ESTUDO
ESTUDO
O MUNICÍPIO E A RESPONSABILIDADE
PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NA
CONSTITUIÇÃO, NA LDB E NO PNE
Paulo de Sena
Consultor Legislativo da Área XV
Educação, Cultura, Desporto,
Ciência e Tecnologia
ESTUDO
JULHO/2004
Câmara dos Deputados
Praça 3 Poderes
Consultoria Legislativa
Anexo III - Térreo
Brasília - DF
ÍNDICE
I - A EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO ...........................................................................................3
1. As Obrigações dos Municípios.........................................................................................................................3
2. As obrigações da União e dos Estados. ............................................................................................................4
3.As responsabilidades do empregador ................................................................................................................5
II - A RESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NA LEI DE DIRETRIZES E BASES ...............6
III - A RESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NO PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO ..7
IV – O Município e as Alternativas de financiamento para a Educação Infantil.....................................................9
V - NOTAS DE REFERÊNCIAS .........................................................................................................................14
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2
O MUNICÍPIO E A RESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO
INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO, NA LDB E NO PNE
Paulo de Sena
I - A EDUCAÇÃO INFANTIL NA CONSTITUIÇÃO
1. As Obrigações dos Municípios.
A Constituição Federal dispõe que:
a) A Educação é direito de todos e dever do Estado e da Família, sendo
promovida com a colaboração da Sociedade (art. 205);
b) O dever do Estado com a Educação será efetivado mediante a garantia,
entre outros, de “atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade” (art. 208, IV).
Não há dúvida, pois, que o Estado é obrigado a oferecer a educação
infantil em creches e pré-escolas.
Sendo o Brasil um Estado Federal, há que se buscar na Constituição em
que medida as esferas federativas são responsáveis pela educação infantil.
O art. 211 da Carta Magna prevê:
“art. 211. .......................................................................
......................................................................................
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na
educação infantil.”
A Emenda Constitucional nº 14/96 inseriu a expressão “educação
infantil”, modificando a redação anterior que mencionava apenas a educação pré-escolar (que
manteve-se, residualmente no art. 30,VI, da Constituição).
Neste aspecto ampliou-se a responsabilidade do Município.
Não se deve perquirir qual a esfera federativa responsável, mas em que
medida cada uma delas é responsável.
3
O Município é o ente que deve ocupar-se prioritariamente da educação
infantil – ex vi do art. 211, § 2º.Proporcionar a oferta de educação infantil( e de ensino
fundamental) constitui sua função própria. Não quer isto dizer que deva fazê-lo sozinho. Os
outros entes federados têm o dever de exercer a função supletiva no que toca a esta etapa da
educação básica.
2. As obrigações da União e dos Estados.
Preceitua a Constituição Federal:
“art. 30. Compete aos Municípios:
......................................................................................
VI – manter com a cooperação técnica e financeira da União e do
Estado, programa de educação pré-escolar e ensino fundamental.”
Isto é, pelo menos no que atine à pré-escola, o Município dever receber
apoio técnico e recursos da União e do Estado.
A função supletiva da União, exercida mediante assistência técnica e
financeira (art. 211, § 1º) faz-se em matéria educacional – para todos os níveis.
Há quem chegue ao extremo de julgar o apoio da União como condição
para a oferta destes (sub) níveis de ensino pelo município. Para Wolgran Junqueira Ferreira 1:
“Desde que a União e os Estados prestem realmente cooperação técnica e
financeira, devem os Municípios manter programas de educação pré-escolar e ensino
fundamental. Caso contrário, não, pois suas rendas não são suficientes para tanto.”
Cretella Junior2 (Comentários à Constituição de 1988, vol. IV. 1991.
Forense Universitária, p. 2003) observa:
“A educação pré-escolar e a de ensino fundamental interessam ao Município,
ao Estado e à União. Por isso, a Constituição de 5 de outubro de 1998, determinou
que as três esferas deverão, em conjunto, manter programas de educação, nesses
dois graus, mediante cooperação técnica e financeira.”
Observe-se ainda que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios devem organizar seus sistemas de ensino em regime de
colaboração( art.211, caput).
1
Ferreira , Wolgran Junqueira - Comentários à Constituição de 1998. Vol. 1 Julex Livros. 1989, pp.430-431:
2
Cretella Junior, José - Comentários à Constituição de 1988, vol. IV. 1991. Forense Universitária, p.
2003
4
3.As responsabilidades do empregador
O art. 7º da Constituição Federal estatui os direitos sociais dos
trabalhadores em suas relações individuais de trabalho. Entre estes, a oferta de educação infantil a
seus dependentes.
Dispõe o art. 7º, XXV:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
XXV – assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até
seis anos de idade em creches e pré-escolas”.
Se os trabalhadores são os titulares dos direitos quem é o responsável ? O
Estado ? O empregador ? Ambos ?
Como vimos há o dever do Estado, sendo o ente federativo Município, o
responsável (art. 211, § 2º, CF), contando com a cooperação técnica e financeira da União e dos
Estados (art. 30, VI, CF).
Este dever do estado excluiria o dever do empregador ?
As opiniões se dividem.
Entendemos que não. A Carta Magna prevê que a educação
promovida e incentivada com a colaboração da sociedade”.( art.205,caput).
“ será
Os direitos sociais dos trabalhadores são exercidos face ao empregador.
Observa Gabriel Dezen Junior 3 que:
“Sabendo da preocupação que tem o trabalhador com os cuidados com seus
filhos menores durante a jornada de trabalho, instituiu a Constituição, por este inciso,
a obrigação do empregador de garantir assistência gratuita aos filhos e
dependentes do trabalhador, situados na faixa etária de até 6 anos”
Para
Alexandre de Moraes4 “os direitos sociais previstos
constitucionalmente são normas de ordem pública, com a característica de imperativas,
invioláveis, portanto, pela vontade das partes contraentes da solução trabalhista”. O autor cita
Arnaldo Sussekind, que conclui:
“essas regras cogentes formam a base do contrato de trabalho, uma linha
divisória entre a vontade do Estado, manifestada pelos poderes competentes, e a dos
contratantes. Estes podem complementar ou suplementar o mínimo de proteção legal,
mas sem violar as respectivas normas. Daí decorre o princípio da irrenunciabilidade,
3
4
Dezen Junior , Gabriel - Direito Constitucional Ed. Vestcom 1998, p. 198
Moraes, Alexandre de - Direito Constitucional, 6ª Ed. Jurídico Atlas. 1999, p. 187
5
atinente ao trabalhador, que é intenso na formação e no curso da relação de emprego e
que se não confunde com a transação, quando há res dubia ou res litigiosa no
momento ou após a cessação do contrato de trabalho.”
Portanto, ao atendimento aos dependentes é uma regra imperativa que faz
parte do contrato de trabalho.
II - A RESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NA LEI DE
DIRETRIZES E BASES
O art. 11 da LDB estabelece a obrigação dos Municípios nos seguintes
termos:
“Art.11. Os municípios incumbir-se-ão de .
V – oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas,e, com prioridade, o
ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando
estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com
recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela constituição federal à
manutenção e desenvolvimento do ensino”
A LDB , portanto, hierarquiza prioridades de atendimento pelo
Município, tendo o ensino fundamental precedência sobre a educação infantil – o que não é
feito pela Constituição.Isto suscita a discussão acerca da inconstitucionalidade do dispositivo.É
verdade que ao estabelecer que um nível de ensino é obrigatório (art.208,I) e que a este nível deve
se assegurar prioridade de distribuição de recursos financeiros( art.212,§3º), a Carta Magna
hierarquiza os níveis.Entretanto o nível prioritário é contemplado com a responsabilização direta
de duas esferas federativas,como função própria,além da função supletiva da União.Isto é, a
primazia do ensino obrigatório estaria garantida pelo fato de que, tanto o Estado como o
Município aí investirão seus esforços e recursos.Já o art.211,§2º, que fixa a atribuição municipal,
preceitua que a atuação dos Municípios é prioritária tanto no ensino fundamental como na
educação infantil.Também o art 30,VI, CF não estabelece distinção ou primazia entre os níveis
pré-escolar e fundamental.Ademais o art. 227,CF assegura a prioridade absoluta ao direito à
Educação da criança, que abrange a faixa de 0 a 6 anos.Ora, não é admissível que a lei estabeleça
hierarquia que indique que prioridade absoluta é relativa...
São gastos admitidos como de manutenção e desenvolvimento do ensino,
aqueles inscritos no rol do art.70 da LDB.No caso da educação infantil, há aqueles que, como
entendia Maria Eudes Veras, defendem não se tratar da alimentação escolar um programa
6
suplementar.Neste nível seria essencial, podendo ser considerado gasto de m.d.e.- inaplicável a
vedação constante do art.212,§4º da Constituição ( porque esta remete ao art. 208,VII, que
refere-se apenas ao ensino fundamental) e do art.71,IV da LDB.5
A educação especial é modalidade de ensino que ocorre também na
educação infantil. Assim,a LDB preceitua , que sua oferta deve iniciar-se na faixa etária de 0 a 6
anos ( art.58,§3º) . O Município deve garantir o acesso igualitário aos benefícios de programas
sociais suplementares disponíveis para este nível ( art.59,V)
Cumpre ainda ao Município, integrar as creches e pré-escolas a seu
sistema de ensino, se o houver constituído, ou ao do Estado na sua ausência ( art.89)
A União tem as funções redistributiva e supletiva( art.8º,§1º), devendo
prestar assistência técnica e financeira aos Estados,Distrito Federal e municípios (art.9º,III) para
o atendimento de seus sistemas de ensino e o atendimento prioritário à escolaridade
obrigatória.Mais uma vez, portanto uma hierarquização.
Na LDB a responsabilidade do empregador é apenas inferida, pela
previsão do salário-educação( que financia apenas o nível fundamental ) e de outras
contribuições sociais( que eventualmente poderiam financiar a educação infantil) como fontes
de recursos destinados à Educação.
III - A RESPONSABILIDADE PELA EDUCAÇÃO INFANTIL NO PLANO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO
O diagnóstico do Plano Nacional de Educação, aprovado pela Lei nº
10.172/2001 , constata os efeitos da definição de competências pela Constituição6:
“Existiam, em 1998, 78.106 pré-escolas, das quais o Nordeste detém quase
metade( 47,5%) e o Sudeste,1/4 delas.Em relação a 1987, observa-se o mesmo
fenômeno que ocorreu com as matrículas : os Estados se retraíram, e mais
acentuadamente a partir de 1994, pois em 1993 detinham 31% dos estabelecimentos
5
Já tivemos um posicionamento mais frontalmente contrário a esta interpretação , dada a
possibilidade de atrair mais recursos para a educação, provenientes de outras fontes.Não se trata
de negar o valor pedagógico da alimentação, mas apenas de diversificar as fontes.Hoje,
reconhecemos seu embasamento conceitual
e validade como uma interpretação
possível.Entretanto a questão está em aberto e merece consulta aos Tribunais de Contas.
6
Plano Nacional de Educação- diagnóstico da Educação Infantil – item 1.1
7
e, atualmente, somente 8,8%.Os Municípios passaram de 47,4% para 65,7% e a
iniciativa privada, de 22,7% para 25,4%(...)
Das 219 mil funções docentes, 129 mil são municipais;17 mil, estaduais e
72,8 mil, particulares”
O Plano reafirma a co-responsabilidade das três esferas de governo e da
7
família :
“Quanto às esferas administrativas, a União e os Estados atuarão
subsidiariamente, porém necessariamente, em apoio técnico e finaceiro aos municípios,
consoante o art. 30,VI da Constituição Federal.”
Quanto ao empregador , preceitua o item 1.3, meta nº 20:
“20. Promover debates com a sociedade civil sobre o direito dos trabalhadores à
assistência gratuita a seus filhos e dependentes em creches e pré-escolas, estabelecido no
art.7º,XXV, da constituição federal.**Encaminhar ao Congresso Nacional projeto
de lei visando à regulamentação daquele dispositivo.”8
São estabelecidas pela lei nº 10.172/01, 25 metas para a e ducação infantil
(descontadas a meta nº22, vetada pelo executivo e a meta nº 26 que manda obedecer as metas
constantes nos demais capítulos, e desdobrada em duas a meta nº20).Destas , 13 (metas nº
2,7,9,11,12,13,14,17,19,20-primeira parte,21,23,24 e 25)contém os dois asteriscos indicativos da
necessidade de colaboração da União. Duas , embora sem a indicação implicam, por seu texto, na
colaboração da União, explícita (meta nº 5)ou implicitamente.Duas dependem de iniciativa da
União (metas nº 14 e 20- segunda parte).As demais oito metas são de responsabilidade do
município, no que se refere à implantação.Evidentemente que, para que sejam alcançados os
objetivos e metas ,exceção feita àqueles de caráter regulatório, cuja competência é municipal
(metas nº3,6,15 e 16), a colaboração da União e dos Estados continua imperativa face ao
disposto no art 30,VI da Constituição Federal.
Nos termos do art.3º,§2º da Lei nº10.172/01,que aprovou o PNE, no
exercício de 2004(quarto ano de vigência do plano) deve ser realizada a primeira das avaliações
periódicas acerca de sua implementação,abendo verificar como as metas da educação infantil
estão ou não se efetuando.
7
8
Plano nacional de Educação- diretrizes pra a educação infantil – item 1.2
Não há ,até o momento ( agosto de 2002), projeto de lei sobre o tema em tramitação
8
IV – O MUNICÍPIO E AS ALTERNATIVAS DE FINANCIAMENTO
PARA A
EDUCAÇÃO INFANTIL.
Conclui-se, portanto que os Municípios são responsáveis pela educação
infantil, mas devem contar com o apoio da União, Estados e dos empregadores.
Para que se construa juridicamente um sistema coerente é preciso, além de
garantir os direitos, dotar os agentes públicos dos instrumentos necessários para cumprir seu
dever.
No que concerne à Educação, a Constituição Federal prevê a vinculação
de recursos (art. 212), à manutenção e desenvolvimento do ensino. Com a Emenda
Constitucional nº 14/96 subvinculou-se parte destes recursos ao ensino fundamental público.
Desta forma, em tese, restaria para o Município aplicar em educação
infantil:
a) 10% da receita resultante dos impostos que compõe o FUNDEF – A
Lei nº10.172/01, que aprovou o Plano Nacional de Educação, prevê( item 1.3, meta nº21):
“21. Assegurar que, em todos os Municípios , além de outros recursos
municipais os 10% dos recursos de manutenção e desenvolvimento do ensino não
vinculados ao FUNDEF sejam aplicados, prioritariamente, na educação infantil.**”
b) 10% da receita resultante dos impostos próprios que não entram no
FUNDEF (IPTU, ISS, ITBI) -Observe-se que os 15% destes recursos, embora não vinculados ao
FUNDEF, estão vinculados ao ensino fundamental( art.60,caput,ADCT)9;
c) recursos provenientes da cooperação financeira da União e do Estado Estes recursos nem sempre estão disponíveis para a totalidade dos Municípios. O próprio Plano
Nacional de Educação dispõe, no item1.3( meta nº 25):
“ Exercer a ação supletiva da União e do Estado junto aos municípios que
apresentem maiores necessidades técnicas e financeiras, nos termos
dos arts.30,VI e 211,§1º, da Constituição Federal.**”
De fato, a Resolução nº 05/04 do FNDE, prevê, a assistência financeira a
projetos educacionais, incluída a educação infantil .Conforme o tipo de assistência são utilizados
critérios regionais( Municípios do entorno do DF, capitais das regiões mais pobres ou regiões
metropolitanas das capitais), combinados com critérios sócio-econômicos, como o IDH(tomando
9 O percentual indicado para efeito esquemático. Na realidade, a vinculação é ao conjunto dos impostos, e portanto,
em tese poder-se-ia utilizar até os 25% de impostos que estão fora da cesta do Fundef, para a educação infantil, desde
que compensados pelos impostos que compõe o Fundef, de modo que ao final se chegue aos 15% para o ensino
fundamental.
9
como referência o IDH igual ou menor a 0,7, que credencia os Municípios como potenciais
beneficiários.
Ocorre ainda que a educação infantil disputa alguns dos recursos citados
com outros gastos, tais como:
- manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental, uma vez que em
muitos casos os recursos do FUNDEF apenas cobrem a folha de pagamento;
- educação de jovens e adultos;
- pagamento dos aposentados;
- despesas administrativas da Secretaria da Educação, que muitas vezes
trata de outros temas, como esporte, turismo, cultura e lazer. Embora estas atividades não
possam, legalmente, ser financiadas com os recursos da Educação (deveria haver uma
proporcionalidade), na prática é difícil a fiscalização para que isto ocorra.
Dada a heterogeneidade dos Municípios, não é possível extrair uma regra
geral. Alguns Municípios poderão suportar os custos da educação infantil com estes recursos.
Outros não.
Segundo dados do MEC, 2.703 Municípios (49%) em 1998, 3313
Municípios (60%) em 1999 e 3.408 em 2000 ( 62%) 10obtiveram acréscimo financeiro com o
FUNDEF. Para estes Municípios, é duvidoso fazer uma correlação com perdas na educação
infantil. Por um lado há o estímulo à matrícula na educação fundamental. Por outro, em tese, o
aporte de recursos adicionais liberaria aqueles mencionados nos itens a, b, e c para a educação
infantil.
O problema real ocorre nos Municípios que perdem recursos para o
FUNDEF, e mantém rede de educação infantil. Neste caso as vagas em creches e pré-escolas
passam, do ponto de vista puramente financeiro, a não ter “lastro”. Esta situação pode levar ao
fechamento de vagas na educação infantil e abertura de vagas no ensino fundamental. Estas
novas vagas no ensino obrigatório nem sempre serão preenchidas pela criança que estava fora da
escola, mas por aquelas que estudavam na escola estadual, ou que foram “reclassificadas” para o
ensino fundamental. Desta forma, do ponto de vista do sistema uma criança deixou de ter acesso
à educação infantil, mantendo-se inalterada a situação do acesso e qualidade no ensino
fundamental, sendo a mudança meramente administrativa, isto é há a municipalização desta vaga.
Em parte – mas apenas em parte – justificou-se a queda inicial de
matrículas pelo realinhamento de matrículas, isto é a extinção de classes de alfabetização, a
matrícula aos 6 anos, e a incorporação ao nível fundamental das crianças de 7 e 8 anos que
estavam na pré-escola. Ainda restou queda de matrículas cuja explicação somente poderia ser a
10
Ver Balanço do FUNDEF1998-2000 SEF/MEC,p13.O número para 2000 é estimado.
10
diminuição de vagas, sobretudo de vagas estaduais. Isto é, é preciso, perquirir até que ponto a
redução de matrículas na educação infantil foi um “efeito-Emenda 14/FUNDEF” - dada a
priorização do ensino fundamental, ou um “efeito-Emenda 14/LDB” - dada a definição de
competências, e retirada abrupta dos estados nesta etapa. Isto é, a ausência de efetividade do
regime de colaboração pode ser uma variável importante. É interessante acompanhar as
conclusões a que chegaram pesquisadores da Universidade Federal do Pará:11
“De 1996 para 1999, as matrículas no pré-escolar e nas classes de
alfabetização sofreram, respectivamente, uma queda da ordem de 19,0% e
47,8%.Apesar de o comportamento entre as diferentes redes se apresentar de forma
distinta em relação a este fato, vale evidenciar que a grande responsável por esta
redução foi a rede estadual que, no período, retraiu o seu atendimento em 64,2%, no
pré-escolar e 60% nas classes de alfabetização. Esta constatação nos conduz a duas
considerações: a nova lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº
9394/96 – ao determinar que os municípios deverão se incumbir de oferecer a
educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental...(
art.11, inciso V), contribui para que ocorra a redução das matrículas na pré-escola,
uma vez que, ao mesmo tempo determina quem( rede municipal) deverá atender à
educação infantil, desobriga esta rede de fazê-lo prioritariamente. A segunda
consideração a ser ressaltada diz respeito ao fato que, apesar da redução da oferta de
vagas, tanto do pré-escolar quanto das classes de alfabetização, a taxa de atendimento,
na faixa etária de 4 a 6 anos, aumentou de 36,9% para 46,8% no período
evidenciado, indicando que, mesmo tendo diminuído o número de vagas nas classes de
pré-escolar e alfabetização, o número de matrículas de 4 a 6 anos aumentou.(...)Neste
sentido, a LDB, ao permitir matricular todos os educandos a partir de sete anos de
idade e, facultativamente, a partir dos seis anos, no ensino fundamental(
art.87,§3º,inciso I) veio a estimular, com o reforço financeiro do Fundef, o ingresso de
crianças com seis anos no ensino fundamental”.
Houve uma redução do número de matrículas na pré-escola,12 nos anos
de 1998 e 1999( no mesmo período registrou-se um aumento do número de matrículas
municipais).A partir de 2000 as matrículas voltaram a crescer.13
É necessário registrar, que se há denúncias graves de desvios de recursos
no FUNDEF, para o qual se criou uma estrutura mínima de fiscalização, os “outros 10%” (além
dos 25% do IPTU, ITBI e ISS) não estão tendo o acompanhamento necessário.
Os Municípios têm, com razão e legitimamente reclamado. Mas ainda não
se abriu, de maneira transparente esta “caixa preta” dos 10% (e 25% dos impostos próprios).
11 Menezes, Janaína; Gemaque, Rosana e Guerreiro, Telma – “ Impactos do Fundef na composição das matrículas no
estado do Pará.”
12 Ver “Resultados do Censo Escolar,MEC,agosto/2000
13 Ver “A Educação Infantil no Brasil 1994-2001”
11
Há um aspecto importante referente à capacidade arrecadatória do
município, sobretudo no que se refere ao IPTU, que ganha mais relevo ainda com o advento da
Lei de Responsabilidade Fiscal , que tem como conseqüência a necessidade de expansão de
receitas próprias. Esta prevê que é requisito essencial da responsabilidade fiscal, a efetiva
arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente, sendo inclusive vedada a
realização de transferências voluntárias para o ente que não observar o dispositivo( art.11).
Estudo do BNDES14, realizado a partir da verificação dos PIBs municipais, indicou que 17% dos
Municípios não estariam explorando sua base tributária. Na mesma direção, estudo do IBGE
concluiu que cerca de 60% das prefeituras arrecadaram, em 1998,o IPTU de, no máximo 60% dos
imóveis e terrenos cadastrados, e que quase 15% dos Municípios não arrecadou o imposto15.Há
ainda o problema da defasagem dos cadastros. Técnicos do BNDES observam16 :
“Quando são comparados os números de ligações de água e de energia elétrica
por imóveis com o de imóveis cadastrados no IPTU, constata-se que, regra geral, há
mais domicílios com aquelas ligações do que registros nos departamentos imobiliários
das secretarias de fazenda locais”.
Sol Garson17 registra que, enquanto nos EUA, os impostos sobre a
propriedade são a principal fonte de financiamento das cidades, no Brasil, a arrecadação do IPTU,
em 1997, representava em média apenas 7,7% da receita corrente. Lembra ainda que a
arrecadação do IPTU em relação ao PIB situa-se na faixa de 0,5% .
Observe-se, finalmente, que têm crescido propostas de atrair recursos
para a educação infantil através de:
a) ampliação do alcance de salário-educação para toda a educação básica(
Cf. Proposta de Emenda Constitucional -PEC nº 232/00).Trata-se de recursos, da ordem de 4
bilhões de reais( arrecadação bruta no exercício de 2003), sendo que dez por cento deste
montante são inicialmente mantidos na esfera da União e redistribuídos aos entes subnacionais,
para custear o transporte escolar e a educação de jovens e adultos destes. Dos 90% restantes, 1/3
constitui a cota federal e 2/3 a cota estadual e municipal, criada pela Lei nº10.832,que alterou o
art. 15 da Lei do FUNDEF e o art. 2º da Lei nº 9766/98,determinando que a distribuição seja
proporcional ao número de matrículas);
14 Ver “Municípios arrecadam menos do que podem” – Gazeta Mercantil – 19/09/2000.O BNDES instituiu o
“programa de modernização da administração tributária e gestão dos setores sociais básico’ – PMAT, com o objetivo
de aprimorar a arrecadação e administração tributárias
15 Ver “ Maioria dos Municípios ignora IPTU” – Folha de S. Paulo – 18/04/2001.
16 Ver Rodrigues Afonso, José Roberto; Correia, Cristóvão Anacleto; Araujo,Erika Amorim; Ramundo, Júlio César
Maciel; David, Maurício Dias e Martins dos Santos, Roberto-“ Municípios, Arrecadação e Administração Tributária
:Quebrando Tabus “- Disponível na internet.
17 Garson, Sol – O IPTU como instrumento de política pública no contexto da lei de responsabilidade fiscal – texto
apresentado no curso “ Gestão Urbana de cidades”, da Fundação João Pinheiro, disponível na internet
12
b) criação de um Fundo único para a Educação Básica – “FUNDEB”, em
substituição ao FUNDEF( Cf. PEC nº112/99 ).Com relação à primeira proposta, já na discussão
acerca da PEC nº 175 ( tentativa de Reforma Tributária no período do governo FHC) entidades
como a União Nacional de Dirigentes Municipais de Ensino-UNDIME e o Conselho de
Secretários de Estado de Educação-CONSED chegaram a defendê-la. Ocorre que, se a proposta
faz sentido num contexto de aumento de recursos, parece-nos que mantida a mesma ordem de
grandeza, apenas prejudicará investimentos no ensino fundamental, sem resolver a questão dos
outros níveis.
Com relação do FUNDEB, é preciso aprofundar o debate. Como dado
inicial, que interessa à educação infantil é preciso constatar que:
a) A educação infantil conta com pouco menos de 5 milhões de matrículas
públicas;
b) o ensino médio tem cerca de 8 milhões de matrículas públicas e tem a
demanda em expansão.
Estudos do IPEA indicam que a matrícula potencial da educação infantil
em 2011 corresponde a 10 milhões de alunos enquanto o ensino médio atingiria o patamar de 15
milhões18.É razoável supor que nesta discussão a educação infantil pode ser prejudicada, e que
na balança federativa a União pode pender para os interesses dos Estados .
A LDB trouxe uma importante inovação: o reconhecimento da educação
infantil como primeira etapa da educação básica (art.29), obrigando inclusive a integração das
creches e pré-escolas ao sistema de ensino até 1999( art.89).A centralidade adquirida pela
dimensão da educação neste nível de ensino, não implica a eliminação dos papéis da saúde e
assistência. A integração destas áreas no atendimento à criança tem uma importante conseqüência
para o financiamento , de certa forma já apontada no Plano Nacional de Educação ( itens 1.3,
meta nº11, e 11.3.1, meta nº 17) : a combinação de fontes de recursos dessas três áreas, o que
poderia se dar com a criação de um fundo específico para este nível.Assim, pode-se pensar em
(três)fundos para cada etapa da educação básica, nos mesmos moldes do FUNDEF, com os
devidos ajustes e aperfeiçoamentos( com conta específica, conselho de acompanhamento e
controle social eleito e participativo , valor mínimo anual por aluno e complementação da
União).19
18 Castro, Jorge Abrahão de e Barreto, Ângela –Financiamento da Educação Infantil: desafios e cenários para a
implementação do Plano Nacional de Educação. Texto para Discussão nº965.IPEA,julho de 2003
19 Ver Sena, Paulo –Os nós do financiamento à educação, in Cadernos Aslegis, vol. 5, nº15.2001,p46
13
V - NOTAS DE REFERÊNCIAS
BRASIL – Constituição Federal
BRASIL – Lei nº 10.172/01 - Plano Nacional de Educação - PNE
BRASIL – Lei nº 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação nacional – LDB
CASTRO, Jorge Abrahão de e BARRETO, Ângela –Financiamento da Educação Infantil:
desafios e cenários para a implementação do Plano Nacional de Educação. Texto para Discussão
nº965.IPEA,julho de 2003
CRETELLA JUNIOR,José – Comentários à constituição de 1988,vol.IV.Forense
Universitária,p.2003
DEZEN JUNIOR,Gabriel – Direito constitucional, Ed. Vestcon,1988,p.198
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