PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA SECRETARIA MUNICIPAL DE ADMINISTRAÇÃO PROGRAMA DE ESCOLARIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE VITÓRIA VITÓRIA, ES 2010 1. PROGRAMA DE ESCOLARIZAÇÃO E FORMAÇÃO DOS SERVIDORES MUNICIPAIS DE VITÓRIA 2. Caracterização da Situação Anterior Em 2006, considerando-se as experiências realizadas na rede municipal de Vitória com algumas tentativas de alfabetização dos servidores, como, por exemplo, o projeto Por uma PMV Alfabetizada1 (2004), inicia-se a discussão sobre a necessidade de se atender esse contingente de servidores. Tendo como referência os eixos estratégicos e valores de Governo, é constituído um grupo de trabalho responsável por discutir uma proposta de programa para escolarização que assegure a continuidade dos estudos e a formação dos servidores com baixa ou nenhuma escolaridade. Nesse contexto, a Escola de Governo de Vitória2, em articulação com diferentes secretarias, em especial com a Secretaria de Educação elabora o Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Municipais, aprovado pelo Governo. O primeiro estudo que impulsionou a implantação do Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Municipais foi um levantamento inicial dos dados apresentados pela Secretaria Municipal de Administração. Constatou-se a necessidade de elaboração/instituição de uma política pública educacional/profissional para esse público. Tabela 1 Analfabetos 302 SERVIDORES/ESCOLARIZAÇÃO Alfabetizados 2ª a 4ª 139 567 5ª a 8ª 699 Fonte: Secretaria Municipal de Administração - 2007 A tabela indica o potencial de servidores que poderiam fazer parte da pesquisa para o levantamento de dados acerca da realidade da escolarização dos servidores e, sobretudo, do desejo desse público de dar continuidade aos estudos. Desse indicativo inicial, foram entrevistados 447 servidores das diversas secretarias, por meio de um instrumento com questões referentes à identificação pessoal e profissional desse trabalhador, a dados sobre o processo de escolarização, às expectativas de continuidade aos estudos, entre outras questões articuladas com o propósito de despertar nessas pessoas o desejo do retorno à escola. 1 O projeto Por uma PMV Alfabetizada foi implementado em parceria com o Servidor Social da Indústria (SESI), aproveitando o programa de alfabetização do Governo Federal, Por um Brasil Alfabetizado. 2 A Escola de Governo de Vitória surge no município com a intenção de possibilitar aos seus profissionais e aos agentes políticos diferentes espaços e tempos de formação que favoreçam o enfrentamento de situações surgidas no cotidiano de trabalho e nas comunidades locais e dar visibilidade aos diversos saberes e fazeres presentes nas práticas de formação. 2 A Primeira Turma Em agosto/2007, quatorze servidores da Secretaria de Obras – SEMOB – manifestaram a necessidade de retornar aos estudos incompletos nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Com a aprovação do Programa, foi possível atender a essa demanda. Paralelamente, realizou-se a pesquisa de interesse entre os demais servidores, público-alvo desse Programa, no período de setembro/outubro de 2007, cujo resultado aponta o desejo de 85% dos 447 servidores entrevistados em voltar a estudar. Levantamento de Dados por meio da Pesquisa Os dados apresentados, a seguir, são resultados da pesquisa realizada em 2007 e nortearam o planejamento e execução do Programa para alcançar a meta de atendimento a partir de 2008. Quantitativo e Percentual do Nível de Interesse Ao abordar questões referentes ao interesse ou não na continuidade aos estudos, a grande maioria demonstrou o desejo de dar continuidade aos estudos, o que referendava a necessidade de implantação do Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Municipais e norteou as ações necessárias à organização das turmas iniciais, priorizando o 1º segmento ao identificar que a maioria dos alunos não havia concluído as primeiras séries do Ensino Fundamental. 3 3. Descrição da Iniciativa Ao analisar os dados da pesquisa foi possível estabelecer metas e planejar as ações necessárias para desenvolver a iniciativa tendo como objetivo inserir o servidor em um Programa que resgata os princípios da cidadania de direito por meio da Escolarização e Formação dos Servidores Municipais. Número de Servidores x Faixa Etária x Escolarização A maioria dos servidores enquadra-se em faixas etárias acima de 46 anos, concentrando-se no 1º segmento. Ainda que não inseridos numa sociedade de letrados, trata-se de uma geração que está no mercado de trabalho, com seu repertório variado de conhecimentos, técnicas, sentimentos e habilidades. Também possui a capacidade de tornar os espaços um ambiente de aprendizagem pela própria maturidade e com uma interação social a lhe permitir usufruir das inúmeras facilidades advindas do tempo atual. Com base nesses dados, consideradas as especificidades e infraestrutura necessárias à realização do Programa3, a meta foi atender até 20% desse público, a partir de 2008. Estava posta a necessidade de atender pessoas que chegaram à idade madura sem oportunidades de concluir seus estudos, que estiveram “esquecidos” pelo poder público e, portanto, excluídos do processo de escolarização. O desafio implicava buscar novas possibilidades de educação para aqueles cidadãos de direito, representados, em sua maioria, por profissionais ocupantes de cargos como Auxiliar de Serviços Gerais, Cozinheira, Marceneiro, Almoxarife, Agente de Segurança4, dentre tantos que se sentiam desvalorizados perante os demais servidores, como relata um de nossos educandos: 3 Para atendimento a todos os servidores entrevistados seriam necessários 12 turmas de 1º segmento – da alfabetização à 4ª série/ até 20 alunos-turma e 4 turmas de 2º segmento- da 5ª à 8ª série/ até 30 alunos-turma. 4 Alterada a denominação dos cargos para Agente de Suporte Operacional – Lei 6752/2006. 4 Lá no meu setor, quem sabe um pouco tem a chance de fazer serviços melhores. Eu fico jogada, fazendo limpeza e montando caixas, me sinto rejeitada, humilhada e muito mal [...]. Tenho muita vergonha de não saber ler e escrever (depoimento de aluno da turma da Escola de Governo de Vitória). Percebe-se a baixa autoestima desse servidor, carente de uma política de valorização que, muitas vezes, se faz por meio de ações simples, mas de grande alcance social como a erradicação do analfabetismo e a continuidade do processo de escolarização para os servidores municipais, assegurando um direito básico de acesso e permanência à Educação. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e aos bens culturais e sociais, comprometendo uma participação mais efetiva no mundo do trabalho, da política e da cultura. Em geral, vivem no mundo urbano e escolarizado e, sua condição de não escolarizado, representa a barreira que, invariavelmente, constitui a sociedade da exclusão, sociedade esta, em que a estas pessoas restam as ocupações não-qualificadas. Pensar solução para um problema tão antigo e tão presente entre a população brasileira, faz-se necessário a partir da imersão no mundo dessas pessoas e do atendimento de suas necessidades técnicas, estéticas, morais, políticas, afetivas, psicomotoras, dentre outras. O cerne dessa problemática consiste, então, no como desconstruir impressões oriundas do processo moderno de divisão entre trabalho manual e intelectual, que confere ao primeiro adjetivos pejorativos, tais como: trabalho inferior, humilhante, desqualificado, menor, desvalorizado. Esse modelo de sociedade hierarquizada, onde a desigualdade social, a divisão das pessoas em grupos e/ou classes – “os que sabem”, “os que não sabem”, “negros e brancos”, “pobres e ricos”, “os que pensam e os que fazem” – tem se desdobrado em diferentes práticas de desvalorização e exclusão social. Na contramão desse modelo, dessa forma de pensar a relação com as pessoas e com a sociedade, estão as práticas instituídas e instituintes que apontam em outra direção – para os processos políticos compartilhados, mais solidários e justos. Em relação aos trabalhadores municipais, não se pode negar o valor das políticas voltadas para a Valorização do Servidor que se efetiva também, dentre outras, com a implantação do Programa de Escolarização e Formação do Servidores Municipais, trazendo como foco uma valorização pessoal e profissional. Eu abandonei os estudos, porque trabalhava o dia inteiro e não conseguia estudar à noite [...] Pra mim, foram as portas que se abriram (depoimento do aluno da turma da SEMOB). Estou me sentindo muito útil, eu sempre quis e não podia estudar. Agora estou tendo esta oportunidade, estudar no horário de trabalho, isso não posso perder. Quero alcançar meu objetivo (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). A entrada precoce no mercado de trabalho e a invisibilidade desse servidor como cidadão de direito em um contexto onde não seria possível trabalhar e estudar, fazem aflorar algumas questões: como as 5 estratégias de gestão com pessoas podem contribuir com o processo de formação desses servidores? Como conciliar escolarização no horário de trabalho?Quais condições asseguram o acesso e a continuidade do processo de escolarização? Dos fatores que serviram de apoio ao processo de escolarização dos servidores/alunos no Programa de Escolarização dos Servidores destacam-se a flexibilização no tempo de aula – duas horas diárias –, a liberação do trabalho uma hora antes, o fornecimento de lanche, vale-transporte e de óculos para os alunos adultos. Servidores públicos municipais que não viam possibilidades de realizarem seus sonhos por limites do “ver” e “vir” têm, no Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Públicos Municipais, a reparação do direito historicamente negado: uma educação que lhes possibilite se posicionar como cidadãos de direitos. As estratégias do Programa não representam presentes ou merecimentos aos servidores, mas o cumprimento a um direito básico que determina ao poder público a oferta de atendimento, pois conforme a Lei de Diretrizes e Bases – Lei 9494/96: Art. 1º - a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Transcendendo o aspecto legalista, constata-se a necessidade de uma andragogia cidadã5, uma proposta metodológica que possibilite a todo ser humano adulto usufruir seus direitos constitucionais ao interagir com um mundo social. Enxergar o mundo por uma lente mais ampla e poder estar com o outro em plenitude é fazer do cotidiano contemporâneo uma condição de desenvolvimento como pessoa e não tê-lo como um obstáculo que restringe sua condição a ponto de ter que pedir ajuda para a realização de tarefas básicas como ler um jornal ou acessar uma conta bancária. Segundo MOSCOVICI (1985, p. 18), os adultos procuram aprender aquilo que possa contribuir para resolver os problemas que enfrentam no presente, aquilo que carecem para melhorar seu desempenho e enfrentar os desafios que surgem no dia a dia. Compreender essa necessidade do aprendiz nos faz estabelecer uma relação de mutualidade e respeito onde o clima colaborativo permite a mensuração conjunta das necessidades dos aprendizes, que são a fonte de aprendizagem e, do próprio Programa. Eu voltei para estudar porque eu preciso escrever e ler e fazer contas. Eu preciso aprender a passar um cheque (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). Eu voltei para aproveitar a oportunidade de continuar os estudos, tentar recomeçar de onde parei (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). Eu quero muito concluir ao menos o ensino médio. Quero e preciso aprender informática e aprender a expressar melhor quando falar com alguém (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). O Programa propicia momentos de escuta das diferentes vozes existentes na sociedade e promove interação e integração em atividades prazerosas, cujo objetivo maior é assumir atitudes, a partir da 5 “Arte e ciência de orientar adultos a aprender” ( Moscovici, 1985) 6 apropriação de conceitos que ampliem as perspectivas relacionais e promovam o alcance da melhoria da qualidade de vida do servidor desta municipalidade. A continuidade dos estudos visando à valorização do servidor é o objetivo desse Programa. As mudanças nas rotinas pessoal e profissional do servidor/aluno são inevitáveis. Atenta a essas consequências, a equipe do Programa, como estratégia para ambientação desse novo aluno promove a realização de oficinas temáticas antes do início do ano letivo. As oficinas temáticas visam acolher esses servidores, favorecendo a integração do grupo, possibilitando-lhes reflexões de temas inerentes ao cotidiano da vida. Para as turmas iniciantes em 2008, as oficinas temáticas foram realizadas em novembro e dezembro de 2007 e, para as iniciantes em 2009, o período de realização foi de 14 de outubro a 4 de dezembro de 2008, perfazendo uma carga horária de 30 horas para cada uma das oficinas. Temas desenvolvidos: relação de gênero; direito básico do consumidor/sustentabilidade; aposentadoria; Estatuto do Idoso; relações etnicorraciais; reeducando o corpo e a mente para uma vida mais saudável; aprendendo a conhecer e prevenir doenças através do uso das ervas medicinais e dos alimentos; envelhecimento saudável. Essa estratégia tem permitido a familiarização com o grupo e com o ambiente de produção de conhecimento, favorecendo o célere desenvolvimento de todos os envolvidos. Fela Moscovici (1985) indica especial atenção às atividades introdutórias de um Programa de Educação de Adultos, atentando para a necessidade de estabelecer um clima propício de abertura e confiança entre os participantes e criar ambiente de aprendizagem vivencial, possibilitando uma comunicação mais fluente no sentido de troca de experiências, levando-os a descobrirem como podem aprender com os outros, como ajudar e serem ajudados e como trabalhar com os outros em várias modalidades de tarefas em grupo. Se esse início é bem realizado, os adultos confiarão no Programa, poderão envolver-se nas atividades e delas obter benefícios. Nas discussões e elaboração do Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Municipais envolveram-se profissionais da Escola de Governo de Vitória, do Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Vitória e das secretarias municipais de Assistência Social, de Trabalho e Geração de Renda, de Serviços Urbanos, de Educação, da Saúde e da Administração. Cada um participou com relato de experiências das iniciativas com escolarização de servidor, vivenciadas anteriormente. A estratégia era provocar a escuta e refletir sobre a elaboração de um Programa que, considerando as experiências e construções anteriores, representasse, além disso, uma inovação na formação e valorização do servidor, aspirando à implantação de uma Política Pública para Educação por meio de Escolarização do Servidor Municipal com o propósito de equacionar as diferenças de escolaridade do quadro de pessoal, reduzindo desigualdades sociais. 7 Algumas dificuldades ainda estão presentes na implantação do programa de escolarização: • complementação da pesquisa/2007, para alcançar todo público-alvo do Programa; • dificuldade da liberação de alguns servidores/alunos em face da indefinição de substituição, comprometendo a sua frequência regular às aulas; • padronização do cardápio da merenda escolar que respeite necessidades e limitações do adulto que possui problemas de saúde como diabetes, pressão alta, entre outros, que exigem uma dieta adequada e alimentação mais saudável. Os obstáculos vêm sendo administrados com ações articuladas pela Escola de Governo de Vitória, junto às secretarias parceiras, em especial a Secretaria de Educação, por meio de avaliações sistematizadas pela coordenação pedagógica e corpo docente do Programa, pela mobilização das chefias imediatas para liberação e contínuo incentivo aos servidores, pelos estudos permanentes junto às coordenações de merenda escolar e vale-transporte. Em 2009 integravam o Programa, , setenta e três servidores. Atualmente, até a presente data, integram oitenta e seis servidores de diversas secretarias, distribuídos em sete turmas: • cinco turmas na Escola de Governo de Vitória - Rua Amélia da Cunha Ornela, nº 295, Bairro Bento Ferreira – Vitória/ES; • duas turmas na SEMOB/GMS – sala construída na SEMOB, no Bairro Itararé – Vitória/ES. Em 2010, houve remanejamento de uma dessas turmas para SEMOB/Regional 1 – Praça Américo Poli Monjardim, nº1, Centro – Vitória/ES A produção metodológica e curricular que sustenta o Programa de Escolarização e Formação dos Servidores Municipais é a Educação de Jovens e Adultos – EJA, cuja concepção parte do reconhecimento de que a educação de jovens e adultos não se restringe aos espaços e tempos escolares e é caracterizada por constituir-se, especialmente, por uma relação íntima com o mundo do trabalho que marca a vida dos sujeitos que a procuram. Servidores/alunos do Programa têm apresentado avanços e conquistas que superam mitos e crenças errôneas a respeito da aprendizagem madura veiculada livremente e aceita sem exame crítico. A essência do Programa constitui-se no atendimento contínuo às pessoas adultas que ainda necessitam de condições para o exercício da cidadania. Como relevância, o Programa propõe a valorização dos servidores por meio da escolarização, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida ao exercerem seus papéis sociais como consumidor, trabalhador, pai, mãe, irmão, filho, estudante, membro de uma instituição religiosa. Nessa perspectiva, esses profissionais, hoje, se apresentam como protagonistas da oportunidade de se desenvolverem, não só pela singularidade de serem capazes de alcançar autonomia na conquista do que carecem como também pela própria maturidade de capitalizar os aspectos relevantes para fazer crescer um sentimento de pertencimento a uma sociedade. 8 Os custos fixos do Programa referem-se ao pagamento de professores e à concessão de créditos no vale-transporte. Em 2008, houve um custo variável de quatro mil e novecentos reais com a aquisição de óculos para todos os alunos/servidores. O investimento no Programa significa uma relação custo/benefício viável diante do alcance social da proposta da valorização pessoal e profissional do servidor desta municipalidade. 4. Caracterização da Situação Atual Após esses anos de trabalho, percebem-se novas atitudes dessas pessoas perante a vida, assumindo novos papéis sociais, incluindo-se em ações coletivas com melhorias no relacionamento com os colegas, com os familiares, consigo mesmo e, até, na perspectiva de continuidade dos estudos, dentre os quais, em 2010, oito alunos encontram-se em estágio de conclusão do Ensino Fundamental por meio da modalidade Educação de Jovens e Adultos, conforme seus próprios relatos: Eu não gostava de falar muito, tinha medo. Depois que comecei a participar das aulas, estou falando melhor (depoimento do aluno da turma da SEMOB). Eu caminhava sem enxergar. Depois que eu alfabetizei comecei O retorno desses adultos aos estudos representa uma grande conquista para eles que, marcados por a enxergar (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). Este curso me deixou muito feliz, é uma terapia. Me sinto outra pessoa, estou livre de tudo, até das dores. Quero que continue (depoimento da aluna da turma da Escola de Governo de Vitória). O retorno desses adultos aos estudos representa uma grande conquista para eles que, marcados por inseguranças, por medo de errar ou simplesmente pelo fato de destacarem o tempo do trabalho como ordenador dos outros tempos de suas vidas, inclusive da escolarização, agora se sentem plenos e inteiros ao se dedicarem à busca de conhecimentos em suas diferentes formas. Além do desejo de dar continuidade à escolarização, eles também revelam a realização de um sonho profissional, um melhor desenvolvimento da leitura e da escrita e a conquista de respeito social. Meu desejo é aprender mais a ler e escrever pra realizar meu sonho. Ser enfermeira. Eu voltei à escola para aprender mais. Apesar da idade eu ainda quero ser uma professora de Educação Infantil se Deus quiser e Ele quer. Eu voltei à escola porque sempre tive vontade de ser alguém respeitado pelos outros, tipo as pessoas que são mais estudadas e às vezes humilham a gente em olhar e até em palavras. A formação continuada dos educadores garante a qualidade do ensino, tendo como processo de formação planejamentos/estudos coletivos semanalmente, relatórios diários, trabalho em duplas, apresentações em eventos, assessoria pedagógica, entre outros. Nos relatos dos educadores, percebese que essas ações deixam marcas diferentes da escola tradicional: Trabalhei há cinco anos com o que chamavam de EJA. Jamais achava que tinha um espaço educacional como esse que nós estamos nos propondo a fazer [...] A gente constrói o material das aulas, a forma de passar o conteúdo é diferente, os alunos não são só aqueles que estão preocupados em passar no vestibular, mas preocupados em aprender. Somos valorizados por esses alunos e eles nos ajudam, nos desafiam a buscar aulas de qualidade (Professor de Geografia – 2º segmento). 9 Além dos depoimentos dos educandos e educadores, nota-se que a família e os colegas de trabalho foram pessoas que também impulsionaram o acesso desses alunos/adultos à escola, tornando esse processo de escolarização uma ação diferenciada do ensino fundamental regular. No encontro Família/ Escola, alguns depoimentos dos familiares refletem as conquistas no contexto familiar após a volta aos estudos: Ela mudou muito. Está muito bem depois que aprendeu a ler (neta da aluna do 1º segmento). Depois da volta à escola meu marido está 100% (esposa do aluno do 1º segmento). Minha avó está servindo de exemplo para mim. Só estudei até a 6ª série, já vou fazer minha matrícula para continuar os meus estudos (neta da aluna do 2º segmento). Minha mãe já sabe olhar as palavras no dicionário (filha da aluna do 2º segmento). Vou começar citando Sócrates “Quanto mais sei, só sei que nada sei”. Minha prima não fica mais em frente à televisão. Mudou o modo de falar e agir. Está falando difícil. Esses espaços devem ser multiplicados para oportunizar a inclusão à população em geral (prima da aluna do 2º segmento). Meu pai era iletrado. Hoje já sabe ler e se esforça para escrever bem. O seu relacionamento familiar melhorou muito. Acho muito lindo meu pai estudar (filha do aluno do 1º segmento). O Programa não foi concebido para nenhuma maioria, entretanto a grande riqueza é a consideração das minorias que assegura a diversidade como política de valorização de pessoas. Atender em 2009, a 73 servidores e, em 2010, a 86 servidores no universo de 15 mil representa o compromisso desta administração em impulsionar programas de valorização pessoal e profissional dos servidores. Respeitando a história de vida do adulto, seus conhecimentos acumulados, supera-se a tradicional transmissão de conteúdos curriculares, possibilitando ao servidor/aluno construir e elaborar conceitos que o conduzam a redescobrir, conhecer e construir a sua identidade cidadã. A longo prazo, o que se espera é que as contribuições desse Programa permitam ao servidor usar socialmente sua leitura e escrita, para que possa ter, segundo SOARES (2004, p. 37) “uma outra condição social e cultural. Sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente”. A partir de julho de 2010, em parceria com profissionais da Coordenação de Promoção de Saúde do Servidor da Secretaria de Administração, propõem-se oficinas permanentes de “movimentando os servidores” e “arteterapia” com objetivo de potencializar a capacidade produtiva dessas pessoas por meio de geração de renda/empreendedorismo, a criatividade, a promoção de qualidade de vida com atividades laborais e principalmente, constituir uma trajetória de construção de conhecimento que permita estreitar as relações entre trabalho, formação e prazer de aprender. As experiências de nossos alunos/servidores têm-se constituído o foco das aprendizagens, permitido o despertar de talentos com interfaces nas mais diversas áreas de conhecimento, surgindo grupos de teatros e músicos que se apresentam em várias escolas, artesãos que aprimoram suas habilidades, valorizadas em exposições em diferentes espaços da Prefeitura Municipal de Vitória para dar visibilidade à capacidade produtiva desses servidores. 10 5. Lições Aprendidas Alguns alunos já venceram a etapa do 1º segmento com apenas um ano de retorno aos estudos. No 2º segmento, uma aluna concluiu o Ensino Fundamental já em 2009. Oito alunos do Programa já estão concluindo seus estudos em 2010, dentre eles, cinco encontram-se inscritos para o processo seletivo 2011 do PROEJA – Programa de Educação de Jovens e Adultos do Instituto Federal do Espírito Santo – IFES, com expectativa de realizarem o curso técnico Integrado em Segurança do Trabalho. Esses resultados apontam para a consistência desse Programa que, com observância ao ritmo de aprendizagem de cada um, tem possibilitado o início de uma instrução formal de qualidade, ao abrir, continuamente, espaços para uma reflexão crítica sobre as práticas sociais em suas multifacetadas linguagens. Por ser um processo complexo que envolve o educando em sua inteireza, não só em seu intelecto, toda aprendizagem é, em última análise, autoaprendizagem. Nessa ótica, educadores e alunos produzem juntos os conhecimentos de que necessitam para se sentirem inseridos na sociedade tanto no âmbito profissional quanto no pessoal. Esse Programa integra, dessa maneira, uma filosofia de ação social em que a implementação de políticas de valorização de servidores permita que eles, ao assumirem – de fato e de direito – a sua cidadania, participem, com criticidade dos processos decisórios apreendendo o significado das vozes e utilizando a sua própria voz. Esse é um dos objetivos prioritários da atual administração pública do município de Vitória. È importante compreender que esse Programa vem sendo tratado como política pública que representa o desejo, evidencia a necessidade e trata de devolver aos colegas servidores os direitos que lhes foram negados por múltiplos fatores em nossa sociedade, sendo, portanto, de grande alcance social. Além das inovações já descritas neste relatório, ressalta-se no Programa a ênfase na formação de pessoas cidadãs de direito, transcendendo a aquisição do processo de escrita e leitura, oportunidade subsidiada por diferenciais como adequação curricular de acordo com a realidade do trabalhador, flexibilidade de horário de aula, sendo uma hora dentro do próprio horário de trabalho, provimento de vale transporte, consultas oftalmológicas e concessão de óculos àqueles que possuem baixa visão, assegurando-lhes pleno direito à acessibilidade e inclusão social. Para a implementação de um Programa semelhante, sugere-se observar/diagnosticar a demanda de escolarização com o público-alvo; instituir políticas de valorização dos servidores; definir programas e projetos desenvolvidos numa proposta articulada com todos os setores da Instituição; equipe multidisciplinar, constituída, dentre outros, de coordenador pedagógico da secretaria de educação e professores com experiência na modalidade de Educação de Jovens e Adultos e permanente compromisso de estudos, avaliação, planejamento, debates, escutas entre os interlocutores do processo. 11 FONTES DE CONSULTA ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo a sociedade aprendente. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. BRASIL. Congresso Nacional. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. BRASIL. Lei Federal nº 9394. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 20 de dezembro de 1996. BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer CEB 11/2000. 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