Artigo 2│Maio 2011
ESTAMOS PERDENDO A ÂNCORA INFLACIONÁRIA?
A recente adoção de medidas macroprudenciais parece indicar que estamos sob um novo
sistema de condução da política monetária. Além de contarmos hoje com tais medidas para
controle da demanda, parece que se dá menos peso às expectativas de inflação do mercado.
No sistema “puro” de metas de inflação, as expectativas de mercado serviriam de meta
intermediária: sempre que as expectativas diferissem da meta de inflação, a autoridade
monetária deveria reagir com mudanças no instrumento principal de política monetária, a
taxa básica de juros da economia.
Com o aumento recente da inflação brasileira, e em meio a incertezas em relação ao novo
sistema de condução da política monetária, torna-se importante verificar se a inflação
brasileira está perdendo a âncora como alguns analistas de mercado parecem argumentar.
Para tanto, podemos analisar essa questão de duas maneiras: investigando se a inflação
brasileira é ancorada a choques (shock anchoring) e/ou se ela encontra-se ancorada à meta
de inflação (level anchoring).
SHOCK ANCHORING
A grande questão aqui é se os agentes acreditam que a autoridade monetária reage a
choques (de oferta). Se choques de oferta contaminam a inflação futura, pois os agentes
acreditam que o Banco Central não se opõe de forma categórica, podemos dizer que a
inflação não está ancorada a choques. Nesse contexto, se entendemos o IPCA como sendo
composto por um núcleo (que define a inflação subjacente) e um componente de choque,
deveríamos esperar que o núcleo causasse o IPCA, e não o inverso.
1
Tabela 1: Causalidade de Granger, dados mensais, 2005-2011
Hipótese Nula (2 lags):
Obs
F-Statistic
NUCL_DIFUSAO does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_DIFUSAO
75
0,12477
6,18169
88,3%
0,3%
NUCL_EX does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_EX
75
0,63571
4,14199
53,3%
2,0%
NUCL_EXPURGO does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_EXPURGO
75
0,88331
5,57346
41,8%
0,6%
NUCL_MA does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_MA
75
0,21051
2,03841
81,1%
13,8%
NUCL_MAS does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_MAS
75
0,22140
1,00176
80,2%
37,2%
NUCL_MEDIA does not Granger Cause IPCA
IPCA does not Granger Cause NUCL_MEDIA
75
0,50454
2,20198
60,6%
11,8%
Fonte:
Obs:
Prob.
Modal
NUCL_DIFUSAO = núcleo de difusão; NUCL_EX = índice de preços que exclui os grupos Alimentação e
Energia; NUCL_MA = núcleo por médias aparadas; NUCL_MAS = núcleo por médias aparadas suavizadas;
NUCL_MEDIA = média dos núcleos (não incluindo o NUCL_EX).
Pela Tabela 1, percebe-se que, diferentemente do esperado, o IPCA não é causado pelo
núcleo e, sim, o contrário. Excluindo-se o núcleo por médias aparadas suavizadas
(NUCL_MAS), o IPCA causa (no sentido estatístico de Granger) todos os demais núcleos
(utilizando-se o intervalo de confiança de 15%). Note que, de uma maneira geral, esse
resultado se mantém se utilizarmos outras defasagens ou dados acumulados em 12 meses.
Assim, o resultado está invertido, indicando que as medidas de núcleo que utilizamos não
são bons indicadores para a inflação futura/subjacente.
Esse resultado é particularmente interessante para o IPCA-EX. Esse índice é relevante, pois
exclui 12 itens referentes aos grupos Alimentação e Energia, escolhidos por conta da forte
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volatilidade que normalmente registram. Como o IPCA cheio parece causar o IPCA-EX,
conclui-se que aumentos dos itens mais voláteis dos grupos de Alimentação e Energia
contaminam os demais preços do IPCA. De fato, o grupo Alimentação como um todo, em
algumas defasagens, causa o IPCA-EX. Esse resultado parece indicar que o Banco Central não
tem sido historicamente exitoso em controlar efeitos de segunda ordem de choques (de
oferta) nesses itens, o que torna preocupante a situação atual, de aumento de preços de
alimentos e de energia, já que deveríamos esperar que o IPCA cheio fosse, nos meses
vindouros, contaminado. Analogamente, podemos verificar se a dinâmica do IPCA-EX
depende mais de sua própria estrutura de defasagens ou da estrutura de defasagens do IPCA
cheio, ou seja, estimamos a seguinte equação:
Quanto maior for o coeficiente β da equação (1), maior é o grau de repasse de choques de
oferta no IPCA cheio para a medida de núcleo (IPCA-EX). Se estimarmos essa equação com as
variáveis acumuladas em 12 meses (o resultado não se altera para algumas outras estruturas
de defasagens e para a estimação com dados mensais), obtemos um coeficiente de 0,32 no
período jan/2002-fev/2011 e de 0,54 no período jan/2005-fev/2011 (ambos estatisticamente
significativos a 1%). Esses resultados fornecem indícios de que hoje o coeficiente β está cada
vez mais próximo de 1, ou seja, o IPCA-EX é cada vez mais contaminado por choques de
oferta1. Esse efeito pode ser visto no gráfico a seguir, onde estimamos o coeficiente β
1
Note que se relacionarmos o IPCA-EX diretamente ao grupo Alimentos do IPCA, o resultado permanece,
indicando que choques de alimentos contaminam o núcleo (ainda que de forma mais limitada, já que o
coeficiente da regressão é menor).
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dinamicamente, por filtro de Kalman2. Esse coeficiente já foi maior no passado, mas hoje se
encontra em ascensão e está próximo da média de 2006 a 2009. Assim, podemos concluir
que a inflação brasileira está cada vez mais desancorada a choques (de oferta), uma vez que
o núcleo de inflação (IPCA-EX) é cada vez mais explicado pela dinâmica de itens voláteis dos
grupos alimentos e energia (que estão incluídos no IPCA, mas que foram excluídos do IPCAEX).
Gráfico 1: Coeficiente β estimado dinamicamente por filtro de Kalman, 2005-2011
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
-0,5
jan/11
out/10
jul/10
abr/10
jan/10
out/09
jul/09
abr/09
jan/09
out/08
jul/08
abr/08
jan/08
out/07
jul/07
abr/07
jan/07
out/06
jul/06
abr/06
jan/06
out/05
jul/05
abr/05
jan/05
-1,0
Fonte: Modal
LEVEL ANCHORING
A inflação brasileira não se encontra ancorada a choques e, assim, a dinâmica do IPCA-EX
está cada vez mais dependente da dinâmica do próprio IPCA: como mostramos
2
O coeficiente β obtido por filtro de Kalman não é estatisticamente significativo, mas fornece subsídios
adicionais do mesmo efeito que encontramos por mínimos quadrados ordinários.
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anteriormente, choques de alimentos e de energia contaminam cada vez mais a inflação
cheia. A despeito desse resultado, é necessário verificar ainda se aumentos da inflação e dos
núcleos de inflação, por conta de choques, se traduzem em aumentos da expectativa de
inflação ou se a autoridade monetária possui credibilidade suficiente para manter as
expectativas ancoradas na meta inflacionária de 4,5%.
Para investigar se a inflação está ancorada à meta, estimamos a seguinte especificação:
em que: IPCAexp representa as expectativas para o IPCA 12 meses à frente divulgadas pelo
Boletim Focus.
Estimando-se a equação (2) de 2005 a 2011 (desde 2005, a meta de inflação se encontra no
patamar atual de 4,5%), encontra-se um coeficiente η igual a 0,73, indicando alto grau de
ancoragem das expectativas à meta inflacionária. Entretanto, se estimarmos essa mesma
equação desde 2007, obtemos um coeficiente próximo de 0,50, sugerindo que o grau de
ancoragem à meta está diminuindo.
Estimando-se a equação (2) por filtro de Kalman, podemos obter a trajetória do coeficiente
η. Percebe-se que a ancoragem das expectativas à meta vem diminuindo, e tal resultado
parece depender do nível de inflação passada: quanto maior a inflação em 12 meses, menor
é a ancoragem à meta e vice-versa. Portanto, quanto maior for a inflação passada, maior é o
grau de inércia da inflação e maior é a taxa de sacrifício para trazê-la de volta à meta. Por
outro lado, se o Banco Central for exitoso em gerar novamente um ambiente de pouca
inflação, a desancoragem tende a sumir rapidamente.
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Gráfico 2: Coeficiente η estimado dinamicamente por filtro de Kalman (média em 12
meses) e IPCA acumulado em 12 meses, 2005-2011
Coeficiente
1,4
IPCA
7,0
6,5
1,2
6,0
1,0
5,5
0,8
5,0
0,6
4,5
4,0
0,4
3,5
0,2
3,0
0,0
2,5
coeficiente teta
jan/11
out/10
jul/10
abr/10
jan/10
out/09
jul/09
abr/09
jan/09
out/08
jul/08
abr/08
jan/08
out/07
jul/07
abr/07
jan/07
out/06
jul/06
abr/06
2,0
jan/06
-0,2
IPCA
Fonte: Modal e IBGE
CONCLUSÃO
O presente artigo argumentou que os núcleos de inflação não parecem ser bons indicadores
da inflação subjacente. Por um lado, os núcleos não são bons previsores da inflação futura e,
por outro lado, os núcleos (em especial o IPCA-EX) são contaminados por choques de oferta
em itens voláteis dos grupos Alimentos e Energia. Essa contaminação pode ocorrer por dois
motivos. Primeiro, pode ser que a contaminação detenha se dado por conta de uma reação
historicamente pouco enfática do Banco Central a efeitos de segunda ordem desses choques
de oferta. Isso é particularmente preocupante num contexto em que aumentos da inflação
levam a aumentos da inércia inflacionária, como parece ser o caso. Assim, essa
desancoragem da inflação em relação à meta leva a um aumento da taxa de sacrifício, ou
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seja, quanto mais alta for a inflação corrente, mais difícil será trazer a inflação de volta à
meta inflacionária de 4,5% no futuro. Segundo, pode ser que as medidas de núcleo de
inflação de que dispomos no momento não sejam as mais adequadas. Dessa forma, seria
necessário construir uma medida de inflação que melhor capture a inflação subjacente,
talvez utilizando uma medida de inflação mediana, como a construída pelo Federal Reserve
de Cleveland para os EUA.
REFERÊNCIAS:


Ball, Laurence e Sandeep Mazumder. The Evolution of Inflation Dynamics and the
Great Recession, trabalho apresentado no Brookings Panel on Economic Activity,
Março de 2011.
Stock, James e Mark W. Watson. Why Has Inflation Become Harder to Forecast?
Journal of Money, Credit and Banking, vol. 39, Fevereiro de 2007, pp. 3-33.
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