1 MÁRCIO FERNANDO PEREIRA CAMPOS A LEI 8884/1994 – A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL – A QUESTÃO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA Projeto de Monografia apresentado à Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para aprovação na disciplina Monografia II, sob a orientação do Professor MSc. Carlos Jacques Vieira Gomes. Brasília 2005 2 MÁRCIO FERNANDO PEREIRA CAMPOS A LEI 8884/1994 – A DEFESA DA CONCORRÊNCIA NO BRASIL – A QUESTÃO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA Monografia apresentada à Banca examinadora da Universidade Católica de Brasília como exigência parcial para obtenção do grau de bacharelado em Direito sob a orientação do Professor MSc. Carlos Jacques Vieira Gomes. Aprovado pelos membros da banca examinadora em ____/____/____, ______________________________________________________________). com menção Banca Examinadora: ______________________________ Presidente: Prof. MSc. Carlos Jacques Vieira Gomes Universidade Católica de Brasília ______________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília ______________________________ Integrante: Prof. Universidade Católica de Brasília 3 Dedico o presente trabalho a toda minha família e aos meus amigos, pois muito contribuíram e me incentivam para mais esta etapa vencida. Em especial à minha mãe, à minha esposa Cristina e às minhas lindas filhas Bárbara e Luisa. 4 Agradeço ao meu orientador Professor Carlos Jacques que com muita paciência, dedicação e cuidado me ajudou a desenvolver o tema, auxiliando-me de modo imprescindível na realização deste trabalho. Muito obrigado! 5 Não se pode haver couraça mais forte do que um coração limpo. Está três vezes mais armado quem defende a causa justa, ao passo que está nu, ainda que de aço revestido, o indivíduo de consciência manchada por perseguições e injustiças. Willian Shakespeare 6 RESUMO CAMPOS, Márcio Fernando Pereira. Lei no 8884/1994 – A Defesa da Concorrência no Brasil – O Problema da Eficiência Econômica. 2005. f. 75 Trabalho de conclusão de curso - (graduação) - Faculdade de Direito, Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2005. O presente trabalho versa sobre a Concorrência no Brasil, buscando entender a questão que envolve a eficiência econômica. Isso, partindo de uma análise dos dispositivos constitucionais bem como a lei no 8884/1994 – Lei de Defesa da Concorrência. O Brasil adotou a concorrência possível/praticável, entendendo ser impossível verificar-se na prática todas as exigências de concorrência perfeita. Adotando-se a concorrência possível/praticável não se admite atos de concentração econômica que comprometam esta concorrência. Entretanto a lei de defesa da faz exceções a este mandamento legal, permitindo ao órgão de defesa da concorrência autorizar ato de concentração econômica tendo em vista obter-se a chamada eficiência econômica. A Lei nº 8884/1994 assim permite, mas faz uma série de exigências, previstas em seu artigo 54. A restrição à concorrência precisa ser compensada com os ganhos de eficiência, via repartição destes com os consumidores. Entretanto, na prática, esta divisão com os consumidores não tem ocorrido, sendo apropriado pelos produtores os positivos resultados econômicos frutos da concentração geradora da eficiência econômica. Mesmo tendo a autorização legal para o ato de concentração, o espaço da concorrência fica restringido. Com a restrição do espaço da concorrência torna-se difícil para o consumidor receber parte dos ganhos de eficiência. Palavras-chave: intervenção estatal, livre concorrência e livre iniciativa, escolas de Harvard e Chicago, eficiência econômica, distribuição dos ganhos advindos da concentração. Espaço da concorrência. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ______________________________________________________ 8 Capítulo 1 - MODELOS DE ESTADO E DESENVOLVIMENTO DO DIRIEITO ECONÔMICO ___________________________________________ 11 1.1. Modelos de Estado __________________________________________ 11 1.1.1 O Estado Liberal ________________________________________ 11 1.1.2 Estado Intervencionista ___________________________________ 14 1.1.2.1 Estado Social _________________________________________ 15 1.1.2.2 Estado regulador _______________________________________ 16 1.2 Nascimento e desenvolvimento do Direito econômico ________________ 18 1.2.1 Histórico _______________________________________________ 18 1.2.2 Conceito e importância do Direito Econômico __________________ 24 Capítulo 2 - O DIREITO ANTITRUSTE E A CONCORRÊNCIA _____________ 29 2.1 Livre iniciativa e livre concorrência – importante diferenciação _________ 29 2.1.1 Livre Iniciativa __________________________________________ 29 2.1.2 Livre Concorrência _______________________________________ 33 2.2 Estrutura de Mercado – Conceitos _______________________________ 35 2.2.1 Concorrência Perfeita ou Concorrência Pura _________________ 36 2.2.2 Monopólio _____________________________________________ 39 2.2.3 Oligopólio ______________________________________________ 41 2.2.4 Concorrência Monopolística________________________________ 42 2.3 A estrutura de mercado e a impossibilidade de existência da concorrência pura ________________________________________ 44 2.4 A concorrência possível/praticável _______________________________ 46 2.4.1 Escola de Harvard – concorrência praticável ___________________ 48 2.4.2 Escola de Chicago – tutela instrumental da concorrência _________ 51 2.3.4 Escola adotada pelo Brasil_________________________________ 52 2.5 Concorrência efetiva e concorrência potencial ______________________ 54 Capítulo 3 - O DIREITO ANTITRUSTE E A EFICIÊNCIA ECONÔMICA ________ 55 3.1 A lei no 8884/1994 e a eficiência econômica ______________________ 55 3.1.1 Conceito e modalidades de Eficiência Econômica _______________ 57 3.2 A eficiência econômica e a concentração de mercado _______________ 61 3.3 A eficiência econômica e princípio da livre concorrência ______________ 64 3.4 A problemática do art. 54 da lei no 8884/1994 _____________________ 67 CONCLUSÃO _____________________________________________________ 68 REFERÊNCIAS ____________________________________________________ 75 8 INTRODUÇÃO O estudo do Direito da Concorrência assume, principalmente nos dias atuais, onde se vê a intensificação de atos de concentração de mercado, importante relevância, tanto no campo econômico quanto no campo político. Trata-se de um tema cada vez mais interessante para a população, que sente as conseqüências dos mercados em estrutura econômica imperfeita. O estudo do Direito da Concorrência ajuda a compreender a evolução do capitalismo, uma vez estar diretamente ligado a este. Este trabalho tem como escopo analisar a questão do Direito antitruste brasileiro no que se relaciona especificamente ao conflito existente entre concorrência e eficiência econômica. Pode-se renunciar à concorrência em prol da eficiência? E se isso for possível, até que ponto a renúncia à concorrência compensa a maior eficiência? O tema ora proposto é motivo de importantes debates doutrinários, conforme se denota pela seguinte visão de João Bosco Leopoldino da Fonseca1, verbis: A legislação de defesa da concorrência situa-se num quadro de preservação do adequado funcionamento da economia de mercado, não pretendendo ser uma força antimercado. Aceito o pressuposto de uma economia em regime capitalista, não há como fugir à existência e às exigências do mercado. Até mesmo o processo de socialização, de distribuição de benefícios da atividade econômica, deve passar pelo mercado. Esta obra foi dividida em três capítulos, no intuito de poder dar consecução ao objetivo traçado. No primeiro capítulo serão discutidos os modelos de Estado e a direta relação destes com as questões que envolvem a concorrência. De acordo com o _______________ 1 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Lei de proteção da concorrência comentários à lei antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 47. 9 modelo de Estado implementado, há maior ou menor grau de interferência deste no domínio econômico2. Ao Estado cabe a defesa da concorrência até mesmo como princípio constitucional3 e em nome dessa defesa a lei no 8884/1994 permite, em certos casos, a concentração e assim reduz ou elimina a concorrência, em nome da chamada eficiência econômica4. Ainda no primeiro capítulo, será comentado o nascimento e desenvolvimento do Direito Econômico. Conforme diz Áurea Regina Sócio de Queiroz Ramin5, “o Direito Econômico cuida do estabelecimento de relações entre o Poder Estatal e o Poder Econômico e de soluções frente a possíveis conflitos, através de regras jurídicas, estabelecendo a prevalência de um ou de outro, conforme o valor que a norma vincule ao fato”. No segundo capítulo buscar-se-á entender os principais conceitos que formam o arcabouço do Direito da Concorrência. Uma vez não ser inconstitucional o poder econômico e sim o seu abuso6, a compreensão do que venha ser livre iniciativa, livre concorrência e o conhecimento do significado de uma estrutura de mercado imperfeita de mercado tornam-se muito importante. _______________ 2 No entender de Diógenes Gasparini, a intervenção do Estado no domínio econômico é conceituada como “todo ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em dada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, assegurados os direitos e garantias individuais” (GASPARINI, Diógenes - “Direito Administrativo”, 6ª ed., São Paulo, Saraiva: 2001, p. 614). 3 O art. 170 da Constituição Federal, estabelece um conjunto de princípios constitucionais de como a ordem econômica deve se pautar: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – soberania nacional; II – propriedade privada; III – função social da propriedade; IV – livre concorrência; V – defesa do consumidor; VI – defesa do meio ambiente; VII – redução das desigualdades regionais e sociais; VIII – busca do pleno emprego; IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas, sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país” 4 Esta questão sobre eficiência econômica está mais detalhadamente estudada no capítulo 3. 5 RAMIM, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Fórtium. 1 ed. Brasília: Fórtium, 2005, p. 08. 6 O art. 173, §4º da Constituição Federal, determina que lei estabelecerá mecanismos para reprimir o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 10 No terceiro capítulo coloca-se em foco a eficiência econômica e sua relação com o Direito Concorrencial. O fito é entender a controvérsia que cerca a renúncia à concorrência em nome da eficiência. Ao final, serão arroladas linhas conclusivas sobre o delineamento das tensões jurídicas entre concorrência e eficiência. 11 Capítulo 1 MODELOS DE ESTADO E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO ECONÔMICO 1.1. Modelos de Estado A tarefa de analisar o conflito concorrência versus eficiência à luz da lei no 8884/94 não é simples. Para dar consecução a este objetivo é mister proceder a um pequeno estudo a respeito dos modelos de Estado, se liberal ou intervencionista, com o intuito de formar uma boa base teórica para uma melhor compreensão do problema. É importante ressaltar não se estar objetivando discorrer sobre todas as peculiaridades do nascimento e desenvolvimento do Estado Liberal e do Estado Intervencionista. Apenas dar uma idéia aproximada da importância destes em termos de interferência do Estado no domínio econômico e com segurança e subsídios teóricos avançar no intricado tema acerca da problemática que envolve a eficiência econômica e a concorrência. 1.1.1 O Estado Liberal O Estado Liberal teve sua forma ditada pelo liberalismo. O liberalismo foi difundido pelo mundo após a revolução francesa7, e, como se sabe, prefere o _______________ 7 Considerada por muitos como revolução burguesa, uma vez ter burguesia garantido o domínio social. As bases de uma sociedade burguesa e capitalista foram estabelecidas durante a revolução, 12 individualismo ao coletivismo. Nasceu como forma de enfrentamento ao poder estatal. Deixa de vigorar a vontade do rei para passar a ter força a vontade da lei (império da lei). Foi implementado e também em oposição ao fanatismo religioso e ao direito hereditário ao poder. A liberdade econômica também é uma característica forte, pois os defensores e precursores do liberalismo viam nisso o incentivo ao comércio e à indústria, ou seja, incentivo ao empresariado/classe média em detrimento da antiga monarquia e absolutismo (anteriores camadas dominantes). O Estado passa a ser uma instituição abstencionista, tendo como pano de fundo uma sociedade totalmente voltada para a aplicação do princípio da não intervenção do Estado nas relações privadas (laissez-faire, laissez-passer8). No liberalismo o regime é da livre iniciativa, sendo seu modelo idealizado por Adam Smith9, que até hoje é considerado o primeiro grande ideólogo liberal. Destacam-se também como precursores da ideologia liberal John Locke, na Inglaterra ,Jean Jacques Rousseau na França e John Stuart Mill. Na área econômica as principais lutas versavam sobre a não-intevenção estatal e o direito de propriedade10. Importante consignar que o direito de propriedade encontra-se fincado em nossa Constituição. que influenciou a independência dos Estados Unidos e o movimento da inconfidência mineira no Brasil. 8 Laissez-Faire, Laissez-Passer: Palavra de ordem do liberalismo econômico, cunhada no século XVIII pelos fisiocratas franceses, proclamando a mais absoluta liberdade de produção e comercialização de mercadorias. Em tradução direta significa "deixar fazer, deixar passar" Disponível em: <http://economiabr.net/dicionario/jkl.html>. Acesso em: 20 ago. 2005, 22:30:00. 9 Adam Smith muito contribui no campo do pensamento econômico, uma vez que elaborou o texto básico da economia clássica - A Riqueza das Nações, revelando-se em um meticuloso exame dos mecanismos de mercado e da divisão do trabalho como fator de fundamental importância para compreendermos a prosperidade moderna. 10 Com relação à área econômica é bom lembrar também a luta pelo direito de propriedade. O protestantismo defendeu ardentemente esta questão, dizendo que quem trabalha, gera riquezas, etc., deve ter direito a ela. Assim, o direito de propriedade é um dos princípios fundamentais do liberalismo. 13 O Estado Liberal está calcado em três princípios fundamentais: o primeiro é o da subsidiaridade, onde é defendido serem as próprias pessoas responsáveis em resolver seus problemas e o Estado só entra se estas não conseguirem; o segundo é do Estado Mínimo, isto é, se tem de atuar que esta atuação fique adstrita à educação, à segurança e, conforme o caso, à saúde; o derradeiro princípio é o da neutralidade, onde o Estado fica proibido de quebrar contratos ou alterar relações econômicas existentes. Na Constituição do Brasil há várias idéias advindas do liberalismo. Pode-se citar, em apertada síntese: o art.1o inciso IV, no art. 2o, art. 5o caput, bem como boa parte dos incisos do art. 170. O estudo feito acerca do liberalismo é importante para esta monografia, porque no Estado Liberal não há proteção à competição. Os mecanismos de preço/mercado são soberanos e levam as empresas a decidirem pelo melhor. O Estado não interfere na vida do indivíduo ou da empresa, a não ser se for em nome da paz social e sendo para isso provocado. O mercado é auto-regulável pelas leis da oferta e da demanda11. No liberalismo a tomada de decisões é privada e o objetivo mor é garantir a liberdade do indivíduo, tendo durado, em sua forma ortodoxa, por mais ou menos 150 (cento e cinqüenta) anos. O liberalismo, no entanto, mostrou-se incapaz de resolver importantes conflitos como o da relação entre o capital e o trabalho. Também não conseguiu evitar as guerras e os países que por estas foram mais intensamente atingidos não _______________ 11 Lei da Procura e Oferta é a lei que estabelece a relação entre a demanda de um produto, ou a procura de um produto, e a quantidade que pode ser oferecida, ou que o produtor deseja oferecer. Em períodos que temos grande oferta de um determinado produto, o seu preço cai. Cabendo ao Dono desse meio de produção desviar parte desses recursos para outro setor possibilitando assim uma melhora nos preços. No entanto se o que tem é uma grande demanda por um determinado bem, os preços tendem a subir. De tal modo que esse preço só voltará aos padrões com a chegada de uma concorrência. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_da_oferta_e_da_procura>. Acesso: em 07 set. 2005, 22:50:00. 14 conseguiam a recuperação adotando seus princípios. O liberalismo carecia de forças para, por exemplo, impedir as concentrações de empresas e conseqüentemente acúmulo do poder econômico e seu abuso. Daí, então, viabiliza-se o surgimento do Estado Intervencionista. Fábio 12 Nusdeo comenta que mesmo com “150 anos de aplicação ou tentativa de aplicação do chamado figurino liberal produziram um quadro político e socialmente conturbado, muito embora o progresso e o desenvolvimento da tecnologia e da atividade econômica em si tivessem sido notáveis”. 1.1.2 Estado Intervencionista O Estado Liberal já apresentava nitidamente as suas falhas e incongruências e isso se tornou mais patente com a Primeira Grande Guerra Mundial e também a Revolução Russa. Este processo de desmantelamento das estruturas do liberalismo tem o seu ápice com a queda da bolsa de valores de Nova York, em 1929, onde a crise capitalista espalhou-se pelo mundo. Devido à falta de respostas aos desafios sociais postos são rompidas as amarras do sistema liberal e surge com força o chamado Estado Intervencionista. _______________ 12 NUSDEO, Fábio. Curso de economia introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 139. 15 1.1.2.1 Estado Social O Estado passa a ser o protagonista da atividade econômica. A ele cabe viabilizar o bem-estar social e econômico. A tomada de decisão está afeta ao Estado, que intervem na economia positivamente, estabelecendo metas. Tem-se, aí, a planificação da economia. Nesta supremacia do público sobre o privado inexistia proteção à competição pois era de responsabilidade do Estado única e exclusivamente exercitar a política econômica. Vê-se, agora, que a imposição de normas no sentido de controlar e limitar a atividade econômica vinha com o escopo de defesa dos interesses do conjunto da sociedade. A hetero-regulação pelo Estado, disciplinando e limitando a ordem econômica, era tida como necessária, pois o mercado sozinho já tinha dado provas de não conseguir impedir e combater as distorções verificadas. De acordo com o momento político de cada país, este modelo de Estado sofre pequenas variações, tendo, inclusive, alteração de nomenclatura. Na Europa era o chamado Estado do Bem-Estar Social – Welfare State - o Estado desenvolvimentista e protecionista nos países chamados de terceiro mundo (em desenvolvimento), e havia também os chamados Estados Comunistas do bloco soviético. De todo modo o objetivo situa-se no campo da execução da política econômica passando por decisões estatais. No modelo de Estado Social o Estado é o grande provedor e já iria dar as diretrizes corretas com vistas para que a economia produzisse os bens e serviços reclamados pela sociedade. concorrência. Por isso não havia a necessidade de tutelar a 16 O que num primeiro momento parecia a solução para os problemas originados do liberalismo, com o Estado tendo as rédeas da economia, a longo prazo revelou-se desastroso. O Estado cresceu de maneira totalmente desproporcional, abriu espaço político para a instituição de ditaduras por todo mundo e houve grande restrição à liberdade individual. Por outro lado constatava-se o baixo crescimento econômico e o Estado não conseguia sozinho fazer com que a sociedade produzisse os bens e serviços exigidos por toda coletividade, bem como nas quantidades necessárias, não havendo mais como esconder a sua ineficiência. Outros fatores importantes que levaram à ruína do Estado Social foram as crises do petróleo e a constante inovação tecnológica impossível de ser acompanhada pelo Estado que era gigante e pesado, cheios de amarras burocráticas e a globalização13. 1.1.2.2 Estado regulador Nem o Estado puramente liberal nem o Estado Intervencionista Social foram capazes de solucionar os principais conflitos que campeavam a sociedade. O Estado liberal fracassa em dividir os ganhos econômicos com a sociedade gerando a exclusão social, e o Estado Social até que deseja produzir os bens e serviços, mas _______________ 13 O professor Eros Roberto Grau afirma que “a globalização ameaça a sociedade civil, na medida que: (i) está associada a novos tipos de exclusão social, gerando um subproletariado (underclas), em parte constituído por marginalizados em função da raça, nacionalidade, religião ou outro sinal distintivo; (ii) instala uma contínua e crescente competição entre os indivíduos; (iii) conduz à destruição do serviço público (=destruição do espaço público e declínio dos valores do serviço por ele vinculados). Em fim, a globalização, na fusão de competição global e de desintegração social, compromete a liberdade.” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica), 7. ed São Paulo: Malheiros, p. 40). 17 não consegue e acaba também por não resolver as principais questões sociais que assolam a população. Surge uma terceira opção, o chamado Estado Regulador. Neste modelo de Estado a seguinte visão teórica o caracteriza: o mercado sozinho é incapaz de fazer a distribuição da riqueza gerada de forma a atender às exigências sociais; por outro lado o intervencionismo agudo do Estado na economia também produz distorções não interessantes à sociedade. Os particulares em muitas áreas produzem melhor que o Estado e este tem estrutura para assumir as funções de fiscalização e regulação e poderá participar efetivamente da atividade econômica constituindo uma empresa pública ou sociedade de economia mista quando necessário. O Estado pode ser forte, mas não precisa restringir a zero o intento do particular produzir e só limitá-lo naquilo em que infringir a lei. No modelo de Estado Regulador busca-se a coordenação entre economia e social e o Direito, tendo por escopo coordenar conflitos e maximizar a riqueza social. A proteção à concorrência é favorecida e é tida como algo importante com vistas a evitar a concentração de poder na esfera privada. A tomada de decisões é feita por agentes privados e pelo Estado, sendo o mercado livre, entretanto regulamentado. Enquanto no Estado Social os particulares eram proibidos de exercerem atividade, o Estado Regulador chama o particular para ajudá-lo nesta tarefa. Neste contexto fica clara a diferença entre Estado Social e Regulador, em virtude de o primeiro seguir o caminho da prestação direta e o segundo a prestação do serviço público poderá ser direta ou indireta (concessionárias, permissionárias ou estatais). A parceria do Estado com o setor privado denota a idéia de gerenciamento dos conflitos e uma certa fusão entre o público e o privado. E esta situação é muito interessante, porquanto o Brasil viveu sob o domínio das concepções de um Estado 18 Liberal, passou pelo Estado Social e atualmente adota uma política de Estado Regulador. E isso se reflete nas normas emanadas pelo poder público no que tange à concorrência, em especial a lei no 8884/1994. O Estado regulador busca a proteção da competição porque deseja garantir a concorrência no oligopólio, rivalidade na concorrência monopolística e se possível quebrar o monopólio fazendo dele um oligopólio. Não tem a pretensão de a economia voltar ao estágio de concorrência perfeita em virtude de reconhecer a impossibilidade da sua ocorrência. 1.2 Nascimento e desenvolvimento do Direito econômico 1.1.1 Histórico O tema concorrência está inserido na seara do Direito Econômico e por isso são necessárias algumas considerações a seguir alinhavadas. Um ponto na história que marcou o surgimento do Direito Econômico como ciência foi a primeira grande guerra mundial ocorrida no período de 1914 a 1918. A guerra exigiu grande esforço econômico dos países a ela diretamente atingidos como também dos países não envolvidos, pois estes últimos exportavam para aqueles armas, equipamentos, alimentos e outros produtos. A partir daí o Estado é incentivado e chamado a enveredar pelo caminho de uma maior participação na atividade econômica. Esta concepção ganhará mais força após o término da 1ª grande guerra, onde vencedores e vencidos, começaram inserir o Estado mais efetivamente na condução da Economia. A observação de 19 João Bosco Leopoldino da Fonseca14, abaixo transcrita, muito bem elucida a questão: A partir da primeira guerra mundial – 1914 –1918, começa o Estado a interessar-se por influir, das mais variadas formas, na atividade econômica. Na Alemanha, como tentativa de reconstruí-la, nos EUA para retirar o país da crise em que caiu o capitalismo, em outros países, entre os quais o Brasil, como forma de dar uma resposta aos anseios, entre outros, da classe trabalhadora. Ressalta-se que já a partir da segunda metade do século XIX as empresas começaram um processo de profunda mudança em sua estrutura. O objetivo da empresa passou a se tornar grande e assim solidificar sua posição no mercado, intensificando a busca pelo poder econômico. A concepção liberal predominante levava à idéia de liberdade máxima ao indivíduo, devendo ser protegida a todo custo, campeando visão teórica e abstrata de que as empresas tinham igual capacidade e idênticas proporções, estando assim garantida a falta de superioridade de uma sobre a outra. A concentração tornou-se inevitável e com ela os alguns dos seus indesejáveis efeitos maléficos advindos de uma maior detenção do poder econômico nas mãos dos capitalistas, e estes, por sua vez, não tinham nenhuma preocupação social, em fazer a riqueza produzida chegar para o bojo de toda sociedade. A concentração15 econômica possibilitou, então, o aumento do poder econômico privado e assim cada vez mais os fortes derrubavam os mais fracos ocupando e explorando comercialmente uma fatia maior do mercado. Que força seria suficiente para barrar este crescimento do poder econômico privado? O _______________ 14 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 23. 15 Conforme João Bosco Leopoldino da Fonseca “a concentração de empresa tem como objetivo, pelo que já se expôs, fortalece-las, quer através da maximização dos lucros, quer através da maior solidez e menor sujeição às incertezas do mercado. Conseqüência da consecução desse objetivo é a formação de um poder econômico privado” (LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco da em sua obra Lei de Proteção à Concorrência Comentários à lei Antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1988 p. 10). 20 surgimento de uma nova ordem para tentar impor o mínimo de equilíbrio entre os interesses da coletividade e os interesses de grupos econômicos16 era previsível. Foi neste contexto de crise, início do século XX, que Direito Econômico começou a dar seus primeiros e firmes passos como ciência. Até então prevalecia a liberdade ampla, indivíduos e empresas procurando o melhor para si resultaria no melhor para todos, com o Estado se resumindo ao mínimo, não sendo bem quisto exercendo interferência econômica na vida dos cidadãos e empresas. O modelo da não-intervenção se esgotou em virtude do aumento das desigualdades sociais e advento de crises, cada vez mais freqüentes e agudas. Os efeitos da concentração ocorridos no mercado não eram bons, e com isso houve o aumento exorbitante de poder econômico privado, fazendo-se presente de maneira muito marcante, sugerindo com urgência uma posição do Estado. Via-se, então, naquele momento, a partir de meados do século XIX e início do século XX, o abandono do capitalismo atomicista para um capitalismo de grupo, capitalismo concentrado. Em virtude da visão dominante à época, as empresas começaram a colocar em prática projetos que visavam à concentração de mercado e assim conseguirem ter maior grau de influência na formação dos preços, auferindo maiores lucros. Os ganhos para as empresas que não tivessem força econômica estava escasseando. A concentração econômica continuando naquela velocidade, ocasionando o excessivo aumento do poder econômico privado, o surgimento de uma nova disciplina jurídica que pudesse harmonizar as relações de força existentes na sociedade seria exigida. De um lado verificavam-se consideráveis problemas sociais que o sistema vigente até então não resolvia e havia também a vontade por parte _______________ 16 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997 p.15. 21 das empresas de ganharem em competitividade diminuindo custos e aumentando a produtividade e para isso buscavam o caminho da concentração econômica. O confronto de interesses na sociedade fica mais evidente, onde há uma parte mais forte com as rédeas do controle da economia. De um lado os capitalistas, donos dos meios de produção, com poder econômico e influência sobre o Estado. De outro os que têm apenas a força de trabalho a oferecer, sem vigor de influência econômica mas já davam sinais de não aceitarem passivamente aquele quadro desfavorável. Concernentemente a este conflito, muito bem leciona o professor Eros Roberto Grau17 em sua obra A Ordem Econômica na Constituição de 1988, abaixo reproduzida: Em um quadro no qual por um lado a força de trabalho/mercadoria é o único bem que constitui propriedade de largas parcelas da população e, por outro, era imperiosa a necessidade de formação de poupanças para a reprodução do capital, por força havia de convocar o Estado para suprir as insuficiências do sistema. A interferência do Estado fez-se presente no sentido de barrar o forte poder detido pela iniciativa privada para ditar os rumos da economia. Por outro lado dar vazão às vozes que vinham daqueles excluídos do processo de acumulação de riqueza. Começava-se a exigir uma sociedade onde se efetivasse a igualdade de oportunidades tão preconizada pelo liberalismo. O fato importante do início do século XX foi a 1ª guerra mundial18, marcando o início uma maior participação do Estado nos destinos econômicos. De toda maneira já havia claros sinais de que o modelo defendido, onde as livres forças de mercado seriam suficientes para atuar e controlar o próprio mercado, estava desmoronando. O desemprego e a concentração de renda, a acumulação de capital _______________ 17 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7, ed, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 21. 18 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 08. “A primeira grande guerra mundial destruiu a velha ordem, que no plano político, quer no econômico, quer no jurídico. A Europa, arrasada materialmente, veio sentir a necessidade de uma reconstrução profunda e eficaz, com parâmetros diferentes dos adotados até então.” 22 por grupos de poder, configuravam um quadro de aumento expressivo da pobreza e aliado a isso uma maior cobrança em relação ao Estado, que não podia ficar inerte a tal situação. Outros fatos também muito importantes foram as Constituições do México – 1917 - e Weimar – 1919, onde foram verificadas, pela primeira vez, normas econômicas consignadas de cunho econômico. Estas influenciaram as constituições de todo mundo, inclusive a de 1934 aqui no Brasil. Importantes fatos econômicos continuaram a ocorrer, sugerindo cada vez mais firmemente a interferência do Estado no mundo econômico. Um desses fatos deu-se em virtude da quebra da bolsa de Nova York em 1929, com o Estado tendo de salvar a todo custo a sua economia e assim estava obrigado a intervir. Outros fatos a se destacarem foram 2ª grande guerra mundial e a declaração universal dos direitos do homem ocorrida em 1948, onde estes direitos foram elevados ao status de direitos humanos. Todos estes acontecimentos ajudam a confirmar tese de ser o mercado por si só ineficaz para solucionar as crises advindas de um modelo capitalista excludente, caso não tivesse a mão do Estado para fazer as devidas adequações, porque para o capitalista o importante era seu lucro sem se preocupar com os custos sociais a ele inerentes. João Bosco Leopoldino Fonseca19 afirma: “as crises com que se deparou a crença na ordem natural do liberalismo levaram à convicção de que o Estado deveria conduzir o fenômeno econômico e social com novos instrumentos mais adaptados à nova realidade”. Agora é possível vislumbrar uma importante dualidade: o poder econômico privado de um lado, visando apenas manter o seu “status”, interferindo, visando a _______________ 19 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 08. 23 interesses próprios, nos destinos econômicos do país e do outro o Estado passando a representar o interesse da sociedade como o todo, da coletividade assumindo o controle da política econômica20, buscando sempre o equilíbrio. Dada à incapacidade de o poder econômico privado responder eficazmente às crises capitalistas e sim cada vez mais engendrar atitudes econômicas com vistas à perpetuação da sua dominação, surge o poder econômico do Estado, com o propósito de fazer chegar ao conjunto da sociedade significativa parte dos frutos do desenvolvimento econômico. A análise histórica do Direito Econômico está relacionada ao liberalismo, que passou de uma forma atomista para a de concentração empresarial e como conseqüências mais importantes verificaram-se agravamento da crise social, desemprego, e insatisfação geral dos que ficaram à margem do processo de acumulação de riqueza. Estes problemas ressonavam nas instâncias políticas e econômicas do Estado, não o permitindo mais assistir passivamente à situação, na esperança de o próprio mercado resolver suas crises21. Uma vez superada a fase histórica do surgimento do Direito Econômico pode-se, com segurança, tecer considerações a respeito seu conceito, sem, contudo, entrar nas profundas discussões a despeito das controvérsias que o cercam. _______________ 20 A concentração de empresas colocou nas mãos da iniciativa privada um forte poder para direcionar a economia. Mas, quando se fala em política econômica, dá-se ênfase à atuação do Estado na condução da economia. (LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 23). 21 O fracasso do liberalismo de forma atomista e a evolução para a concentração de empresas, levaram a uma situação de relacionamento de massas, a exigir a interferência de um intermediário a influir no direcionamento e condução da economia. O padrão de um capitalismo competitivo em nível de empresas veio trazer, no início do século XX, o aparecimento de novos tipos de organização da vida econômica. (LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p 23). 24 1.2.2 Conceito e importância do Direito Econômico O Direito Econômico mostra o papel do Estado em sua intervenção na economia e para isso se utiliza os conceitos de política econômica. A professora Áurea Regina Sócio de Queiroz Ramin22 leciona que: A perspectiva de análise a partir de política econômica denota características importantes para o Direito Econômico, isto porque a política econômica é informada por elementos ideológicos, que revelam interesses dos indivíduos, dos agentes econômicos e do próprio Estado, todos tomados em função de uma determinada realidade econômica. O objetivo do Estado é, precipuamente, resolver os conflitos existentes, os que surgirem e até mesmo preveni-los. E para isso impõe, através de suas instâncias legais, um conjunto de normas jurídicas disciplinando o poder econômico privado. Esta disciplina infligida variará segundo o modelo de estado bem como a realidade econômica e social da época. Dos vários conceitos de Direito Econômico, nas mais diferentes obras, destaca-se o de Washington de Peluso Albino de Souza23, que, de certa forma, bem sintetiza os demais e é o mais citado: “Direito Econômico é o ramo do Direito que tem por objeto a “juridicialização”, ou seja, o tratamento jurídico da política econômica e, por sujeito, o agente que dela participe. Como tal, é o conjunto de normas de conteúdo econômico que assegura a defesa e harmonia dos interesses individuais e coletivos, de acordo com a ideologia adotada na ordem jurídica. Para tanto, utiliza-se o princípio da economicidade”. Como se nota, tendo por base no conceito acima, o Direito Econômico busca o disciplinamento da economia e para isso o Estado edita normas a serem seguidas por todos. Além de intervir no domínio econômico através de leis poderá também _______________ 22 RAMIM, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Fórtium. 1 ed. Brasília: Fórtium, 2005, p. 8 23 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras Linhas de Direito Econômico. 5. ed. São Paulo: LTR, 2003, p. 23. 25 fazê-lo diretamente, constituindo empresas públicas ou empresas de economia mista. O Estado ao intervir deverá observar o princípio da economicidade24, obrigando-o a agir equilibradamente para não exagerar na dose de intervenção e o que parecia ser o remédio tornar um adendo a mais para a piora na situação econômica. O poder econômico estatal, em sua ação interventiva, deseja e busca o equilíbrio e para isso procurará desempenhar bem seu papel na organização da economia. O grau de sua intervenção variou de acordo com condições sociais e políticas da época. O Estado, neste caso, trabalha com muitos conceitos da ciência econômica e como tal deverá observar as regras básicas da economia como as questões que envolvem a escassez de recursos versus as necessidades ilimitadas e a possibilidade de hoje tomar-se uma atitude em virtude de um fato e no futuro, na ocorrência desse mesmo fato, contrária a que anteriormente engendrara. As normas de Direito Econômico têm como característica a flexibilidade porque as circunstâncias sociais e econômicas são dinâmicas e este ramo autônomo do Direito deve segui-las o mais perto possível. Daí, a primeira vista, não ser exagero, o Estado, em alguma situação, optar pela concorrência em detrimento da eficiência e devido a este mesmo fato, no futuro optar por decisão oposta. _______________ 24 No tocante ao princípio da economicidade ou da otimização da ação estatal, no entendimento de Juarez Freitas “urge rememorar que o administrador está obrigado a obrar tendo como parâmetro o ótimo. Em outro dizer, tem o compromisso indeclinável de encontrar a solução mais adequada economicamente na gestão da coisa pública. A violação manifesta do princípio dar-se-á quando constatado vício de escolha assaz imperfeita dos meios ou dos parâmetros voltados para a obtenção de determinados fins administrativos. Não aparecerá, no controle à luz da economicidade, nenhum traço de invasão da discricionariedade, porém se é certo que esta precisa ser preservada, não é menos certo que qualquer discricionariedade legítima somente o será se guardar vinculação com os imperativos de adequação e sensatez” (FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, São Paulo: Malheiros, 1997, p. 85-86). 26 Tanto as atividades econômicas afetas ao setor privado como as do setor público são abrangidas pelas normas de Direito Econômico. Neste sentido convém assinalar que o Direito Econômico, tendo por objetivo reger a política econômica, terá como arcabouço um conjunto de normas para conduzir a influência mútua que há entre o poder econômico público e o poder econômico privado. A intervenção do Estado no domínio econômico dá-se de várias maneiras, sempre tentando ser um bom intermediador entre o poder econômico público e o poder econômico privado, uma vez que enquanto no primeiro o interesse é social e coletivo no segundo o interesse é individual. Procurará, então, o Estado utilizar os instrumentos de intervenção, no caso a edição de normas jurídicas25 . Um exemplo de normas jurídicas é a chamada lei da concorrência brasileira, a lei antitruste, no 8884/1994, objeto de estudo neste trabalho monográfico em virtude de relacionar-se diretamente com o tema central proposto que é o conflito eficiência versus concorrência. As leis emanadas pelo Estado dão importante contorno ao seu grau de intromissão no mundo econômico. João Bosco Leopoldino da Fonseca26 tem este mesmo posicionamento ao afirmar que o “Estado vale-se de normas jurídicas, para organizar a economia, conduzindo-a de forma a obter o equilíbrio, através da _______________ 25 Segundo o professor Eros Roberto Grau, “essa atuação, contudo, não conduz à substituição do sistema capitalista por outro. Pois é justamente a fim de impedir tal substituição – seja pela via da transição para o socialismo, seja mediante a superação do capitalismo e dos socialismos – que o Estado é chamado a atuar sobre o domínio econômico. O sistema capitalista é assim preservado, renovado sob diverso regime. O modo de produção, os esquemas de repartição do produto e aos mercados capitalistas, no âmbito interno e no quadro internacional são mantidos em sua integralidade. Daí porque interessa ao capitalismo uma Constituição “progressista”. Justamente no ser “progressista” é que a Constituição formal não apenas ensejará a manutenção da “ordem capitalista”, mas conferirá operacionalidade plena ao poder detido pelas classes dominantes” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7, ed, São Paulo: Malheiros, 2002, p 28-29). 26 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997 p. 18/19. 27 disciplina macroeconômica das relações estabelecidas entre os diversos poderes que se confrontam”. Uma vez ter o Direito Econômico como principal instrumental um conjunto de normas jurídicas, para tornar efetiva a política econômica do Estado, vê-se que esta juridicização, conforme destaca a professora e procuradora federal Áurea Regina Ramim27, dá-se por vários tipos de normas: normas tradicionais, de conteúdo genérico28 e abstrato e também por normas programáticas, normas objetivo e normas premiais. Resumindo, a intervenção do Estado efetivou-se em virtude de o mercado sozinho ser incapaz de evitar e solucionar as crises e tornar possível a divisão social dos frutos do crescimento com o conjunto da sociedade29. Esta interferência estatal dá-se por meio da política econômica, informada por um conjunto de normas jurídicas originadas do próprio Estado. O desejo é evitar-se o agravamento dos conflitos naturais e se isso ocorrer resolvê-los da maneira mais justa e rápida possível. Por estar obrigado a trabalhar com conceitos da economia, deve o Estado, em sua interferência na atividade econômica, observar suas principais regras. Por este ângulo alguém ou algum grupo será preterido em seus anseios para atendimento de outros e assim a busca do equilíbrio será constante. _______________ 27 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito Econômico. 1. ed. Brasília: Fórtium, 2005, p.13-15. O professor João Bosco da Fonseca diz que como o Estado se propõe a adotar atitudes concretas de direção do fenômeno econômico, não é mais possível aceitar irrestritamente o princípio da generalidade da lei. Num ambiente de liberalismo econômico puro, poder-se-ia falar da generalidade da lei, porque assumia uma figura abstrata de garantia das liberdades do indivíduo, ficando a este o encargo concreto de dirigir o fenômeno econômico através de um instrumental adequado para tratar com o caso particular (LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 25). 29 Para o Professor Eros Roberto Grau, “foram as imperfeições do liberalismo, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à atribuição de nova função ao Estado. À idealização de liberdade, igualdade e fraternidade se contrapôs a realidade do poder econômico” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p.15). 28 28 Este arcabouço teórico do surgimento e desenvolvimento do Direito Econômico é importante para a discussão a respeito da eficiência econômica e sua conjugação com a concorrência. 29 Capítulo 2 O DIREITO ANTITRUSTE E A CONCORRÊNCIA O Direito Antitruste tem como objetivo fundamental a defesa da concorrência. A concorrência, nos países capitalistas é tida como algo ser buscado sempre pelos benefícios a ela inerentes. No caso brasileiro este objetivo está traçado em âmbito Constitucional, no art. 170, inciso IV. Entretanto, em certas situações a concorrência não é possível. Por outro lado, conforme escopo deste trabalho, há situações em lei já prevendo a possibilidade do sacrifício da concorrência em prol da eficiência, avaliando-se, nesta situação, maior ganho para a sociedade a médio e longo prazos, porque a concentração invariavelmente gerará poder de mercado no curto prazo. Este poder econômico deverá ser devidamente observado pelo Estado e estar em consonância com as normas internas antitruste e assim evitar o seu abuso. 2.1 Livre iniciativa e livre concorrência – importante diferenciação 2.1.1 Livre Iniciativa A livre iniciativa está calcada na idéia de liberdade para desenvolver a atividade desejada, respeitando, é claro, as normas, os regulamentos e os costumes. Tem-se, aí, um afastamento do Estado, impedido de interferir na vontade 30 do indivíduo ou da empresa no desenvolvimento lícito de um empreendimento econômico com ou sem fins lucrativos. Esta concepção de distanciamento do Estado no sentido de tutelar a atividade econômica privada vem desde há muito tempo, tendo como marco histórico principal a Revolução Francesa, tomando maior impulso com a fortificação das idéias liberais e com estas a solidificação da adoção do sistema capitalista por grande parte dos países. No caso do Brasil está consignado na Constituição, no art. 170 parágrafo único, o princípio da livre iniciativa: "é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”. Nota-se, então, segundo o ditame legal mor, estar garantida a faculdade de acessar ou não o mercado com vistas à produção ou consumo de bens e serviços. Visualiza-se, então, que somente a lei poderá inibir a vontade de alguém em empreender, uma vez não poder se perder de vista estar a sociedade inserida numa dinâmica de Estado intervencionista. Assim, tanto não poderão ocorrer entraves por parte da ação estatal, respeitados os limites fixados em lei, como também por parte dos próprios particulares. Com isso, quem já tem posição sólida no mercado, produzindo bens e/ou serviços, não poderá se opor a que outro entre oferecendo os mesmos bens e/ou serviços. Conforme afirma a professora Áurea Regina Ramim30, ao citar Eros Roberto Grau31, “a doutrina é unânime em reconhecer que a livre iniciativa é um desdobramento do direito de liberdade sob o aspecto econômico. É um braço da liberdade civil”. A ilustre professora, no mesmo sentido, ainda emenda que: “A _______________ 30 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito Econômico. 1 ed. Brasília: Fórtium, 2005, p. 30. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p, 223. 31 31 liberdade de profissão ou de ação profissional – liberdade de indústria, comércio, arte, ofício – é a base para o surgimento da liberdade de iniciativa econômica, com a expressão moderna de livre iniciativa econômica”. Em se tratando de Estado regulador, não se pode ter como absoluto o princípio da livre iniciativa. Esta, naturalmente, deverá garantir a não ameaça ao direito de outrem, para também este poder exercê-la na sua amplitude, ou seja, a liberdade que cada um tem para vender ou comprar não deve ser fator impeditivo para outro também o fazer. Neste caso acima há a intervenção estatal, mas não com o fito de restringir a atuação no mercado puramente e sim garantir a todos que queiram e estejam dentro dos ditames legais o direito de em se utilizando a livre iniciativa poderem empreender. Assim, caberá ao Estado fazer e aplicar as leis, conforme já prevê a Constituição, que venham a coibir práticas inibidoras ao exercício da livre iniciativa realizadas por particulares com o intuito de manter o seu poder de mercado, ou se ainda não o tiver completamente, adquiri-lo, aniquilando os concorrentes. Carlos Jacques Vieira Gomes32, no tocante à livre iniciativa, afirma: “a liberdade para criar e explorar uma dada atividade econômica não deve, assim, ser admitida de forma absoluta, mas relativizada em função de seu valor social33, de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (CF, art. 170, caput).” _______________ 32 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. 1 ed. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 108-109. 33 O referido autor ainda lembra que “tal relativização não pode ser desproporcional, de forma a frustrar o conteúdo essencial do direito à livre iniciativa”. 32 A lei no 8884/199434, art. 20 inciso I, denota a tutela estatal de proteção à livre iniciativa. Limitar ou falsear de qualquer forma a livre iniciativa constitui infração à ordem econômica. Volta-se, assim, ao ponto objetivo deste trabalho, onde o Estado poderá deixar de aplicar as sanções já previstas nesta lei (art. 23) mesmo ocorrendo prejuízo à livre concorrência, (art. 54 parágrafo 1o , incisos I, II, III, IV e parágrafo 2 o). O princípio da livre iniciativa consignado na Constituição dá aos particulares o papel de protagonista na produção e circulação de bens ou serviços uma vez que estão livres para empreender, desde que não firam os mesmos direitos de outrem como também observem os ditames legais35. Ao Estado, no tocante à livre iniciativa, a Constituição reserva o dever de zelar pelo cumprimento deste mandamento, mas também, em casos excepcionais, autoriza o próprio Estado a explorar diretamente a atividade econômica, nos termos do art. 17336. Para fechar este estudo sobre a livre iniciativa, em apertada síntese, faz-se necessário transcrever a lição de Eros Roberto Grau de que a expressão livre iniciativa também está ligada à liberdade do trabalho. Este respeitado autor afirma: A liberdade de iniciativa, no entanto, é um dos desdobramentos da liberdade. E, porque assim é – e isso deve restar bem vincado -, não está ela jungida enquanto liberdade de iniciativa econômica, à propriedade. Nem a toma, a Constituição, já observei, como direito fundamental, entre aqueles inscritos no seu Titulo III. Não se trata, pois, no texto constitucional, de atributo conferido ao capital ou ao capitalista, porém à _______________ 34 Art. 20 – Constituem infração à ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa. 35 O professor Eros Roberto Grau lembra “que o princípio da livre iniciativa consignado na Constituição não se resume ao princípio básico do liberalismo econômico, ou seja, unicamente à liberdade do comércio, sendo bem mais amplo o seu perfil”.(GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 244). 36 Art. 173 - “(...) a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo (...)”. 33 empresa – ao empresário, apenas como detentor do controle da empresa. De resto, repita-se, não é ela atributo exclusivamente à empresa. 2.1.2 Livre Concorrência A livre concorrência, princípio insculpido no art. 170, IV da Constituição, vai além do ordenamento econômico uma vez ser a base do sistema capitalista. O objetivo é garantir a cada indivíduo o direito de participar, em igualdade de condições, da atividade econômica, colhendo os resultados advindos do seu trabalho. A despeito da livre concorrência João Bosco Leopoldino da Fonseca37 leciona, verbis: Que a concorrência no mercado decorre de um conjunto de condições que permitem a todos os agentes do mercado correr à compra e venda de forma a que cada um possa alcançar seus objetivos sem ferir, desarrazoadamente, as metas pretendidas pelos demais. Numa breve análise na legislação antitruste Brasil observa-se a opção pelo caminho da livre concorrência como o melhor a ser trilhado. O art. 170 da Constituição Federal, inciso IV, diz: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...) IV – livre concorrência”. O art. 1º da lei no 8884/1994 dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência (grifo nosso) função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico”. _______________ 37 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Lei de Proteção à Concorrência comentários à lei antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 3. 34 Base de uma economia de cunho liberal, a concepção é que os vários agentes produtores de bens e serviços estão dispostos a rivalizarem entre si em busca de obter maior ganho. Os agentes econômicos estão livres para ofertar seus bens e/ou serviços tendo em vista a conquista de novos campos consumidores. Esta vontade em conquistar novos mercados ou ampliá-los deverá ser perseguida e alcançada com práticas leais de mercado. Em havendo tentativa de eliminação fraudulenta da concorrência caberá ao Estado, utilizando o que dispõe o § 4º, do art. 173, combinado com o art.170, IV – ambos da Constituição – acionar sua máquina no sentido de não permitir tal prática38. Erigida a um dos princípios da ordem econômica, a livre concorrência não se dissocia da livre iniciativa. Na verdade, como ensina Eros Roberto Grau39, o princípio da livre concorrência é corolário do princípio da livre iniciativa. A livre iniciativa abarca a livre concorrência, esta só podendo existir se houver aquela. Ambos os princípios são contemplados na Constituição. A liberdade de iniciativa se constitui num princípio básico da ordem econômica. Isso, é claro, não dá ao Estado o direito de exercer o intervencionismo exagerado. A intervenção há de ser feita com o intuito de garantir a todos que queiram e reúnam condições o direito de tentar empreender. _______________ 38 Art. 174 da Constituição: "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". 39 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 250. 35 Uma vez que a livre iniciativa e a livre concorrência compõem caminho escolhido, caberá ao Estado assegurá-la e incentivá-la. Paula A. Forgioni40 tem o seguinte entendimento, verbis: Essa livre iniciativa (ou da livre concorrência e mesmo da autonomia privada) não exclui outra que lhe é complementar, de que essa mesma livre iniciativa, para que continue existindo, deve ser não apenas regulamentada, mas também conduzida pela autoridade governamental. Ressalta-se que não existe apenas a lei 8884/1994 como legislação infraconstitucional no tocante à proteção da concorrência. Há também, entre outras, a Lei 8137/1990, tipifica os crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, a Lei 8.176/1991 tratando dos crimes contra a ordem econômica e cria o Sistema de Estoques de Combustíveis. Dentro da legislação que fala sobre a livre concorrência, há, ainda, a própria lei de criação do “Plano Real” e a Lei Delegada nº 04/1962, a qual “dispõe sobre a intervenção no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo”. 2.2 Estrutura de Mercado – Conceitos Uma das leis mais importantes na economia, em especial a microeconomia, é a da oferta e da demanda. Quanto menor o preço maior a quantidade procurada e quanto maior o preço menor a quantidade procurada. Esta lei é universal e a economia faz um estudo todo especial relativo a esta questão. Entretanto, no mundo dos fatos há situações de mercado onde o ofertador, mesmo aumentando seu preço e reduzindo a quantidade vendida, consegue auferir _______________ 40 FORGIONI, Paula A , Os Fundamentos do Antitruste. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 273. 36 maiores ganhos e isso se revela no que se chama de poder de mercado41. Ou seja, o preço é unilateralmente definido sem a preocupação maior com o retraimento da demanda por parte do consumidor. Neste caso, tal situação há de receber a tutela estatal no sentido de coibir, ou se existir colocar limites claros e efetivos. Passa-se, agora, ao resumido estudo de cada estrutura de mercado, tendo em mente que o objetivo não é adentrar às minúcias de cada uma e sim retirar importantes subsídios para uma maior compreensão da questão central deste trabalho. No estudo das estruturas de mercado constata-se as mesmas dependentes de três características básicas: (i) número de empresas que fazem a composição desse mercado; (ii) os tipos de produtos, isto é, se são idênticos ou diferenciados; (iii) saber se há ou não barreiras ao acesso de novas empresas no mercado. O conhecimento destes três fatores dá o norte para a compreensão do significado de cada estrutura. 2.2.1 Concorrência Perfeita ou Concorrência Pura Neste tipo de estrutura de mercado, do lado dos ofertadores, há um grande número de empresas, impedindo cada uma de determinar unilateralmente o preço. A lei da oferta e da demanda funciona perfeitamente e o mercado é atomizado, isto é, o grande número de empresas inibe que uma isoladamente influa nos preços. _______________ 41 Conforme nos ensina João Bosco Leopoldino da Fonseca, em sua obra Lei de proteção à concorrência comentários à lei antitruste. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988, p. 10, “poder de mercado se define como a capacidade que um grupo de vendedores ou compradores tem para influenciar a formação do preço num mercado. É de entender-se, pois, que, num mercado em que se verifique a concorrência perfeita, não exista poder de mercado. 37 O preço resulta do livre jogo das forças de oferta e de demanda, conduzindo ao preço de equilíbrio. Este preço de equilíbrio a teoria econômica chama de Ponto Pareto Ótimo42. Segundo Washington Peluso Albino de Souza43, concorrência “exprime-se pela prática de medidas referentes à disputa entre os contendores na defesa de seus respectivos interesses em oposição”. No mercado em concorrência perfeita os que oferecem e os que procuram, segundo ideologia liberal individualista, acham-se em confronto. Os requisitos necessários para a configuração deste tipo de mercado mostram quão é difícil a sua configuração na vida real. Conforme comenta a professora Áurea Regina Sócio de Queiroz Ramim44, “concorrência perfeita é um modelo de impossível existência real, sendo que, entretanto, suas características servem como paradigma para análise e compreensão do funcionamento dos mercados existentes”. Assim, como premissas da concorrência perfeita têm-se: a) grande número de compradores e vendedores, tornando-os muitos pequenos com relação ao mercado. Com isso não haverá poder econômico, ou seja, nenhum competidor isoladamente terá força suficiente para afetar as condições de compra e venda do produto a qual está vinculado; b) os produtos são homogêneos, pois do contrário poderia haver criação de mercado específico/diferenciado para aquele produto e ofertador deste poderia influir nos preços e nas quantidades ofertadas; _______________ 42 Conforme diz Áurea Regina S. de Queiroz, em sua obra Direito Econômico. 1. ed. Brasília: Fórtium, 2005, p. 74, “o Ponto Pareto Ótimo expressa uma situação de equilíbrio, concretamente revelada por um preço de equilíbrio, resultado do entrechoque livre e natural das forças antagônicas da oferta e demanda. A intersecção das forças de oferta e demanda gera uma situação em que há maximização dos lucros por parte dos agentes econômicos do lado da oferta e simultaneamente maximização de utilidade por parte dos consumidores do lado da demanda”. 43 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Primeiras linhas de direito econômico. 5. ed. São Paulo: LTR p. 493. 44 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito Econômico. Brasília: Fórtium, 2005, p. 72. 38 c) plena mobilidade dos fatores de produção e dos agentes que operam no mercado. É necessária que seja fácil tanto a entrada quanto a saída daquele interessado. Não podem existir barreiras à entrada ou à saída de qualquer participante; d) o mercado deverá ser transparente. Todas as informações sobre novas tecnologias de produção, preços, lucros são plenamente conhecida por todos. Quem obtiver informação privilegiada poderá fatiar o mercado a seu favor e poder determinar preços. e) não há economias de escala; f) ausência de economias externas. Tendo por base as características acima, o professor Carlos Jacques Vieira Gomes45 assevera que mercado estruturado em concorrência perfeita é, verbis: Aquele em que muitos compradores e vendedores comercializam produtos idênticos, de forma que cada comprador ou vendedor é um tomador de preços (price taker), pois suas ações têm impacto negligenciável no preço de mercado; devem eles, portanto, acatar o preço que o mercado determina. O regime de concorrência perfeita no mundo dos fatos inexiste. São muitos requisitos que no atual estágio de desenvolvimento tecnológico e complexidade nas relações comerciais tornam impossível a sua existência real46. Entretanto alguns mercados muitos se aproximam dele porque apresentam algumas características importantes da concorrência perfeita. Podem ser citados, a título de exemplo: uma feira livre, produtos hortifrutigranjeiros. _______________ 45 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, p. 117-118. 46 Segundo Fábio Nusdeo “é fácil verificar como este regime representa mais uma abstração do que uma situação encontradiça na realidade. A concorrência perfeita representa na ciência econômica o que o vácuo ou ausência de atrito representam na física, isto é, situações teóricas cujo conhecimento se revela necessário para melhor apreensão do que se passa na prática”. (NUSDEO, Fábio. Curso de economia introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p.263). 39 Fábio Nusdeo47 elucida como exemplo próximo à concorrência perfeita o “mercado internacional de alguns produtos primários dotados de razoável grau de homogeneidade, como os agrícolas e os minerais não manufaturados (café, lã, barras de cobre, níquel, etc), conhecidos internacionalmente como commodities”. 2.2.2 Monopólio Trata-se e uma estrutura imperfeita de mercado onde, de um lado, há apenas um ofertador de bem ou serviço e do outro lado os consumidores. No intuito de aumentar sua margem de lucro o monopolista tenderá a fixar os preços em nível mais algo possível uma vez dominar sozinho a oferta. Nesta estrutura de mercado, além da óbvia inexistência de concorrência, não se vê produtos substitutos próximos e por isso os consumidores têm apenas dois caminhos a seguir: aceitam pagar o preço ou simplesmente não compram o produto. Um dos fatores que não permite ou coloca grande dificuldade à entrada de novas empresas no mercado é o chamado monopólio puro ou natural. Neste caso os altíssimos investimentos em bens de capital, maquinário, linha de produção e outros, criam importantes barreiras à entrada de um concorrente no mercado. Estão envolvidas condições particulares desta atividade que afasta a competitividade. Isso também ocorre quanto a empresa necessita de um vultoso volume de capital bem como uma elevada capacitação tecnológica. _______________ 47 NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p 263/264. 40 Outra situação provocadora do monopólio é o chamado monopólio legal48. Sendo constatado, segundo Áurea Ramim49, quando “em regra é a Constituição que institui tais regimes de monopólio, levando em conta a importância estratégica de determinada atividade econômica, a necessidade de continuidade e adequação de certos serviços”. Outras situações tendentes a levar ao monopólio são a questão da patente e também o controle de matérias-primas básicas. Um ponto essencial a observar é que enquanto na concorrência perfeita para o vendedor aumentar sua receita tinha de elevar a quantidade de produtos colocada no mercado, o monopolista não está obrigado a proceder da mesma forma. Detentor do comando da oferta, pode diminuir a quantidade do bem oferecida e esta perda ser compensada pelo aumento de preço, mantendo-se ou elevando a sua receita. Como explica Fábio Nusdeo50, “no monopólio a curva de demanda não é horizontal, isto é, de elasticidade infinita. Para o monopolista a curva de procura é a curva de procura do mercado, já que concentra em si o atendimento de todo o mercado”. No monopólio bilateral há um único comprador e um único vendedor. A primeira vista isto poderia sugerir um infindável conflito. Este não ocorre porque ambos chegam a um acordo uma vez necessitarem mutuamente. O caminho natural é formação de uma única empresa. _______________ 48 O art. 177 da Constituição estabelece como monopólio da União a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores, o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados. 49 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. 1. ed. Brasília: Fórtium, 2005, p. 79. 50 NUSDEO, Fábio. Curso de economia introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais p. 269. 41 Já no monopsônio ocorre a mesma situação do monopólio mas em relação ao comprador. Há um único comprador que procura pressionar os seus fornecedores a diminuírem os preços. Esta pressão dá-se diminuindo a quantidade comprada para obrigar os fornecedores a baixarem os preços. 2.2.3 Oligopólio Trata-se de uma estrutura imperfeita de mercado onde se denota poucos grandes vendedores e muitos compradores. A concorrência entre eles ocorre por via da propaganda e a tentativa de diferenciar os seus produtos e assim conquistar uma fatia maior do mercado. Isso porque o embate direto entre eles, em termos de preços, poderia levar a uma retaliação dos demais. O ofertador oligopolista procura observar o passo do seu “concorrente” para, a partir daí, tomar as atitudes que achar conveniente. Será o grau de rivalidade51, entre estes vendedores, o responsável por ditar o comportamento de cada um, ou seja, organizam suas políticas de produção baseando-se comportamento do outro produtor. Segundo o professor Carlos Jacques Vieira Gomes52 “na estrutura oligopolista, a estratégia racional de busca pelo lucro máximo depende, necessariamente, de se saber quanto e a que preço os demais concorrentes irão _______________ 51 Segundo Áurea Regina S. de Queiroz Ramim “o grau de rivalidade pode ser competitivo ou colusivo” (RAMIM, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Brasília: Fórtium, 2005, p. 81). 52 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 127. 42 produzir”. Por isso na maioria dos casos procuram trabalhar em conjunto53, isto é, não partem para a concorrência via preço, e sim cooperando uns com os outros para controlar a produção e assim garantirem poderio econômico. É possível encontrar oligopólios que trabalham com produtos diferenciados, como no caso de empresas monopolistas, e produtos homogêneos como por exemplo o mercado de alumínio e cimento. Outros exemplos de mercados oligopolizados no Brasil são as montadoras de veículos, o setor de fumo, o setor de cosméticos, indústria química e indústria farmacêutica. Observa-se em certos segmentos oligopolistas existir a liderança de uma empresa, determinando as normas, quantidade a produzir e preços a serem seguidos pelas outras, chamadas de empresas satélites. Há oligopsônio quando se depara com um mercado onde há poucos grandes compradores e muitos vendedores. No caso brasileiro, por exemplo, a indústria automobilística é oligopolista no mercado de bens e serviços e oligopsônia no setor de autopeças. 2.2.4 Concorrência Monopolística É uma estrutura de mercado que se situa entre a concorrência perfeita e o monopólio. Existe um bom número de compradores e vendedores neste regime de mercado. Entretanto alguns produtores conseguem diferenciar o seu produto ou _______________ 53 Ensina Fábio Nusdeo, que “num oligopólio há uma grande tendência no sentido de se unirem os operadores, os quais passarão então a atuar como na unidade, levando a uma situação de monopólio. Porém, numa crise, os oligopolistas poderão tender para o regime anterior, isto é, exercer uma concorrência imperfeita, procurando, cada um deles, obter uma fatia maior do mercado” (NUSDEO, Fábio. Curso de Economia. Introdução ao Direito Econômico. 3. ed. São Paulo: LTR, 2003, p. 267). 43 serviço em relação ao concorrente e isso lhe dá um certo poder de mercado, inclusive para determinar seu preço acima do concorrencial. O diferencial pode ser, por exemplo, um atendimento personalizado de melhor qualidade ou horário de atendimento. Ressalta-se, contudo, que o poder tido pelo produtor para determinar o preço não se confunde com o poder do monopolista porque há bens substitutos próximos. Nesta estrutura de mercado, conforme leciona o professor Carlos Jacques Vieira Gomes54, “as barreiras à entrada não tão altas como na estrutura monopolista, mas nem tão baixas como na concorrência perfeita, uma vez que, aqui, concentra-se a concorrência não em preços, mas em propaganda, qualidade do produto e técnicas de venda”. Nesta estrutura o número de empresas não é grande, mas considerável. Cada ofertador pode apresentar um diferencial em relação ao seu concorrente. As condições de entrada e saída são relativamente fáceis e há um leve controle sobre preços. Um exemplo deste tipo de mercado, aqui no Distrito Federal, são os hotéis. _______________ 54 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004, p. 126. 44 2.3 A estrutura de mercado e a impossibilidade de existência da concorrência pura Sendo o objetivo a ser perseguido de tentar viabilizar o maior grau possível de concorrência, a rivalidade sadia entre os competidores no mundo dos fatos é fundamental para o conjunto da sociedade. A lógica é a seguinte: quanto mais empresas/pessoas oferecerem tal bem e/ou serviço maior será a busca para alcançar novos mercados e a tendência natural é estabilização dos preços em níveis acessíveis para grande número de demandadores. A estrutura de mercado que traz no seu âmago esta concepção é o da concorrência pura, também chamada de concorrência perfeita. Com o desenvolvimento e aperfeiçoamento do modo de produção capitalista, permeado ao longo da história pelo domínio das idéias liberais e neoliberais, este mercado perfeito foi ficando cada vez mais longe da realidade. A chamada “mão invisível”, teorizada Adam Smith (século XIX), possibilitando as melhores alocações de recursos que satisfizessem a todos, inexiste. As empresas logo passaram a ver na concentração econômica55 a possibilidade de diminuição de custos e aumento de lucros, isso em detrimento dos consumidores tendo em vista a elevação nos preços. As características exigidas para se conceber a concorrência pura, no atual estágio de desenvolvimento capitalista, têm como principal serventia a visualização teórica de como seria um mercado sem poder econômico. Trata-se de um modelo _______________ 55 Segundo Paula A. Forgioni, “as concentrações são classificadas em horizontais, verticais e conglomeradas. As horizontais envolvem agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante; será vertical se os partícipes desenvolvem suas atividades em mercados relevantes “a montante” ou “a jusante”, ou seja, concatenados no processo produtivo ou na distribuição do produto. A conglomerada diz respeito a empresas que atuam em mercados relevantes completamente apartados” (FORGIONI, Paula A.Os fundamentos do direito antitruste. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 467). 45 onde poucos mercados, em especial os que abrangem produtos agrícolas, podem ter uma maior aproximação por uma ou outra característica comum. A distância da concorrência perfeita em relação à economia real é mostrada, na atualidade, pela grande quantidade de importantes empresas participando de fusões e incorporações56, tornando-se mais fortes e ocupando posições de destaque no mercado. Acabam por adquirir a capacidade de influir nos preços e quantidades produzidas pelos demais participantes. A sociedade acostumou-se a trabalhar no imperfeito mercado e por isso as leis antitrustes e pro-competição estão presentes nas legislações da maioria dos países. Tendo-se em mente a impraticabilidade da concorrência pura, cabe ao Estado, utilizando seus instrumentos próprios, em especial a lei, cuidar para que poucos não se beneficiem dos frutos por terem condições de melhor se organizarem e assim determinar preços. Neste contexto, mesmo nos casos onde o monopólio, estrutura de mercado com maior grau de verticalização, seja inevitável, não se permitir que o ônus a recair sobre a sociedade seja excessivo, porque se o for acarretará muitos problemas sociais, podendo chegar a conseqüências graves e imprevisíveis. A lei no 8884/94 tem por escopo evitar que a concentração de mercado cause maiores prejuízos à população. Sua edição mostra o reconhecimento de que a concorrência pura só existe no plano teórico. _______________ 56 Segundo Rubens Requião, “incorporação é a operação pela qual uma ou mais sociedades, de tipos iguais ou diferentes, são absorvidas por outra, que lhe sucedem em direitos e obrigações. Já fusão é a operação pela qual se unem duas ou mais sociedades, de tipos iguais ou diferentes, para formar uma sociedade nova que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações” (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, 23. ed. São Paulo: Saraiva, v. 2, p. 256-257). 46 2.4 A concorrência possível/praticável Mesmo o reconhecimento da impossibilidade de existência da concorrência perfeita, não implica renunciar à busca por um mercado menos concentrado possível. A solução é trabalhar por uma concorrência possível/praticável. Indo à Constituição vê-se nos princípios da Ordem Econômica a livre concorrência. Houve grande discussão na época da Constituinte acerca de se utilizar a palavra LIVRE, não se optando por termos mais aceitos na doutrina, como: concorrência possível, ou ainda concorrência praticável, ou concorrência mínima. Tudo isso por causa da evolução do capítulo da microeconomia que estuda as estruturas de mercado, que são basicamente quatro modelos conceituais: concorrência perfeita, concorrência monopolística, oligopólio e monopólio. A este despeito merece importante atenção a lição trazida por João Leopoldino da Fonseca57: Afirmando uma opção pelo regime de economia de mercado e assumindo essa postura ideológica, a Constituição adota como princípio amola básica que rege aquele tipo de organização da economia. Garante-se a liberdade de concorrência como forma de alcançar o equilíbrio, não mais aquele atomístico do liberalismo tradicional, mas um equilíbrio entre os grandes grupos e um direito de estar no mercado também para as pequenas empresas. A Constituição consigna o princípio da livre concorrência, mas a doutrina diz que livre concorrência só existe no mercado de competição perfeita. Isso porque na concorrência monopolística verifica-se diferenciação de produtos, possibilitando certo poder de mercado. No oligopólio só entram as grandes empresas e no monopólio o poder econômico é patentemente claro. _______________ 57 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 90. 47 Neste contexto surge o seguinte questionamento: se a Constituição traz, no art. 170 IV, a concorrência livre, então o poder econômico é ilícito? A interpretação foi a conjugação deste dispositivo com o parágrafo 4º do art. 173 da Constituição, onde prevê a repressão da lei na situação de abuso do poder econômico. Conclui-se, por interpretação, ser o poder econômico lícito, não existindo nenhum dispositivo legal onde se diz que seja ilícito, sendo sim o seu abuso antijurídico. Se alguém tem poder econômico há autorização legal permanecer neste estado e portanto podendo ser formador de preço. A repressão é para o abuso, a mera detenção é fato lícito. Atualmente é praticamente unânime na doutrina que a palavra LIVRE, neste caso, tem uma interpretação restrita. Na verdade a livre concorrência consignada na Constituição significa concorrência possível/praticável. Por isso os mercados de concorrência monopolística, oligopólio e monopólio não são em si condenáveis, mesmo havendo poder econômico, podendo ocasionar interferência na oferta do produto, no mercado e na vida das empresas para além do jogo competitivo leal. No tocante a esta questão não se pode deixar de destacar o pensamento do professor Eros Roberto Grau58: A afirmação, principiológica, da livre concorrência no texto constitucional é instigante. De uma banda porque a concorrência livre – não liberdade de concorrência, note-se – somente poderia ter lugar em condições de mercado nas quais não se manifestasse o fenômeno do poder econômico. Este, no entanto – poder econômico – é não apenas um elemento da realidade, porém um dado constitucionalmente institucionalizado, no mesmo texto consagra o princípio. O § 4º do art. 173 refere “abuso do poder econômico”. Vale dizer: a Constituição de 1988 o reconhece. Não que não devesse fazê-lo, mesmo porque a circunstância de não o ter reconhecido não teria o condão de bani-lo da realidade. Apenas, no entanto, tendo-o reconhecido, soa estranha a consagração principiológica da livre concorrência. Para que tal ocorresse, em presença da consagração do princípio, haveria o mencionado § 4º dispor: “A lei reprimirá os abusos decorrentes do exercício da atividade econômica...” O que, não obstante – repito – seria inteiramente em vão: nem por isso o poder econômico deixaria de manifestar no mundo real – mundo do ser – a braçadas. _______________ 58 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 7. ed. São Paulo: Malheiros , 2002, p. 251. 48 De outra banda, é ainda instigante a afirmação do princípio porque o próprio texto constitucional fartamente o confronta. A livre concorrência, no sentido que lhe é atribuído – “livre jogo das forças de mercado, na disputa de clientela” -, supõe desigualdade ao final da competição, a partir, porém, de um quadro de igualdade jurídico-formal. Essa igualdade, contudo, é reiteradamente recusada, bastando, para que se o confirme, considerar as disposições contidas no art. 170, IX, no art. 179 e nos §§ 1º e 2º do art. 171”. No contexto de licitude do poder econômico, a interpretação dos dispositivos constitucionais acerca a livre concorrência, passa por duas importantes escolas: HARVARD e CHICAGO. 2.4.1 Escola de Harvard – concorrência praticável A escola de Harvard surge a partir do início do século XX, no intuito de preservar o mínimo de concorrência. Uma estrutura concentrada como na concorrência monopolística, no oligopólio e no monopólio levará certamente a uma conduta anticompetitiva. O modelo concentrado está fadado a seguir o caminho do abuso. Harvard faz a relação entre estrutura, conduta e desempenho. Uma estrutura superconcentrada deve ser terminantemente evitada porquanto levará o agente econômico a ter condutas que virão colidir com os preceitos competitivos de mercado. Com isso o desempenho será fraco, causando importantes danos à sociedade. Paula A. Forgioni59, ao comentar sobre a escola de Harvard, “sustenta que devem ser evitadas as excessivas concentrações de poder de mercado, que acabam _______________ 59 FORGIONI, Paula A . Os fundamentos do direito antitruste. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 169. 49 por gerar disfunções prejudiciais ao próprio fluxo das relações econômicas, buscando-se um modelo de workable competition”. A escola de Harvard tem como escopo não a eficiência e sim a incessante busca e defesa da concorrência. Esta concorrência é a possível, a praticável, possibilitando maior produção de riqueza neste mercado. Assim, a relação entre estrutura, conduta e desempenho caminhará no sentido de dificultar a atuação concentrada (cartel60) uma vez que haverá o incentivo à entrada de novos competidores. Para Carlos Jacques Vieira Gomes61 a escola de Harvard “está centrada em visão desconfiada e restritiva dos mecanismos de mercado, o que a faz tomar uma postura reguladora, como forma de se coibir os efeitos perniciosos do paradigma estrutura/comportamento/performance”. Relativamente à estrutura vê-se a exigência de o mercado ter o maior número de concorrentes que a economia de escala permitir, ou seja, se a economia comportar 10 (dez) concorrentes, deverá existir 10 (dez) concorrentes. Não poderá haver inibição artificial (todos devem estar produzindo no máximo do limite). As diferenças entre os produtos deverão ser moderadas e sensíveis às variações nos preços. No tocante ao comportamento é preciso estar presente alguma incerteza com relação à formação dos preços. O Estado não poderá proteger demais as empresas ineficientes sendo melhor, se for o caso, deixar quebrar. As promoções de venda devem ser informativas e não enganosas. _______________ 60 Os cartéis têm como escopo dominar o mercado com a associação de várias empresas do mesmo ramo de produção para a determinação do preço unilateralmente, geralmente em nível bastante alto, bem como fixam quotas de produção para cada membro. Mas as empresas que se envolvem neste tipo de organização não perdem sua autonomia ou a sua individualidade. 61 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p.172. 50 Com relação ao desempenho tem-se: a distribuição deve ser eficiente, não haver desperdício de recursos; a qualidade e quantidade devem corresponder às expectativas dos consumidores; os preços devem levar a uma escolha racional por parte dos consumidores; inovação tecnológica; gastos com publicidade não poderão ser excessivos e, por último, os fornecedores que melhor atenderem aos consumidores devem ser os mais bem sucedidos. A escola de Harvard abraça firmemente a tese de que a concorrência deve ser protegida e incentivada a todo custo. E neste caso trata-se da concorrência praticável, que para ocorrer exige a rivalidade econômica e a concorrência multiforme. A questão da rivalidade está associada a existir no mercado poucas barreiras à entrada e inexistência de custos irrecuperáveis. Já na concorrência multiforme tem-se que mesmo não existindo a concorrência via preço, a concorrência indireta revela-se obrigatória. A concorrência multiforme não se efetua via preço mas por política de vendas diferenciadas, metas de produção diferenciadas, escolha de matérias primas, imagem pública da empresa, concorrência pela qualidade . Os ensinamentos de Harvard foram aceitos por duas outras importantes escolas: a Ordoliberal e a Nova Economia Industrial. Para a Ordoliberal a competição tem mesmo de ser praticável por causa do desempenho sim, mas também porque a competição/concorrência é o corolário da democracia aplicada às relações econômicas. A competição por via da concorrência tem a importante função de fornecer ao consumidor uma opção democrática de escolha. Já a Nova Economia Industrial vê que a concorrência deve ser a possível, mas deve-se analisar com maior cautela esta questão levantada por Harvard de que 51 uma certa estrutura leva a uma certa conduta que leva a um certo desempenho. Isso poderá não ser sempre verdade, uma vez existirem estruturas com alto grau de competitividade, mas com desempenho fraco e há estruturas concentradas com desempenho bom. 2.4.2 Escola de Chicago – tutela instrumental da concorrência As concepções da escola de Chicago tornaram-se mais fortes no início da década de 80, nos Estados Unidos da América, no governo Ronald Reagan. Assim, nos EUA todas as fusões começaram, neste período, a serem protegidas. Isso também porque os Estados Unidos estavam sofrendo com a competição japonesa e a insistência nas idéias de Harvard de competição a todo custo estava prejudicando as empresas norte americanas que então precisavam se fundir para ficarem mais fortes e assim enfrentar a concorrência estrangeira. As idéias da escola de Chicago colidem com as da escola de Harvard porquanto a primeira não tem como objetivo principal a defesa da concorrência. Segundo Chicago em muitos casos o monopólio supera em desempenho o oligopólio e assim não há razão para se proteger a competição. A união de empresas as possibilitará reduzir custo e isso gera maior eficiência/tecnologia e assim mais riqueza. Paula Forgioni62, sobre a escola de Chicago, anota:“os principais institutos antitruste passam a ser pensados em termos de “eficiência alocativa”: sob esse prisma, as concentrações (e o poder econômico que delas deriva) não são vistas _______________ 62 FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do direito antitruste. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 174. 52 como um mal a ser evitado.” A prática concentracionista passa a ser justificada pelos ganhos de eficiência. A escola de Chicago não tem por escopo proteger a concorrência em si, mas reconhece poder a competição ajudar, no caso concreto, a chegar à eficiência. A competição será tutelada não como um fim em si mesma, mas porque aquela proteção colaborará para o nascimento da eficiência. Ao ser criticada por não proteger os consumidores, pois não consegue dizer quanto eles poderiam pleitear pelos danos sofridos, Chicago contra-ataca dizendo que é a economia que deve ser protegida. Se o dinheiro sai das mãos dos consumidores e vai para os produtores trata-se de riqueza da mesma maneira, pois a sociedade formada por produtor e consumidor. A professora Áurea Regina Ramim63 salienta: “para os adeptos de Chicago, a Escola estruturalista peca pelo seu excessivo determinismo, não sendo certo que toda estrutura de mercado pulverizada seja a melhor forma de prover a eficiência econômica”. Ou seja, elevando-se a eficiência econômica é tolerável a concentração de mercado. 2.4.3 Escola adotada pelo Brasil Já é pacífico na doutrina de a Constituição ter adotado a concorrência possível. Neste sentido, correto se torna afirmar que de uma livre concorrência (art. 170 inciso IV) pelo menos a CONCORRÊNCIA POSSÍVEL deve ser tutelada. _______________ 63 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Brasília: Fórtium, 2005, p. 92. 53 O inciso IV do art. 173 da Constituição (a lei reprimirá o abuso do poder econômico), somando estes dois dispositivos constitucionais com o princípio da proporcionalidade encontra-se a concorrência possível, onde um mínimo de concorrência precisa ser garantido. A exceção é a situação do Petróleo, não sendo inconstitucional o seu monopólio porque a Constituição assim autoriza. A Constituição adotou a concorrência possível, salvo o petróleo, o gás natural e a energia nuclear. Destaca-se, entretanto, ter havido certa flexibilização relativamente ao petróleo, pois pode haver empresas concorrendo com a Petrobrás. Mas com a União não há concorrência uma vez não ser obrigada a licitar. O legislador ordinário da lei no 8884/1994 adotou a concorrência possível, embora tenha havido duas exceções: a) o primeiro dispositivo está no parágrafo primeiro do art. 20. Quem chega ao “status” de monopólio/monopolista vindo da concorrência monopolística ou da concorrência perfeita, sem abusar, porque é mais eficiente (produziu a um custo menor - tem mais tecnologia) – assim poderá permanecer, sem ser incomodado pelos órgãos de defesa da concorrência. b) O segundo dispositivo está no art. 54. Não se pode aprovar uma fusão se ela reduziu a concorrência em parte substancial, assim definida pela lei, mesmo que haja prova de eficiência. Só que este dispositivo, mais adiante, autoriza, no parágrafo segundo, a fusão mesmo reduzindo substancialmente a concorrência se for imperativo para o interesse nacional ou o bem comum. Este dispositivo, até a presente data, nunca foi utilizado pelo CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica. 54 2.5 Concorrência efetiva e concorrência potencial Para concluir este capítulo sobre o estudo do Direito antitruste e a concorrência, torna-se importante um breve comentário sobre estes dois importantes conceitos ligados ao Direito da Concorrência: Concorrência efetiva e concorrência potencial. Isso porque ao se renunciar à concorrência em nome da eficiência, denotar-se-á alguma irregularidade no mercado no que se relaciona a estes dois conceitos. Concorrência efetiva, na definição de Áurea Regina Ramim “é aquela que ocorre entre agentes econômicos efetivamente instalados e produzindo em um mesmo mercado relevante do produto geográfico”64. Pode-se citar o seguinte conceito de concorrência potencial, conforme definição dada pelo Professor Carlos Jacques V. Gomes65: Diz-se concorrente potencial o agente econômico que, a despeito de não atuar no mercado relevante considerado, potencialmente poderia nele ingressar, a depender do nível de preços praticando no mercado relevante e dos níveis de barreias à entrada existentes. Neste caso tem-se que a ameaça de novos concorrentes entrarem no mercado, caso seja possível, isto é, inexistindo barreiras à entrada, aquieta os ânimos concorrentes que já estão efetivamente no mercado no tocante à concentração. Com isso a concorrência é feita entre os produtores e até pelos que, embora tenham condições, não estão atuando no mercado. Assim, baseados nos conhecimentos expendidos até aqui, houve a formação da base teórica necessária para uma análise do Direito Antitruste e a Eficiência Econômica. _______________ 64 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Brasília: Fórtium, 2005, p. 82. GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p. 154. 65 55 Capítulo 3 O DIREITO ANTITRUSTE E A EFICIÊNCIA ECONÔMICA 3.1 A lei no 8884/1994 e a eficiência econômica Pelo visto até este momento, tem-se, como certo, do ponto de vista da ação estatal no domínio econômico, a defesa da concorrência, como sendo um dos meios de se buscar e manter o bem-estar no setor econômico da sociedade. A lei antitruste brasileira, no 8884/1994, traz em seu pilar os pressupostos para a proteger a sociedade no tocante aos efeitos maléficos da concentração econômica. A lei no 8884/1994 trata da questão envolvendo a eficiência econômica. O art. 20 diz em seu inciso II que dominar mercado relevante de bens ou serviços constitui infração à ordem econômica66. Entretanto o §1o assim enuncia: “A conquista de mercado resultante de processo natural fundado na maior eficiência de agente econômico em relação a seus competidores não caracteriza o ilícito previsto no inciso II.” A lei, então, autoriza a renúncia à concorrência em prol da eficiência. O inciso I do §1o do art. 54 da lei no 8884/1994 volta à discussão referente à eficiência econômica. O CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica poderá autorizar atos que limitem ou prejudique a concorrência caso estes tenham por objetivo: aumentar a produtividade, melhorar a qualidade de bens ou serviços ou _______________ 66 Segundo J. Cretella Jr., “a expressão ordem econômica, com as expressões Ordem Política e Ordem Social, um universo presidido por princípios e regras jurídicas rígidas, que as informam, assegurando-lhe condições de existência, resguardo e equilíbrio, endereçando-se, em cada Estado, a regra jurídica constitucional e a lei contra qualquer tipo de ato atentatório perturbador da atividade o humana, no seio de cada ordem” (CRETELLA JR, José. Comentários à lei antitruste (lei n 8.884 de 11.06.1994). Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 72). 56 propiciar a eficiência (grifo nosso) e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. O art. 54 da lei no 8884/199467 volta à discussão referente à eficiência econômica. A anotação de Jorge Fagundes68 sobre o tema ajuda a entender a questão, in verbis: [...] ainda que exista alguma diferença entre a natureza dos artigos 20 e 54 da Lei 8.884/1994 – eminentemente preventiva – no caso dos atos de concentração, lidando com situações em que seja provável a perda de bem-estar social a eles eventualmente associada vis a vis o conteúdo essencialmente, mas não exclusivamente repressivo dos processos administrativos no âmbito dos artigos 20 e 21, posto que voltados para a coibição das condutas das firmas detentoras de poder de mercado cujo efeito real ou potencial seja a geração ou redução de bem-estar social. Os artigos 20 e 54 da lei antitruste brasileira estão ligados. O primeiro define as condutas anticompetitivas e sua repressão, o segundo versa sobre o tratamento dado pela lei aos atos de concentração e sua prevenção. Uma vez que o art. 21 apresenta de forma exemplificativa condutas anticompetitivas nos limites estabelecidos no artigo 20 e seus incisos, a avaliação destes deve ser feita com base na previsão legal estampada nos parágrafos primeiro e segundo do art. 54. O art. 20 da Lei no 8884/1994 contém em si maior abrangência caso o compare com o artigo 54. Entretanto, o legislador, mesmo adotando o princípio da concorrência, admite a restrição desta em ocorrendo as condições descritas na lei. O art. 20, I e art. 54, caput, trazem como infração à ordem econômica todo ato limitativo ou prejudicial, de qualquer forma, à livre concorrência. Logo após, o §1º do art. 54 considera legítima a diminuição na concorrência, dando autorização ao _______________ 67 Art. 54 – Os atos, sob quaisquer formas manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE. §1º O CADE poderá autorizar os atos a que se referem o caput, desde que atendam as seguintes condições: I – tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade b) melhorar a qualidade de bens ou serviços; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico. 68 FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003, p. 221. 57 CADE para que seja o ato aprovado, desde que reúna os requisitos previstos no inciso I. Neste sentido J. Cretella Júnior69 assim diz: O CADE poderá ainda autorizar a prática de infrações à ordem econômica, consagrando o ilícito, desde que a empresa, que limitar ou prejudicar a livre concorrência ou dominar mercados relevantes de bens ou serviços, distribua eqüitativamente os benefícios decorrentes do ato delituoso entre seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais de outro. O ato de empresa concorrente pode ser dotado de intensidade tal que elimine todos os concorrentes, imperando a empresa no mercado sem competição. Se, porém, a concorrência for moderada não tendo, como conseqüência , a eliminação de parte significativa ou substancial – aspecto quantitativo – de mercado de bens e serviços, o CADE poderá autorizar a referida prática, que não se classifica como ilícito econômico. Possível é, então, observar, a importância do estudo sobre a eficiência economia e seus reflexos numa política de combate à concentração e atos anticompetitivos no mercado. Se a regra é a defesa da concorrência, o que leva a esta exceção? Antes de adentrar no conceito de eficiência econômica faz-se necessário definir eficiência. Eficiência é fazer o que é certo, sem cometer erros, primando pela qualidade. Segundo o Dicionário BARSA70 eficiência quer dizer “ação, capacidade de produzir efeito; eficácia”. 3.1.1 Conceito e modalidades de Eficiência Econômica No campo da economia a eficiência tem por escopo obter o máximo com os recursos disponíveis, que são escassos, tendo em vista as necessidades ilimitadas da sociedade. Como se observa a eficiência econômica tem ligação direta com o _______________ 69 o CRETELLA JR., José. Comentários à lei antitruste (lei n 8.884 de 11.06.1994). Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 118. 70 Dicionário BARSA da Língua Portuguesa / Coordenador Elisabete Lins Nuniz, Hermínia Maria Totti de Castro. São Paulo: Barsa Planet, 2003, v. 1. p. 351. 58 problema central da ciência econômica que é maximizar o bem-estar da sociedade utilizando os recursos existentes. A eficiência econômica liga-se à ótima utilização dos recursos do ponto de vista social, tendo em vista as crescentes demandas das pessoas. O aspecto econômico do estudo da eficiência começa pela definição de Vilfredo PARETO71. Este ensina que a eficiência econômica ocorre quando se obtém um equilíbrio geral ou parcial onde a melhora na situação de determinado indivíduo, família ou classe social não implique a piora de uma outra. Jorge Fagundes conceitua a alocação eficiente de Pareto “como aquela alocação econômica tal que não existe nenhuma outra capaz de aumentar a utilidade de pelo menos um indivíduo sem gerar a perda de utilidade por parte de um outro indivíduo”72. Carlos Jacques Vieira Gomes73, citando Shyam Khemani, define eficiência econômica como sendo “a busca de eficiência alocativa e de eficiência produtiva, estática ou dinâmica, mediante a redução dos custos de produção, avanço tecnológico e/ou inovação”. A eficiência alocativa ocorre ao se disponibilizar para a sociedade a quantidade de determinado bem desejado pela mesma. Os recursos devem estar sendo aplicados naquelas atividades mais interessantes para os consumidores. A eficiência produtiva74 liga-se diretamente à questão dos custos de produção. O _______________ 71 Nascido em Paris, estudou Matemática e literatura no Instituto Politécnico de Turim. FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003, p. 43. 73 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p. 192. 74 Segundo Jorge Fagundes, “eficiência produtiva ou técnica consiste no fato de a combinação de bens, seja ela qual for, ser produzida com o menor custo possível” (FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003, p 33). 72 59 escopo é produzir a mesma quantidade de bens, mas com menor custo ou aumentála sem elevar os esforços de produção. A eficiência produtiva estática é obtida quando dada uma tecnologia disponível às empresas, por via da competição ou através dos incentivos que venham a receber, optam por um processo de menor custo. A dinâmica é conseguida por via de implementação de nova tecnologia. Jorge Fagundes75 ainda traz o conceito de eficiência distributiva ou na troca: “distribuição de um determinado conjunto de bens finais – qualquer que ele seja -, suposto divisível, entre os consumidores, incrementar a utilidade de um deles sem reduzir a utilidade de pelo menos um outro consumidor qualquer”. Muito embora a lei no 8884/1994 faça clara referência a eficiências advindas do aumento de produtividade, melhoria na qualidade dos bens e serviços e desenvolvimento tecnológico (art. 54 § 1º, inciso I, alíneas “a”, “b” e “c”), a doutrina já firmou entendimento tratar-se de rol exemplificativo e não taxativo. Com isso ficam admitidas todas as formas de eficiências econômicas. João Bosco Leopoldino da Fonseca76, citando Posner, apresenta a seguinte definição de eficiência: “A eficiência se entende assim como o esforço de maximizar a riqueza, que é inerente a toda atividade econômica”. Conforme o exposto nota-se que o conceito amplo de eficiência econômica liga-se a uma melhor utilização dos recursos levando em consideração a questão social. Ou seja, não fica adstrita à questão somente da melhor técnica de produção. _______________ 75 FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003, p. 34. 76 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Lei de proteção à concorrência comentários à lei antitruste. Rio de Janeiro: Forense, p. 41. 60 Dentre as modalidades de eficiências econômicas, algumas merecem destaque. São colocadas neste trabalho as elencadas pelo professor Carlos Jacques Vieira Gomes77, verbis: i. ii. iii. iv. v. vi. vii. viii. desenvolvimento de produto novo: beneficia o consumidor, que antes não possuía acesso ao produto elaborado, bem como o produtor, que passará a auferir ganhos com a venda do bem inédito; economia de escala: correspondente à eficiência produtiva, a economia de escala propicia uma queda real no custo unitário de produção; economia de racionalização ou especialização: derivada do uso mais racional e especializado de recursos humanos e equipamentos, acrescentando-se aos ganhos de produtividade decorrentes da especialização a redução no custo unitário de produção; economia de escopo: resultado da economia de custos derivada da produção conjunta de dois ou mais bens; economia pela otimização do uso da capacidade instalada: a ociosidade média da capacidade instalada constitui efetivo custo de produção, o qual pode ser reduzido, ou mesmo eliminado, se a capacidade instalada para a mesma atividade for otimizada para a produção; sinergias: ocorre quando duas empresas, que possuem excesso de capacidade instalada em diferentes atividades ou funções, otimizam a ociosidade existente de forma que cada empresa faz uso produtivo da ociosidade detida pela outra; economia de custos de transação: corresponde à economia nos gastos decorrentes de negociação de contratos e de monitoramento quanto ao cumprimento das obrigações avençadas; economia em pesquisa e desenvolvimento: corresponde à economia de custo derivada da pesquisa realizada em comum por duas ou mais empresas, conjugando-se recursos materiais e humanos. A simples transferência de renda ocorrida numa fusão com as empresas pagando ao Estado menos tributo não caracteriza eficiência econômica. Nesta situação a renda que antes ficava com o poder estatal passa para os particulares participantes da fusão. Ressalta-se, também, não entrar no conceito de eficiência econômica o deslocamento de custos entre os diversos campos de ação da economia. _______________ 77 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p. 194-195. 61 3.2 A eficiência econômica e a concentração de mercado A concentração econômica, via de regra, conforme afirma a professora Áurea Regina S. Ramim78, “eleva as eficiências operacionais e de escala, possibilita maior facilidade na expansão da empresa ou entrada em um novo mercado, tendo como figuras mais próximas à fusão, à incorporação e às sociedades coligadas”. A autora, citando Nuno T. P. Carvalho, assim definiu Concentração Econômica: (...) é todo ato de associação empresarial, seja por meio da compra parcial ou total dos títulos representativos de capital social (com direito ou não a voto), seja através da aquisição de direitos e ativos que provoquem a substituição de órgãos decisórios independentes por um sistema unificado de controle empresarial – quer este controle seja exercido efetivamente ou não. A eficiência econômica no sentido de pareto tem como pressuposto o funcionamento da economia em estrutura de concorrência perfeita. Entretanto, a concorrência perfeita é um modelo teórico de difícil verificação na prática. Além do mais, conforme elucida Jorge Fagundes79, “o critério de eficiência de pareto não garante que a alocação dos bens produzidos entre os indivíduos da sociedade – ou seja, que a distribuição de utilidades ou bem-estar resultantes do equilíbrio competitivo – seja socialmente justa”. O desafio, então, do direito antitruste é lidar com a eficiência econômica num ambiente de imperfeição de mercado. O legislador, ao dar redação aos artigos 20 e 54 da lei no 8884/1994 já tinha em mente que o combate à concentração de mercado dar-se-ia no campo da concorrência possível/praticável. Uma vez autorizada a concentração, o dano à concorrência torna-se indiscutível. Então, a questão mor a _______________ 78 RAMIN, Áurea Regina S. de Queiroz. Direito econômico. Brasília: Fórtium, 2005, p. 118 –121. FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003, p. 58. 79 62 ser respondida é qual o grau de comprometimento da concorrência a ser compensado pelo aumento da eficiência. A concentração de mercado vista como algo não desejável passa a ser admitida na troca por ganhos de eficiência econômica. Isso desde que sejam atendidas as exigências legais consignadas nos incisos do parágrafo primeiro do art. 54 da lei no 8884/1994. Os ganhos com a restrição concorrencial devem ser repartidos com a sociedade. Assim, teoricamente, se uma empresa, em virtude, por exemplo, de uma fusão reduziu seus custos, deverá dividir este ganho com os consumidores, que por sua vez aumentarão a demanda e com isso a empresa será incentiva a contratar mais trabalhadores, colaborando para a diminuição no desemprego. Por este ângulo, os trabalhadores que antes perderam os seus empregos com a fusão agora terão chance de laborar na nova empresa tendo em vista a elevação na demanda, ou outros que há muito estavam a procurar ocupação passarão a contar com mais uma possibilidade. J. Cretella Júnior80 assim descreve a situação: “O CADE poderá autorizar a prática de infrações da ordem econômica, consagrando o ilícito, desde que a empresa, que limitar ou prejudicar a livre concorrência ou dominar mercados relevantes de bens ou serviços, distribua eqüitativamente os benefícios decorrentes do fato delituoso entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro.” No sistema capitalista o progresso técnico e o desenvolvimento econômico são variáveis diretamente relacionadas com a concentração de capital. Neste contexto a lei no 8884/1994 buscou a tutela da eficiência econômica tendo por suporte esta visão. _______________ 80 CRETELLA JR, José. Comentários à Lei antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 118. 63 Sendo impossível a concorrência perfeita e obrigatoriedade de adaptação a uma concorrência possível, cabe ao Estado, intervindo na economia, tentar viabilizar para que os ganhos da eficiência econômica não incentive ou alimente o abuso do poder econômico. Deseja-se que o conjunto da sociedade possa ser beneficiado socialmente com os ganhos de eficiência e não somente o produtor. A questão que se segue é como o Estado logrará êxito em seu intento de fazer chegar para todos os “benefícios” da restrição à concorrência em nome de uma maior eficiência econômica. Por isso Carlos Jacques Vieira Gomes81 afirma que “concorrência e eficiência são grandezas inversamente proporcionais, tornando-se o grande dilema do Direito Antitruste ao instrumentalizar seus escopos econômicos.” A possibilidade de o Estado intervir de maneira eficaz, depois de, por exemplo, uma fusão ter sido aprovada, torna-se muito difícil na prática. Mesmo havendo outros instrumentos legais como, por exemplo, o compromisso de desempenho, a tendência é a acomodação dos preços em nível mais elevado, com o consumidor transferindo renda para o produtor. Embora a própria lei no 8884/1994 consigne o princípio redistributivo (art. 54, §1º, inciso II), o Estado tem dificuldade, sem dar consecução a um excesso de intervenção na economia, em obrigar empresas fusionantes a repartirem com o consumidores os ganhos auferidos com a eficiência econômica. Uma política antitruste que vise ao combate de ações anticompetitivas e concentracionistas por parte das firmas tende a não ter sucesso se implementar sua atuação exclusivamente nos preceitos da eficiência econômica. O mercado é muito dinâmico e neste caso a lei dificilmente conseguirá acompanhar a versatilidade empresarial no sentido de acumular para si os benefícios econômicos advindos da _______________ 81 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p. 196. 64 redução de custos, sem dividi-lo com o consumidor. Vê-se, abaixo, a lição de Jorge Fagundes82 no tocante à problemática aqui suscitada: “Evidentemente, os economistas – e a teoria econômica – sempre poderão criticar – e, em certas circunstâncias, demonstrar – a inadequação entre os meios e os fins de determinadas formas de intervenção do Estado. Mas esse certamente não é o caso das políticas de defesa da concorrência e sua eventual preocupação com a distribuição de renda, na medida em que o grupo negativamente afetado, via de regra, é o formado por consumidores, grupo esse suficientemente heterogêneo, pelo menos na maior parte dos casos, para impedir políticas redistributivas compensatórias eficientes – supondo-as viáveis – por parte de uma outra “agência” do Estado” A escola de Chicago tem seu pensamento totalmente voltado para a questão da eficiência econômica. A intervenção antitruste só deveria ocorrer em se verificando a ineficiência econômica. Sendo a concorrência menos eficiente que o monopólio, este último deve ser mantido pois o ganho de eficiência do mercado compensa a diminuição da competição. 3.3 A eficiência econômica e princípio da livre concorrência Esta discussão é importante, tendo por base a seguinte questão: Pode-se aprovar uma fusão que fira a concorrência possível? A proteção mínima prevista no art. 170, inciso IV, da Constituição83 pode ser afastada? A interpretação literal do dispositivo legal não pode ser feita, ou seja, a competição a ser protegida encontra-se no campo da concorrência possível. Como o _______________ 82 FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste.São Paulo: Singular, 2003, p. 206. 83 O art. 170 A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I – .... II – ..... III – ..... IV – livre concorrência; 65 Brasil não adotou a concorrência instrumento (Escola de Chicago), então um mínimo de competição é preciso haver nos mercados. Mesmo tendo em vista que para tal mercado não precisa de competição, com o monopólio atendendo às funções exigidas pela sociedade, tem-se uma legislação que não observa o preceito constitucional e por isso um mínimo de concorrência deve ser preservado/tutelado. É sabido que no princípio da proporcionalidade84 existe a questão de peso e importância, podendo ter, por exemplo, 70% de um princípio e 30% do outro, mas não se pode adotar 100% e 0%. Neste caso, o princípio da livre iniciativa não poderá ser desprezado em sua totalidade. Isto é, pela legislação vigente não se pode acabar com toda competição do mercado. Caso pudesse cessar com toda competição prevaleceria a concorrência instrumento. Nesta situação inexistiria a proporcionalidade aplicada de maneira correta porque haveria a exclusão da concorrência possível e a doutrina considera que é esta a adotada pela Constituição. Além do mais, pela análise dos dispositivos constitucionais, quando o constituinte não quis concorrência possível ele foi expresso. O que é total exceção à concorrência foi colocada na Constituição, no art 177, constituindo monopólio da União. Assim, por mais que se proteja a livre iniciativa (uma vez ter a empresa passado à situação de monopólio sem abusar), esta, a livre iniciativa, eliminou a competição. Verifica-se, assim, fora do princípio da proporcionalidade. Torna-se, apesar da legalidade, imperativo construir/viabilizar um mínimo de concorrência. No modelo norte-americano qualquer conduta lícita ou ilícita que tenda ao monopólio é ilegal. No Brasil também é ilegal, salvo se advier da livre iniciativa. _______________ 84 Traduz-se numa exigência de compatibilidade entre o fim pretendido pela norma e os meios por ela enunciados para sua consecução. Trata-se do exame de uma relação de causalidade e uma lei somente deve ser afastada por inidônea quando absolutamente incapaz de produzir o resultado perseguido. 66 Assim, caso não se prove inexistir barreiras85 à entrada a empresa pode chegar, por exemplo, a dominar 90% do mercado, mas se chegar a 100% fica configurada a prática de um ato ilegal. Em ocorrendo de a Empresa ocupar a totalidade do mercado, denota que algum tipo de barreira deve existir, uma vez a competição com esta empresa estar sendo muito difícil. Barreiras à entrada, como se sabe, representam um importante fator que contribui para o aumento de poder do monopólio. Relativamente a esta questão que envolve eficiência econômica e livre iniciativa, importante observação faz J. Cretella Júnior86, a seguir transcrita: Não é possível ao intérprete harmonizar a prática delituosa consistente em limitar ou prejudicar a livre concorrência com a observância dos limites estritamente necessários para a consecução dos objetivos visados. Se a empresa tem como objetivo prejudicar os concorrentes – isto é, infração da ordem econômica, capitulado no art. 21, I -, como poderá, precisamente atingir esse fim, conduzir-se dentro dos limites estritamente necessários? Sempre que há essa infração é porque os limites foram ultrapassados. Esta dualidade legal, isto é, tutelar a concorrência possível e ao mesmo tempo autorizar o CADE a preteri-la em nome da eficiência econômica, respeitadas as condições previstas na lei, encontra a seguinte explicação teórica: traduzir-se-á em vantagem para o consumidor acolher o avanço tecnológico propiciador de redução nos preços e/ou melhora na qualidade dos produtos. Os reflexos poderão ser sentidos no desempenho da economia nacional. Analisando as condições impostas pela lei para o CADE autorizar um ato de concentração com restrição concorrencial, constata-se a preocupação do legislador com a repartição dos ganhos econômicos entre produtor e consumidor. Entretanto, na prática, no atual estágio de desenvolvimento capitalista, e isso não tem ocorrido. _______________ 85 Conforme ensina o Carlos Jacques Vieira Gomes, “constituem barreiras todos os fatores que impedem ou desestimulam o agente econômico de se retirar de um mercado não-lucrativo ou de ingressar em mercado que apresente lucros extraordinários” (GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A . Fabris, 2004, p. 164). 86 CRETELLA JR, José. Comentários à Lei antitruste. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p.119. 67 Os resultados positivos advindos dos ganhos de eficiência têm sido apropriados quase que exclusivamente pelos detentores dos meios de produção. 3.4 A problemática do art. 54 da lei no 8884/1994 A lei no 8884/1994, embora traga a visão de tutela da concorrência, admite a concentração nos ditames do art. 54. Para isso há o critério de cumulatividade do parágrafo primeiro e o de alternatividade do parágrafo segundo.87 O ato de concentração poderá ser aprovado se cumprir 3 (três) das 4 (quatro) exigências previstas no parágrafo primeiro do art. 54. Neste caso a conduta concentracionista tem autorização legal em sendo necessária por motivos preponderantes da economia nacional e do bem comum e também não poderá causar prejuízo ao consumidor. João Bosco Leopoldino da Fonseca88, sobre a flexibilidade dada pela lei no 8884/1994 de somente exigir 3 (três) das 4 (quatro) condições elencadas nos incisos do § 1º do art. 54 assim comenta: _______________ 87 Art. 54: Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do CADE. §1º O CADE poderá autorizar os atos a que se refere o caput , desde que atendam as seguintes condições: I - tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico; II - os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários finais, de outro; III - não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de mercado relevante de bens e serviços; IV - sejam observados os limites estritamente necessários para atingir os objetivos visados. §2º Também poderão ser considerados legítimos os atos previstos neste artigo, desde que atendidas pelo menos três das condições previstas nos incisos do parágrafo anterior, quando necessários por motivo preponderantes da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem prejuízo ao consumidor ou usuário final. 68 Esta disposição legal é uma flexibilização ainda maior deixada a critério do CADE, que terá o encargo de escolher quais dentre as condições devam prevalecer e, ainda, de apreciar a configuração do motivo preponderante relativamente à economia nacional e o bem comum. Aqui terá relevo a consideração do princípio decorrente da análise econômica do Direito. O legislador aqui não só previu a possibilidade de se aceitar atos limitativos e prejudiciais à concorrência como possibilitou ao CADE a faculdade de autorizá-los sem a observância de todas as exigências contidas no parágrafo primeiro do referido artigo. Nesta situação, a concorrência não é mais tão importante, podendo admitir-se que os ganhos de eficiência compensarão restrição concorrencial. Até a presente data, o CADE nunca utilizou o art. 54 para justificar a aprovação de um ato de concentração. Além do mais, a sua utilização caracterizaria a aceitação dos pressupostos da escola de Chicago, que é uma escola respeitada, mas muito atacada pela doutrina. Analisando os quatro incisos do parágrafo primeiro do art. 54, denota-se certa dificuldade para o CADE em saber qual inciso dispensaria sem que pelo menos qualquer um dos outros seja afetado. Nesta situação, verifica-se ser um caso de revogação do parágrafo segundo, devido a sua inutilidade. Ainda sobre o parágrafo segundo do art. 54 há que se considerar, também, a questão de Autoridade antitruste aprovar o ato de concentração por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum. A falta de critérios objetivos hábeis a identificar estes requisitos inibe a sua utilização pelo CADE, na aprovação dos atos de concentração. 88 LEOPOLDINO DA FONSECA, João Bosco. Direito Econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 149. 69 CONCLUSÃO O ordenamento jurídico concorrência89. Assim, a defesa da brasileiro contempla/privilegia a idéia da competição é tida como ponto principal no direito antitruste, sendo o melhor a ocorrer no intuito de beneficiar os consumidores, as próprias empresas e o Estado. Entretanto, esta busca pela concorrência pode ser relegada, admitindo-se a ocorrência de eficiência econômica. A lei no 8884/1994 procura pacificar este dilema que envolve a eficiência econômica versus concorrência. O atual estágio de desenvolvimento capitalista não permite desprezar a questão da eficiência econômica. As empresas naturalmente tendem a procurar uma posição onde possam auferir maiores ganhos e para isso trabalham para diferenciar e diversificar os seus produtos com vistas a garantir uma boa fatia do mercado. Esta procura pela eficiência é importante para a economia e para a sociedade, possibilitando obter novos bens e serviços a um menor preço e com qualidade superior. Por outro lado, configura um erro a tutela da concorrência como um fim em si mesma. Somente a proteção à concorrência, sem levar em conta a importância da eficiência econômica, também não está correto. Do mesmo modo a tutela da eficiência econômica como fim em si mesma, nos moldes defendidos pela escola de Chicago, mostra-se insuficiente para garantir um melhor funcionamento do mercado em termos de ganhos para a economia e os consumidores. _______________ 89 A palavra concorrência está sendo empregada, nesta conclusão, no sentido de concorrência possível/praticável. 70 O Brasil adotou a concorrência possível/praticável. Assim, algum grau de concorrência é imperativo haver. Pelo princípio da proporcionalidade não se pode, por exemplo, dar grau zero à concorrência em nome de uma elevada eficiência. Competição e eficiência são grandezas que em muitas situações caminham em direção contrária e por isso revela-se num grande desafio do Direito antitruste. Os ganhos de eficiência merecem relevância, mas a concorrência não pode ser ignorada, mesmo porque a própria constituição contempla a competição possível/praticável. Como se nota, o conflito entre concorrência e eficiência está presente e impacta toda a sociedade. Assim, o que se quer é a proteção à competição, admitindo-se a importância da existência da eficiência econômica. Pela análise da legislação antitruste brasileira, há o escopo de se garantir a concorrência com um grau médio de eficiência. Questão muito discutida pelos doutrinadores é saber qual nível de concorrência pode ser sacrificado em nome da eficiência econômica. Isso porque a própria lei no 8884/1994 já determina que nenhum ato de concentração poderá eliminar a competição em parte substancial do mercado relevante90. Percorrendo a lei no 8884/1994 em seus ditames, a seguinte pergunta surge: Há graus de eficiências que possam compensar a diminuição da concorrência? O professor Carlos Jacques V. Gomes91, citando Nuno T. P. Carvalho, ensina que, “em princípio, não há eficiências econômicas que justifiquem um ato de concentração que leve à monopolização ou a uma alta concentração de mercado”. _______________ 90 Como aponta Carlos Jacques Vieira Gomes, “a definição de mercado relevante está diretamente relacionada com a identificação da extensão do poder de mercado detido pelos agentes econômicos. Identificar o mercado relevante é o mesmo que descrever o contexto em que o poder de mercado pode ser exercido. Na lição de Neide T. Mallard: “o mercado relevante é o espaço da concorrência” (GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004 p. 155). 91 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004 p. 200. 71 Não se deve relegar a importância da eficiência econômica, mas daí a colocá-la como um valor exclusivo a ser protegido pelo Direito antitruste há uma certa distância. A prática não comprova ter capacidade a concentração de trazer efetivamente vantagens para os consumidores e a sociedade como um todo. Tanto nos EUA quanto em outros países, a política de tutelar a eficiência econômica como um valor intrínseco mostrou-se ineficaz ao que se propunha. A excessiva concentração coloca em risco os interesses sociais, envolvendo aí os consumidores e as empresas, principalmente as pequenas e as que estão fora do mercado. Por outro lado é de bom alvitre não pensar que a tutela concorrência é o bastante necessário para extirpar os males oriundos da imperfeição de mercado, renunciando por completo à eficiência econômica. Outrossim, pode-se afirmar ser a defesa da concorrência, com a inibição e repressão às práticas concentradoras, muito importantes para dar uma maior competitividade à economia, resultando em consideráveis frutos para o conjunto da sociedade. A defesa da concorrência, tanto efetiva92 quanto a potencial, é a regra, uma vez ter o condão de propiciar melhores resultados para os consumidores, governo e empresas. A eficiência econômica é importante, mas se esta não for engendrada do modo menos comprometedor possível à competição, obrigará a autoridade antitruste impedir a aprovação do o ato de concentração. Entretanto, como ocorre atualmente nos EUA, restrição concorrencial só se justifica se for a única maneira de poder propiciar aos consumidores melhores preços e produtos de maior qualidade. Ao se falar em eficiência econômica, é sempre aconselhável tocar no ponto relativo à distribuição de seus possíveis resultados positivos, isto é, a redução no _______________ 92 Sobre concorrência efetiva e potencial veja o subitem 2.5 deste trabalho. 72 custo de produção e/ou aumento de produtividade. Neste caso se a riqueza for apropriada somente pelos produtores de nada adiantará. A eficiência econômica advinda de um ato de concentração, para ser aceita, deve ser repartida com os consumidores e não somente alargar as margens de lucro dos produtores. O caráter da redistribuição talvez seja a principal crítica à escola chicagueana. A intervenção do Estado na economia justifica-se pelo fato de o mercado sozinho não se preocupar devidamente com a questão social, ou seja, a repartição do “bolo” não contemplar o conjunto da sociedade. Por isso, ao tutelar a eficiência econômica, o Estado deve objetivar sanar as distorções sociais e não alimentá-las. Caso a renda agregada com a eficiência econômica, através da diminuição de custos e/ou aumento de produtividade, não contemple também os consumidores, a situação econômica tende a agravar devido ao excessivo aumento de poder econômico93. Com isso surge a seguinte pergunta: Como saber se os ganhos da eficiência econômica foram ou não divididos com o consumidor? Segundo anota o professor Carlos Jacques94, em duas situações: i) concorrência potencial elevada (diminutas barreiras à entrada); ii) os ganhos de eficiência produtiva, isto é, economias de escala, são tais que o preço de equilíbrio atual fica inferior ao cobrado anteriormente. Estas duas condições acima não são fáceis de serem alcançadas, tendo em vista a força que tem as firmas envolvidas nos atos de concentração de se _______________ 93 Poder econômico é “a aptidão para influenciar no preço e na quantidade produzida além dos limites admissíveis” (GOMES, Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004 p. 135). 94 GOMES, Carlos Jacques Vieira. Ordem econômica constitucional e direito antitruste. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2004 p. 206. 73 apropriarem dos ganhos. Neste caminho a lição de Jorge Fagundes95, abaixo transcrita, reforça tal argumento, verbis: Trata-se, portanto, de sugerir que as políticas antitrustes, tanto de caráter preventivo como repressivo, devem, por meio do manejo reativo da variável concorrência, visar ao aumento – ou, pelo menos, à não-redução – da eficiência econômica sujeita à restrição distributiva, posto que, caso contrário, seus resultados provavelmente implicariam redução do bemestar social, supondo que o critério distributivo empregado privilegie a renda real dos consumidores quando da ocorrência de estratégias empresariais anticompetitivas que a transfiram, mediante a diminuição das pressões competitivas, para os produtores. A lei no 8884/1994, como já se sabe, permite o prejuízo à concorrência, art. 54, caso se cumpram as exigências previstas nos incisos I a IV do mesmo artigo. Entretanto, destes incisos, somente o primeiro trata da eficiência. Os demais impõem outros critérios a serem observados pela Autoridade antitruste no momento de permitir o ato de concentração. Assim, exige-se a compensação via produção de eficiência de pareto96 sem deixar de lado a equidade, ou seja, deve haver eficiência distributiva. A Autoridade antitruste deverá ficar atenta, pois uma eficiência em termos de custo de transação pode vir acompanhada de efeitos anticompetitivos que não compense a restrição concorrencial. Cabe aos órgãos de defesa da concorrência, pautando pela lei e critérios científicos fornecidos pela teoria econômica, buscarem o equilíbrio no instante de autorizar ou não um ato de concentração. A eficiência econômica não pode vir acompanhada de redução do nível de bem-estar da sociedade, devendo, no mínimo, ser mantido. _______________ 95 FUGUNDES, Jorge. Fundamentos Econômicos das Políticas de Defesa da Concorrência. São Paulo: Singular. 2003, p. 214. 96 Eficiência de Pareto, ou seja, um aumento do excedente agregado sem redução do excedente do consumidor, conforme ensina Jorge Fagundes, obra citada, p. 219. 74 Esta tarefa não é fácil numa estrutura imperfeita de mercado97 e com uma economia globalizada, onde as empresas, com o fito de reduzir custos e aumentar lucros, aproveitando a detenção de poder econômico, procuram caminhar rumo a uma posição onde possam determinar seus preços sem depender tanto da demanda. Daí a grande quantidade de fusões, incorporações e outros atos de concentração ocorridos nos últimos 15 anos. Com isso, vê-se ser possível a tutela da eficiência econômica, mas desde que revele ser a única forma eficaz de compensar a limitação à concorrência. Entretanto não poderá destruir parte substancial da competição no mercado relevante. E, por último, proteção à eficiência econômica não poderá ser engendrada caso os ganhos auferidos deixem de ser distribuídos de forma eqüitativa aos consumidores. É imperioso reconhecer que a busca pela eficiência impulsionou o surgimento de melhores tecnologias. Ocorreram nos últimos 50 (cinqüenta) anos importantes avanços, propiciando um progresso nunca visto antes. Por outro lado, os fatos mostram ter havido, com a corrida pela eficiência, fortes ataques aos princípios da concorrência. Numa estrutura de mercado imperfeita, a concentração/acumulação de capital facilita o fortalecimento do poder econômico e o seu abuso. Neste contexto é que a maioria dos países tem a sua própria lei de proteção à concorrência, sendo a defesa desta importante para manter o bem-estar do econômico da sociedade. E dentro da análise antitruste da defesa da concorrência, torna-se importante ter atenção à questão da eficiência econômica. _______________ 97 Sobre estrutura imperfeita de mercado veja o subitem 2.2 deste trabalho. 75 REFERÊNCIAS CRETELLA JR, José. Comentários à lei antitruste (lei no 8.884 de 11.06.1994). Rio de Janeiro: Forense, 1995. BULGARELLI, Waldirio. Concentração de empresas e direito antitruste. São Paulo: Atlas, 1997. Dicionário BARSA da Língua Portuguesa / Coordenador Elisabete Lins Nuniz, Hermínia Maria Totti de Castro. São Paulo: Barsa Planet, 2003, v. 1. FAGUNDES, Jorge. Fundamentos econômicos das políticas de defesa da concorrência eficiência econômica e distribuição de renda em análise antitruste. São Paulo: Singular, 2003. FREITAS, Juarez. O Controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São Paulo: Malheiros, 1997. GASPARINE, Diógenes. Direito administrativo. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001. GOMES, Carlos Jacques Vieira. 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