosamina e ácido glucurônico, substâncias mais hidrosolúveis9. Utilizou-se a hialuronidase, enzima que segundo Guirro e Guirro 1 , está presente no interstício e está encarregada de manter o equilíbrio hídrico, com a finalidade de assegurar uma absorção normal da substância fundamental amorfa através de todo o tecido conjuntivo. Despolimerizando o ácido hialurônico, essa enzima reduz a viscosidade do meio intercelular tornando-o mais permeável e promovendo a reabsorção do excesso de fluídos, mobilizando edemas e infiltrados no tecido conjuntivo. Dentre as ações da energia ultra-sônica na cicatriz inestética, encontram-se algumas que estão vinculadas aos seus efeitos fisiológicos associados à sua capacidade de veiculação de substâncias através da pele (fonoforese). Dentre outros efeitos, pode-se destacar a neovascularização com conseqüente aumento da circulação, rearranjo e aumento da extensibilidade das fibras colágenas, e melhora das propriedades mecânicas do tecido1. Cornbleet 10 observou que a infiltração de hialuronidase causava certo amolecimento e diminuição das cicatrizes inestéticas. Nikolowski 11 observou resultados favoráveis em cicatrizes inestéticas, injetando nelas hialuronidase ou corticosteróides. Recomendou ainda a irradiação posterior à ressecção, e outras medidas terapêuticas como o ultra-som. O mesmo autor observou que infiltração com a hialuronidase, na proporção de 20.000 UTR, causava certo amolecimento e diminuição, mesmo em quelóides velhos e duros. A infiltração intralesional com seringa e agulha apresentava, porém uma série de inconvenientes. Sobretudo, nos quelóides mais velhos, a droga penetrava com dificuldade no tecido denso, a injeção era dolorosa e conseguia pouca penetração. Summer1 postula que o uso do ultra-som para tratar ou “amolecer” cicatrizes é uma terapia física clássica habitual. Os trabalhos de Bierman1 sugerem somente a possibilidade de “amolecimento” do tecido cicatricial por meio do ultra–83– Mesquita E & cols. Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tarduas... som. Entretanto outros autores afirmam que este recurso pode participar da mobilização de cicatrizes aderentes. RELATO DE CASO A amostra foi extraída de uma população constituída por sujeitos portadores de cicatrizes decorrentes de queimaduras que se encontravam em tratamento ambulatorial junto ao Laboratório de Fisioterapia da Universidade de Passo Fundo(RS), durante o período de agosto a setembro de 2005. O estudo teve como critério de inclusão a apresentação de cicatrizes inestéticas tardias (mais de 2 anos de lesão), decorrentes de queimaduras de 3º grau. Como critério de exclusão: que tivesse sido submetido a enxertos, que tivessem reação alérgica à enzima. A população contou com a participação de três indivíduos. Durante o processo de seleção da amostra, somente um dos sujeitos atendeu os critérios. Este sujeito era do sexo feminino, cor branca, com 13 anos de idade, portadora de cicatrizes inestéticas provocadas por queimadura de terceiro grau, causadas por agente térmico, localizadas na região anterior do tórax e subescapular do lado esquerdo. As lesões ocorreram há 8 anos. Os quelóides apresentavam-se consistentes e, freqüentemente, o sujeito queixava-se de prurido. Não houve enxertia no local e o sujeito não apresentou hipersensibilidade a hialuronidase quando submetido ao teste prévio de sensibilidade à enzima. Este trabalho foi submetido à análise pelo Comitê de Ética da Universidade de Passo Fundo e aprovado sem restrições. O sujeito que participou da pesquisa autorizou sua participação no experimento através do termo de consentimento livre e esclarecido. O sujeito foi submetido ao teste de sensibilidade com a enzima hialuronidase em forma de gel a fim de garantir o experimento. O gel foi aplicado na região poplítea da perna esquerda, dois dias antes de iniciar o tratamento, não apresentado reação alérgica à enzima. O experimento utilizando a fonoforese teve como objetivo avaliar a resposta tecidual das cicatrizes inestéticas decorrentes de queimaduras. A aplicação da fonoforese com a enzima hialuronidase, foi iniciada após o preenchimento de ficha de avaliação elaborada para o estudo. Nas regiões com as cicatrizes inestéticas utilizou-se aparelho de Ultra-som, modelo Avatar III, marca KLD®, com freqüência 3MHz, intensidade 0,8 W/cm² e emissão contínua, em dez sessões. A aplicação do Ultra-som foi através da técnica direta, empregando o transdutor com movimentos no sentido circular e longitudinal, em toda a extensão das cicatrizes. Como agente de acoplamento, foi empregado gel com hialuronidase, 10.000 UTR (Unidades Redutoras de Turbidez). Esta concentração foi determinada por farmacêutico responsável técnico de uma farmácia de manipulação local. Foi delimitado 1 minuto por Área de Efetiva Radiação (ERA), totalizando 15 minutos de aplicação em cada sessão. Realizou-se o preenchimento da ficha de avaliação, a qual serviu para coleta de dados como identificação do sujeito, o local da cicatriz, a data da lesão, a fase em que se –84– encontrava o processo cicatricial, o tipo de cicatriz, a coloração, o tamanho e a avaliação da sensibilidade cutânea. Também, foram realizadas mensurações da largura e comprimento da cicatriz com fita métrica, espessura com paquímetro, teste de sensibilidade com estesiômetro. A técnica para mensuração da sensibilidade foi realizada pressionando o monofilamento de nylon contra a superfície da cicatriz até atingir força suficiente para curvá-lo. O contato entre o filamento e a cicatriz foi feito lentamente, e mantido durante aproximadamente dois segundos. O teste foi iniciado com o monofilamento mais fino (verde). Evitando que o local do teste fosse observado pelo sujeito, solicitou-se ao mesmo para responder “sim” quando sentisse o toque do filamento. A ausência de resposta significava a insensibilidade ao monofilamento, prosseguindo-se o teste com outro mais espesso e assim sucessivamente até a manifestação da sensibilidade. Os filamentos foram aplicados até três vezes em cada local, sendo que uma única resposta positiva foi suficiente para confirmar sensibilidade no nível indicado. As mensurações foram realizadas com fita métrica, marca Corrente, onde se obteve o comprimento, utilizando como parâmetro as extremidades das cicatrizes. Para a largura, utilizou-se como referência a região de maior extensão. Essas medidas foram realizadas antes da primeira e após o final da décima sessão. Na análise paquimétrica mediu-se a espessura da cicatriz, tendo como parâmetro o ponto central entre uma extremidade e outra da cicatriz. As mensurações foram feitas com o pinçamento dos pontos delimitados nas cicatrizes, evitando-se causar dor ao sujeito. O paquímetro utilizado foi da marca Vonder, confeccionado em plástico, com capacidade para medir até 15cm de distância. A análise dos resultados foi feita comparativamente antes da primeira aplicação do tratamento e após a décima, onde obtivemos a avaliação da sensibilidade, do tamanho e da espessura das cicatrizes. Seguem os quadros que demonstram a avaliação pré e pós-tratamento. Pré-tratamento Pós-tratamento Cicatriz 1 10,0g - monofilamento laranja 2,0g monofilamento violeta Cicatriz 2 2,0g - monofilamento violeta 0,2g monofilamento azul Cicatriz 3 10,0g - monofilamento laranja 2,0g monofilamento violeta Tabela 1. Avaliação da sensibilidade das cicatrizes testadas com estesiômetro (monofilamentos de Semmes-Weinstein) no Pré e Pós-tratamento. Quanto à avaliação da sensibilidade com estesiômetro (Tabela 1) observamos que as cicatrizes 1 e 3, no prétratamento, apresentavam perda da sensibilidade protetora e incapacidade para discriminar quente e frio. Nestas cicatrizes, houve percepção ao monofilamento de cor laranja, o qual equivale a uma pressão de 10,0g. No pós-tratamento houve percepção ao estímulo com o monofilamento de cor violeta, que equivale a uma pressão menor, ou seja, de 2,0g, esta percepção corresponde à sensibilidade fina. Já na Cicatriz 2, antes de efetuar o tratamento, a mesma apresentava percepção da sensibilidade somente REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 82-86. Mesquita E & cols. Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tarduas... com o monofilamento violeta (2,0g) e também dificuldade para discriminar a forma e temperatura. No pós-tratamento, houve aumento da percepção sensitiva, pois foi referido com o monofilamento de cor azul, o qual corresponde a 0,2g, Esta percepção corresponde à sensibilidade fina. Através da análise dos resultados da sensibilidade, evidenciamos melhora da sensibilidade cutânea nas áreas submetidas ao tratamento, uma vez que na cicatriz 1 e 3, antes do tratamento, não apresentavam sensibilidade protetora, e após a décima sessão passaram a apresentar somente uma diminuição da sensibilidade. Já na cicatriz 2, antes do tratamento, a sensibilidade protetora apresentavase diminuída, sendo que após o tratamento, passou a ter apenas uma dificuldade na discriminação de texturas (sensibilidade fina). Conforme relato do sujeito, observamos uma considerável diminuição do prurido nas cicatrizes. De acordo com Guirro e Guirro1, os quelóides apresentam alteração de sensibilidade e muitas vezes prurido e sensação de ferroadas), sendo esta diminuída após as dez sessões de tratamento. A seguir seguem os quadros comparativos das mensurações realizadas no pré e pós-tratamento. Pré-tratamento Pós-tratamento Cicatriz 1 7,5 cm 7,5 cm Cicatriz 2 9,4 cm 9,0 cm Cicatriz 3 12,5 cm 12,3 cm Tabela 2. Medida do comprimento das cicatrizes no Pré e Póstratamento. Pré-tratamento Pós-tratamento Cicatriz 1 2,1 cm 1,9 cm Cicatriz 2 1,9 cm 1,5 cm Cicatriz 3 2,6 cm 2,5 cm Tabela 3. Medida da largura das cicatrizes no Pré e Pós-tratamento. da substância fundamental e Nikolowski11 que observou resultados favoráveis em cicatrizes inestéticas, injetando nelas hialuronidase ou corticosteróides sugerindo também a terapia com Ultra-som. Entretanto, alguns estudos contradizem os efeitos do ultra-som em cicatrizes. Bierman1 sugere que o ultra-som apenas causa “amolecimento” do tecido cicatricial. Wright1 não observou melhora no aspecto das cicatrizes queloideanas, quando tratadas com ultra-som. Ainda, Chorilli et al.¹², realizaram estudo histoquímico e análise morfométrica e histopatológica de fragmentos de pele de suínos, utilizando a hialuronidase associada ao gel na proporção de 10.000 UTR, com Ultra-som no modo contínuo, de 3MHz e intensidade 0,2 W/cm² onde não constatou-se a permeação cutânea da hialuronidase. Em nossa revisão de literatura não encontramos referencial teórico-científico que relacionasse a fonoforese com hialuronidase em quelóides. Existem inúmeras dúvidas quanto à etiologia, o diagnóstico diferencial e o correto manejo dos quelóides, de acordo com Wolwacz et al.¹³, este fato deve-se a impossibilidade de reproduzir quelóides em animais, que acometem exclusivamente a raça humana. À palpação todas as cicatrizes mostraram-se menos consistentes, e segundo informações do sujeito, o prurido diminuiu consideravelmente. Neste estudo, o Ultra-som utilizado foi de freqüência 3MHz, e intensidade 0,8 W/cm², com emissão contínua, uma vez que, de acordo com Guirro e Guirro 1 e Agne 14, as freqüências maiores são preferencialmente utilizadas para o tratamento de tecidos superficiais. Na fonoforese, os efeitos do Ultra-som são somados ao princípio ativo da droga. Neste estudo a técnica foi utilizada por não causar dano ou queimadura, como foi sugerido por Pretince5 e por ser uma maneira segura, indolor e que minimiza a possibilidade de efeitos colaterais, conforme descrito por Goodman e Gilman6. Pré-tratamento Pós-tratamento CONCLUSÃO Cicatriz 1 0,6 cm 0,6 cm Cicatriz 2 0,2 cm 0,2 cm Cicatriz 3 0,4 cm 0,4 cm As cicatrizes hipertróficas e os quelóides constituem um sério problema estético e funcional e são de tratamento problemático. Apesar das várias modalidades, o tratamento nesses casos ainda é um desafio, pois os quelóides somente ocorrem na raça humana impossibilitando sua reprodução e tratamento em animais o que permitiria maior controle dos resultados. Concluímos que este procedimento mostrou-se seguro, eficiente e indolor, na terapêutica dos quelóides, pois observamos melhora na sensibilidade, diminuição do comprimento e da largura, bem como a atenuação do prurido relatado inicialmente. Porém, através da paquimetria, não foi constatada diminuição da espessura. Os resultados apresentados nos remetem à execução de novos estudos, com modificação da metodologia, como, por exemplo, aumento da dose do Ultrasom e/ou do número de sessões, caso os agentes permaneçam os mesmos. Assim, desejamos que os achados obtidos e apresentados neste estudo, não sejam únicos, mas que sirvam para novas e mais detalhadas pesquisas. Quadro 4. Paquimetria realizada no Pré e Pós-tratamento. Consideramos a espessura como processo queloideano, que segundo Guirro e Guirro1, são cicatrizes espessas e de tratamento problemático. Como não houve diminuição(provavelmente haveria necessidade de aumentar a dosagem do Ultra-som bem como o número de sessões). Os resultados após o uso do Ultra-som associado a hialuronidase demonstraram que houve redução da área das cicatrizes provocadas por queimaduras de terceiro grau. Mesmo que esta redução não tenha sido total, pode-se considerar como um fator positivo em termos estéticos. Alguns estudos também demonstraram a eficácia do uso da hialuronidase, onde destacamos Cornbleet10 que utilizou injeção local com hialuronidase em quelóides antigos e duros. Guirro e Guirro 1 demonstraram que a iontoforese com hialuronidase causava diminuição da consistência do quelóide por desagregarem os componentes REV MÉDICA HSVP 2005; 17(37): 82-86. –85– Mesquita E & cols. Ação da Fonoforese Associada à Enzima Hialuronidase no Tratamento de Cicatrizes Inestéticas Tarduas... Summary ACTION OF PHONOPHORESIS ASSOCIATE TO HYALURONIDASE IN DELAYED UNESTHETIC SCARS PROVOKED BY THIRD DEGREE BURNS. In this study, the effect of phonophoresis was observed, with transcutaneous application of the enzyme Hyaluronidase in delayed unesthetic scars provoked by third degree burns. This enzyme has the property of unpolymerize the hyaluronic acid, reducing the viscosity of the intercellular way and to increase sanguine permeability of the cellular membranes and vessels. The Therapeutical KLD® Ultrasound, model Avatar III was used, in the frequency of 3 MHz, intensity of 0,8 W/cm² in continuous emission, 1 minute for Effective Radiating Area. The coupling agent in gel form based of hyaluronidase in a concentration of 10.000 UTR. The total of applications added ten procedures. The scars of an individual had been analyzed macroscopicaly before and after the application of treatment through photographic images, measures the width and length, paquimetry and sensitometry with monofilaments of SemmesWeinstein. It was observed that hyaluronidase associated to Ultrasound improved the aspect of the unesthetic scars, as for size, color and sensitivity of the affected regions. Keywords: Scars, Burnings, Phonophoresis, Hyaluronidase. REFERÊNCIAS 1. Guirro E, Guirro R. Fisioterapia Dermato-Funcional. 3.ed. São Paulo: Manole, 2002. 2. O’Sullivan S, Schmitz T. Fisioterapia Avaliação e Tratamento. 4.ed. São Paulo: Manole, 2004. 3. Silva A. et al. Cicatrização hipertrófica no paciente queimado. Fisio&Terapia. Rio de Janeiro 2001;26:2324. 4. Mardegan MFB, Guirro RRJ. Agentes de Acoplamento de Ultra-som Terapêutico e Fonoforese. Fisioterapia Brasil. Rio de Janeiro 2005; 6(3):217-222. 5. Pretice W. Modalidades Terapêuticas para Fisioterapeutas. 2ed. 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