V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO: POSSÍVEIS
ENCONTROS ENTRE EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO
AMBIENTAL1
Adelaide Alves Dias2
Universidade Federal da Paraíba
[email protected]
Maria Gorete Cavalcante Pequeno 3
Universidade Estadual da Paraíba/
Universidade Federal da Paraíba
[email protected]
Resumo
A Educação Infantil - EI se apresenta, hoje, como campo em construção, complexo e
multifacetado orientado pela história de discriminação que marcou a infância em nosso país. A
docência para essa etapa se depara com fragilidades relacionadas à ausência de formação
específica e desvalorização do trabalho com crianças pequenas. Nosso intuito, nesse artigo, é
analisar as políticas educacionais voltadas para a infância a fim de problematizar o lugar da
Educação Ambiental nas políticas educacionais e de currículo que orientam a formação e o
fazer de docentes desse nível. Verificamos que esta ocupa um lugar muito incipiente, e até
inexistente, nessas políticas, apesar de se encontrarem em vários pontos, como na dimensão
do cuidado, no caráter não disciplinar, na origem - inicialmente em movimentos sociais e
depois incorporadas aos sistemas de ensino - e o eixo temático Natureza e Sociedade do
Referencial Curricular Nacional da EI. O desafio que está posto para todas/os que acreditam
no potencial da infância é investir na “profissionalização docente” que possibilite a elaboração
de um saber teórico-prático, orientado pela “racionalidade ambiental” e promova o
desenvolvimento global da criança pequena.
Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Educação Ambiental. Formação Docente.
Introdução
Nosso intuito, nesse artigo é destacar a forma como vêm sendo pensadas as políticas
educacionais de atendimento a infância - e sua efetivação (ou não) no contexto das
instituições que lidam com a criança pequena - a fim de problematizar o lugar da Educação
1
Órgão Financiador: CAPES/PROCAD NF 2009
Professora Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do
PROCAD NF 797/2010 e Líder do Grupo de Pesquisa Docências, Aprendizagens e Representações Sociais.
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Professora da Universidade Estadual da Paraíba e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal da Paraíba.
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Ambiental nas políticas educacionais que orientam a formação de professoras/es da Educação
Infantil. Ao analisar esses documentos
A área da infância vem se constituindo, nas últimas décadas, a partir do
reconhecimento dos direitos da criança, principalmente em relação à educação e ao
atendimento em instituições específicas, fruto de um processo de lutas e embates que busca
vencer as desigualdades que marcaram a história da criança (principalmente da criança pobre)
em nosso país.
No Brasil, a Educação Infantil – EI é instituída no âmbito da emancipação da mulher e
sua inserção no mercado de trabalho em virtude do acelerado processo de urbanização, na
conjuntura de uma sociedade marcada por contradições que permitem a coexistência de
crescimento, miséria, desemprego e acesso desigual aos bens sociais - como por exemplo,
oportunidades de educação - pelas diferentes classes sociais. Dessa forma a EI nasce
dissociada da intenção de educar, ou seja, desvinculada de um currículo e da escola, e é
concebida, por um longo período, como uma questão secundária e de cunho assistencialista
(KRAMER, 2011).
Nesse contexto, as políticas educacionais de atendimento a infância tem sido
marcadas, desde o seu início por encontros e desencontros que revelam tanto uma concepção
de discriminação quanto uma visão fragmentada desse período geracional e têm sido
orientadas por diversas abordagens. Nos anos 1970 a perspectiva da “privação cultural” ganha
destaque com ênfase nas carências culturais, deficiência linguística e defasagens afetivas que
concebia as crianças como carentes, deficientes e imaturas.
Nos anos 1980 essa concepção - reforçada, inclusive, por documentos oficiais - é
questionada pelos Estados e municípios, a partir de contribuições da psicologia, sociologia e
antropologia, que evidenciaram a condição desigual que estava sendo imposta às crianças e a
necessidade de combater essa desigualdade e reconhecer as diferenças. Esse era um desafio
necessário à consolidação da democracia e de repúdio a injustiça social e a opressão.
Desde então a criança passou a ser percebida (pelo menos no âmbito do discurso)
como cidadã que tem direito e pertence a uma classe social, um grupo, uma cultura. E,
portanto, precisa ser respeitada em sua especificidade. Essa visão foi ratificada pela
Constituição de 1988 – reconhecida como “Constituição cidadã” – primeira a reconhecer o
direito de todas as crianças de 0 a 6 anos à educação e o dever do Estado de oferecer meios
(creches e pré-escolas) para garantir esse direito.
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Na década de 1990, período de transição e ampliação do debate acerca da Educação
Infantil, principalmente a partir das orientações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN), Lei 9.394/ 1996, que além de reconhecê-la como primeira etapa da
educação básica, determina a inclusão de creches e pré-escolas aos sistemas de ensino,
evidenciando o seu caráter educativo, e a formação de nível superior (ou médio) para
professoras/es desse nível. Essas mudanças, principalmente em relação à concepção
assistencialista, abalaram todo um imaginário social, em relação à educação da criança
pequena, construído historicamente e provocaram um intenso debate, e até mesmo embates,
acerca das implicações políticas, econômicas e administrativas para a sua implementação.
O caráter ambíguo acerca da infância acarretou, em nosso país, o estabelecimento de
um campo muito diferenciado pela variedade de instituições, estruturas e profissionais que a
ela tem se dedicado e contribuiu para a desqualificação profissional, reforçada pela dicotomia
entre o “cuidar” e o “educar”, pois a titulação era dada, conforme a função que se exercia. O
educar era atribuição das professoras, enquanto o cuidar ficava a cargo das auxiliares e
recreadoras, dentre outras denominações4. Os atributos necessários para exercer o magistério
infantil se baseavam (ou se baseiam), portanto, na afetividade enquanto “dom maternal” para
educar convertido nas “tias” carinhosas, boas e pacientes, guiadas somente pelo coração e
pela intuição, que ainda hoje ocupam muitas de nossas instituições que lidam com a infância, e
contribuíram para a tendência da “feminização do magistério5”.
A Educação Infantil é concebida, nesse contexto, como campo complexo e
multifacetado e a docência, para esse nível, como atividade duplamente frágil pela falta de
formação especializada e pela desvalorização do trabalho com crianças pequenas, associada a
marcas socioculturais de uma profissão de nível inferior, um fazer com a conotação de cuidar,
considerado como atividade de mulher que exige pouca qualificação. Essa ideologia camufla as
precárias condições de trabalho, esvazia o conteúdo profissional da carreira e desmobiliza os
profissionais quanto às reivindicações salariais e não os leva a perceber o poder, a importância
e a responsabilidade da profissão que exercem (KRAMER, 2011, p. 127-128).
Outro aspecto que tem atrapalhado a educação da criança pequena, em nosso país é
a tendência de desvincular ensino e aprendizagem o que contribui para a desintelectualização
de professores/as que priorizam a observação, a organização de espaços pedagógicos e o
4
As denominações para a/o profissional da Educação Infantil, ao longo da história, têm sido bastante variadas: monitoras,
auxiliares pagens, recreadoras, berçaristas, auxiliares de desenvolvimento infantil, educadores infantis, professores, mães
crecheiras, tias, entre outras.
5
Ver Tiriba (2005).
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acompanhamento de interesses da criança, em detrimento de aspectos relacionados ao ensino
e a aprendizagem.
O Relatório Final do estudo realizado pela FCC/MEC/BID6 visando obter informações
sobre a qualidade do atendimento da Educação Infantil e seu impacto no aproveitamento de
alunos/as no início do ensino fundamental em seis capitais: Belém, Fortaleza, Teresina, Campo
Grande, Rio de Janeiro e Florianópolis - abrangendo as cinco regiões brasileiras, confirmou a
precarização do trabalho docente nessa etapa da educação. Os resultados, dessa pesquisa,
mostram que tanto em creches quanto em pré-escolas o item “Interação7” obteve a maior
média (6,7), atingindo, assim, o nível de qualidade adequado, enquanto o item “Atividades8”,
obteve a menor média tanto em creches (2,2) como em pré-escolas (2,3), atingindo, portanto,
o nível de qualidade inadequado. Já a área Natureza/ciências recebeu a nota mais baixa (1,6),
dentre as demais.
Em relação ao item Rotinas de cuidado pessoal nas creches (refeições/merendas,
sono e práticas de saúde) obteve médias que correspondem ao nível de qualidade inadequado.
Esses dados indicam que em nossas instituições de EI ainda prevalece o modelo assistencialista
em detrimento do educativo, uma vez que as interações positivas por si só não garantem a
aprendizagem e o desenvolvimento da criança (BRSIL, 2010). Como também que mesmo o
cuidar precisa ser melhorado.
Essas questões demonstram que apesar dos avanços em relação ao reconhecimento
de direitos e especificidades da educação da criança pequena, especialmente na última
década, há o reconhecimento de que para se melhorar o atendimento das crianças de 0 a 5
anos, alguns impasses precisam ser desvelados. Dentre eles destacamos o “modelo
pedagógico” a ser adotado em creches e pré-escolas e, principalmente, a formação de
professoras/es para esse nível, no sentido de superar a concepção de cuidadora/guardadora,
como foram reconhecidas historicamente, essas profissionais.
As propostas para formação de professores/as do ensino fundamental e da EI no
Plano Nacional de Educação - PNE (2001-2011)9 seguiram as orientações da LDBEN10.
A meta era que todos os professores tivessem habilitação específica, de nível médio, em cinco
6
Fundação Carlos Chagas, Ministério da Educação em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Foi considerado, nesse item, a interação criança-criança e a interação adulto-criança que corresponde a supervisão das
atividades e disciplina.
8
Esse item considerou as atividades proporcionadas às crianças, materiais disponíveis (quantidade e variedade e o tempo em que
ficam disponíveis) e as condições dos espaços reservados para essas atividades (BRASIL, 2010).
9
O PNE (Lei 10.172, de 9 de janeiro 2001), defendeu a melhoria da qualidade do ensino em nosso país e reconheceu que ela
depende da valorização do magistério, que implica em cuidar da formação inicial e continuada e das condições de trabalho, salário
e carreira docente.
7
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anos e em dez anos 70% tivessem formação de nível superior. Entretanto, apesar de termos
crescido, na média nacional, em relação ao nº de professores/as com formação de nível
superior com licenciatura: em creches (37,2%) e em pré-escolas (45,5 %), estamos distantes da
meta (70%). Já a Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010) não apresentou metas
quantitativas em relação à formação de professores/as da EI e a proposta do novo PNE (20012020, em discussão) - que redimensiona as metas para a EI nesse período: universalização do
atendimento escolar à criança de 4 e 5 anos, até 2016, e o atendimento de 50 % das crianças
de até três anos até 2020 - segue a mesma tendência de não definir metas (VIEIRA, 2010).
Em relação aos atuais modelos de formação de professores/as para a EI, é possível
identificar vários desencontros/tensões como a pouca clareza acerca do perfil desejado para
esse profissional (traduzida na configuração curricular e oferta de cursos enciclopédicos);
fragmentação e distribuição da prática pedagógica; ausência do perfil de professor
pesquisador da prática pedagógica; cursos de formação amorfos que não consideram as
especificidades da EI e com Projeto Pedagógico único para formar professores para a EI, EF e
EJA11; novas modalidades de cursos de formação, a exemplo dos Institutos Superiores de
Educação12 e Normal Superior, criados por políticas ligadas a acordos internacionais. Outro
aspecto preocupante é a rígida natureza disciplinar da formação acadêmica que tem “efeitos
catastróficos” nessa formação, uma vez que “a criança pequena aprende em contato com o
amplo ambiente educativo que a cerca, o qual não pode ser organizado de forma disciplinar”
(KISHIMOTO, 2011, p.).
Diante dos grandes desafios inerentes a necessidade de construirmos um novo perfil
de professoras/es para a EI, nos questionamos: Como promover uma formação acadêmica que
considere as especificidades da educação da infância e atenda as necessidades da formação
científica? Como superar a fragmentação do conhecimento, nos cursos de formação docente e
ajudar professores/as a compreender que a criança pequena aprende de modo integrado? A
“não escolarização da EI” seria uma forma de atender as especificidades da educação de
infância ou uma forma de desvincular o ensino e a aprendizagem da educação da criança
pequena? Como estruturar um projeto de formação inicial e continuada que atenda o direito
10
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9 394/96, que determina a formação de nível superior ou Normal de ní vel
médio para decentes dos anos iniciais e da Educação Infantil.
11
Como propõem as novas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, regulamentadas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de
maio de 2006.
12
Os Institutos Superiores de Educação têm a responsabilidade de manter Cursos formadores de profissionais para a educação
básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séri es do
Ensino Fundamental... (Artigo 63, inciso I, LDBEN).
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de todos/as professores/as (a formação é um direito) e brasileiros/as a uma educação pública
e de qualidade?
No intuito de vencer esses desafios e mudar a realidade da educação de nossas
crianças na perspectiva da “institucionalização da infância” (KRAMER, 2005) e da “pedagogia
da infância” (KISHIMOTO, 2011), precisamos, urgentemente, promover a formação de
professores/as desse nível, na busca do desenvolvimento profissional13 que visa a
profissionalização14 docente, proposta que parece convergir entre pesquisadores da área
(KISHIMOTO, 2011; FORMOSINHO, 2009; KRAMER, 2011).
A profissionalização de professoras/es de infância não se dá apenas no meio
acadêmico, numa perspectiva teórica, mas num processo construído, de forma contínua,
através da “história vivida” na formação prévia (de nível superior), formação na
escola/creche/pré-escola (espaços privilegiados dessa formação) formação nos movimentos
sociais da categoria e a formação cultural através da arte, literatura, música, teatro, museus,
bibliotecas, capaz de nos humanizar e fazer compreender o sentido da vida para além da
dimensão didática do cotidiano (KRAMER, 2005).
É nesse contexto de busca da compreensão do sentido da vida que precisamos
refletir acerca da necessidade de inserir a Educação Ambiental, nos sistemas de ensino desde a
EI, enquanto “novo” campo do saber que visa promover a crítica ao atual modo de apropriação
e transformação da natureza que hoje, conforme Bauman (2008), transforma o mundo em
“mercado” e as “pessoas em mercadorias”. Iniciamos, portanto, refletindo acerca do lugar da
EA nas Políticas de Formação de Professoras/es e do Currículo da Educação Infantil.
2. Encontros possíveis da Educação Ambiental com a Educação Infantil
A Educação Ambiental em seu estágio inicial é concebida como preocupação do
ambientalismo15. Somente depois se configura como um quefazer da educação ao dialogar
com as tradições, teorias e saberes do campo educacional. O marco inicial de sua
institucionalização ocorre, internacionalmente, a partir da Conferência de Estocolmo (Suécia
1972), que recomendou o Programa Internacional de Educação Ambiental, sob a égide da
13
Relaciona-se a ação profissional integrada que professoras/es desenvolvem junto as crianças e suas famílias a partir dos seus
conhecimentos, competências e sentimentos e assumindo a dimensão moral da profissão (FORMOSINHO, 2011).
14
Diz respeito as saberes mobilizados por professoras/es através da integração de aspectos relacionados a formação e a luta por
melhores condições de trabalho e de remuneração, ou seja, a carreira docente.
15
Também chamado movimento ecológico é um movimento social que congrega uma diversidade de correntes de pensamento
que têm como foco a preocupação com o meio ambiente.
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UNESCO16 e do PNUMA17, consolidado na I Conferência sobre Educação Ambiental (Tbilise em
1977), na qual foram estabelecidas suas finalidades, objetivos, princípios e estratégias.
No Brasil apesar da Educação Ambiental- EA já configurar como atribuição da
Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (1973) e da Política Nacional de Meio
Ambiente (1981) - que recomenda sua inclusão em todos os níveis de ensino - é a partir da
Constituição Federal (1988, Art. 225) que é reconhecida como direito de todos e dever do
Estado. Entretanto, somente no final da década de 1990 com a aprovação da Política
Nacional de Educação Ambiental – PNEA (Lei nº 9 795/1999, regulamentada em 2002) ganha
reconhecimento público.
A PNEA reconhece a EA como “um componente essencial e permanente da educação
nacional, que deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do
processo educativo, em caráter formal e não formal”. E destaca a EA na educação escolar
como aquela desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e
privadas, englobando: I - educação básica: a) educação infantil; b) ensino fundamental e c)
ensino médio, além da educação superior, especial, profissional e educação de jovens e
adultos. Além de outros encaminhamentos, recomenda que a EA deve permear todas as áreas
do conhecimento de forma inter, multi e transdisciplinar e não se constituir em disciplina do
currículo.
Em relação à formação docente a PNEA propõe que a capacitação de recursos
humanos deve voltar-se para “a incorporação da dimensão ambiental na formação,
especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino” (Art.
8°, § 2°, inciso II) e no Art. 11, determina que “a dimensão ambiental deve constar dos
currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas” (BRASIL,
Lei n° 9.795/99. In: ProNEA, 2005, p.68). No entanto, Silva (2007) destaca como preocupante a
lentidão com que as instituições têm aderido a essa questão e a tímida inserção da educação
ambiental nos cursos superiores.
Essa inserção inicial nos setores públicos confere a Educação Ambiental “um caráter
conservador, comportamental e tecnicista voltado para a resolução de problemas”, aspecto
que tem influenciado a sua prática didático-pedagógica no contexto escolar (JARDIM, 2011,
p.125), bem como a sua inserção nas políticas educacionais que orientam a formação docente
e a organização dos currículos.
16
17
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura.
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
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Apesar da regulamentação da EA nos currículos escolares e da formação de
professoras/es de todos os níveis de ensino e campos do saber, a legislação e as políticas
educacionais não têm conseguido sensibilizar os gestores para a sua inserção, de fato, nos
processos formais de ensino, especialmente da Educação Infantil. É nesse nível que a EA
parece está mais distante.
Quanto à interface entre as políticas da EA e da EI, há vários desencontros. A Política
Nacional de EI (BRASIL, 1996) nem a atual LDBEN mencionam a Educação Ambiental, nem a
PNEA faz menção a LDBEN. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia
(Resolução CNE/CP Nº 1/2006) não faz referência a Educação Ambiental de forma explícita.
Entretanto, propõe que o curso de Pedagogia promova, dentre outros, estudos “de
conhecimentos ambiental-ecológicos” (Art. 2º), realize pesquisas que proporcionem
conhecimentos, “(...) sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios
ambiental-ecológicos” (Art.5º, inciso X)” e determina, no Art. 6º, que a “sustentabilidade,
entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea” deve compor o núcleo de
estudos básicos do curso.
A forma como essa questão é apresentada, nessas Diretrizes e demais documentos
norteadores da EI, através de conceitos amplos como o “ambiental-ecológico” – que o
documento não explicita o significado - exige um vasto conhecimento de educadoras/es, nessa
área, para que possam os articular com os conteúdos dos diversos eixos de trabalho referentes
ao Conhecimento de Mundo. A ausência desse debate na formação de pedagogas/os, nos leva
questionar: podemos exigir que docentes, da educação infantil, desenvolvam a Educação
Ambiental de forma contínua, interdisciplinar/transversal ao currículo se esta temática tem
estado ausente da sua formação?
Quanto ao Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI),
documento oficial elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) em 1998, como parte da série
de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, visando subsidiar a elaboração de
projetos pedagógicos nas instituições de educação infantil, é composto por três volumes e em
nenhum deles aparece o termo Educação Ambiental.
No primeiro volume, onde apresenta os objetivos gerais da educação infantil, vê-se
que a preservação do meio ambiente está presente: “observar e explorar o ambiente com
atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente
transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua
conservação”, corroborando com a definição de educação ambiental estabelecida na Política
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Nacional de Educação Ambiental, que sustenta que “os processos por meio dos quais o
indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e
competências voltadas para a conservação do meio ambiente”, que é um “bem de uso comum
do povo”, e é “essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Percebe-se que
ambas falam na conservação do meio ambiente, portanto, que o RCNEI está de acordo com o
que estabelece a PNEA (BRASIL, 1998).
No volume três, voltado para o “âmbito da experiência e Conhecimento de Mundo,
o eixo denominado “Natureza e Sociedade”, que reúne conteúdos pertinentes às áreas das
Ciências Humanas e Naturais, com o objetivo de desenvolver nas crianças as capacidades de
“explorar o ambiente, para que possa se relacionar com as pessoas, estabelecer contato com
pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade e interesse”
e para crianças de 4 a 6 anos, espera-se que sejam capazes de “estabelecer algumas relações
entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem, valorizando sua
importância para a preservação das espécies e para a qualidade da vida humana”.
Mesmo que neste eixo, através de amplos objetivos as questões ambientais possam
ser exploradas, em virtude da ausência de uma análise crítica da relação sociedade e natureza,
não favorece o desenvolvimento da educação ambiental, na perspectiva crítica e
transformadora. Exigindo, assim, a inserção dessa questão nos processos de formação inicial e
continuada.
Esse investimento se faz necessário em virtude de ser a infância, tempo privilegiado
para construirmos uma nova maneira de perceber o ambiente e seus bens, enquanto finitos,
públicos e sociais. Pois nessa fase a criança ainda não perdeu a percepção de que também é
natureza, (que é um animal) como é possível perceber na forma como ela se relaciona e se
identifica com seus elementos. Basta observar a satisfação e o seu encantamento quando lhe
damos a oportunidade de está em contato com a água, a terra ou outros animais. Elas os
valorizam e não se incomodam em “se sujar”, como falamos. No distanciamento da nossa
condição de natureza passamos a percebê-la como sujeira. Um exemplo disso é o fato de hoje
impermeabilizarmos todos os nossos espaços, inclusive nas escolas, não podemos deixar a
criança ter contato com a Terra, nossa base de vida e energia, para “não se sujar”.
Outra idéia a ser desconstruída é a de que a infância é uma fase propícia para
implementar a formação de hábitos de “futuros cidadãos” – como se a criança não fosse
cidadã hoje - alternativa de solução para os problemas da educação do país - como se
propagou em décadas anteriores – e hoje se propaga em relação aos problemas ambientais.
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Essa visão da criança como um ser que pode ser moldado, conforme as necessidades
da sociedade, como forma de se adaptar a ela e não como alguém que pode contribuir
ativamente para a sua transformação – desde que tenha oportunidade - é fruto de uma
concepção de criança, como alguém incapaz, construída historicamente, nos contextos
socioculturais que determinam a idéia que temos de infância e as imagens que fazemos dela.
Precisamos, portanto, desconstruir, essas concepções, pois as crianças podem nos ensinar na
sua naturalidade e sabedoria, que também somos terra e que precisamos dela para viver.
A inserção da EA no contexto da EI, apesar de pouco explorada, tem um papel
fundamental no desenvolvimento da criança, que ocorre principalmente, através de suas
interações com as pessoas e com o ambiente, pois “as crianças se desenvolvem em situações
de interação social, nas quais conflitos e negociações de sentimentos, idéias e soluções são
elementos indispensáveis” (BRASIL, 1998, p.31). Além disso, as interações podem contribuir
para a formação de uma nova cultura de respeito a si mesmo, aos seus semelhantes, aos
outros animais e aos demais bens que compõem o ambiente que a cerca.
A EA também se entrelaça com a EI, através da dimensão do cuidado, pois
acreditamos que cuidando bem de nossas crianças e do seu ambiente de vivência podemos
ensiná-las a cuidar de si e do seu meio, favorecendo, assim, a construção de um mundo mais
humano, já que “a base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se
desenvolver como ser humano” (BRASIL, 1998, p.24). O cuidado na EI, como parte integrante
da educação, envolve vários campos de conhecimentos e se apresenta, portanto, como uma
alternativa para vencermos o sintoma mais doloroso da nossa civilização que aparece sob a
forma do descuido, do descaso e do abandono. E tudo que existe e vive precisa de cuidado
para continuar a existir e a viver (BOFF, 1999), no qual se encontra mergulhada a sociedade
contemporânea.
Elali (2003) ao investigar sobre o que nossas escolas ensinam em termos de relações
pessoa-ambiente confirma que a maioria dos sujeitos (pais e administradores das instituições
infantis) reconhece que uma maior aproximação da criança ao seu meio natural pode
promover atitude de respeito e cuidado para com o ambiente, o que pode ser considerado
como ‘primeiro passo’ para a incorporação da idéia de sustentabilidade. Entretanto esse
entendimento não tem reflexo direto na realidade ambiental das escolas, uma vez que a
definição e o uso do espaço físico disponível, nega esse princípio ao dificultar o contato
criança-natureza e até mesmo promover o afastamento.
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Nessa pesquisa ela identifica a dicotomia entre o discurso e a prática tanto na
definição quanto no uso do ambiente escolar. As crianças, através do discurso e de desenhos
apontam a necessidade de uma troca mais efetiva com o meio natural (sentar na areia, pegar
em pequenos animais e a presença de árvores, grama, água, areia e pequenos animais no seu
dia a dia) Já os adultos, principalmente os pais, apesar de reconhecem a necessidade de
espaços naturais na escola, os condicionam a uma traduzida por animais presos, areia que não
suje, nem contenha microorganismos, árvores com a função de apenas sombrear o ambiente,
mas não solte folhas, nem atraiam insetos e que as crianças não devem subir, por segurança.
O discurso do adulto reconhece a importância do ambiente natural “como cenário
para a ação infantil”, enquanto ‘natureza controlada/domesticada’ e não como um espaço de
interação e construção de conhecimento para a criança. É essa concepção de ambiente escolar
construído e controlado pelos adultos que prevalece em detrimento daquele necessário ao
atendimento das necessidades da criança. Como ensinar a nossas crianças a cuidar do
ambiente se não permitimos que elas vivenciem a interação com ele nas nossas instituições?
Ao caminhar para um possível final, pois ainda há muito a ser realizado, percebemos,
nos entrelaçamentos da educação infantil com a EA, a permanência de vários desencontros em
relação às políticas educacionais e ao lugar muito incipiente que esta ocupa nos processos de
formação de professoras/es e, portanto, nos saberes e fazeres da Educação Infantil.
Identificamos também, como pontos de encontro ou convergências entre a EA e a EI, os
seguintes aspectos:
- a dimensão do cuidado, pois o cuidado com o ambiente pressupõe o cuidado com o
outro;
- o caráter não disciplinar ambas estão organizadas em uma base não disciplinar;
- a gênese, tanto a EA quanto a EI têm origem no contexto dos movimentos sociais e
posteriormente, o reconhecimento do caráter educativo e a necessidade de serem
incorporadas aos sistemas de ensino;
- o eixo temático Natureza e Sociedade, pela abrangência e a facilidade de estimular
e aguçar a curiosidade das crianças se apresenta como uma possibilidade de promover a EA
através da integração com os demais eixos.
Existe, portanto, muitas possibilidades de inserir a EA nos processos pedagógicos da
EI para que possamos ajudar as crianças pequenas a se desenvolverem na sua globalidade,
contribuindo para reduzir a perversa desigualdade da nossa sociedade e fortalecer a
democracia em nosso país. Uma forma de riscar o lado perverso da nossa história em relação à
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“infância desvalida” é oferecer oportunidades a todas as crianças e garantir-lhes o direito à
educação e ao ambiente ecologicamente equilibrado, como propõe a nossa Carta Magna. Só
há um caminho: uma educação pública de qualidade, pois como afirmou Mário Quintana:
“Democracia? É dar a todos o mesmo ponto de partida”. Ou seja, dar à criança pobre as
mesmas oportunidades daquelas das classes mais favorecidas.
Esse desafio que está posto para todas/os que acreditam no grande potencial da
criança na construção de outro molde de sociedade com vida digna para todas/os habitantes
do planeta, depende da nossa capacidade de investirmos na profissionalização de
professoras/es da criança pequena. Uma formação que rompa com a racionalidade técnica e
abra caminhos para a produção da “racionalidade ambiental18” (TRISTÃO, 2008), e possibilite a
professores/as a elaboração de um saber teórico-prático a partir da interação entre o
“conhecimento de mundo” - que envolve todas as áreas, inclusive o saber ambiental - e o
saber fazer que promova a rearticulação das relações entre a sociedade e a natureza.
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18
Essa racionalidade implica a transgressão da ordem imposta que entende a formação de professoras/es como mercadorias,
despolitizadas, homogeneizadas e massificadas (TRISTÃO, 2008).
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FILOSOFAR NA INFÂNCIA É POSSÍVEL!
Adriana Diniz F. Melo
UEI (Creche)-Depto. de Educação
RESUMO
O que podemos entender, como filosofia na infância, seria algo muito distante de nós, ao
perceber esta questão, deveríamos antes mesmo, nos olhar, perceber o que se encontra em
nossa volta, dar-nos uma chance de pensar e nos depararmos com uma realidade de vida.
Quando uma criança nos questiona acerca da vida, do amor, da descoberta em sua amplitude,
podemos afirmar que o pensamento filosófico já se encontra latente no seu EU. Entretanto a
variante hipotética já reluz no seu pensar, como um lento desabrochar das pétalas de uma
rosa. Esta metáfora não nos é distante desde Rousseau, Dewey dentre outros já se falava na
capacidade natural em que a criança tem de imaginar e resultar as suas questões, como
realidade que as cercam. Sendo assim o Professor norte-americano Dr. Matthew Limpam,
preocupado com a atuação precária de seus alunos, concebeu o Programa Filosofia para
Crianças, dispondo-se a ampliar o desenvolvimento das habilidades cognitivas mediante
discussões de assuntos filosóficos e propondo, com tais discussões, a introdução filosófica de
crianças e jovens, no final da década de 60.
Palavras-Chave: Infância, Currículo, Filosofia.
ABSTRATC
What we can understand, as a philosophy in childhood, it would be something very far from
us, realizing this, before we even look at, see what is around us, give us a chance to think
and to come across a reality of life. When a child asks us about life, love, discovery in its
breadth, we can say that philosophical thinking is already latent in his U.S... However,
the hypothetical variant already shines in its thinking, like a slow unfolding of the petals of a
rose. This metaphor is not to far from Rousseau, Dewey and others have spoken in natural
ability the
child has
to
figure
out their issues and
result, as
the
reality around
them. So American Professor Dr. Matthew Lipman, concerned about the poor performance of
their students, designed the Philosophy for Children Program, being willing to expand the
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development of cognitive skills through discussions of philosophical issuesand proposing,
with such discussions, the philosophical introduction of children and youth in the late 60's.
Keywords: Children, Resume, Philosophy.
INTRODUÇÃO
Enfatizar os valores (morais), pensando de modo reflexivo, e indução ao senso crítico
colaborando na formação de cidadãos competentes em solucionar problemas e encontrar
saídas criativas e éticas, nos diversos contextos em que vivem. Foi que se optou a trabalhar
este tema tão esquecido, no tramite curricular na educação básica infantil, sendo assim
atribuímos ao referencial nacional para a educação infantil afirma que as crianças são capazes
de construir o conhecimento e o aprendizado através do enfrentamento de situações em que
elas próprias têm que buscar respostas e soluções. A curiosidade da criança busca o
questionamento, possui a ânsia de compreender os significados e as utilidades da experiência
e do mundo, e faz da descoberta da linguagem um elemento para capturar as pontes entre ela
e o outro através da interação social.
APORTE TEÓRICO
De acordo com Ann Sharp no seu livro "Nova Educação - A Comunidade de
Investigação na Sala de Aula", os materiais devem incorporar personagens, situações,
experiências e linguagem que permitam a identificação das crianças, assim como devem abrir
para exploração uma variedade de conceitos e idéias que, mesmo baseados nas experiências
das crianças, são suficientemente intrigantes para levar ao questionamento e à investigação,
assim, devem ser estimuladas para a curiosidade sobre o mundo e preparadas para embarcar
em uma investigação colaborativa com os amigos. O prof. Dr. Matthew Lipman, filósofo e
educador norte-americano, criou o programa filosofia para crianças no final década de 60.
Pioneiro em pensar a contribuição da filosofia para a formação das crianças, sua intuição foi
aos poucos se constituindo em um novo paradigma de educação que a compreende como
investigação (inquiry) em comunidade. Lipman se baseia em J. Dewey e L. Vygotsky que
enfatizam a necessidade de ensinar a pensar e não apenas memorizar conteúdos. Incorpora
contribuições de diversos psicólogos e filósofos na estruturação de um p para o mesmo, há
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algo em comum entre as crianças e os filósofos: a capacidade de se maravilhar com o mundo.
Os filósofos levam esta capacidade de maravilhamento às últimas conseqüências, descobrindo
e investigando os problemas da experiência humana. As crianças ficam intrigadas com os
mesmos conceitos problemáticos, ou seja, colocam-se questões sobre a verdade, as regras, a
justiça, a realidade a bondade, e amizade. Lipman encontrou para apresentar a filosofia às
crianças, como uma possibilidade de fazer filosofia a partir da própria filosofia. Estas têm a
preocupação de estimular a imaginação das crianças sobre questões filosóficas como forma de
incentivar as crianças a pensar por si mesmas. Temos q rever a vã filosofia e: ser como as
crianças: com elas aprendemos a amar. Elas são sinceras amam desinteressadamente, se
gostar de nós, logo saberemos, não sabem dissimular, pequeninas sorriem ao menor
toque,não criticam, indagam apenas,não discriminam, aceitam a todos sem distinção. Sabem
conviver com as diferenças, são alegres a todo tempo, cantam, dançam… faz da vida uma
eterna festa. Satisfazem-se com qualquer brinquedo, independente do quanto custou, não
tem ambição, nos ensinam mais que qualquer sábio, confiam… o seu olhar brilha, o seu sorriso
é sincero.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANN, SHARP. UMA NOVA EDUCAÇÃO: A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO NA SALA DE AULA.
NOVA ALEXANDRIA, 1998.
LIPMAN, MATHEW. A FILOSOFIA VAI À ESCOLA. 2ª ED. SUMMUS, SÃO PAULO, 1990.
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DESATANDO OS NÓS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO
INFANTIL NO BRASIL
Adriana Francisca de Medeiros
Universidade Federal do Amazonas
[email protected]
Eulina Maria Leite Nogueira
Universidade Federal do Amazonas
[email protected]
Francisca Chagas da Silva Barroso
[email protected]
Resumo
Este trabalho resulta de uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo e tem como objetivo
discutir a educação infantil no contexto das políticas públicas no Brasil. Inicialmente apresenta
as leis de amparo a infância, situando-se no século XX, a partir da Constituição de 1988.
Focaliza em seguida, as políticas de financiamento da educação infantil e as metas do Plano
Nacional de Educação (2011- 2020).
Palavras - chave: Educação infantil. Políticas públicas. Direito.
Abstract
This piece of work is the result of a bibliographic research, in a qualitative character and its
objective is to discuss the children education in the public politician context in Brazil. Initially it
displays the supporting children laws situated in the twentieth century, from the Constitution
of 1988. It focuses, then, the children education financing politician ant the goals of National
Education Plan (2011 – 2020).
Keywords: Children education. Public politicians. Law.
A PONTA DO FIO: A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Os debates sobre a educação infantil ampliaram-se de forma significativa nas últimas
décadas. Esta foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação
pedagógica e das políticas públicas governamentais. Estudiosos brasileiros como Kramer
(2003); Arelaro, (2005); Souza, (2010), Leite Filho ( 2001) entre outros têm contribuído no
sentido de mostrar-nos que as transformações no campo da educação para infância não têm
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sido um processo harmonioso, mas, marcado por tensões, avanços e conflitos no que concerne
às políticas públicas nessa área.
No Brasil, como na Europa, a educação infantil emerge em decorrência das inúmeras
transformações econômicas, políticas e sociais, ocorridas no país, principalmente a partir do
século XX. É com a urbanização e a crescente participação da mulher no mercado de trabalho
que vamos delineando uma nova sociedade, que necessita de educação para seus futuros
cidadãos. “A infância passa ser visível quando o trabalho feminino deixa de ser domiciliar e as
famílias ao se deslocarem e dispersarem, não conseguem mais administrar o desenvolvimento
dos filhos pequenos” (LEITE, 2001, p.20).
Neste contexto, muda-se a organização familiar e, desse modo, “[...] não existe mais,
como se dispunha, durante anos, da figura de uma irmã que não se casava para cuidar dos
seus filhos [...]” (ARELARO, 2005, p. 42).
A sociedade emergente apresenta um novo modelo de família, de mãe, mulher e
filho. A criança passa a necessitar de um espaço além do doméstico para ser educada e
cuidada, “[...] Daí as creches e as pré-escolas, daí a educação infantil” (ROSEMBERG, 2010).
A demanda decorrente desse novo cenário, por outro lado, agrava a situação de
abandono da criança, as mães operárias buscam alternativas para resolver o problema, e
passam a deixar seus filhos com mulheres do povo, as “mães crecheiras”, que cuidavam das
crianças enquanto suas ‘amigas’ trabalhavam fora. De certa forma, resolvia o problema de
imediato das comunidades carentes, no entanto, era alarmante o índice de mortalidade
infantil que se verificava em vista as condições inadequadas a que eram submetidas as
crianças, ficando essas mulheres conhecidas como “fazedoras de anjos” (CIRILO, 2008).
Em meados do século XX surgem timidamente no Brasil as primeiras políticas de
Estado para a infância, cria-se o Departamento Nacional da Criança (Decreto-lei nº.
2.024/1940), o Serviço de Assistência ao Menor (Decreto – Lei nº. 3.799/1941) e a Legião
Brasileira de Assistência (LBA,1942). No entanto,
Predominavam-se ainda, as tendências médica alimentar e assistencial. A
‘ajuda internacional’ de organismos como UNICEF se aliava à criação da LBA
e de órgãos vinculados à iniciativa privada, como a Organização Mundial
para a Educação Pré-Escolar. Entretanto, o Estado não cogitava de educação
ao falar da criança pequena. (KRAMER, 2003, p. 121)
Nesse cenário a educação para infância, não se constituía como direito, muito menos
como dever do Estado. A expansão da educação pública de crianças menores de seis anos,
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tanto em creche como em jardins de infância, foi se dando lentamente. Por muito tempo foi
notável a diferença entre o atendimento às crianças pobres e abastadas. “[...] desde a criação
dos jardins de infância e das primeiras creches, reforçou-se a idéia de que os jardins eram para
educar as crianças das classes médias e altas, e as creches para dar assistência às crianças
pobres”. (LUZ, 2006, p.45).
Configuram-se nesse contexto, duas realidades distintas: as creches, geralmente de
responsabilidade das secretarias de Assistência Social, tinham fins assistencialistas, ou seja,
“cuidavam” das crianças e; as pré-escolas tinham cunho pedagógico, “educavam” os
pequenos. Conforme afirma Aquino (2008, p.188)
A segmentação do atendimento à criança pequena por diferentes
instituições (creches, escolas maternais, jardins de infância e pré-escolas) e
por iniciativa também de diferentes órgãos e entidades (filantrópicas,
religiosas, empresariais, públicas e particulares) se estabeleceu em nossa
sociedade pautada em uma visão segregacionista e preconceituosa que
igualmente diferencia a criança segundo sua origem socioeconômica. O
objetivo das iniciativas destinadas a grupos sociais das classes populares, em
geral, visavam a suprimir necessidades sociais e econômicas, como a
liberação de mão-de-obra feminina ou compensação da pobreza.
Desse modo, a educação infantil com essa configuração, se perpetuou por muito
tempo com o caráter assistencialista para os pobres, ancoradas pela omissão de uma
legislação que atribuísse o direito à educação para os menores de 7 anos. A esse respeito, a
Lei 5.692/71 apenas atribuía aos sistemas de ensino “velar” para que fossem oferecidos por
meio de convênio educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições
equivalentes.
É a partir dos anos 80, com o processo de redemocratização, que a sociedade civil
começa a reivindicar direitos, perdidos ao longo de nossa história. Esse movimento
desencadeia conquistas históricas no campo da educação como a promulgação da Constituição
Federal de 1988, da Lei 9394/96 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhecem
em seu conjunto a educação infantil como direito da criança, dever do Estado, opção da
família e primeira etapa da educação básica.
A Carta Magna de 1988 tornou-se um marco histórico na implementação de novas
políticas públicas para as crianças de zero a seis anos, afirmando o direito à educação a essa
faixa etária. Em seu 7º artigo, afirma ser direito de todos os trabalhadores a assistência
gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creche e
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pré-escolas, em seguida, no capítulo dedicado a educação, no artigo 208, reafirma o direito
concedido às crianças, sendo dever do Estado a educação, mediante o atendimento em creche
e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
Em consonância aos princípios propostos na carta magna, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, Lei 8.069/1990, ratifica o direito a oferta de educação pelo Estado às crianças de
zero a seis anos, capitulo IV, art. 54, inciso IV.
Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 – LDBEN contempla pela
primeira vez o direito à educação infantil, como responsabilidade do setor educacional, e
destina uma seção especifica a esse nível de ensino na lei. A seção por sua vez traz três artigos,
especificando, a finalidade, a oferta e a avaliação.
Outra inovação e avanço que o texto da LDBEN traz é considerar a educação infantil
como primeira etapa da educação básica, tendo como função educativa e pedagógica,
superando pelo menos no aspecto legal, a visão restrita associada a esse atendimento, cuidar
ou educar. Com isso, as instituições de ensino infantil passam a ser entendidas como um
espaço educativo e não de assistência social.
Os nós a serem desatados
O direito e o financiamento da educação infantil, apesar de ser contemplado na
Constituição de 1988, art. 212, durante anos não estiveram garantidos, e o problema agravouse com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de
Valorização do Magistério (FUNDEF) que foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de
setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e
pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997.
O FUNDEF foi implantado nacionalmente em 1º de janeiro de 1998, e visava,
prioritariamente, estabelecer uma nova sistemática de financiamento para o ensino
fundamental, que passa a ser prioritário em detrimento das demais etapas da educação
básica, diminuindo os recursos para o investimento em construções e equipamentos para a
Educação Infantil,
Um ano após a implantação do FUNDEF, em 1998, observou-se retração em
5,5% da matrícula em relação ao ano anterior, em escolas públicas de
Educação Infantil que atendem a crianças de quatro a seis anos, o que
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significou 180 mil matrículas a menos na rede pública. (AQUINO, 2008, p.
192)
Diante desse cenário, muitas prefeituras matricularam crianças de cinco e seis anos
no ensino fundamental. Por outro lado, existiam aquelas que ainda mantinham a educação
infantil na responsabilidade da secretaria de Assistência Social, já que os recursos das
secretarias de educação eram ínfimos, o que ocasionavam uma desorganização no sistema de
ensino, principalmente por parte dos profissionais que atendiam as crianças, que na maioria
das vezes não tinham qualificação pedagógica e não faziam parte do quadro de professores.
Em julho de 2000, por meio da portaria nº 2.854 Secretaria da Assistência Social, o
governo federal resolve,
Art. 4º - Autorizar que sejam garantidas as formas vigentes de atendimento
ao grupo etário de 0 a 6 anos, tais como creches e pré-escolas, até que os
sistemas municipais de educação assumam gradual e integralmente o
serviço, conforme preceituado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional.
Diante do exposto fica evidente que, apesar de a LDB – 9394/96 expressar que a
educação infantil faz parte da educação básica, os recursos necessários para implantação desta
nas instituições educativas continuaram na secretaria de assistência social, cujo trabalho tem
historicamente se baseado em uma "concepção assistencialista" de atendimento.
Em substituição ao FUNDEF, em 2007 foi criado o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB, que trás evidente, o que até então não tinha sido garantido, o financiamento da
educação infantil, destinando recursos de acordo com o total de matrículas em todas as etapas
da educação básica.
Ao determinar valores distintos para cada etapa do ensino, com um coeficiente entre
0,7 (menor) e 1,3 (maior). Como o fator 1 é o custo aluno dos anos iniciais, isso quer dizer que
os demais oscilarão 30% para cima ou para baixo. O custo-aluno de creche não ultrapassou a
80% do custo- aluno dos anos iniciais. Esse disposto legal não garantiu ganhos significativos na
área da educação para as crianças menores, e segundo Becker (2008, p.12 ):
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Apesar da inclusão do primeiro nível da educação não se pode considerar
que de fato esta iniciativa terá como resultado um aumento da oferta da
educação infantil e, consequentemente, do acesso em todos os municípios
brasileiros. O modelo de composição do fundo sofreu alterações em relação
ao modelo do Fundef, isto é, novos tributos foram vinculados e o percentual
de vinculação foi alterado de 15% para 20%. No entanto, os novos impostos
vinculados não são receitas próprias dos municípios. Assim, novamente os
pequenos municípios acabaram por perder recursos na partilha do fundo
uma vez que são os que têm maior participação de transferências na receita
total. Os municípios maiores são mais autônomos, conseguem a maior parte
de sua renda por meio de receitas próprias e também são os responsáveis
pelas maiores redes escolares, portanto, possuem um maior coeficiente de
repasse do fundo que é feito com base no total de matrículas de cada
cidade. Em consequência deste mecanismo de captação e de divisão de
recursos, 34% dos municípios perderam receitas com o Fundeb em 2007.
Diante do exposto é possível perceber a complexidade que permeia a implantação de
políticas públicas no Brasil. É nesse contexto que surgem panaceias, como o Projeto de Lei
75/11, que tinha como objetivo: estimular a criação de creches domiciliares para crianças de
até 3 anos, filhas de mães trabalhadoras. Ao tramitar para aprovação recebeu parecer
desfavorável da Comissão de Educação e Cultura, essas ideias que parecem tão distantes no
tempo encontram-se ainda vivas, em decorrência das ínfimas políticas públicas para o setor.
A população brasileira atualmente é estimada em 183 milhões, segundo Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (2007), destes quase 9 % são crianças menores de 6 anos
de idade. Dessas crianças apenas 17,1% tem atendimentos em creches e 77,6% em préescolas. Há, portanto, um déficit considerável no tocante ao atendimento da criança,
especialmente as de 0 a 3 anos. Resultado da discriminação com a educação infantil e dos
ínfimos investimentos na área, que segundo Rosemberg (2010, p.175): “O gasto médio por
criança/ano na pré-escola é inferior ao de países latino americanos [...] e quase ¼ a menos do
que a média dos países que integram a OCDE”.
A autora ainda chama atenção para as ‘tentações’ provocadas pela inserção da EI no
FUNDEB, principalmente no que se refere à escolarização precoce e a assistencialização da
creche. A nosso ver, tudo é possível quando não se tem metas bem definidas, um currículo
estabelecido, escola estruturada, profissionais com formação adequada, valorizados e bem
remunerados. Os recursos do FUNDEB devem ser investidos na garantia dos direitos de nossas
crianças pequenas. Mas, como?
Uma proposta de desate e nova tessitura
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Temos assistido a discussão pela sociedade e especialistas do Plano Nacional de
Educação (2011-2020), que é composto por 12 artigos e um anexo com 20 metas objetivando
a melhoria na Educação. O projeto de Lei contempla todos os níveis de educação e, no que
concerne ao campo da Educação Infantil, algumas metas são propostas. A esse respeito, o
Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB se posicionou apresentando
ementas para favorecer o atendimento de qualidade nas escolas de educação infantil.
Destacaremos nesse espaço apenas 2 (duas) entre as 20 (vinte) modificações propostas pelo
MIEIB, tanto para educação infantil quanto para os demais níveis de educação.
A redação do Projeto de Lei 8035/2010 cita: “Meta 1: Universalizar, até 2016, o
atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação
infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos”.
A proposta do MIEIB é: “Meta 1: Até 2016, universalizar o atendimento escolar da
população de 4 e 5 anos e ampliar a oferta educacional de forma a atender em creches no
mínimo 50% da população de até 3 anos, e, até 2020, universalizar o atendimento da
demanda manifesta por creche”.
Esta ementa modificativa enfatiza, sobretudo, a oferta da creche de no mínimo 50%
até 2020, quando o texto original apresentada como meta o atendimento de 50%. Em
consonância com a meta proposta, Kappel, Aquino e Vasconcelos (2005, p.117) defendem:
“[...] um aspecto importante para a construção de uma sociedade mais igualitária é a garantia
do direito à educação, desde sempre, em creches e pré-escola publicas de qualidade”.
Se esta for aceita, traz a vantagem de impulsionar e atender o que legalmente já
existe: a obrigatoriedade do poder público na oferta de escolas para atendimento a crianças
de zero a três anos.
A segunda questão que queríamos destacar, que pertence ainda a Meta 1 e definida
como estratégia é: “Manter e aprofundar programa nacional de reestruturação e aquisição de
equipamentos para a rede escolar pública de educação infantil, voltado à expansão e à
melhoria da rede física de creches e pré-escolas públicas”.
A equipe do MIEIB defende que seja alterada a redação para: “Manter programa
nacional de construção, reestruturação e aquisição de equipamentos para a rede escolar
pública de educação infantil, voltado à expansão e à melhoria da rede física de creches e préescolas públicas estipulada na presente meta, assegurando que os
entes federados
compartilhem as responsabilidades financeiras da iniciativa na seguinte proporção dos
investimentos: 50% por parte da União, 25% por parte dos Estados e 25% por parte dos
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Municípios, conforme o número de unidades de ensino de educação infantil construídas,
reestruturadas e adquiridas em um respectivo território municipal, localizado
em um
determinado Estado”.
O que a nova proposta chama atenção é para a colaboração da União e dos Estados
na ajuda dos anseios dos 5.600 municípios brasileiros. No entanto, vale lembrar que estratégia
semelhante foi proposta no PNE (2001-2010) Lei 10.172, no item 25º que afirmava ser
‘objetivos e metas’ para Educação Infantil: “Exercer a ação supletiva da União e do Estado
junto aos Municípios que apresentem maiores necessidades técnicas e financeiras, nos termos
dos arts. 30, VI e 211, § 1º, da Constituição Federal”. Porém,
É preciso observar que pouco se tem feito para o cumprimento dessas
metas. Na prática, a ação supletiva vem se caracterizando mais como
princípio anunciado do que realização efetiva. Os estados e a União mal
assumem suas responsabilidades perante a Educação Infantil,
principalmente com as políticas desenvolvidas nos últimos anos que visaram
ao Ensino Fundamental. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do
Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), se teve por
mérito praticamente universalizar a escolaridade obrigatória, em muitos
casos fez retroceder ou retardar a expansão da Educação Infantil (AQUINO,
2008, p. 191)
Nesse sentido, corremos o risco de não conseguirmos efetivar a educação que nossas
crianças têm direito.
No entanto, é necessário que a coparticipação se efetive, e que os recursos do
FUNDEB possam corrigir a dívida que temos com nossos pequenos, com a expansão da oferta
de vagas em Educação Infantil com qualidade e equidade.
Educação Infantil não é portanto um “luxo” ou um “favor”, é um direito a
ser melhor reconhecido pela dignidade e capacidade de todas as crianças
brasileiras, que merecem de seus educadores um atendimento que as
introduza a conhecimentos e valores, indispensáveis a uma vida plena e
19
feliz. (BRASIL, 1998,p. 43)
REFERENCIAS:
ARELARO, Lisete Regina Gomes. Não só de palavras se escreve a educação infantil,mas de lutas
populares e do avanço cientifico. In: o mundo da escrita no universo da pequena infância. Ana
Lucia Goulart de faria, Suely Amaral Mello(org.). Campinas, SP: Autores associados. 2005.
19
Diretrizes Curriculares para Educação Infantil.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
PRÁTICAS CURRICULARES NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A
APOSTA NA MULTI-IDADE
Adriana Santos da Mata
Resumo
A presente pesquisa traz como objetivos principais compreender o papel das professoras como
protagonistas e autoras de práticas inovadoras no contexto escolar, e discutir em que medida
tais propostas podem se configurar como possibilidades de organização e planejamento na/da
educação infantil. Seguindo os princípios da pesquisa qualitativa, com viés etnográfico, e a
perspectiva discursivo-dialógica, o estudo recupera a história da Proposta da Multi-idade –
agrupamento de crianças de três, quatro e cinco anos na mesma turma – implementada na
Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa, em Niterói (RJ), de 2006 a
2009. A análise foi realizada a partir das falas das professoras nas reuniões de avaliação
sistematizada da experiência. As palavras que surgiram nas avaliações das educadoras
serviram como balizas para a formulação dos seguintes eixos: 1) processos de
desenvolvimento-aprendizagem, 2) procedimentos ou modos de fazer docente, 3) currículo. A
investigação indica que a Proposta da Multi-idade mexeu com as dinâmicas da instituição bem
como contribuiu para a redefinição pelas professoras: a) das concepções de criança, infância e
escola; b) dos objetivos da educação infantil pública; c) da importância do estudo e
planejamento coletivos; e d) das relações entre as crianças, crianças e professoras, entre as
professoras.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil, Currículo, Multi-idade
Abstract
The core objectives of the following research are to understand the role of female teachers as
protagonists and authors of innovative practices in schools, and also to discuss to what extent
these proposals could be effective to help on organizing and planning early childhood
education. Supported by qualitative researching principles, using an ethnographic approach
and following a discursive and dialogic approach, this study attempts to make a critical
inventory of the history of Multi-Age Proposal held at Unidade Municipal de Educação Infantil
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Rosalina de Araújo Costa, Niterói - RJ, from 2006 to 2009. The proposed Multi-Age
Aggroupment consists in gathering children aged three, four and five years in the same
classroom. The analysis has been developed considering teachers´ testimonials during
recurrent meetings arranged to evaluate the proposed model which led to the following areas
of study: 1) development-learning processes, 2) procedures or manners to forming teachers, 3)
Curriculum. The research shows that the Multi-Age proposal has changed significantly the
dynamics of the institution and has also contributed to renew some concepts such as: a) the
conceiving of children, childhood and school, b) the goals of public early childhood education,
c) the relevance of collectively studying and planning, d) the relationships between children,
teachers and children, and among teachers.
KEY-WORDS: Early Childhood Education, Curriculum, Multi-Age Aggroupment Proposal
Considerações iniciais
Um dos objetivos da pesquisa, realizada no curso de Mestrado da Universidade
Federal Fluminense (UFF – Niterói/RJ), foi discutir se e de que maneira a Proposta da Multiidade pode se configurar como uma alternativa de organização e planejamento na educação
infantil. Implementada de 2006 a 2009 na Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de
Araújo Costa20, a Multi-idade consistia no agrupamento de crianças de 3, 4 e 5 anos na mesma
turma.
Tal proposta apresenta-se como fruto de um processo iniciado há mais de vinte anos
na instituição, no qual a equipe pedagógica vem procurando construir, coletivamente, outras
possibilidades de currículo para a educação infantil, entendendo as crianças como sujeitos
situados em um contexto histórico, cultural, geográfico, econômico e social específico, e
buscando realizar trabalho criativo e reflexivo.
A escola inteira se envolveu na experiência e 400 crianças de 3, 4 e 5 anos, inclusive
aquelas que apresentavam necessidades educacionais especiais (NEEs), foram misturadas em
10 turmas no turno da manhã e 10, à tarde.
A proposta foi avaliada constantemente nas reuniões de planejamento, nas
conversas informais das professoras e em encontros de avaliação sistematizada. As palavras
20
Utilizarei também as siglas Umeirac, Umei, ou simplesmente, Rosalina quando me referir à escola.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
surgidas nestas avaliações serviram como balizas para a formulação dos eixos de análise,
dentre os quais o currículo da educação infantil, tema que trataremos neste trabalho.
Escolhas teórico-metodológicas
O estudo segue os princípios da pesquisa qualitativa, com viés etnográfico, e a
perspectiva discursivo-dialógica.
A investigação qualitativa tem como características: busca dos dados diretamente no
ambiente natural, por meio dos apontamentos, gravações em áudio e vídeo, fotografias, e do
contato direto do investigador com os sujeitos; descrição do material recolhido para abordar o
mundo de maneira minuciosa, sem desprezar nada, visto que o menor detalhe pode revelar
aspectos importantes do contexto; mais interesse no processo do que no resultado ou
produto; análise dos dados de forma indutiva e não com o objetivo de confirmar hipóteses
pré-construídas; preocupação com as perspectivas participantes, o modo como as pessoas dão
sentido às suas vidas, percebem suas experiências e estruturam o mundo social em que vivem.
(BOGDAN e BIKLEN, 1991)
Aspectos da pesquisa etnográfica também contribuíram com a linha investigativa
escolhida. Não se trata, entretanto, de um estudo etnográfico, mas de uma pesquisa
qualitativa com viés etnográfico. Geertz (1987, p. 20), ao discutir a teoria interpretativa da
cultura, diz que:
a etnografia é uma descrição densa. O que o etnógrafo enfrenta, de fato [...]
é uma multiplicidade de estruturas conceptuais mais complexas, muitas
delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente
estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma,
primeiro apreender e depois apresentar.
O autor aponta que a especificidade da descrição etnográfica é o caráter
interpretativo do fluxo do discurso social e que essa interpretação consiste em procurar
“salvar o dito” em um determinado discurso e fixá-lo em formas possíveis de pesquisar. Deste
modo, o “etnógrafo ‘inscreve’ o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de
acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um
relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente.” (ibid, p. 29)
As ações de anotar, registrar, inscrever, transformam os discursos – o que foi dito ou
ouvido - em textos. Aqui podemos promover uma aproximação das ideias de Geertz com a
noção de dialogismo desenvolvida por Bakhtin (1992). Para este, o único modo de conhecer o
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
homem é a partir do seu discurso, do seu texto, que é sistematizado de acordo com
determinado código linguístico, mas que abarca muito mais: o conteúdo temático, o contexto
ou a situação de enunciação, os sujeitos participantes, a intenção e o endereçamento do
discurso, a escolha e a entonação das palavras, a compreensão responsiva, as contrapalavras.
Tomando emprestado o termo de Geertz, pode-se dizer que os recursos extralinguísticos
tornam o texto muito mais denso.
Aí se encontra o caráter dialógico das Ciências Humanas, pois tanto o pesquisador
quanto os sujeitos pesquisados são produtores de texto. Para Goulart (2007, p. 95), o diálogo
deve ser considerado no “sentido amplo das relações que os sujeitos e seus discursos
estabelecem na sociedade com a multiplicidade de seres humanos, marcados cultural e
historicamente, com os quais interagem de muitas maneiras, não somente face a face.” O
dialogismo é o que dá a condição de sentido do discurso, ligando linguagem e vida social na
multiplicidade das vozes sociais que circulam, se complementam, se refutam, criam polêmicas,
dão respostas, representam a vida social, cultural e ideológica.
Amorim (2004, p. 189) destaca que, para Bakhtin, o trabalho de pesquisa em Ciências
Humanas contém três faces: “1) reconstituição do contexto enunciativo e dialógico em que o
texto foi produzido; 2) formulação de leis explicativas do texto; 3) interpretação do sentido do
texto”. Sobral (2008, p. 4), com base em Bakhtin, propõe três etapas ou níveis de análise: 1)
descrição como “apresentação” do corpus partindo de sua inserção na esfera de atividades; 2)
análise da estruturação do discurso, e 3) interpretação que contém as duas anteriores para
entender as estratégias de produção de sentidos e os sentidos produzidos nos termos das
atividades e da análise do texto.
Estas premissas podem ajudar na compreensão e interpretação dos discursos das
docentes em interação nas diversas situações de enunciação. O foco eleito para esta análise
são as concepções, expectativas, preocupações, dúvidas, que as professoras manifestaram nas
reuniões de avaliação sistematizada da proposta, com relação ao currículo da educação
infantil.
Práticas Curriculares na Educação Infantil
Como dito anteriormente, na Umei Rosalina, há mais de duas décadas, teve início o
projeto de construção de outras possibilidades de currículo para a educação infantil, no qual as
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
crianças são entendidas como sujeitos situados em um contexto histórico, cultural, geográfico,
econômico e social específico, e se busca realizar um trabalho criativo e reflexivo.
Fruto deste processo, a Proposta da Multi-idade colocou em discussão importantes
aspectos curriculares: concepção de escola, criança e sociedade, objetivos da educação
infantil, conteúdos que poderiam ser trabalhados ou não, formação docente, organização do
espaço e do tempo, participação dos pais/responsáveis.
Sacristán (2000, p. 32) sintetiza a noção de currículo em 5 características:
1) O currículo é a expressão da função socializadora da escola.
2) É um instrumento que cria toda uma gama de usos, de modo que é elemento
imprescindível para compreender o que costumamos chamar de prática
pedagógica.
3) Está estreitamente relacionado com o conteúdo da profissionalização dos
docentes. O que se entende por bom professor e as funções que se pede que
desenvolva dependem da variação nos conteúdos, finalidades e mecanismos
de desenvolvimento curricular.
4) No currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas:
pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos
materiais, de controle sobre o sistema escolar, de inovação pedagógica, etc.
5) Por tudo o que foi dito, o currículo, com tudo o que implica quanto a seus
conteúdos e formas de desenvolvê-los, é um ponto central de referência na
melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no
aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar em
geral e nos projetos de inovação dos centros escolares.
A construção de um currículo não é uma iniciativa simples, mas sim uma prática
complexa que deve envolver os diferentes atores que atuam no contexto escolar, visando à
democratização da prática educativa, com a elaboração coletiva e a responsabilização de
todos. Era o que se vinha tentando fazer na Umeirac.
No entanto, o projeto de currículo, defendido e liderado pela equipe de
coordenação pedagógica, desde a década de 1990, não estava claro para todas as professoras.
Havia um esforço para que todas se sentissem participantes, sujeitos, autoras, mas algumas
não compreendiam e/ou não acreditavam nas orientações para o trabalho com os alunos.
Atuar com crianças de diferentes idades não foi uma experiência positiva para todo o grupo.
Algumas professoras declararam preferir trabalhar nas turmas de crianças de mesma idade por
não se sentirem seguras para agir de maneira diferenciada nos agrupamentos multietários.
Isto porque, embora pareça atraente o desafio de fazer algo novo,
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
[...] toda mudança pressupõe riscos. Muitas vezes é preciso reconstruir o
olhar, num movimento que requer a desconstrução do modo como se
interpreta a realidade e se organiza a vida. Pode ser bastante difícil
questionar, negar e substituir as crenças, preconceitos, valores,
conhecimentos e costumes já consolidados. (ESTEBAN, 2003, p. 26)
A Proposta da Multi-idade foi se configurando em meio à diversidade de
pressupostos, perspectivas, interesses, valores, entendimentos e dúvidas que se atravessaram,
conflitaram, refutaram, enfim, marcaram a participação e os lugares das professoras, dos
funcionários, do órgão central, das crianças e suas famílias. É preciso considerar que
Na configuração e desenvolvimento do currículo, podemos ver se
entrelaçarem práticas políticas, administrativas, econômicas, organizativas e
institucionais, junto a práticas estritamente didáticas; dentro de todas elas
agem pressupostos muito diferentes, teorias, perspectivas e interesses
muito diversos, aspirações e gestão de realidades existentes, utopia e
realidade. A compreensão do currículo, a renovação da prática, a melhora
da qualidade do ensino através do currículo não devem esquecer todas
essas inter-relações. (SACRISTÁN, 2000, p. 29)
O
currículo
abrange
múltiplas
determinações,
condicionamento
histórico,
peculiaridade do contexto, ritos, mecanismos, tradições que se misturam nos fenômenos
educativos. Tudo isso se concretiza em determinados conteúdos, expressos em formatos que
são definidos a partir de certas condições. (ibid)
Nas reuniões de avaliação, surgiram pontos conflitantes relacionados às concepções
de criança e de escola. Foram defendidas ideias que remetem a determinadas correntes
teóricas da Psicologia, tais como: ‘fase egocêntrica’, ‘maturidade’, ‘preparação’, ‘habilidade’,
‘capacidade’, ‘percepção’, ‘comportamento’, ‘desenvolvimento’, ‘estimulação’, ‘necessidades
específicas de cada idade’, ‘etapa da vida’, ‘proximidade cognitiva’.
Tais termos vêm fundamentando, histórica e hegemonicamente, os sistemas
escolares que, pautados em teorias desenvolvimentistas, tecnicistas e biologizantes,
consideram que as crianças aprendem e se desenvolvem de acordo com determinações
etapistas e cronológicas impostas, estipulando padrões de normalidade com relação ao
desempenho das crianças e modelos que orientam a prática docente. Deste modo, fica
encoberta a vinculação social e histórica das crianças, uma vez que elas “são vistas apenas
como seres biológicos que percorrem etapas definidas pela faixa etária, tomando-se o que é
particular pelo universal, limitando e cerceando as produções coletivas das crianças e
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
desconhecendo os possíveis sentidos e significados das misturas de idades”. (PRADO, 2006, p.
2)
Confrontando com aquelas noções, apareceram as seguintes perspectivas:
‘professoras acreditaram que as crianças de diferentes idades poderiam atuar juntas’;
‘respeito aos limites e individualidades de cada uma’; ‘mesmas orientações e ações para as
crianças de três, quatro e cinco anos, pois uma criança ajuda e dá dicas para a outra’;
‘considerar a heterogeneidade dos alunos’; ‘expectativa de que as crianças sejam mais críticas
e questionadoras’; ‘que os educandos se sintam valorizados por serem produtores de
conhecimento e poderem trazê-lo para a sala de aula’; ‘autonomia’; ‘curiosidade aguçada’;
‘enriquecedora troca de experiências’.
Aqui temos sugeridos outros conceitos de crianças, infâncias e o papel das escolas
para os pequenos, surgidos na área da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia. Podemos
inferir que, neste caso, as crianças são reconhecidas como sujeitos histórico, social e
culturalmente situados, atores ativos e criativos, construtores de conhecimento, produtores
de cultura. Nas palavras de Gunilla Dahlberg (apud MOSS, 2002, p. 243):
a noção de criança como um ator ativo e criativo, como um sujeito e
cidadão com potenciais, direitos e responsabilidades, uma criança com
quem vale a pena ouvir e dialogar e que tem a coragem de pensar e agir por
si mesma ... a criança como um ator ativo, um construtor, na construção do
seu próprio conhecimento e da cultura de seus companheiros ... uma
criança com sua própria inclinação e poder para aprender, investigar e
desenvolver como ser humano em uma relação ativa com outras pessoas ...
uma criança que quer ter parte ativa no processo de criação de
conhecimento, uma criança que em interação com o mundo ao redor é
também ativa na construção, na criação de si mesma, de sua personalidade
e de seus talentos. Essa criança é vista como tendo ‘poder sobre o seu
próprio processo de aprendizagem’ e tendo o direito de interpretar o
mundo.
Podemos concordar com estas premissas, mas vivenciá-las na prática cotidiana é
bastante difícil. Afinal fomos ensinados e acostumados a trabalhar na escola ‘bancária’, com
turmas supostamente ‘homogêneas’, na quais os alunos idealizados apresentavam o mesmo
‘nível de desenvolvimento’, estavam na mesma ‘etapa cognitiva’ e deveriam aprender certos
‘conteúdos’, previamente selecionados de acordo com a faixa etária e o ‘grau de maturidade’.
As crianças que não estivessem adequadas ao “modelo” eram rotuladas como ‘atrasadas’,
‘imaturas’, ‘carentes’, e tantos outros adjetivos que explicaram e/ou justificaram a
discriminação, a reprovação, a exclusão, a evasão, o fracasso escolar.
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GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Que a criança tivesse participação ativa no processo de aprendizagem e construção
do conhecimento, que pudesse se expressar, demonstrar o que sabia, perguntar, argumentar,
era mais ou menos um consenso. Mas as avaliações mostraram uma grande preocupação das
professoras com determinados conteúdos que precisavam ser ‘ensinados’ e com as atividades
a serem planejadas para contemplá-los. Dentre eles, destacaram-se:
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CONTEÚDOS
Leitura
Escrita
Percepção e localização do espaço
Letras: diferentes tipos, identificação,
contagem, sons iniciais
Ampliação de vocabulário
Linguagem oral
Lateralidade
Consciência corporal
Movimento
Habilidades manuais
Associação de ideias
Raciocínio lógico
Cor
Forma
Tamanho
Valores
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ATIVIDADES
Trabalho com os nomes
Brincadeiras
Jogos
Músicas
Textos coletivos
Apresentação oral dos trabalhos
Picar
Recortar
Amassar
Escrever no quadro-de-giz
Reprodução de histórias
Contação de histórias
Alfabeto ilustrado
Desenho
Teatro
Lego
Mesa Alfabeto
O problema em pauta não eram os conteúdos e as atividades em si, visto que são
muito importantes e necessários, mas as diferentes concepções de criança e educação que
sustentavam os discursos e, consequentemente, os diferentes modos de fazer que, muitas
vezes, não estavam de acordo com as orientações de trabalho combinadas coletivamente
junto com a coordenação pedagógica, nos horários de estudo e planejamento.
Enquanto algumas professoras, por exemplo, não sentiam diferença em trabalhar
leitura, escrita, produção de textos, conceitos matemáticos, nas turmas multi-idade, outras
consideravam que as crianças de 5 anos, que seguiriam para a alfabetização, no ano seguinte,
estariam sendo prejudicadas por não serem atendidas nas suas ‘especificidades’, bem como as
crianças menores estariam sendo ‘deixadas de lado’.
O grande desafio era levar as educadoras a reverem suas certezas, seus
procedimentos, suas maneiras de contatar o conhecimento e atuar com as crianças, para que
as ações de ensinar e aprender se modificassem na relação de alteridade entre professoras e
alunos, possibilitando o desvelamento e a transformação do mundo. Isto implicava a
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
reorganização dos conhecimentos prévios e do universo de referência dos sujeitos de maneira
problematizada e coletiva. Nas palavras de Paulo Freire (1988, p. 83-84):
Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo
programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um
conjunto de informes a ser depositados nos educandos –, mas a devolução
organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que
este lhe entregou de forma desestruturada.
A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B,
mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e
desafia a uns e outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele.
Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou
desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se
constituirá o conteúdo programático da educação.
Vigotsky (2000) também nos ajuda a pensar sobre a relação professora-criançasconteúdos quando distingue conhecimentos prévios ou espontâneos e conhecimentos
científicos. Para o autor, a vivência de situações mediadas leva à construção de campos
conceituais para lidar com os problemas, satisfazer as necessidades, e enfim, a uma forma de
ser e estar no mundo, gerando conhecimentos prévios ou espontâneos. Tais conhecimentos
espontâneos, do mundo cotidiano, fazem parte da vida de todas as pessoas, não dependem da
escola. Porém, a escola, diferente de qualquer outra instituição cultural, tem o papel
fundamental de dar novos significados aos conhecimentos prévios que as crianças levam para
as salas de aula, desde a educação infantil, a fim de elas possam estabelecer outros tipos de
relação com o mundo, outros olhares, para operar com os conhecimentos científicos. É função
da escola ampliar as formas da criança ver e atuar no mundo, propor outras alternativas,
novos significados.
O curso do desenvolvimento do conceito científico nas ciências sociais
transcorre sob as condições do processo educacional, que constitui uma
forma original de colaboração sistemática entre o pedagogo e a criança,
colaboração essa em cujo processo ocorre o amadurecimento das funções
psicológicas superiores da criança com o auxílio e a participação do adulto.
(VIGOTSKY, 2000, p. 244)
O autor alerta que o ensino dos conceitos científicos de maneira verbalista,
mecânica, de transmissão de conhecimentos, de memorização e repetição, ‘bancária’, tal
como diz Paulo Freire, é “pedagogicamente estéril”. Citando a experiência de Tolstoi ao
ensinar linguagem literária e língua francesa, ele concluiu que “métodos de ensino indiretos
mais sutis e mais complexos acabam sendo uma interferência no processo de formação dos
conceitos infantis, que faz avançar e elevar-se esse processo de desenvolvimento”. (ibid, p.
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249) A maneira indireta é mais eficaz porque “os conceitos científicos não são assimilados nem
decorados pela criança, não são memorizados, mas surgem e se constituem por meio de uma
imensa tensão de toda a atividade do seu próprio pensamento”. (ibid, p. 260)
Era permanente a tensão no grupo sobre o que, como, para que e para quem
ensinar. Não se tratava simplesmente de selecionar determinados conteúdos e aplicá-los nos
‘trabalhinhos’, mas sim de ampliar a discussão sobre os objetivos da escola pensando nas
perguntas feitas por Paulo Freire (1993, pp. 135-136):
[...] que conteúdos ensinar, a favor de quem, contra que, contra quem.
Quem escolhe os conteúdos e como são ensinados. Que é ensinar? Que é
aprender? Como se dão as relações entre ensinar e aprender? Que é o saber
de experiência feito? Podemos descartá-lo como impreciso, desarticulado?
Como superá-lo? Que é o professor? Qual seu papel? E o aluno, que é? E o
seu papel? Não ser igual ao aluno significa dever ser o professor autoritário?
É possível ser democrático e dialógico sem deixar de ser professor, diferente
do aluno? [...] Pode haver uma séria tentativa de escrita e leitura da palavra
sem a leitura do mundo? [...] Será possível um professor que não ensina?
Que é a codificação, qual o seu papel no quadro de uma teoria do
conhecimento? Como entender, mas sobretudo viver, a relação práticateoria sem que a frase vire frase feita? [...] Como trabalhar a relação
linguagem-cidadania?
Questões fundamentais que perpassam a construção do currículo de qualquer escola
e que precisam estar na pauta dos estudos de formação docente inicial e continuamente. Os
educadores têm que estar cientes do projeto de sociedade para o qual querem contribuir com
seu trabalho.
E aqui trago um último ponto importante que foi abordado: os valores para a
construção de uma sociedade mais justa. Isto envolve, entre outras coisas, a participação das
famílias na escola e a inclusão das crianças com necessidades educativas especiais (NEEs).
Com relação à participação das famílias, pensaram-se algumas estratégias: 1ª)
realizar reuniões com pais/responsáveis para explicar a proposta da escola e para que eles
colocassem dúvidas, críticas, etc.; 2ª) firmar um termo de compromisso para que as crianças
não faltassem sem motivo justo; 3ª) criar um grupo de estudos para os pais/responsáveis; 4ª)
promover participação da família e da comunidade em aliança com a escola. Havia uma
constante preocupação em inserir mais as famílias no acompanhamento das crianças e nas
atividades realizadas na Rosalina. De maneira geral, elas confiaram no que estava sendo
proposto, pois costumavam ser sempre informadas sobre o trabalho desenvolvido, em
encontros marcados e em conversas informais com as professoras ou com a equipe
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pedagógica. As famílias puderam comparecer à escola sempre que desejavam saber mais
sobre a proposta, perguntar, sugerir. O termo de compromisso e o grupo de estudos para os
pais não foram concretizados.
A inclusão efetiva das crianças com NEEs passa necessariamente pela ruptura com os
modelos vigentes de organização escolar, as concepções de aluno e de educação. Na maioria
dos cursos de formação de professores e nas faculdades de Pedagogia, somos preparados para
exercer a função docente em turmas supostamente homogêneas, com alunos idealizados e
normais. Mas ao chegarmos à escola e nos depararmos com um grupo de crianças,
providencialmente reunidas segundo critérios administrativos e pedagógicos, supostamente
com o mesmo nível, dentro dos padrões de normalidade, não acontece bem aquilo que os
professores e os textos acadêmicos ensinam. A metodologia, a didática, o planejamento das
aulas, que pareciam funcionar tão bem nas exposições teóricas a que assistimos, desmoronam
com a prática... A convivência, os conflitos, as dificuldades, as surpresas, os imprevistos, a
relação inusitada e dinâmica diária nos informam, entre outras coisas, que as crianças não são
iguais, quer tenham ou não alguma deficiência.
O caminho para inserir estas crianças especiais é o mesmo que marcou os quatro
anos da Multi-idade: a colaboração entre pares, a solidariedade e a ajuda. Ao estabelecer
diferentes parcerias, ser auxiliado pelos colegas de diferentes idades, a criança com NEE pôde
experimentar e viver diversas e ricas situações de aprendizagem.
As ações de cuidado, de explicação, de auxílio, de cooperação, de carinho, não só
para com as crianças com necessidades educacionais especiais, como entre as maiores e
menores, meninos e meninas, crianças e professoras, e também entre as próprias professoras,
se converteram em momentos ricos de aprendizagem para além da educação escolar: para
uma sociedade mais justa e mais humana.
Estas atitudes são mais difíceis de acontecer nas turmas com crianças de mesma
idade. Isto também foi constatado por Prado (2006, p. 6), que realizou pesquisa de doutorado
em uma instituição de Educação Infantil pública da cidade de Campinas (SP) que trabalha com
agrupamentos multietários. Ela defende:
Uma pedagogia que leve em consideração a capacidade de as crianças
maiores e menores, quando juntas, construírem uma relação de referência
umas para as outras, no sentido de demonstrar, disputar, sugerir, negociar,
convidar, trocar e compartilhar experiências e brincadeiras. Nestes
momentos, menores e maiores estabelecem relações mais solidárias e
cooperativas do que quando estão separadas (somente entre crianças de
sua turma e idade).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Assim, ao contrário do individualismo, da padronização e da normatização da escola
hegemônica, a Multi-idade parece favorecer a convivência de muitos diferentes e singulares:
nas idades, nos grupos culturais, nos conhecimentos, nas experiências, nas condições físicas e
mentais. Não cabe a idealização de um aluno nem há a ilusão de uma suposta turma
homogênea. Não há parâmetros definidos, limitadores, homogeneizadores. Não se pode
determinar, a priori, o que o aluno deverá ser capaz de fazer nem há uma resposta
estandardizada para o que esperar do aluno em cada faixa etária. As crianças serão capazes de
muitas coisas, mas não é possível, nesta proposta, pretender antecipar ou especificar quais.
Domingo (2010, p. 560) destaca a vantagem da convivência inter-idades em escolas
não convencionais em comparação com os espaços seriados/graduados:
Una convicción bastante extendida en estas escuelas es que niñas y niños
aprenden (a convivir, pero también muchas facetas de la vida y muchas
nociones y experiencias) a partir de la interrelación entre ellos; y la idea de
graduación, de la separación por edades, atenta contra esta idea, porque se
basa en la idea de favorecer, sólo en favorecer, la relación entre los más
semejantes en saberes y experiencias. Del observar y compartir con los más
mayores evidentemente se aprende; pero de cuidar y enseñar a los más
pequeños, o de observar y recuperar de ellos aspectos que uno ya olvidó o
relegó, también. Evidentemente, en espacios no graduados se rompe la idea
de homogeneidad del grupo, y permite estar más atentos a la singularidad
de cada chico o chica.
Na Multi-idade, a mistura de crianças de diferentes idades na mesma turma
representa reunir a diversidade e a singularidade de condições cognitivas, físicas, culturais em
grupos heterogêneos. A heterogeneidade parece se configurar como fator potencial para
ampliar as oportunidades de aprendizagem significativa das crianças. O mesmo autor lembra
que tanto o desenvolvimento como a aprendizagem não são lineares, cada sujeito apresenta
condições particulares de experimentar e de aprender, necessidades, coisas em que se
“adianta” e outras em que fica “atrasado”. Assim, a ideia de currículo como plano sequenciado
e homogeneizado de aprendizagem, ao qual meninos e meninas têm se adequar, entra em
crise.
A Proposta da Multi-idade tem potencial para romper com alguns paradigmas da
escola capitalista: seriação, hierarquização, padronização, classificação. O agrupamento de
crianças de diferentes idades promove maior integração, troca de informações, negociação,
ajuda, imitação, autonomia, amizade, responsabilidade, cooperação, cuidado, respeito às
diferenças, diversidade cultural, trabalho coletivo.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Os olhares das professoras sobre a Multi-idade, longe de indicar unanimidade,
convergiram em muitos aspectos, divergiram em outros. Certo é que a Proposta provocou as
educadoras a (re) pensarem os seus modos de fazer, as suas concepções de criança e infância,
as maneiras de ensinar e de aprender, os objetivos para a educação infantil pública. A Multiidade movimentou e modificou as dinâmicas da escola: organização administrativa;
planejamento e estudo docentes; utilização dos tempos e espaços; novas relações que se
estabeleceram a partir dos grupos misturados.
Considerações finais
A pesquisa indicou que a Multi-idade pode se configurar como um caminho
alternativo de organização e planejamento na/da educação infantil. A proposta começou com
a simples modificação na maneira de agrupar as crianças. Os modos de compor os grupos de
alunos formam parte de um conjunto de tradições ou culturas nas escolas que dificultam a
mudança. Santomé (2010) chama de segregação os agrupamentos escolares formados a partir
de critérios homogeneizadores, padronizadores, tais como sexo, classe social, etnia e
capacidades. Ouso dizer que a separação por idade também segrega, em alguma medida, pois
se presta a limitar as relações, normatizar, facilitar o controle. Isto se faz na direção das
exigências do mundo do trabalho nas sociedades capitalistas. (PRADO, 2006, p.145)
Sendo assim, a alteração no modo de formar turmas que, na maioria das escolas de
educação infantil brasileiras, é feito pelo critério etário, significou romper com alguns
paradigmas do padrão hegemônico de escola. Mexeu não somente com as dinâmicas e
práticas administrativas e pedagógicas da escola investigada, como colocou em xeque
certezas, concepções, relações, o papel da escola na sociedade. A dinâmica pedagógica da
escola está condicionada às formas de agrupamento que tanto podem freá-la quanto
incentivá-la, como afirma Arroyo (2004). O autor diz que muitas redes e escolas têm
implementado práticas diversas com maneiras mais flexíveis de compor os grupos de alunos e
que estas passam a desencadear processos formadores nos coletivos docentes e pedagógicos.
E o mesmo autor afirma:
Um processo formador que redefine não apenas normas, critérios de
enturmação etc., mas que redefine formas de pensar e de agir, redefine
concepções, significados e culturas escolares, sociais e docentes. Redefine o
que nos é mais caro, novas formas de trabalho. Olhar com maior atenção os
educandos e propiciar convívios em que revelam sua condição de sujeitos
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
sociais e culturais nos leva como educadores a olhar-nos e repensar-nos.
Nos forma. Nos incentiva a intervir na rígida organização de nosso trabalho.
(ARROYO, 2004, p. 339)
No caso da escola pesquisada, a Multi-idade contribuiu decisivamente para a
redefinição das concepções de criança, infância e escola; dos objetivos da educação infantil
pública; das práticas pedagógicas; da importância do estudo e planejamento coletivos; das
relações entre as crianças, crianças e professoras, entre as professoras; do olhar mais
individualizado, processual, e não comparativo com outras crianças, nos momentos de
avaliação do processo de desenvolvimento-aprendizagem; dos princípios de colaboração,
solidariedade, respeito, companheirismo, intervenção, luta por um projeto de educação
libertadora e por uma sociedade mais democrática e mais justa.
A escola vive, há vinte anos, processo de reorientação curricular, no qual a formação
docente é um dos eixos fundamentais. Entre as ações de formação, destacam-se: o
planejamento semanal; a documentação do trabalho; os grupos de estudos; a produção de
dissertações de mestrado e monografias por educadoras da Umeirac; a divulgação dos
projetos desenvolvidos na escola para a comunidade, por meio do Boletim informativo
EntreTextos; o Seminário Interno de Formação Permanente. Tais ações têm favorecido as
interações dialógicas entre as docentes, fornecido elementos para uma prática mais crítica e
reflexiva, ampliado a visão de mundo, aumentado a responsabilidade das professoras na
realização de trabalho autoral, de protagonismo pedagógico na perspectiva do professor
curriculista21. Professores curriculistas entendidos como profissionais capazes de construir
currículos de maneira coletiva, democrática, contra-hegemônica, prazerosa e emancipatória,
em meio a avanços e recuos, engajamento e resistência. No papel de curriculistas, os
professores fazem escolhas, dialogam, refletem e avaliam processualmente o que ensinam,
tornando o currículo vivo e transformando conteúdos em conhecimentos.
No entanto, o caminho não foi suave, e sim, espinhoso, repleto de obstáculos.
Foi preciso criar artifícios, táticas de resistência, estratégias que permitissem a
continuação do trabalho. O enfrentamento profissional, o posicionamento político e
ideológico, a disputa de ideias, a não conformação das professoras como meros executores de
políticas educacionais gestadas nos gabinetes das secretarias de educação e impostas às
escolas, a transgressão ao instituído, indicam que as educadoras buscaram superar a
21
O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Currículo (NUPEC-UFF) tem como eixos centrais as concepções de currículo e professores
curriculistas. Para aprofundar a discussão, ver XAVIER, G. T. (Org.) Curriculistas como dirigentes políticos: rupturas teórico-práticas
com as prescrições oficiais para o currículo. Rio de Janeiro: Enelivros, 2007.
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dependência profissional, reconhecendo-se e se legitimando como capazes de observar, de
comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar, de transgredir
como uma possibilidade, conforme apontava Paulo Freire (2002). Concordo com Imbernón
(2004, p.110) quando diz que:
Deve-se superar a dependência profissional. Basta de esperar que outros
façam por nós as coisas que não farão. A melhoria da formação e do
desenvolvimento profissional do professor reside em parte em estabelecer
os caminhos para ir conquistando melhorias pedagógicas, profissionais e
sociais, e também no debate entre o próprio grupo profissional.
A mistura das idades das crianças pode ser muito significativa tanto para as crianças
como para suas famílias, as profissionais docentes e a sociedade em geral. É um caminho para
reinventar convívios para educandos e educadores, a fim de criar uma dinâmica de trabalho
mais humana, menos solitária. A experiência tentou romper com esquemas organizacionais e,
mais do que isso, com modelos mentais que muitas vezes nos aprisionam (ARROYO, 2004) e
nos paralisam.
Os (as) educadores (as) podem e devem se constituir como protagonistas, autores de
práticas inovadoras que interferem e mudam os rumos da escola. Quantos coletivos em
quantas escolas brasileiras devem estar realizando experiências audazes, ensaiando formas
mais flexíveis de agrupamento, de convívio entre educandos (as) e professores (as) (ibid), com
responsabilidade e seriedade.
Referências
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Editora, 2004.
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RJ: Vozes, 2004.
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Madrid: Morata, 2010. Pp. 548-566
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA ANÁLISE DOS
DOCUMENTOS CURRICULARES NACIONAIS
Ana Luisa Nogueira de Amorim (UFPB)
Adelaide Alves Dias (UFPB)
RESUMO
Este texto é parte dos estudos empreendidos em tese de Doutorado, em andamento, cujo
objetivo é discutir a elaboração de um currículo para as crianças de 0 a 3 anos de idade.
Através de análise documental, o recorte deste texto objetivou analisar o lugar do currículo
nas políticas nacionais para a Educação Infantil (EI) através da análise de documentos nacionais
produzidos pelo MEC a partir dos anos de 1990. Partindo de uma concepção ampla de
currículo, defendemos a necessidade de que as instituições de EI realizem ações sistemáticas
de educação e cuidado, capazes de garantir o pleno desenvolvimento das crianças. Daí a nossa
defesa de que a elaboração da proposta curricular das instituições de EI se realize no contexto
local para que possa considerar as contradições e as especificidades do trabalho com as
crianças. Os resultados das análises apontam desvios e correção das rotas pensadas pela área
no que diz respeito à elaboração de propostas curriculares para a EI. Como exemplo do desvio
da rota, citamos a elaboração de um currículo nacional para a EI (o RCNEI). E a correção da
rota se deu com as políticas mais recentes, em especial as DCNEI (2009), que afirmam a
necessidade de que as instituições de EI elaborem localmente suas propostas. Os resultados da
análise documental reforçam a necessidade das instituições e seus profissionais conhecerem
os documentos oficiais (nacionais e locais), bem como as produções teóricas sobre a área no
sentido de elaborarem propostas curriculares para a EI capazes de orientar ações intencionais
que reconheçam as crianças como sujeitos de direito e lhes garantam um desenvolvimento
pleno e integral.
Palavras-chave: Educação Infantil. Currículo. Proposta Curricular.
Este texto é um recorte dos estudos empreendidos em tese de Doutorado, em
andamento, cujo objetivo é discutir a elaboração de um currículo para bebês e crianças
pequenas (0 a 3 anos de idade). Neste recorte, realizamos análise documental de alguns
documentos brasileiros, produzidos a partir de 1990, com o objetivo específico de analisar o
lugar do currículo nas políticas nacionais para a EI.
Ao abordarmos a questão da organização do currículo para a EI é possível que se
pense que isso não faz sentido para crianças pequenas. O estranhamento é ainda maior
quando falamos de um currículo para as crianças que estão na faixa etária de zero a três anos
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de idade. Para nós, isso ocorre em função do currículo ainda ser entendido como sinônimo de
elenco de disciplinas e/ou listagem de conteúdos.
Entretanto, assumimos uma concepção ampla de currículo que o compreende como
um todo significativo, uma produção social e um artefato cultural que organiza os
conhecimentos, os conteúdos e as experiências a serem vivenciadas pelos indivíduos em
formação (MOREIRA; SILVA, 2008; PEREIRA, 2007; SANTIAGO, 1998, 2006; SILVA, 2001). É
nesse sentido que compreendemos que pensar e organizar o currículo da EI é uma questão de
garantir o direito das crianças a terem acesso a experiências de conhecimento e de
desenvolvimento que lhes proporcionem desenvolverem-se de forma plena e integral.
Essa defesa está pautada na compreensão de EI como um direito das crianças e como
o “[...] lugar por excelência de sistematização dos elementos educativos indispensáveis à
disponibilização dos mecanismos intencionais de socialização, capaz de oferecer à criança
pequena as condições de interação e integração ao mundo que a cerca” (DIAS, 2005, p. 23). E
na compreensão de que a criança nessa faixa etária é um ser frágil, vulnerável e dependente,
mas é também uma criança capaz de interagir com o mundo e com os outros indivíduos. É um
ser global e indivisível que precisa ser cuidado e educado de maneira indissociável (ARCE;
SILVA, 2009; BARBOSA, 2008; 2010; BARBOSA; RICHTER, 2009; DIAS, 2005; OLIVEIRA, 2005).
Com base nessas concepções, defendemos a necessidade de se pensar na
especificidade da EI e na sistematização das ações através da organização de um currículo para
a creche. Para essa elaboração, dentre outras referências, faz-se necessário o conhecimento
dos documentos oficiais brasileiros que tratam das questões curriculares.
Da análise dos documentos oficiais, podemos afirmar que os estudos sobre currículo
e sobre Educação Infantil (EI) avançaram bastante desde os anos de 1980. Os estudos que
relacionam as duas áreas são mais recentes e podem ser situados na primeira metade da
década de 1990.
Segundo Kramer (2002, p. 05), o debate sobre proposta pedagógica ou proposta
curricular para a EI teria se dado pela primeira vez no ano de 1995. Nesse ano, algumas
pesquisadoras brasileiras, a pedido da Coordenação-Geral de Educação Infantil (COEDI) do
Ministério da Educação (MEC), produziram textos cuja temática relacionava currículo e EI, a
partir da seguinte questão: “o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?”.
Foi com o objetivo de construir um paradigma norteador do projeto de EI do país e
considerando a necessidade de implementação das diretrizes estabelecidas na Política
Nacional de Educação Infantil (1994) que o MEC/COEDI “definiu como ação prioritária o
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incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares
coerentes com as diretrizes expressas na Política e fundamentadas nos conhecimentos
teóricos relevantes para a educação infantil” (BRASIL, 1996a, p. 08).
Para a realização dessa ação, o MEC/COEDI considerou essencial começar por realizar
um diagnóstico a respeito das propostas pedagógicas/curriculares em curso nas unidades da
federação e constituiu, no final de 1994, uma equipe de trabalho que desenvolveu o Projeto
“Análise de propostas pedagógicas e curriculares em educação infantil”. Para a realização do
projeto, a equipe achou necessário iniciar o trabalho a partir de uma discussão conceitual
sobre o que é currículo ou proposta pedagógica em EI que foi realizada a partir da análise dos
textos produzidos pelas consultoras Tizuko Morchida Kishimoto, Zilma de Moraes Ramos de
Oliveira, Maria Lucia de A. Machado, Ana Maria Mello e Sônia Kramer (BRASIL, 1996a)
O resultado desse trabalho culminou com a publicação do documento “Propostas
Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil: um diagnóstico e a construção de uma
metodologia de análise” (1996) que sintetizou o trabalho realizado pela equipe.
A preocupação inicial do documento era a escolha do termo mais apropriado,
afirmando-se que “os termos currículo e proposta pedagógica têm sido utilizados com
diferentes sentidos, em diversos contextos da educação, em geral, e da educação infantil”
(BRASIL, 1996a, p. 13). Desse modo, apresenta, inicialmente, as concepções das autoras
referentes à proposta pedagógica e currículo a partir da análise dos textos encomendados as
consultoras.
Com base na análise do documento, podemos afirmar que as autoras consultadas
possuem concepções semelhantes sobre currículo e proposta pedagógica. Kramer afirma que
não estabelece diferenciação entre os termos currículo e proposta pedagógica, pois para ela
ambos se confundem e daí opta em abordar o tema a partir do termo proposta pedagógica.
Oliveira não explicita a diferenciação e passa a abordar a temática utilizando o termo currículo.
As outras especialistas buscam apresentar diferenciações entre os termos, mesmo
reconhecendo que eles apresentam similaridades e, assim, Kishimoto apresenta uma
diferenciação que se encaminha na perspectiva de que currículo seria algo mais específico e
proposta pedagógica seria algo mais amplo. E Mello e Machado, ao fazerem as diferenciações,
optam por adotar termos que segundo elas seriam mais adequados para o campo da EI. Desse
modo, Mello propõe o termo Proposta Psicopedagógica e Machado propõe o termo Projeto
Educacional-Pedagógico (BRASIL, 1996a; KRAMER, 2002).
Da análise das definições das consultoras, podemos depreender que
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definir currículo ou proposta pedagógica não é tarefa simples. Currículo é
palavra polissêmica, carregada de sentidos construídos em tempos e
espaços sociais distintos. Sua evolução não obedece a uma ordem
cronológica, mas se deve às contradições de um momento histórico,
assumindo, portanto, vários significados em um mesmo momento (BRASIL,
1996, p. 19).
Feitas essas considerações, entendemos que também seria importante destacar que
além das divergências e similaridades entre os pensamentos das autoras o importante é que
suas concepções “[...] expressam visões mais amplas do que as antigas conceituações de
currículo como sequência de matérias ou conjunto de experiências de aprendizagem
oferecidas pelas escolas” (BRASIL, 1996a, p. 20).
De acordo com o documento, existem outros pontos em comum entre os textos das
diferentes especialistas, dos quais destacamos: a preocupação com a contextualização
histórico-social do currículo; a percepção de que está situado historicamente e que reflete
valores e concepções de forma contextualizada; a necessidade de serem considerados os
aspectos institucionais e organizacionais na definição e implementação do currículo, projeto
ou proposta; a preocupação com os recursos materiais e financeiros; a preocupação com a
formação dos profissionais que atuam na educação infantil; o consenso sobre a natureza
dinâmica e aberta do currículo e, por fim, “a necessidade de que em sua elaboração e
implementação, haja uma efetiva participação de todos os sujeitos envolvidos – crianças,
profissionais, famílias e comunidades” (BRASIL, 1996a, p. 20).
Entretanto, mesmo diante dessas discussões empreendidas a respeito da elaboração
de propostas curriculares para a Educação Infantil, o MEC acabou por propor um currículo
nacional para esse nível educacional.
Após a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº
9.394/1996) houve um descompasso entre o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho
Nacional de Educação (CNE) no que diz respeito à elaboração de diretrizes curriculares. Com
base nas análises de Bonamino e Martinez (2002) e Cury (2002), podemos afirmar que houve
uma superposição de papéis entre o MEC e o CNE. Tal superposição ocorreu em decorrência
das políticas governamentais que, no tocante às questões curriculares, visavam implementar
uma agenda internacional pautada na elaboração de um currículo nacional para os diferentes
níveis de ensino (TORRES, 2003).
No caso específico da EI, esse currículo nacional foi proposto através da publicação
do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) que foi elaborado em 1998
e integra a série de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) elaborados pelo MEC.
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Direcionado às instituições e aos profissionais de creches e pré-escolas, o Referencial
“constitui-se em um conjunto de referências que visam a contribuir com a implantação ou
implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as
condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras” (BRASIL, RCNEI,
2002, p. 13).
O documento se apresenta como um guia de orientações que deve servir de base
para discussões entre os profissionais de um mesmo sistema de ensino ou de uma mesma
instituição, com vistas a auxiliar na elaboração de seus projetos educativos que se
caracterizariam como singulares e diversos. E objetiva contribuir
para o planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas
que considerem a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero,
social e cultural das crianças brasileiras, favorecendo a construção de
propostas educativas que respondam às demandas das crianças e seus
familiares nas diferentes regiões do país (BRASIL, RCNEI, 2002, p. 07).
O Referencial é composto por 03 (três) volumes, organizados da seguinte forma: o
primeiro volume é o documento “Introdução”; o segundo é o documento “Formação Pessoal e
Social” e o terceiro é o volume “Conhecimento de Mundo”. A estrutura do segundo e do
terceiro volumes se apóia em uma organização por idades, que divide orientações para as
crianças de zero a três anos e para as crianças de quatro a seis anos e está organizado em
âmbitos de experiências e eixos de trabalho.
No volume introdutório, o documento apresenta, entre outras questões,
considerações sobre creches e pré-escolas que nortearam historicamente o atendimento das
crianças pequenas no Brasil; considerações sobre a concepção de criança; concepções sobre o
educar, o cuidar e o brincar; aborda o perfil do profissional de EI; apresenta os objetivos gerais
da EI e se propõe a orientar a organização dos projetos educativos das instituições.
Sobre a concepção de criança, o documento afirma que esta é historicamente
construída e vem mudando ao longo dos tempos. Enfatiza que na concepção atual, a criança é
entendida como um sujeito social, que está inserido na sociedade e faz parte de uma
organização familiar que lhe serve de referência e, portanto, estabelece uma multiplicidade de
relações. E entende que as crianças possuem uma natureza singular, o que as caracteriza como
seres que pensam e sentem o mundo de um jeito próprio e bem particular.
Reafirma a necessidade de que as instituições de EI realizem as funções de educar e
cuidar de maneira integrada, afirmando que educar significa
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de
forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros
em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas
crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural
(BRASIL, RCNEI, 2002, p. 23).
E que essa educação contempla o cuidado como uma de suas partes integrantes.
Cuidar, nesse documento, significa “valorizar e ajudar a desenvolver capacidades”. Assim, a
dimensão do cuidado nas instituições de EI significa compreender as crianças em sua
especificidade e atuar no sentido de ajudar cada uma delas a se desenvolver (BRASIL, RCNEI,
2002, p. 24).
Reconhecendo o educar, o cuidar e o brincar no desenvolvimento das crianças, o
documento enfatiza a importância da aprendizagem em situações orientadas e aponta que um
desafio que se coloca para a EI é compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das
crianças serem e estarem no mundo.
No segundo volume, apresenta o âmbito de Formação Pessoal e Social que se refere
às experiências que favorecem, prioritariamente, a construção do sujeito. Esse âmbito envolve
as interações das crianças com o meio, com os outros e com elas mesmas e envolve o eixo de
trabalho “Identidade e autonomia”. Esse eixo de trabalho enfatiza que as instituições de EI,
suas propostas educativas e as práticas pedagógicas de seus profissionais devem proporcionar
às crianças o desenvolvimento de sua identidade e a construção de sua autonomia, para que
possam se relacionar e interagir com outras crianças e com os adultos.
E no terceiro volume, apresenta o âmbito Conhecimento de Mundo, no qual constam
seis documentos referentes aos seguintes eixos de trabalho: Movimento, Artes Visuais,
Música, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade e Matemática. O documento de cada
eixo de trabalho se organiza com base em uma estrutura comum na qual são explicitadas as
ideias e práticas correntes relacionadas àquele eixo de trabalho e como cada eixo compreende
a relação que as crianças estabelecem com àquele conhecimento, bem como apresenta os
seguintes componentes curriculares divididos por idades: objetivos, conteúdos, orientações
didáticas, orientações gerais para o professor e bibliografia.
Com essa breve análise do RCNEI, entendemos que com a elaboração desse
documento o MEC parece ter encerrado as discussões sobre a elaboração de propostas
pedagógicas/curriculares para a EI. E, a partir daquele momento, o Referencial passou a se
configurar como “a” proposta curricular nacional para a Educação Infantil. Daí a importância
dada a ele na política do Ministério da Educação a partir de então.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Conforme abordamos, esse fato estava em consonância com os objetivos de
construir parâmetros e referenciais nacionais para os diferentes níveis de ensino. Tais
parâmetros seguiram as orientações internacionais e acabaram desconsiderando as produções
teórico-metodológicas que vinham sendo discutidas em âmbito nacional. Um exemplo disso
foi a forma como os documentos foram elaborados centralmente e sem grandes discussões
nacionais como apontam as análises de Kramer (2002; 2003), Cerisara (2007) e Palhares e
Martinez (2007) que questionam a metodologia adotada pelo Ministério para a elaboração do
documento, bem como a falta de articulação com outros documentos produzidos
anteriormente pelo MEC/COEDI.
Concordamos com as análises das autoras e afirmamos que o RCNEI representou um
desvio da rota anteriormente traçada, como afirmam Palhares e Martinez (2007). Para nós, a
rota anterior visava implementar uma política nacional para a EI que tinha como base a
centralidade na elaboração de propostas pedagógicas e curriculares no contexto de cada
instituição de EI. Já o RCNEI, assumiu uma perspectiva de currículo nacional e desconsiderou as
análises e os encaminhamentos que vinham sendo discutidos pela área.
Para nós, o que vinha se esboçando em matéria de currículo indicava a necessidade
do MEC dar apoio para que os sistemas de ensino e as instituições educacionais elaborassem
suas propostas pedagógicas e curriculares, mais voltadas para as suas especificidades locais e
capazes de reconhecer o direito de crianças e educadoras a uma prática educativa que as
considerassem como sujeitos de direitos e produtores de cultura. E não a necessidade do MEC
definir centralmente um currículo único a ser seguido pelas instituições.
Diante das várias críticas e em razão dos pareceres não terem sido favoráveis, o MEC
reelaborou algumas questões e, ainda em 1998, tornou público os três volumes do documento
após ter passado, também, pela análise do CNE que acabou colocando o RCNEI e os PCN como
não obrigatórios e se voltou para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN),
essas sim mandatárias em matéria de currículo (CURY, 2002).
De 1998 até os dias atuais, o Brasil instituiu uma série de diretrizes curriculares para
os mais diversos níveis e modalidades de ensino. Neste texto, analisamos as diretrizes
referentes à EI.
Assim, começamos analisando a Resolução nº 01/1999 da Câmara de Educação
Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), que instituiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Composta por quatro artigos, a referida Resolução apresenta, em seu artigo 3º, as
diretrizes curriculares para este nível de ensino, enfatizando diversos aspectos que deveriam
orientar as instituições de EI no que diz respeito a “organização, articulação, desenvolvimento
e avaliação de suas propostas pedagógicas” (BRASIL, DCNEI, 1999, art. 2º).
Da análise do documento, podemos afirmar que a primeira diretriz explicitava os
princípios éticos, políticos e estéticos que deveriam servir de base para a organização
curricular da EI. A segunda diretriz abordava a necessidade de se reconhecer a identidade dos
sujeitos, enfatizando que cada pessoa teria sua especificidade e suas características próprias
que deveriam ser respeitadas nas instituições de EI. A terceira tratava da questão do educar e
cuidar na EI. A quarta abordava a questão de que as ações educativas deveriam ser
intencionais e precisavam reconhecer a criança como capaz de aprender individual e
coletivamente, enfatizando que as ações deveriam buscar a interação entre as áreas de
conhecimento e os aspectos da vida cidadã e contribuir para o acesso aos conteúdos
necessários para a constituição de conhecimentos e valores pelas crianças. A quinta tratava da
avaliação do desenvolvimento da criança, caracterizada como o acompanhamento das etapas,
e da preocupação de que as avaliações não servissem para a promoção ou retenção das
crianças no acesso ao Ensino Fundamental. A sexta enfatizava a necessidade de que os
profissionais que atuariam na gestão e coordenação das propostas pedagógicas e das
instituições de EI tivessem curso de formação de professores. A sétima abordava a questão do
ambiente de gestão das instituições de EI e reafirmava o princípio da gestão democrática. E a
oitava e última diretriz indicava que as propostas pedagógicas e os regimentos internos das
instituições deveriam levar em consideração as condições de efetivação dessas diretrizes e das
estratégias educacionais previstas nesses documentos (BRASIL, DCNEI, 1999).
Do exposto, compreendemos que a DCNEI (1999) afirmava a autonomia das
instituições na elaboração, execução, acompanhamento e avaliação das instituições de EI e
não fazia menção à utilização de parâmetros ou referenciais nacionais na organização dos
currículos dessas instituições. Outra observação importante, é que na DCNEI (1999) apareceu a
questão do educar e cuidar como objetivo das propostas pedagógicas das instituições,
especificidade defendida pelos estudiosos da área e que não apareceu nos artigos referentes à
EI na LDB.
Mais de dez anos depois, o Brasil reafirmou a importância das Diretrizes Curriculares
Nacionais ao elaborar as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(2009) e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2010) a partir da
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
atual configuração da Educação Básica, após a publicação da legislação que ampliou a
cobertura da educação obrigatória brasileira, e diante das discussões que permearam as
Conferências Municipais e Estaduais, bem como a Conferência Nacional de Educação (CONAE,
2010).
Assim, em 17 de dezembro de 2009, foi aprovada a Resolução CNE/CEB nº 5/2009
que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) a serem
observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de EI brasileiras,
revogando-se a Resolução CNE/CEB nº 01/1999.
A DCNEI (2009) anuncia, em seu artigo 2º, a sua articulação com as diretrizes gerais
para a educação básica que foram aprovadas posteriormente e que analisamos em seguida.
O que primeiro nos chama a atenção na DCNEI (2009) é a apresentação das
concepções de currículo, de criança e de Educação Infantil que norteiam a instituição das
diretrizes para esse nível educacional. Isso não ocorreu na DCNEI (1999) que orientava a
elaboração de propostas pedagógicas e curriculares para a EI, mas não apresentava as
concepções que embasavam sua elaboração.
Com relação ao conceito de currículo, a DCNEI (2009) apresenta uma compreensão
que leva em consideração o contexto da prática e a busca de articular as experiências e os
saberes das crianças com os conhecimentos socialmente produzidos ao explicitar em seu
artigo 3º que
o currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas
que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental,
científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de
crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, DCNEI, 2009, art. 3º).
O reconhecimento da criança como sujeito de direitos e o entendimento de que ela
deve estar no centro do processo educativo e do planejamento curricular é reforçado no artigo
4º que afirma que
as propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a
criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos
que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende,
observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, DCNEI, 2009, art. 4º).
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No que concerne à especificidade da EI e sua oferta em creches e pré-escolas
públicas e privadas, o artigo 5º reafirma a EI como primeira etapa da Educação Básica como
preconizado no artigo 29 da LDB.
O artigo 6º da DCNEI (2009), com outra redação, reafirma os princípios éticos,
políticos e estéticos que devem nortear a educação brasileira, expressos no artigo 3º da DCNEI
de 1999.
No geral, a DCNEI (2009) apresenta 13 artigos dos quais destacamos, ainda, os artigos
7º, 8º, 9º e 10. O artigo 7º aborda a garantia do cumprimento da função social das instituições
de EI, afirmando que o trabalho educativo desenvolvido nessas instituições deve ter uma
intencionalidade pedagógica claramente definida e desenvolver ações que garantam as
condições para a realização das atividades propostas. O artigo 8º aborda os objetivos a serem
alcançados pelas instituições de EI no que diz respeito ao acesso ao conhecimento que deve
ser proporcionado às crianças e que devem estar expressos nas propostas curriculares dessas
instituições. No que diz respeito às práticas pedagógicas que deveriam ser desenvolvidas nas
instituições de EI, o art. 9º afirma que as interações e as brincadeiras devem ser os eixos
norteadores das experiências proporcionadas às crianças nas práticas curriculares das
instituições. O art. 10 aborda a necessidade de que o trabalho pedagógico desenvolvido pelas
instituições bem como o desenvolvimento das crianças sejam avaliados e reafirma que essa
avaliação não deve ser base para seleção, promoção ou classificação. Nesse artigo, o que nos
chama a atenção é a referência à observação crítica e criativa das crianças, de suas interações
e atividades desenvolvidas, bem como a sugestão de utilização de várias formas de registro
desse desenvolvimento.
Em linhas gerais, a DCNEI (2009) aborda as diversas possibilidades ativas das crianças.
Para que essas possibilidades sejam desenvolvidas, faz-se necessário que as crianças sejam
educadas e cuidadas em ambientes que lhes possibilitem desenvolver suas potencialidades.
Para isso, várias questões precisam estar envolvidas: conhecimento do desenvolvimento
infantil, conhecimento dessas potencialidades das crianças, espaços e materiais adequados,
profissionais com a formação necessária para planejar e desenvolver um trabalho que tenha
como foco o desenvolvimento integral das crianças, entre outras. O que aponta para a
necessidade das professoras de EI terem uma sólida formação inicial e do sistema de ensino
investir em formação continuada para essas profissionais, o que parece não ser realidade em
muitos municípios brasileiros. Daí ser importante questionar: como proporcionar o
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
desenvolvimento das potencialidades das crianças nas instituições de EI com as condições
reais que estão postas?
Acreditamos que a resposta ao questionamento passa pela formulação e
implementação de políticas públicas para a EI no contexto local e por um maior apoio por
parte do governo nacional, no sentido de apoiar e cobrar que essas políticas sejam elaboradas
e efetivadas, para que se garanta o direito constitucional a uma educação pública de qualidade
social para as crianças.
As discussões sobre o currículo para a EI foram retomadas na elaboração das
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNGEB) que entraram em
vigor em 13 de julho de 2010, através da Resolução CNE/CEB n° 04/2010 que possui 60 artigos
distribuídos em 07 Títulos.
Dentre os pontos abordados, destacamos alguns que consideramos importantes:
 A responsabilidade que o Estado brasileiro, a sociedade e a família tem em
garantir: a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão
com sucesso das crianças, jovens e adultos na instituição educacional (art. 1º);
 A afirmativa de que as diretrizes devem ter como foco os sujeitos que dão vida
ao currículo e à escola (art. 2°);
 A reafirmação da Educação Básica como direito universal e alicerce para o
exercício da cidadania em plenitude e para a conquista dos demais direitos (art.
5°);
 O entendimento de que na Educação Básica é necessário considerar as
dimensões do cuidar e do educar em sua inseparabilidade (art. 6°);
 A necessidade de se criar um Sistema Nacional de Educação, no qual os entes
federativos são chamados a colaborar para transformar a Educação Básica em
um sistema orgânico, sequencial e articulado (art. 7°);
 A relevância de que a escola elabore seu projeto político-pedagógico concebido
e assumido colegiadamente pela comunidade educacional, respeitadas as
múltiplas diversidades e a pluralidade cultural (art. 10);
 O entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram
em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando
vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos (art.
13).
Outros pontos analisados na DCNGEB (2010) foi a organização da Educação Básica
em níveis e modalidades e a referência as especificidades de cada etapa, expressas dos artigos
18 ao 26.
No que diz respeito aos artigos referentes especificamente à EI, analisamos os artigos
21 e 22. O artigo 21 reafirma que a divisão (creche e pré-escola) se dá apenas pelo critério
etário, ao afirmar que a EI compreende “a Creche, englobando as diferentes etapas do
desenvolvimento da criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses de idade; e a Pré-Escola, com
duração de dois anos” (BRASIL, DCNGEB, 2010, art. 21, inciso I).
E o artigo 22 aborda o desenvolvimento integral das crianças, a partir da
consideração da necessidade de acolher, respeitar dar atenção intensiva para as diferentes
crianças, considerando que elas provêm de diferentes contextos sócio-culturais e a
necessidade de que as ações educativas sejam sistematizadas para favorecer o
desenvolvimento infantil. O que exige a organização das instituições e do trabalho
desenvolvido por suas profissionais, bem como a necessária articulação das instituições com as
famílias (BRASIL, DCNGEB, 2010, art. 22).
Dá análise das diretrizes, afirmamos que elas apontam para uma maior
descentralização em matéria de elaboração das propostas pedagógicas e curriculares das
instituições e/ou dos sistemas de ensino. Essa descentralização se expressa na afirmação de
que a instituição educacional, seus profissionais e a comunidade em geral são responsáveis
pela elaboração dessas propostas de forma participativa e coletiva.
Nesse sentido, afirmamos que as diversas Diretrizes instituídas pelo CNE se
configuraram como uma tentativa de romper com a política centralista do MEC de meados dos
anos de 1990, reafirmando a importância das próprias instituições elaborarem suas propostas
localmente.
Após a análise dos documentos produzidos pelo MEC compreendemos que o
primeiro documento se encaminhava na direção de que as políticas curriculares para a EI
deveriam se pautar na autonomia das instituições para construir suas propostas e que elas
deveriam ser pensadas coletivamente por todos os envolvidos no processo.
Essa concepção, entretanto, parece ter se encaminhado no sentido oposto daquele
pretendido pelo MEC, uma vez que a partir da segunda metade dos anos de 1990 o Ministério
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
passou a construir referencias e parâmetros curriculares nacionais a serem seguidos em todo o
território nacional. Assim, na segunda metade da década, as discussões a respeito do currículo
para a EI parecem ter arrefecido, pelo menos no âmbito das políticas nacionais. Nesse período,
parece que a principal preocupação passou a ser a elaboração de referenciais nacionais,
culminando com a publicação do RCNEI. Elaborado o documento, este passou a ser
considerado por muitos “o” currículo para a área, conforme já abordado. Fato que estava de
acordo com a política do MEC durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) que
entendia currículo de forma restrita e se voltou para a elaboração de um currículo nacional
que justificasse e servisse de base para outras políticas para a área da educação, a exemplo das
políticas de avaliação nacional e as políticas do livro didático (CURY, 2002).
Nesse sentido, concordamos com Palhares e Martinez (2007) e afirmamos que o
processo de elaboração, o documento final e a divulgação do RCNEI se configuraram como um
desvio da rota anterior que vinha sendo traçada pela COEDI através dos debates e dos
documentos publicados no início da década de 1990.
A rota anterior apontava numa direção mais coletiva e participativa e se
encaminhava na perspectiva de que o currículo fosse construído em cada creche ou pré-escola,
em consonância com as orientações nacionais e locais e atendendo aos anseios da
comunidade e às necessidades das crianças.
O desvio da rota se deu em uma direção oposta, ao apresentar um referencial que
passou a ser entendido e disseminado como “o” currículo para a EI, ou seja, um referencial
elaborado centralmente e que deveria ser seguido pelas creches e pré-escolas, mesmo que no
discurso ele se apresentasse como uma proposta que poderia ser seguida ou não. Para nós,
isso foi percebido na própria elaboração do RCNEI que desconsiderou toda a produção
anterior da COEDI.
Paralelo a esse encaminhamento do MEC, o CNE discutia e instituía as Diretrizes
Curriculares Nacionais (DCN). Para nós, essas diretrizes se configuram como outro
encaminhamento para as questões curriculares, uma vez que reafirmam a pluralidade de
propostas pedagógicas e curriculares possíveis de serem construídas e a autonomia das
instituições na construção coletiva dessas propostas. A elaboração das DCN é um indicativo de
que a rota anterior precisava ser retomada.
Nesse sentido, a correção da rota teria se iniciado no início dos anos 2000, mais
especificamente a partir do Governo do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
MEC retomou a rota anterior ao reafirmar, nos documentos publicados, que cada instituição
de EI deve construir localmente seu currículo, articulado com a sua proposta pedagógica.
Por fim, afirmamos que as análises dos desvios e retomadas de rotas anteriormente
traçadas para a EI indicam que as orientações nacionais, estaduais e municipais são
importantes e necessárias, mas que não devem ser vistas como “camisas de força” para as
instituições.
Daí defendermos que as propostas pedagógicas e curriculares precisam ser
construídas no contexto de cada instituição de EI, uma vez que elas precisam considerar as
especificidades institucionais, seus profissionais, a comunidade e, principalmente, as crianças.
Para nós, essa elaboração é imprescindível para que se possa garantir que as práticas
educativas desenvolvidas com essas crianças se encaminhem na direção de lhes garantir uma
educação de boa qualidade que lhes proporcionem desenvolverem-se de forma plena e
integral.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
O LUGAR DA BRINCADEIRA NO CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA EXPERIÊNCIA DE ESTÁGIO
OLIVEIRA, Amanda N. S. de.
LOPES, Lidiana Aparecida.22
RESUMO
Este artigo23 é fruto de uma experiência em estágio supervisionado na educação infantil
vivenciada durante a graduação do curso de Pedagogia. O estágio foi desenvolvido numa
escola da rede pública municipal e teve como objetivo analisar as práticas curriculares
educativas tendo como foco a brincadeira por considerar esta uma atividade própria da
criança. Nesta perspectiva se considerou os significados construídos sobre a infância e a
criança e quais as contribuições destas práticas no processo de desenvolvimento das crianças.
Palavras-chave: Brincadeira. Educação infantil. Currículo. Infância.
ABSTRACT
This article is the result of a supervised internship experience in early childhood experienced
during the graduation of the Faculty of Education. The stage was developed in a local public
school and aimed to analyze the practical educational curriculum focusing on the game
considering that a child’s own activity. This perspective is considered the meanings built on
childhood and child and the contributions which these practices in the developed of children.
Keywords: Play. Child rearing. Curriculum. childhood
Introdução
Diante de uma análise histórica é possível identificar que a infância nem sempre foi
reconhecida como uma etapa da vida humana, de modo que a criança nem sempre foi
respeitada como um sujeito social e de direitos. A educação infantil como um direito da
criança pequena é uma conquista recente adquirida a partir de estudos e novas propostas.
A primeira conquista legal da área no Brasil se efetiva por meio do reconhecimento
da educação infantil como primeira etapa da Educação Básica Brasileira na Constituição
Federal Brasileira de 1988. Apenas em 1996 a educação infantil é regulamentada pela Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) da Educação 9394/96, que em seu artigo IV afirma que é dever do
22
Graduandas da licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste. E-mails:
[email protected]; [email protected].
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estado o atendimento gratuito às crianças de zero a cinco anos de idade em creches e préescolas oferecendo as crianças uma educação capaz de promover seu desenvolvimento pleno.
Partindo desses pressupostos, a pesquisa desenvolvida no estágio supervisionado na
educação infantil e teve o intuito de investigar quais as concepções de criança e infância
propostas no currículo a partir da compreensão de que a brincadeira e a interação são eixos
norteadores essenciais para a prática com as crianças na educação infantil.
Para tanto
objetivou compreender o lugar da brincadeira utilizada no currículo da instituição de educação
infantil. Desse modo, durante os momentos de observação buscou-se identificar as práticas
docentes e a perspectiva de currículo adotada na educação infantil no campo de estágio.
O estágio como campo de pesquisa
O estágio se desenvolveu entre os meses de Abril à Junho de 2011, junto às crianças
de 5 anos e uma professora da Educação Infantil II, em uma escola municipal da área rural da
cidade de Caruaru-Pe, que foi chamada pelo nome fictício de “Gostar de Aprender”. O estudo
foi proposto se desenvolver na perspectiva do método qualitativo com enfoque para um
estudo de caso do tipo etnográfico, conforme defende André (1995) “a pesquisa do tipo
etnográfica, que se caracteriza fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com
a situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as relações que configuram a
experiência escolar diária” (p. 41). A pesquisa qualitativa se justifica por se trabalhar:
Com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e
atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2004, p. 22)
Na medida em que as técnicas etnográficas estão sendo desenvolvidas, vejamos a
reflexão e contribuição de André quando diz que “O pesquisador é o instrumento principal na
coleta de dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o pesquisador.” (1995, p.
28). Nesta diretriz, o trabalho realizado buscou investigar através do foco de estudo novas
maneiras ou trazer contribuições no entendimento da realidade do campo pesquisado.
Concepção de criança e infância
23
Trabalho orientado por Patrícia Gomes de Siqueira, professora substituta no curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – Núcleo de Formação Docente (UFPE/CAA/NFD). E-mail: [email protected]
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Durante muito tempo as crianças foram vistas como seres sem voz nem vez, seriam
apenas um retrato de um adulto em miniatura esperando a idade chegar para fazer parte do
mudo. As crianças de uma posição social mais privilegiada eram vistas como um adulto que
ainda não cresceu e que, portanto, deveria aguardar o seu momento chegar para fazer parte
do meio social junto da família, as que pertenciam a uma posição social menos favorecida
ingressava desde muito cedo no trabalho para ajudar a família nas despesas de casa. Neste
sentido, Bujes ressalta que:
Cada época tem sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de
caracterizar as mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância. Nos
últimos três ou quatro séculos, a criança a passou a ter uma importância
como nunca havia ocorrido e ela começou a ser descrita, estudada, a ter o
seu desenvolvimento previsto, como se ele ocorresse do mesmo jeito e na
mesma sequência. (2001, P. 17)
Nesta perspectiva, de acordo com Bujes (2001) essa concepção de infância como
uma categoria social nos faz refletir sobre a nossa própria concepção de infância e criança que
nos orienta em nossas práticas com as crianças pequenas. Entender as necessidades e
características que a criança do mundo atual necessita é imprescindível para entendê-la como
sujeito de direitos e poder garantir que a criança possa ter infância, e que suas necessidades
básicas sejam atendidas.
O currículo da educação infantil no âmbito educacional
A educação infantil no Brasil, apesar de já ser reconhecida desde a Constituição
Federal Brasileira de 1988 e reforçada no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e na
LDB de 1996, ainda sofre com os descasos em muitas instituições no Brasil que não respeitam
por não oferecerem um atendimento que contemple as necessidades e especificidades da
criança pequena, o que inclui o cuidado e a educação integrados proporcionando assim o
desenvolvimento e a aprendizagem. O objetivo da educação infantil está evidente no artigo 29
da LDB que diz:
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em
seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a
ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996, p. 12)
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Entretanto, apesar de leis como essa já terem sido promulgadas há algum tempo a
realidade que se encontra atualmente em algumas instituições são preocupantes, pois muitas
que atendem crianças nessa faixa etária não dispõem de materiais adequados para o
desenvolvimento dos trabalhos, e ou não se preocupam com a qualificação ou a contratação
de profissionais habilitados para atendê-las, tornando assim o atendimento das crianças muito
defasadas no sentido social e educativo.
Arroyo (1994) contribui para essa discussão quando menciona o papel que a
educação infantil tem que desempenhar, que é o de promover uma educação capaz de
transformar as crianças em cidadãos críticos e independentes, com uma proposta curricular
que de fato contribua com o desenvolvimento psicossocial das crianças. Torna-se imperiosa a
necessidade de se romper com os moldes antigos em que o papel da pré-escola era preparar a
criança para uma próxima etapa da escolarização e da creche ser um espaço de guarda e
cuidado.
Certamente a educação infantil no contexto educacional ainda precisa avançar em
muitos aspectos estruturais, pedagógico e, sobretudo, curricular para que o retrato atual
tenha outra configuração, validando os direitos assegurados às crianças por lei.
A brincadeira e o mundo infantil
Segundo Vigotsky (2007), a criança é um ser social que se comunica com o mundo
através de experiências. Essas experiências se dão mediante os estímulos e oportunidades
propiciados a ela através do brincar que irá fazer com que a criança faça diversas (re) leituras
de mundo, desenvolvendo a imaginação e a criação. Neste sentido percebe-se que a
brincadeira é a atividade principal da criança, ao brincar a criança transportar-se para um
mundo imaginário tornando possível a concretização de desejos ainda não realizáveis
desenvolvendo a imaginação e a fantasia. Ainda segundo Vigotsky “No brinquedo a criança
sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do que seu
comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que ela realmente é na
realidade.” (2007, p. 122).
Também é importante salientar segundo a visão de Vigotsky que “o brinquedo
não é algo dominante da infância, mas é imprescindível para o desenvolvimento da criança”.
(2007,p.120). Dessa forma, a brincadeira deve permear as salas de educação infantil para
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poder transformar esse ambiente em um espaço agradável e prazeroso possibilitando assim o
desenvolvimento integral da criança.
Essas considerações nos mostram que a criança necessita ser estimulada para
que seu aprendizado e seu desenvolvimento aconteçam de forma leve e prazerosa. E que o
brincar possa ser compreendido como atividade completa e importante para o seu
desenvolvimento da criança, o que não parece acontecer nas práticas educativas no lócus
investigado.
Algumas considerações sobre os resultados
Como destacado, é possível identificar a importância da brincadeira para o
aprendizado e o desenvolvimento da criança, algo que o professor de educação infantil
necessita compreender e considerar em sua prática. Ao confrontar estes conhecimentos com
as observações no campo de estágio e por meio da análise dos dados coletados foi possível
perceber a dificuldade de compreensão do espaço para a brincadeira e significado de infância
por aqueles que lidam com a educação infantil.
Concernente ao currículo não foi possível identificar a brincadeira e a interação entre
as crianças e o educador como aspectos importantes no processo do desenvolvimento e
aprendizagem das crianças. O currículo presente na instituição investigada tem a função de
alfabetizar a criança pequena o mais cedo possível. Desse modo, fica evidente a necessidade
de se repensar o modo como a brincadeira tem sido utilizada no currículo da educação infantil
que contemple as especificidades da aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, bem
como políticas que atendam as necessidades reais da educação infantil.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
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CURRÍCULO, EDUCAÇÃO INFANTIL E PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS: UMA REFLEXÃO SOBRE A HORA DO
VÍDEO COMO RECURSO PEDAGÓGICO
NASCIMENTO, Ana Michele de Almeida 24
VIEIRA, Ghesa Maria Quirino Lima 25
RESUMO
Este trabalho visa contribuir com a reflexão sobre a importância do Currículo da Educação
Infantil a partir de uma discussão dos Estudos Culturais para a educação da infância e a
importância na análise prévia por parte dos educadores em relação aos artefatos culturais
transmitidos nas escolas como recurso pedagógico da hora do vídeo. A utilização desta
tecnologia tem sido bem freqüente nestes espaços, tanto na rede privada quanto na rede
pública de ensino, visto que a televisão e o transmissor de vídeo podem ser encontrados na
grande maioria dos espaços educativos e assim utilizados também como ferramenta para o
entretenimento das crianças. Sendo assim, é imprescindível que o educador tenha a
consciência crítica para entender o que determinados filmes infantis trazem como discurso. A
infância aqui abordada é considerada como um período crucial na educação e na formação
humana. Para análise do que nos propomos, trazemos para cena o “aparato cultural” do
cinema (Giroux, 1995) e analisamos os elementos discursivos do clássico “Rapunzel”, em sua
antiga e nova versão. Assim, os Estudos Culturais, discussão que vem ganhando bastante
espaço na América Latina (Costa, 2003) baliza o presente estudo.
Palavras-chave: Infância e Estudos Culturais. Educação Infantil e Prática Docente. Estudos
Culturais e Formação Docente. Genêro.
SUMMARY
This work aims to contribute to the reflection on the importance of Early Childhood Curriculum
from a discussion of cultural studies for the education of children and the importance of prior
review by educators in relation to cultural artifacts transmitted in schools as an educational
resource time Video. The use of this technology has been quite frequent in these areas, both in
private and in public schools, since television and video transmitter can be found in most
educational spaces and thus also used as a tool for the entertainment of children. Therefore, it
is essential that the teacher may have a critical consciousness to understand that certain
children's films have as speech. The children discussed here is considered a crucial period in
education and human development. For the analysis we propose, we bring to scene the
"cultural apparatus" of cinema (Giroux, 1995) and analyze the discursive elements of the
24
Ana Michele de Almeida Nascimento. Arte Educadora na Educação Infantil. Graduada em Pedagogia pela UFPE/Campus
Agreste- Caruaru-PE. Mestranda em Educação/Prog.Pós-Graduação stricto sensu da UFPE- Universidade Federal de Pernambuco.
Núcleo de Teoria e História da Educação. Campus Recife/PE. [email protected]
25
Ghesa Maria Quirino Lima Vieira. Pedagoga/ Psicóloga. Estudante de Pós-Graduação em psicologia pela FAVIP - Faculdade Vale
do Ipojuca/Caruaru-PE. Coordenadora de Educação Infantil. [email protected]
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
classic "Rapunzel" in her old and new version. Thus, cultural studies, discussion that has been
gaining a lot of space in Latin America (Costa, 2003) marks the present study.
Keywords: Childhood and Cultural Studies. Early Childhood
Practice. Cultural Studies and Teacher Education. Gender.
Education and Teaching
Currículo, Educação Infantil e Práticas Pedagógicas.
Para iniciar esta discussão trazemos sucintamente as nossas considerações sobre a
relevância do currículo e seu papel fundamental no contexto escolar, voltando nosso olhar
especificamente para a etapa da Educação Infantil. Para tal, buscamos nos respaldar no
entendimento da importância sobre um currículo voltado para as especificidades desta faixa
etária em foco (educação de crianças de 0 a 6 anos).
Durante o desenvolvimento deste texto, abordaremos questões que reforçam sobre
a importância de um profissional qualificado e atento para atuar nesta área. Não mais
qualquer pessoa pode estar responsável em educar crianças. É necessário além da formação
mínima, uma formação continuada, por diversos motivos e argumentos ratificamos isto. Esta é
uma desconstrução pertinente e necessária. Neste sentido, encontramos em Forquin algo
sobre currículo que traduz com muita coerência os elementos que este estudo se propõe:
“... no sentido mais corrente o termo currículo designa o conjunto daquilo
que se ensina e daquilo que se aprende, tendo como referência alguma
ordem de progressão, podendo referir-se para além do que está
escrito/prescrito oficialmente, ou seja, o que é efetivamente ensinado e
apreendido no interior da sala de aula e ainda por aquilo que, contido no
conteúdo latente, se adquire na escola por experiência, impregnação,
familiarização ou inculcação” (FORQUIN, 1996, p.188).
As práticas pedagógicas na Educação Infantil vêm sendo ressignificadas ao longo
destas últimas décadas. Isto se dá principalmente pelo fato do direito à educação e aos
cuidados para crianças de 0 a 6 anos, bem como a afirmação do binômio educar e cuidar
passarem a ser considerados funções indissociáveis .
Esta visão de atendimento a comunidade infantil e instituição das mesmas, foram
incorporadas pela primeira vez à legislação na Constituição Brasileira de 1988. Porém a
Educação Infantil só passa a vigorar como primeira etapa da educação básica a partir da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96). Estes acontecimentos são de fato marcos
importantíssimo na história da educação das crianças.
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Mais adiante, no ano de 1998, a Educação Infantil vem a ser contemplada com a
implementação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Este
material está disposto em 03(três) volumes e vem auxiliar os professores na realização do
trabalho educativo diário junto às crianças pequenas. O mesmo foi idealizado a partir de uma
constatação sobre a realidade nacional diversa e desigual sobre a formação dos profissionais
que atuam na educação das crianças, e principalmente, as concepções que este profissionais
têm sobre crianças, infâncias, educação, atendimento institucional, dentre outros fatores
(RCNEI, vol.01, p.39)
A partir de uma discussão que nos parece abranger todo o país, inicia-se um
movimento de preocupação em tornar o atendimento educacional infantil de qualidade.
Inclusive, tem sido crescente o número e também a qualidade dos estudos que contemplam a
Educação Infantil como campo de observação e reflexão.
Estudos comprovam que as crianças começam a ganhar espaço, ganhar voz e vez nos
meios acadêmicos (Educação) como também passou a ser preocupação de diversas outras áreas
(psicologia, sociologia, antropologia etc.). Sendo que, não mais numa visão adultocêntrica, mas
sim, as próprias crianças sendo ouvidas, percebidas, pesquisadas. Segundo Guizzo e Felipe, “as
crianças vêm ganhando visibilidade, como sujeitos dignos de atenção, seja na área científica,
jurídica, política ou tecnológica” (GUIZZO E FELIPE, 2004. p.01).
O fato de atuarmos nesta etapa da educação há algum tempo e concomitantemente
estarmos inseridos dentro do espaço Universitário, participando de grupos de estudo,
pesquisando, como também levando as nossas reflexões aos eventos em educação, nos quais
pudemos efetivamente participar de discussões (GT’s 07- Educação de crianças de 0 a 6 anos),
nos fez passar a observar com mais detalhes as práticas pedagógicas e a presença/ausência de
determinadas reflexões feitas/ou não pelos professores , sobre os instrumentos (brinquedos,
vídeos, fantasias, figurinhas etc.) que eles possibilitam as crianças utilizarem.
Começamos neste sentido, a observar estes instrumentos nos momentos de
“ludicidade”: dia do brinquedo, hora do vídeo, hora da brincadeira etc. Na maioria das vezes
estes instrumentos são trazidos pelas próprias crianças de sua casa, e o professor, respeitando
a democracia, utiliza. Na maioria das vezes, inconseqüentemente.
Estas observações foram se tornando para nós um registro mental, e nos inquietava.
Ficamos por muitas vezes refletindo sobre os embates que algumas crianças travavam para ter
seu vídeo ou seu brinquedo contemplado.
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Um destes momentos se deu quando a nova versão de Rapunzel, intitulada
“Enrolados” foi lançada em sua versão DVD e nós pudemos observar uma cena onde uma
criança dizia com muita veemência __ nem venha com seu DVD, hoje é meu filme, e eu sou
Rapunzel e pronto.
Em outro momento resolvemos assistir aquele filme tão defendido pela pequena e
isto nos suscitou muitos questionamentos, visto ter conhecimento da primeira versão de
Rapunzel e as nossas observações sobre como este novo clássico veio revestido de um novo
discurso.
Perguntamos-nos, então, até que ponto o professor tem consciência sobre o que está
sendo reproduzido para infância na hora do vídeo?
Isto nos instigou a não apenas registrar e observar sem nada fazer. Sentimo-nos
então bastante envolvidos em tentar entender o contexto de determinados clássicos infantis
que em determinados momentos se transformam em “febre” infantil e todos querem ter o
momento de contemplação.
A partir de tais reflexões, encontramos nos Estudos Culturais entendimento para
determinados contextos sociais que a mídia oferece para convencimento de determinado
público. Arregaçamos as mangas e fomos pesquisar para entender. Segundo nos diz Freire:
“Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para
conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 1996).
Assim, o presente estudo, pautado na discussão dos Estudos Culturais e concebe esta
compreensão imprescindível ao currículo e a prática pedagógica na Educação Infantil,
desvelando assim o que pudemos observar a partir de um aprofundamento bibliográfico e
observação do clássico infantil que nos propusemos. Para tanto, faremos um breve
entendimento sobre a faixa etária em foco e suas especificidades, e em seguida discorreremos
sobre a proposta.
1. INFÂNCIAS, CRIANÇAS E EDUCAÇÃO INFANTIL
A infância abordada atualmente é considerada a partir de um fenômeno sócio-histórico e
esta percepção nem sempre existiu, representando uma conquista que se deu gradativamente no
decorrer de alguns séculos (KRAMER, 2006). Durante muitos e muitos anos a criança foi
considerada um “adulto em miniatura” (ARIÈS, 1981) e o mundo das crianças passou a ser
reconhecido separadamente do mundo dos adultos muito recentemente, levando em
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consideração o tempo cronológico da história da humanidade. Baseados neste contexto,
pensamos, assim como Miranda, que aborda em seus estudos sobre a concepção da infância como
sujeitos de direitos é bem recente, datando final do século XX (MIRANDA, 2010). Completamos a
estes fatores que no âmbito legal, estas conquistas também são bem recentes, tais quais: a
Constituição de 1988 , o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8242/91) e a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB / Lei 9394/96).
Podemos considerar que graças a diferentes contribuições, abordagens e discussões
durante a trajetória histórica da humanidade, houve mudanças no que tange o respeito às etapas
de vida do ser humano e algumas concepções sociais vieram a ser modificadas a partir de amplas
reflexões acerca das singularidades etárias. Assim compreendemos o porquê da humanidade ter
sua história bem marcada pela transformação dos conceitos em relação aos seres humanos e suas
especificidades.
Há pouco mais de um século data o surgimento das primeiras escolas para crianças.
Como bem sabemos elas não nasceram “num pé-de-planta”, foram surgindo para atender a
determinada demanda social e gradativamente foram ganhando seu espaço. Inicialmente, o
espaço de atendimento infantil tinha um caráter compensatório e assistencialista de cuidados para
a infância. No entanto, paulatinamente este espaço com o passar dos anos foi ganhando formato
de escola e foi aderindo ao atendimento as crianças como um agente também de educação e
transformação, atendendo a esta faixa etária como algo de direito, assim como acontece na
atualidade, ou pelo menos deveria acontecer (KRAMER, 2006).
Levando em consideração que é praticamente impossível nos dias atuais desassociar
criança e escola, reconhecemos o papel e importância da educação neste contexto social, e
percebemos que a própria humanidade vem se empenhando ao longo da historia mundial na
construção de um mundo melhor para este segmento. Ressaltamos portanto a importância da
Educação Infantil na sociedade , e partindo desta consideração, afirmamos o quanto é importante
um profissional muito bem preparado e consciente para atuar neste segmento.
Neste sentido concebemos como algo de fundamental importância a formação do
professor para atuação na educação infantil numa perspectiva bem distinta da postura
anteriormente adotada que acreditava que para ensinar às crianças era preciso apenas ter “jeito”
(OLIVEIRA), mas esta concepção vem mudando e este segmento vem solicitando inclusive nos
parâmetros legais, um profissional muito mais qualificado (LDB 9394/96), inclusive na maioria das
escolas (principalmente às que atendem a classe média), como também nos concursos municipais
de estaduais para contratação de professores/as é exigido a escolaridade a nível superior, ou seja,
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
pedagogos/as. Acreditando-se assim em profissionais aptos de uma consciência crítica e política do
seu papel na educação da infância, contribuindo para construção de uma sociedade humanizada.
A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no nosso país nos dias atuais,
até porque esta modalidade de ensino é reconhecida a muito pouco tempo, levando em conta o
tempo cronológico da própria História da Educação. Considerando que a própria Historia da
Educação passou por evoluções e modificações em seu contexto mais amplo, entendemos que a
Educação Infantil não fugiu a esta regra.
Conscientes de que para entender algo é necessário historicizar no intuito de
compreender como determinadas coisas se transformam e chegaram aos dias atuais, realizamos
este breve histórico evidenciando que educar criança não é tão simples como pode parecer,
tampouco, como ainda é reproduzido no senso comum que a criança vai para escola apenas para
brincar, sendo nosso papel enquanto educadores desconstruir tais concepções. Isto não quer dizer
que não acreditamos no brincar como uma possibilidade de ensino, muito pelo contrário. O fato
que aqui ressaltamos é que o que parece um simples instrumento de diversão e entretenimento
infantil, como os filmes da Disney, por exemplo, podem estar revestidos de um discurso
preconceituoso, excludente e mercantilista.
O mercado, a mídia e a tecnologia também estão atentos as mudanças e evoluções que
vêm acontecendo em relação às crianças, talvez tanto quanto os estudiosos da área. E buscam
conquistar este público com o discurso educativo.
Para entender o discurso nesta ordem discursiva que nos propomos observar
entendemos com Foucault que:
“O discurso nada mais é do que uma reverberação de uma verdade
nascendo diante de seus próprios olhos , quando tudo pode enfim tomar a
ordem do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a
propósito de tudo...” (FOUCAULT, 1970)
Enquanto educadores, entendemos bem melhor atualmente o entrelaçamento entra
educação, sociedade e cultura, e isto é que nos faz perceber o quanto o nosso olhar, e até mesmo
o nosso discurso, pode, e deve, estar desconstruído de uma postura ingênua. Pensamos ser
emergente um posicionamento crítico, neste sentido pensamos como Giroux por uma pedagogia
crítica, onde esta “em seu sentido mais crítico ilumina a relação entre conhecimento, autoridade e
poder” (Giroux, 1995). Ainda segundo este autor:
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“A pedagogia diz respeito, ao mesmo tempo, às práticas e aos
conhecimentos através dos quais os/as professores/as, os/as
trabalhadores/as culturais e os/as estudantes podem se unir politicamente
referindo-se também a política cultural sustentada por estas práticas”
(GIROUX, 1995).
Enquanto pedagogos/as precisamos nos aprofundar em determinados estudos e
abordagens que possam contribuir para nossa autonomia, politização, criticidade, e emancipação
acerca de concepções e valores que foram sendo transmitidas como corretos durante tantos anos.
Esta é uma possível forma de “pensar certo” (FREIRE, 1996).
Considerando que a escola também reproduz alguns aparatos culturais que nem sempre
são desenvolvidos para função da mesma, escolhemos um filme para analisar e demonstrar como
estas escolhas precisam ser criteriosas.
O presente estudo traz para reflexão e análise um filme que teve grande repercussão no
cinema em 2010, foi assistido na grande tela por milhares e milhares de pessoas no mundo inteiro
e hoje já se encontra disponível em vídeo. Como bem sabemos a partir desta disponibilidade, estes
artefatos culturais são bastante difundidos no mercado da cópia (pirataria) facilitando a
acessibilidade de todos. O filme que ora escolhemos é “Enrolados” (na versão original em inglês
“Tangled”) uma nova versão do conto clássico de “Rapunzel”. Não foi em vão que escolhemos a
Disney, isto se dá pelo fato que nos parece que pouco se tenha analisado estas produções pelo viés
da educação, ou de sua repercussão nas escolas. Acerca disto, Giroux nos diz que:
“É também importante observar que, embora a ideologia da Disney tenha
sido amplamente analisada, através de críticas a seus parques e revistas
em quadrinhos, essas análise não têm focalizado os filmes da Disney ou a
relevância da crítica pedagógica para analisar os textos da Disney como
narrativas ideológicas. Essas análises se justificam por duas razões. Em
primeiro lugar, seus filmes constroem e alcançam um público muito mais
amplo que seus outros entretenimentos culturais. Em segundo lugar, os
filmes da Disney têm um enorme valor como textos populares que estão
prontamente disponíveis para a crítica pedagógica e cultural”.(GIROUX,
1995)
Assim, ressaltamos a relevância dos Estudos Culturais e suas contribuições para
educação. Até porque a escola é considerada o lugar do “conhecimento poderoso” (YOUNG, 2007).
Sendo a escola este lugar que tem de fato e de direito o “poder” de ensinar, de transmitir valores,
se faz necessário uma avaliação do que ele está reproduzindo.
2. RAPUNZEL OU RAPUNZEIS
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“Rapunzel” foi escrita pelos irmãos Grimm (alemães Brüder Grimm ou Gebrüder
Grimm) no inicio do século XVIII, mais precisamente 1812 de acordo com nossas pesquisas (www.
wikipédia.com.br). Este clássico já foi contado e recontado dezenas de vezes, por várias fontes,
escritas e orais, inclusive em uma destas versões Rapunzel foi narrada e “cantada” por Olivia
Newton Jonh na década de 70. Foi transformado em filme na versão VHS pela primeira vez pela
Disney na década de 80, para esta reprodução os criadores e animadores desta indústria de
entretenimento se basearam na versão original dos irmãos Grimm. Em 2001, Rapunzel foi
contada em desenho animado, pela *Mattel, desta vez a figura da boneca Barbie era a atração
principal do conto de fadas secular, tanto como narradora da história, quanto sendo a
personagem principal.
Este mesmo clássico conto de fadas foi recontado através de filme, desta vez
novamente pela Disney, que em 2010 levou centenas de milhares de pessoas ao cinema,
inclusive este filme esteve nas telas dos cinemas aqui do Brasil por uma boa temporada.
O que nos instiga a observar este clássico enquanto educadores é: “O que está por
trás desta nova versão” ? . “Qual é o discurso que alimenta o novo/velho conto”?. “Quais as
mudanças realizadas entre a primeira e a última versão, e a quem ou a que estas mudanças
pretendem atender?”
É importante ressaltar que a nossa preocupação neste momento não está no que a
criança é capaz de observar a partir deste, ou, destes filmes. Esta, talvez possa vir a ser uma
discussão posterior, mas, o que nos instiga no momento realmente é contribuir para que os
profissionais de educação estejam atentos aos sinais e símbolos explícitos e implícitos em
determinadas obras, principalmente da Disney, pensamos assim como Giroux, que o “maravilhoso
mundo da Disney” é mais que uma logomarca:
“Ele demosntra como o terreno popular tornou-se central ao processo de
mercantilização da memória e da reescrita de narrativas de identidade
nacional e expansão global. O poder e o alcance da Disney na cultura
popular combinam uma desinteressada ludicidade com a fantástica
possibilidade de fazer com que os sonhos de infância tornem-se
verdadeiros, mas isso ocorre apenas através de papeis estritos de gênero
de um nacionalismo questionável e de uma noção de escolha que está
ligada à proliferação de mercadorias” (GIROUX, 1995).
Entendemos que algumas intenções estão por trás desta inocência difundida pela Disney
e tem um grande poder na mídia internacional. O nosso país ainda importa determinados modelos
norte-americanos, estas influências chegam diretamente na nossa sociedade e se encaminham
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com facilidade para as nossas escolas. Na maioria das vezes é o próprios/as professores/as que as
difundem ingenuamente.
Para os questionamentos a priori levantados por nós, nos subsidiamos em alguns autores
que tratam dos Estudos Culturais, visto que esta discussão nos leva a descortinar o romantismo
que nos nutria anteriormente quando assistíamos determinados contos, e hoje nos encontramos
observando muito mais nas “entrelinhas”, o implícito, num posicionamento muito mais crítico e
observativo. Percebemos que determinadas posturas podem por vezes passar despercebidas ao
educador, e estas posturas trazem bastante influencia na educação, principalmente na educação
das crianças. Segundo Costa, podemos constatar que “o campo da Formação de Professores está
desafiado por um considerável conjunto de estudos atuais” (COSTA, 2010).
2.1 Primeira Versão de Rapunzel:
A primeira versão de Rapunzel (1812), começa com o conhecido “Era uma vez”, esta
versão conta a historia de um casal que morava numa pequena aldeia e aguardava ansioso a
chegada do primeiro filho. A mulher (a mãe grávida) ficou com vontade de comer os rabanetes da
horta da vizinha. A horta pertencia a uma bruxa que apareceu na hora em que o homem (esposo
da mulher grávida) apanhava alguns rabanetes escondidos. Ela ficou furiosa e jurou tomar a criança
assim que ela nascesse. Quando o bebê nasceu a bruxa apareceu e levou-o para bem longe. Como
era uma menina a bruxa chamou-a de Rapunzel. Colocou-a em uma torre muito alta e sem portas.
O tempo passou, Rapunzel transformou-se em uma linda moça de longas tranças. Um príncipe
caçava na floresta achou a torre de Rapunzel. Logo viu a bruxa chegar e gritar_ Rapunzel, jogue as
tranças! O príncipe viu a bruxa subir na torre pelas tranças. Quando ela foi embora, o príncipe foi
ao encontro de Rapunzel e passou a visitá-la. Então um dia a bruxa descobriu sobre as visitas do
príncipe. Cortou as tranças de Rapunzel e a levou embora. Esperou o príncipe para vingar-se.
Quando o príncipe apareceu a bruxa jogou as tranças e quando ele chegou na janela ela o
empurrou . Ele caiu sobre um espinheiro e ficou cego. O príncipe mesmo sem enxergar correu o
mundo a procura de Rapunzel. Um dia bateu na porta de uma casa pedindo pousada e alimento. A
moça que o atendeu era Rapunzel e logo reconheceu o príncipe. Ela então chorou de tristeza
porque ele ficou cego. Suas lágrimas caíram sobre os olhos do príncipe e magicamente ele voltou a
enxergar. Este príncipe levou Rapunzel para seu reino, casaram-se e forma felizes para sempre.
Esta versão foi editada, gravada e reproduzida pela Disney na década de 80 baseada
fidedignamente na versão original dos irmãos Grimm. Foi também reproduzida por outros diversos
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espaços de transmissão áudio-visual com intuitos educativos, tais quais: coleções de livros
educativos, mini-livros, gibis, brinquedos, fantoches com manual ilustrativo de uso etc.
2.2 Versão Barbie da Rapunzel (2001):
Uma década atrás (2001) houve uma nova produção do conto de fadas escrito pelos
irmãos Grimm. Rapunzel desta vez foi contada diferente. Usando a figura da famosa boneca
Barbie como personagem principal, desta vez foi a *Mattel brinquedos S/A quem produziu a
“Barbie Rapunzel”.
Nesta versão Barbie-Rapunzel (criada pela indústria acima citada), o conto de fadas é
contado pela Barbie à uma menina (ambas loiras e de lisos cabelos), onde elas são pintoras de
telas e estão numa sala de pintura tentando buscar inspiração. A Barbie busca o livro sobre
Rapunzel para incentivar a menina a não desistir de seus sonhos. Pois, a Rapunzel era pintora
assim como elas e tinha bastante criatividade para pintar alimentando-se a partir dos sonhos
dela.
A história se inicia com a Rapunzel sendo uma moça jovem, também representada
pela Barbie. Ela é responsável pelos serviços domésticos do lugar onde vive com a má Milady
Gothel (mulher que a criou) e seus animais de estimação (um coelho e um pequeno dragão),
em meio a uma floresta muito perigosa. Rapunzel está presa neste lugar para não conhecer
sua verdadeira identidade. A malvada Ghotel roubou Rapunzel quando pequena somente por
odiar seu pai. A aventura desta versão é a procura de Rapunzel pela sua verdadeira historia.
Nesta, ela conta o apoio do príncipe. Que além de ajudar Rapunzel encontrar sua família, une
os dois reinos que viviam em intriga (o reino dele e o reino de Rapunzel). Eles se casam e são
felizes para sempre.
Observamos atentamente esta versão, porque a versão atual, “Enrolados” (Tangled)
na qual desvelaremos nossa análise, traz consigo alguns pontos em comum com a história
contada em “Barbie-Rapunzel”. Como por exemplo: na versão original a Rapunzel não é
pintora, mas na versão Barbie e Tangled, este ponto é bem valorizado.
2.3 Versão Rapunzel em “Enrolados” (Tangled, 2010)
Quase dois séculos depois de ter sido escrito, o clássico Rapunzel volta a ser contado.
Mas, o que será que achariam os irmãos Grimm ao ver o conto de fadas por eles escrito ser
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modificado atendendo às questões da nova era? Ou, tentando aos “olhos” e objetivos da
Disney ser visto de forma inovadora. Neste sentido, estaremos contando a historia e fazendo
nossas observações.
A versão moderna da Rapunzel é uma mistura entre as diversas formas que o conto
de fadas vem sendo contado ao longo da historia, com as modificações que discutiremos mais
adiante.
Nesta versão o Rei e a Rainha esperam pela chegada de seu/ua primeiro/a filho/a. A
rainha muito adoentada aguarda por uma “flor” única, filha do sol, que cura doentes e
rejuvenesce, para que seja feito um chá e ela venha a ser curada. Esta flor é cultivada em
algum lugar da floresta. A solitária e malvada Gothel é quem cuida desta flor no intuito de
rejuvenescer. Sabendo da necessidade de encontrar esta flor para salvar a rainha, todo o reino
adentra a floresta e vai em busca da rara flor. Desta vez, não mais é o pai (rei) que se arrisca
como nas outras versões, há uma situação de classes bem evidente ai, um manda, outros
obedecem. Como também, a questão do desejo de mulher grávida que quer rabanetes
explicita em outras versões, coloca o mito do desejo cair “por terra”. Na atualidade, há maior
desejo de uma mulher que o rejuvenescimento?
A malvada Gothel tenta esconder a flor, mas se descuida e os moradores do reino e
a encontram, levando-a e salvando a vida da rainha e da pequena princesa que nasce feliz
deixando todo o reino com o mesmo sentimento. A princesa nasceu com os cabelos da cor do
sol, assim como a flor, como também os mesmos poderes.
Gothel invade o castelo, entra no quarto da princesinha e corta um cacho dos seus
cabelos para seu rejuvenescimento, no entanto, após cortado o cacho não tem os mesmos
poderes e a malvada rouba a menina, levando-a para uma torre bem escondida no meio da
floresta. Seus pais passam anos a fio a procura da princesa e todos os anos, nos seus
aniversário iluminam o céu com vários balões iluminados juntamente com todos os moradores
do reino em homenagem a princesa. Embora Rapunzel viva presa nesta torre, nada a impede
de ver estas luzes todos os anos e sonhar em conhecer estas “estrelas”, como ela pensa que
ser.
A malvada Gothel é grosseira, impaciente e intransigente, porém muito vaidosa e faz
Rapunzel cantar enquanto ela segura seus longos e poderosos cabelos para poder
rejuvenescer. O rejuvenescimento é bem explicito neste conto, trazendo a cena uma
peculiaridade dos tempos atuais, onde as mulheres se arriscam de todas as formas em busca
da eterna juventude.
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Rapunzel solicita conhecer as estrelas brilhantes e pela negativa da “mãe-Gothel” ela
planeja uma saída pela primeira vez da torre, escondida. É neste meio termo que após roubar
a coroa da princesa de dentro do castelo, o aventureiro Flinn Rider fugindo de seus compassas
vai se esconder justamente na torre de Rapunzel. Eles acabam se tornando parceiros, e em
troca da coroa que ela escondeu ele promete levá-la para conhecer as estrelas (balões
luminosos).
Rapunzel vive uma intensa aventura até o momento da saída dos balões luminosos,
ela conhece o reino, se diverte intensamente. Flynn Rider revela seu verdadeiro nome: José
Bezerra (assim é na versão nacional). A aventura é atraente de fato, uma narrativa
interessante, musical agradável, cores e muitos atrativos, isto não podemos negar. Como
adultos ficamos de fato encantados, imaginemos as crianças?
Gothel descobre o plano, tenta de todas as formas para acabar com os sonhos de
Rapunzel. Apresenta um discurso de imposição “materna”, super-protetora, mas o único
intuito é não perder Rapunzel, para não perder seu rejuvenescimento. No entanto Rapunzel
descobre toda a verdade, tem seus cabelos cortados pelo próprio Flynn Rider e a malvada
Gothel tem um fim terrível.
Rapunzel que viveu seus 18 anos longe da sua família real, vai até o reino com seu
grande salvador Flynn Rider e finalmente eles se casam, e são felizes para sempre. Flynn Rider
sai da marginalidade para se tornar príncipe. Bem diferente da primeira versão que o príncipe
leva a Rapunzel para seu reino. Uma postura bem feminista. Não poderíamos também
esquecer de dizer que nesta narrativa fica explicito que Rapunzel governou o seu reino tão
bem quanto seus pais. Algo bem peculiar aos tempos atuais, as mulheres no poder.
3.ENTENDENDO “O/OS CONTO/OS DE FADAS” A PARTIR ESTUDOS CULTURAIS
Faz-se necessário o exercício de reflexão e bastante observação, esta nos parece que
é a grande chamada que os Estudos Culturais nos convocam. Segundo Costa,
“Os Estudos Culturais vão surgir em meio às movimentações de certos
grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentos, de ferramentas
conceituais, de saberes que emergem de suas leituras de mundo...”
(COSTA, 2003)
Enquanto educadores não podemos deixar questões como estas passarem
despercebidas, porque assim como os Estudos Culturais apontam para o verdadeiro intuito do
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que está por trás do que a mídia e o mercado oferecem, precisamos interagir e levar as
próprias crianças a refletirem sobre determinadas atitudes.
O público infantil é alvo preciso do mercado, até porque “É possível observar o
quanto as crianças vêm ganhando visibilidade, como sujeitos dignos de atenção, seja na área
cientifica, jurídica, política e tecnológica” (GUIZZO E FELIPE, 2009). Neste sentido o educador
de crianças precisa descortinasse da visão ingênua acerca dos filmes e propagandas, até
porque tudo tem um porque “É visível como as questões de gênero, raça, geração, etnia,
sexualidade e classe conquistam lugares no mercado” (CARVALHO, 2010).
Algumas questões de gênero ficam bem visíveis à observação nesta nova versão,
estas questões vêm ganhando terreno de discussão e luta de classes desde a emancipação da
mulher e a conquista no mercado de trabalho. Atenta a isto percebemos o que Carvalho
chama de “diferenças culturais”. Segundo esta autora o mercado observa atentamente as
movimentações sociais e luta de classes para transformarem em mercadoria de consumo.
“As diferenças culturais, ao serem utilizadas como mercadorias, garantem
aos mercados, além de lucros, um atestado de civilidade por adoção de
práticas ditas politicamente corretas” (CARVALHO, 2010)
No filmes observados fica bem evidente a preocupação dos produtores em relação a
conquista do público neste sentido. Na nova versão a mulher é muito bem tratada, sua figura
muito mais valorizada que na primeira versão, onde sequer aparece a voz da Rapunzel. Além
destes aspectos é perceptível na versão moderna, como a figura do homem toma outra
dimensão, o príncipe não é um príncipe, e sim um foragido da lei, marginalizado, procurado, e
em fuga por ter roubado a coroa da princesa desaparecida. Isto possivelmente traz a cena um
olhar diferente e mais atrativo que na versão original, e muito mais “adequado” aos nossos
tempos. Imaginemos o que sentiria os irmãos Grimm ao lerem este conto sob o olhar da época
em que eles escreveram inimaginável. Porém “A Disney não ignora a história: ela a reiventa
como um instrumento pedagógico e político para assegurar seus próprios interesses e sua
autoridade de poder” (GIROUX, 1995).
Ainda sobre este poder “concedido” ao Mundo maravilhoso da Disney, entendemos
com Foucault que “em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que
têm por função conjurar seus poderes e perigos” (FOUCAULT, 1970)
Segundo uma nova ótica, a Rapunzel passa a ser a grande heroína da história. Ao
contrário da primeira versão de dois séculos atrás aonde o príncipe a levava para seu reino e
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seriam felizes para sempre, em “Enrolados”, Rapunzel é que acolhe o Flynn Rider, o afasta da
transgressão, da vida de roubos, e ele passa a ter uma nova vida ao lado da princesa. Embora
nos momentos finais do filme, antes do “foram felizes para sempre”, Flynn Rider demonstra
certo mau-caratismo quando ele diz ter sido pedido em casamento várias vezes pela princesa,
para poder dar uma resposta afirmativa. No senso comum estas características são atribuídas
a figura masculina, narcisista.
Alguns críticos do cinema, inclusive, consideram o filme
bastante feminista, mas, ao observar sob o viés dos Estudos Culturais percebemos que o
objetivo talvez nem seja destacar a feminilidade, ou o feminismo, ou mesmo o movimento
feminista, mas sim conquistar um público atual, numa perspectiva social bem diferente de
como o conto foi escrito em sua originalidade.
Outro aspecto que foi possível observar e vale trazer para esta discussão é a forma
como o mercado está atento ao que vai “agradar” e convencer. Exemplo disto é que na
dublagem do filme para o português, o príncipe é dublado pelo Global Luciano Huck, sinônimo
padrão de bem-casado, o mocinho das tardes de sábado, realizador de grandes sonhos,
inclusive acerca do casamento percebemos um elemento que nos chamou bastante atenção, é
ele trata a Rapunzel chamando-a de: “Ô loira!”. É assim que o global Luciano Huck trata sua
esposa em público, na vida real.
Será que é em vão estas escolhas? Ou existem objetivos específicos de manipulação
por trás disto tudo? Os Estudos Culturais nos fazem refletir sobre isto.
Outro aspecto observado foi que para reforçar a “identidade nacional”, o príncipe no
decorrer do filme revela seu verdadeiro nome: José Bezerra, reafirmando a identidade com os
nossos “Josés” brasileiros.
O professor precisa de fato estar atento ao que ele utiliza como recurso pedagógico.
Segundo Giroux:
“O desafio consiste em sermos capazes de discutir como uma política
cultural pode transformar formas sociais dominantes, ao ampliar locais de
contestação e a gama de capacidades sociais necessárias para os
indivíduos se “tornarem sujeitos e agentes, ao invés de objetos alienados
da representação” (GIROUX APUD MERCER, 1992)
A Disney de fato vem mudando outros clássicos para modernizá-los. “DEU A LOUCA
NA CHAPEUZINHO”, “A GAROTA DA CAPA VERMELHA”, “CINDERELA AS AVESSAS”, “DIÁRIO DA
PRINCESA 1 E 2” são alguns exemplos destas mudanças/transformações.
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Há uma regularidade em todos estes contos, em sua maioria as atrizes principais são
loiras, magras e de cabelos loiros super lisos. Onde estão as princesas negras, gordas e de
cabelos crespos? Não há espaços para estas? Ou será que falta criatividade para criar novos
contos? Ou o objetivo é mesmo a atualização ou contestação aos antigos e clássicos contos de
fadas e seus “Felizes Para Sempre”?
Concluímos esta discussão suscitando novas discussões e observações. Assim
concordamos plenamente neste sentido com o que nos diz Carvalho:
“... que é neste espaço de evidência das diferenças culturais que o campo
da educação pode atuar, inclusive transformando os produtos no campo
da indústria cultural em objeto de reflexão no campo curricular”.
(CARVALHO, 2010)
Neste sentido, cabe ao educador adentrar aos novos conhecimentos que vêm
contribuindo com a re-significação do nosso papel enquanto tal, como também com a
Formação Docente na perspectiva sócio-cultural proposta e a inserção destes conhecimentos
no currículo escolar.
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Janeiro-RJ. Editora LTC, 1981
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inicio do século XXI . Revista Educar n°37. Curitiba-PR. Editora UFPR Maio/agosto 2010.
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OS DOCUMENTOS OFICIAIS E A ELABORAÇÃO DAS
PROPOSTAS CURRICULARES PARA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ana Paula Ramos Tenório26
Maria Jaqueline Paes de Carvalho27
RESUMO
O referido estudo objetivou compreender quais os Documentos Oficiais Nacionais que
serviram de base para a elaboração das Propostas Curriculares para Educação Infantil (PCEI),
em dois municípios do Agreste Pernambucano. Como fundamentação teórica, foi realizado um
levantamento que trata os documentos oficiais após Constituição Federal - C.F. Na observação
das propostas, verificamos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, os
Referenciais Nacionais para a Educação Infantil- RCNEI e as Diretrizes Curriculares Nacionais DCNEI foram utilizados e serviram de base para a elaboração das PCEI analisadas, sobretudo os
RCNEI. As ponderações que surgiram com a pesquisa mostraram os dispositivos legais que
norteiam a E.I., o que faz a diferença é a maneira como estes documentos são utilizados. Nas
cidades analisadas, percebemos a dificuldade em aplicar essas orientações as PCEIs.
Palavras-chave: Propostas curriculares. Documentos oficiais nacionais. Educação infantil.
INTRODUÇÃO
Estudar o currículo para Educação Infantil e nos debruçar nas atuais discussões sobre
a melhor forma de atender as especificidades do processo de escolarização de crianças de 0 a
5 anos, nos fez acreditar que estamos distantes do ideal de educação necessária para essas
crianças, porém, acreditamos que é possível melhorar esse atendimento tendo em vista o que
é proposto pelos atuais documentos oficiais que legalizam esse atendimento. Uma vez que
entendemos que se faz necessário pensar o currículo desse segmento, diante das provocações
que ele oferece, principalmente quando sabemos que questões culturais, ideológicas, políticas,
sociais e escolares sempre irão estar envolvidas implicitamente ou explicitamente no mesmo.
O nosso desafio ao pesquisar essa temática possibilitou contribuir para o
conhecimento de uma área ainda pouco explorada, no que diz respeito à pesquisa e ao
conhecimento dos profissionais que nela atuam, para que, refletindo sobre o processo de
elaboração das Propostas Curriculares de seus municípios pudessem oferecer melhorias no
26
Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela UFRPE – Unidade Acadêmica de Garanhuns. Professora de Educação Básica do
Estado de PE. E-mail: [email protected]
27
Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRPE – Unidade Acadêmica de Garanhuns. Mestre em
Educação pela UFPE. E-mail: [email protected]
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
atendimento neste segmento do sistema educacional. Para tanto, contamos com a
colaboração de duas cidades da região do Agreste Meridional de Pernambuco que
disponibilizaram suas Propostas Curriculares para Educação Infantil (PCEI) NA realização desta
pesquisa.
Nesse sentido, o presente trabalho teve com objetivo compreender que documentos
oficiais serviram de base para a elaboração das PCEI analisadas, como também o suporte legal
que informam em suas elaborações.
CAMINHOS PERCORRIDOS PELOS DOCUMENTOS LEGAIS NACIONAIS QUE NORMATIZAM O
ATENDIMENTO EDUCACIONAL
Nas últimas décadas houve várias mudanças no que se refere aos documentos que
regulamentam o sistema educacional do nosso país. Esse fato foi determinante para que
realizássemos um levantamento dos Documentos Oficiais Nacionais que foram produzidos
após a implantação da Constituição Federal (CF) no que se refere à Educação Infantil.
O Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Educação Básica (SEB),
elaborou, nas últimas décadas, um conjunto de documentos oficiais referente ao atendimento
de crianças de 0 a 5 anos em creches e pré-escolas, contando com a participação significativa
dos movimentos sociais, em instâncias municipais, estaduais e federais, em busca da
qualificação desse atendimento. Isso demostrou o grau de importância que esses documentos
tiveram na normatização do atendimento da Educação Infantil, como cita os Parâmetros
Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil:
A Educação Infantil, embora tenha mais de um século de história como
cuidado e educação extradomiciliar, somente nos últimos anos foi
reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e
como primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 2006, p.07).
Entender a Educação Infantil como um direito de todos nos coloca frente à
responsabilidade política de buscar melhorias nesse atendimento. Para entender esse
processo, destacamos as modificações legais e históricas ocorridas a partir de 1988.
Em 1988, a Constituição Federal determinou que fosse dever do Estado o
atendimento educacional de crianças de 0 a 6 anos, como direito de todos, e incluiu o
atendimento nas creches, com função educativa e assistencial, contando com a participação
da família, da sociedade e do poder público.
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Esses fatos proporcionaram direitos às crianças, que foram reafirmados em 1990
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A colaboração dos gestores municipais e
estatuais de educação teve papel importante para a história da elaboração e implantação
desse documento.
Em 1994, foi iniciada a formulação e implantação de políticas públicas voltadas para a
infância, no âmbito educacional. Tal documento: Política Nacional de Educação Infantil (PNEI)
tratava, em linhas gerais, da garantia do atendimento voltado para crianças de 0 a 6 anos
através do cuidar e do educar de maneira indissociável. Esse texto foi resultado de encontros
realizados em oito capitais do Brasil, que buscavam discutir questões de atendimento
educacional, como também das particularidades de cada região (BRASIL, 2006).
Consequentemente, essas ações conduziram à necessidade de melhoramento
profissional dos educadores da Educação Infantil, que foi claramente apresentada durante a
elaboração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, na qual o MEC definiu que as ações
deveriam emergir em quatro aspectos:
a. incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas
pedagógicas e curriculares;
b. promoção da formação e da valorização dos profissionais que
atuam nas creches e nas pré-escolas;
c. apoio aos sistemas de ensino municipais para assumirem sua
responsabilidade com a Educação Infantil;
d. criação de um sistema de informações sobre a educação da
criança de 0 a 6 anos.
Esses aspectos foram relevantes para que as mudanças favorecessem a
determinação da LDB em 1996, que considerou a Educação Infantil como primeira etapa da
Educação Básica. Com esse fato, o trabalho pedagógico nessa faixa etária passou a ser
reconhecido e voltado às especificidades do desenvolvimento das crianças, ALÉM DE para
“contribuir para a construção e o exercício de sua cidadania” (BRASIL, 2006, p. 10).
Para que essas ações fossem exequíveis, o MEC optou por criar um documento oficial
que subsidiasse teoricamente a elaboração de propostas para a Educação Infantil e que fosse
utilizado como base nacional. Assim, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI) foi elaborado em 1998, como guia para as reflexões, objetivos, conteúdos e
orientações didáticas para os profissionais da educação desse segmento.
Apesar de divergência de alguns pesquisadores da época, inclusive o grupo de
trabalho em educação infantil da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação), que criticava a gestão de não ter levado e conta toda a discussão realizada de
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
1994 a 1996 com PNEI, como também acreditava não haver consenso na área, para elaboração
de um referencial nacional para a educação infantil. Mesmo nessas circunstâncias o MEC
divulga um documento preliminar, mas sem tempo hábil para um debate e análise mais geral
por parte da comunidade científica e publica uma versão final em outubro de 1998.
(ALBUQUERQUE, 2010)
Anterior a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil
(DCNEI) QUE foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação, com caráter mandatório,
através da Resolução CNE/CEB nº 1 de 7 de Abril de 1999, para orientar as instituições de
Educação Infantil. Esse documento apresentou questões legais que abrangem tanto aspectos
estruturais e de atendimento quanto funcionais. Nele também São tratadas as funções
sociopolíticas e pedagógicas que favorecem a condição de sujeito de direito das crianças
envolvidas no processo de escolarização.
Esse último traz para o debate definições de currículo como práticas articuladoras
das propostas pedagógicas que promovam a construção das identidades dos educandos. São
destacados os princípios éticos, políticos e estéticos como sendo de caráter fundamental nas
discussões dessa área. Sobre esses documentos Cerizara, comenta:
Assim as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil
apresentam os objetivos gerais (sem ir ao detalhe de cada ação como o
RCNEI), permitindo incentivar e orientar projetos educacionais
pedagógicos, nos níveis mais diretos de atuação, com objetivos
relacionados à formação integral da criança, deixando um espaço para que
os envolvidos na educação infantil – famílias, professoras e crianças
assumam a autoria desses projetos. (CERIZARA2002, P.14)
Em 2000, o Censo da Educação Infantil buscou informações mais precisas sobre a
Educação Infantil no Brasil. Nesse período, o atendimento da Educação Básica foi
descentralizado, passando então a ser assistido tecnicamente e financeiramente pelos
estados, passando para os municípios a responsabilidade do desenvolvimento do ensino,
visando à garantia de um padrão mínimo de qualidade. No ano seguinte, o Plano Nacional de
Educação reafirmou essa decisão ao distribuir a responsabilidade para as esferas federal,
estadual e municipal do governo.
O MEC define a Política Nacional de Educação Infantil, exposto em documento
publicado em 2006, explicitando o processo histórico, político e técnico, em que apresenta as
diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias que devem atender às especificidades da
Educação Infantil, visando a uma política de inclusão em que todos tenham direito à educação.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Nesse documento, destacam-se questões voltadas para a elaboração de Propostas
Pedagógicas e/ou Curriculares, em que apresenta detalhadamente os pontos importantes para
elaboração e sua função nas Instituições de Educação Infantil (IEI). Também destaca a
necessidade da participação das professoras para sua elaboração, implementação e avaliação.
Esses aspectos estão expostos nos objetivos, para garantir e assegurar que as propostas
possam atender às peculiaridades de cada instituição quanto a sua realidade sociocultural. Nas
metas e nas estratégias destacam a importância da existência da proposta pedagógica
embasada nas resoluções do Conselho Nacional de Educação em que a LDB (1996), o PNE
(2001) e as DCNEI (1998-2009) estejam subsidiando as discussões. Essas conquistas, do ponto
de vista das concepções assumidas pelo MEC, ampliaram o direito à educação para todas as
crianças.
Em consequência, outro documento foi sistematizado e publicado no mesmo ano,
em parceria com o MEC e com as secretarias de educação dos estados e dos municípios, que
realizaram novos encontros para discutir questões que possibilitassem subsidiar teoricamente
as ações voltadas ao atendimento educacional das crianças da Educação Básica e como avaliálas. Esses encontros foram realizados entre os anos de 2004/2005, resultando na elaboração
dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (PNQEI) publicados em sua
versão final em 2006.
Os
PNQEI
buscaram
o
cumprimento
constitucional
da
descentralização
administrativa e do atendimento oferecido nas instituições, de maneira que o funcionamento
do sistema de ensino oferecido para as crianças no Brasil seja supervisionado, controlado e
avaliado. Esse trabalho deve acontecer em parceria com as secretarias competentes, com os
conselhos, técnicos, especialistas, professores e demais profissionais dessa área.
Ao estabelecer padrões de qualidade, faz-se necessário ter certa atenção aos
objetivos do documento, quando apresenta a distinção entre padrões e indicadores.
Entende-se por padrões o que deve acontecer dentro dos aspectos legais definidos
pela LDB, DCNEI e o PNEI. Já os indicadores, quantificam os dados reais, aferindo sua aplicação.
Portanto, destacar os padrões a serem seguidos, que podem ou não estar nos indicadores
encontrados, é entendido como ponto de partida para que as instituições possam se auto
avaliar e ver a qualidade de atendimento que está sendo oferecido, o que torna o documento
com poder de diagnosticar a situação da instituição. Essa avaliação deve acontecer com a
participação da comunidade que é atendida pelas instituições de maneira democrática e
participativa.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Os IQEI apresentam de certa forma o registro geral dos avanços que foram
conquistados nos últimos vinte anos, no campo legal, nas ações governamentais para
Educação Infantil, traduzindo detalhadamente indicadores operacionais que podem auxiliar e
apoiar os trabalhos a serem realizados nas instituições de Educação Infantil.
Os sete aspectos que foram utilizados para indicar a qualidade das instituições são os
seguintes: o planejamento institucional, a multiplicidade de experiências e linguagens, as
interações, a promoção da saúde, os espaços, materiais e mobiliários, a formação e condição
dos professores e demais profissionais, e por fim a cooperação e troca com as famílias e
participação na rede de proteção social. Sua utilização deve adequar-se às especificidades da
comunidade local da escola, pois é um documento flexível que indicará que escola temos e a
que pretendemos ter. Nesses eixos a Educação Infantil foi tratada de forma a garantir os
direitos da criança, da assistência e das políticas públicas que efetivem a criança com cidadão
de direitos.
Entendemos que os documentos que foram citados acima representam os aspectos
oficiais nacionais que deverão nortear o sistema educacional para a Educação Infantil, de
maneira que seja possível contribuir efetivamente com as ações a serem realizadas pelas
instituições de ensino para efetiva consolidação das políticas nacionais de educação. Vimos
que o processo de mobilização das instâncias governamentais procurou realizar um trabalho
articulado com a sociedade civil, que buscou atender às peculiaridades de cada segmento da
educação, resultando sempre em documentos importantes, que representam conquistas no
debate nacional, que deverão nortear as ações na educação nacional.
PERCURSO METODOLÓGICO
Optamos por investigar as PCEI dos municípios por se caracterizar como documentos
legais originados por fontes primárias, pois, entendemos que os mesmos não receberam
algum tipo de análise científica. Logo, esse trabalho se configurou como Pesquisa Qualitativa
do tipo documental. Tal abordagem possibilitou que analisemos de maneira reflexiva a
realidade pesquisada, na qual utilizaremos métodos e técnicas que nos ajudaram a
compreender nosso objeto de estudo (OLIVEIRA 2005).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Para realização desse estudo contamos com a colaboração de duas cidades, ambas
localizadas no Agreste Meridional de Pernambuco, mais precisamente em uma Microrregião28
que é composta por dezenove municípios, as mesmas encontram-se entre os municípios mais
importantes e populosos dessa região. Os demais municípios não disponibilizaram seus
documentos, solicitamos também de maneira informal ao tentarmos diretamente com
profissionais das Secretarias de Educação de alguns municípios do Agreste Meridional, como
também, através de uma ONG29, que se dispôs a colaborar conosco caso os municípios
autorizassem, como não autorizaram, não tivemos sucesso.
Na observação das propostas, verificamos os documentos que oficiais serviram de
base para a elaboração das PCEI analisadas, como também o suporte legal que informam em
suas elaborações.
Acreditamos que com essas observações fundamentais teríamos uma visão dos
documentos analisados ao que se refere às especificidades desse segmento da Educação
Básica e com isso compreender melhor como os municípios estão se mobilizando para
elaboração das suas propostas curriculares.
ANÁLISE DOS DADOS

Discutindo a elaboração das PCEI, tendo em vista a utilização dos Documentos
Oficiais Nacionais
Os atuais estudos sobre o tema pesquisado nos mostraram que a elaboração das
PCNEI precisam contemplar aspectos importantes para sua legitimação. Sobretudo, para
atender as especificidades da Educação Infantil. Segundo, Farias e Salles (2008), por exemplo:
Considerar o histórico da sua elaboração; contar com embasamento legal; ter a participação
de todos que fazem parte da instituição a quem se destina a Proposta Curricular; ter
flexibilidade para que possa contemplar as especificidades de cada Instituição de Educação
Infantil; considerar o contexto sócio histórico e cultural das escolas e dos educandos e que seja
integradora para estar em harmonia com estes aspectos. Nos propomos a analisamos as PCEI
dos municípios, a partir desses princípios.
28
Essa região é composta por 19 municípios, tem uma área que equivale a 5,11% do território estadual, em que está localizada a
bacia leiteira de Pernambuco.
29
Essa Organização Não Governamental possui várias Propostas Curriculares, que para realizar algum trabalho nos municípios, tem
como um dos pré-requisitos a exigência/solicitação das PC dos mesmos.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Na Cidade “A”
Ocorreu com a colaboração dos técnicos da Secretaria da Educação e com os
professores da EI no ano de 201030. Está estruturada por eixos de trabalho que contemplam
seis áreas do conhecimento: Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Natureza e Sociedade,
Artes, Música e Movimento, seguindo orientações dos Referenciais Curriculares Nacionais para
Educação Infantil (RCNEI). Não possui histórico, mas, citaram literalmente esse documento na
introdução da proposta, para contemplar segundo sua estrutura a função, a finalidade, os
objetivos, o currículo, a avaliação e o cuidar e educar na Educação Infantil e organiza suas
atividades, considerando a faixa etária das crianças.
De acordo com as preposições de Faria & Salles (2008) entendemos que esta
proposta foi elaborada dentro de um todo coerente e de uma ação sistemática, que de certa
foram limitou sua ação, pois não promove uma maior compreensão da prática realizada pelos
educadores. Sua estrutura possui características amplas, que impede de certa foram
contemplar as especificidades de cada escola a quem se destinam as PCEI. Inferimos, portanto
que o referido documento aponta para necessidade de avanços e de maior coerência entre
aquilo em que se acredita e o que realmente é possível fazer.
Na Cidade “B”
Sua proposta foi elaborada em 2007, (com uma pequena modificação em 2010, em
uma sala específica) contou com a participação dos técnicos da Secretaria da Educação, com os
professores da Educação Infantil e com os Coordenadores/supervisores escolares. Está
estruturada por semestre, cita os RCNEI fundamentando as atividades propostas para
contemplar as áreas do conhecimento em: Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Natureza e
Sociedade, Movimento, Música e Artes Visuais. Não apresenta histórico da sua elaboração,
mas inicia com a DCNEI na resolução de nº 5, de dezembro de 2009, segue com uma carta ao
professor na qual cita metas amparadas na LDB. Está toda elaborada para ser utilizada por
semestres conforme a série Infantil I e II.
Vimos, portanto, que ambas as propostas foram elaboradas após as LDB, e os RCNEI
foi o documento oficial nacional base, que serviu de orientação para os dois municípios, ambas
seguem as mesmas características no que se refere aos Eixos Temáticos, diferenciando-as
nesse aspecto apenas a organização dos conteúdos e do período, sendo uma semestral e a
30
Segundo informação dada no questionário aplicado as cidades analisadas.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
outra não determina tempo. Quanto à faixa etária a Cidade “A” determina em todo texto, já a
Cidade “B” diferencia por série, tendo um documento para o Infantil I e outro para o Infantil II.

Quais e de que forma os documentos oficiais NACIONAIS foram citados?
Cidade “A”
A proposta “A” está amparada nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação
Infantil (RCNEI), que foi citado literalmente no inicio do documento, pontuando com conceitos
básicos sobre: as funções da instituição, a finalidade, os objetivos, o currículo, a avaliação e o
cuidar e educar na Educação Infantil. A LDB também foi citada no tópico referente à avaliação
e finalidade, assegurando que na EI o desenvolvimento da criança deva ser integral e que o
trabalho realizado seja acompanhado e repensado como forma de avaliar tanto o educando
como prática pedagógica. Nas funções da instituição foi citada a Constituição Federal de 1988
(artigo 3º, inciso I) confirmando que segundo o referido documento é dada a IEI a
responsabilidade de formação do sujeito participantes da sociedade através da ampliação de
seus conhecimentos.
Cidade “B”
Esta proposta contou com a resolução nº 5 de dezembro de 2009 das DCNEI, que se
encontra anexada no inicio do documento. Segue com uma carta ao professor, na qual estão
referenciadas Emendas da Constituição Federal para justificar a obrigatoriedade dessa etapa
na Educação Básica.
Como está dividida em duas propostas, sendo uma para o Fundamental I e outra para
o fundamental II, há diferenças nos documentos utilizados na carta ao professor como
também no ano de elaboração. Vimos que a II passou por modificações em 2010, e está
acrescida da Emenda Constitucional, antes de cada eixo temático há uma citação dos RCNEI
subsidiando os objetivos que veem a seguir no texto. Os documentos são entendidos nas
propostas tanto do Infantil I com no II através das orientações disponibilizadas que
proporcionam aos professores suporte para subsidiar as atividades pedagógicas apresentadas
nos conteúdos nelas contidos.
Certos de que os Documentos Oficias Nacionais se propõe a subsidiar a elaboração
das PCEI, vimos que na Cidade “A” esses documentos foram pouco explorados, no que se
refere a condição de fundamentar as ações pedagógicas, apresentaram apenas os RCNEI. A
Cidade “B” utilizou em todo o corpo do texto os documentos que fundamentaram sua
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elaboração, que nos fez entender que foi possível dialogar com o que é exigido hoje no que se
refere à PCEI e os documentos oficiais nacionais que utilizaram para subsidiá-los.
Faria & Salles (2008) apresentaram os elementos de uma Proposta Pedagógica da
Educação Infantil de maneira articulada com os conteúdos organizados no Currículo, as
autoras defendem que haja um “pano de fundo”, que nada mais é, que o contexto sócio
histórico da instituição, as concepções que são defendidas, os objetivos e finalidades das ações
pedagógicas. Para isso levam o professor para uma posição de pesquisador e articulador, que
deva atuar na Educação Infantil de maneira que proporcione as crianças o cuidar e o educar de
maneira indissociável, propondo metodologias que se relacionem com os conhecimentos da
natureza e da cultura, pois acreditam que,
As crianças estabelecem relações entre todas as coisas e fatos, criando
suas próprias hipóteses e explicações para entender esse mundo que cada
vez mais, se abre à sua frente. Sua curiosidade é enorme e se manifesta de
forma cada vez mais ampla, à medida que vão tendo contato domos vários
sujeitos de sua cultura, em suas experiências e vivências do cotidiano
(FARIA &SALLER, 2008 p. 47).
Para que essas relações se concretizem as autoras propõem que sejam trabalhadas
as múltiplas linguagens, que são: as plásticas, visuais, musicais e escritas, pois através delas as
crianças vivenciam e interagem com o mundo, com a sociedade e com a natureza, sendo
capazes de desenvolver habilidades e competências nas ações educativas como também
através de suas experiências e interações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa nos fez acreditar que estamos caminhando para melhorar o
atendimento as crianças de 0 a 6 anos, pois temos muitos documentos oficiais nacionais que
nos subsidiam e normatizam nossas ações. As informações são mais discutidas, as
mobilizações de entidades Nacionais ligadas à educação, dos movimentos sociais e ONGs,
garantem avanços para a melhoria da Educação Infantil, pois acontecem atualmente com mais
frequência. Embora não estejam acontecendo neste mesmo ritmo nos municípios,
percebemos, pelo menos nas cidades do Agreste Meridional de Pernambuco, dificuldade em
elaborar e aplicar a suas Propostas Curriculares para Educação Infantil.
As propostas analisadas necessitam acrescentar alguns aspectos para que possam
subsidiar os professores e as instituições em suas ações pedagógicas. O que percebemos foi os
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
municípios efetivando projetos como se estivessem realizando ações amparadas pelas
propostas, consideramos um equivoco, uma vez que como diz Machado apud Kramer (2008),
essa expressão projeto é ambígua ou imprecisa, pois, um projeto determina algo para ser
realizado que deve ser representado por uma proposta. Dessa forma, se faz necessário, que os
municípios elaborem seus próprios projetos sendo a proposta um documento mais amplo que
determina as ações pedagógicas no dia a dia das instituições.
Entender a Proposta Pedagógica ou Curricular como um diálogo da escola com as
práticas, as teorias, os documentos legais nacionais, a realidade sócio cultural e nas ações nela
realizada. Isso nos coloca frente a um documento flexível que se reconstrói o tempo todo no
contexto escolar. As ponderações que surgiram com a pesquisa mostraram que as instâncias
governamentais procuram realizar um trabalho articulado com a sociedade civil, para atender
às peculiaridades de cada segmento da educação através dos documentos que são produzidos
e que devem nortear as ações na educação nacional, o que faz a diferença é a maneira como
estes documentos são utilizados.
Em suma, vimos que os estudos atuais sobre Currículo para a Educação Infantil, nos
mostram que as experiências vividas nas instituições devem promover a aprendizagem das
crianças considerando seu contexto sócio histórico, político e cultural. Para isso, faz se
necessário que a elaboração das PCEI sejam realizadas por todos os envolvidos nas instituições
de ensino, pois se trata de um processo que traçará o caminho entre a teoria e a prática,
tornando-o legítimo, integrador, flexível e necessário.
REFERÊNCIAS
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
ALFABETIZAÇÃO DA CRIANÇA SURDA: CONCEPÇÕES E
IDENTIDADES
Arlete Marinho Gonçalves, UFPA
Antônio Luís Parlandin dos Santos, ESMAC
Resumo
O estudo objetiva revelar as identidades das crianças surdas construídas no processo de
alfabetização. É um estudo de caso coletivo em duas escolas públicas do Oeste paraense.
Fizeram parte desse estudo 5 (cinco) professoras. Utilizou-se como técnica a entrevista semiestruturada. Constatou-se que as alfabetizadoras utilizam como práticas as concepções
baseadas no oralismo e comunicação total com mais frequência no processo de alfabetização.
A prática do bilinguismo ainda encontra barreiras e as identidades construídas a partir dessas
práticas revelam maior aproximação em deixar o aluno na condição de surdo flutuante e do
inconformado.
Palavras-chave: alfabetização; cultura surda, identidade.
DEAF CHILDREN'S LITERACY: CONCEPTIONS AND IDENTITIES
Abstract:
The study aims to reveal the identities constructed deaf children in the literacy process. A
collective case study in two public schools in the West of Pará. 5 (five) teachers took part in
this study. Was used as a technique to semi-structured. It was found that the literacy practices
such as using the ideas based on oral and total communication more often in the literacy
process. The practice of bilingualism still find barriers and the identities constructed from
these practices reveal closer to let the student provided the unreconciled floating and deaf.
Keywords: literacy, deaf culture, identity.
INTRODUÇÃO
Durante séculos, os alunos que apresentavam algum tipo de deficiência eram postos
à margem da escola e posteriormente da sociedade, na maioria das vezes vistas como
incapazes. A busca pela igualdade de direitos e qualidade social foram bandeiras levantadas
desde a década de 90 e início do século XXI. Nesse contexto, a Educação no Brasil, a partir de
1996, busca através de seu currículo o processo de inclusão com a função social de
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transformar homens em sujeitos mais éticos e solidários, respeitando e valorizando as
diversidades.
Assim sendo, a inclusão como direito aos alunos com necessidades educativas
especiais ainda é muito recente, perante anos de exclusão que essa clientela vivenciou tanto
na escola como na sociedade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN
9394/96, em seu artigo 59, capítulo V, que dispõe sobre a Educação Especial, assegura uma
educação de qualidade para os alunos com necessidades especiais. No entanto a LDBEN não
garantiu a promoção de capacitação dos profissionais que trabalham com essa clientela,
tornando o processo de inclusão um conceito vazio para o docente de alunos especiais, assim
como para os próprios discentes.
A escola é um dos lugares privilegiados para a emancipação humana, contudo, nem
todas as crianças possuem esse direito garantido. A maioria delas são crianças que divergem
do padrão da sociedade moderna: crianças ditas normais. Essas crianças na maioria das vezes
são excluídas antes de entrar na escola e quando entram, são rotuladas pelo preconceito e
discriminação.
Como educadora no município de Oriximiná - PA, percebemos que nos últimos anos
com a implementação desse novo paradigma (inclusão) de alunos especiais na escola pública
ocorreu uma procura considerável de alunos surdos em relação às outras necessidades. Além
disso, detectou-se que de 100% dos alunos surdos que entravam na escola apenas 20%
finalizavam seus estudos31, ou seja, a maioria dos alunos evadiam. Foram várias as hipóteses
que de início passaram por nossa reflexão, tais como: problemas com a família, a metodologia
trabalhada, tipos de formação do professor e etc.
A partir de um estudo-piloto iniciado no ano de 2004 no município de Oriximiná, em
virtude da construção de minha monografia de Especialização em Educação Infantil realizado
na UEPA, detectou-se a partir da Secretaria Municipal de Educação que a maioria dos alunos
surdos desistiam porque não conseguiam acompanhar a turma. Esse não acompanhamento se
dava pelo fato de não saberem ler, escrever ou compreender a língua portuguesa e nem sua
própria Língua- a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS, que constitui a sua identidade de cultura
surda. Essa situação nos levou a defrontar com a realidade cultural, social, educacional e
política do município de Oriximiná e ainda perceber que o problema poderia estar na base da
escolarização, ou seja, na alfabetização desses alunos. Além disso, vimos à necessidade de
31
Esses números foram resultados de estatísticas da Secretaria de Educação do município de Oriximiná do ano de 2004. As
estatísticas ainda apontavam que a maioria só chegava até a 5ª série do Fundamental.
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conhecer também a realidade do município de Óbidos (município vizinho) para detectar e
comparar se os problemas eram os mesmos.
Dessa forma, vimos que a pesquisa precisava se voltar para a Educação Infantil
contemplando o início da escolarização do aluno surdo. Então, optou-se em fazer a pesquisa
como o objetivo de identificar como são construídas as identidades das crianças surdas a partir
da pratica pedagógica dos alfabetizadores dos municípios de Oriximiná e Óbidos-PA.
O corpus dessa pesquisa foi constituído da entrevista com 5 (cinco) professoras
alfabetizadoras de duas escolas públicas do oeste paraense32. Desses municípios foram
selecionadas: 3 (três) do município de Oriximiná e 2 (duas) do município de Óbidos. Como
técnica foi utilizada a entrevista semi-estruturada, com a utilização de um roteiro.
Para a efetivação desse estudo tomamos como referência teórica os autores Cezar
Coll, Carlos Skliar, Cyntia Andrade, Marcos Mazzota, e outros que discutem a temática.
Para melhor compreensão desse texto, subdividimos em três momentos. O primeiro
conceitua brevemente a Surdez, suas tipologias e identidades. Num segundo momento
apresenta uma contextualização histórica no intuito de localizar no tempo a construção da
discriminação ao sujeito surdo e conhecer quando e como começa o discurso da concepção
metodológica chamada de bilinguismo e de inclusão, assim o denominamos de: Práticas de
alfabetização na educação de surdos: o que a história nos conta... e por último apresenta a
análise de dados coletados no lócus da pesquisa, denominado de: O bilingüismo como prática
cultural e abordagem teórico-metodológico no processo de alfabetização de surdos: um
estudo nas escolas públicas dos municípios de Oriximiná e Óbidos- PA.
1 CONCEITUANDO A SURDEZ, SUAS TIPOLOGIAS E IDENTIDADE
A surdez é conceituada a partir das Diretrizes da Educação Especial do Estado do Pará
(2001) que a caracteriza como “a ausência, dificuldade, inabilidade para ouvir sons específicos
(tons puros), ambientes (ruídos familiares) e os sons da fala humana (tons complexos)”.
Nesse mesmo documento, Andrade (2001) ainda apresenta os tipos de surdez em
quatro tipologias: a leve, a moderada, a severa e a profunda. A primeira é caracterizada pelo
fato do sujeito não perceber fonemas, ele altera a compreensão e a voz é fraca. O segundo
ocorre atraso na linguagem e a voz é intensa. O terceiro se apresenta no aumento da
32
Os municípios escolhidos foram: Oriximiná e Óbidos-PA, ambos a mais de 1080 Km da capital - Belém, localizados no Oeste
Paraense, Baixo Amazonas.
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tonalidade da voz, que se manifesta como grave. Além disso, existe uma grande aptidão visual.
E por último, a surdez profunda, onde o sujeito não percebe sua voz, e tem pouco estímulo.
A autora ainda cita que no universo dos surdos existem identidades que precisam ser
reconhecidas pelo outro para que possa posteriormente ser orientado. Para ela existem cinco
tipos de identidades surdas. A primeira é denominada de surdo flutuante, esse se configura
como aquele que não assume a sua cultura e tem vergonha de usar a Língua Brasileira de
Sinais – LIBRAS. A segunda é do surdo inconformado, esse se sente incapaz na maioria das
vezes e inconformado em virtude da discriminação que sente pelos ouvintes, bloqueando de
certa forma esse sujeito na comunicação tanto oral como a de sinais, portanto, não consegue
tomar decisões próprias. O terceiro tipo de identidade é do surdo em transição, esse quando
criança foi tolido de entrar em contato com outras crianças surdas, isolando-se, só entrando
em transição com sua cultura quando passa a ter contato com outros surdos. Outra identidade
é a hibrida. Essa identidade é aquela que retrata os surdos que nasceram ouvintes e que por
algum motivo a perderam depois. Essas crianças têm o domínio da oralidade e da língua de
sinais por necessidade. E por último a identidade surda propriamente dita, que é aquela que se
aceita e que se orgulha de sua cultura, de sua língua e de sua comunidade e luta pelo respeito
de seus pares.
Mcclaeary (2003) afirma que ter orgulho de ter a identidade surda é um ato político,
porque o sujeito surdo começa a agitar o mundo do ouvinte. Nesse caso “o povo surdo se
auto-identifica como ‘surdo’ que forma um grupo com características linguísticas, cognitivas e
culturais específicas” (ibidem, p. 33) sendo considerados como diferença e não como
deficiência.
Nesse sentido, para o povo surdo, a procura é intensa para que se perpetue na
sociedade, iniciando pela escola o respeito por suas identidades e sua legitimação como grupo
diferencial linguístico e cultural.
Desse modo, o “povo surdo tem a cultura surda, que é representada pelo seu mundo
visual” (STROBEL, 2007, p.30) e comunicada através de sinais, diferente dos ouvintes que é
representada pela língua falada e comunicação oralizada.
Vale destacar que o fato da sociedade representar o surdo à deficiência advém dos
discursos da modernidade e do colonialismo em que
a linguagem e a inteligência estão muito interligadas , quando tentamos
classificar uma pessoa[...] a surdez surge como deficiência do intelecto. O
‘mudo’ do surdo e mudo surge não só para fazer referencia a mudez, como
também a fraqueza da mente (LANE, 1992, p.24)
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Dessa forma a criança, durante séculos, para ser considerada normal para o ouvinte,
necessitaria aprender a língua falada, tornando-se assim, aceitáveis e curados, como crianças
que “parecem ouvir”.
Essa relação era tão comum, que Ströbel em suas pesquisas detectou que até mesmo
pessoas surdas que se tornaram referencias em descobertas científicas e em atividades
cinematográficas foram durante anos consideradas como ouvintes ou silenciadas quanto a
essa informação em suas biografias, tais como Thomas Edison (inventor da lâmpada) e Lou
Perrigno (o Incrível Huck), que perderam a audição ainda crianças. Por que será que foi
silenciado enquanto informação sua surdez?
Queremos aqui ressaltar que a aquisição da linguagem das crianças surdas se dá a
partir da capacidade humana de significação que se apresenta como uma competência
especifica para a produção e decodificação dos signos, permitindo através dela, produzir
significados.
Para Fernandes e Correa (2010) é
através da aquisição de um sistema simbólico, como é o da língua, o ser
humano descobre novas formas de pensamento, transformando sua
concepção de mundo [...] propiciar a pessoa surda a exposição a uma
língua o mais cedo possível, obedecendo as fases naturais de sua aquisição
é fundamental ao seu desenvolvimento (p. 18)
Assim é de fundamental importância analisar como os surdos saem do processo de
alfabetização. Ainda refletir se sua própria cultura (língua de sinais) está sendo valorizada ao
levarmos em consideração o contexto histórico e escolar como lugar de socialização e a
valorização da concepção-metodológica denominada de bilingüismo, como prática dos
professores, descrita nas legislações.
Vejamos que a criança surda e sua linguagem como vetor de sua identidade são
construídas da relação histórico, social e cultural a qual se expõe, e a escola é um lugar de
produção de cultura. Petitito e Marantette (1991) citado por Fernandes e Correa (2010)
revelam em suas pesquisas que
os seres humanos (ouvintes e surdos) balbuciam naturalmente, aos três
meses de idade, tanto em língua de modalidade oral, quanto em de
modalidade sinalizada. Se crianças ouvintes, filhas de ouvintes, sem
contato com a língua de sinais balbuciam tanto em língua de característica
oral-auditiva como espaço-visual e crianças que nascem surdas, filhas de
pais surdos, do mesmo modo balbuciam nessas duas modalidades, é
factual concluirmos que a capacidade humana para a aquisição da
linguagem é intrínseco ao individuo, e, mais que o domínio de uma língua
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em toda a sua potencialidade é tão imprescindível ao desenvolvimento
que a natureza humana prevê para todos esta dupla possibilidade (p. 19)
Desse modo, o fato de crianças surdas não desenvolverem a língua oral-auditiva após
o balbucio se deve ao fato de não estarem expostas a ela, naturalmente, por causa da surdez.
Contudo, a educação com bilinguismo para surdos, no intuito de caracterizar essa
cultura apresenta-se segundo Fernandes e Correa (2010) como diretriz dos modelos
educacionais e se caracteriza a partir de dois sistemas simbólicos distintos (língua de sinais e
língua portuguesa). Contudo, a língua de sinais, como sistema simbólico é considerado como
específico ao individuo surdo, que através de signos de natureza gestual, espacial e visual,
traduzem os processos de percepção e apreensão da experiência do mundo vivido pela criança
surda, desprovida “da capacidade de escutar os sons da linguagem verbal articulada e
aprende-la de forma natural” ( idem, ibdem, p.23)
Dito isto, a Língua de sinais, própria da cultura surda é o sistema mediador da criança
surda por excelência, assim como é a melhor forma de construir sua identidade, além de ser a
melhor forma de introduzi-las no meio social e no universo escolar, inferindo diretamente no
meio psicossociocultural desse sujeito.
A partir dos últimos enunciados, se faz importante conhecermos melhor a história da
alfabetização de surdos.
2 PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: O QUE A HISTÓRIA NOS
CONTA...
Os surdos durante muito tempo foram discriminados, ignorados pelos ouvintes na
sociedade, na escola e no trabalho. No entanto em virtude das grandes bandeiras da inclusão
iniciada desde 1990 com a Declaração Mundial de Educação para Todos que culmina em 1994,
com a Declaração de Salamanca e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 os surdos vem buscando e conquistando o direito de serem incluídos, assim como o
respeito pela sua cultura enquanto língua.
Como exemplo, temos a consolidação das Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Especial, aprovada no ano de 2001 no Brasil, que veio estabelecer que essa
modalidade deverá estar presente em todas as Instituições que oferecem os níveis de ensino,
etapas e modalidades descritas na LDBEN de modo a propiciar o pleno desenvolvimento do
educando, assim como propor meios para que haja a participação das famílias e comunidade,
respondendo os princípios da escola inclusiva. Nesse contexto, inclui-se a educação de surdos,
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como conquista legal. Esse debate é retratado por Rosita Edler, Carlos Skliar, Cezar Coll,
Marcos Mazzota, Cyntia Andrade, Maria Aparecida Soares e outros. Diante disso, buscaremos
na história esse longo processo de conquista até nossos dias atuais.
Na educação, os surdos passaram por uma trajetória massacradora, humilhante, mas
aos poucos foram conquistando seus espaços. Assim, entrando no túnel do tempo
encontramos na Grécia Antiga e Roma a primeira forma de tratamento de surdos. Para eles os
surdos eram incapazes e incompletos, portanto não existindo nenhuma forma de educação
oferecida aos que tinham essa deficiência. Consta ainda na Enciclopédia Barsa (1989, p. 435)
citado por Soares (1999) que até o fim da Idade Média os surdos eram considerados
ineducáveis e que só a partir do século XVI o médico Giordano Cadarno, se preocupou
seriamente com esse problema. Para o médico, segundo a autora (1999) os surdos podiam
“ouvir lendo e falar escrevendo”.
O primeiro professor de surdos de quem se tem notícia foi Pedro Ponce de Leon
(1529-1584), monge beneditino que instruía filhos de nobres ensinando-os a ler, escrever,
calcular e expressar-se oralmente (Ibidem, 1999). No entanto não se tem relatos sobre
metodologias adotadas por esse monge na alfabetização de crianças. Durante esse período,
até meados do século XVII as práticas educacionais com os surdos eram realizadas apenas por
padres e abades.
Somente no século XIII e início do XIX que os alunos surdos passaram a ter direito a
escola propriamente dita e o registro das primeiras metodologias adotadas pelos
alfabetizadores. De acordo com Mazzota (1996) foi na Europa, especialmente na França, que
os primeiros movimentos pelo atendimento dos surdos se deu, tais medidas foram se
expandindo para outros países, inclusive para o Brasil.
Na França se iniciou o primeiro método de alfabetização conhecida como a Língua de
Sinais, que segundo Mazzota (1996) foi aperfeiçoado pelo francês Abade Charles M. L’Eppé,
em 1770 destinado a completar o alfabeto manual, bem como a designar objetos que não
podiam ser percebidos pelos sentidos. Esse Abade teve sua prática reconhecida não somente
pelo seu método mais também pela sua ação humana. Mazzota (1996) afirma que L’Eppé
recolhia crianças surdas e pobres das ruas de Paris para ensinar a nova língua, que passou
mais tarde a ser reconhecida como a língua oficial dos surdos – a língua de sinais.
Marchesi ( 1987) ao falar de L’Éppé o considera como a figura mais importante para a
educação do surdo, pois foi o primeiro que também fundou uma escola para receber alunos
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com surdez. Registra-se também que esse abade incentivava junto a outros professores a
estimular a valorização dos sinais como superior a língua falada.
Esse período da história foi um avanço nas conquistas e reconhecimento do surdo
pela escola. No entanto no final do século XIII e início do XIX, com o avanço do método oral ou
oralismo os surdos passaram por grandes sanções. Segundo Soares (1997) diz que Hernerk
inventou o método oral, denominado também de método orofacial ou leitura labial. Esse
método obrigava os alunos a esquecer a linguagem com as mãos e gestos e passaram a usar
apenas a linguagem oral.
Skliar (2001) diz que a primeira vez que se tem notícia do início dessas sanções foi
com a divulgação da filosofia sensualista defendida por Condillac que ao defender uma
evolução da língua e da razão “determinou que a língua de sinais por estar limitado aos
gestos não passa de um nível interior da espiral evolucionistas” (ibidem, 2001, p.35)
A partir de então, educar crianças surdas passa a se relacionar à correção,
reabilitação, com a imposição do oralismo como método oficial. Ainda segundo o autor, as
instituições foram proibidas de circular em seus espaços escolares os símbolos da língua de
sinais e a expressão corporal ( viso-gestual). Ainda o autor afirma que essa situação se
estendeu mais ainda com o Congresso de Milão que ocorreu no ano de 1880, que erradicou a
linguagem de sinais, assim como, afastou todos os profissionais surdos do meio escolar, sendo
este o auge do método oralista, pois na “prática escolar, a primeira medida educativa para
coibir o uso dessa linguagem foi obrigar os alunos a assentarem sobre as suas mãos e
proibirem a comunicação sinalizada entre eles”. (Op.cit, 2001, p.31).
Esse método cresceu muito na Europa no século XIX e se estendeu no século XX para
a América Latina, chegando até o Brasil. Diante disso, cresceu também outros métodos para o
atendimento do surdo, tais como:
métodos de caráter corretivo, como o uso da prótese auditiva, cirurgia,
treinamento auditivo à leitura labial, os exercícios respiratórios, a aquisição
de vocabulário etc. nesse contexto a educação de surdos passou a ter um
caráter puramente clínico33. (SOARES, 1997)
E com o avanço da medicina os surdos passaram a ser vistos, como “anormais”,
“loucos”, “deficientes” que precisavam ser diagnosticados e tratados. Diante disso, surgiram
33
Quando falamos de puramente clinico, remetemos a forma como foram vistas as crianças surdas pela sociedade, foram
esteriotipadas como “doentes” e que precisavam ser diagnosticados, recebendo a denominação de “anormais”. (SOARES, 1997).
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inúmeros manicômios, asilos, onde os surdos passaram boa parte de suas vidas sendo alvos de
preconceito pela sociedade.
Contudo, o oralismo que a partir de Condillac e o Congresso de Milão transformaram
o surdo num objeto clínico e a surdez como deficiência, os profissionais da saúde estimularam
a idéia de que a deficiência podia ser curada ou reabilitada a partir de treinamentos e
tratamentos clínicos.
Somente a partir de 1960 e início de 70 que apareceu uma nova concepção de
educar os surdos em substituição ao oralismo puro, denominado por Soares( 1997) de
comunicação total 34 onde o método oral começa a perder sua magnitude e passando a ser
visto como método tradicional de ensino. A comunicação total para a autora foi um passo para
emergir a partir da década de 1990 a luta pelo Bilinguismo35.
Dessa forma o bilinguismo passa a ser a bandeira de luta dos surdos, como própria de
sua cultura, desde a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizado em Jontien, 1990,
onde a Inclusão e a democratização passaram a ser pautas primordiais. Mais tarde em 1994
em Salamanca na Espanha, se constrói um documento oficial que legaliza todas as Instituições
educacionais a incluírem os alunos surdos nas salas regulares, com acompanhamento
especializado, e direito de ser respeitado na sua língua – A língua de sinais. Esse documento
ficou conhecido mundialmente como a Declaração de Salamanca. Segundo esse documento:
•Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades
de aprendizagem que lhe são próprias;
• os sistemas de educação devem ser planejados e os programas
educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas
características e necessidades;
• as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter
acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma
pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas
necessidades.
(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).
No Brasil, além da influencia legal da Declaração de Salamanca, foi construído uma
seção na Lei de Diretrizes da Educação Nacional- LDBEN 9394/96 que destaca normas para o
funcionamento da educação especial e para os profissionais que atuarão com essa clientela. Os
alunos, antes denominados como “deficientes”, passam a serem tratados como “alunos com
necessidades educativas especiais.”
34
No Método da comunicação total o ensino dos surdos se dá com a utilização do método oral e a linguagem de sinais, ou seja, o
aluno tenta reproduzir a fala ( orofacial) e ao mesmo tempo usa os sinais e gestos.
35
O bilinguismo é considerado o método em que se valoriza primeiro a língua de Sinais e só depois que se ensina a língua
portuguesa, no caso do Brasil. O bilinguismo considera a LIBRAS a língua oficial dos surdos.
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Outro avanço na educação especial ganhou destaque na educação de surdos com a
promulgação da Lei Nº10.436 de 24 de abril de 2002 que diz:
Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a
Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos de expressão a ela
associados.
Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS a
forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de
natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um
sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de
comunidades de pessoas surdas do Brasil. (Lei Nº10. 436 de 24 de abril de
2002)
Esse documento instaura na educação especial o que estamos defendendo como –
educação bilíngüe para os Surdos. Então o fato de ter um decreto que legaliza a LIBRAS como
sistema lingüístico viso-motora no Brasil, e ainda contemplar uma estrutura gramatical, pode
definir a partir de então a construção da identidade surda dentro do espaço escolar como
grande objetivo educacional. Daí a importância de começar na alfabetização o processo de
conhecimento dessa língua para os não-ouvintes. Apesar de considerarmos como política
educacional recente, podemos afirmar que no Brasil já se conseguiu avançar no que diz
respeito à inserção dessa lei e, por conseguinte, na valorização do bilinguismo.
Segundo Fernandes (1998) o povo surdo está resistindo às pressões da concepção
etnocêntrica dos ouvintes, e estão se organizando em todo o mundo, levantando a bandeira
em defesa de uma língua e cultura própria no intuito de protagoniza a sua história. Essas
mudanças já vêm sendo percebidas dentro das escolas, através de alterações de metodologias
que transformam em realidade o direito do surdo de ser educado em sua língua natural.
3 O BILINGÜISMO COMO PRÁTICA CULTURAL E ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICO NO
PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE SURDOS: UM ESTUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS DOS
MUNICÍPIOS DE ORIXIMINÁ E ÓBIDOS-PA
O bilingüismo é considerado por muitos autores como uma abordagem educacional,
cujo objetivo é habilitar o surdo a utilizar-se de duas línguas, a língua de sinais, como língua
primeira, valorizando a cultura surda e em seguida a língua oral, no caso do Brasil, a língua
portuguesa. Para Sá (1999) o bilingüismo é
A abordagem educacional para surdos, estabelecendo que as crianças
devam ser ensinadas em duas línguas: a língua de sinais considerada como
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primeira e a língua portuguesa como segunda, a utilização do bilingüismo
aumenta as capacidades cognitivas e lingüísticas dos surdos, possibilitando
melhores resultados educacionais que os conseguidos com a linguagem
oral.
Ainda Sá (1999) reporta que pelo fato do bilingüismo ser uma teoria-metodológica
nova para o processo de alfabetização de surdos, o “termo” para os pais soa de certa forma
como medo. Esse medo está relacionado ao fato de que os pais acreditam que se os seus filhos
voltarem a serem ensinados primeiramente com sinais, eles poderiam regredir. Essa situação
nos faz refletir que a educação de surdos ainda carrega as bases enraizadas do oralismo que
perpetuou durante muito tempo no Brasil e no mundo, em que a criança surda precisava
aprender a falar pra se comunicar. Nesse contexto os pais esquecem ou desconhecem que
“numa abordagem educacional como o bilingüismo, o mais importante que saber articular
palavras e ter o que dizer” ( SÀ, 1999).
Nesse sentido faz-se necessário que a escola e os professores estejam preparados
para orientar os pais e saber trabalhar com o método bilíngüe em sala de aula, para isso o
educador precisa no mínimo ter pelo menos dois ou mais cursos de formação continuada em
LIBRAS.
Vale ressaltar que a escola é uma das primeiras oportunidades que a criança surda
tem para aprender a conviver com outras crianças, além de ser um espaço de construção de
sua identidade, fora do ambiente familiar. Outros objetivos implícitos voltados para os alunos
surdos na escola é a oportunidade de adquirir conhecimentos acumulados da humanidade e
tornar-se cidadão consciente de seus direitos e deveres, além de preparar-se para o mercado
de trabalho e para o seu desenvolvimento pessoal e social.
Contudo, essa escola não é oferecida para todos e todas, como determina as
legislações, pois infelizmente milhares de crianças ainda se encontram a margem da
sociedade, sem pelo menos ter o direito de ter uma escola, outras quando as tem, não
proporcionam o respeito a diversidade e as diferenças, muitas das vezes ocasionado pela falta
de formação dos profissionais da educação que atendem esse diferente.
Ainda sobre essa formação do professor de surdos, Skliar (2001) diz que para se
trabalhar o bilingüismo faz-se necessário que os profissionais da educação que trabalham com
surdos precisam gostar do que fazem e em seguida precisam a partir de seu trabalho
transformar esses alunos em uma comunidade realmente de surdos, no intuito de fazer com
que eles aprendam a se valorizar, buscando dessa forma o orgulho de sua cultura, pois só
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dessa forma, acreditamos que os professores estariam proporcionando a inclusão do aluno na
escola e na sociedade.
Longe do que se almeja vimos nos municípios de Oriximiná e Óbidos, lócus de nossa
pesquisa, realidades ainda marcadas pelo oralismo e comunicação total como prática e teoriametodológica. Como diz uma professora, ao perguntarmos sobre suas maiores dificuldades em
alfabetizar alunos surdos, ela diz:
A maior dificuldade que sinto é não poder entender o que os surdos falam,
ou seja, a sua linguagem, e também não saber utilizar as técnicas e
métodos adequados para alfabetizar eles. E sinto mais ainda a ausência de
36
capacitação docente (professora B)
Vimos nesse discurso que o bilingüismo não é entendido, e tão pouco trabalhado.
Nesse contexto, a formação do professor de alfabetização se torna essencial nesse processo,
pois é à base da formação humana e progressão na escolarização, então, o fato de uma
professora estar trabalhando com surdos e não conseguir entender a forma de comunicação
dos seus alunos, além de não saber como ensiná-los, se torna preocupante, uma vez que, se a
criança não tem a formação inicial ela correrá o risco de não progredir e principalmente de não
se sentir incluído.
Contudo, o que é mais preocupante é identificarmos que os professores aceitam
trabalhar na alfabetização de surdos, sem ter formação alguma em LIBRAS. Na maioria das
vezes aceitam porque estão precisando de emprego. Sabemos da situação econômica
vivenciada por muitos brasileiros, o que acaba ocasionando situações como a da professora C:
“aceitei ser professora de surdos por conveniência para não ficar desempregada”. Essa
realidade, por outro lado, demonstra a falta de interesse público dos governantes pela
qualidade de ensino na formação inicial, principalmente quando se trata da formação de
professores da Educação Especial, que necessitam não apenas da formação pedagógica, mais
acima de tudo de formação numa segunda língua - a Língua Brasileira de Sinais, para o
tratamento didático-metodológico em suas práticas cotidianas em sala de aula.
Nesse caso refletimos: se essa professora não possui formação para atender essa
clientela, automaticamente a construção inicial da identidade surda dessas crianças é
comprometida!
Essa falta de formação desencadeia um “efeito dominó” na constituição do sujeito
surdo, condicionado a ser modelado pelos ouvintes, com a prática oralista. De outro modo, o
36
As falas dos sujeitos pesquisador encontram-se em itálico para diferencias das citações de autores.
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aluno não necessita apenas da companhia do docente, mas de ser ensinado na sua própria
língua no intuito de poder construir e aceitar sua cultura, pois a “linguagem de sinais é o
símbolo por excelência da surdez e que a mesma apresenta uma estrutura própria,
codificadora e com uma visão de mundo” (SKLIAR, 2001). Então a escola, professores e as
secretarias de educação não podem fingir que ensinam, quando se trata de aprender a
alfabetizar a partir das LIBRAS.
Quanto à prática de alfabetização uma professora relata que trabalha com materiais
concretos, e descreve os passos de sua atividade rotineira em sala de aula, ela diz:
Para o aluno acompanhar a aula utilizo materiais concretos, cartazes,
desenhos, fichas, figuras. Mostro determinada figura ou desenho e a
criança faz a leitura orofacial, com a utilização da língua portuguesa e só
37
depois ele faz a datilologia , ou seja, a leitura com as mãos. Depois de ser
exercitado, a criança aprende a escrever a palavra trabalhada (professoraD)
Como percebemos na fala da professora “D” a educação nesses municípios do Pará
ainda retratam uma mistura de oralismo e comunicação total, deixando para segundo plano o
bilingüismo reforçado na frase da professora acima citada “e só depois ele faz a datilologia”.
Diante disso, o bilinguismo já discutido e apresentado por muitos educadores como a
possibilidade da inclusão dos surdos e respeito à sua cultura na sociedade nos parece distante
de acontecer perante a realidade ora demonstrado com este estudo.
Segundo Karnop (2010) o status lingüístico da lingua de sinais é inferiorizada e
descaracterizada no contexto escolar na maioria das vezes, a exemplo disso, o autor
argumenta que a leitura e a escrita de surdos são frequentemente estigmatizadas e suas
produções textuais são consideradas “erradas” conforme estabelece o português-padrão.
Além disso, são desconsideradas as diferentes práticas discursivas e os diferentes gêneros
dircursivos. Infelizmente a ênfase dada nas práticas pedagógicas tem sido voltadas para o
estudo do vocabulário e para a memorização das regras da gramática tradicional e que acabam
condicionando os alunos surdos também a essa prática.
Defendemos que o aluno surdo precisa primeiramente conhecer sua língua e só
depois a língua portuguesa na alfabetização, para que o mesmo não tenha na série regular
“vergonha” de sua própria cultura, ou seja, de sua identidade surda, ou que venham a desistir
ainda no Ensino Fundamental por não compreender a língua portuguesa e a LIBRAS. Para que
37
A datilologia e o alfabeto apresentado com as mãos, utilizando os sinais pausadamente. Ex.: A-M-O-R.
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isso aconteça, o aluno precisa ser recebido por profissionais comprometidos e competentes na
escolarização, uma escola desvencilhada de preconceitos e com uma família realmente
participativa, incentivadora. Contudo, vimos que a partir dessas falas as Secretarias de
Educação e Prefeituras precisam valorizar os profissionais da educação que possuem esses
especiais. Somente dessa forma, acreditamos que a escola e a sociedade possam se tornar
para o aluno surdo um lugar de inclusão e de valorização do diferente.
PARA NÃO CONCLUIR....
Pesquisar sobre a alfabetização de surdos tem caráter enriquecedor e gratificante,
pois permite ver de perto a situação a qual se encontra a educação de nossa região, quiçá de
nosso país. Pensar que o surdo não escuta, para muitos pode ser algo de natureza considerado
anormal ou menos inteligente. Essa percepção leva os sujeitos ouvintes à discriminação a
outra cultura, como se os mais inteligentes fossem os que escutam.
Vale lembrar que essa concepção foi traçada ao longo do tempo, e que as mudanças
de percepção vêm ocorrendo em longo prazo. Nesse contexto o “processo de inclusão”
discutido e legalmente amparado nas leis educacionais vem diminuindo de certa forma o
abismo existente entre o aluno ouvinte e o aluno surdo.
No entanto a educação alfabetizadora apesar das políticas educacionais apontarem
para soluções viáveis a prática da inclusão e ao respeito pelo bilingüismo, contemplando a
LIBRAS como língua primeira, este estudo aponta que ainda existem algumas barreiras que
impedem a sua plena realização. Assim pontuamos:

Falta de formação continuada para os professores alfabetizadores de surdos
como: domínio das LIBRAS;

Esclarecimento quanto à concepção do bilingüismo e o domínio de
metodologias adequadas ao processo de alfabetização;

Supervalorização do oralismo como metodologia de alfabetização;

Falta de seriação na escolha dos professores que atuarão na alfabetização de
surdos;
Esses pontos levantados chamam a atenção que a prática executada pelas escolas
estudadas ainda reportam para uma educação ainda oralista e de comunicação total, onde a
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representação de fazer com que as crianças aprendam a falar, utilizando a prática orofacial,
ainda é muito frequente. A criança se torna obrigada a entender a Língua portuguesa a partir
da leitura dos lábios dos ouvintes, colocando a cultura surda para segundo plano.
Nesse caso, o bilingüismo precisa se tornar realidade nas escolas, mas para que isso
aconteça, o educador precisa dominar as LIBRAS, para então alfabetizar a partir dessa. Sem a
valorização desse profissional e sem a participação dos pais, é inviável que esta língua se torne
primeira nesse processo, portanto, não criando e consolidando o que chamamos de
“identidade surda”.
Dessa forma, identificamos que a escola a partir de sua pratica alfabetizadora, ainda
reforça a construção de uma identidade de surdo flutuante, onde ele ainda não consegue
perceber que é diferente e que pode aprender sua língua como constituição de uma cultura e
de uma identidade própria, para então se aceitar nos próximos degraus da escola e de sua
vida. Outro tipo de identidade identificado pelas práticas executada na escola é a consolidação
do surdo inconformado, podendo futuramente não reconhecer sua própria língua, por não
serem trabalhados na infância, podem não aceitar a surdez mais tarde como constituição de
um sujeito que possui uma linguagem e uma cultura diferenciado, não de deficiência.
Este estudo abre portas para novas pesquisas no intuito de identificar a partir das
representações dos próprios alunos surdos suas identidades construídas na escola a partir das
praticas executada pelos seus professores. Além disso, aponta caminhos para que as
Secretarias de Educação e direções de escolas possam estar visualizando o abandono da
educação especial, mais específico à educação de surdos, para que providências cabíveis
possam acontecer de fato na melhoria da educação de surdos, em especial na alfabetização
desses alunos. Tais providências podem ser enumeradas, tais como: capacitar professores com
a prática do bilinguismo para atuar na educação infantil e séries iniciais.
Em suma, acreditamos que com esse estudo, aqui revelado, possa se transformar em
momentos de debates e discussões acerca da alfabetização de surdos, seus métodos e práticas
e ainda sonhar com uma educação que produza identidades surdas, valorizando, dessa forma,
sua cultura com a língua dos surdos – a LIBRAS.
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conclusão de curso (graduação em Formação de professores). UEPA, Belém- PA, 2001.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
ESTÁGIO SUPERVISIONADO: PARTILHANDO
EXPERIÊNCIAS DOCENTES
Cicera Alteniza Duarte de Castro
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
Profª Drª Zildene Francisca Pereira
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
Resumo
Apresentamos, neste texto, a experiência docente vivenciada durante o Estágio
Supervisionado em Educação Infantil em uma Escola Pública Municipal na cidade de
Cajazeiras/PB, com crianças na faixa etária de 4 e 5 anos de idade e teve como objetivos:
discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança;
conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o
cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a
valorização da criança como um ser em desenvolvimento. O Estágio foi organizado
considerando dois momentos distintos: a observação e a intervenção e foram fundamentados
a partir de leituras específicas em sala de aula. No primeiro momento, fomos à instituição
escolar para a observação da sua dinâmica, em seguida realizamos a intervenção pedagógica a
partir de planos elaborados previamente, mas considerando o cronograma da professora. É
possível afirmarmos que apesar da ansiedade que nos envolvem enquanto estagiárias foi uma
etapa para repensarmos a escolha do curso, considerando a relação teoria-prática como
processos indissociáveis.
Palavras-chave: Educação Infantil; Estágio Supervisionado; Prática docente.
Introdução
Este trabalho tem como foco apresentar uma reflexão voltada para as atividades
desenvolvidas durante o Estágio Supervisionado em Educação Infantil em uma Escola Pública
Municipal na cidade de Cajazeiras/PB, com crianças na faixa etária de 4 e 5 anos de idade. Esta
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experiência nos possibilitou o encontro da tão discutida relação teoria-prática como processos
indissociáveis.
O Estágio foi dividido em duas etapas: observação e intervenção. Esses dois
momentos foram fundamentados a partir de leituras e discussões feitas no decorrer da
disciplina e teve como objetivos: discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu
impacto no cuidado com a criança; conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio;
planejar atividades voltadas para o cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma
prática de ensino voltada para a valorização da criança como um ser em desenvolvimento.
Procedimentos Metodológicos
A disciplina Estágio Supervisionado em Educação Infantil foi subdividida em dois
momentos distintos: setenta horas foram destinadas a estudos teóricos realizados em sala de
aula, juntamente com a professora da disciplina e oitenta horas para a prática docente em
diferentes escolas da região, totalizando cento e cinqüenta horas durante o semestre,
conforme exigido no Projeto Pedagógico do Curso.
No primeiro momento tivemos discussões em sala de aula acerca da compreensão da
importância do estágio para a formação do Pedagogo, suas implicações para a formação da
identidade profissional. Foram-nos apresentadas, ainda, sugestões de como trabalhar em sala
de aula com crianças de Educação Infantil, considerando seu contexto e seu desenvolvimento
motor e cognitivo. No decorrer do semestre além das discussões, recebemos orientações
acerca do planejamento e elaboração de planos de aula, reconhecendo a importância da
observação, do registro, da reflexão e da avaliação (OSTETTO, 2006).
Podemos destacar o importante papel da estagiária com relação ao repasse de
conteúdos, a convivência com as crianças e a necessidade de dinamizar as aulas. Mas, é
importante pontuarmos, ainda, que o Estágio Supervisionado é o momento para
reelaborarmos os modelos de professores que temos a partir do repertório intelectual que
conseguimos construir ao longo do curso, é o momento para relativizarmos, ressignificarmos e
refletirmos a prática docente a partir do que vivenciamos na escola (PIMENTA, 2004).
Discussão e Análise do Estágio Supervisionado
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O momento inicial do Estágio Supervisionado como um período em que
conheceríamos a dinâmica escolar de perto, não mais como alunas, nos fez perceber o
importante papel atribuído aos estudantes do Curso de Pedagogia, mais especificamente, com
relação ao entendimento da especificidade de trabalhar com crianças da Educação Infantil e,
inicialmente, fomos tomadas pela ansiedade do primeiro contato com a escola e com a turma
de crianças a qual estaríamos juntas durante alguns dias.
Dessa forma, invadida pela ansiedade da aprendizagem da docência é que faremos
um relato da experiência vivida nas atividades realizadas durante o Estágio em uma turma de
nível II. De acordo com Pimenta (2004) para aprender a ser professor, precisamos da prática e
para que essa prática aconteça, é necessário que passemos por algumas etapas como:
observar, registrar, algumas vezes reproduzir ou reelaborar os modelos que consideramos
adequados. Sendo assim, este relato será realizado mediante os seguintes pontos: chegada à
escola, planejamento e execução das atividades, metodologias utilizadas, interação da turma e
métodos de avaliação.
Ao chegarmos à Escola fomos recebidas de forma cordial e encaminhadas à
professora titular da sala em que realizaríamos o estágio, pois esta já estava ciente da nossa
participação na escola durante alguns dias. No início da aula optamos por manter alguns
aspectos da sua prática, para não quebrar totalmente a rotina das crianças. Colocamos as
cadeiras em círculo como de costume, meninos de um lado, meninas do outro, embora não
concordássemos com essa divisão, pois supomos que, nesta idade, as crianças devam interagir
com as demais crianças, independente do sexo, raça e/ou nível social, mas como se tratava de
apenas uma semana, não consideramos viável mudar certos hábitos até mesmo para não
causarmos desconforto com a professora.
Em seguida realizamos uma dinâmica de apresentação na qual os alunos diriam seu
nome e algo que gostassem de fazer. Todos participaram, fizeram perguntas e a atividade
evoluiu para a apresentação da agenda do dia e especificamos de forma sucinta e objetiva o
que trabalharíamos naquele dia. As atividades foram planejadas considerando o curto espaço
de tempo do estágio. Portanto, selecionamos cinco estórias para trabalharmos os conteúdos
pré-estabelecidos no plano da escola e sugeridos pela professora, utilizando uma história para
cada dia da semana, pois consideramos que a interdisciplinaridade com atividades
relacionadas à leitura de histórias
[...] é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver,
pensar, agir no universo de valores, costumes e comportamentos de outras
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culturas situadas em tempos e lugares que não o seu [...] (RCNEI 1998, p.
143, vl. 3).
Além de conhecer costumes, crenças e valores que não fazem parte do seu contexto
é também uma maneira prazerosa de internalizar os conteúdos escolares de diferentes
formas.
Durante as atividades realizadas em sala de aula as crianças se mostravam inquietas,
falavam muito e, algumas vezes, perdíamos o controle da turma. Mas, após a situação ser
contornada, com a ajuda da professora, que não se ausentou nenhum momento, tudo se
organizava mais uma vez.
É imprescindível destacarmos o importante papel exercido pela professora titular da
turma ao acompanhar o/a estagiário/a durante sua atuação docente, especialmente
considerando a inexperiência inicial do/a estagiário/a e este foi um dos aspectos primordiais
durante nosso estágio, pois em nenhum momento tivemos que nos deparar com situações
desagradáveis de sala de aula estando sozinhas com os alunos.
Todos os dias, ao final das atividades referentes aos conteúdos específicos estudados
nas diferentes disciplinas, construímos um álbum para as mães. Anterior a esse momento,
refletíamos, através de conversas informais, sobre a importância da família, buscando
contextualizar situações do cotidiano das crianças para desenvolver nelas um sentimento de
afeto, respeito e compreensão, enfatizando também a importância da oralidade, pois “[...] ao
mesmo tempo em que enriquece as possibilidades de comunicação e expressão, a linguagem
representa um potente veículo de socialização” (RCNEI 1998, p. 24, v. 2).
Como de costume todas as quintas-feiras, após o intervalo as crianças assistem um
vídeo escolhido por elas e essa atividade ocupa aproximadamente duas horas da aula e
percebemos que neste momento não existe intencionalidade pedagógica. Inicialmente ficamos
apreensivas com a situação, mas em seguida vimos que o tempo era muito curto para darmos
conta de tantos aspectos em sala de aula, pois este teria que ser um trabalho direcionado à
professora.
No último dia, tivemos uma aula mais curta por conta da comemoração do dias
mães, a saída foi antecipada para as nove horas e o planejamento do dia sofreu alterações.
Encerramos com a história “Um presente para mamãe” e em seguida fizemos uma lista de
pedidos para mamãe, nesse momento, não mais presentes e sim elementos subjetivos, como
saúde, alegria, amor. Ao realizarmos essa tarefa, buscamos especificar a importância desses
elementos para a vida das pessoas, tentando distingui-los de coisas materiais. Para encerrar a
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aula montamos o álbum com o material confeccionado durante a semana, com as produções
de cada um e entregamos para que eles pudessem levar para casa e presentear suas mães.
Houve uma breve despedida, com gestos carinhosos das crianças e uma conversa informal.
Todas as atividades foram realizadas de forma interdisciplinar, contextualizando
situações, fazendo ligações entre os conteúdos e a vida cotidiana das crianças, porém em
muitos momentos estas não se concentravam. Diferente do período de observação
percebemos que, em meio a toda essa agitação, as crianças conseguiram se interessar pela
maioria das atividades que foram propostas. Mesmo com todos os pontos desfavoráveis.
Considerando a importância dessa atividade para o processo de formação docente e
a série de reflexões ocorridas durante esse período, podemos afirmar que é nesse momento
em que nos encontramos diante de inúmeros desafios, e que temos a possibilidade de refletir
sobre a escolha da profissão docente. Este foi um momento primordial para nos
perguntarmos: será que temos a capacidade de tornar a prática docente eficaz ao ponto de
contribuir para a formação de sujeitos autônomos e críticos? Será que estamos conscientes de
que nossa postura como educadora poderá transformar ou desestimular o aluno de acordo
com o papel que desempenhamos?
São muitos os pontos a refletir e avaliar, é realmente um momento de afirmação e de
construção da identidade profissional, pois se estamos certos de que essa profissão nos fará
acreditar que existe possibilidade de um mundo melhor através da educação, como fomos
preparados a pensar, construiremos nossa base profissional na concepção do professor como
sujeito com papel determinado na escola e que a compreensão deste papel será, em parte,
determinante para as ações que assumo quando cuido e educo crianças em diferentes faixas
etárias, advindas de diferentes contextos.
Embora saibamos que esta profissão é uma das mais complexas, visto que,
trabalhamos com formação humana, sujeitos de diferentes classes, raças, isso por si só já
assusta quando iniciamos o contato direto com a escola e com os sujeitos nela envolvidos,
exigindo do profissional um alto nível de responsabilidade e muito dinamismo para se adequar
as diversas situações que vivenciamos nas salas de aulas da nossa própria vida e assim
assumiremos um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem de crianças.
Considerações
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A partir da compreensão, apresentada ao longo deste relato de experiência,
pensamos que o estágio supervisionado foi o momento de reafirmação da profissão docente
como um elemento a mais para a escolha feita há alguns anos. Mas, embora tenha sido uma
escolha pautada no desejo de trabalhar com crianças, esse momento foi também um meio
para percebermos o quanto, ainda, necessitamos melhorar com relação a postura de
educadora, o comportamento junto às crianças, assim como o entendimento da profissão
docente com toda a sua complexidade.
Sendo assim, é importante salientar que, embora exista essa preocupação com a
postura de educadora é possível afirmarmos que estamos em constante aprendizado e temos
clareza que nunca estaremos prontos. Enquanto educadoras vivemos em constante evolução,
o que não deu certo hoje, será reajustado amanhã, e nesse jogo de ação-reflexão-ação é que
daremos sentido ao nosso fazer pedagógico.
Diante de tudo que foi mencionado, podemos afirmar que o período de estágio,
apesar dos dissabores, contribuiu para que tivéssemos a consciência e a humildade de que
somos seres em construção e, sendo assim, precisamos rever constantemente nossos
conceitos e postura diante do contexto educacional e, dessa forma, contribuir para a
construção de uma sociedade melhor.
Referências Bibliográficas
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Observação, Registro, Documentação: Nomear e significar as
experiências. In: Educação Infantil: Saberes e fazeres de professores. Campinas: Papirus, 2006.
(Coleção Ágere)
PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência In: Coleção
docência em formação. Série saberes pedagógicos. São Paulo: Cortez, 2004.
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Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Volume I:
Introdução; volume II: Formação pessoal e profissional; volume III: Conhecimento de mundo.
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O BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO E NA
APRENDIZAGEM
Cláudia Luciene de Melo Silva
RESUMO
Este artigo propõe uma discussão focada na temática da atividade lúdica enquanto elemento
motriz para a aprendizagem e para o desenvolvimento integral do educando. Para tanto,
aponta para a necessidade de um currículo que não se caracterize como linear, prédeterminado, centrado nos aspectos intelectuais. Evidencia a importância de se reconhecer no
processo de aprendizagem o nível do desenvolvimento cognitivo em que o aprendiz se
encontra, a urgência de se considerar o educando em sua totalidade, de atender suas
necessidades, potencialidades e interesses, o papel do professor nesse processo e,
principalmente, que tipo de aprendizagem se objetiva. Assim, fundamentado nos pressupostos
piagetianos, abarca reflexões sobre o que fazer para atender a esses requisitos e proporcionar
à criança elementos para o seu desenvolvimento e para sua aprendizagem, de forma
significativa. Nesse contexto, a atividade lúdica é apresentada enquanto recurso apropriado ao
favorecimento tanto do desenvolvimento integral do educando quanto da aprendizagem
significativa e, essencialmente, por sua capacidade de promover a parceria ideal entre estes
(desenvolvimento e aprendizagem), sendo essa parceria esta fundamental na teoria
piagetiana.
Palavras-chaves: Aprendizagem. Desenvolvimento. Atividades lúdicas.
THE PLAY IN THE DEVELOPMENT AND LEARNING
This article proposes a focused discussion on the issue of the ludic activity while driving
element for learning and for the integral development of the student. For both, there is a need
for a curriculum that is not marked as linear, pre-determined, focusing on some intellectuals.
Highlights the importance of recognizing in the learning process the level of cognitive
development in which the apprentice is, the urgency to consider the learner in its totality, to
meet their needs, potential and interests, the role of the teacher in this process and, mainly,
that type of learning is the objective. Thus, based on the assumptions piagetianos includes
reflections on what to do in order to meet these requirements and provide the child elements
for its development and for their learning, in a significant way. In this context, the ludic activity
is presented as the resource appropriate to the favoring both of the integral development of
the student and the significant learning and, essentially, by its ability to promote the ideal
partnership between these (learning and development), and this partnership is fundamental to
the piagetian theory.
Key words: Learning. Development. Playful Activities
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Muitas são as questões que permeiam a educação, no que tange às práticas
educativas. Sabe-se que institucionalmente, muitas das práticas pedagógicas têm seu processo
desvinculado dos contextos em que as mesmas ocorrem. Há uma notada importância
dispensada à grade curricular, a qual prioriza a transmissão de conteúdos em seqüência prédeterminada, muitas vezes obrigatória, constituindo fim último de um processo educativo
caracterizado por uma participação limitada e sem reflexão do educando.
Assim, o propósito educacional tende a centrar-se em aspectos puramente
intelectuais, esquecendo-se, na maioria das vezes, da condição humana de quem aprende, ou
seja, dos aspectos sociais, psicológicos e biológicos fundamentais para a construção do
conhecimento. Nesse sentido, Oaklander (1980) questiona o desenvolvimento intelectual da
criança como única meta a ser atingida na escola. De acordo com esta autora, uma educação
comprometida com a criança trabalha em prol de um desenvolvimento intelectual e emocional
sadios, tornando a escola fonte de prazer para a criança. É importante que os professores
tenham consciência de que as necessidades emocionais das crianças devem ter prioridade,
pois influenciam, e muito, na situação de aprendizagem.
Parolin (2005) reforça que nem sempre aprender é algo prazeroso sendo necessário
trabalhar para que as crianças possam entender esse momento com a importância que eles
requerem e para que isso ocorra, o professor dever ter definido do que cada criança é capaz e
qual a importância de cada atividade desenvolvida.
Na mesma perspectiva, Gardner (1995), em alusão à sua teoria de inteligências
múltiplas, enfatiza qual deveria ser o intuito educacional. Segundo este autor, a escola deveria
associar os trabalhos desenvolvidos ao tipo de inteligência de cada indivíduo, assim como
auxiliá-los no desenvolvimento de suas inteligências e na busca de afazeres característicos a
essas. Dessa forma, em atendimento ao que é peculiar à inteligência de cada educando, seriam
enaltecidos os sentimentos de comprometimento, empenho e competência para o processo
educativo, como também para a construção de uma sociedade mais participativa.
As posições defendidas por estes autores são, sem dúvida, de uma atuação educativa
comprometida, prioritariamente, com as necessidades psicológicas, orgânicas e intelectuais
emergentes da criança ao contexto em que está inserida e não somente atenção dispensada
ao que considera seu ‘intelecto’ ou a uma visão resumida ao conteúdo, ou a atitudes de
submissão a estas práticas educativas. De acordo com Almeida (1998, p. 31), é necessário que
se integrem práticas e teorias educativas que concebam uma visão integral do homem (o
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
homem bio-psíquico-social), numa proposta dialógica que una os diversos conhecimentos,
evidenciando o que é próprio a cada um, assim como suas multiplicidades e subjetividades.
Partindo dessa posição, torna-se viável optar por um direcionamento que priorize o
respeito ao desenvolvimento infantil, em sua totalidade, uma prática educativa interdisciplinar
que atue dentro do que seja próprio ao educando, que o motive e lhe restaure o prazer de
aprender, como requisitos para uma aprendizagem significativa.
O conceito de aprendizagem significativa evidencia esse saber que o educando traz
consigo, seu conhecimento prévio e como processam os seus pensamentos, os quais somados
a aspectos psicológicos, como a percepção da criança em relação à escola, ao professor, as
suas expectativas, valores, crenças, mediam a relação ensino-aprendizagem, reforçando o fato
de que o educando é o grande agente na construção de significados à medida que atribui
sentido ao que aprende (SALVADOR, 1994).
Para Salvador (1994), o significado é o grande marco para a aprendizagem, o qual
permite ao educando aprender verdadeiramente, sendo que a construção desse se dá quando
do estabelecimento da relação entre o que aprendemos e o que já conhecemos, considerando
também, a criança em sua totalidade.
O aluno aprende um conteúdo qualquer – um conceito, uma explicação de
um fenômeno físico ou social, um procedimento para resolver
determinado tipo de problemas, uma norma de comportamento, um valor
a respeitar, etc. – quando é capaz de atribuir-lhe um significado
(SALVADOR, 1994, p. 149).
Assim, a construção de conhecimentos exige, por si só, uma postura de busca, de
apropriação do saber, para que haja transformação. No entanto, para atender a este prérequisito, é necessário que os educandos atuem de forma dinâmica, criativa, prazerosa em
oposição a posturas mecanicistas (submissão, reprodução, apatia para aprender) que pararam
no tempo das pedagogias tradicionais.
De acordo com Salvador (1994), a vertente que emerge para uma prática educativa
mais dinâmica onde se considera que o educando seja capaz de selecionar, interpretar,
assimilar sugere uma proposta pedagógica centrada em atividade auto-estruturante. Nas
palavras deste autor, uma prática que se fundamenta em uma:
[...] atividade auto-iniciada e, sobretudo autodirigida, o ponto de partida
necessário para uma verdadeira aprendizagem. O princípio da auto-
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estruturação, evidenciaria o papel do educando enquanto agente
responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem (Salvador, 1994,
p.100).
Porém, a questão paira sobre o que fazer para proporcionar à criança respaldos para
o processo de aprendizagem. Como auxiliar o processo educativo, respeitando o ritmo infantil,
suas necessidades, potencialidades, seu desenvolvimento cognitivo? Como promover uma
aprendizagem dinâmica, participativa, reflexiva?
A atividade lúdica surge enquanto elemento motriz para atender a esses requisitos,
mas Richter e Fronckowiak (2011, p.39) alertam: “A dificuldade pedagógica está em aceitar
que brincar é aprender e que aprender é brincar”.
Brock (2011, p 6) apresenta a pedagogia baseada no brincar utilizada por
profissionais de educação e de assistência do Reino Unido. Segundo a autora tal pedagogia
“[...] compreende princípios, teorias, percepções e desafios que informam e moldam a oferta
de oportunidade de aprendizagem”. Para tanto, reitera que para esse tipo de pedagogia
devem ser considerados os métodos, as atividades, os recursos, o apoio adulto, entre outros e,
assim, fica claro para Brock que “[...] as pesquisas sobre o brincar oferece desafios
interessantes e novas abordagens metodológicas”.
Dessa forma convém ressaltar que o intuito educacional da atividade lúdica sublinha
a quebra de uma pedagogia tradicional quando estimula relações mais criativas, participativas,
promove o desenvolvimento integral, motiva, tornando o ato de aprender um processo que se
constrói sem perder de vista seu elemento principal, o educando.
Segundo Barbosa (2011) duas concepções de educação infantil perpassam as
propostas curriculares. Uma que defende as atividades lúdicas enquanto promotoras das
habilidades necessárias à aprendizagem e outra que centra o currículo nas capacidades
cognitivas das crianças. A autora lembra que por volta das décadas de 60 e 70, as propostas de
educação infantil que eram centradas na ludicidade, na socialização, passaram a focalizar o
desenvolvimento intelectual e a preparação para a escola.
Mas, tendo em vista a primeira proposta, objeto deste estudo, convém destacar a
posição de Almeida (1998, p.31). Para este autor a educação através do lúdico pode ser
considerada uma das significantes alternativas de prática educativa, em suas palavras, a
educação compromissada e dinâmica “[...] integra uma teoria profunda e uma prática
atuante”. E, em sendo atuante, estimula a construção de atitudes de ação reflexiva,
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indagadoras, criativas, assim como favorece as relações cognitivas, afetivas, psicomotoras e
sociais.
Parolim (2005) reitera que brincar é parte do desenvolvimento da criança já que
através da brincadeira o mundo torna-se compreensível para a mesma. O lúdico nesse sentido
é fundamental a uma infância sadia e a um desenvolvimento adequado favorecendo que a
criança desenvolva os inúmeros aspectos tanto da ordem do desenvolvimento quanto da
aprendizagem.
No entanto, Moyles (2002) defende a existência de uma ‘prontidão para brincar’.
Para a autora esta ‘prontidão’ constitui a grande força do brincar, pois acredita que brincando
à sua maneira, crianças e até mesmo adultos, podem extrair dessa experiência toda sorte de
aprendizagem para a qual esteja ‘pronto’ neste instante. Com essa concepção destaca dois
pontos imprescindíveis a serem considerados no processo de aprendizagem, a idéia de
prontidão e a importância da experiência, do saber que é familiar ao educando. A autora
descreve que a aprendizagem que contém estes dois elementos é muito mais motivadora e
satisfatória, já que a criança pode relacionar a nova aprendizagem a algo que lhes é conhecido.
Sugere assim, que a experiência é o grande marco do brincar e do que é aprendido por meio
dele.
Nesse sentido já encontramos no lúdico respaldo importante para o processo de
aprender. Moyles (2002) enfatiza o fato de que muitos educadores eminentes concebem
enquanto aprendizagem valiosa aquela que decorre do brincar. Sabendo-se assim, que a
utilização do jogo no âmbito educativo vem propor a parceria ideal entre o desenvolvimento
global da criança e a sua aprendizagem, resta agora avaliar de que forma a brincadeira pode,
ao passo que influencia o desenvolvimento, auxiliar a criança em seu processo de
aprendizagem.
A psicomotricidade, por exemplo, ajuda nas interrelações infantis quando se refere a
grupo, ou seja, tarefas e jogos que se pode e deve desenvolver em grupos. Aprendem-se as
regras, os padrões, os limites, educando-se quanto ao espaço do outro e o próprio espaço.
Nessa forma de brincar, existe o espírito da aprendizagem, uma vez que a criança elabora mais
facilmente seu saber, tendo conhecimento de coisas específicas, próprias do seu cotidiano.
Para Piaget (1978), os jogos não são apenas meio de divertimento, de liberação de energia,
mas mediadores do desenvolvimento intelectual.
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As atividades grupais, por meio dos jogos, incentivam as atividades de trabalho
cooperativo, bastante defendido por Piaget. O jogo, sendo um grande favorecedor de
desenvolvimento infantil, estimula a criança a interagir com o meio, com os outros, numa
atitude participativa, criativa, reflexiva. Piaget (1978) defende que o trabalho em grupo evita
que a criança adote uma postura passiva, solitária, submissa e reprodutora de conhecimentos.
É importante considerar que uma educação comprometida com a criança, deveria objetivar
um desenvolvimento emocional, social, intelectual, sadio, tornando a escola fonte do prazer
necessário a uma aprendizagem significativa. Neste contexto, aprender constitui uma fonte de
prazer e desafio estimulador, Moyles (2002, p.41) defende que a aprendizagem “[...] deveria
apoiar a noção do desenvolvimento pessoal da criança como um indivíduo confiante,
independente. Deveria ajudar a criança a saber quem e o que ela é, e do que ela é capaz.”
É importante ressaltar sempre que além dos aspectos cognitivos não se pode ignorar
os aspectos afetivos que fluem durante a realização dos jogos, pela aproximação dos
jogadores. Os professores precisam ter consciência de que as necessidades emocionais devem
ter prioridade, pois influenciam, e muito, a situação de aprendizagem (OAKLANDER, 1980).
Moyles (2002), por exemplo, destacando a necessidade de que a aprendizagem seja
contínua e desenvolvimentista em si mesma e que os aspectos intelectuais não sejam os
únicos evidenciados nesse processo, realça o papel do professor enquanto garantidor de que
essas necessidades sejam atendidas. Para tanto, esclarece que os aspectos emocionais, sociais,
físicos, estéticos, morais e éticos devem se juntar aos aspectos intelectuais para a formação de
uma concepção de ‘aprendizagem’ abrangente. Dessa forma, fatores como uma auto-estima
positiva e elevada, por exemplo, constitui requisito importante para o êxito escolar. O jogo
promovendo a comunicação que resulta na socialização, acaba por encorajar as crianças mais
tímidas, contribuindo para que estas atuem de forma produtiva na escola, funcionando como
elemento motriz para outras aprendizagens.
As atividades lúdicas devem ser elaboradas através de um plano educativo que
visualize o indivíduo como um todo numa prática construtiva e integrada, abandonando o
caráter de atividades isoladas e sem sentido. Pois, aprender caracteriza-se por busca,
participação, questionamentos, reflexão, socialização, atitudes que encontram nestas
atividades, o seu foco principal (ALMEIDA, 1998).
O ambiente escolar deverá estar disposto a atender às necessidades e peculiaridades
do educando. O jogo atende a estes requisitos quando adotado enquanto recurso
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metodológico ou encaminhado significativamente à aprendizagem. Cunha (2000, p.75),
referindo-se à concepção epistemológica adotada por Piaget, diz que:
[...] esta aproxima suas idéias de todas as correntes pedagógicas que
enfatizam a atividade do educando e a estruturação de um ambiente
escolar que corresponda às características pessoais do aluno – seus
interesses sua personalidade, seu conhecimento cotidiano.
Para Piaget, é na interação com o meio, com os objetos, que ocorre a construção do
conhecimento. A aprendizagem sugere sempre uma conquista ativa em que o próprio
educando é o sujeito central na aquisição de novos conhecimentos. Salvador (2000, p. 250)
lembra que conhecer, na teoria piagetiana, refere-se a agir por meio da realidade que
vivenciamos e que: “O sujeito conhece na medida em que modifica a realidade através das
suas ações”. Para tanto, os jogos enriquecem o desenvolvimento intelectual, por favorecer o
contato com a realidade, auxiliando as crianças em suas representações do real, facilitando a
transformação da sua realidade de acordo com as necessidades do seu eu.
A atividade lúdica abrange vários espaços de elaboração de conhecimentos,
construção de identidade, processo de socialização, desenvolvimento de autonomia,
desenvolvimento afetivo. Sugere também a transformação de uma realidade pedagógica que
requer uma mediação teórica que oriente a intervenção na prática por tratar-se de um
instrumento pedagógico. Enquanto tal pressupõe momentos diferentes na organização que
conceba a criança em sua totalidade e a construção do conhecimento enquanto processo
dinâmico que envolve a interação e mediação professor-educando-objeto e conhecimentorealidade.
Não se pode esquecer que a relação desenvolvimento-aprendizagem pode ser
atingida em nível satisfatório por meio das atividades lúdicas e que o primeiro
(desenvolvimento) é, para Piaget, a base para que a aprendizagem ocorra. Castro (1974, p. 95)
reforça afirmando que: “O desenvolvimento, como processo total, integra a aprendizagem e
não o contrário”. A autora esclarece que o desenvolvimento não é formado pela aquisição das
várias experiências de aprendizagem e nem pela evolução das disposições internas, mas
envolve um processo de interação, que regido pelas leis do equilíbrio acaba por focalizar o
processo de aprendizagem.
A contribuição Piagetiana contém explicações importantes sobre os mecanismos
gerais que permitem as crianças aquisições de novos conhecimentos, o que facilita e direciona
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um planejamento pedagógico em que as tarefas e a organização das atividades estejam de
acordo com as capacidades cognitivas dos educandos, sendo facilitadores da compreensão das
dificuldades dos mesmos. E neste sentido, as atividades lúdicas ancoradas na teoria
psicogenética, na ênfase aos aspectos globais do desenvolvimento, na aprendizagem
significativa, permitem estabelecer um programa de ensino/aprendizagem, com tarefas e
atividades capazes de entender as dificuldades dos educandos frente às suas necessidades
cognitivas, sociais, físicas e afetivas.
Outro ponto a ser considerado na aprendizagem que tem por base o lúdico trata-se
do brincar livre e do brincar dirigido. Para Moyles (2002), o brincar livre permite que a criança,
sozinha, explore e investigue os recursos e as situações propiciadas, e este fato poderá levá-la
a uma forma de brincar mais desafiadora, ou seja, a partir de uma brincadeira livre,
exploratória as crianças podem ser orientadas em um brincar dirigido. A autora considera que
talvez este fato constitua a essência do bom ensino, quando o brincar dirigido pela professora
canaliza a exploração e a aprendizagem ocorrida por meio da brincadeira livre oportunizando
as crianças uma etapa mais avançada no que se refere ao entendimento. Compara esse
processo a um espiral e exemplifica:
Como uma pedrinha atirada em um lago, as ondulações do brincar livre
exploratório para o brincar dirigido e de volta para o brincar livre
melhorado e enriquecido permitiram que uma espiral de aprendizagem se
espalhasse para fora, em novas experiências para as crianças, e para cima,
na aquisição de conhecimentos e habilidade (Moyles, 2002, p. 28).
Através desse exemplo, Moyles reitera que o potencial do brincar é claramente
percebido e nestes termos é libertado das amarras impostas pela concepção didática a
respeito da estrutura. No entanto, confere a estas duas formas de brincar características
peculiares em termos de resultados. Brincando livremente as crianças aprendem coisas sobre
pessoas, texturas, atitudes, atributos visuais, auditivos, entre outros, aumentando e
enriquecendo a aprendizagem das crianças. Já o brincar dirigido lhes possibilita uma
aprendizagem mais elaborada dentro das áreas em que as crianças estão desenvolvendo
alguma atividade, conferindo a estas uma variedade de possibilidades e também, maior
domínio sobre esta área. Percebe-se assim, que poderemos considerar o brincar livre,
exploratório enquanto requisito inicial, base para a brincadeira na escola e sobretudo, para a
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aprendizagem escolar. É necessário, no entanto, entender melhor a concepção de dois grandes
precursores nos estudos da importância deste tipo de brincar para as crianças.
Nascimento et. al (2004) baseando-se nos estudos de Froebel, revela que este é
considerado um reformador educacional, cuja teoria enfatiza a atividade e a liberdade, tendo
sido o primeiro educador a utilizar o brinquedo como atividade na escola. Observou o jardim
da infância. Considerava a criança como plantinha de um jardim a ser cultivada pelo jardineiro,
o professor. Para Froebel, as expressões infantis ocorriam por meio da percepção sensorial, do
brinquedo e da linguagem, esta última vinculada à vida e à natureza. A pedagogia dos jogos
froebelianos envolve a idéia de jogos livres, que permitam às crianças livre exploração, por
exemplo, nas brincadeiras cantadas e jogos orientados, incluindo matérias como bola, cilindro
e cubo que demonstrem exigências dos conteúdos escolares tidos como de necessária
aquisição (KISHIMOTO, 2003).
A psicologia funcionalista, defendida por Dewey (1979) refere-se ao jogo como
expressão das necessidades e interesses das crianças. Assim, incentivou a utilização dos jogos
livres como requisito para que as peculiaridades infantis (suas necessidades e interesses)
fossem satisfeitas, dessa forma firmando ser a infância a época de crescimento e
desenvolvimento. Este autor também considera que ao se colocar a criança em contato com
seus instintos naturais, através de atos materiais, está se conferindo à escola um lugar
prazeroso em que se torna fácil manter a disciplina e o aprendizado ocorre de maneira
facilitada. Defende igualmente que a observação destaca o valor destes impulsos para a
exploração e manipulação de instrumentos, reforçando destaca:
Quando exercícios sugeridos por estes instintos entram num regular
programa de estudos, o aluno dá-se a eles totalmente, reduz-se a
separação artificial entre a vida na escola e fora da escola, surgem motivos
para dar-se atenção a maior variedade de processos claramente
educativos, e formam-se associações de cooperação que dão emprego
social aos conhecimentos utilizados (Dewey, 1979, p. 214).
A liberdade dos jogos aparece mais uma vez enquanto característica de uma ação da
criança, no que se refere à curiosidade própria dessa fase, que precisa ser respeitada e
transportada para a esfera educativa. Neste momento, o jogo assume uma esfera orientada,
pois requer a observação e o planejamento de quem educa, cabendo à escola a criação de um
ambiente para a utilização da atividade lúdica, principalmente, sob a intenção de facilitar o
desenvolvimento infantil. Para Dewey (1979, p. 216), “não basta que nela se introduzam
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brinquedos e jogos, trabalhos manuais e exercícios manuais. Tudo depende do modo por que
forem empregados estes recursos”.
A Escola Nova, da qual Dewey foi um expoente, concedeu ênfase aos jogos
educativos, sobretudo no atendimento das necessidades e dos interesses infantis. Suas
contribuições incentivaram reflexões sobre a natureza livre dos jogos, a importância dos jogos
para as crianças, o prazer advindo da atividade lúdica, entre outros. No entanto, algumas
confusões foram geradas em torno do uso do jogo educativo, pois, para muitos professores o
uso de materiais concretos em sala de aula já se configurava como jogo, vendo neste o único
fim de auxiliar o processo educativo. Assim, o movimento escolanovista adentrou o campo da
educação física com o propósito de estimular o jogo enquanto recreação orientada, para
atender a determinados objetivos que não os de aquisição de conteúdos, propicia além de
higiene mental para a criança o seu desenvolvimento físico, social e cognitivo. É válido
ressaltar que a concepção de recreação está associada ao oferecimento de atividades livres
orientadas (KISHIMOTO, 2003).
Brincar, jogar é intrínseco à criança e por esse motivo os estudos da educação lúdica
apontam para sua utilização no contexto escolar. Essa utilização muitas vezes vem permeada
de questionamentos que apresentam dúvidas quanto a um aspecto da atividade lúdica a ser
utilizada: atividade livre ou orientada, dirigida.
Partindo do pressuposto roussoeano de que a liberdade essencial à educação infantil
tem um aspecto orientado quando o educador, por meio da observação, determina que
experiências sejam vividas pela criança, o jogo livre no contexto escolar não deixa de ter seu
aspecto orientado visto que, ali também, o professor deve conduzir o educando ao seu
desenvolvimento e à sua aprendizagem. Neste sentido a natureza, como em Emílio38, mostra
seu curso e o educador orienta os passos do educando. A educação natural deixa explícito o
papel do jogo na vida de uma criança e esta, naturalmente, deverá escolher, de acordo com
suas necessidades, que brincadeiras e jogos lhe são pertinentes em dado momento. Ao
professor cabe propiciar esse momento e conduzir-lhe ao caminho da satisfação de suas
necessidades em prol de seu desenvolvimento.
Moyles (2002, p. 25) reporta-se à questão de se orientar a brincadeira em sala de
aula, ou em qualquer situação em que ocorram várias formas de brincar infantil,
demonstrando que a presença da estrutura será determinada pelos recursos disponíveis para a
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criança. Nas palavras da autora, “[...] o brincar é sempre estruturado pelos materiais
disponíveis para os participantes”. Assume então que, a partir dessa concepção, pode-se
considerar que a qualidade do brincar será derivada do que se oferece à criança em termos de
qualidade, quantidade e variedade de recursos lúdicos e reforça que a questão não se detém
na estrutura unicamente, mas no fato de definir se a criança brincará de forma livre ou
dirigida.
Dessa forma, mesmo o jogo livre tem seu caráter dirigido, na medida em que ao
brincar livremente de uma criança são acrescentados objetivos educacionais, de
desenvolvimento ou aprendizagem. Ou apenas, se conceba que essa liberdade dos jogos lhe
trará benefícios nestes aspectos, e assim, permita que a criança participe de recreações livres.
Assim, em educação mesmo quando se propicia a atividade lúdica livre e quando se faz esta
diferença da atividade lúdica dirigida se está, na verdade, comungando de uma liberdade
dirigida que se considera essencial para uma educação que vislumbre os efeitos das atividades
lúdicas no desenvolvimento e na aprendizagem infantil. Para Moyles (2002, p. 33): “a maior
aprendizagem está na oportunidade oferecida à criança de aplicar algo da atividade lúdica
dirigida a alguma outra situação”.
Assim, diante do exposto resta reforçar que a escola através do lúdico aproxima a
educação de uma proposta mais coerente às necessidades de desenvolvimento e
aprendizagem das crianças. Une as relações humanas em seu contexto bio-psico-social a uma
atuação reflexiva, crítica, participante, caracterizando o ato de educar como algo prazeroso e
compromissado. E por considerar os aspectos bio-psico-social, as relações humanas enfatizam
o desenvolvimento humano em sua totalidade. Para Smith (2006), as atividades que envolvem
o brincar podem favorecer no contexto educativo à obtenção dos objetivos educacionais, para
os primeiros anos, sobretudo nos aspectos tidos como primordiais, a saber: social, intelectual,
criativo e físico.
Por fim, a atividade lúdica constitui um recurso metodológico que permite atender
de forma harmoniosa a proposta de se trabalhar o desenvolvimento integral de crianças em
ambiente escolar. “O comportamento de brincar é uma maneira útil de a criança adquirir
habilidades desenvolvimentais–sociais, intelectuais, criativas e físicas” (SMITH 2006, p. 26).
38
Ver Emílio de Rousseau (1995).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
EDUCAÇÃO E EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE DIZEM OS
PROFESSORES?
Conceição G. Nóbrega L. de Salles - UFPE
Adma Soares Bezerra - PIBIC/UFPE
Resumo
O objetivo deste trabalho consiste em compreender que significados e sentidos estão
configurando as práticas discursivas veiculada entre os professores sobre a infância e a
educação da infância, problematizando como a infância e a educação a ela oferecida aparece
nesses discursos. Para a realização deste estudo, apoiamo-nos em uma metodologia de
enfoque hermenêutico. Em termos de verificação empírica, delimitamos como nosso campo
investigativo Centros de Educação Infantil da Rede Pública Municipal de Caruaru.
Reconhecendo o caráter inconcluso dessa pesquisa, podemos inferir que os discursos dos
professores entrevistados são habitantes das duas temporalidades e das duas infâncias. De um
lado, a afirmação do mesmo, da unificação, da linearidade; do outro, a afirmação, da
diferença, da novidade, do singular. Embora enunciem sentidos para a infância diferentes não
são excludentes. Contudo, a escola ainda carece de estar sensível a uma relação mais
afirmativa da infância, considerando que essa instituição parece ainda fechar-se em uma visão
adulta do que seriam as necessidades das crianças.
Palavras-chave: Infância; Educação Infantil; Professores.
Introdução
Reconhecer as crianças na sua especificidade, olhá-las e indagá-las para além dos
discursos produzidos sobre elas, parece ser um dos desafios hoje, quando pensamos ou
praticamos a tarefa educativa na Educação das crianças. Nesse contexto, uma questão que nos
chama atenção é a noção de infância presente na grande maioria desses discursos, que a
insere em um tempo cronológico, associando-a ao futuro, a uma menoridade duvidosa.
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Historicamente, têm-se inventado as mais diversas imagens e concepções da
infância, sendo seu conceito e a concepção do pensamento da criança, em diferentes
momentos da história da humanidade, reelaborado e modificado. Tal como mostra Gouvêa &
Sarmento (2008), apesar dos estudos existentes e da vasta produção acerca das crianças –
principalmente a partir do século XX –, nos domínios das ciências da saúde infantil, da
psicologia ou no âmbito do que alguns vão chamar “puericultura”, a infância, no que se refere
a sua percepção, tendeu sempre a ser estudada na perspectiva da falta. Tal concepção não só
esteve presente e marcada em sua etimologia como iluminou (e ainda ilumina) os mais caros
ideários pedagógicos, discursos filosóficos e saberes científicos da Modernidade.
Como campo de pesquisa em educação, a trajetória da pesquisa na Educação Infantil
vem problematizando com maior intensidade as questões peculiares ao ato de educar, ensinar
e aprender nesse nível. Desconfiamos que, apesar das mudanças e do todo processo de
resignificação ocorridas nesse campo, inclusive em relação à própria concepção de criança e da
sua formação, a escola infantil vem ainda assumindo uma vinculação com a ideia de um vir a
ser adulto implicada com uma noção de infância “capturável”, “numerável”, tecnicamente
explicada pelo conjunto de saberes (KOHAN, 2005). Tais impasses e desafios constituem o fio
condutor da problematização apresentada nesse texto, a qual ultrapassa a especificidade do
ensinar e aprender na educação infantil, abrangendo assim, de forma mais ampla, a questão
acerca da infância afirmada no contexto escolar.
Diante do exposto, nossa pesquisa tem como problemática e questão norteadora:
discutir quais discursos estão configurando as práticas discursivas veiculada entre os
professores sobre a infância e a educação da infância.
O objetivo geral desta pesquisa é compreender os enunciados e os sentidos que
configuram a formação discursiva veiculada entre os professores, tanto no que diz respeito à
vida infantil quanto ao modo como os adultos se relacionam com esse universo e com a
alteridade da infância.
Entre os objetivos específicos, podemos destacar os seguintes:
•
Analisar os discursos e os sentidos veiculados entre professores sobre à
infância e a educação da infância;
•
Identificar os enunciados que configuram a formação discursiva da infância e
da sua educação entre os professores da Educação Infantil;
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•
Compreender como os professores relacionam-se com a alteridade da
infância;
Para a realização deste estudo, apoiamo-nos em uma metodologia de enfoque
hermenêutico. Em termos de verificação empírica, delimitamos como nosso campo
investigativo os Centros Educacionais de Educação Infantil da Rede Pública Municipal de
Caruaru/Pe. Os sujeitos da nossa pesquisa foram os professores que atuam nestas instituições.
No geral foram contemplados 07 (sete) Centros Educacionais e entrevistados um total de 12
(doze) professores. Como procedimento inicial para a coleta de dados, utilizamos entrevistas
semi-estruturadas, com perguntas definidas, porém abertas, visando mapear um perfil mais
abrangente das maneiras e das configurações discursivas da infância e da sua educação.
Resultados e Discussão
Os resultados que em seguida se apresentam dizem respeito à análise das entrevistas
realizadas. Por meio de um processo de interpretação os discursos presentes nas entrevistas
foram se constituindo em um complexo heurístico organizado em torno da seguinte categoria:
Infância e seus sentidos e significados. Tal categoria devido à diversidade dimensional
apresentada possibilitou a formação de subcategorias, a saber: A infância enquanto etapa; A
infância como um vir a ser adulto; Infância: entre a “paparicação” e a “moralização”; A
infância como intensidade.
A infância enquanto etapa
Tal como demonstrado no fragmento abaixo, o registro sobre a infância se reduz a
uma etapa cronológica, a um momento, quase não há a ampliação desse sentido. Ela é
imagem do começo, seguramente localizada dentro de uma temporalidade. Associada a
ingenuidade, graça e gentileza, a concepção de infância se apresenta na fala da professora
como ligada às limitações temporais existentes.
A criança é a fase para ser adulto. Representa o inicio da vida. O mundo sem
elas não existiria. Fazem parte da linha do tempo, desde o seu nascimento
ate a concretização da fase adulta. É a parte da nossa vida que a gente
gostaria de voltar, porque quando se é criança nada é sério, tudo é mero fazde-conta e é por isso que temos que impor limites (Professor 12).
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Na mesma perspectiva, a professora, em seu discurso abaixo, embora reconheça a
infância como de fundamental importância na vida de ser humano, sugere que é próprio da
criança ser uma etapa, uma fase numerável ou quantificável da vida humana.
A infância é, sim, de fundamental importância para toda a vida do sujeito.
Costumo dizer que é o prefácio da vida (Professor 07).
Dessa forma, o lugar outorgado à infância aparece diretamente determinado pelos
paradigmas que sustenta o que aqui caberia ser denominado de fase. Em oposição a essa
dimensão paradigmática, Kohan (2005) irá afirmar que a infância está muito além disso, pois,
ela é sinônimo de afirmação de identidade, de autonomia, enquanto agente social.
A infância como um vir a ser adulto
Afirmação inaugurada desde os gregos, sobretudo com Platão – um dos pensadores
que mais nitidamente inauguraram essa tradição, particularmente em A República –,
reaparece de forma muito clara entre os professores entrevistados: a infância, entendida em
primeira instância como matéria-prima do objetivo almejado: a adultez.
Eu vejo que a infância é um meio para a vida adulta, mas que não deixe de
vivenciar também a infância quando adulto, só que de uma forma mais
amadurecida. Eu acho, eu vejo muito a questão da idade, eu vejo que a
idade é fundamental pra fase, pra gente passar por ela, né? (Professor 12).
Observa-se através do exposto que comumente nas instituições para a primeira
infância são desconsideradas as contribuições que a infância detém. Dessa forma, ela passa a
ser vista como um pré-molde para o adulto que irá se constituir, com a função de, como
explicita Moss, “moldar e conduzir para constituir um produto final que deverá se encaixar em
um ideal social” (2008, p. 240).
Infância: entre a “paparicação” e a “moralização”
Vinculados ao sentimento moderno de infância, o qual de acordo com Kramer (1995)
corresponde a duas atitudes contraditórias, os professores indicaram em seus discursos um
conjunto de enunciados marcados por um duplo modo de compreender a infância, pela
contradição entre moralizá-la e paparicá-la. No primeiro modo, a criança é vista como um ser
incompleto, que necessita da “moralização: Criança quer dizer: Totalmente dependente. Que
precisa muito do outro, pra que ele cresça, que ele aprenda, que ele se desenvolva (Professor
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
02). No segundo modo, tem-se uma imagem de criança pura, ingênua e prematura: A infância
é a fase da inocência (Professor 10).
Assim, trata-se de uma infância que se torna desejável e necessária na medida em
que as crianças não têm um ser definido, mas que são, sobretudo, orientadas por uma
ontologia e uma política da infância que busca instaurar e normatizar o tipo ideal, ao qual uma
criança deva se conformar ou o tipo de sociedade ideal que uma criança tem que construir.
A infância como intensidade
Encontramos também nos discursos dos professores outra infância, que habita
outros tempos e lugares para ela. Trata-se de ver a infância em si mesma, no presente e não
no seu futuro como adulta, a partir da sua própria voz e não apenas através daquilo que os
adultos dizem delas, tal como colocado pela professora na fala abaixo:
A infância, eu vejo uma forma de você vivenciar momentos que na vida
adulta você não vivencia. Então, é o brincar, é o imaginar e o criar, porque
quando você esta na sua infância, você tem oportunidade de fazer coisas
que na vida adulta você não tem mais, né? (Professor 12).
Dentre outras coisas, a citação acima nos remete á idéia de que a infância é o
acontecimento que impede a repetição do mesmo mundo. Ela refere-se a presente
necessidade de uma aceitação, de uma inversão das nossas posições e papéis tradicionais,
elucidada pela forte aposta na potência criadora da infância em oposição ao modelo e à forma
do adulto dominante.
Conclusões
A título de conclusão e tomando como referência a nossa problemática de pesquisa,
assentada em uma perspectiva hermenêutica, podemos afirmar, diante dos dados obtidos
uma forte associação da infância e da sua educação com a condição da falta e da ausência.
Percebemos também que os professores estão muito ligados a uma temporalidade cronológica
da infância, a qual concebe a educação da infância sempre conforme um modelo, o da
continuidade cronológica, da história e das maiorias. Temporalidade que, segundo Kohan
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(2005), ocupa uma série de espaços: as políticas públicas, os estatutos, os parâmetros da
educação infantil, as escolas, os conselhos tutelares.
Muito próxima da compreensão engendrada por discursos pedagógicos tradicionais,
os quais pensam a infância de uma perspectiva forçada do adulto, encontramos, nas falas
analisadas, marcas bem precisas no que se refere ao papel da educação da infância. Uma delas
seria a da educação infantil mais atrelada a uma imagem que faz frutificar uma visão da
infância restrita a um acontecimento biológico — etário, inscrito na lógica do estabelecido, de
uma visão desenvolvimentista da vida, ao número de anos que se tem — do que, desde outra
perspectiva, com uma infância que afirma a novidade, a criação e a própria diferença. Ou seja,
a infância como figura da alteridade, que interrompe um estado de coisas para propiciar o
novo, um outro olhar.
Portanto, praticar o ato docente na Educação Infantil atualmente implica questionar
se esta reconhece na criança, as suas particularidades e especificidades, superando e
desmistificando os discursos lançados sobre ela ao longo do tempo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARROYO, Miguel G. A infância interroga a pedagogia. In: SARMENTO, Manuel. GOUVEIA, Maria
Cristina (Orgs). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ:Vozes, 2008,Coleção Ciências Sociais da Educação.
COSTA, Marisa Vorraber (Org.). Caminhos Investigativos: Novos olhares na pesquisa em
educação. Porto Alegre: Mediação, 1996.
KRAMER, S. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 5. ed. São Paulo: Cortez,
1995
KOHAN, Walter Omar. Infância. Entre Educação e Filosofia. Belo Horizonte: Autêntica: 2005.
MACHADO, Maria Lucia de A. Encontros e Desencontros em Educação Infantil. IN: MOSS, Peter.
Reconceitualizando a Infância: Crianças, Instituições e Profissionais. pág. 235-248. 3ª Ed. São
Paulo: Cortez, 2008.
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A EMERGÊNCIA DO CURRÍCULO, NA VOZ DOS SUJEITOS
DAAPRENDIZAGEM, NUMA DIMENSÃO CRÍTICOLIBERTADORA: ESTUDO DE CASO SOBRE A RÁDIO
JACARÉ FM
Edilene de Oliveira Francisco Souza
Resumo
O presente artigo objetiva refletir sobre a emergência do currículo numa dimensão críticolibertadora a partir da voz dos sujeitos professor e aluno, tendo como argumento central a
ação realizada por uma professora de educação infantil e sua turma de alunos e alunas, a qual
toma como ponto de partida e chegada a voz dos sujeitos professor e aluno, mediatizada por
tecnologias digitais, de forma a favorecer sua participação na construção do currículo e a
aprendizagem. Para tanto, será apresentado o estudo de caso da Rádio Jacaré FM, um projeto
apensado ao Programa Nas Ondas do Rádio da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo.
O argumento é fundamentado na epistemologia de Paulo Freire sobre o papel das tecnologias
digitais como instrumento para que os sujeitos professor e aluno possam expressar sua voz no
mundo e com o mundo e empoderar-se. A pesquisa lançou mão da abordagem qualitativa com
aportes no estudo de caso e concluiu que a voz mediatizada por tecnologias de informação e
comunicação, oportuniza ao professor e aluno a expressão de sua voz no currículo numa
dimensão crítico-libertadora conferindo poder e oportunizando a aprendizagem.
Palavras-chave: currículo crítico-libertador; empoderamento; currículo e tecnologias.
Abstract
This article reflects on the emergence of the curriculum in a critical-dimension from the
liberating voice of the subject teacher and student, with the central argument of the action
taken by a kindergarten teacher and her class of boys and girls, which takes as starting and
arrival, the voice of the subject teacher and student, mediated by the use of technologies in a
way of favoring the participation in the construction of the curriculum and learning. For this
purpose we introduce the case study of the Alligator FM Radio, a project appended to the
program on the airwaves of the Municipal Secretariat of Education of São Paulo. The argument
is based on Paulo Freire's epistemology on the role of digital technologies of information and
communication as a tool for the subject teacher and student can express their voices in the
world and the world and empower themselves. The research made use of the qualitative
approach with contributions in the case study and concluded that the voice mediated by
information and communication technologies, nurture the teacher and students to express
their voice in the curriculum in a dimension critical-liberating and empowering opportunity to
the learning.
Keywords: curriculum critical-liberating, empowerment, curriculum and technology.
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Para início de conversa
Na acepção freireana o currículo é a teoria, a política e prática do que-fazer na sala
de aula, na escola e fora dela numa dimensão crítico-libertadora (SAUL, 2008).
Nesse entender o currículo pode ser interpretado enquanto ação cultural, política e
social crítico-libertadora que abarca a força da ideologia e sua representação não somente
como ideias, mas como prática concreta, ou seja, é a vida mesma da escola, o que nela se faz
ou não se faz, as relações entre todos e todas que a constituem, desde o porteiro até o diretor
e a comunidade ao derredor (FREIRE, 2006).
Segundo Apple (1989; 2006) o currículo é uma forma hegemônica de representação
das estruturas econômicas e sociais mais amplas, as quais têm se constituído um sistema para
a manutenção das relações de dominação e exploração das sociedades colonizadas, portanto
ele não é neutro e desinteressado, mas o conhecimento por ele corporificado é um
conhecimento particular.
Na análise de Giroux (1986) existem mediações e ações no espaço da escola e do
currículo que podem trabalhar contra os desígnios do poder e do controle, devendo haver um
lugar para a oposição, a resistência, a rebelião e a subversão, o que permite canalizar o
potencial de resistência demonstrado por professores e alunos para desenvolver uma
pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo claramente político e que seja crítico das
crenças e dos arranjos sociais dominantes.
As idéias de Apple e Giroux sobre o currículo abarcam as dimensões de emancipação,
libertação e empoderamento39 (empowerment), e neste estudo estão presentes, sobretudo na
voz freireana.
Na obra freireana a emancipação aparece como uma grande conquista política a ser
efetivada na práxis humana, na luta ininterrupta a favor da libertação das pessoas de suas
vidas desumanizadas pela opressão e dominação social imposta pelo capitalismo e pela força
da ideologia dominante (MOREIRA, 2008).
A libertação é práxis transformadora, ou seja, ação e reflexão solidárias, e ocorre no
processo de conscientização dos homens de seu papel no mundo e com o mundo (FREIRE,
1970).
39
Termo utilizado por Paulo Freire e envolve a compreensão da potencialidade criativa dos grupos, enquanto classe social, para a
sua verdadeira transformação, com certas doses de radicalidade, enquanto processo político de busca pela libertação da
dominação, que é antagônica à noção estadunidense de empowerment cooptada pelo individualismo e pelas noções individuais de
progresso, com ênfase no aumento de poder individual, à autoajuda, ao autoaperfeiçoamento, à autoconfiança (FREIRE & SHOR,
2008).
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Na teoria freiana, segundo Guareschi (2008), o empoderamento é um ato social e
político, pois o ser humano é intrinsecamente social e político, portanto o empoderamento
está intima e necessariamente ligado à conscientização, constituindo-se um eixo que une
consciência e liberdade. Para o autor, a tomada de consciência confere determinado poder às
pessoas e grupos, gerado a partir dos próprios sujeitos, e tal poder não é outorgado, mas é
resultado de uma práxis de reflexão e de inserção crítica dos sujeitos, provocados por
problemas ou pelas perguntas problematizadoras que os colocam em ação, daí a dimensão,
entendida neste artigo, de um currículo que empodera.
Gadotti (2008) argumenta que é preciso re-inventar o poder, criando relações
radicalmente democráticas. Segundo o autor, trata-se de empoderar, de fortalecer as pessoas
e suas organizações sociais e movimentos, unindo suas lutas específicas com as lutas globais
da transformação.
À luz da pedagogia freireana, o poder não é dado, como algo que o sujeito recebe de
outro enquanto merecimento ou caridade, numa perspectiva individualista. Pelo contrário, o
empoderamento significa ativar a potencialidade criativa de alguém, como também de
desenvolver e potencializar a dos sujeitos enquanto grupos.
Isso implica num exercício democrático de voz (dialógo) enquanto expressão dos
sujeitos no processo de construção e reconstrução do currículo. A dialogicidade é fundante no
currículo e se concretiza na comunicação democrática que invalida a dominação na busca de
conhecer o objeto estudado, de dissecá-lo, desvelá-lo, criticizá-lo, o que de acordo com Freire
(2009) somente se efetiva por meio da educação crítico-libertadora.
Na pedagogia freireana o diálogo (a comunicação) entre os sujeitos não é extensão
de conteúdos e comunicados, mas sim a comunicação democrática crítico-libertadora entre
sujeitos que buscam conhecer mais, descobrir, indagar e indagar-se, investigar, exercitar a
curiosidade, que, a priori, ingênua, vai se tornando cada vez mais curiosidade epistemológica
(FREIRE, 2010).
A seguir, apresentam-se mais argumentos teóricos em direção a compreensão de um
currículo crítico e libertador.
A dimensão crítico-libertadora do currículo
O presente artigo reflete sobre uma ação curricular que permeada pelo compromisso
ético-político-pedagógico compreende a escola como espaço de luta ideológica e de
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possibilidades em que a atividade docente pode contribuir para a construção de um currículo
numa dimensão crítica, que passa necessariamente, por uma compreensão mais abrangente
do saber fazer.
Portanto, entende que uma ação pedagógica passa por um processo de construção
curricular que, como afirma Gouveia (2004) se pauta em referenciais éticos, políticos,
epistemológicos e pedagógicos, fundada na teoria crítica e libertadora que orienta o fazer
dialógico na construção de um currículo crítico.
Freire (1980) argumenta em sua obra que o ato de conhecer envolve um movimento
dialético que vai da ação á reflexão sobre ela e dessa para uma nova ação, ou seja, se constitui
num movimento dialético de constante ir e vir. É a mesma dialética que se estende entre o
fazer e o saber, entre a linguagem e a ação, a palavra e o trabalho, o que significa não poder
haver a pronúncia do mundo sem a consciente ação transformadora sobre ele.
Essa posição instiga pensar que quando não há na ação docente uma reflexão crítica
a respeito de sua função social, há enormes chances dessa prática converter-se em estratégias
de adaptação. Desse modo a educação se distanciaria da premissa da emancipação e
contribuiria com a alienação do sujeito.
Nesse sentido, para que o currículo se configure numa dimensão crítico-libertadora
ele terá de assumir um processo de construção, sistematização e implementação da ação
pedagógica como um processo participativo, crítico e formador, que apresenta
intencionalidade política explícita de resistência as situações de dominação, procura contribuir
com os movimentos imbuídos em alterar a realidade sociocultural e econômica injusta,
optando política e pedagogicamente pelos excluídos/oprimidos e buscando na práxis curricular
a efetivação de um exercício democrático de educação pautado na voz dos sujeitos da
aprendizagem.
Habermas (2002) aponta que o conhecimento se produz à luz de uma racionalidade
comunicativa, de uma prática dialógica que possibilite a partilha, a entrega ao outro,
respeitando as diferenças, partilhando o mundo vivido na compreensão da realidade histórica
dos contextos social, político e cultural.
Essa forma de gerir o currículo esta associada à mudança da escola e dos seus
sujeitos e caracteriza-se por um conjunto de intervenções, processos e decisões que buscam
modificar ideias, modelos e ação pedagógica, introduzindo novos projetos e programas, novos
conteúdos e estratégias de ensino e de aprendizagem. Gouveia (2004) sustenta que o currículo
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nessa perspectiva passa a ser compreendido como um processo de apreensão crítica da
realidade.
Rios (2008) enfatiza que uma visão crítica da realidade não leva automaticamente, a
uma intervenção crítica, mas configura-se um primeiro passo, o que torna a escola um espaço
contra-hegemônico e privilegiado para compartilhar saberes.
Nessa direção, o currículo numa dimensão crítica e libertadora encontra como fruto
de seu trabalho uma causa mais nobre que passa inevitavelmente pelo processo de
humanização do sujeito. Portanto, para a construção de uma escola sólida, comprometida com
o saber fazer e com o dialogo constante entre a teoria e a ação torna-se oportuna a superação
da concepção de currículo fechado, com conteúdos inertes, que coloca a escola professores e
alunos cada vez mais numa condição de submissão, para uma concepção de currículo aberto e
dinâmico, cada vez mais criticizado.
Isso implica reconhecer a autoria (a voz) dos sujeitos (professor e aluno) no sentido
de, ao buscar as transformações sociais do mundo contemporâneo e práticas democráticas,
desenhar e redesenhar um currículo que se constitua em espaços de luta coletiva e de
aprendizagem crítica e libertadora. Nessa direção, as Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (TDIC) podem trazer algumas contribuições.
Voz, Currículo e Tecnologias
Alguns estudos com escopo na integração entre TDIC e currículo (ALMEIDA, 2001,
2005 e 2010; ALMEIDA & VALENTE, 2007 e 2011; COSTA, 2004, 2007a, 2007b) apontam que
não é suficiente ter salas de aula ricas em tecnologias para que ocorra a integração, mas como
argumenta Damásio (2007), é oportuno mudar a dinâmica da sala de aula e da escola para
promover essa integração. Trata-se de mudanças que provocam novos contornos na estrutura
do currículo que, por sua vez, depende também de mudanças na pedagogia.
Conforme explica Almeida & Valente (2011) há quem considere as TDIC enquanto
recursos neutros e seus usos como a mera transposição do conteúdo que faz parte do
currículo oficial, desconsiderando que tais tecnologias têm potencial para interferir nos modos
de se expressar, se relacionar, ser e estar no mundo e com o mundo, produzir cultura,
transformar a vida e desenvolver o currículo da escola.
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Nas palavras de Silva (2004), a integração das tecnologias ao currículo é entendida
enquanto conjunto de novas oportunidades para repensar o próprio currículo e ao mesmo
tempo redesenhá-lo.
Paulo Freire analisa o uso das tecnologias na educação como forma de
democratização do trabalho do professor e da professora, enquanto atores e autores culturais.
(...) a mudança social, para ter força instrumental, precisa que o processo
educacional tenha relação de organicidade com a contextura social. Mais
ainda: que esta relação implique um conhecimento crítico da realidade, para
que a ela se integre e não apenas se superponha. Já que a sociedade está
em trânsito, de uma economia de caráter complementar para uma
economia de mercado, e que passa de formas rigidamente antidemocráticas
para formas plasticamente democráticas, a revisão do processo educacional
não pode ser parcial, porque é todo ele que está inadequado e é todo ele
que a cultura em elaboração precisa (FREIRE, 2002, p.114).
Na ótica freireana as tecnologias presentes nos processos educacionais deveriam
estar a serviço da humanização, da transformação das gentes e do mundo, e da criatividade
humana. Isso significa entender que a educação é um ato de conhecimento e de criação, no
qual a participação dos sujeitos que a fazem e a refazem na intimidade da sala de aula é a
essência da ação cultural, política e social, que funda o currículo numa dimensão democrática,
crítica e libertadora.
Neste artigo a rádio na internet pode contribuir no sentido de ampliar o diálogo por
meio da participação democrática dos sujeitos no processo de construção e reconstrução do
currículo para além da sala de aula e da escola, enquanto expressão de sua voz no mundo e
sobre o mundo, abarcando inclusive o mundo digital, enquanto dimensões não dicotomizáveis
entre a teoria freireana e a rádio na web (MAGNO DA SILVA, 2011).
Ao tratar da rádio na internet e a participação dos sujeitos no processo de construção
e reconstrução do currículo, este artigo aborda a integração de tecnologias, o que, para tanto
dependerá da compreensão que a escola e o professor têm do currículo, das TDIC, e do papel
de ambos no contexto da sala de aula e da escola. Isso tudo demanda das TDIC um lugar
privilegiado no Projeto Político Pedagógico40 (PPP) da escola, envolvendo gestores,
professores, alunos, alunas e comunidade ao seu derredor.
Para ilustrar essa reflexão, foi analisado o caso da Rádio41 Jacaré FM.
40
Este artigo considera que todo projeto pedagógico é também político, pois pedagogia e política são dimensões indissociáveis da
ação, portanto o estudo utiliza o termo Projeto Político Pedagógico.
41
A menção a palavra Rádio, grafada com letra inicial maiúscula, é para se referir à Rádio Jacaré FM. Quando utilizada a grafia
rádio, em letra inicial minúscula, se refere à mídia.
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A seguir, será apresentado o método e o contexto da pesquisa.
Método e contexto do estudo
A pesquisa retratada neste artigo teve abordagem qualitativa, com aportes no estudo
de caso.
O estudo de caso realizou-se numa escola pública municipal de São Paulo localizada
no bairro de Pirituba e pertence à Diretoria Regional de Educação (DRE) do mesmo distrito da
capital paulista. O bairro de Pirituba apresenta contrastes de níveis de classe, com regiões mais
valorizadas e menos valorizadas.
A escola conta com aproximadamente 500 (quinhentos) alunos matriculados e
atende os dois últimos estágios da educação infantil – Infantil I e Infantil II –, com crianças
entre 04 (quatro) e 05(cinco) anos e 11 (onze) meses, em três períodos de trabalho diário
(matutino, intermediário e vespertino), oferecendo aos estudantes uma jornada de 04 (quatro)
horas diárias. Apresenta uma boa estrutura física, possui sala equipada com computadores e
recursos multimídia, biblioteca, área externa destinada a atividades recreativas (parquinho) e
refeitório para os alunos.
O objeto da pesquisa foi a Rádio Jacaré FM. Trata-se de um projeto desenvolvido por
uma professora e sua turma de alunos dos estágios Infantil I e Infantil II.
A
Rádio
é
apresentada
em
um
Blog
(http://radiojacarefm.spaces.live.com/default.aspx) e conta com diversas sessões, como:
reportagens, entrevistas, músicas, horóscopo, fofocas etc. Conta também com um link para o
blog do professor orientador de informática educativa (POIE), que integra a equipe, e para o
blog da professora intitulado Diário de Classe. A Rádio possui também endereço na rede social
Twitter (www.twitter.com/radiojacarefm).
O projeto Rádio Jacaré FM se desenvolve como uma das ações do Programa Nas
Ondas do Rádio da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo (Cf. São Paulo/PMSP, 2004;
São Paulo/SME, 2009), o qual se constitui uma proposta pedagógica que utiliza as linguagens
midiáticas nos processos de ensinar e aprender.
O Programa Nas Ondas do Rádio lança mão dos conceitos de educomunicação, ou
seja, educar por meio da comunicação ou comunicar para educar como conceito base do
trabalho, e atende hoje alunos de diversos segmentos, desenvolvendo nas escolas, projetos de
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rádio que utilizam tecnologias para viabilizar as produções desenvolvidas pelos alunos e
publicá-las em blogs, sites e redes sociais.
O conceito de educomunicação empregado no Programa é, conforme Soares (2000),
um campo de intervenção social, cujo elemento constitutivo é a relação. Para o autor, o tempo
pedagógico faz do modus comunicandi uma forma de exercício de poder, ao passo que a
autonomia do leitor e a possibilidade de um ecossistema comunicativo marcado pela
dialogicidade (numa dimensão freireana) implicam a descentralização da palavra autorizada e
a transformação das relações sociais internas do espaço escolar.
A seguir, será abordada a trajetória metodológica da pesquisa.
Trajetória metodológica
O sujeito da pesquisa foi a professora de educação infantil participante do projeto.
Para buscar a voz da professora foi utilizada a entrevista semi-estruturada.
Os achados da pesquisa foram organizados em quatro categorias principais: currículo
(espinha dorsal do estudo), participação, integração e aprendizagem, e subcategorias que
emergiram na análise dos dados. Neste artigo será abordada a categoria currículo.
A seguir, apresenta-se um retrato dos principais achados.
Os achados da pesquisa: voz que anuncia o novo
As perguntas iniciais na entrevista com a professora objetivavam responder sobre o
planejamento das aulas. Ela destacou que o plano de aula (anual, mensal e semanal) é
realizado por ela ou pelo grupo de professores, pautado no documento da Secretaria
Municipal da Educação Orientações Curricular: Expectativas de Aprendizagens e Orientações
Didáticas42,
Trechos dos depoimentos da professora transcritos a seguir indicaram que, para ela,
a construção do planejamento das atividades se estrutura a partir das diretrizes e parâmetros
(currículo prescrito) enquanto expectativas de aprendizagens esperadas àquela fase da vida
escolar do aluno e da aluna.
42
Tal documento se concretiza numa publicação que objetiva subsidiar a prática e a reflexão de todos os sujeitos envolvidos na
educação infantil, visando intensificar a articulação entre as propostas de trabalho pedagógico na rede municipal (SÃO
PAULO/SME-DOT, 2007).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Sacristán (2000) se refere ao currículo prescrito, o que contribui para o entendimento
desse conceito:
O currículo prescrito para o sistema educativo e para os professores, mais
evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus conteúdos
e demais orientações relativas aos códigos que o organizam, que obedecem
às determinações que procedem do fato de ser um objeto regulado por
instâncias políticas e administrativas.
[...]
Mas, à medida que o controle deixa de ser coercitivo para se tecnificar e ser
exercido por mecanismos burocráticos, se oculta sob regulamentações
administrativas e “orientações pedagógicas” com boa intenção, que têm a
pretensão de “melhorar” a prática (p.109).
O depoimento da professora revela que ao planejar suas atividades ela se pauta no
currículo prescrito, não se limitando ao mesmo, mas tecendo novas narrativas. O relato da
professora transcrito a seguir ilustra essa ideia.
[...] quando eu vou montar um currículo (plano de aula) da educação infantil, eu penso que ela
(a criança) tem que ter um conhecimento mínimo quando ela sai daqui... não é a criança
chegar aqui e só fazer o que ela quer, por exemplo, a criança quer falar só sobre borboleta,
não é bem assim... é importante que ela tenha alguns conteúdos básicos, mas também, não é
aprender, a escrever de 01 até 10, não é isso... para mim, são mais conteúdos
procedimentais... é fazer interconexões entre os conteúdos... conhecimentos que ela vai usar
para a vida... o conteúdo... são coisas mínimas que ela precisa ter acesso para que faça outras
construções por si só...
Eu sempre volto para as Orientações Curriculares e vejo quem são os pesquisadores que
escreveram, mas eu sempre vou nas minhas concepções... eu consulto alguns autores... leio
Madalena Freire, Tizuko, Zabala...
O depoimento da professora acima transcrito também revela traços de um que-fazer
ao relatar que para além do documento oficial busca outros repertórios teóricos e fontes de
pesquisas. Sobre o que-fazer para Freire (2009), ele é teoria e prática, é ação e reflexão, não
pode reduzir-se à palavra, nem verbalismo, nem ativismo, mas converge para uma prática
cultural libertadora.
Ao ser perguntada se currículo é somente o documento escrito, a professora indica a
dimensão política (a politicidade) da ação, conforme ilustra o trecho transcrito abaixo.
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... não de jeito nenhum. O currículo pode estar oculto. Coisas que faço e que não está escrito
em lugar nenhum...
Nas ideias de Freire (2006), o currículo abarca a vida mesma da escola (o que nela se
faz ou não se faz), a força da ideologia e sua representação não só enquanto ideia, mas como
prática concreta. Nas palavras do autor, todo currículo é político e se acha molhado de
ideologia.
Ao ser questionada sobre a participação de outros sujeitos, para além do professor e
aluno, no projeto Rádio Jacaré FM, a professora relata como a comunidade foi se envolvendo
na ação, e ressalta, sobretudo, o caso da mãe de um aluno e do condutor do transporte
escolar, conforme ilustra o trecho do depoimento transcrito a seguir.
Olha, quem se envolveu mais assim foi a mãe do M. Ela veio perguntando para mim: Que
história é essa? Vai fazer uma rádio na escola? Outra foi a mãe do J., que era da turma da
manhã... a mãe do menino da turma da manhã quis saber porque ele falavam em casa.
... Eles contam, dai os pais quiseram saber. A mãe do K. foi outra que também quis saber,
porque eu acho que ele falava muito.
... Eu gravei um CD e dei para os condutores da perua e outro para eles levarem para casa...
então eles ouviam na perua a rádio deles, ouviam em casa. Isso foi muito divertido porque
eles chegavam falando que ouviam a rádio na perua, no carro do pai deles, iam na casa da avó
e ouviam a rádio. Então eles achavam que a rádio deles estava passando em todos os lugares.
Então pirei com essa história, né (risos)... para quem eu podia eu dava o CD.
A participação de todos os sujeitos internos e externos à escola abarca a dimensão
política, ou seja, a politicidade do currículo. O contorno político da ação promovida com o
projeto Rádio Jacaré se aproxima das ideias freireanas sobre o currículo: abarca a relação entre
todos e todas que fazem a escola (FREIRE, 2006).
Ao falar do trabalho realizado com os alunos e as alunas nos dias que antecederam a
Feira Cultural, ocasião em que foi realizada a inauguração da Rádio Jacaré FM, o depoimento
da professora traz nuances da politicidade da ação. O trecho da entrevista transcrito a seguir
ilustra essa dimensão política.
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Eu perguntei:
_ O que vocês querem saber do prefeito?
As crianças fizeram várias perguntas direcionadas para prefeito, por exemplo:
_ O Senhor irá construir mais escolas? Ampliará a merenda? Haverá mais tempo de aula?
... Eu percebi a necessidade de interferir, pois o prefeito viria para conhecer a Rádio Jacaré. Eu disse
a eles:
_ Por que não fazer a ele perguntas relacionadas a Rádio?
... Eu falei assim:
_ Ele vai querer saber por que nossa Rádio tem esse nome.. Eles [alunos e alunas] reformularam as
perguntas... eu não queria parecer que as crianças são marionetes dos adultos...
Ao provocar em sua turma um movimento de pensar e repensar o papel do prefeito
no contexto da educação e da relação que há entre a visita dele e a ação realizada em sala de
aula, ela desenha um currículo inscrito numa dimensão política (a politicidade da ação).
O depoimento da professora pesquisada sobre a movimentação provocada com a
iniciativa do projeto indica além da dimensão política na articulação do trabalho junto aos
demais envolvidos (docentes, gestores, comunidade), uma aproximação a outra categoria
principal de análise: a participação. Isso permite entender a articulação e a ligação que há
entre a participação dos alunos e das alunas, a participação de outros sujeitos externos à
escola, e a politicidade do currículo remodelado pela professora com os sujeitos internos e
externos à escola e à sala de aula.
Ao ser questionada sobre a motivação da visita do prefeito de São Paulo à escola, a
professora pesquisada relatou que tudo começou quando ela entrou em contato com o
secretário da Educação via rede social Twitter, e explicou que a conversa iniciou na ocasião da
gênese da ideia da Rádio na escola.
Na entrevista, a professora disse que queria saber sobre a possibilidade da SME-SP
viabilizar um site de rádio na escola para que os pais e mães pudessem acompanhar de casa o
que estava sendo produzido por ela junto com os alunos e as alunas. A professora também
relata que sua ideia inicial era partilhar o que estava sendo realizado em sala de aula com a
família dos alunos e das alunas e, ao estar vinculado ao portal da SME-SP colocar o projeto
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num outro patamar, tornando-o oficial dentro e fora da escola, e evidencia que suas ações
foram mais motivadas pela novidade que pode ser oportunizada às crianças. Isso aponta que
suas ações são mais envolvidas pela teoria-prática, imersa no cotidiano da escola e da sala de
aula. Esse trecho da entrevista com a professora pesquisada revelou traços de uma ação que
se constitui num que-fazer, e encontra-se “molhada” de empoderamento.
É oportuno ressaltar que a Rádio Jacaré FM, na voz da professora pesquisada, nasceu
de outro projeto que estava sendo trabalhado em sala de aula, e que tinha como tema os
animais rasteiros, por meio do qual ela e sua turma de alunos e alunas estudavam, entre
outros, diversos tipos de jacarés, cobras e salamandras.
O projeto Rádio Jacaré surge, então, a partir do projeto mais amplo sobre os animais,
e ganha maior visibilidade na escola e fora dela, ao lançar mão de algumas TDIC, o que
oportunizou ao projeto extrapolar as paredes da sala de aula e os muros da escola.
O depoimento a seguir, indica que algumas mídias foram usadas no contexto da sala
de aula, tornando-se parte estruturante do currículo que ia sendo desenhado e redesenhado
com o projeto Rádio Jacaré FM.
[...] eu estava com um projeto de animais rasteiros, então a gente trabalhou sobre tartarugas,
cobras, e o que mais foi a sensação do ano foram os jacarés. Então a gente estudou vários
tipos de jacarés...
... Eu trouxe uma porção de livros, imagens, fotos, livros de história, livros com fotos, vídeos
que falavam sobre jacaré, vídeos do pantanal. Teve uma época da minha vida que eu ia muito
para o pantanal. Então eu tinha muito material que falava muito de animais rasteiros... Acho
que foi isso que seduziu a criançada, porque eu tinha muita coisa de jacaré... Aí eu levei o
computador, ele estava na sala, o assunto jacaré acontecendo ao mesmo tempo, eu fazendo o
curso de mídias, tendo contato com o (software) audacit, daí eu falei, deixa eu ver o que eles
vão contar, o que eu posso gravar com isso...
... Gravando foi que eu fui tendo uma ideia: a gente podia gravar outras coisas e organizar em
formato de rádio, eu fui tendo essa ideia de ver eles gravarem.
... Eu digo assim... Ele (o projeto Rádio Jacaré FM) é um subprojeto de um projeto maior que
havia na minha sala que era o de animais rastejantes.
A voz da professora pesquisada aponta que esse currículo que foi tomando um
contorno próprio no projeto Rádio Jacaré FM, emergiu a partir das atividades previamente
planejadas e que estavam ligadas ao PPP da escola, trazendo nuances do “som” da integração
das TDIC com traços da participação (voz) dos alunos e das alunas no currículo.
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O relato da professora transcrito abaixo indica uma área de intersecção da categoria
currículo com a categoria participação e a categoria integração.
[...] todo ano a escola monta um jornal... Eu estava fazendo o Projeto Animais Rasteiros com
uma sala e com a outra eu estava fazendo sobre Horta... Eles (alunos e alunas) estavam meio
que conhecendo a linguagem do jornal. Eu já tinha produzido uma página de jornal com eles
com esse computador que eu estava levando para a sala. Foi até por isso que eu estava
levando... Eles estavam me ajudando a selecionar fotos que a gente iria colocar no jornal, me
ajudando a montar o texto coletivo que a gente ia colocar na página do jornal.
Alguns dos trechos da entrevista realizada com a professora pesquisada, como o
transcrito a seguir, apontam como os conteúdos que iam sendo tema das aulas se articulavam
com a Rádio Jacaré FM, redesenhando a ação com a participação dos alunos e das alunas, e
caminhando rumo a uma integração entre as TDIC e o currículo modelado e remodelado com o
projeto.
No relato transcrito a seguir, ela conta sobre a produção de outros programas para a
Rádio Jacaré FM, com depoimentos dos alunos e das alunas sobre as atividades desenvolvidas
fora da escola no Dia das Crianças e, ainda, quando fala sobre a confecção de um jornal.
[...] alguns nem contaram o que tinham feito no Dia das Crianças, outros falaram que não
tinham feito nada. Teve um que contou que a mãe tinha brigado com o pai. Eu falei:
_ Opa! Isso é uma notícia.
... A gente estava fazendo um jornal, e falando sobre tipos de notícias que podia ter no jornal...
Na entrevista a professora revela que a ideia de construir uma rádio nasceu da
atividade com o jornal, mas que o projeto foi batizado com o nome de Rádio Jacaré FM devido
ao projeto Animais Rasteiros, no qual o jacaré figurou como o principal objeto de estudos no
cotidiano das aulas.
Ao responder sobre as atividades realizadas para composição da programação da
Rádio Jacaré a professora relata as experiências dos alunos e das alunas com a produção do
horóscopo, conforme evidencia o trecho da entrevista transcrito abaixo.
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Teve uma aluna que foi assim, até na época foi o que fez explodir o sucesso da rádio, ela foi
fazer horóscopo... Ela mesma chegou falando para mim:
_ Na rádio tem horóscopo.
E eu perguntei:
_ Aonde você ouve horóscopo?
Ela disse:
_ Minha mãe que ouve horóscopo em casa...
Ela tinha um conhecimento sobre signos ali. Daí as outras crianças na sala começaram a se
interessar também, e até ajudavam ela a fazer horóscopo na sala.
Em síntese, os achados da categoria currículo evidenciam que o currículo que se
desenha e redesenha a partir do projeto Rádio Jacaré FM foi sendo construído e reconstruído
na voz dos sujeitos professor e aluno, com traços marcantes de uma dimensão crítica e
libertadora, à medida que ambos os sujeitos puderam lançar sua voz sobre o mundo e com o
mundo, abarcando alguns espaços do mundo digital.
Em seguida, apresentam-se as considerações e conclusões da pesquisa.
Considerações finais
A análise dos achados da pesquisa apontou algumas certezas provisórias, indicando
respostas para o problema inicial, longe de esgotar de esgotar o tema. Assim, o que se
apresenta não é uma conclusão definitiva, mas uma nova etapa da reflexão sobre a integração
das tecnologias ao currículo sob o enfoque da abordagem de Paulo Freire sobre a participação
e o empoderamento dos sujeitos (professor e aluno). Participação e empoderamento
oportunizados pelo uso das tecnologias digitais de informação e comunicação na educação, a
expressão e publicização de sua voz viabilizada pela construção de uma rádio na Web – a Rádio
Jacaré FM.
O estudo evidenciou que a professora não se limita aos documentos oficiais
(currículo prescrito), mas tomando-os como ponto de partida, os adensa com seu repertório
pedagógico e teórico, e com a interlocução de outros autores, estabelece com sua turma de
alunos e alunas uma práxis democrática, modelando e remodelando-os.
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É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode
melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunda com a
prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto
de sua análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo (FREIRE, 2008, p.39).
O estudo revelou que a ação imprimia contornos de uma dimensão política (a
politicidade) que abarca o que-fazer e o empoderamento.
Freire (2004) argumenta que não é possível pensar a sala de aula, pensar a escola e
pensar a educação fora da relação de poder que é político e “ensopado” de ideologia, por isso,
inexiste neutralidade na ciência e na tecnologia que perfaz o currículo.
O estudo conclui que além dos indicadores que apontam em direção a integração das
TDIC a vida mesma da sala de aula, a qual abrange também o mundo digital, há indícios de um
novo currículo que foi anunciado por meio da voz dos sujeitos (professor e aluno), no qual
ambos têm a oportunidade de se assumirem enquanto seres críticos que podem escrever sua
própria história, que perguntam, que investigam, que criam e recriam, que têm direito de
participar, o poder de decidir, de ingerir, o que abarca uma dimensão crítica e libertadora da
própria ação.
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A CRIANÇA E O SUJEITO EDUCATIVO SEGUNDO OS
CLÁSSICOS “ERASMO DE ROTTERDÔ E “JAN AMOS
COMENIUS”
EDINAURA ALMEIDA DE ARAÚJO
Professora Mestra em Educação / UFCG
[email protected]
HERCÍLIA MARIA FERNANDES
Doutoranda em Educação / PPGEd / UFRN
[email protected]
RESUMO
Refletir a criança, como objeto de estudo, requer que se investiguem os modos de educar que,
historicamente, foram delineando os trajetos da infância, especialmente quando os processos
civilizatórios próprios da modernidade transformam a criança na categoria “aluno”. Nesse
sentido, o artigo busca compreender as concepções de criança e sujeito educativo em Erasmo
de Rotterdã e Jan Amos Comenius, pensadores humanistas que contribuíram para compor a
moderna concepção de infância e a escolarização da criança. O interesse por essa investigação
articula-se ao fato de se acreditar que os fundamentos e a organização das instituições infantis
têm seus antecedentes nas ideias desses autores, sobretudo em relação às finalidades da
educação que, em Erasmo, correspondiam à formação do homem “cortês”; e, em Comenius, à
formação do homem “virtuoso”. Assim, almeja-se ofertar sentidos ao pensamento expresso
pelos Clássicos nas obras De Pueris e Didática Magna. Para tal feito, cumpre-se estabelecer
articulações com os paradigmas pertinentes à Pedagogia e às elaborações teóricometodológicas do século XVI e XVII, donde as categorias “natureza”, “infância” e “criança”
consistem ângulos de análise para que se possa efetuar uma interpretação.
PALAVRAS-CHAVE: Criança. Infância. Erasmo de Rotterdã. Comenius.
THE CHILD AND THE SUBJECT OF EDUCATION ACCORDING TO CLASSICAL “ERASMUS OF
ROTTERDAM” AND “JAN AMOS COMENIUS”
ABSTRACT
Reflect the child as an object of study, requires that investigate the ways of education that
historically have been outlining the paths of childhood, especially when the civilizing process of
modernity transform themselves in the child category "student". In this sense, the article seeks
to understand the concepts of child education and subject to Erasmus of Rotterdam and Jan
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Amos Comenius, humanist thinkers who have contributed to compose the modern conception
of childhood and children's schooling. Interest in this research articulated the fact that they
believe that the foundation and organization of children's institutions have their antecedents
in the ideas of these authors, particularly in relation to the purposes of education, in Erasmus,
corresponded to the formation of man "polite"; and Comenius, the formation of man
"virtuous." Thus, we aim to offer "senses" the thought expressed by the classic works of
Pueraria and Didactics Magna. For this feat, it is to establish links with the paradigms and
pedagogy pertinent to the theoretical and methodological elaborations of the century XVI and
XVII, where the categories "nature", "childhood" and "child" analysis to consist of angles that
can be done an interpretation.
KEYWORDS: Child. Childhood. Erasmus of Rotterdam. Comenius.
1 INTRODUÇÃO
Refletir a criança, enquanto categoria de estudo, requer que se examinem os “modos
de educar que historicamente são correlatos ao trajeto da existência infantil” (BOTO, 2002, p.
33). Tal realidade implica a investigação de quando a criança é pensada, pelos adultos, como
“sujeitos educativos” e, gradativamente, transformada na categoria “aluno” (BOTO, 2002).
Comumente, tem-se entendido a “criança” em oposição ao adulto: oposição que se
estabelece pela falta de idade ou de maturidade e de adequada integração social (KRAMER,
1995). A criança, historicamente, nem sempre fora vista como portadora de singularidades
distintas dos adultos (POSTMAN, 1999). É somente por volta dos fins da Idade Média que a
criança passa, no Ocidente, a ser concebida pelas particularidades da natureza infantil, quando
surge, no berço da família cristã burguesa, o “sentimento de infância”. A partir da introdução
do modelo burguês de família nuclear, a infância torna-se valorizada e a criança vista com um
“bem precioso” que necessita ser protegido e separado do convívio comunitário (ARIÈS, 1978).
Porém, essa nova maneira de conceber a infância se formou em caráter contraditório: se de
um lado, a criança passou a ser idealizada e “paparicada” por sua ingenuidade e estado de
pureza; de outro, fora vislumbrada pela “incompletude” de sua natureza simplória em face de
desenvolvimento, somente corrigível por uma rígida educação moral.
Esses dois sentimentos de infância fizeram emergir, no Ocidente, práticas adultas
distintas. Ao passo que a criança fora concebida como um ser diferenciado do adulto, surgem
as “paparicações” no âmbito privado das relações, e a criança torna-se fonte de distração dos
adultos, o que provoca o seu enclausuramento no âmbito da domesticidade (ARIÈS, 1978).
Paralelo a esse sentimento, surgido no berço familiar, aparece também o sentimento de
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“rejeição” por parte dos educadores moralistas e, com ele, a precocidade da moralização dos
infantes.
Nesse sentido, a modernidade, ao separar a criança do universo adulto, cria a
infância como uma “unidade substancial ativa e individual; presente, no limite, em todos os
seres infantis da espécie humana [...]. Não falamos mais das crianças, e sim da infância”
(BOTO, 2002, p. 57). Ou seja, a criança, então entendida pela razão moderna, torna-se
secularizada e institucionalizada, potencialmente transformada em “aluno” (BOTO, 2002).
Dentro desse processo de deslocamento da criança à condição de sujeito educativo,
dois filósofos humanistas se destacaram, no Ocidente, por atender às expectativas de suas
épocas, contribuindo por meio de suas teorias pedagógicas para a renovação das práticas
educativas e instituições escolares, colaborando para a formação de uma tradição pedagógica
centrada na ordem natural do desenvolvimento humano, nas especificidades da criança e na
formação integral do sujeito educativo: Erasmo de Rotterdã (1469-1536) e Jan Amos
Comenius (1592-1670).
Revisitar o pensamento filosófico-pedagógico de Erasmo e Comenius faz-se
necessário quando se considera que as concepções de criança e sujeito educativo desses
autores contribuíram para formar a moderna acepção de infância, repercutiram nas chamadas
pedagogias liberais, cujas ideias foram compartilhadas por educadores do século XIX, dentre
eles Pestalozzi e Froebel, que, aliadas aos interesses da contemporaneidade, orientaram a
constituição da Educação Infantil no Ocidente; servindo para instaurar a escolarização da
criança, desde a mais tenra idade às demais fases de desenvolvimento.
Desse
modo, para fomentar a compreensão
do imaginário pedagógico
contemporâneo no Ocidente, convém adentrar na história das ideias pedagógicas, revisitando
os Clássicos que redimensionaram as concepções de criança e a escolarização da infância.
Essas elucidações fazem sentido se se considerar, à maneira de Cambi (1999), que a história é
um “organismo”, cujo presente estabelece profundas articulações com o passado; haja vista
que:
O que está antes condiciona o que vem depois; assim, a partir do presente,
da Contemporaneidade e suas características, seus problemas, deve-se
remontar para trás, bem para trás, até o limiar da civilização e reconstruir o
caminho complexo, não-linear, articulado, colhendo, ao mesmo tempo, seu
processo e seu sentido (CAMBI, 1999, p. 37).
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Nessa perspectiva, busca-se, no artigo, ofertar “sentidos” ao pensamento expresso
por Erasmo e Comenius nas obras De Pueris e Didática Magna, especificamente sobre a
criança e o seu processo de formação. Para tal feito, cumpre-se estabelecer articulações com a
época dos autores, pontuando as suas formações e trajetórias intelectuais, bem como os
valores e paradigmas que guiavam a Pedagogia e as elaborações teórico-metodológicas dos
séculos XVI e XVII, donde as categorias “natureza”, “infância” e “criança” consistem ângulos de
análise frente “ao sentido referente do ponto de vista de quem observa, portanto, ligado à
interpretação” (CAMBI, 1999, p. 37).
2 A FORMAÇÃO DO HOMEM “CORTÊS”: A CRIANÇA E O SUJEITO EDUCATIVO EM ERASMO DE
ROTTERDÃ
O século XVI foi marcado por intensas transformações, rupturas e continuidades que
invadiram o campo social e político, religioso e cultural; podendo ser entendido como o
período em que toma corpo a Modernidade com quase todas as suas características:
secularização, individualismo, domínio da natureza, Estado Moderno, burguesia e afirmação da
economia de mercado capitalista. Apesar disso, essas características, como estruturas de uma
época, serão somente confirmadas no século XVII.
No século XVI, o Velho e o Novo se defrontam e a dimensão antropocêntrica do
humanismo ainda é central, muito embora o sentido de liberdade e inovação assuma um
caráter mais radical e geral. Assim, são algumas características deste século: o retorno aos
Clássicos, cuja leitura torna-se estímulo para uma nova criação estética e não meramente
imitativa; e a atenção à Natureza, ao macrocosmo, à sua ordem e à sua riqueza, que torna-se
mais metodológica e científica, dando origem a metodologias mais autônomas e mais
conscientes do primado da observação e da dedução, apoiadas numa filosofia da natureza que
expande seus limites e exalta sua liberdade.
A cidade ideal é substituída pela cidade real. Com Maquiavel caminha-se para uma
visão mais racional da política e da história que valoriza os aspectos do mundano e do
humano. O indivíduo, assim como o governo, deve também se submeter a uma modelação
histórica e estética, ancorada no ideal de cortesão e das regras de sociabilidade, que
estabelece os princípios e as formas da socialização que se realiza como civil conversação. A
esse respeito elucida Luiz Feracine, em apresentação de A Civilidade Pueril, de Erasmo de
Rotterdã, pensador do século XVI:
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Em 1530, o Humanismo renascentista criara o clima em que estava
embebido o espírito da civilização europeia. Ganhava foros de cidadania,
junto a todas as camadas da sociedade, pensar e sentir a arte, a elegância
das modas e a cortesia do trato entre pessoas bem como o galanteio de
atitudes que se harmonizavam com o prestígio conferido à dignidade do
homem e de seus empreendimentos. Era a boa educação um postulado
coerente daquela percepção de beleza e majestade que traduzia todo o
otimismo de uma nova maneira de acreditar no próprio homem e no seu
futuro sobre a face da terra (FERACINE, apud ERASMO, s/d, p. 118)
Os complexos processos, então em curso no século XVI, operam profundas
modificações na educação e na pedagogia, que são transformadas tanto no terreno político e
religioso como no ético, social e técnico. No âmbito político dar-se o nascimento do Estado
Moderno, interessado no domínio da sociedade civil. No âmbito da pedagogia, surge uma
pedagogia política articulada a uma educação que se apresenta sob muitas formas, organizada
em torno de muitos agentes: família, escola, associações, imprensa, etc. No âmbito religioso,
destacam-se os embates entre a Reforma e a Contra-Reforma, de fermentações teológicas e
pastorais dotadas de sensíveis utopias em relação ao renascimento do cristianismo e da Igreja,
que dão surgimento a um modelo de sociedade cristã mais evangélica, por um lado, e
rigidamente disciplinar, por outro.
Nesse sentido, no século XVI, nasce uma sociedade disciplinar que exerce vigilância
sobre o indivíduo e tende a controlá-lo e inseri-lo, cada vez mais, no sistema de controle. Temse, então, o surgimento da Escola Moderna: instrutiva, planificada e controlada em todas as
suas ações, racionalizada nos processos. O saber pedagógico também se renova, torna-se mais
autônomo, naturaliza-se e socializa-se, onde se afirmam “a centralidade da disciplina e de toda
uma ritualidade de práticas, de gestos e de léxicos” para o “bem social do tempo de trabalho”
(CAMBI, 1999, p. 246).
É nesse contexto de conflitos de ideias e novos valores, de Reforma cristã liderada
por Lutero, de surgimento de uma sociedade fundada em uma ordem política, civil, técnica,
disciplinar e produtiva, que o pensador e educador Erasmo de Rotterdã, no dizer de Feracine
(apud ERASMOS, s/d, p. 118), “deixa seu isolamento voluntário para oferecer uma proposta de
Paz”, assumindo a sua honrosa vocação de “mestre e educador”.
Erasmo de Rotterdã (1469-1536) ocupou um lugar de destaque dentro da concepção
cristã do humanismo. Nascido na Holanda, de família ilegítima, Erasmo frequenta, nos anos de
formação, ambientes intelectuais de diversos países; adquirindo uma mentalidade
cosmopolita, cuja experiência de viajante e o objetivo da pacificação aos frequentes conflitos
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entre povos, levam-no a “afirmar a centralidade da educação e a necessidade de uma língua
universal” (CAMBI, 1999, p. 253).
As ideias de Erasmo sobre educação estão contidas em diversas obras, algumas delas
em matérias não estritamente pedagógicas, como em Enchiridion militis christiani43 (1501) em
que o autor debate os problemas morais da Europa, propondo um retorno aos estudos
clássicos, muito embora acentue o aspecto cristão em contraste com a dimensão “laica e
humana” celebrada pelo humanismo italiano. De caráter também moralista destacam-se, em
sua bibliografia, as obras Morias Enkomion44 (1509), Intitutio principis christiani (1516) e De
ratione studii (1512). Na primeira, Erasmos realiza uma sátira feroz aos valores da sociedade
europeia, criticando os absurdos cometidos pelos falsos sapientes, ou melhor, os gramáticos,
literatos, retóricos e homens de igreja de seu tempo. Na segunda, Intitutio principis christiani
(1516), obra de literatura política, oferecida ao futuro imperador Carlos V., Erasmo traça a
identidade do “perfeito homem de Estado” com conotações antimaquiavélicas e fortemente
platônico-cristãs, alegando que: “Antes de qualquer coisa, deve estar solidamente radicada na
mente do príncipe a história de Cristo” (ERASMO, apud CAMBI, 1999, p. 253). Na terceira obra,
no entanto, Erasmo trata de forma mais sistemática a educação, de seu valor e da sua função
social; propondo-se a elevar “jovens de inteligência normal a um apreciável nível de erudição,
e também de conversação em latim e em grego” (ERASMO, apud CAMBI, 1999, p. 253). Assim,
o pensador destaca a importância de os jovens seguirem um plano de estudos a partir das
duas línguas que, naquele tempo, representavam o meio mais prático de comunicação; cujos
problemas do método para o ensino das línguas mereciam significativos destaques.
Todavia, é em De pueris (1529) que Erasmo enfrenta os problemas relativos ao valor
da educação. Nesta obra, Erasmo apresenta a finalidade mais profunda do ato educativo: o
“cultivo da razão”. Para ele, o homem é um ser “inacabado”, sendo o cultivo da razão o
caminho que leva à verdadeira humanidade. Assim, compete à educação cultivar a razão de
modo que a principal aptidão concedida à humanidade plenamente se realize. Para tanto, fazse necessária iniciar a intervenção educativa desde a mais tenra idade; dispondo assim de
maior tempo e uma distribuição racional das atividades em relação às características
individuais.
Para Erasmo, sendo o homem um animal cuja plenitude se efetiva por meio do
desenvolvimento da razão, que, em síntese, decorre da modelagem do espírito e da prática da
virtude, a criança consiste um “ser modelável”, “incompleto”, governada por faculdades
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Manual do Soldado Cristão.
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instintivas que caberia à educação regular. Nesse sentido, Erasmo entendia que a criança, ao
nascer, não passava de uma “massa informe”; cabendo, portanto, aos pais e aos educadores a
tarefa de “moldar até a perfeição, em todos os detalhes, aquela matéria flexível e maleável”
(ERASMO, s/d, p. 33).
Apesar da primeira condição da criança se apresentar determinada pela natureza,
Erasmo compreendia que a criança portava potencialidades inatas à intelecção e ao convívio
social por meio da modelagem da sua natureza animal. Assim, em De pueris, no capítulo I
intitulado “Nunca é cedo demais para iniciar o processo educacional”, Erasmo adverte aos pais
que a sua missão educativa ultrapassa o ato gerativo, devendo a instrução iniciar ainda na fase
de aleitamento do infante, considerando que “as primeiras noções” devem ser aprendidas
“antes que a idade fique menos dúctil e o ânimo mais propenso aos defeitos ou até mesmo
infestado com as raízes de vícios tenacíssimos” (ERASMO, s/d, p. 21).
O pensador holandês compreendia que a natureza se faz “perfectível”, sendo o
exercício da razão o caminho que leva o homem a alcançar a sua verdadeira vocação: a
“perfeição”. Para isso, a educação da criança deveria iniciar desde a mais tenra infância,
evitando que os vícios ocupassem lugar em seu espírito e em suas atitudes. Assim, a infância
se apresentava maleável a todo tipo de bom comportamento, desde que a instrução
encaminhe a criança para a formação de hábitos considerados bons e corretos: “Tal como ela
se adapta aos vícios, já antes de saber do que tratam, assim, com igual facilidade, a criança se
afeiçoa com os hábitos corretos” (ERASMO, s/d, p. 55).
Daí que a erudição e a virtude consistem valores que deveriam guiar, lado a lado, o
processo educativo, já que a “imitação” é uma qualidade inerente à criança e, por isso, ela
deve ser sempre incentivada a seguir bons exemplos; posto que a infância estar, por ser mais
sujeita ao impulso da natureza do que à razão, segundo elucida Erasmo, mais propensa à
prática do mal do que à do bem.
A concepção de criança, proposta por Erasmo em De pueris, estabelece íntimas
relações com as suas ideias sobre o sujeito educativo, isto é, à construção da categoria “aluno”
(BOTO, 2002), dotado de hábitos e comportamentos corteses, portanto desejáveis, que são
possibilitados pela boa aprendizagem. Para ele, a criança apresenta grande predisposição à
aprendizagem, sendo o seu sucesso ou insucesso escolar determinado por seu empenho
individual. Entretanto, com método de instrução adequado, o mestre torna possível o
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Elogio da Loucura.
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desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem das matérias e das boas maneiras, qualquer que
seja o pendor individual do aluno às diversas áreas do conhecimento e às práticas sociais.
Nesse sentido, o pleno desenvolvimento do aluno associa-se aos incentivos
oferecidos pelo mestre que deveria, antes de tudo, “fazer-se criança a fim de granjear o amor
da criança” (ERASMO, s/d, p. 85); tendo em vista que “a criança aprende com maior
receptividade porque não se desgasta no tédio pela tarefa, dado seja verdade que, em
qualquer desempenho, o amor ameniza grande porção das dificuldades” (ERASMO, s/d, p. 85).
Munido por essas convicções, Erasmo contrapõe-se às práticas de castigo, punições e
humilhações a que os educandos estavam submetidos nas escolas de seu tempo;
apresentando-se contrário à concepção de criança como “adulto em miniatura”, donde
argumenta que: “Não raros adultos que exigem da criança atitudes precoces de adulto. Sem a
mínima consideração pela exígua idade dela, ficam a medir a mente infantil pela própria
capacidade” (ERASMO, s/d, p. 87).
A educação da criança, segundo Erasmo, deveria se realizar de modo “gradativo”, à
guisa da “brincadeira” para, pouco a pouco, introduzir conteúdos mais ricos em sua mente.
Assim, o preceptor deveria “ir sempre ao encontro da perspectiva infantil”, atendendo ao que
convém a cada idade através da oferta de “coisas alegres e amenas”; isto é, unindo o “útil ao
agradável” para que a criança seja levada “ao aprendizado proveitoso sem nenhum tédio”
(ERASMO, s/d, p. 92).
O modelo educacional proposto por Erasmo, além de processos voltados ao
desenvolvimento das capacidades cognitivas do educando, inclui um projeto de civilização
para a juventude que, atrelado ao desenvolvimento da linguagem, das matérias necessárias à
formação educativa, deve incidir na construção do bom “cortês”. Erasmo entendia que os bons
valores, àqueles pertinentes à alta nobreza, podiam ser extensivos a todas as crianças e jovens
quando educados dentro dos “bons modos”. Valores como saber se expressar corretamente,
manter a boa higiene e a postura do corpo, além de regras de etiqueta, deveriam integrar a
educação das crianças e dos jovens. Assim, em A Civilidade pueril, manual prático que oferece
subsídios à boa convivência social, Erasmo objetiva “predispor o pré-adolescente para comporse e entrar em harmonia com o alinhamento de princípios educacionais” que “espelham a
imagem da personalidade em formação” (FERACINE, apud ERASMO, s/d, p. 113); qual seja, a
“criança-educanda” (BOTO, 2002).
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3 A FORMAÇÃO DO HOMEM “VIRTUOSO”: A CRIANÇA E O SUJEITO EDUCATIVO EM
COMENIUS
Para a pesquisa histórica atual, o verdadeiro ponto inicial para o entendimento dos
complexos processos designados pela Modernidade consiste o século XVII. Caracterizado pela
tragédia, por conflitos e contradições provocados por guerras e revoltas, e profundas
aspirações à paz, pelo racionalismo e também por superstições, pelo absolutismo e pela
sociedade burguesa com seus aspectos de individualismo, o século XVII opera uma série de
reviravoltas na história da sociedade ocidental, as quais modificaram: “sua identidade, como o
Estado Moderno, a nova ciência, a economia capitalista, e ainda: a secularização, a
institucionalização da sociedade, a cultura laica e a civilização das boas maneiras” (CAMBI,
1999, p. 277).
No século XVII afirmam-se processos sociais que permaneceram cruciais e constantes
na Modernidade, dando origens a mitos que acompanham e guiam o seu crescimento e
desenvolvimento: os mitos do Estado, do Poder, da Razão e do Progresso, da Revolução, do
Trabalho e da Infância acompanhado pelo mito do Bom Selvagem. Esses mitos atravessaram a
modernidade e caracterizaram a mentalidade em curso de laicização, nutrindo-se de princípios
normativos afirmados como “valores-guia” também ao indivíduo e em seus processos de
formação.
Assim, vão se renovando, no curso do século XVII, os processos educativos, as
instituições formativas e as teorizações pedagógicas. No tocante à Pedagogia, o século XVII se
apresenta como “o século início da Modernidade, do seu pleno e consciente início, embora
não ainda de seu completo desenvolvimento” (CAMBI, 1999, p. 278). O pensamento educativo
- atrelado aos processos de formação e construção de um imaginário social alimentado pelos
mitos do Moderno e por um estilo de vida civilizado, normatizado, regulado por códigos e
limitado por interdições -, se renova, ativando novas teorizações que encarregará à educação
“de tarefas utópicas, de regeneração do homem, de capacidade irênica, de desejo de
reconstrução da convivência social, que cabe ao futuro realizar, mas que a educação [...] pode
preparar e que, portanto, a pedagogia deve conscientemente teorizar” (CAMBI, 1999, p. 280).
Assim, se no século XVI com Erasmo e Montaigne se evidencia um modelo de
educação individual e prática, baseado no respeito à natureza e à psicologia do educando, no
século XVII afirma-se um modelo de pedagogia explicitamente epistemológico e socialmente
engajado, cuja obra de Comenius operara significativas contribuições ao nascimento da Escola
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Moderna, sendo esta nova instituição “racionalizada na estrutura e nos programas e valorizada
na sua função civil” (CAMBI, 1999, p. 280).
Jan Amos Comenius (1592-1670), nasceu em Nivnice, na Morácia, descendente de
uma família pertencente à seita religiosa dos Irmãos Morávios. Ordenado sacerdote em 1616,
dedica-se às atividades de ensino em Fulnek. Iniciada a Guerra dos Trinta Anos, em 1618,
Comenius participa das desventuras políticas e religiosas do seu povo. Seus primeiros
trabalhos constituem textos de caráter essencialmente divulgativo, cujo objetivo é fornecer ao
povo morácio “os instrumentos para reconhecer-se na sua própria história” (COMENIUS, apud
CAMBI, 1999, p. 285).
Entre os anos de 1628 a 1632, Comenius escreve a Didática Theca, posteriormente
traduzida em latim com amplos ajustes e acréscimos, sendo finalmente publicada com o título
de Didática magna, no ano de 1657, em Amsterdã. A obra reflete a aspiração de Comenius por
uma formação universal humana que garanta as condições de harmonia que é o fundamento
da realidade. Assim, na Didática magna, Comenius objetiva oferecer:
[...] uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo,
para obter resultados; de ensinar de modo mais fácil, portanto, sem que
docentes e discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham
grande alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de
qualquer maneira, mas para conduzir a verdadeira cultura, aos bons
costumes, a uma piedade mais profunda (COMENIUS, 1985, p. 13).
A concepção pedagógica de Comenius baseia-se num profundo ideal religioso que
concebe o homem e a natureza como manifestações de um preciso desígnio divino. Deus está
no centro do mundo e da própria vida do homem. A construção pedagógica comeniana se
caracteriza, assim, por uma forte tensão mística que sublinha seu caráter ético-religioso e a
decidida conotação utópica. Nesse sentido, a educação consiste a criação de um modelo
universal de homem virtuoso, ao qual é confiada a reforma da sociedade e dos costumes.
Comenius concebia o homem como a mais perfeita obra de Deus. Entre todas as
criaturas existentes, o homem era a que disponha das sementes da “ciência, da moral e da
piedade” para aprimorar-se, preparando-se para a vida futura que é a eternidade. Por isso, no
homem, estariam todas as faculdades necessárias para elevação de sua condição de homem,
para que pudesse gozar “os maravilhosos tesouros da divina sapiência” (COMENIUS, 1985, p.
61).
Com essa concepção de homem, Comenius edifica o seu projeto educativo. Assim
como outros educadores, dentre eles Erasmo, Comenius entendia que a formação da criança
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deveria iniciar desde a mais tenra idade, quando as mentes ainda não estavam ocupadas e
contaminadas por pensamentos vãos e por costumes mundanos. Para Comenius, após a queda
de Adão, as crianças constituíam a possibilidade concreta de regeneração da humanidade,
sendo herdeiras do reino de Deus ao conservarem a graça do Criador, mantendo-se assim
“limpas” do mundo. Nesse sentido, as crianças continham “todas as faculdades mais simples e
mais aptas para receber os remédios que a misericórdia divina oferece para a cura das coisas
humanas” (COMENIUS, 1985).
Na mente humana, segundo Comenius, estão todas as faculdades e condições
necessárias para alcançar o verdadeiro conhecimento. Todavia, a mente só exerce a função da
inteligibilidade porque Deus criou o homem a Sua imagem e semelhança, dotando-o de órgãos
do sentido para auxiliar na busca do conhecimento. É por meio dos órgãos do sentido que a
mente apreende todas as coisas externas, não permitindo a sua obscuridade, considerando
que “nada há no mundo que o homem, dotado de sentidos e razão, não possa compreender”
(COMENIUS, 1985, p. 60).
Todavia, Comenius compreendia que as escolas de sua época não estavam
preparadas para “ensinar tudo a todos”, haja vista não se fazerem presentes em todos os
lugares, nem funcionarem para todos indistintamente, mas somente a alguns poucos
privilegiados. Além disso, os métodos de ensino se apresentavam cansativos e abstratos, a
ponto de tornarem a tarefa educativa “tortura para as mentes”, cuja cultura transmitida não
era séria, mas confusa e inútil, donde “raramente as almas são alimentadas com cognições
realmente substanciais, enquanto são mais atulhadas de palavras superficiais, vãs,
papagaiescas, e de opiniões levianas como palha e feno” (COMENIUS, apud CAMBI, 1999, p.
288).
Entretanto, Comenius acreditava que as escolas podiam ser reformadas e
reorganizadas quando em observância aos princípios da “sabedoria”, da “honestidade” e da
“piedade”. O processo educativo, imbuído por esses valores, se realizaria gradualmente, com a
máxima delicadeza e doçura, sem nenhuma severidade e coerção, e a cultura dispensada seria
verdadeira e sólida. Para tanto, seria necessário que a escola dispusesse de professores
dotados de um eficiente “método de ensino”, donde se estimulasse conhecer os fundamentos,
as razões, os fins “de todas as coisas que se referem ao homem, embora, mais tarde, umas
venham a ser mais úteis para uns e outras para outros” (COMENIUS, 1985, p. 143).
Nesse sentido, a concepção de sujeito educativo, em Comenius, especialmente em
sua Didática, associa-se à metáfora da “planta”, proveniente do Humanismo cristão. Para ele,
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da mesma forma que uma árvore necessita ser plantada, regada, podada, por um agricultor
perito para, no futuro, oferecer bons frutos. A criança necessita, desde os primeiros anos, por
meio de procedimentos graduais que seguem a ordem natural das coisas, ser estimulada a
alcançar seu pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral; considerando que o homem
“não pode crescer animal racional, sábio, honesto e piedoso, se primeiramente nele não se
plantam os gérmens da sabedoria, da honestidade e da piedade” (COMENIUS, 1985, p. 111).
Seguindo os princípios da sabedoria, da honestidade e da piedade - atrelados à
incerteza do presente e à utilidade da vida -, Comenius adverte para a flexibilidade da
constituição humana que se apresenta apta à aprendizagem durante a primeira infância,
alegando que: “É uma propriedade de todas as coisas que nascem o fato de, enquanto tenras,
se poderem facilmente dobrar e formar, mas, uma vez endurecidas, já não obedecem”
(COMENIUS, 1985, p. 113).
Ao estabelecer conexões com o desenvolvimento da planta, da cera que se permite
modelar, Comenius expande a visão de um sujeito educativo enquanto ser “incompleto”,
porém “cultivável”, cuja educação - então concebida como interferência externa - caberia
modelar para alcançar a perfeição, sendo “útil” nesta vida para assim melhor preparar a vida
futura:
Se alguém quer vir a ser bom escrivão, pintor, alfaiate, ferreiro, músico, etc.,
deve-se aplicar ao seu ofício desde os primeiros anos quando, a imaginação
é ágil e os dedos flexíveis; de outro modo, nunca fará nada de bom. De
modo semelhante, portanto, se quer que a piedade lance raízes no coração
de alguém, importa plantá-la nos primeiros anos; se se deseja que alguém
se torne um modelo de apurada moralidade, é necessário habituá-lo aos
bons costumes desde tenra idade; a quem deve fazer grandes progressos no
estudo da sabedoria (COMENIUS, 1985, p. 115).
Atrelado aos valores da utilidade – então suscitados pelas aspirações da nova ordem
capitalista e sociedade citadina em desenvolvimentos – cumpria, pois, segundo Comenius, que
as escolas fossem reformadas e reorganizadas de modo que todas as crianças – sejam elas
possuidoras de “engenhos” inteligentes, obtusos, teimosos, medíocres... meninos ou meninas,
pobres ou ricos, sem exceção – pudessem ser úteis no desempenho de funções sociais, a fim
de alcançar o modelo de perfeição preconizado pelo ideário comeniano: “Jesus Cristo”. Para
tal feito, as escolas deveriam ser organizadas mediante uma ordem que incluía um método
único de ensino que deveria preparar o espírito dos novos engenhos à aprendizagem, partindo
sempre do simples para o complexo, isto é, do concreto – experimentação e conhecimento das
coisas - para o abstrato – compreensão das palavras e dos conceitos; fazendo uso de imagens,
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brincadeiras e de jogos para despertar o interesse dos educandos. Além disso, caberia às
escolas uma boa organização do tempo, do calendário letivo, da disposição dos alunos em
classes e carteiras, das matérias a serem ensinadas, dos recursos didáticos, etc., de modo que
todos tivessem acesso a uma formação universal, prazerosa e significativa à vida, sem
sobrecarga de tédio e energias.
Assim, em sua proposta de ensinar tudo a todos, Comenius propõe que a escola se
reorganize mediante quatro graus sucessivos de ensino, quais sejam: a) a Escola Maternal
voltada à educação da primeira infância, sendo esta etapa considerada por Comenius a mais
importante, já que prepara as “sementes” da inteligência, associando-se à esperança da
regeneração do homem e à reforma universal de todas as coisas; b) a Escola Nacional ou
Vernácula para a meninice, cujos fins relacionam-se à aquisição da prontidão e esbeltez do
corpo, dos sentidos e da inteligência. Articulada em seis classes de estudo nas quais se
aprendem a leitura, a escrita, a matemática, os primeiros preceitos morais e os rudimentos da
fé; c) a Escola de Latim ou Ginásio voltada à adolescência que objetiva colocar em forma as
noções recolhidas pelos sentidos para melhor clareza no uso do raciocínio, educando os alunos
para a elegância expressiva e para a leitura pessoal de textos; d) e, a Academia para a
Juventude que se direciona à formação harmônica da sapiência, da virtude e da fé, colocandose como conselho de sábios em lugar apartado e tranquilo.
As concepções de Comenius de criança e sujeito educativo, bem como a sua proposta
de reforma da organização escolar, exerceram grandes ressonâncias no pensamento
educacional moderno e nos modelos escolares implantados no Ocidente, especialmente
voltados à educação da infância. Fato que evidencia a atualidade de seu pensamento
pedagógico em temas relacionados à universalização da instrução escolar, ao ensino a partir
da experiência concreta, ao respeito às fases da vida, bem como à utilização de métodos
atraentes de ensino, incluindo o uso de imagens, de brincadeiras e jogos para despertar o
gosto e facilitar a aprendizagem. Algumas de suas ideias foram compartilhadas e incorporadas
nas propostas educativas de Pestalozzi e Froebel que, à maneira comeniana, associaram o
desenvolvimento infantil à metáfora da planta (KRAMER, 1995; OLIVEIRA, 2008). Tendo sido
amplamente apreciadas, no século XIX e primeiros anos do século XX, por intelectuais que se
preocupavam em reestruturar o sistema educacional dos países americanos, dentre eles os
Estados Unidos e posteriormente o Brasil; contribuindo assim para organização institucional e
práticas educativas dos Jardins de Infância e Escolas Maternais (KRAMER, 1995; OLIVEIRA,
2008).
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3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A moderna concepção de criança, enquanto ser possuidor de especificidades
próprias à infância, segundo Postman (1999), associa-se aos processos de “civilidade” iniciados
na Europa, durante o Renascimento, que afetaram as relações humanas na sociedade
ocidental, sobretudo às vidas das crianças, dos quais os colégios se incumbiram de projetar os
padrões corteses que a nova ordem política, econômica, social e cultural europeia estabelecia
(BOTO, 2002).
Esses processos civilizatórios acabaram originando um sentimento moderno de
infância ancorado no tripé: “alfabetização”, “conceito de educação” e “conceito de vergonha”.
Para Postman (1999), com a invenção da imprensa e popularização dos códigos escritos,
acentuam-se as distâncias entre as crianças e os adultos, cujas linguagens baseavam-se
anteriormente na oralidade, provocando o afastamento das crianças do mundo adulto e dando
surgimento a um espaço próprio à criança: a “infância”. Nas palavras de Postman (1999, p. 34):
“[...] como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um
outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como
infância”.
A criança, então entendida pela incompletude de sua condição social, especialmente
pela “incompetência da leitura”, no quadro da vida citadina em curso, passou a ser
vislumbrada como um sujeito que “deverá ser regulado, adestrado, normalizado para o
convívio social” (BOTO, 2002, p. 17). E essa intervenção se efetivou, em grande medida, por
meio da atuação dos educadores reformadores que, contrapondo-se à ideia das escolas
enquanto “espantalhos de crianças”, na visão de Erasmo, e “torturas para as mentes”, na visão
de Comenius, defendiam o processo educativo com base no conhecimento da Psicologia
Infantil (ARIÈS, 1978), a fim de incutir, nos simbolismos das crianças e de suas famílias, padrões
de civilidade como a graça, a eloquência, a virtude e a obediência; enfim, as boas maneiras
(BOTO, 2002).
Dessa maneira, conforme se refletiu, neste trabalho, através do exame das
concepções de criança e sujeito educativo em Erasmo e Comenius, até bem pouco tempo as
crianças eram pensadas a partir de uma universalização de categorias pertinentes à visão
adultocêntrica de infância. O parâmetro de análise parece não ser a criança em si, mas o ser
humano em processo de constituição, que deveria receber, desde o nascimento, uma
educação esmerada composta por valores cristãos para constituir, no futuro, uma humanidade
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intelectual e moralmente melhor. Em Erasmo destaca-se a formação do homem cortês,
pautada “na nobreza de mérito, da nobreza de caráter, da nobreza intelectual... mas ainda da
nobreza” (BOTO, 2002, p. 21). Em Comenius, a criança corresponde “ao rascunho do adulto em
formação” (BOTO, 2002, p. 41), cuja educação deveria consistir um modelo de perfeição, que
repercutiria na possibilidade concreta de regeneração da humanidade.
Assim, entende-se que a concepção de criança é uma noção historicamente
construída que se transforma ao longo dos tempos, associando-se a critérios políticos, sociais,
econômicos, científicos e culturais de cada época histórica. Todavia, investigar a criança não é
uma tarefa simples, haja vista que “ao fator idade estão associados determinados papeis e
desempenhos” (KRAMER, 1995, p. 15). E esses mecanismos dependem da classe social em que
a criança esteja inserida. A participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, de
brincadeiras e atividades consideradas, pelos adultos, próprias à infância se diferenciam de
acordo com a posição social de cada criança e da estrutura socioeconômica familiar. A sua
inserção social, portanto, se apresenta “diversa”, fazendo com que se torne “impróprio ou
inadequado supor a existência de uma população infantil homogênea” (KRAMER, 1995, p. 15).
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notas de Luiz Feracine. São Paulo, Editora Escala, s/d. (Coleção Grandes Obras do Pensamento
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OLIVEIRA, Zilma R. de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008.
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A IMPORTÂNCIA DA ADAPTAÇÃO NA CRECHE: UM
NOVO OLHAR SOBRE ESSA ANTIGA QUESTÃO
Edna Maria Alves Fernandes
RESUMO
O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o acolhimento e adaptação das crianças na creche
da UFRN. Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa. Na
metodologia destacaram: as observações, relatos das professoras e enfermeiras sobre
cuidados oferecidos na adaptação. O referencial teórico esta respaldo em Santos 2004,
Maranhão 1998, Oliveira 2006. O resultado torna-se relevante devido à indissociabilidade do
cuidar e educar apontando alguns avanços, potencialidades e desafios à construção de novas
praticas educativas com as crianças.
Palavras-chave: adaptação, creche, enfermagem.
THE IMPORTANCE OF ADAPTATION IN DAY CARE: A NEW PERSPECTIVE ON THIS
ANCIENT QUESTION
ABSTRACT
The objective of this study was to reflect on the reception and adaptation of children the Day
Care UFRN. It is treated of an exploratory descriptive research with qualitative approach.
Highlighted in the methodology: observations, reports of teachers and nurses making possible
an understanding of service and especially the child care offered in the adaptation.. The
theoretical referencial is back-up in Santos 2004, Maranhão 1998, Oliveira 2006. The result is
relevant because
of
the inseparability of
care and
educate by
pointing
out
some progress, potential and challenges to the construction of new educational practiceswith
children.
Keywords: adaptation, day care, nursing.
INTRODUÇÃO
No Brasil, a primeira infância é geralmente definida como um período de 0 a6 anos
de idade e por isso é importante proporcionar à criança oportunidades para que ela tenha um
crescimento e um desenvolvimento adequado no que há de mais relevante à espécie humana.
(DIDONET, 2010)
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Um desenvolvimento infantil satisfatório, principalmente nos primeiros anos de vida,
contribui para a formação de um sujeito com suas potencialidades desenvolvidas, com maior
possibilidade de tornar-se um cidadão mais resolvido, apto a enfrentar as adversidades que a
vida oferece.
Nos últimos anos vem apontando a necessidade da educação da criança de até 3
anos fora do lar; esse aumento da demanda se dá pela quantidade de mulheres que têm
crianças pequenas e trabalham fora de casa, conjunto há uma necessidade de contribuir com o
sustento econômico ou desejo de realização profissional e pessoal. Assim como, é comum nos
dias atuais, os avós estarem trabalhando e não poderem ficar com os netos enquanto os pais
trabalham.
Mediante essas transformações familiares os pais buscam um atendimento (tempo
integral) de qualidade nas creches e pré-escolas, uma vida saudável para os filhos incluindo a
procura por instituições que compartilhem o cuidado e a educação da criança, com isso a
procura por creches e pré-escolas vem ampliando progressivamente ao longo dos anos.
No Brasil as creches surgiram gradativamente a partir do século XIX, sendo possível
constatar duas formas de atendimento à criança: creche voltada para crianças pobres e órfãs,
num atendimento assistencialista e compensatório, e pré-escola para as crianças de classe
média e alta, onde domina o trabalho educativo. (FERNANDES, 2007)
Em virtude disso, urge o questionamento sobre as práticas educativas voltadas para a
primeira infância, onde a prática do cuidado infantil enas creches, mais especificamente, vem
sofrendo sérias críticas ao seu modelo assistencialista e compensatório. Mesmo sendo ele
responsável pelo avanço relativo, às leis e aos programas de educação infantil, criandoalguns
equívocos e tabus em torno do cuidado em saúde e educação nesta instância educacional.
Para tentar minimizar essa discriminação do sistema educativo infantil, alguns
estudiosos da educação infantil passaram a estabelecer como critérios de diferenciação entre
creche e pré-escola, a faixa etária, conforme a constituição de 1988 e como está determinada
na LDB - N.º 9.394-96, com a finalidade de evitar ruptura na qualidade da oferta de
atendimento a criança.
Estas duas leis tiveram impacto na Educação Infantil. Com isso as creches têm sido
redefinidas com um espaço educativo que contemple o desenvolvimento da criança
garantindo a continuidade pedagógica nos aspectos cognitivo, emocional, afetivo, social e
físico.
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O cuidar de crianças em contexto educativo, demanda integração de vários campos
do conhecimento, além da cooperação de profissionais de diferentes áreas como: pedagogos,
enfermeiras, nutricionistas. O desenvolvimento integral da criança depende dos aspectos
inerentes à Educação Infantil, dos cuidados relacionados à afetividade, aspectos biológicos do
corpo, qualidade na alimentação, cuidados com a saúde e segurança, estimulação e
brincadeiras que integram o cuidar e educar.
Desta forma, cuidar e educar são conceitos que devem estar associados nas
atividades desenvolvidas com as crianças da escola infantil, já que, além de receber cuidados
básicos, alimentação, higiene, repouso, a criança precisa desenvolver sua identidade pessoal e
social.
Na educação infantil devemos refletir sobre as ações de cuidados para assegurar que
a criança se desenvolva de forma saudável, principalmente os cuidados pessoais relacionados
à promoção da saúde, para que os profissionais educadores possam contribuir nesse processo
de prevenção e controle de doenças.
As crianças constituem um grupo vulnerável para diversas doenças que podem ser
prevenidas e controladas. No entanto, a falta de debates entre profissionais de saúde e
educação leva a uma indefinição do que se entende efetivamente por cuidados com a saúde
no interior das instituições de educação infantil. Para que as instituições de educação possam
contribuir nesse processo de prevenção e controle das doenças que atingem as crianças, é
preciso reconhecer que saúde e doença não são fenômenos puramente biológicos, mas
expressam as condições econômicas, sociais e culturais nas quais vivem as crianças e suas
famílias.
Com a volta das aulas, muitas crianças sofrem dificuldade na adaptação escolar, por
ser o primeiro dia na creche ou por estarem em uma nova turma ou por terem mudado de
professora. Com isso, a temática do acolhimento na educação vem ganhando importante visão
no campo da Educação Infantil e, sobretudo requalificando a discussão a respeito da
adaptação da criança e seus familiares no acesso e permanência na escola.Crianças inseguras,
pais angustiados e sofrendo diante da separação iminente, essa é a realidade em muitas
escolas nos primeiros dias de aula e na creche não é diferente.
Rezende (2004)considera a adaptação como uma questão de saúde, e todos os
profissionais de saúde e educação que trabalham na educação infantil devendo estar
preparados para promovê-la, pois o desconhecido tende a causar medo e insegurança em
todas as crianças com maior ou menor intensidade e a consequência da adaptação afeta
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diretamente ao crescimento e desenvolvimento da criança, como também favorece as
doenças pela diminuição das defesas imunológicas.
E cada vez mais as escolas têm se constituído em um espaço importante para
abordar as questões relativas à saúde das crianças, para que estas tenham um crescimento e
desenvolvimento saudável, com enfoque na alimentação, condições de ambiente (higiene e
saneamento).
Pensando historicamente no surgimento da creche, fica claro que na sua trajetória de
aparecimento e redefinição de papeis, conta com movimentos populares e conquistas sociais
enquanto produto de um processo interativo da coletividade que vê o desenvolvimento
humano como empreendimento conjunto.
Enfim, a concepção assistencialista e higienista encontram-se até hoje arraigada na
creche e na escola de modo geral, como proposta da saúde escolar que tem como objetivo
ensinar normas de higiene aos alunos. Para que as instituições de educação possam contribuir
nesse processo de prevenção e controle das doenças que atingem as crianças, é preciso
reconhecer que saúde e doença não são fenômenos puramente biológicos, mas expressam as
condições econômicas, sociais e culturais nas quais vivem as crianças e suas famílias. (BRASIL,
2006).
No tocante, o presente artigo aborda um relato da experiência da adaptação das
crianças e de suas famílias realizada na Unidade Educacional Infantil (UEI), uma creche da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que tem como objetivo o cuidar e o educar de
crianças dos4 meses aos 4 anos, com suas especificidades de crescimento e desenvolvimento,
realizando ainda prevenção da doença e promoção da saúde da criança. Todo esse trabalho de
cuidar começa com a adaptação da criança em seu novo ambiente, e para isso é realizado um
planejamento do acolhimento de forma interdisciplinar junto aos profissionais no cotidiano
pedagógico da creche desse estudo.
2. O QUE É ACOLHIMENTO?
O acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH) no campo
da saúde é entendido, como uma diretriz ética/estética/política constitutiva dos modos de se
produzir saúde e ferramenta tecnológica de intervenção na qualificação de escuta, numa
construção de vínculo, garantindo o acesso com responsabilização e resolutividade nos
serviços. (BRASIL, 2006).
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O acolhimento é considerado como um instrumento de trabalho que incorpora as
relações humanas. É um modo de operar os processos de trabalho em saúde, numa forma a
atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no
serviço uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas aos usuários.
O acolhimento na educação tem se mostrado, uma estratégia potencializadora da
adaptação e organização do serviço na educação infantil, quando articulado a outras práticas
que busquem a definição e o reconhecimento das necessidades da criança, permitindo-se
assim, o estreitamento do vínculo com os pais ou responsáveis bem como o incentivo à
autonomia da criança.
De acordo com o Plano Nacional pela Primeira Infância, o acolhimento de crianças
em qualquer das modalidades previstas legalmente configura um trabalho complexo que
articula necessariamente a ação de diferentes sujeitos, em diversos âmbitos de intervenção,
em um trabalho conjunto com as demais políticas setoriais. (DIDONET et al, 2010)
Na educação infantil a chegada das crianças na creche é conhecida pelos educadores
infantis como adaptação. Rossetti, (1998)critica a utilização deste termo, pois sugere
conformismo, ajustamento, submissão, resignação, o que é diferente das mudanças que
vemos acontecer na creche, substituindo-o então pelo termo acolhimento, compreendendo
que este conceito é mais apropriado aos cuidados que a criança e sua família necessitam neste
momento ser acolhida.
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, no que concerne ao
professor assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das
crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão
incondicional aos valores do outro. (BRASIL, 1998).
Neste trabalho utilizaremos o termo acolhimento compreendendo-o como um
processo de transição no momento de chegada da criança a instituição e todos os cuidados
oferecidos pelo educador.
Nesse sentido, as instituições infantis por intermédio de seus profissionais devem
desenvolver a capacidade de ouvir, observar, compartilhar saberes e aprender com as famílias
sobre as necessidades das crianças para que possam planejar e orientar a adaptação.
3. METODOLOGIA
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Esse relato trata-se de um estudo descritivo, no qual fazemos um relato de
experiência baseado na experiência da enfermeira educadora infantil da creche e em estudos
bibliográficos, focado nas ações de acolhimento e adaptação da criança.
O cenário dessa experiência foi a Unidade Educacional Infantil (UEI), Creche da Saúde
como é mais conhecida. Esta localizada no Complexo do Centro de Ciência da Saúde da UFRN,
atendendoa 70 crianças em tempo integral, na faixa etária de 4 meses a 4 anos, possuindo
uma equipe de 39 multiprofissionais e multidisciplinar (pedagogas, enfermeiras, nutricionistas,
lactaristas, cozinheiras, discentes de pedagogia e serviços gerais).
4. ACOLHENDO A CRIANÇA NA CRECHE
O ingresso da criança na creche é dado no ato da matricula, tendo como pré requisito a inscrição da mesma a apresentação da Xerox do registro e da carteira de vacina,
por ser um documento de garantia da cidadania e saúde da criança; o cartão da criança é um
instrumento que possibilita à enfermeira da instituição o acompanhamentodo crescimento e
desenvolvimento da criança, na história de vida da família, como também na situação vacinal
da criança,combatendo por meio da prevenção, doenças susceptíveis na infância, devendo ser
trabalhado em parceria com a escola, com os serviços de saúde da comunidade e a família.
Após a matrícula e o preenchimento da ficha de identificação da criança a enfermeira
faz uma entrevista com a genitora, preenchendo um questionário que explora desde a
gestação, nascimento, crescimento e desenvolvimento, a situação da família, antecedentes
familiares e pessoais e hábitos da criança. Nessa oportunidade, a enfermeira esta receptiva as
perguntas, procurando esclarecer dúvidas e minimizar ansiedades dos pais.
Nessa ótica, aadaptação pode ser considerada como um processo de familiarização
da criança, de sua família e do educador a uma situação nova e esse é um momento muito
importante para ambos, pois constitui uma oportunidade de estabelecerem novos vínculos
afetivos dentro de uma convivência diferente da família. (RÊGO, 1995).
Inseridos nessa proposta,a creche e, principalmente no berçário a UEI considera de
suma importância o processo de acolhimento da criança à creche. A fase de acolhimento na
creche é diferente para cada faixa etária e requer uma atenção redobrada com os bebês de até
um ano e também com os novatos (crianças pela primeira vez na creche), pois tudo para ele é
novidade, o ambiente, os brinquedos, a convivência com outras crianças e adultos.É previsível
que esse período traga algum desconforto para a criança e para os adultos. É possível diminuir
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o desconforto e proporcionar uma adaptação tranquila e saudável para as crianças e seus
familiares.
Nesse sentido, é importante que a escola tenha se programado para esse momento,
como a qualidade e quantidade de profissionais para atender todas as crianças, contar com a
parceria dos pais, que é fundamental para assegurar uma adaptação tranquila e confortável
diante do novo e da insegurança por parte das crianças, dos pais e educadores.
Portanto consideramos a chegada da criança na creche um momento muito especial
que a cada ano vem sendo repensado e reconstruído com toda a equipe, principalmente por
as crianças permanecerem em tempo integral, e ocorre de forma diferenciada para cada uma
delas, cada pai/mãe, cada professora, e toda a equipe da escola passa pelo processo de
adaptação, pois estão envolvidos com o novo.
5. PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO ADOTADA PELA CRECHE PARA O ACOLHIMENTO
O acolhimento na UEI é sempre cuidadosamente planejado para promover a
confiança e o conhecimento mútuo, favorecendo o estabelecimento de vínculos afetivos entre
as crianças as famílias e os educadores.
Entendendo que a repercussão da qualidade da ligação afetiva estabelecida na
infância se estende por toda a vida. É nessa primeira relação positiva que a criança vai
aprendendo a ter confiança em si próprio e no adulto que a rodeia. Para melhor conhecimento
e aprofundamento científico a equipe da creche faz grupos de estudo e pesquisa sobre a
temática do acolhimento, pois reconhece o período de adaptação e acolhimento como um
momento muito especial para a criança, família e instituição.
Para isso, na ficha de identificação no ato da matrícula junto com a entrevista da
enfermeira temos uma entrevista pedagógica para que o educador que vai ficar com a criança
responda com os pais. Certificando do desenvolvimento e das limitações de cada criança,
respeitando o ritmo de cada um e contar com a ajuda dos pais ou responsável para se adequar
nos procedimentos nas situações de cuidado e de aprendizagem.
Toda a equipe fica envolvida nas definições de estratégias que possam contribuir
para o processo de acolhimento das crianças e de suas famílias na creche.
Planejar e fazer atividades no parque promove a criança o trabalhoda coordenação
motora de forma lúdica, oportunizando interagir mais livremente, com dinâmicas e diversões.
Adquirindo experiências sociais e diferentes da experiência familiar. Portanto, é um ótimo
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momento de integração do grupo, com muito envolvimento entre os participantes, levando-os
a perceber a importância do outro para a realização da atividade. E assim, as crianças passam a
ver o colega não mais como perigo, disputa, mas como um elemento importante para a
realização da brincadeira, que sozinho não teria como acontecer.(OLIVEIRA, 2000;
MARANHÃO, 2004).
Planejar e desenvolver formas de interação com as famílias possibilitam o
estabelecimento de relações de confiança, segurança e parceria ao longo da permanência da
criança na creche.
Anterior ao período de acolhimento das crianças ocorre uma reunião com as famílias,
onde é apresentada a equipe da creche, as turmas, a proposta de trabalho da creche, em nível
administrativo e pedagógico e também são dados algumas orientações para uma melhor
adaptação.
É previsível que o processo de acolhimento traga algum desconforto para a criança e
os pais, mas não precisa ser dessa forma o início do ano letivo, principalmente para os bebes.
Sendo possível diminuir esse desconforto e proporcionar uma adaptação tranquila e saudável
para as crianças e seus familiares.
Orientar aos pais e/ou responsáveis para que a vinda da criança seja preparada, que
informe a respeito da creche, que avise sempre a criança quando vai sair e a que horas vai
volta, pois mesmo que inicialmente chore, a criança sente-se confortável e segura tendo um
referencial de horário comparando com a rotina da creche. Também se orientaa possibilidade,
de que não haja outras mudanças significativas concomitantes a esse processo, como a
retirada de chupeta, mudança de casa, chegada de uma nova babá, e para facilitar a
integração da criança nos primeiros dias, seu ingresso deverá ocorrer de forma gradativa e
aumentando o tempo de sua permanência, os pais fazer o possível para não atrasar o horário
de pegar a criança, pois ela se sentirá abandonada já que todas as crianças estão saindo e ela
fiando.
Portanto, enfatiza-se a importância para que as professoras sejam acolhedoras, que
recebam as crianças com um abraço caloroso ou cumprimentos de bater as mãos. Palavras de
carinho, elogios também auxiliarão na vinculação afetiva dos mesmos. Organizar o ambiente
de forma acolhedora, repensando a rotina em função da chegada das crianças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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É relevante ressaltar que o período de adaptação não ocorre ao mesmo tempo com
todas as crianças. Assim, a criação de um ambiente saudável, capaz de alterar positivamente o
modo de vida das crianças, de suas famílias e da comunidade de modo geral, é um desafio que
o Brasil precisa enfrentar urgentemente. Vislumbrando a infância como uma das fases da vida
onde ocorrem às melhores e maiores modificações físicas e psicológicas. Essas mudanças
caracterizam o crescimento e desenvolvimento infantil que precisam ser acompanhadas de
perto por pessoas capacitadas.
O resultado torna-se relevante devido à indissociabilidade do binômio cuidar e
educar crianças, pelas suas próprias características e especificidades de sua faixa etária. Cada
vez mais as escolas tem se constituído em um espaço importante para abordar as questões
relativas a saúde das crianças nas instituições de educação infantil, promovendo ações de
higiene, nutrição, prevenção de doenças e acidentes, através da realização de atividades que
busquem o crescimento e desenvolvimento da criança em suas mais amplas esferas: social,
afetiva, psicomotor e cognitiva. Assim, o trabalho de saúde e educação realizado na creche
utiliza-se de conceitos relevantes como trabalho em equipe e interdisciplinaridade, apontando
alguns avanços, potencialidades e desafios à construção de novas praticas educativas com as
crianças.
Enfim, as vivências que ocorrem na creche serão determinantes para a formação da
criança e irão pautar todo o seu comportamento futuro, e ter o domínio do conhecimento
científico do desenvolvimento infantil respaldados pelos estudiosos da neurociência contribui
na qualidade do atendimento da criança na creche.
Essa é a razão da preocupação pela qualidade no acolhimento da criança na creche.
Pensando num melhor aperfeiçoando de seu desenvolvimento, numa concepção de criança,
promovendo a modificação de um currículo adaptado e consequentemente, melhorando o
material didático e qualificando os educadores.
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A INFANTILIZAÇÃO DO LÚDICO E DO BRINQUEDO:
REVENDO A PRÁTICA PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL
Eliseu Riscarolli 45
RESUMO
Temos assistido ao longo dos anos uma valorização do lúdico na educação infantil e com isso a
'descoberta' do brinquedo. O que nos remete a uma questão fundamental: é preciso
pedagogizar o brinquedo para compreender sua função na aprendizagem? Para responder
esta questão vamos tentar compreender a função do brinquedo, na perspectiva de alguns
autores como Gramsci, Piaget, Benjamim, Brougère entre outros, que utilizaram o brinquedo
como forma de refletir sobre como a criança constrói estratégias de aprendizagens, sem
obrigatoriamente infantilizar ou pedagogizar uma criação que a criança usa nas brincadeiras
ou como forma de brincar. Entender o brinquedo enquanto um objeto que tem 'apenas a
possibilidade de aprender' sem necessariamente impor uma aprendizagem por meio de um
brinquedo. Creio ser urgente que a pedagogia reflita sobre um equivoco, qual seja, transferir
ao brinquedo uma capacidade de ensinar que deveria ser do professor, se e quando se
propuser a refletir sobre a práxis e suas consequências, por exemplo, numa atividade
pedagógica. O que dever ser pedagógico é a ação do professor ao analisar a forma, as
estrategias, os recursos, a metodologia que a criança usa na brincadeira, no exercício com o
brinquedo. Parece pouco inteligente atribuir ao brinquedo uma função pedagógica quando ele
não a tem. Um brinquedo é para ser usado como tal, e não como recurso pedagógico.
Palavras-chave: brinquedo, infância, currículo, ludicidade.
Iniciando a conversa...
Não é de hoje que os educadores tomam o brinquedo/brincadeiras e o lúdico como
algo 'necessário' ao ato pedagógico. Essa necessidade é discutível, tanto do ponto de vista das
estratégias, quanto dos resultados com eles alcançados.
Vamos começar a conversa considerando alguns aspectos em relação ao brincar. Se
tomarmos a questão filosófica, o brincar é abordado como um mecanismo para se contrapor à
racionalidade. Reportando-nos aos jogos olímpicos gregos, os mesmos eram tidos como um
momento lúdico, sem a preocupação antecipada de usá-los como estratégias de
aprendizagem, é bem verdade que se aprende nos jogos nas brincadeiras, todavia a 'receita'
não nasceu com o jogo. Aqui emoção e razão são parte da ação humana.
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Por outro lado, no viés sociológico, o brincar tem sido visto como a forma mais pura
de inserção da criança na sociedade. Brincando, a criança vai assimilando crenças, costumes,
regras, leis e hábitos do meio em que vive. Age e reage às adversidades que o brinquedo lhe
apresenta. Muda regras, reorganiza, cria alternativas para satisfazer suas necessidades
momentâneas.
Considerando o ponto de vista psicológico, o brincar está presente em todo o
desenvolvimento da criança, nas diferentes formas de modificação de seu comportamento; e,
quando se toma como base o pedagógico, o brincar tem-se revelado como uma estratégia
poderosa para a criança aprender. Mas creio que o fundamental nessa conversa seja
considerar a criatividade da criança, tanto o ato de brincar como o ato criativo estão centrados
na busca do “eu”. É no brincar que se pode ser criativo, e é no criar que se brinca com as
imagens e signos fazendo uso do próprio potencial (Santos. 1999.).
Eis aqui um equívoco... o que frequentemente vemos, são professores querendo
moldar a brincadeira para satisfazer uma necessidade sua, de educador, atribuir ao lúdico uma
função de aprendizagem que ele não tem. A aprendizagem é uma característica que o sujeito
desenvolve. Uma das tarefas do professor é, ao observar a criança brincando, transformar o
modo como ela age/interpreta a/na brincadeira numa sistematização metodológica do
processo, mas não dizer como se brinca metodologicamente, muito menos que tal brincadeira
serve pra esta aprendizagem ou aquela. Isso, de certa forma já vem implícita na brincadeira,
embora a criança “não saiba”. O que caberia ao professor é identificar os passos dado pela
criança nesta ou naquela brincadeira; porque crianças de lugares diferentes arrumam
estratégias diferentes para uma mesma brincadeira; bem antes de algum professor querer
enquadrá-la. Refletir sobre como a criança cria passos durante a aprendizagem e não formatar
as brincadeiras e troná-las enfadonhas.
Brincadeira está intimamente relacionado a brinquedo. Pipas, carrinhos de rolimã,
bonecas, pião, bola de gude, entre outros, são produtos da cultura, que antes de ser um
legado, é uma construção. Se considerarmos que nos E.U.A as crianças tem, em média, 20
brinquedos durante a infância; na Europa cerca de 34 brinquedos e no Brasil apenas 6,
podemos inferir que isso também limita a criatividade e imaginação da criança. Quanto menor
o numero de instrumentos disponíveis para a criança em suas brincadeiras, menor a percepção
de possibilidades e formas de brincar. É verdade que se uma criança não tem brinquedos, ela
os fabrica, todavia, isso é fruto também do legado de sua família, do grupo social do qual faz
45
Prof. Adjunto do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins. Membro do Núcleo de Estudos das Diferenças de
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parte, do que Bourdieu chamaria de “capital incorporado das brincadeiras”. Mas também é
preciso saber diferenciar brinquedo, brincadeiras e jogos. Se os brinquedos podem trazer
embutido um conjunto de regras, eles são passiveis de serem quebrados, readaptados,
colados, desviados de função inicial. Por sua vez as brincadeiras são mais flexíveis, já que não
chegam aos brincantes em caixas. Vem pela lembrança, pela memória, assim sofrem maiores e
constantes modificações durante a execução da brincadeira. Ainda resta deixar claro que os
jogos não serão objeto de reflexão neste momento, apenas recorremos a uma conceituação
para que, na curiosidade natural do Homem, os leitores já tenham previamente, algum
esclarecimento sobre estas diferentes atividades/objetos que permeiam a vida das crianças e
por vezes também dos adultos. Diferente das brincadeiras e dos brinquedos, o jogo não se
presta apenas as crianças, tem regras mais rígidas, não tem por função entretenimento, mas,
sobretudo, percepção de estratégias, rapidez, cercear a liberdade do outro jogador e por fim,
vencer.
Conceitos
Segundo Brougère, brinquedo é:
“produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos [...] é
menos uma representação do real que o espelho da sociedade, quer dizer
das relações entre crianças e adultos. Não condiciona a ação da criança [...],
trata-se antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem
estar condicionado a regras ou princípios de utilização de outra natureza [...]
ele é também um objeto de investimento afetivo, de exploração e de
descoberta, sem se inserir num comportamento lúdico. É o suporte para a
brincadeira” (2010. p. 7ss).
Por sua vez, brincadeira é: “comportamento livre e consentido sem objeto de
resultado, exceto o prazer, possibilitando aquisição de códigos culturais”. E como terceiro
recurso a atividade lúdica pedagógica se configura como atividade direcionada pelo professor
para atender um objetivo relacionado a aprendizagem. Cremos ser este o 'xis' da questão: o/a
professor/a não consegue diferenciar conceitualmente essas três atividades e com isso, rotula
ou estabelece, erroneamente, que o brinquedo ou a brincadeira deve atender esta ou aquela
finalidade. Às vezes chego a me perguntar se o professor sabe diferenciar desenvolvimento de
aprendizagem. Será que ele compreende que o primeiro é endógeno e a segunda exógena
(Macedo & Passos. 2005). Embora aja uma estreita e intrínseca relação entre as duas coisas, o
Gênero, coordenador do Seminário anual Educação, Gênero e Infância.
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professor deve ser capaz de identificar quais das aprendizagens da brincadeira a criança torna
perene e quais são passageiras, e porque ela faz isso, evidentemente.
Em relação ao jogo, cabe aqui retomar alguns autores que o definem como: “O
homem não joga senão quando na plena acepção da palavra ele é homem, e não é totalmente
homem senão quando joga” (Schiller apud Duflos, 1999).
Para Huizinga, jogo é:
“uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e
determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si
mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma
consciência de ser diferente da vida cotidiana” (Huizinga, 2007. p. 33).
Ainda é bom trazer a tona a observação de Kishimoto (2000), quando diz que a
brincadeira é o jogo infantil, não existindo diferença significativa em termos estruturais entre
ambas atividades. Creio que isso aguça, momentaneamente, o leitor para aprofundar a
questão em outra hora, embora discordamos da autora a respeito de usar os termos jogo e
brincadeira como sinônimo. Voltemos então ao brincar/brinquedo.
Considerando a conceituação inicial de Brougeré, deve ser por isso que Benjamin
(2009) dizia que brincar era libertar-se. Ele, mesmo quando não imita os instrumentos dos
adultos, é o confronto, e na verdade, não tanto da criança com os adultos, mas destes com a
criança. E diz: “a máscara do adulto chama-se experiencia”. É bem provável, segundo o autor,
que os adultos queiram, seguidamente corrigir as formas e os tipos de brincadeiras, ora:
“se as crianças devem tronar-se um dia sujeitos adultos completos, então
não se pode esconder delas nada que seja humano. A sua inocência já
providencia espontaneamente todas as restrições, e mais tarde, quando
estas começam a ampliar-se aos poucos, o elemento novo encontrará
personalidades já preparadas [...] mesmo extraviada, quebrada e
consertada, a boneca mais principesca transforma-se numa eficiente
camarada proletária na comuna lúdica das crianças” (2009. p. 87).
Este excerto de Benjamim coaduna com as reflexões de Gramsci46 sobre ser franco e
contar tudo as crianças, isto pode ser observado na carta 14 de fevereiro de 1927, onde o
italiano é enfático ao recomendar à mãe princípios para a educação de sua sobrinha Edmea:
“lembra-se das minhas artimanhas para poder tomar um bom café, sem
mistura de cevada e outras porcarias? Veja: quando penso nessas coisas,
46
Antônio Gramsci. Estudou letras na universidade de Turim, escreveu como jornalista no Avanti e como escritor de teoria política
no L'ordine Nuovo. Ajudou a organizar, em 1921, o partido comunista. Casou com a violonista russa Giulia Schucht com teve dois
filhos: Delio e Guiliano, em 1926 foi preso. Durante o tempo no cárcere escreveu 2.848 paginas daquilo que seriam conhecidos
mais tarde como cadernos do cárcere. Elaborou o conceito de hegemonia e escreveu sobre cultura, política entre outros temas.
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penso também que Edmea não terá tais recordações quando crescer e que
isto influirá muito em seu caráter, determinando nela uma certa moleza e
um certo sentimentalismo que não são muito recomendáveis neste tempo
de ferro e fogo no qual vivemos. Uma vez que Edmea também deverá abrir
por si só seu caminho, deve-se pensar em reforçá-la moralmente, em impedir
que vá crescendo rodeada pelos elementos da vida fossilizada do lugar.
Penso que devem lhe explicar porque seu pai Nannaro, não pode voltar do
exterior e como isto se deve ao fato de ele, como eu e muitos outros,
pensamos que muitas Edmeas que vivem neste mundo deveriam ter uma
infância melhor do que a que nós atravessamos e ela mesma atravessa. E
devem lhe dizer sim, sem subterfúgios, que eu estou preso, assim como seu
pai esta no exterior. Por certo devem levar em conta a sua idade e o seu
temperamento, e evitar que a pobrezinha venha a se afligir muito, mas
também devem dizer a verdade e assim acumular em seu interior
recordações de força, de coragem, de resistência aos sofrimentos e às
amarguras da vida” (carta 14 de 26/02 de 1927).
Ninguém nega a importância do brincar e do brinquedo no processo de socialização
da criança, seja do ponto de vista filosófico, de aprendizagem, da criatividade, ou psicológico,
o brincar e o brinquedo, podem desempenhar um papel especial no processo de educação da
criança.
Ainda recorrendo a Gramsci, ele expõe sua preocupação em relação ao uso de
brinquedos pelos filhos,
“o principio do Meccano é pro certo ótimo para os meninos modernos,
escolherei a combinação que me parecer mais oportuna e depois lhe
mandarei. [...] você deve me informar sobre o modo como Délio interpreta o
Meccano, isso me interessa muito porque nunca cheguei a uma conclusão
sobre se o Meccano, tolhendo o espírito inventivo próprio da criança, será o
brinquedo moderno que se pode recomendar, penso que a cultura moderna
(tipo americana), da qual o Meccano é expressão, torna o homem um pouco
seco, maquinal, burocrático e cria uma mentalidade abstrata, diferente
daquilo que no século passado se entendia por abstrato” (cartas do cárcere
48, 57).
Já para Piaget (1973), os jogos e as atividades lúdicas tornam-se significativas à
medida que a criança se desenvolve, com a livre manipulação de materiais variados, ela passa
a reconstituir, reinventar as coisas, o que já exige uma adaptação mais completa. Essa
adaptação só é possível, a partir do momento em que em que ela própria evolui internamente,
transformando essas atividades lúdicas, que é o concreto da vida dela, em linguagem escrita
que é o abstrato. Assim, a psicanálise e a psicologia remetem o brincar ao inconsciente. Pela
brincadeira a criança dominaria suas angustias, comunicaria sentimentos, fantasia
intercambiando o real e o imaginário. Ora parece meio frouxa essa ideia do brincar como
sendo inconsciente. Brincar com uma boneca ou carrinho é algo real para a criança naquele
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momento. A fantasia e obra do adulto. Nós é que classificamos a ação da criança como real ou
imaginaria, considerando nosso arcabouço teórico, cultural, social e econômico.
É daí que aparece a noção de perspectiva cognitiva relacionada ao brincar. Isso pode
ser visto em Oliveira e Mariotto (1997), numa leitura da cognição enquanto domínio de
aspectos que o adulto vai precisar quando estiver nesta fase. Presumimos que seja por isso
que, como diz Oliveira (2010):
“ao não aceitar o significado aparente do brinquedo, a criança ultrapassa a
interpretação convencional acerca dele, ao contrario dos adultos que o
brincar esta relacionado ao entreter-se com amenidades, por vezes visando
a fuga da vida cotidiana, nas diferentes esferas [...] o estudo acerca do
brinquedo é para entender a situação social das crianças em relação aos
adultos”.
Por exemplo, brincar de boneca representa uma situação que ainda vai viver
desenvolvendo um instinto natural. Como benefício didático, as brincadeiras transformam
conteúdos maçantes em atividades interessantes, revelando certas facilidades através da
aplicação do lúdico. Outra questão importante é a disciplinar, quando há interesse pelo que
está sendo apresentado e faz com que automaticamente a disciplina aconteça. Concluindo, os
benefícios didáticos do lúdico são procedimentos didáticos altamente importantes; mais que
um passatempo; é o meio indispensável para promover a aprendizagem disciplinar, o trabalho
do aluno e incutir-lhe comportamentos básicos, necessários à formação de sua personalidade.
Illich (1976), afirma que os jogos podem ser a única maneira de penetrar os sistemas
formais. Suas palavras confirmam o que muitas professoras de primeira série comprovam
diariamente, ou seja, a criança só se mostra por inteira através das brincadeiras. Como
benefício social, a criança, através do lúdico representa situações que simbolizam uma
realidade que ainda não pode alcançar; através dos jogos simbólicos se explica o real e o eu.
Referencias bibliográficas
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Mazzari. Editora 34. 2002.
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Huizinga, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5 edição. Perspectiva, 2007.
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Macedo, Lino; Petty, Ana Lúcia S.; Passos, Norimar C. Os jogos e o lúdico na aprendizagem
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Poletto, Raquel C. Ludicidade e contexto familiar. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 10, n. 1, p.
67-75, jan./abr. 2005
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A PRÁTICA DO ESTÁGIO E A IMPORTÂNCIA DA
LUDICIDADE NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Emanuela da Silva Soares
Aluna do Curso de Pedagogia da UFCG/CFP
Profª Ms. Nozângela Maria Rolim Dantas
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo relatar as atividades desenvolvidas durante o Estágio
Supervisionado em Educação Infantil com alunos na faixa etária de três a quatro anos, bem
como apresentar a importância da ludicidade para o desenvolvimento infantil. Para a
realização do estágio foram elaborados planos de aula, em que foram trabalhadas atividades
corporais, perceptivas, cognitivas, sociais bem como atividades lúdicas. Por meio das
descobertas e da criatividade, a criança pode se expressar, analisar, criticar e transformar a
realidade. Foi no período de observação e intervenção que tivemos a oportunidade de
conhecer a realidade da creche a partir de outro olhar e só assim pudemos refletir e intervir de
forma direta na realidade escolar através das atividades diferenciadas da habitual. O estágio
foi o momento para entrarmos em contato com a docência e percebermos o importante papel
formador que tem o/a estagiário/a.
Palavras – chave: Identidade docente; Lúdico; Reflexão.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho foi elaborado na disciplina Estágio Supervisionado em uma
Creche Pública Municipal, com crianças na faixa etária de três e quatro anos na cidade de
Cajazeiras/PB. É, ainda, exigência uma do curso de Pedagogia do Centro de Formação de
Professores da Universidade Federal de Campina Grande e foi realizado no período de 2010.2.
Tem a finalidade de apresentar informações sobre o estágio e a importância da ludicidade no
desenvolvimento das atividades.
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A importância da ludicidade no contexto da educação infantil
Antes de adentrarmos na reflexão voltada para a importância da ludicidade, faz-se
necessário conhecer, inicialmente, alguns aspectos existentes na Creche para que seja possível
um maior entendimento da sua realidade educacional. A Creche atende hoje cerca de 80
(oitenta) crianças, sendo que 19 (dezenove) estão no maternal e 31(trinta e uma) no nível I,
mas apenas 20 (vinte) freqüentam assiduamente. Foram matriculadas 30 (trinta) crianças no
nível II, mas apenas 20 (vinte) comparecem com assiduidade.
No que diz respeito aos ambientes recreativos, a creche possui o pátio e o parquinho,
porém essas duas áreas foram construídas de forma irregular para desenvolver atividades
pedagógicas. No parquinho há um balanço e um escorregador com altura inadequada para a
faixa etária atendida pela creche, o que faz com que este não seja utilizado para não por em
risco a integridade física das crianças. Quanto ao pátio, foi construído voltado para o sol
fazendo com que esse espaço não possa ser utilizado no período da tarde, dificultando, assim,
o desenvolvimento de atividades pedagógicas.
Quanto à estrutura pedagógica há na creche o Projeto Político Pedagógico – PPP com
propostas de trabalho flexíveis e dinâmicas, compostas de: identificação, estrutura física da
instituição, histórico da instituição, marco referencial, diagnose, justificativa, objetivos,
metodologia, organização curricular, cronograma de execução e avaliação. Levando em
consideração esta estrutura são realizadas mensalmente reuniões para planejamentos e para
discutir assuntos relacionados ao funcionamento da própria instituição.
A interação professor-aluno na instituição se dá mediante as trocas que acontecem
em sala de aula, onde tanto o professor, quanto o aluno, troca saberes que contribuem para a
aprendizagem e formação de cada um em um processo que vai se construindo
cotidianamente. A partir desta construção observa-se um ciclo de amizades e afetos entre os
envolvidos, demonstrando, assim, a boa relação existente entre ambos.
No entanto, a partir da articulação teoria-prática vivenciada durante o Estágio
Supervisionado foi possível percebermos os principais problemas enfrentados na instituição
que é a falta de espaços para desenvolver atividades recreativas, que ficam limitadas aos
espaços da sala de aula. Outro aspecto importante está relacionado à percepção de
professores com relação às atividades lúdicas, pois estes a compreendem como um momento
para brincar, sem nenhum cunho pedagógico.
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Logo, a criança, na faixa etária de 3 a 4 anos, busca utilizar no seu cotidiano a
brincadeira e o brinquedo como ferramenta para descobrir novas sensações, sentimentos,
superar novos obstáculos e satisfazer desejos particulares. Sendo assim é possível
entendermos que,
[...] a educação lúdica é uma ação inerente na criança e aparece sempre
como uma forma transacional em direção a algum conhecimento, em que se
redefine na elaboração constante do pensamento individual em
permutações constante com o pensamento coletivo. (ALMEIDA, 1995, p. 11)
Por meio das descobertas e da criatividade, a criança pode se expressar, criar e
transformar a realidade em que vive a partir da brincadeira. Se bem trabalhada a educação
lúdica poderá contribuir para a melhoria do ensino e, consequentemente, da aprendizagem.
Para Cunha (1994), o brincar é uma característica primordial na vida das crianças,
deixando clara a importância do brincar para criança demonstrando que não se resume a pura
diversão, mas se trata de um processo que envolve a educação, a socialização, a construção do
desenvolvimento e de suas potencialidades.
Levando em consideração a importância da ludicidade como ferramenta educativa,
buscou-se desenvolver as atividades pedagógicas na sala de aula da creche durante o período
do estágio.
Foram trabalhados os crachás os nomes dos educandos de forma que cada um
passou a identificar seu nome no crachá. Trabalhou-se a importância das cores primárias
através de uma exposição prática de mistura de cores.
Através dessas atividades foi possível observar que as crianças gostavam de aprender
brincando e que as atividades proporcionavam liberdade e o prazer de estar em sala de aula,
pois conforme Winnicott (1975, p. 139), “o lugar em que a experiência cultural se localiza está
no espaço potencial existente entre o indivíduo e o meio ambiente (originalmente, o objeto)”.
Outra brincadeira educativa de grande relevância e que chama atenção das crianças
é a contação de história do livro bicharadário por meio de fantoches, que se deu para
aprender as vogais. Por meio do desenvolvimento dessas atividades observamos o que está
escrito no Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil que afirma,
Por meio das brincadeiras podem observar e construir uma visão dos
processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e cada uma em
particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como
de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que
dispõem. (RCNEI, 1998, p. 28)
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Dando continuidade ao processo de aprendizagem tendo o lúdico como principal
recurso, foi pedido as crianças que formassem uma roda para contação da história infantil
“João e o pé de feijão”, por meio de um livro ilustrativo, onde trabalhamos a imaginação,
criatividade, a percepção, a importância das regras e do respeito, além dos conteúdos como,
por exemplo as partes das plantas e a importância da preservação da natureza. Segundo
Almeida
A brincadeira se caracteriza por alguma estruturação e pela utilização de
regras. A brincadeira é uma atividade que pode ser tanto coletiva quanto
individual. Na brincadeira a existência das regras não limita a ação lúdica, a
criança pode modificá-la, ausentar-se quando desejar, incluir novos
membros, modificar as próprias regras, enfim existe maior liberdade de
ação para as crianças. (2005, p. 5)
Levando em consideração as observações feitas por Almeida (2005) e
complementando a história de “João e o pé de feijão”, foi contada a dos “três Porquinhos”,
que nos auxiliou na importância da higiene corporal, sendo complementada através do banho
de bonecas na sala de aula. Além de desenhos e pinturas sobre o tema.
Dessa forma, observa-se como a utilização dos jogos, das histórias e das brincadeiras,
possibilita um ensino mais dinâmico e participativo das crianças na construção do seu processo
de aprendizagem. É nesse espaço que as crianças desenvolvem a socialização e a sua noção de
limite social, pois conforme Wajskop
A criança desenvolve-se pela experiência social nas interações que
estabelece, desde cedo, com a experiência sócio-histórica dos adultos e do
mundo por eles criado. Dessa forma, a brincadeira é uma atividade humana
na qual as crianças são introduzidas constituindo-se um modo de assimilar e
recriar a experiência sócio-cultural dos alunos. (2007, p.25)
Complementando essa reflexão Santos (1997, p. 56) procura demonstrar como se dá
o processo de socialização e da noção do desenvolvimento das regras, pois
[...] no convívio com outras crianças que se aprende a dar e receber ordens,
a esperar sua vez de brincar, a emprestar e tomar como empréstimo o seu
brinquedo, a compartilhar momentos bons e ruins a fazer amigos, a ter
tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade.
Para demonstrar essa reflexão feita por Santos (1997) foi desenvolvida uma
atividade relacionada à educação no trânsito com materiais recicláveis e foi realizada a
construção de um semáforo. Em seguida realizou-se uma atividade de classe em que cada
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criança utilizou tinta guache para pintar bolas de isopor nas cores do semáforo, além de
recortar e colar o semáforo em folhas de papel.
As atividades lúdicas não eram vistas como instrumentos pedagógicos, mas apenas
como um momento que a criança tinha para brincar “[...] Por isso, muitas vezes, os pais não
vêem importância em matricular nela seus filhos, já que ‘para brincar qualquer lugar serve:’
casa, pracinha, rua, escola, etc. (grifo do autor) (GARCIA, 1997, p. 123). Essa é uma
compreensão que, ainda, perpassa o imaginário de alguns pais, pois defendem que a escola é
lugar de aprender conteúdos e não para brincadeiras. Segundo
Compreender a creche como espaço para brincar, sem fins educativos é uma das
afirmações apresentadas por alguns pais que esquecem que é também um espaço de
aprendizagem escolar. Sendo assim, é importante que o professor tenha consciência da
importância dos jogos e das brincadeiras no desenvolvimento infantil e esse é um saber
necessário para que este possa também conscientizar os pais e a todos que fazem parte da
ação educativa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estágio foi o momento para se perceber a realidade pedagógica desenvolvida na
creche, mais especificamente e lá foi possível observar a falta de espaço para a realização de
recreações e atividades pedagógicas, sendo o trabalho limitado apenas à sala de aula.
Ao final do estágio foi possível refletir a sua importância e defender que este é o
momento para repensarmos a docência, a formação do professor no curso de graduação e a
maneira de trabalharmos com a Educação infantil, considerando, especialmente, que a criança
precisa de cuidados básicos, mas também educacionais, por isso a necessidade de unir o cuidar
e o educar na prática educativa na creche. Dessa forma, pode-se definir o estágio como um
momento a mais de reflexão, tanto para quem já atua, quanto para quem está, ainda, se
aproximando da profissão.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola,
1995.
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ALMEIDA, M. T. P. O Brincar na Educação Infantil. Revista Virtual EFArtigos. Natal/RN- volume
03- número 01- maio, 2005.
GARCIA, Regina Leite (org). Revistando a pré-escola. 3 . Ed. São Paulo: Editora Cortez, 1997.
Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasilia MEC/SEF 1998, volume: I
Introdução
versão
eletrônica,
disponível
em:
HTTP://portal.mec.gov.br/Seb/arquivos/pdf/rcnei- vol. 1. pdf.
SANTOS, Santa Marli Pires dos. Brinquedoteca: O lúdico em diferentes contextos. 5 Ed.
Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. 7. ed- São Paulo: Cortez, 2007.
WINNICOTT , D. W. O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.
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QUANDO O PROFESSOR DEIXA DE TER AUTORIDADE E
PASSA A SER AUTORITÁRIO: O USO DA CHANTAGEM E O
PREJUÍZO PARA O CURRÍCULO DE UMA CLASSE DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
Gabriela Queiroz de Alcântara47
Rosinere Evaristo Carvalho
RESUMO
O presente trabalho48 originou-se a partir do estágio de observação proposto pela disciplina
Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro - UFRRJ. A atividade sugerida foi observação e co-regência do cotidiano
escolar de uma turma de Educação Infantil situada em instituição pública. As observações
foram centradas na prática diária do professor, e pôde-se constatar o uso corriqueiro de
atitudes, as quais nomeamos como condições para a obediência, ou seja, certo tipo de
“chantagem” feita pelo professor para conseguir a obediência do aluno. O objetivo deste
trabalho foi problematizar a autoridade que muitas vezes é distorcida para o autoritarismo
prejudicando a participação efetivas de todos os sujeitos envolvidos na construção do currículo
e em sua adequada aplicabilidade cotidiana.
PALAVRAS-CHAVE: chantagem, obediência, autoritarismo, currículo.
WHEN THE TEACHER LETS HAVE AUTHORITY AND CHANGES TO BE AUTHORITARIAN: THE USE
OF BLACKMAIL AND CURRICULUM FOR THE LOSS OF A CLASS OF EARLY CHILDHOOD
EDUCATION
ABSTRACT
This work arose from the observation stage proposed by the discipline of Supervised
Bachelor's Degree in Education from the Federal Rural University of Rio de Janeiro - UFRRJ. The
observation and co-regency of the school routine of a class of kindergarten located in a public
institution has suggested activity. The observations were centered on the teacher's daily
practice, and we could see the use of commonplace attitudes, which we named as conditions
for compliance, or some kind of "blackmail" made by the teacher to obtain student achieve
compliance. The objective of this study was to question the authority that is often skewed
toward authoritarianism impairing effective participation of all individuals involved in building
the curriculum and in its proper applicability everyday.
47
48
Graduandas do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRRJ (Campus Seropédica).
Trabalho orientado por Eliane Fazolo, professora titular do DTPE/IE/UFRRJ.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
KEYWORDS: blackmail, obedience and authoritarianism, curriculum.
Concepção de Infância: um diferencial para o currículo escolar.
Foi a partir dos estudos de Àries (1979) que a infância passou a ser vista de outra
forma. O interesse pela infância é recente, portanto, sua referência histórica aparece de forma
tardia.
Os séculos XVII e XVIII assistem a profundas mudanças na sociedade e se consolidam
como o período histórico onde a moderna ideia de infância se cristaliza, constituindo-se
referência de um grupo que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude ou
miniaturização do adulto (SARMENTO, 1997), mas adquire uma investidura própria do
desenvolvimento humano.
Segundo Sans (1994), as crianças pensam com sentimento, seguem seus instintos e
desejos. Os adultos por sua vez, buscam sempre a lógica do pensamento e do seu
comportamento. Para ilustrar tal afirmação, menciona-se a notória diferenciação que as
crianças faziam em relação à obediência com as professoras efetivas em detrimento das
estagiárias e demais professoras. Pois acreditavam que somente as professoras da turma
poderiam gerar algum ônus com maior gravidade se comparado a outros profissionais ou
estudantes que ficavam com a turma esporadicamente.
Observou-se a inativa participação das crianças nos processos de negociação e de
tomada de decisão, pois o “insucesso” nos mesmo e em outras atividades revelava a
possibilidade de castigos, discriminação, bilhetes para os pais e exclusão de atividades. Um
cenário que inviabiliza a dinâmica do currículo.
Algumas considerações sobre o papel do professor e sua relação com o aluno.
A raça humana é social por natureza. A partir do nosso nascimento passamos a viver
em sociedade, convivendo com pessoas e grupos, os quais podem ser iguais, parecidos ou
diferentes de nós, no que se refere, por exemplo, às crenças, origens e personalidades. A partir
desse convívio, passamos por situações como vergonha, constrangimento, elogios, alegrias e
tristeza, erros e acertos e, através de comparações, conseguimos construir a nossa
personalidade e interagir socialmente. Segundo Elias (1994), várias partes formam um produto
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
inteiro diferenciado. Daí a teoria dos conjuntos, “[...] as unidades de potencia menor – dão
origem a uma unidade de potencia maior, que não pode ser compreendida quando suas partes
são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações” (ELIAS, 1994, p. 16).
Portanto, não saímos “ilesos” de nenhuma relação. Assim também ocorre com os professores
na relação com seus alunos, pois como diz Freire:
“O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente,
sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida
e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das
pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos alunos
sem deixar sua marca”. (FREIRE, 1996, p.73).
Segundo Siqueira, para exercer sua real função, o professor precisa “[...] aprender a
combinar autoridade, respeito e afetividade; isto é, ao mesmo tempo que estabelece normas,
deixando bem claro o que espera dos alunos [...]”(2003, p.99).
É importante não eximir a parcela de responsabilidade da família e do Estado para
que o processo educativo ocorra. Segundo o art. 53, Parágrafo Único do Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA): “É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico,
bem como participar da definição das propostas educacionais”. Ainda de acordo com o mesmo
Estatuto, no art. 54 encontra-se a competência do Estado em assegurar à criança e ao
adolescente ensino obrigatório e gratuito desde a creche até o ensino médio.
Ao entrevistar a professora da turma, observou-se um grande descontentamento
com as atitudes (ou a falta delas) dos pais e responsáveis com relação ao desempenho das
crianças em sala de aula. Ela relata que após uma reunião com os poucos pais que
comparecem, há a informação de uma grande quantidade de problemas conjugais, separação,
crianças morando com os avós, entre outros. Os pais, porém, ainda acreditam que a criança
não compreende o que acontece a sua volta, que está alheia a todas as problemáticas do
cotidiano. A professora vai além. Diz que em alguns casos os problemas sofridos com a família
são refletidos no comportamento, atenção e desenvolvimento em sala de aula perante as
atividades propostas, o que pode prejudicar a inserção da criança na sociedade, fato este que,
inicialmente ocorre durante a Educação Infantil.
Del Prette e Del Prette (2001) ressaltam que as escolas são ambientes ideais para o
ensino de uma conduta social de qualidade. E ainda, que o professor encontra no ambiente
escolar um campo fértil, não só para o ensino-aprendizagem, mas também um espaço de
interação mútua que o possibilita levar o aluno a crescer, respeitar-se e respeitar os outros. No
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que se refere ao ponto de vista afetivo, consideram que o professor representa confiança para
o aluno, poder social, intelectual e um modelo (possível) a seguir, além da consequente
motivação do desejo de saber. Ressaltam, ainda, que o vínculo afetivo entre professor e alunos
exerce grande influência sobre o relacionamento que crianças e jovens estabelecem entre si.
O uso da “chantagem” no cotidiano escolar.
O professor da Educação Infantil enfrenta uma rotina diária desgastante, pois além
de ter que dar conta dos conteúdos das aulas cobrados pelos coordenadores e diretores, ainda
precisa estar atento ao cuidado com as crianças, no que se refere à integridade física e
psicológica, a alimentação e ao descanso. No entanto, tais situações não passam apenas pelo
âmbito negativo, pois é através destas interações que as crianças dão os primeiros passos para
a convivência social, ou seja, a criança que recebia (ou não) regras somente dos familiares
passará a recebê-las também na escola. E em muitos casos, não somente a criança, mas
também o professor não está preparado para lidar com a negociação, a autoridade e o
respeito que deve existir entre todas as relações. Como resultado disto, observou-se a falta de
preparo e/ou esgotamento do professor, os quais são “resolvidos” com o uso da chantagem. A
professora diz: “K... eu vou deixar você sem almoço se você não se comportar”.
Segundo César (2010), há diversos níveis de chantagem. Nem todos chegam a causar
danos tão sérios para a educação. A autora faz também uma relação com a chantagem
proveniente da família da criança e acrescenta que tudo vai depender da intensidade, do jeito
que ela é feita e do tipo de relacionamento que a mãe tem com o filho. Pois, de um modo
geral, quando a chantagem vira regra e serve para explicar por que a criança tem que fazer
algo é um mau sinal.
Com as observações feitas em sala de aula, relataram-se vários momentos onde a
professora usava a chantagem para conseguir que os alunos a obedecessem, como por
exemplo: “Quem copiar e fizer tudo direitinho vai para o passeio da escola, e eu também vou
dar um presente”. Um aluno pergunta: “Que presente tia?” E a professora responde? “É
surpresa. Eu trago na segunda-feira”.
Observou-se que a gravidade e a intensidade da chantagem variavam de acordo com
o nível de estresse da professora. Esta conclusão baseia-se, por exemplo, no seguinte fato:

(Diário de Campo, observação do dia 23/06/2010). Por volta das 8h entrei
silenciosamente na sala enquanto a professora brigava com a turma. Então, ela me perguntou:
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Sabe o que eles fizeram comigo ontem tia Gabriela? Com ar de tristeza e decepção ela
começou a explicar que, no dia anterior as turmas 101 e 102 (a turma dela era a 102) se
reuniram para ensaiar uma coreografia para a festa da escola. O tema da festa era a Copa do
Mundo (todos os trabalhos feitos em sala seriam expostos também neste dia), e por isso as
professoras montaram coreografia e caracterização para as crianças. Sendo que não houve
colaboração das crianças, nem tão pouco respeito para a feitura da atividade.
A professora informou à turma que o Prefeito do Município estaria no dia do evento,
e que ela não queria passar vergonha mais uma vez. Concluiu sua fala fazendo uma
chantagem: ameaçou tirar da escola aquele que não se comportasse no ensaio de hoje. E
afirmou que não tinha medo de represália dos pais.
Pior do que fazer uso da chantagem no cotidiano escolar é prometer algo que não
será cumprido: privar a criança do almoço, do lanche, de ir ao banheiro. A professora disse:
“K... se você não ficar quieto eu vou colar a sua bunda na cadeira”. Assim que ela virou às
costas o menino tornou a se levantar, e ela logicamente não o colou na cadeira por isso.
Em um cotidiano autoritário, os alunos não têm o direito de posicionar-se em relação
a diversas questões que ocorrem no contexto escolar. Com isso, o aluno se cala não por crer
na autoridade docente, mas por temer as punições e ameaças (implícitas ou explícitas) do
professor autoritário. Dessa forma, a relação professor-aluno vai se enfraquecendo
diariamente nessa batalha desigual, onde o primeiro tem todas as armas contra o segundo.
O professor desperta o interesse do aluno quando no exercício de suas funções
consegue demonstrar sua profundidade no assunto além do desejo de ensinar. Com isso, um
novo contrato pedagógico se estabelece: onde professor e aluno assumem um compromisso
cujo alicerce é a relação com o conhecimento. Nesse contexto, o professor é reconhecido
como autoridade (TAYANO e CORTE, 2008).
Percebeu-se um grande desgaste do profissional, o qual chega ao aluno sob a forma
de autoritarismo e chantagens, simplesmente por que é mais fácil e rápido agir desta forma,
pensamento este, que é clássico de alguém que está passando por um processo de desgaste.
As informações expostas indicam a gravidade da situação atual e o delineamento de um novo
modo de organizar a prática e o currículo, onde se perde o lugar do conhecimento e da
reflexão.
Acreditamos que o desvendar dos desdobramentos da relação infância e pedagogia
devam ser constantes e, portanto, fundamentais para aqueles que atuam (ou pretendem
atuar) no campo da Educação Infantil, ao passo que busquem melhor compreender as
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
finalidades e a própria delimitação deste campo educativo, centrando-se no ensino de
conteúdos que realmente faça sentido aos alunos.
Referências Bibliográficas:
ARIES, P. A História Social da infância e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.068, de 13/07/1990: Constituição e
Legislação relacionada. São Paulo, Cortez, 1991.
CÉSAR, C.C. O Jogo Perigoso da Chantagem Infantil. Disponível em:
<http://www.colegioopet.com.br/centro_civico/dicas_pais_cbr.html> Acesso em: 05 de jul. de
2010.
ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994.
DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Habilidades Sociais e educação: Pesquisa e atuação em
psicologia escolar educacional. In DEL PRETTE, Z.A.P. (Org.) Psicologia escolar e educacional,
saúde e qualidade de vida: explorando fronteiras. Campinas: Alínea, 2001.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
SANS, P.T.C. A criança e o artista. Campinas, SP: Papirus, 1994.
TAYANO, E; CORTE, A.F. A autoridade do professor. (2008). Disponível em:
<http://www.contee.org.br/noticias/artigos/art52.asp> Acesso em 30 de jun. de 2010
SARMENTO, M.; PINTO, M. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo
In: PINTO, Manoel & SARMENTO, Manoel (Coord.). As Crianças: Contextos e Identidades.
Braga. Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho, 1997.
SIQUEIRA, D.C.T. Relação Professor - Aluno: Uma Revisão Crítica. (2003). Disponível em:
<http://scholar.google.com.br/scholar?q=Rela%C3%A7%C3%A3o+Professor++Aluno:+Uma+Revis%C3%A3o+Cr%C3%ADtica.&hl=pt-BR&as_sdt=0&as_vis=1&oi=scholart
>Acesso em: 05 de jul. de 2.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
A AVALIAÇÃO DO CURRÍCULO DE EDUCAÇÃO INFANTIL
NO MUNICÍPIO DE NITERÓI
Carla Andréa Lima da Silva
Geórgia Moreira de Oliveira
Gelta Terezinha Ramos Xavier
Resumo
O currículo tem sido campo de dispersões e disputas. Estabelecer significados e sentidos para
o currículo implica elaborações que conformam nosso ofício, nosso trabalho, nossas
identidades como profissionais. A história dos educadores, sua formação e inserção, é
permeada pelas tensões e localizar/valorizar os avanços, aí considerados os direitos de
externalizar saberes e evidenciar auto-imagens positivas, como destaca Arroyo (2011, 2002,
2000), é finalidade deste trabalho. Ocupamo-nos da avaliação do currículo da Educação Infantil
em Niterói (RJ), observando o processo de construção do texto “Referenciais Curriculares para
a Educação Infantil” – ações de autoria dos educadores da rede e dissensões no plano teóricoideológico. Retratamos as iniciativas e perspectivas das prescrições curriculares, as
modelações dos textos e das práticas e os elementos ressaltados nas avaliações para sustentar
o novo planejamento. Metodologicamente, insistimos na experiência de relacionar espaços e
tempos da formação inicial e continuada, compondo estudos e grupos de trabalho,
observando e caracterizando momentos e condições de oferta da educação, analisando
propostas curriculares específicas, interrogando e reconhecendo manifestações/saberes,
aprendizagens que as investigações oportunizam.
Palavras-chave: Currículo, Educação Infantil, Avaliação, Rede Municipal de Niterói.
Abstract
The curriculum has been field of dispersions and disputes. Establish meanings and directions
for the curriculum involves elaborations that make our “being a teacher”, our work, our
identities as professional. The history of teachers, their professional development and
integration, is permeated by the tensions and find/develop the advances, there considered the
rights of outsourcing knowledge and demonstrate positive self-images, as highlighted by
Arroyo (2011, 2002, 2000), one purpose of the work. We deal with the process of evaluating
the curriculum from local childhood education public school in Niterói (RJ), observing the
process of constructing the text "Referenciais Curriculares para a Educação Infantil" - actions of
authorship network of educators and dissensions in the theoretical and ideological. We
portray the initiatives and perspectives of curriculum requirements, the modeling of the texts
and practices and the elements highlighted in the assessments to support the new plan.
Methodologically, we insist on experience to relate space and time of initial and continuing
education, organizing studies and working groups, observing and describing moments and
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
conditions for supply of education, examining specific curricular proposals, questioning and
acknowledging manifestations/knowledge, learnings to nurture the research.
Keywords: Curriculum, Childhood Education, Evaluation, local education public school in
Niterói.
1 - AVALIAÇÃO DO CURRÍCULO:
Este trabalho pretende avaliar o currículo da Educação Infantil. Fundamentando-nos
no documento “Referenciais Curriculares para a Rede Municipal de Ensino de Niterói:
Educação Infantil. Uma construção coletiva”, considerando os registros, isto é, os materiais
produzidos nos anos de 2009 e 2010, as observações/acompanhamento do processo que
antecedeu a produção do documento final e as críticas às medidas governamentais como
política administrativa no âmbito do currículo.
Desde as ações de planejamento à avaliação, supõe-se a relevância de práticas de
elaboração e implementação, contrapondo a validade das propostas curriculares às operações
de dar novos conteúdos às próximas realizações, ressaltando aspectos mais genuínos nos
planos técnico-pedagógico e político cultural.
O planejamento é ação de ir dando forma progressivamente ao currículo em
diferentes etapas, fases e instâncias que o moldam. Implica prever a realização das atividades
pedagógicas, em coerência com teorias e princípios, em função dos meios e condições,
mantendo certa dependência causal entre sujeitos e níveis de atuação, entre intenções e
resultados, entre modelos e propostas de inovação.
O planejamento remete à soma de decisões acumuladas progressivamente,
evidenciando as margens de autonomia que a experiência curricular oferece, delega, permite
ou se interpõe aos sujeitos, podendo indicar, em muitas situações, desprofissionalização dos
docentes.
Planejamento e avaliação são faces da mesma moeda, porque um momento reflete o
outro. A avaliação, neste sentido, ressalta a valorização do currículo, expressa a materialização
nos significados que os docentes ponderam e os critérios e indicadores apreciados e
admitidos.
O referencial curricular para a Educação Infantil da rede de ensino – o processo de
sua elaboração – envolve diretamente os docentes nos pólos (planejamento e avaliação) em
que se constitui. Estudos sobre a educação dos “pequenos” vêm tomando corpo ao longo dos
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
últimos anos e os profissionais da rede municipal de educação infantil de Niterói têm
acompanhado tais estudos, seja em espaços de formação profissional continuada no interior
das Unidades de Educação Infantil, seja por iniciativa própria.
A defesa do espaço da infância na educação, bem como o atendimento à pequena
infância nas escolas marcam a história profissional de muitos professores desta rede
municipal49. Estes profissionais, ao longo dos últimos anos, vêm realizando discussões, estudos
e construções que se refletem na produção de legislações, ainda que de maneira não
satisfatória.
Lembramos Arroyo (2011) quando trata dos coletivos populares que, na década de
70, reagiam ao não lugar da infância nos espaços dos sistemas públicos de educação. Este
movimento inicialmente vinculava-se à necessidade de atendimento das crianças como parte
da luta das mulheres trabalhadoras. Aos poucos, o reconhecimento da infância vem tomando
corpo bem como o direito a educação desde a pequena infância. Entretanto, a realidade
mostra-nos que as políticas de educação para a infância, em geral, nasceram como políticas de
instrução e não de formação. Deste modo, ignorou-se ao longo da história, a presença da
infância, ou melhor, das muitas infâncias. Esta distorção da compreensão da infância associada
à adoção de políticas sustentadas por outros interesses respondem ao traço marcante na
configuração dos currículos.
O reconhecimento da infância que toma espaço em diferentes âmbitos da sociedade
passa a ter visibilidade também em distintas direções. Neste sentido, torna-se alvo de disputa.
Disputa ideológica que sustenta práticas opostas e conflitantes no que diz respeito ao processo
de formação dos “pequenos”, à formação humana.
Na medida em que a infância vai abrindo espaço na sociedade, nas ciências
sociais, nas políticas, no campo dos direitos, podemos esperar que sua
50
presença no sistema escolar, nos currículos será disputada . Já está sendo
disputada por coletivos de pesquisa, de produção teórica, de formulação de
políticas de currículo e formação (ARROYO, 20011, p. 183).
Avaliar o recente processo de construção do referencial curricular neste trabalho tem
implicado a experiência de vincular espaços e tempos da formação inicial e continuada na
escola básica e na universidade. Compomos, como Núcleo de Pesquisa na Faculdade de
Educação-UFF, grupos de trabalho, observando e caracterizando condições de oferta da
49
Obviamente, esta realidade evidencia-se nas Unidades Municipais de Educação Infantil. Ou seja, em maioria, as Unidades de
Ensino Fundamental que possuem classes de Educação Infantil não se integram às propostas de trabalho, concepções de infância e
tampouco de educação da criança pequena do mesmo modo que as Unidades que atendem exclusivamente aos “pequenos”.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
educação, analisando propostas curriculares específicas, interrogando manifestações/saberes,
conforme oportunizam as investigações.
Esta pesquisa objetivou: a) coletar informações acerca da estrutura e
operacionalização do planejamento curricular; b) identificar significados revelados nas
observações/inserção no processo; c) relacionar sentidos das práticas e perspectivas de
elaboração dos textos curriculares.
A avaliação do processo de construção dos referenciais curriculares consiste em
ressaltar significados (interpretações) e sentidos (direção, horizonte), desde a reflexão do que
contempla a legislação à ação coletiva e participativa dos docentes. Realizamos um breve
histórico deste processo como exercício de memória, registro e considerações acerca da
intervenção na construção do texto para a prática pedagógica na Educação Infantil de Niterói.
2 - EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO CURRICULAR
Ano de 2009
Com base na Portaria 132/2008 que em seu Parágrafo 1º diz que “os Referenciais
Curriculares e Didáticos (...) serão construídos de forma participativa pela comunidade escolar
da Rede Municipal de Educação de Niterói, em especial pelos seus profissionais da educação” e
por orientação da Superintendência de Desenvolvimento de Ensino, a Coordenação de
Educação Infantil, entendendo que esta construção deveria ser feita em diálogo com a rede,
promoveu durante o ano de 2009 encontros com representantes das Unidades Municipais de
Educação Infantil, Unidades Escolares e Programa Criança na Creche 51.
A mesma Portaria ressalta o estabelecimento de Diretrizes Curriculares e a
construção de Referenciais Curriculares para todos os ciclos a partir de eixos – I- Linguagem,
Identidade e Autonomia; II- Espaço, Tempo e Cidadania e III- Ciências, Tecnologias e
Desenvolvimento Sustentável.
Em maio de 2009 realizou-se um Seminário “Infância, cultura e currículo” com o
objetivo de dar início ao processo de elaboração de uma proposta de trabalho para a
construção do Referencial Curricular da Educação Infantil de Niterói. Estiveram presentes
professores-pesquisadores da área a fim de estimular o debate de questões referentes ao
tema a serem desenvolvidas em encontros posteriores.
50
Grifo nosso.
O Programa Criança na Creche concentra a organização das creches comunitárias, filantrópicas e confessionais conveniadas à
Prefeitura do Município de Niterói. As orientações pedagógicas desta “rede paralela” se fundamentam em dialógo com as mesmas
desenvolvidas nas UMEIs (Unidades Municipais de Educação Infantil).
51
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Em junho, constituiu-se52, através de eleição, uma Comissão para articular a
construção do Referencial Curricular de Educação Infantil de Niterói. A Comissão se voltou
para a criação de estratégias de participação dos/das educadores das Unidades Municipais de
Educação Infantil (UMEIs) e Creches Comunitárias na construção deste documento. Suas
atribuições, segundo o documento: “Referenciais Curriculares da Educação Infantil em Niterói:
trajetórias e desafios” eram: a) definir espaços para realização de encontros dos
representantes das escolas; b) organizar cronograma de reuniões por “Eixos Temáticos”
(Portaria 132/2008); c) coordenar os grupos de trabalho; d) sistematizar os registros recolhidos
de cada encontro; e) listar os recursos materiais necessários para o desenvolvimento dos
trabalhos e levantar custos,
A partir deste momento, optou-se pela eleição de mediadores – representantes de
UEIs (UMEIs e Creches Comunitárias) – os quais incumbiram-se de “fazer a ponte” entre as
discussões inter-unidades travadas em encontros de mediadores e as equipes de
educadores/educadoras das respectivas UMEIs e Creches Comunitárias.
A Comissão da Educação Infantil organizou encontros com representantes das
escolas. Nestes encontros foram discutidos, pelas Unidades e debatidos nos encontros de
mediadores, temas como: “Concepção de Currículo na Educação Infantil, Relação adultocriança, Espaço e Tempo na Educação Infantil” etc.
O resultado deste trabalho – as respostas de cerca de 40 UEIs – foi, então, tabulado
pela Comissão de Educação Infantil e apresentado aos presentes no 2º Encontro de
Mediadores. De acordo com os resultados tabulados sobre que questões devem ser abordadas
no currículo da Educação Infantil53 destacaram-se: cuidar e educar; diferentes linguagens;
letramento;
identidade;
cidadania;
diversidade/pluralidade
cultural;
autonomia;
interdisciplinaridade; natureza e sociedade; hábitos e atitude; conhecimento de si e do mundo;
brincadeiras; valores; limites; sexualidade; saúde; ciência e tecnologia; artes; esportes;
criticidade na educação infantil; musicalidade.
Os itens destacados pelos profissionais como importantes para a composição de um
currículo para a Educação Infantil revelam as demandas de um professorado que possui
expectativas quanto à formação das crianças e, de certo modo, indica o perfil destes
profissionais que respondem a diferentes formatos de formação docente bem como suas
implicações na prática educativa. Este levantamento poderia nos servir, em caso de análise
52
A Comissão era composta por representantes das Unidades Municipais de Educação Infantil – professores, pedagogos, diretores
– e representantes das Creches Comunitárias conveniadas através do Programa Criança na Creche.
53
Questões retiradas da tabulação realizada a partir do resultado obtido nas discussões com os profissionais.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
mais detalhada, tanto para pensarmos o currículo e a formação dos “pequenos” como a
formação do docente que atua na educação infantil e as bases teóricas que fundamentam as
práticas neste segmento da escolarização.
Em meados do segundo semestre, a Fundação Municipal de Educação, sem consulta
aos profissionais envolvidos no processo de construção curricular, contrata uma consultoria
privada através da Fundação Darcy Ribeiro – FUNDAR – para assessorar o trabalho de
construção curricular. Vale destacar que, no mesmo ano, um novo presidente era indicado
pela Prefeitura para assumir a Fundação Municipal de Educação e esta iniciativa de
contratação da FUNDAR deu-se a partir desta nova presidência.
Em dezembro de 2009, foi promovida reunião de intercomissões com a professora
representante da Fundação contratada e, “coincidentemente”, amiga pessoal do presidente da
Fundação Municipal de Educação de Niterói. Na ocasião, a professora comprometeu-se com a
sistematização de todo o material produzido ao longo do ano de 2009 e apresentação de um
Documento Preliminar no início do ano seguinte (2010), a partir do qual seriam retomados os
trabalhos.
Ano de 2010:
O Documento Preliminar foi entregue aos profissionais da rede municipal de
educação em encontro promovido pela Fundação Municipal de Educação no início de fevereiro
de 2010.
O 1º Encontro de Mediadores de 2010, realizado em 29 de março teve como pauta a
análise crítica do Documento Preliminar. Neste encontro foi evidente o prejuízo da discussão
em função de diferentes fatores: a) não entrega do documento às Creches Comunitárias (que
representavam mais de 50% do total de UEIs envolvidas); b) não realização da leitura do
documento por parte dos representantes das UMEIs.
Este último fator pode ser interpretado como resistência à imposição da contratação
de uma Fundação para realizar trabalho que vinha se desenvolvendo de maneira organizada e
coletiva por quem, de fato, estava envolvido com a ação curricular no interior das Unidades
Infantis.
Ainda que visivelmente desacreditados da possibilidade de continuidade das
discussões e construções coletivas, após este encontro, as Unidades enviaram, por escrito,
observações críticas a partir da leitura e discussão do Documento Preliminar com as
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respectivas equipes. Foram apontadas como mais freqüentes nos documentos enviados pelas
escolas, dentre outras, as seguintes questões:
1) Identificação de palavras/conceitos difusos no documento:
1.1)
Discordância com a definição de “currículo Multicultural” tendo em vista as
discussões realizadas ao longo do ano de 2009 bem como a falta de clareza,
explicitação acerca do viés teórico-político do multiculturalismo, ali inscrito.
1.2)
Questionamento quanto à palavra niteroidade e sua definição.
1.3)
Discordância de termos presentes no documento quando o mesmo refere-se
ao desenvolvimento da aprendizagem, orientando a prática pedagógica, tais
como: “progressivamente, dosagem.”
1.4)
Discordância quanto à inserção da definição da proposta como: Escola de
Cidadania e Sucesso.
2) Discordância com a formatação em grades do currículo na educação infantil;
3) Não identificação de referenciais teóricos utilizados durante as discussões ao longo de
2009 no Documento Preliminar;
4) Não identificação das “classes de apoio” como integrante na realidade da rede e
tampouco na legislação municipal colocada no documento;
5) Não reconhecimento da autoria dos profissionais da rede no documento preliminar;
6) Identificação de perspectiva de seriação contrapondo-se à realidade de ciclo infantil da
rede municipal de Niterói;
Em suma, o não reconhecimento dos estudos acumulados pelos profissionais da rede
no Documento Preliminar e, portanto, a não autoria na produção do mesmo constituiu-se
como consenso entre as Unidades.
Não estão presentes no documento preliminar os textos e as discussões
feitas no ano de 2009, pois acreditamos que antes de detalharmos os
conteúdos a serem possivelmente trabalhados durante o ciclo da educação
infantil, organizando-os através dos eixos, devemos mostrar como é a
educação infantil ou com o que nos preocupamos nela [...] (UMEI Maria
Luiza da Cunha Sampaio).
É relevante destacar a inquietação e o pesar de todos os profissionais de
educação desta unidade, no que concerne ao processo parcial de construção
coletiva desta atual rede pública de educação, acerca do documento em
questão, na medida em que inicialmente houve um tradicional e genuíno
movimento no qual todos os profissionais foram legitimamente envolvidos
em: estudos, discussões, registros, reuniões, revisões de registros e,
sobretudo, significativas trocas entre profissionais da própria rede. Notamos
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que a partir da decisão de contratar uma consultoria (...) as produções
preliminares, assim como também no próprio documento preliminar, a
ausência das marcas, reflexões e abordagens e resultantes dos estudos e
posicionamentos do conjunto de profissionais da rede pública de Niterói
(UMEI Nilo Neves).
Outra questão a ser destacada é a alteração nas pautas em reuniões tanto da
comissão como na de mediadores. Ambas sofreram alterações sem a devida consulta prévia
dos integrantes – que já haviam estruturado os pontos de tais encontros – a fim de garantir a
presença da professora contratada representante da FUNDAR para esclarecimentos sobre o
conceito de multiculturalismo – termo polêmico presente no Documento Preliminar e
impresso pela mesma como definição curricular da educação infantil de Niterói.
Reforçando o destaque
dos muitos pontos
evidenciados pelas escolas,
compreendemos que a síntese dos estudos e dos registros realizados ao longo de 2009 não
estão representados como conteúdo construído coletivamente pelos educadores da rede de
Niterói. Ademais, no que se refere à definição do currículo de Niterói como um currículo
multicultural, o referido documento, em nossa opinião, peca ao assemelhar-se aos
documentos oficiais que também proclamam as bem aventuranças do multiculturalismo e com
isso fragmentam a luta dos oprimidos, trazendo à baila as formações culturais, étnicas,
identitárias que apagam as estratificações econômicas e promovem políticas para escondê-las
(UMEI Rosalina de Araújo Costa).
Do mesmo modo, além da representação dos Eixos, o Documento Preliminar não
condiz, com o recomendação legal da portaria 132/2008, criada pela própria Fundação
Municipal de Educação, quando se refere ao processo de construção participativa do currículo
em Niterói.
O descrédito dos profissionais também estava caracterizado na presença dos poucos
que ainda insistiam em reivindicar a construção do material a partir da sistematização fiel da
prática docente dos profissionais da rede. A escolha entre o caminho da alienação e o caminho
da emancipação, como nos diria Martínez Bonafé (2010) estava dada como o desafio final na
disputa ideológica que demarcava os territórios habitados pelos profissionais e pela professora
contratada pela Secretaria de Educação/Fundação Municipal de Educação. Percebe-se enfim,
no documento final, a presença desta disputa em textos que se confundem entre conceitos,
fundamentações, perspectivas e projeções.
3 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL
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Situando a escola pública brasileira num contexto permeado por políticas públicas de
cunho neoliberal é possível localizar a educação infantil nesse lugar, compreendendo que a
infância também está exposta às mesmas forças sociais que atingem os adultos.
No cenário brasileiro, observa-se também a lógica mercadológica, competitiva,
meritocrática e que põe a culpa dos fracassos nos indivíduos isolados, com a expansão das
políticas de avaliação centralizadas, cujo maior expoente nos últimos tempos, em termos de
Educação Básica, é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB).
No que diz respeito à educação infantil em particular, o documento Parâmetros
Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006) apresenta idéias que servem a essa
lógica mercadológica. Embora num primeiro momento o documento afirme que a avaliação da
educação infantil deva estar centrada muito mais nos processos educativos do que em
produtos e que deva partir de uma concepção de criança como sujeito ativo, defende, por
outro lado, que os investimentos em educação infantil são rentáveis porque está comprovado
que as crianças que a frequentam, de um modo geral, não se tornam repetentes nos anos
seguintes do ensino fundamental, causando menos prejuízos para os cofres públicos. Essas
conclusões consideram os resultados de pesquisas realizadas em diferentes países e no
próprio Brasil.
Justificar o investimento na educação infantil por esse viés economicista, a partir do
impacto financeiro da educação infantil sobre o ensino fundamental, é algo que se contrapõe
radicalmente a nossa defesa desse tempo de escolarização como momento de vivência de
experiências e valorização das culturas das crianças. De nosso ponto de vista, motivos de outra
ordem é que devem justificar o incentivo à valorização da educação infantil, dentre os quais
podemos citar, por exemplo, o pleno atendimento ao direito de todas as crianças de
frequentar uma escola infantil de qualidade; a construção de um currículo para a educação
infantil voltado para o favorecimento do desenvolvimento humano (dentro da perspectiva
vygotskyana); a valorização e incorporação das ações tipicamente infantis como elemento
significativo na prática pedagógica e a centralidade da linguagem como fator importante na
constituição da criança/sujeito.
Ainda em referência ao contexto brasileiro, além da presença da lógica
mercadológica nas políticas educacionais de avaliações centralizadas, essa se faz presente
também nas políticas curriculares para a educação infantil, a exemplo do que se pode observar
no documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil-Mec,
2003). Esse documento, de um lado, pode ser considerado um avanço em termos de propostas
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para a educação infantil, concepção de infância e educação, e por outro lado, tem sido
criticado por alguns devido ao fato de desconsiderar boa parte do que já vinha sendo
produzido em termos de reivindicações para a educação infantil.
O documento distancia-se da realidade do cotidiano de trabalho e
formação dos professores das creches e escolas infantis brasileiras e apresenta algumas
contradições. Ao mesmo tempo em que defende a formação do cidadão, também orienta o
trabalho pedagógico para a formação da criança como futuro trabalhador, que deverá estar
pronto para ser inserido num mercado onde a competição e a excelência prevalecem. Com
isso, aproxima-se, como alvo de crítica, das afirmações de Sarmento (2003) a respeito das
idéias presentes na elaboração das políticas educacionais:
[...] emergem [...] as idéias da ‘criança ao centro’, da ‘educação para a
cidadania’ e da ‘participação educativa’ como referenciais da gestão da crise
educacional [...] Não obstante, no mainstream das correntes políticoeducativas, esses conceitos ganham conteúdos semânticos diversos e
pluralizados, podendo (crescentemente) ‘cidadania’ significar ‘disciplinação
social’ [...] (SARMENTO, 2003, p 8).
Autores como Cerisara (2005) e Kramer (2006) revelam aspectos contraditórios
fundados em pareceres a respeito da versão preliminar do documento RCNEI. Kramer (2006, p.
8) afirma ainda que o Referencial “não soube como equacionar tensão entre universalismo e
regionalismo, além de ter desconsiderado a especificidade da infância”.
Com base nas reflexões que apresentamos até aqui, é importante ressaltar
que se as políticas públicas para a educação de um modo geral (em todos os
seus níveis de ensino) inserem-se nesse difícil contexto do capitalismo
flexível, muito mais complexas parecem ser as questões desse gênero
voltadas especificamente para a educação infantil, uma vez que no mundo
todo, as políticas para a infância deparam-se com tensões envolvendo a
relação família-Estado frente à responsabilidade perante a criança pequena,
a conciliação entre trabalho dos pais e responsabilidade familiar [...]
(HADDAD, 1998). No Brasil particularmente também é tempo de muitas
tensões e mudanças para o campo, uma vez que estão em evidência
mudanças legais que alteram o financiamento da educação infantil, a
formação de professores, as relações entre educação infantil e ensino
fundamental e muitas outras coisas (BARBOSA, 2005/2006, p. 46).
4 - REFERENCIAIS CURRICULARES:
O documento “Referenciais Curriculares para a Rede Municipal de Ensino de Niterói:
Educação Infantil. Uma Construção Coletiva” é o texto-base para análise do que vem sendo
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implementado na referida rede, considerando os registros, as interpretações e a crítica
respaldada na política educacional nas últimas duas décadas.
Tomamo-lo para realizar a avaliação porque expressa a materialização dos
significados, ponderação de necessidades e condições de realização, perspectivas de
mudanças, alinhamento a certos modelos, interrogações de toda ordem, desafios e resultado
de muitos esforços, especialmente da parte de quem realiza a educação.
O texto-base compõe-se de referências à história recente da atuação dos
educadores, coordenação e equipes da FME e da SME, assim como representantes das escolas
municipais e creches comunitárias. Entre movimentos de discussão, sistematização e redação
do material analisado são mencionados processos de disputa e decisão de que a história do
currículo, em particular, e dos educadores, amplamente, são permeados. Nas entrelinhas do
texto são compreendidas as intenções de fazer valer um e outro projeto.
Reportar-se à história da Educação Infantil, sublinhando os avanços que no debate a
respeito do novo texto da LDBEN, já no movimento pela “Constituição Cidadã” de 1988, aí
incluídas as Conferências Brasileiras de Educação, é suporte seguro a todo relato que pretenda
destacar a autoria, afirmações e reconhecimento da identidade profissional dos educadores
quando não se pode subtrair tal característica. Assim é que no item 3, “Caminhos Trilhados”,
são identificados fatos e situações que respaldam, se mantêm, se aprofundam como direitos
das crianças e famílias. Os marcos que na Constituição Federal de 1988 estiveram apontados
constituem ações políticas de reconhecimento das crianças como sujeitos de direito e
consolidam avanços no conteúdo das reivindicações dos educadores e demais coletivos
organizados.
O passo seguinte na formulação do texto-base é a referência ao contexto
educacional, mapeando as condições em que se estabelece a dimensão político-administrativa
do currículo. Este âmbito de decisões evidencia quais são os determinantes exteriores ao
currículo, em especial, o espaço escolar, sua história e construção presente, fundamentos para
desenvolver as subjetividades. Refletindo sobre o que são os edifícios escolares, Escolano e
Viñao Frago (2003), indicam as possibilidades de influência do contexto histórico-escolar,
criado por formas passadas de implementar a educação, internalizadas as tradições, das
improvisações para lidar com os espaços à escola-monumento.
Essa história, sinteticamente, podemos contar. A rede municipal de ensino de Niterói
passa a constituir-se como tal a partir da fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro,
quando esta cidade deixa de ser a capital. Antes, a rede pública estadual concentrou
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importância e visibilidade na cidade e, pela proximidade da sede da Secretaria de Educação,
nas formas de controle e zelo, durante os governos militares, em particular, cumpriu o papel
de informar à população o âmbito de influência da educação pública nos grandes centros
urbanos. Deste modo, a rede municipal passa por longo processo até estabelecer-se, sendo
desigual seu crescimento em comparação com outros vários municípios. É nesta década que se
promovem a ampliação do número de escolas e as iniciativas de adequar as propostas
governamentais às condições e realizações que o corpo docente anunciava, devido à
combinação da formação acadêmica, vínculos com a pesquisa e debate político, participação
nas discussões devido a conquistas democráticas, concentração no conteúdo, códigos e efeitos
do trabalho pedagógico, para realizar o direito à educação dos pequenos em espaços formais.
As menções a aspectos da legislação pavimentaram caminhos para fazer vigorar o
que o Governo Federal, desde Cardoso, determinou segundo a Lei de Diretrizes e Bases.
Os fundamentos teóricos, frequentemente mencionados para chegar a concepções
mais coerentes e adequadas ao pensamento progressista no campo da Educação Infantil,
remetem a Philippe Áries, Jean Jacques Rousseau, Bernard Charlot, Jean Piaget, Vygotsky,
Walter Benjamin, Solange Jobim, Sonia Kramer, destacando as críticas políticas para lidar com
a educação de bebês e demais crianças, os conteúdos das prescrições curriculares desde o
planejamento à avaliação. O texto enfatiza os passos da legislação
A seleção de conteúdos do Referencial Curricular para a Educação Infantil é tomada
de eixos que, em documentos divulgados anteriormente (Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para a Educação Básica (Brasil, MEC, 2010), Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (Brasil, MEC, 2009) e Portaria 132 (Fundação Municipal de Niterói, 2008),
foram relacionados: Linguagens, Tempo e Espaço, Ciências e Desenvolvimento Sustentável. Os
eixos curriculares referem-se às especificidades desta fase da educação e evidencia os
desdobramentos que o atendimento a crianças com necessidades especiais exige. São visadas
as diversas linguagens (LIBRAS), o sistema BRAILLE e propostas lingüísticas como a CAA –
Comunicação Alternativa e Assistiva. As identidades plurais estão mencionadas e muitos
autores Bakhtin, (2002), Guimarães (2009), Corsino (2009), Tiriba (2005), Borba considerados
fundamentais para compreender as escolhas refletidas na diversidade cultural.
Junto ao que se explicita como compreensão do conteúdo de cada eixo são
ressaltados os pressupostos transversais, os objetivos e demais orientações para os
profissionais, entre procedimentos e recursos de ensino-aprendizagem. Como currículo
prescrito envolve o conjunto das decisões ou condicionamentos dos conteúdos e da prática
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que desde instâncias de decisão político-administrativa, regula o jogo do sistema curricular.
Entre as funções das prescrições estão relacionados os marcos de uma cultura comum, as
intenções de promover a igualdade de oportunidades, a organização dos saberes, as vias de
controle sobre a prática, o controle de qualidade e a indicação de procedimentos e recursos
determinantes da realização.
Para os pressupostos transversais se voltam diferentes contribuições, detalhando os
princípios, valores, significados, atividades, recursos que em meio a polêmicas e esforços para
fazer valer concepções fecundas na Educação Infantil, são destacados: a) brincar: encontro de
infâncias, b) educar, cuidando e cuidar educando, c) educação infantil: espaço e tempos para
as crianças, d) múltiplas linguagens na vida, por que não na escola?, e) letramento: lendo e
escrevendo o mundo, f) a arte de conviver: as dimensões da coletividade e a singularidade no
trabalho com os pequenos, g) autonomia: a criança participando e escolhendo na educação
infantil, h) sensibilidade e afetividade: por um diálogo aberto e sensível, i) diversidade cultural:
compartilhando vivências e saberes, j) dimensão cidadã: a criança como sujeito de direitos.
Os diversos textos que compõem os referenciais informam a variedade de
contribuições dos sujeitos envolvidos e explicitam resistências às medidas de submissão das
políticas educacionais a interesses heteronômicos por parte de organismos internacionais.
Transformações se configuram no interior de uma sociedade globalizada, do
capitalismo em sua etapa flexível, com uma hegemonia ainda mais abrangente. É justamente
nesse contexto, que se inserem as políticas públicas educativas, as quais, conforme Sarmento
(2005b), se dão a partir da deslocação do centro da agenda política educativa do eixo da
inclusão e da igualdade social das crianças e jovens para objetivos associados à
competitividade e à eficácia dos resultados.
5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS: PROPOSIÇÕES PARA UM CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
É possível perceber, sem dúvida avanços nas políticas para a educação infantil que
sofre há anos com a não dotação de verbas específicas, com a abertura e fechamento contínuo
de departamentos e órgãos responsáveis por essa área, com a disparidade entre os avanços
teóricos do campo e as políticas curriculares. Porém, mesmo que se tenha avançado ainda há
muitos desafios por se resolver no que diz respeito à educação infantil. Além disso, como
afirma Kramer (2006, p.2) ainda há a necessidade de promoção de estudos sobre a
institucionalização da infância e sobre as concepções teóricas da infância, de modo a
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consolidar as contribuições da sociologia da infância, da antropologia e os estudos culturais
sobre as crianças e as culturas infantis.
Compreendemos, entretanto, que as análises e interpretações aqui apresentadas
poderão contribuir para o desenvolvimento das reflexões a respeito da defesa que fazemos da
incorporação das crianças como sujeitos no currículo da educação infantil.
Temos observado que os profissionais da educação infantil, nos diversos espaços nas
quais se inserem (escola, secretarias de educação, sindicatos, organizações, movimentos,
grupos de pesquisa etc.), aproximam-se sobretudo das contribuições da Sociologia da Infância,
do sócio-interacionismo (Vygotsky) e da filosofia da linguagem (Bakhthin). Em Niterói não tem
sido diferente, os profissionais da educação infantil têm discutido questões importantes para a
educação infantil baseados nesses referenciais.
Propomos outros conteúdos, pautados em outros referenciais, partindo de algumas
definições de criança, infância e educação infantil que se opõem ao ideal referendado pela
lógica do capital. Tomamos como base para nossas reflexões e proposições aqui apresentadas
a consideração da criança como ser social, produtor de cultura, tal como vem sendo apontado
pelo campo Sociologia da Infância. Trata-se, portanto, de compreender a criança como
produtora de culturas num processo em que sofre influências da sociedade e dos sujeitos de
outras gerações com os quais convive e influencia-os. Ao produzir suas próprias culturas na
interação com seus pares, com outras gerações e com o contexto sócio-histórico-cultural no
qual se insere, as próprias crianças nos informam os caminhos que devemos seguir na
construção de uma educação infantil de qualidade. São as pistas oferecidas por elas mesmas,
aliadas a alguns referenciais teóricos, que fundamentam as proposições que apresentamos a
seguir.
É preciso, portanto, repensar a própria participação das crianças no dia-a-dia da
escola de modo a garantir que as manifestações infantis sejam de fato consideradas no
planejamento das atividades, na organização das brincadeiras, das linguagens, do tempo, do
espaço, dos grupos. Se ainda predomina um currículo (entendido aqui como tudo aquilo que
acontece no ambiente escolar) construído exclusivamente pelo adulto, no qual a participação
da criança se reduz a uma mera adaptação, é urgente uma modificação nesse modelo, uma vez
que as crianças normalmente não se limitam ao papel que lhes é imposto, mas terminam por
resistir, indagar e modificar o que o adulto tenta impor.
Nesse sentido, propomos a consideração da linguagem e das brincadeiras como
elementos importantes na construção de matrizes, eixos, referenciais para a educação infantil,
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o que atenderia em grande medida à efetiva participação da criança e o respeito e
consideração de sua voz.
Da mesma forma, defendemos que o comportamento brincalhão da criança deve ser
valorizado, integrando o cotidiano de trabalho pedagógico na educação infantil. Jogo e
brincadeira devem ser, desse modo, conteúdos permanentes de um currículo para a educação
infantil, uma vez que passam a ser tomados, em sua interatividade, como elementos das
culturas da infância, sendo também condição da aprendizagem e, desde logo, da
aprendizagem da sociabilidade (SARMENTO, 2003).
Baseando-se na teoria de Vygotsky, a pesquisadora Borba (2007) revela que sendo a
brincadeira uma atividade central na ação infantil, torna-se espaço fecundo para processos de
aprendizagem e desenvolvimento da criança, uma vez que impulsiona o seu desenvolvimento,
dado que ao realizar a brincadeira ela se comporta de forma mais avançada do que na vida
cotidiana, exercendo papéis e desenvolvendo ações que mobilizam novos conhecimentos,
habilidades [...] (p. 3).
Para além das sugestões que já apresentamos até aqui de modo mais ou menos
explícito, trazemos mais algumas de caráter teórico-prático, de acordo com os referenciais
defendidos. São elas:

Trabalhar a partir de projetos que partindo de temas escolhidos pelas crianças
ou professores, apresente uma estrutura organizacional preocupada com o
processo e não resultados. Focada na formação de crianças reflexivas e
críticas, voltado para o desenvolvimento das estruturas mentais superiores
(Vygotsky), por meio da pedagogia da pergunta (pergunta-ação-reflexãoresposta, Freire e Faundez, 1985), voltada também para o desenvolvimento da
linguagem, por meio da interação discursiva (Bakhtin) e preocupada com a
promoção da brincadeira. Nesse sentido, uma estrutura possível seria:
elaboração de roteiro inicial (o que sei, o que quero saber, como saber planejamento ao qual sempre se volta); fontes de consulta diversas (livros,
jornais, revistas, entrevistas, visitas, internet etc.); leitura de textos, imagens e
músicas; produção coletiva de textos; discussão em grupos; exposição oral dos
trabalhos na rodinha; comunicação dos trabalhos (entre agrupamentos, entre
a escola e a família); registros do trabalho (quadros, textos, quadrinhos,
desenhos, pinturas, maquetes etc.).
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Nesta perspectiva de projetos está implícito o entendimento da pesquisa como
princípio educativo e o possível trabalho com diferentes naturezas de conhecimento, inclusive
o científico. Essa estrutura organizacional, portanto, comporta outros conteúdos e
procedimentos:

A articulação entre pensamento e linguagem (Vygotsky) por meio de
atividades interativas: gestos, dramatizações, brincadeiras, desenho, escrita,
textos individuais e coletivos, rodas de conversa, planejamento coletivo com as
crianças;

O atendimento a uma perspectiva sócio-cultural para a educação infantil
efetivada por meio do trabalho com diferentes linguagens; projetos e temas
culturais (vida e obra de artistas, por exemplo), visando a socialização dos bens
culturais, a apreciação crítica da cultura e contexto de vida dos sujeitos por
meio de obras de arte e entendimento do povo-criança como produtor de
cultura.

Compreendendo-se que a dimensão política está presente nas práticas
escolares e nas peculiaridades decorrentes dos estudos sobre as culturas da
infância no cotidiano pedagógico, acreditamos que as análises e interpretações
desenvolvidas nesta pesquisa possam favorecer o reconhecimento da
possibilidade de implementação de outras políticas públicas referentes às
formulações curriculares para a educação infantil, à formação continuada dos
profissionais desse nível de ensino e aos sistemas de avaliações, as quais
deverão pautar-se no entendimento de que as crianças devem ser vistas como
cidadãos no tempo presente, membros de um grupo social, construtores de
conhecimentos, culturas e identidades e na valorização da infância em si.
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MUSEU E EDUCAÇÃO: POSSIBILIDADES EDUCATIVAS
PRESENTES NO MUSEU DO BRINQUEDO - MG
Graziene dos Santos Pereira 54 . Faculdade de Minas – FAMINAS-BH
Maria Elisa Moreira Cerqueira55. Faculdade de Minas – FAMINAS-BH
Thatiane Santos Ruas56. Faculdade de Minas – FAMINAS-BH
Resumo
O presente estudo tem como objetivo compartilhar um trabalho acadêmico desenvolvido no
terceiro período do curso de Pedagogia que teve como eixo norteador a interação entre os
museus, a educação formal e informal e a escola, tendo em vista a interdisciplinaridade de
conhecimentos e as intencionalidades educativas expressas nesses espaços. Utilizou-se, como
forma de acessar a realidade estudada, a estratégia de visitas técnicas orientadas, sendo o
Museu do Brinquedo o nosso campo de pesquisa. A questão principal do trabalho foi perceber
de que maneiras os brinquedos e brincadeiras educam os sujeitos para uma dada sociedade.
Para tanto, foram elaborados relatórios descritivos e analíticos dos espaços e objetos visitados
no museu. A conclusão apontou que o museu, enquanto espaço concreto de se vivenciar
memórias, é um contexto de expressão sócio-histórica e cultural de uma dada sociedade em
um tempo e espaço específicos. Com relação aos brinquedos, as análises evidenciaram que
eles traduzem o repertório de expectativas sobre os sujeitos, principalmente refletem a (re)
produção de identidades requeridas por uma demanda social vigente.
Palavras-chave: Educação; Museu; Brinquedos.
Introdução
O presente texto tem como objetivo compartilhar um trabalho acadêmico
desenvolvido no terceiro período do curso de Pedagogia no primeiro semestre de 2011, que
teve como eixo norteador as possibilidades de interação entre os museus e a educação formal
e informal, tendo em vista a interdisciplinaridade de conhecimentos e as intencionalidades
educativas apresentadas nesses espaços. Nesse cenário, destaca-se a colocação de Santos
(2001), a qual nos lembra que
O conceito de museu, para a grande maioria de professores e alunos, ainda
permanece como “um local onde se guarda coisas antigas”, sendo que o
patrimônio cultural é compreendido como algo que se esgota no passado,
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Aluna do curso de Pedagogia.
Aluna do curso de Pedagogia.
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Professora Orientadora.
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cabendo aos sujeitos sociais, contemplá-lo, de maneira passiva, sem
nenhuma relação com a vida, no presente. Cultura, patrimônio e tradição
são produtos dissociados do cotidiano do professor e da vida dos seus
alunos. (SANTOS, 2001, p. 06)
Em contrapartida, é importante frisar que o processo museológico e a educação,
devem ser compreendidos como histórico-socialmente condicionadas e que assumem, em
cada período histórico, características que são resultado das ações do homem, no mundo,
fazendo com que possamos considerá-las como possibilidade e não como determinação. Desse
modo, faz-se necessário contextualizá-los, situando-os no tempo e no espaço entendendo-os
como ação social e cultural.
Utilizou-se, como forma de acessar a realidade estudada, a estratégia de visitas
técnicas orientadas, sendo o Museu do Brinquedo, situado em Belo Horizonte, Minas gerais, o
nosso campo de pesquisa. A questão principal do trabalho foi perceber de que maneiras os
brinquedos e brincadeiras educam os sujeitos para uma dada sociedade. Nesse sentido
buscamos saber quais são as premissas sócio-históricas e culturais que permeiam a
educabilidade das crianças por meio dos brinquedos. A investigação suscitou as seguintes
indagações:
i) Que tipos de diferenças existem entre os brinquedos de meninas e os brinquedos de
meninos?
ii) O que essas diferenças podem acarretar na formação das crianças?
iii) O que os brinquedos antigos dizem a respeito do processo educativo de suas respectivas
épocas?
iv) De que maneiras os brinquedos podem contribuir, do ponto de vista pedagógico, para a
construção da aprendizagem das crianças?
Para tanto, foram elaborados relatórios descritivos e analíticos dos espaços e objetos
visitados no museu, bem como foram analisadas as possibilidades de construção e
aperfeiçoamento do conhecimento através da interação entre o museu e a escola.
Contextualizando o Museu do Brinquedo
O Museu dos Brinquedos existiu informalmente entre os nos de 1986 a 1999 sob a
coordenação de Luiza de Azevedo Meyer. Com falecimento da referida coordenadora no ano
de 2000, familiares deram prosseguimento e criaram o Instituto Cultural Luiza Azevedo Meyer.
Em 2006 foi inaugurado o Museu do Brinquedo numa casa tombada pelo IPHAN (Instituto do
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Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que está localizada na Avenida Afonso Pena, 2564,
Funcionários, Belo Horizontes, Minas Gerais.
O museu dispõe de um numeroso acervo, são aproximadamente 5.000 peças de
procedência nacional e internacional, que é composto de bonecas, carrinhos, móveis, fogões,
trenzinhos, autoramas, velocípedes, livros infanto-juvenis, entre outros, dos quais,
atualmente, estão em exposição 800 exemplares.
Também existe o Museu dos Brinquedos Itinerante, que busca descentralizar as
atividades realizadas na sede, ampliando para escolas, empresas, entre outros espaços e
eventos. Nas escolas, por exemplo, os alunos são convidados pelo monitor a viajar no tempo e
a aprender um pouco sobre brinquedos de diferentes épocas e culturas. Faz parte desse
trabalho a construção de brinquedos pelas crianças, as quais aprendem a fabricar brinquedos
de baixo custo e reciclado, além de divertirem com as antigas brincadeiras de rua (corrida de
saco, queimada e outras).
Museu e escola: espaços de reconstrução sócio-cultural
Observou-se que, quando o museu e a escola interagem, como no trabalho do museu
itinerante, o(a) aluno(a) é estimulado a compreender os objetos, fazer questionamentos,
comparações, relação entre o antigo e o novo, entre culturas, desenvolver a análise crítica e a
criatividade. Aos (às) alunos(as) é proporcionado a interação no museu com suas histórias e
novidades, já trabalhando a educação intencional de maneira interdisciplinar em todas as
áreas.
Observou-se que o(a) aluno(a) consegue perceber que os brinquedos refletem a
sociedade e suas modificações, que todo brinquedo traduz o mundo adulto para o olhar lúdico
infantil. Pode-se perceber que cada brinquedo vai traduzir a intencionalidade da época, antes
os brinquedos eram artesanais, frutos da relação do homem com a natureza e com o que já
existiam a seu redor, com a descoberta de novas matérias e tecnologias, surgiram às fábricas
de brinquedos e estes deixaram de ser apenas artesanais para serem manufaturados. Com
isso, retrata o desenvolvimento econômico, o surgimento da indústria e especialização na
produção de brinquedos.
Percebemos que todas as ideias acima evidenciam a concepção de que a educação
tem muito a crescer qualitativamente, agregando-se ao processo museológico. A educação é
alimentada por histórias, pelos diversos conhecimentos produzidos e ensinados ao longo dos
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anos e por isso ela não deve se manter fechada, impenetrante, mas sim usar sua maneira
formal agregada com as histórias e possibilidades de abertura do museu para formação de
sujeitos sócio-culturais (DAYREL, 1996) críticos, reflexivos e produtores de suas próprias
histórias de vida.
Algumas descrições dos brinquedos

Quebra-cabeça – Inventado em 1763 pelo inglês John Spilsbury que fazia mapas e
gravuras. Ele criou um mapa dividido em peças de madeira para ajudar os professores
a ensinar geografia. Na sala de aula, as crianças gostaram tanto que logo virou um
passatempo divertido.

Lego – Inventado por um marceneiro dinamarquês que deu esse nome juntando as
primeiras sílaba das palavras LegGodt que significam “boa brincadeira”. O lego são
tijolinhos que podem formar casas, carros e tudo que a imaginação pode formar,
desenvolvendo na criança criatividade e coordenação motora.

Barbie – Criada pela empresa americana Mattel, a Barbie é a mistura de Marilyn
Monroe com Brigitte Bardot e seu diferencial era a possibilidade de trocar a roupa de
uma boneca. Ela foi apresentada em uma época que acontecia a revolução feminista e
a explosão do estilismo na França, expondo assim a concepção de que a mulher podia
ser bela, elegante e ao mesmo tempo independente. Com o passar do tempo a Barbie
agregou 80 profissões e seu parceiro, o boneco Ken, faz papel coadjuvante.

Susi – Também criada pela Mattel a Susi ganhou um pouco mais de curvas e um
armário que seguia as tendências da moda brasileira, a intenção era criar identidade
com as mulheres do Brasil.
Algumas intencionalidades educativas presentes nos brinquedos
Com a valorização da criança a partir do século XX e, em conseqüência, das
brincadeiras e dos brinquedos, observou-se que a cultura dos adultos foi continuamente sendo
inserida nas atividades lúdicas vivenciadas pelas crianças, que de forma sutil, representa uma
forma de educabilidade das crianças para serem os futuros adultos idealizados socialmente.
Nas décadas de 50 a 70, as meninas eram educadas, prioritariamente, para serem donas de
casa e mães perfeitas, seus brinquedos eram jogos de cozinha, fogões, bonecas, bebês e
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outros voltados para o lar, existia até uma boneca com slogan “Amélia, a dona de casa de
verdade”. Já os meninos, com a evolução das indústrias automobilísticas, seus brinquedos
eram voltados para o trabalho são pequenas réplicas de carros, bonecos de polícia, bombeiro,
carrinhos de corrida e outros que se desenvolviam no ritmo da ação, aventura, aquele que
pode ser livre.
Na década de 80, com o acontecimento da Guerra Fria, Guerra do Vietnã e Guerra
Japão Coréia, os brinquedos se referiam aos acontecimentos das mesmas para que os
“soldados de amanhã” soubessem como e porque acontecem as guerras, até as bonecas eram
tristes refletindo o que a guerra deixava para trás.
Na década de 90 houve a explosão das tecnologias (robótica, caixas eletrônicos,
indústrias) os brinquedos eram robôs para já estimular futuras pessoas interessadas na
engenharia e mecatrônica.
Nos dias de hoje, o assunto é corrida espacial e preservação ambiental, o primeiro já
bem enraizado com brinquedos de espaçonaves, alienígenas, o desenho animado do momento
é BEN10. O segundo são brinquedos ecológicos, filmes e até desenhos animados voltados para
essa temática que precisa ser trabalhada com as crianças.
Considerações Finais
Percebemos que os brinquedos antigos exigiam maior esforço físico, agilidade e
interação com o próximo. Hoje, com tantas tecnologias, algumas vezes os brinquedos criam na
criança problema de interação social, pois são atividades mais individuais, o que também não
deixa de refletir a sociedade capitalista que tem característica egoísta.
Não podemos esquecer que o ato de brincar é muito importante para o
desenvolvimento da criança, pois o lúdico atua como facilitador da aprendizagem e as
brincadeiras em grupo ajudam na socialização, compreensão de regras, acordos e
sentimentos. Brincando a criança descobre, experimenta, inventa, aprende, estimula a
criatividade, curiosidade, autoconfiança e autonomia, proporcionando o desenvolvimento da
linguagem e do pensamento.
A conclusão apontou que o museu, enquanto espaço concreto de se vivenciar
memórias, é um contexto de expressão sócio-histórica e cultural de uma dada sociedade em
um tempo e espaço específicos. Com relação aos brinquedos, as análises evidenciaram que
eles traduzem o repertório de expectativas sobre os sujeitos, principalmente refletem a (re)
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produção de identidades e subjetividades solicitadas por uma demanda social do que é ser
menino e menina e futuros homens e mulheres.
Referências bibliográficas
DAYRELL, J. T. A escola como espaço sociocultural. In: DAYRELL, J. T. (Org.) Múltiplos olhares
sobre a educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996. p. 136–161.
SANTOS, Maria Célia T. MUSEU E EDUCAÇÃO: conceitos e métodos. Artigo extraído do texto
produzido para aula inaugural – 2001, do Curso de Especialização em Museologia do Museu de
Arqueologia e Etnologia da USP, proferida na abertura do Simpósio Internacional “Museu e
Educação: conceitos e métodos”, realizado no período de 20 a 25 de agosto.
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A PEDAGOGIA DOS JARDINS DE INFÂNCIA NO BRASIL:
CONCEPÇÕES, EMBATES E POLÍTICAS PÚBLICAS
HERCÍLIA MARIA FERNANDES
Doutoranda em Educação PPGED / UFRN
[email protected]
RESUMO
O trabalho analisa a Pedagogia dos Jardins de Infância no Brasil, modelo institucional
amplamente debatido pelos intelectuais brasileiros para formar a criança nos princípios do
“aprender fazendo”. Por meio do exame das concepções, dos embates e das políticas públicas
voltadas à educação infantil, almeja-se compreender quais finalidades socioeducativas
relacionavam-se às propostas pedagógicas dos Jardins de Infância tipo “modelo” anexos às
Escolas Normais brasileiras, nos anos de 1960 a 1970. O interesse por essa investigação
articula-se à pesquisa, então em andamento, realizada no Doutorado em Educação
(PPGED/UFRN), cujo objeto: “O Jardim de Infância Modelo de Caicó-RN: fundamentos e
práticas pedagógicas”, integra os estudos voltados à história social das instituições infantis.
Nessa perspectiva, o trabalho investiga a expansão dos Jardins de Infância no Brasil,
estabelecendo aproximações com as concepções e as políticas públicas pertinentes ao ideário
socioeducacional da Escola Nova, tendo como ângulos de reflexão o pensamento expresso por
Anísio Teixeira e Lourenço Filho em torno da educação pré-primária, bem como os “Manuais
Pedagógicos” destinados, no século XX, à formação das professoras dos Jardins, dentre os
quais se destacam os livros: “Vida e Educação no Jardim de Infância”, da educadora Heloísa
Marinho, e “O que é Jardim de Infância”, de Nazira Abi-Sáber.
PALAVRAS-CHAVE: Jardim de Infância Modelo. Educação pré-primária. Aprender fazendo.
Manuais pedagógicos.
THE PEDAGOGY OF THE KINDERGARTEN IN BRAZIL: CONCEPTIONS, CONFLICTS AND PUBLIC
POLITICS
ABSTRACT
This study examines the pedagogy of Kindergartens in Brazil, the institutional model widely
discussed by Brazilian intellectuals to form the child on the principles of "learning by doing".
Through the examination of conceptions, struggles and public politics for early childhood
education, which aims to understand social and educational purposes related to the
pedagogical Kindergartens kind of "model" attached to the Normal Schools in Brazil in 1960
and 1970. Interest in this research is structured to research already underway, held at the
Doctorate in Education (PPGED / UFRN), whose "The Kindergarten Model Caicó-RN:
fundamentals and pedagogical practices", integrates the studies focused the social history of
children's institutions. From this perspective, the paper investigates the expansion of
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Kindergartens in Brazil, establishing approaches to the concepts and politics pertaining to
social and educational ideals of the New School, with the angle of reflection the thought
expressed by Teixeira and Lourenco Filho around education pre-primary education, as well as
"teaching manuals" for, in the twentieth century, training of teachers of gardens, among which
stand out the books "Life and Education in Kindergarten", the educator Heloisa Marinho, and
"The it is kindergarten”, of Nazira Abi-Saber.
KEYWORDS: Kindergarten Model. Pre-primary education. Learning by doing. Teaching
manuals.
1 INTRODUÇÃO
A gênese dos “Jardins de Infância”, no Ocidente, remonta ao educador alemão
Friedrich Froebel (1782-1852) que, a exemplo de Comenius (1592-1670), associara o
desenvolvimento infantil à metáfora da “semente” ou “planta” que, exposta a situações
adequadas de cultivo, desabrocha em plenitude a sua existência.
Para Froebel, a infância consistia objeto de atencioso cuidado, assim como uma
planta, deveria receber água, luz, crescer em solo rico, tal qual ocorre com a evolução de uma
semente em um Jardim. Assim, influenciado por uma perspectiva mística, filosofia
espiritualista e um ideal de liberdade, Froebel cria, em 1840, um Kindergarten, em tradução
precisa “Jardim de crianças”.
Lourenço Filho (1959), ao fazer uma interpretação da proposta pedagógica
froebeliana, em o artigo Aspectos da Educação Pré-Primária, assegurara que:
Froebel chamou à instituição, que concebeu e criou, Jardim de Crianças,
nome que é a tradução precisa de Kindergarten, embora mais comumente
digamos agora Jardim de Infância. Nessa expressão, que conjuga ou associa
crianças e jardim, projetava-se tôda uma idéia revolucionária (LOURENÇO
FILHO, 1959, p. 80, grifos do autor).
A criança, segundo Froebel, traz, em si, a semente divina de tudo o que há de melhor
no ser humano. A sua educação deveria, nesse sentido, ser guiada pela percepção sensorial
por meio de processos de “interiorização e exteriorização” estimulados pelos cuidados
educativos
da
“mulher-mãe-educadora”
que,
possuidora
de
faculdades
mentais
predeterminadas pelas competências maternais, zelaria pelo pleno crescimento e
desenvolvimento da criança (ARCE, 2002; FERNANDES, 2008).
A proposta pedagógica froebeliana incluía atividades de cooperação e jogos,
entendidos como originários da atividade mental. Fundamentado na ideia de espontaneidade
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infantil e convicto de que a aprendizagem da criança deveria ser norteada a partir das
experiências sensoriais, Froebel prioriza os jogos e as brincadeiras. Para tanto, cria brinquedos,
jogos e canções que nomeia de “dons” e “ocupações”, almejando contribuir para o
desenvolvimento dos simbolismos infantis, permitindo as crianças demonstrarem os seus
talentos (OLIVEIRA, 2008).
O modelo froebeliano de educação para a primeira infância se expandiu amplamente
no Ocidente, considerando que o educador fora um dos primeiros pedagogos a elaborar e
desenvolver uma proposta pedagógica “concreta” de atividades às crianças (ARCE, 2002).
Ademais, expandira os princípios filosóficos e educativos de sua pedagogia em publicações que
foram amplamente difundidas na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos.
No Brasil, as ideias froebelianas foram amplamente discutidas. O médico Menezes
Vieira, um dos primeiros intelectuais a simpatizar com a pedagogia froebeliana, considerava
que o Jardim deveria cumprir um papel de “moralização da cultura infantil, na perspectiva de
educar para o controle da vida social” (KUHLMANN Jr., 2001, p. 16). Nesse sentido, por meio
da influência educacional europeia e, posteriormente, norte-americana, a pedagogia dos
Jardins de Infância alcança o Brasil e contribui para formar uma tradição pedagógica centrada
na criança e nas atividades próprias da infância. Entretanto, esse processo de disseminação
das ideias froebelianas e adoção deste modelo institucional, conforme se verá, se apresentou
bastante complexo, envolvendo muitos debates e ações públicas voltadas à educação da
criança em idade menor de 7 anos. Especialmente em torno das finalidades socioeducativas
dos Jardins que, para alguns intelectuais brasileiros, correspondiam, inicialmente, à guarda e à
assistência. Posteriormente, à socialização e ao desenvolvimento integral, portanto aos valores
de uma “escola de educação” ancorados nos princípios do “aprender fazendo”.
Dessa maneira, o artigo propõe refletir quais concepções, embates e políticas
públicas se efetivaram, no Brasil, em torno do modelo institucional denominado Jardim de
Infância; buscando compreender quais finalidades socioeducativas guiavam as propostas
pedagógicas dos Jardins de Infância brasileiros, especialmente as dos Jardins tipo “modelo”
anexos às Escolas Normais. Para tal feito, o trabalho realiza uma historiografia da expansão
dos Jardins de Infância no Brasil, estabelecendo aproximações com as concepções e políticas
públicas desenvolvidas em torno da Educação Infantil. Igualmente, examinam-se as
concepções pertinentes ao ideário educacional Escolanovista, tendo como ângulos de reflexão
o pensamento expresso por Anísio Teixeira e Lourenço Filho em torno da Educação Préprimária, bem como as publicações destinadas, no século XX, à formação das professoras dos
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Jardins, como os “Manuais Pedagógicos”, dentre eles os livros Vida e educação no Jardim de
Infância, da educadora Heloísa Marinho, e, O que é Jardim de Infância, de Nazira Abi-Sáber.
Nessa
perspectiva,
o
artigo
consiste
uma
historiografia
analítica,
cuja
fundamentação teórica repousa nos estudos voltados à história social das instituições infantis,
destacando-se os trabalhos de Kuhlmann Jr. (1998, 2000, 2001, 2002; et. al.) e Leite Filho
(1997, 2008). Além de referências pertinentes à compreensão do pensamento
socioeducacional de Froebel, John Dewey, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Heloísa Marinho e
Nazira Abi-Sáber.
Com essas atitudes teórico-metodológicas, propõe-se situar a proposta educacional
dos Jardins de Infância no conjunto das discussões e políticas educacionais encabeçadas pelo
pensamento escolanovista brasileiro nos anos de 1950 aos fins da década de 1960, trazendo
contribuições à pesquisa, então em andamento, no Doutorado em Educação, vinculado ao
Programa de Pós-Graduação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd /
UFRN), sob a orientação da profª. Drª. Marta Maria de Araújo, cujo objeto de pesquisa
consiste: “O Jardim de Infância Modelo de Caicó-RN: fundamentos e práticas pedagógicas
(1956- 1971)”.
2 OS JARDINS DE INFÂNCIA E O CULTIVO DE UMA PEDAGOGIA INFANTIL
Creches, Escolas Maternais e Jardins de Infância, segundo Kulhmann Jr. (2000),
integram o conjunto de instituições modelares de uma sociedade civilizada, moderna e
citadina, cujos ideais de progresso e desenvolvimento se propagam em todo Ocidente a partir
do século XIX.
No Brasil, o projeto social de construção de uma nação moderna, parte do ideário
liberal presente no final do século XIX, reunia as condições para que fossem assimilados, pelas
elites do país, os preceitos educacionais do Movimento das Escolas Novas, elaborados no
centro das transformações sociais ocorridas na Europa e trazidos ao Brasil por influência norteamericana.
O Jardim de Infância, modelo institucional voltado à educação da
criança com idade de 4 a 6 anos, foi um desses “produtos estrangeiros” recebido com bastante
entusiasmo por alguns setores sociais (OLIVEIRA, 2008). Porém, a sua aceitação, pelas elites
brasileiras, não ocorreu de modo homogêneo. Muitos acreditavam que os Jardins de Infância
se assemelhavam aos “asilos franceses”, entendidos como espaços de mera assistência e
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guarda das crianças. Na Primeira Exposição Pedagógica, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro,
em 1883, várias vozes se opuseram à proposta do Jardim de Infância, dentre elas destaca-se a
do Conselheiro Junqueira que afirmara:
[...] o jardim-de-infância não tem nada com instrução, é uma instituição de
caridade para meninos desvalidos, que serve para que a mãe ou pai, sendo
minimamente pobres, quando vão para o trabalho, entreguem seus filhos
àqueles asilos (JUNGUEIRA, apud BASTOS, 2001, p. 63).
Contrariamente, sob a influência do ideário escolanovista europeu, outros
intelectuais defendiam que os Jardins de Infância traziam inúmeras vantagens para o
desenvolvimento infantil. Para Oliveira (2008), a polêmica dos intelectuais girava, na realidade,
em torno da responsabilidade do poder público perante o atendimento, considerando que os
Jardins de Infância, originariamente, tinham objetivos de caridade e destinavam-se, portanto,
aos mais pobres.
Dentre os debates defensores dos Jardins destacam-se as intervenções do legislador
baiano Rui Barbosa que, em Parecer de Reforma da Instrução Pública brasileira, em 1882,
defendia o Jardim de Infância como a primeira etapa do ensino primário. Paralelamente as
discussões, os primeiros Jardins de Infância são criados, no Brasil, por entidades privadas. Em
1875 é criado o primeiro Jardim de Infância, no Rio de Janeiro, pelo médico Menezes Vieira,
que contara com a colaboração ativa de sua esposa, D. Carlota, o que demonstra “a tendência
da época de redimensionar o papel da mulher, na extensão de sua ação da esfera familiar
(privada) para a esfera escolar (pública)” (BASTOS, 2001, p. 33).
Em 1877 surge o Jardim de Infância de São Paulo e, somente alguns anos depois, é
que são criados os primeiros Jardins de Infância públicos vinculados às Escolas Normais. Em
1896, o Jardim de Infância da Escola Normal Caetano de Campos; em 1909 o Jardim de Infância
Campos Sales; em 1910 o Jardim de Infância Marechal Hermes e, em 1922, o Jardim de
Infância Barbara Otoni, sendo os três últimos no Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2008).
Assim, diferentemente das Creches e Escolas Maternais, os Jardins de Infância
expandiram-se, no Brasil, atrelados às instituições de formação docente e guiados por uma
proposta pedagógica, consistindo propriamente “uma escola de educação”, cuja função
educativa auxilia
[...] o desenvolvimento físico dos meninos por meio de exercícios
apropriados a sua idade, anima os primeiros esforços de sua inteligência,
oferecendo-lhes alimento à curiosidade, pondo-lhes debaixo das vistas
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séries graduadas de objetos, para os quais a sua inteligência é atraída e que
lhes proporcionam facilmente e sem fadiga conhecimentos elementares
com que se enriquece de dia em dia sua memória (BASTOS, 2001, p.64, grifo
nosso).
Dessa maneira, a implantação dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais
brasileiras, desde o final do século XIX, faz surgir uma série de publicações destinada à
formação das professoras dentro do modelo froebeliano de educação para a primeira infância.
Com a criação do Jardim de Infância anexo à Escola Normal Caetano Campos, em 1896, o
então diretor Gabriel Prestes cria a “Revista do Jardim da infância”, cujo objetivo constitui
“tornar conhecidos os processos [de Froebel] empregados em taes instituições de ensino e
reunir elementos artísticos necessários à organização do ensino infantil pelo systema
froebeliano”(PRESTES, apud MONARCHA, 2001, p. 96).
A Revista do Jardim de Infância divulgava ações pedagógicas de cunho teórico e
prático, traduzindo trabalhos sobre os Jardins de Infância nas experiências internacionais e da
obra de Froebel. Todavia, apesar das traduções, os editores afirmavam não pretender uma
“transplantação” das ideias froebelianas, mas uma “aclimação” em que fossem levadas em
consideração os costumes, a índole e o temperamento do povo brasileiro (MONARCHA, 2001,
p. 96).
Na segunda metade do século XX, no entanto, a educação brasileira atravessa
mudanças. O Movimento da Escola Nova inaugura uma proposta educacional renovadora,
procurando atender às mudanças socioeconômicas e políticas que o país sofria após a
Revolução de 1930. Nessa época ocorrem reivindicações por parte dos operários por melhores
condições de trabalho; já as mulheres, que exerciam atividades extradomésticas, lutavam por
locais onde pudessem deixar os seus filhos durante o horário de trabalho.
No Estado Novo, período que compreende os anos de 1937 a 1945, as políticas
públicas voltadas ao atendimento da criança, conforme Leite Filho (2008), assumem uma
“centralidade na história do Brasil”. Na década de 1940, as atividades relativas à proteção à
maternidade, à infância e à adolescência, anteriormente pertencentes ao Departamento
Nacional de Saúde Pública, passaram a constituir o Departamento Nacional da Criança (DNCr),
que fora encarregado de organizar, em todo o país, ações de proteção à maternidade, à
infância e à adolescência. E, em 1946, é criada, pelo Governo Federal, a Legião Brasileira de
Assistência (LBA), que passou a executar as políticas sociais voltadas à infância e à família.
Entre os anos de 1945 a 1964, a realidade nacional caracteriza-se por uma fase
democrática e desenvolvimentista, de crescimento industrial e tecnológico. Em relação à
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Educação Infantil, destaca-se a expansão das Escolas Maternais e dos Jardins de Infância,
principalmente nas grandes cidades, sob ideário educacional dos renovadores da educação
propagados desde a década de 1930 com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932).
Movimento encabeçado por Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo que
propusera a transformação do sistema nacional de ensino com bases na reestrutura e
reorganização escolar, bem como mudança de mentalidade do professorado sobre os fins e
objetivos da educação (ARAÚJO, 2006, 2007).
É nesse contexto de mudanças estruturais na organização da sociedade,
especificamente em suas instituições, que surge, nas décadas de 1950 e 1960, a expansão dos
Institutos de Educação e dos Jardins de Infância tipo “modelo” anexos às Escolas Normais.
Nesse período, a Educação Infantil, então denominada de “Educação Pré-Primária”, deveria ser
ministrada, conforme orientava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 4.024, de
20 de dezembro de 1961, em “escolas maternais ou jardins de infância” (KRAMER, 1995).
Os Institutos de Educação surgiram, no Brasil, idealizados pelos renovadores da
Escola Nova. Foram instituições pensadas como local específico para a formação de
professores e como laboratório para a construção de “uma ciência pedagógica” (NASCIMENTO,
2008). Correspondiam, portanto, a um modelo institucional onde, a priori, se ministraria o
curso ginasial e os cursos próprios das Escolas Normais; cujas finalidades socioeducativas
associavam-se a “prover a formação de pessoal para as escolas primárias; habilitar
administradores escolares; desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas da educação
infantil” (NASCIMENTO, 2008, p. 5).
Na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, a criação do Jardim de Infância Modelo
atrela-se à implantação do Instituto de Educação, através da Lei n◦ 1.038, de 12 de dezembro
de 1953. Em Caicó-RN, a criação do Jardim de Infância Modelo dar-se no início da década de
1960, com a fundação do “Centro Educacional de Formação do Magistério Primário”,
conhecido, à época, como Instituto Regional de Educação. Sua implantação integra as
reformas educacionais realizadas pelo Governo Dinarte Mariz e José Augusto Varela (19561961), no Rio Grande do Norte, que remonta à Lei n◦. 2.171 de 6 de dezembro de 1957, cuja
elaboração e implementação contara com o assessoramento do professor Anísio Teixeira e dos
técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) (ARAÚJO, 2006).
Nesse sentido, os Jardins de Infância tipo “modelo” integravam as ações do
educador Anísio Teixeira que ocupava, de 1952 a 1963, o cargo de diretor do INEP, através do
Centro Brasileiro de Pesquisas (CBPE) e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
(CRPEs), órgãos por ele criados. O educador Lourenço Filho também compartilhava da crença
do Jardim de Infância Modelo consistir um espaço apropriado de demonstração ou de
aplicação das teorias pedagógicas discutidas na Escola Normal.
Assim, os Jardins de Infância consistiam, a priori, laboratórios de aplicação à
disposição das normalistas das Escolas Normais, onde as jovens educadoras podiam
experienciar os princípios educativos preconizados pelos pedagogos da primeira infância,
obtendo conhecimentos do desenvolvimento da percepção direta e experimental da criança,
do manuseio com materiais concretos, dentre outros. Enfim, os Jardins de Infância consistiam
campo de aplicação das teorias fundamentadas, especialmente, na Psicologia.
Integrando as propostas educacionais escolanovistas, inúmeros manuais pedagógicos
foram elaborados e difundidos, no período, a fim de formar as jovens professoras dos Jardins
de Infância no espírito renovador de educação, destacando-se publicações que obtiveram o
apoio direto de educadores reformistas, dentre eles o educador Lourenço Filho, bem como de
órgãos vinculados ao governo e ao professor Anísio Teixeira, como o PABAEE e o INEP, que,
segundo destacam Moreira (1997) e os autores Abreu e Eiterer (2008), constituíram
instituições “campo” para formar as bases curriculares da educação no Brasil.
3 OS JARDINS DE INFÂNCIA NOS MANUAIS PEDAGÓGICOS ESCOLANOVISTAS
No ideário dos renovadores da Escola Nova, a criança consiste o centro da tarefa
educativa e a instituição infantil um lugar de experiências, de desenvolvimento emocional,
social, linguístico, cognitivo, artístico, mediante estágios da vida que devem seguir a ordem
natural do desenvolvimento humano (FERNANDES, 2008). Na visão de Anísio Teixeira, o
Jardim de Infância, antes de consistir um local onde as crianças aprenderiam a ler, escrever e
contar, se preparando para a educação primária, deveria consistir um espaço de
desenvolvimento e socialização. Em conferência proferida, em 1954, ao Ministério de
Educação, cujo texto integrara o livro Educação no Brasil, Anísio expõe os valores que
deveriam guiar as práticas nos Jardins de Infância, destacando as suas finalidades
socioeducativas:
No jardim de infância, a criança não vai ‘aprender’, mas viver
inteligentemente com outras crianças, sob a orientação de uma especialista
em crianças na idade correspondente, para conquistar os hábitos de
convivência, a capacidade de brincar em grupo, o domínio da linguagem oral
e iniciar-se naquele comando emocional indispensável para se fazer uma
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
criatura humana entre outras criaturas humanas, isto é, da sociedade ou
comunidade (TEIXEIRA, 1999, grifos nossos).
As finalidades socioeducativas dos Jardins de Infância também para o educador
Lourenço Filho não deveriam ser norteadas a partir de “regras fixas e cálculos”.
Fundamentado no espírito froebeliano de espontaneidade infantil, o educador assegura que a
evolução da criança requer observância espiritual dos seus estágios de desenvolvimento,
constituindo tarefa da educação o cultivo de seres humanos conforme a “humildade de crer e
esperar”:
Com um jardim não podemos proceder como fazemos ao construir algo de
inanimado, um objeto, uma casa, uma máquina, por exemplo, mediante
regras fixas e cálculos abstratos. [...] Cultivar seres humanos como se
cultivam plantas, reclama mais do que regras e cálculos abstratos,
defrontando a vida mesma com os seus mistérios. Reclama mais que
automatismo e rotina: compreensão humana, cuja base reside em certa
humildade de crer e esperar (LOURENÇO FILHO, 1959, p. 80).
A pesquisadora e educadora Heloísa Marinho, considerada por Leite Filho (1997)
“educadora de educadoras infantis”, fora também uma das vozes atuantes que se erguera a
favor da educação pré-primária no Brasil. Ao longo de sua trajetória profissional, no Instituto
de Educação do Rio de Janeiro, a educadora estabelecera inúmeras relações com o seleto
grupo de reformadores da educação nacional. Autonomeava-se discípula do professor
Lourenço Filho, com quem trabalhou diretamente, mas também de Anísio Teixeira e fez-se
conhecer por Fernando de Azevedo (LEITE FILHO, 1997).
Os trabalhos de Heloísa Marinho, segundo Leite Filho (1997), contribuíram para
desenvolver um determinado pensamento sobre pedagogia infantil, especialmente sobre a
pedagogia dos Jardins de Infância, cujos trabalhos revelam a direção froebeliana guiando o
pensamento da educadora. Além da docência no Instituto de Educação, Heloísa Marinho
tornara-se responsável pelo Curso de Especialização em Educação Pré-Primária, então criado
pelo Instituto de Educação em 1949, destinado à formação das professoras dos Jardins de
Infância da cidade do Rio de Janeiro, antiga Guanabara.
Em 1952, Heloísa Marinho é nomeada Membro da Comissão, a convite do
Departamento de Educação Primária da Secretaria Geral de Educação e Cultura da Prefeitura
do Distrito Federal, para elaborar e publicar um “Programa Guia de Educação Pré-Primária”
para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal. O guia, produzido e publicado pela editora Noite,
recebeu o nome de Vida e Educação no Jardim de Infância; tendo sido revisado, ampliado e
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
republicado posteriormente, pela editora Conquista, como livro de Heloísa Marinho (LEITE
FILHO, 2008).
Em Vida e Educação no Jardim de Infância, obra que alcançou 3 edições entre os
anos de 1952, 1960 e 1966, Heloísa Marinho toma emprestado o título da obra de John
Dewey, então traduzida por Anísio Teixeira e prefaciada por Lourenço Filho, para evidenciar a
direção filosófico-pedagógica de sua proposta educativa destinada aos Jardins de Infância do
Rio de Janeiro; que fundamenta-se, basicamente, em duas bases: de um lado, as ideias de
Froebel; e, de outro, as de John Dewey.
A terceira edição da obra (1966) acompanha introdução elaborada por Lourenço
Filho que destaca o seu valor para a formação dos professores da educação pré-primária,
alegando que o livro por não perder-se em formas abstratas e terminologias somente
acessíveis a especialistas pode ser lido e entendido pelo grande público. Assim, Vida e
educação no Jardim de infância, de Heloísa Marinho, consiste um texto simples e claro,
aborda temas atraentes sobre os objetivos, a organização e o funcionamento do Jardim de
Infância.
Heloísa Marinho compreendia que a educação da criança deveria seguir a ordem
natural do desenvolvimento humano a fim de integrá-la à vida em sociedade. Nesse sentido,
conforme elucida Leite Filho (2008), ao sintetizar as ideias de Froebel e Dewey em Vida e
educação no Jardim de infância, Heloísa Marinho, por um lado, almeja assegurar o
desenvolvimento natural da criança e, por outro, ajustá-la ao meio social. Em sua proposta
pedagógica, o natural e a vida social da criança se apóiam e se solidarizam mutuamente,
tendo em vista que “todos os aspectos desta aprendizagem natural se agrupam em situações
de vida” (MARINHO, 1967, p. 31).
Nesse sentido, a função socioeducativa do Jardim de Infância consistia em
“proporcionar ambiente favorável à vida”. Para tanto, de modo semelhante ao pensamento
expresso por Lourenço Filho (1959), a educadora alega que: “Não é possível traçar normas
rígidas de um programa pré-escolar”; considerando que o “desenvolvimento é criador” e a
“criança conquista seu mundo pela experiência própria” (MARINHO, 1967, p. 31).
Todavia, para garantir o pleno desenvolvimento da criança no Jardim, a educadora
infantil deveria assumir o papel de “orientadora” no processo educativo: acompanhar,
valorizar e estimular as experiências e expressões espontâneas das crianças. Nesse aspecto,
Heloísa Marinho expressa uma concepção de educador infantil como “especialista em
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
desenvolvimento infantil”, tal qual Anísio Teixeira expressara em conferência realizada no ano
de 1954:
A educação da professora de Jardim de Infância não termina nunca. Ela ama
as crianças. Qual mãe carinhosa, vive para o seu trabalho. A alegria das
crianças é sua alegria. Certamente aproveita interesses e atividades para a
orientação educativa adaptada à natureza de cada um. Na sua biblioteca
figuram ao lado da psicologia infantil, livros de higiene, literatura, ciências e
artes. Na leitura e em cursos de aperfeiçoamento aumenta seus
conhecimentos para enriquecer seu programa e melhor cumprir sua grande
missão de orientar a criança no sentido de ampliar a vida individual limitada,
para uma vida mais ampla da comunidade e da natureza (MARINHO, 1967,
p. 69).
Ao eleger os valores e exigências que devem nortear as práticas pedagógicas das
professoras nos Jardins de Infância, Heloísa Marinho propõe “um projeto coerente com as
ideias mais amplas sobre educação, aprendizagem e a ação da professora” (LEITE FILHO, 2008,
p. 183), onde se evidencia os princípios de “uma pedagogia ativa” em que o aluno “aprende
fazendo” a partir de experiências com os objetos existentes na própria natureza:
A criação de animais domésticos, o plantio de pequenas hortas ou jardins,
desenvolvem hábitos de trabalho e noções de Ciências Naturais. Ao revolver
a terra, plantar as sementes, regar os canteiros, aprende a criança a
observar como as folhas verdes procuram o sol, e como se desdobram as
pétalas das flores. Aprende a escutar o vento e a gostar da chuva: água que
dá vida às plantas e dá vida à criança também (MARINHO, 1967, p. 97).
Os princípios educativos do “aprender fazendo” foram amplamente defendidos por
Anísio Teixeira ao traduzir e divulgar, no Brasil, as teorias educacionais do filósofo norteamericano John Dewey, adaptando-os à realidade brasileira. Para Dewey, a escola consistia
um espaço de vivências, um laboratório da vida social, daí que o método de ensino e
aprendizagem deveria priorizar “experiências”, que contribuiriam para redimensionar o
pensamento, oportunizando a “reorganização das experiências”. Nas palavras de Teixeira
(2010, p. 56, grifos do autor): “Aprender para a vida significa que a pessoa não somente
poderá agir, mas agirá do novo modo aprendido, assim que a ocasião exija este saber
apareça”.
A “escola ativa”, então pensada por Dewey, objetiva oportunizar situações concretas
de vida às crianças em que as aprendizagens se processem por meio de estímulos, esforços e
associações contextualizados aos interesses e às necessidades da vida, individual e social,
humana; tendo em vista que: “Para Dewey, o fim da educação não é a vida completa, mas
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
vida progressiva, vida em constante ampliação, em constante ascensão” (TEIXEIRA, 2010, p.
65). Sendo a educação “a própria vida” e não “preparação para a vida”, os objetos de
conhecimento deveriam favorecer, além de crescimento individual, a cooperação e o
desenvolvimento coletivo, considerando que: “O que se aprende, ‘isoladamente’, de fato não
se aprende. Tudo deve ser ensinado, tendo em vista o seu uso e sua função na vida”
(TEIXEIRA, 2010, p. 60)
Coerente com os ideais escolanovistas de seu tempo, Heloísa Marinho também
defende, em Vida e educação no jardim de infância, que a escolha e organização das
atividades no Jardim de Infância devem ser realizadas pela educadora em colaboração com as
crianças, haja vista que: “Na educação pré-primária, a experiência direta com o mundo das
coisas constitui a principal fonte de aprendizagem” (MARINHO, 1967, p. 103). Para Heloísa
Marinho não consistia função do Jardim de Infância o desenvolvimento dos mesmos valores
da educação primária, guiados especialmente em torno dos exercícios das letras e das contas.
Antes disso, o desenvolvimento da linguagem oral e escrita deveria nascer das próprias
“situações da vida” em que “a criança naturalmente aprende a falar e a pensar na ambiência
afetiva da família”. Por isso, caberia a professora, orientadora e especialista em
desenvolvimento infantil, “o estudo da evolução da linguagem”; pois, segundo a autora, a
linguagem e o pensamento não constituem matérias a ser ensinadas, já que surgem “das
vivências naturais” das crianças (MARINHO, 1967, p. 123).
Outra obra de grande repercussão no ambiente educacional brasileiro, nos anos de
1960, foi o livro O que é jardim de infância, da professora Nazira Féres Abi-Sáber. O livro foi
publicado em 1962 pela editora Nacional de Direito, com edição autorizada pelo Programa de
Assistência Brasileiro-Americana de Ensino Elementar (PABAEE) e pelo INEP.
O PABAEE foi um programa de assistência ao ensino primário que resultou de um
acordo entre o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), durante a administração de Anísio
Teixeira na direção do INEP. Tendo sido instalado no Centro Regional de Pesquisas
Educacionais (CRPE) de Belo Horizonte, o PABAEE desenvolveu atividades no Instituto de
Educação de 1956 a 1964. O objetivo central do Programa consistia em elevar a qualidade da
educação brasileira a partir do aperfeiçoamento de professores. Nesse sentido, o PABAEE
contribuíra para institucionalizar, no Brasil, uma direção metodológica de ensino, de currículo
e organização escolar então relacionada “ao tecnicismo americano no aperfeiçoamento de
professores da Escola Normal” (ABREU; EITERER, 2008, p. 94).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
A dimensão educativa seguida pelo PABAEE centrava-se no “aprender fazendo”.
Todavia, a sua ênfase educativa, de acordo com Abreu e Eiterer (2008), privilegiava mais “o
como se faz” do que o “aprender”; centrando os esforços didáticos no desenvolvimento de
processos metodológicos: “No PABAEE não há ênfase à fundamentação teórica, [...] mas há a
crença na modernidade pedagógica como panacéia que solucionaria o problema da educação”
(ABREU; EITERER, 2008, p.).
Nesse sentido, em uma direção distinta às concepções apresentadas por Heloísa
Marinho e demais escolanovistas, Nazira Abi-Sáber privilegia na obra O que é Jardim de
Infância procedimentos metodológicos e organizacionais da prática docente, apresentando
uma concepção de educação pré-primária como fase preparadora para o desenvolvimento das
competências e habilidades necessárias à aprendizagem da criança na educação primária,
especialmente no tocante à alfabetização.
Para ela, o analfabetismo e a evasão, fenômenos do fracasso escolar brasileiro,
reivindicavam modificações nas propostas pedagógicas dos Jardins de Infância. A preocupação
central de Nazira relaciona-se, portanto, à aprendizagem da leitura e da escrita. A autora
afirma que há a exigência na vida escolar do educando de um período de preparação especial,
sem o qual a aprendizagem não será feita de maneira eficiente e proveitosa. Desse modo, o
Jardim de Infância, proposto pela educadora, consistiria “a arrancada inicial que decide o
sucesso ou fracasso da criança na escola primária”, tendo em vista que: “[...] a preparação
adequada das crianças através de exercícios específicos, atividades físicas e intelectuais,
aquisição de experiências sociais e ajuste emocional, é uma garantia de sucesso na futura
aprendizagem” (ABI-SÁBER, 1965, p. 22).
Paradoxalmente às concepções apresentadas, Nazira procura identificar o Jardim a
que se refere. A partir de então, seus argumentos passam a ser coerentes com algumas ideias
apresentadas por Heloísa Marinho e contraditórios com os seus próprios. Todavia, conforme
Leite Filho (2008), a tensão entre uma pré-escola preparatória e outra que justifica a sua
existência a partir de suas próprias especificidades, dentre elas a preparação para a vida
social, pouco a pouco vai sendo desfeita com a adoção de referências escolanovistas
estrangeiras que também consistem bases referenciais no livro de Heloísa Marinho, muito
embora Nazira não explicite, claramente, quais sejam as suas fontes.
O discurso da autora passa, então, a não dissociar a preparação para a escola da
preparação para a vida, advertindo os leitores que:
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Temos muito receio de realçar a função preparatória do Jardim da Infância
porque, afinal, o objetivo principal do Jardim é antes a vida em todos os seus
múltiplos aspectos e feições. No Jardim, a criança não vai para aprender,
para adquirir conhecimentos acadêmicos, mas, ao contrário, vai para se
desenvolver, adquirir experiências, amadurecer, viver e conviver com os seus
semelhantes. Neste ponto é que ocorrem os mais lamentáveis enganos.
Alguns, não vendo resultados positivos, não sentindo o progresso das
crianças de Jardim, que nem menos sabem escrever ou fazer continhas,
menosprezam a educação e passam a julgá-la inútil. [...] Os pais,
principalmente, se deixam levar pela ilusão de que os seus filhos precisam
aprender qualquer coisa no Jardim: fazer umas cópias, ler um pouco,
resolver continhas... para que não cheguem muito atrasados na escola
primária (ABI-SÁBER, 1965, p. 23, grifos nossos).
Para Nazira, a educação pré-primária deveria se basear nos interesses e nas
necessidades das crianças, que se apresentam ávidas de explorar, experimentar e perguntar,
exibindo as suas habilidades. A autora lembra, então, quais são os objetivos do Jardim de
Infância, dos quais as professores deveriam cumprir, quais sejam: tornar felizes todas as
crianças, levando-as a viver e conviver com as pessoas que as rodeiam dentro das normas e
princípios cristãos de cooperação e compreensão; reconhecer que um programa de Jardim de
Infância só poderá ser completo se incluir um grande número de atividades preparatórias que
facilitem o trabalho da criança na sua aprendizagem futura; dar ensejo à atividade criadora e
espontânea, através da expressão artística.
Na delimitação dos objetivos reaparece, novamente, a tensão entre a função
preparatória da educação pré-primária com os fins próprios da educação voltada à primeira
infância, o que denota que “o jardim-de-infância de Nazira Féres Abi-sáber é marcado por
uma visão que o entende, sobretudo, como escolar. A sua referência maior parece ser a escola
primária” (LEITE FILHO, 2008, p. 210).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as análises realizadas ao longo deste artigo, compreende-se que as
propostas pedagógicas dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais, inicialmente, foram
ancoradas nos ideais de liberdade e espontaneidade infantis defendidos por Froebel,
posteriormente por John Dewey, e compartilhados por educadores escolanovistas brasileiros.
Em um segundo momento, as suas finalidades socioeducativas foram imbuídas de uma
postura compensatória de Educação Infantil (LEITE FILHO, 2008); tendo em vista que, nos anos
de 1960, a diretriz curricular no Brasil fora amplamente influenciada pelo PABAEE, que
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
contribuíra para imprimir uma visão tecnicista de fazer pedagógico nas escolas brasileiras
(MOREIRA, 1997).
Privilegiando mais o “fazer” do que o “aprender”, o Programa apoiara a publicação
de muitos livros, dentre eles os “Manuais Pedagógicos” destinados à formação das professoras
do ensino pré-primário. Entretanto, esses materiais deixavam a desejar em termos das
finalidades
das ações
recomendadas, apresentando lacunas de
compreensão na
fundamentação teórica. Consciente dessa problemática, Nazira Abi-Sáber certa vez desabafou
e, simultaneamente, justificou as ausências teóricas em suas produções: “[...] eu escrevi alguns
livros, se seu pudesse teria queimado em praça pública. Eles não têm fundamentação teórica,
mas numa época em que não havia nada, eles valeram para a professora entrar em sala e não
ficar perdida” (ABI-SABER, apud ABREU; EITERER, 2008, p. 99).
Essa posição de Nazira, no entanto, é questionada por Leite Filho (2008). Apesar de a
autora não explicitar, claramente, quais referências guiavam a elaboração desses manuais. Em
suas produções, dentre elas a obra O que é Jardim de Infância, Nazira expande uma série de
princípios teóricos que se associam às ideias de John Dewey e Decroly, especificamente sobre
as “atividades livres e criadoras” das crianças, incluindo os seus “interesses” e “necessidades”
quando em fase de ensino pré-primário.
Seja de que modo for, as ações pedagógicas desenvolvidas pelas educadoras Heloísa
Marinho e Nazira Abi-Sáber, apoiadas por órgãos vinculados ao Governo, dentre eles o INEP e
o PABAEE, contribuíram para a organização curricular das instituições infantis brasileiras,
sobretudo dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais, no século XX, tornando-as
escolas de educação da infância e, simultaneamente, laboratórios de práticas pedagógicas.
Além de escreverem manuais para as professoras pré-primárias, as autoras ministravam cursos
de formação de jardineiras. Esses cursos preparatórios não eram exclusivos à formação das
professoras da antiga Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro, e às de Belo Horizonte.
Contrariamente, por meio de bolsas fornecidas pelo INEP às Secretarias de Educação dos
estados, muitas professoras brasileiras foram capacitadas dentro do espírito renovador de
educação.
No Rio Grande do Norte, por meio de acordos estabelecidos entre o governo de
Dinarte Medeiros Mariz e o INEP, durante a gestão de Anísio Teixeira no órgão, várias
professoras dos Jardins de Infância foram à cidade do Rio de Janeiro, bem como à capital
mineira, se aperfeiçoar em Jardim de Infância. Em 1962 duas bolsas de estudo foram
conferidas a professoras norte-riograndenses para se especializar no Instituto de Educação da
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
antiga Guanabara, na época sob a coordenação da professora Heloísa Marinho. E, em 1963,
por oferecimento de bolsa do INEP/MEC, programa coordenado por Lia Campos, então
diretora do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais do RN (CEPE), foi enviada à capital
mineira a professora “Nanci Gomes dos Santos” (VIEIRA, 2005). Do corpo docente de Caicó,
conforme dados da pesquisa em andamento, fora enviada, à capital mineira, a professora
“Maria Bernadete da Fonsêca” para se especializar no “Curso de Aperfeiçoamento de
Professores e Diretores”, ministrado pela “Divisão de Aperfeiçoamento do Professor” (DAF), do
Centro de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, oferecido no Instituto de Educação de Belo
Horizonte. Embora o curso realizado pela professora Bernadete não se direcionar,
exclusivamente, à formação em Jardim de Infância, a professora cursara a disciplina
“Fundamentos da Educação Pré-Primária” que, à época, encontrava-se sob o ministério da
professora Nazira Abi-Sáber.
Esse intercâmbio cultural entre professoras do estado do Rio Grande do Norte e
Especialistas em Educação Pré-Primária de Centros Avanços de Estudos e Pesquisas sobre a
criança, a infância e a organização dos Jardins de Infância, pertinentes aos Institutos de
Educação de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, remete a pesquisa a considerar que os
fundamentos sociofilosóficos do Jardim de Infância Modelo de Caicó, bem como as
especificidades de sua organização institucional, tiveram sustentação, nos anos de 1960 e
1970, nos ideais escolanovistas de educação pré-primária difundidos nos cursos e manuais
pedagógicos voltados à formação das “mestras” dos Jardins de Infância. Realidade que remete
à tese de que os Jardins de Infância Tipo Modelo anexos às Escolas Normais contribuíram para
formar uma tradição pedagógica em educação infantil que tem como centros a delimitação de
objetivos e a reorganização das ações educativas.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO
INFANTIL: O ESTÁGIO SUPERVISIONADO COMO
CONTEXTO
Jacicleide Ferreira Targino da Cruz Melo 57
Denise Maria de Carvalho Lopes58
RESUMO
A formação de professores para a Educação Infantil tem sido objeto de teorizações e
definições legais em decorrência de sua articulação às especificidades das crianças de zero a
cinco anos. Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia
(BRASIL, 2006) impuseram reestruturações nos Projetos Curriculares desses cursos, como a
criação de estágio supervisionado nessa etapa. O presente trabalho objetiva analisar, da
perspectiva de graduandos do Curso de Pedagogia da UERN, o papel do estágio supervisionado
em educação infantil como instância de formação específica. Fundamentando a construção e
análise dos dados na perspectiva sócio-histórica e no dialogismo bakhtiniano, constatamos que
o estágio supervisionado, em que pese inerentes dificuldades, é componente curricular
privilegiado de formação para a docência na infância, propiciando articulação – ainda que
limitada e marcada por perspectivas empiristas, instrumentais e burocráticas – entre saberes
teóricos e práticos. As instituições de ensino superior precisam enfrentar o desafio de efetivar
o estágio numa perspectiva de práxis – diálogo entre teoria e prática – de produção de
conhecimento, intencional, sistemático e significativo.
Palavras-chave: Educação Infantil - Formação de Professores - Estágio Supervisionado.
INTRODUÇÃO
As mudanças transcorridas na sociedade, nas últimas décadas, de caráter econômico,
político, cultural, científico e tecnológico, fizeram emergir novas exigências educacionais
requerendo às instâncias formativas, tais como as universidades e cursos de formação – inicial
e continuada – a preparação de um profissional habilitado a ajustar seus modos de ação às
novas realidades da sociedade, do trabalho, do conhecimento, dos estudantes – nos diversos
níveis – dos diversos universos culturais e dos meios tecnológicos.
Para atender a tais demandas os sistemas de ensino têm buscado, por meio de
instrumentos regulatórios, promover reestruturações nas estruturas curriculares dos cursos de
formação, nomeadamente de nível superior, como é o caso da aprovação, em 2006, das novas
57
Professora no Curso de Pedagogia do Campus Avançado Professor João Ismar de Moura (CAJIM) da Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte (UERN). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia que introduzem, entre outras
mudanças, a qualificação específica para o exercício da docência na educação infantil.
Essas mudanças incorporam e refletem uma compreensão – produzida a partir de
diversos campos científicos – da criança como sujeito concreto, ser em desenvolvimento e, ao
mesmo tempo, contemporâneo, que se apropria de e produz cultura, que é inteiro e capaz,
porém dependente e vulnerável, marcado, tanto por características biológicas, como do
contexto sócio-cultural em que vive, assim como da classe social, da etnia, do gênero (OliveiraFormosinho, 2002; Sarmento, 2007; Kramer, 2011). Essas características definem a função
desse segmento, assim como do profissional que nele atua, como de educar-cuidar, de modo
indissociável, de crianças de zero a cinco anos e onze meses, com finalidade pedagógicoeducativa de promover seu desenvolvimento integral em ação complementar à da família, tal
como definido pela LDB (Lei 9394/1996).
A partir dessa compreensão, a formação de professores para a Educação Infantil tem
se convertido, nas últimas décadas, em tema de preocupações, investigações e teorizações,
dado o caráter reconhecidamente específico de sua constituição, relativo às especificidades
das crianças de zero a cinco anos (FORMOSINHO, 2002; OLIVEIRA; LOPES, 2011). Esses estudos
afirmam a necessidade de uma formação específica e sólida para os profissionais que atuam
junto às crianças pequenas (como têm sido identificadas as crianças da Educação Infantil)
considerando-se as múltiplas facetas do trabalho demandado pelas crianças em suas
necessidades e possibilidades.
Tal importância tem sido reiterada, também, nos documentos oficiais pertinentes à
área, tais como a Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), que definem, como
diretrizes, a necessária e especial qualificação dos professores que atuam com as crianças,
mediante formação inicial e continuada; os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a
Educação Infantil (BRASIL, 2008) que definem a formação dos professores como um aspecto
definidor da qualidade do trabalho das instituições e, finalmente, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) que, em seus princípios, explicita o papel do
professor junto às crianças, cuidando-as-educando-as, mediante a criação de condições –
materiais, físicas, emocionais, intelectuais – para que elas possam se desenvolver de modo
integral. O exercício desse papel demanda, por conseguinte, uma formação com caráter inicial
de nível superior e, dentro desta, de experiências curriculares que preparem, minimamente,
58
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
para o desempenho das funções próprias de modo a assegurar uma educação de qualidade
para as crianças.
Nesse sentido, mesmo concordando com Tardif (2002) que os saberes
docentes são oriundos de múltiplas fontes, compreendemos, junto com Salles e Russeff (2003)
que a formação inicial precisa garantir a apropriação de determinadas habilidades, mínimas e
indispensáveis, regulamentadas e contextualizadas, para a inserção do neo-profissional na
prática. Sendo assim, o estágio supervisionado enquanto componente curricular tem
contribuído para a formação de professores que atuarão junto a crianças pequenas, para o
atendimento de suas demandas enquanto pessoas em desenvolvimento - corporais,
emocionais, cognitivas, linguísticas, pessoais e sociais? Foi esta a questão que orientou a
construção de nosso trabalho.
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
A investigação assume os princípios da abordagem qualitativa, considerando a
imprescindível inserção do investigador ao/no contexto real do objeto de pesquisa e de sua
participação como co-construtor dos dados, em sua descrição e interpretação. Conforme os
autores Bogdan e Biklen (1994), Mazzotti (2004), Lüdke e André (2005), Freitas (2007) para os
pesquisadores qualitativos a apreensão do significado, pela interpretação dos fenômenos
observados é a preocupação essencial. “O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de
novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade” (ANDRÉ, 1995,
p. 30). Para a mesma autora, o estudo qualitativo é o que se desenvolve numa situação
natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de
forma complexa e contextualizada.
Numa mesma e ampliada direção, Freitas (2007, p. 27) propõe que, “uma pesquisa
qualitativa de orientação sócio-histórica” se caracteriza, entre outros, por aspectos tais como:
“a fonte dos dados é o texto (contexto) onde o acontecimento emerge, focalizando o
particular enquanto instância de uma totalidade social” [...], o que determina a busca de
compreensão dos – e através de – sujeitos envolvidos – e de seu contexto. [...] em seu
movimento em relações históricas e sociais.
A estruturação do trabalho contempla, portanto, a análise da inter-relação dialética
entre os dados empíricos e teóricos (KOSIK, 2002, p.44). Os dados foram construídos, tanto
mediante a análise de documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
curso de Pedagogia (2006), o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da IES (2008) e os
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1998), como também de pesquisa
de campo que envolveu 10 alunos do 5º período do Curso de Pedagogia da Universidade
Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Campus Avançado Professor João Ismar de Moura
(CAJIM), localizado no município de Patu, RN, e reconhecido como centro de formação de
professores da região.
A consulta ao Projeto Pedagógico do referido curso visando analisar objetivos e
estrutura do estágio no âmbito de sua organização curricular teve, como fundamento, tanto as
proposições das já citadas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, como
teorizações do campo da educação e da formação docente de caráter crítico. Juntamente a
esses procedimentos, as significações construídas mediante entrevistas semi-estruturadas com
dez graduandos que encontravam-se cursando o referido componente curricular, nos
possibilitaram uma aproximação à realidade objetiva do curso de Pedagogia dessa instituição.
Tomando como referência princípios da Análise do Discurso (ORLANDI, 1999) bem
como princípios do dialogismo de M. Bakhtin (AMORIM, 2007; FREITAS, 2007)
compreendemos que a linguagem não é transparente e que as significações que emergem
nas/das enunciações dos sujeitos têm uma materialidade simbólica própria e significativa e
uma espessura semântica, tecidas pelas/nas condições de produção dos discursos que
compreendem os sujeitos, a situação, a memória, a linguagem. Nesse sentido, o texto tece-se
(e tece a) na trama do contexto – mais imediato e mais amplo – histórico, social, econômico,
político, cultural, ideológico, onde se produz a interação que o produz. Numa relação dialética
entre memória e linguagem, os sujeitos, em relação, produzem sentidos e, com eles, se fazem,
se dizem de e a si mesmos (e de) e à sua realidade.
Tomando esses pressupostos como orientadores, consideramos as enunciações dos
sujeitos e construímos, a partir de seu entrecruzamento com as teorizações assumidas
(PIMENTA, 2001; IMBERNÓN, 2002; TARDIF, 2002, entre outros), eixos de análise, discussão e
reflexão acerca do Estágio Supervisionado como contexto formativo de professores.
ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: COMPONENTE CURRICULAR DO
PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UERN/CAJIM
As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006)
definem princípios, condições de ensino e de aprendizagem, bem como procedimentos que
orientam os órgãos e instituições de ensino superior do país. Em seu art. 2º determina que o
curso de Pedagogia aplica-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio na Modalidade
Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de Serviços e apoio escolar, bem como
em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos
O Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte,
desenvolvido no Campus Avançado Professor João Ismar de Moura - CAJIM respaldou-se
nestas orientações para efetuar uma re-estruturação em seu Projeto Pedagógico Curricular
com o objetivo de “formar profissionais aptos a atuarem na docência da Educação Infantil,
Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e na Gestão de processos
educativos, em ambientes escolares e não escolares que impliquem o trabalho pedagógico”
(PPC/PEDAGOGIA/UERN/CAJIM, 2008, p.8).
Buscando ajustar-se aos princípios propostos com caráter mandatório, dada a
natureza do documento citado, o Projeto Pedagógico para o Curso de Pedagogia do
CAJIM/UERN passou a constituir-se de dois eixos formativos: 1) a educação como prática
social, histórica e cultural e 2) a pesquisa e as práticas pedagógicas nos diferentes espaços
educacionais. Com base nessa perspectiva, a organização curricular envolve cinco categorias
de conhecimentos: Introdutórias, Fundamentos, Especialização, Aprofundamento e Aplicação
Tecnológica.
O Estágio Supervisionado, objeto de nosso estudo, está incluído na categoria de
especialização (atuação no ensino) – compreende conhecimentos específicos à formação do
professor e passíveis de mudanças mediante as condições concretas e demandas do(s)
campo(s) de atuação profissional estabelecido(s) no programa formativo. De maneira
específica, o projeto “centra-se na atuação do Ensino e na atuação da Gestão Educacional, cuja
ênfase está atribuída à primeira” (PPC 2008, p.44).
Na proposta formativa do PPC dessa instituição o Estágio Supervisionado é
compreendido enquanto atividade teórico-prática, com finalidade instrumentalizadora da
práxis, não se limitando à aplicação de técnicas aprendidas ou de conhecimentos adquiridos na
formação acadêmica, mas envolvendo a produção crítica de conhecimentos pelos formandosestagiários.
De acordo o Projeto Pedagógico do curso o estágio tem como objetivo geral:
Contribuir para a formação de um profissional reflexivo, pesquisador,
comprometido com o pensar/agir diante das problemáticas educacionais
evidenciadas nos espaços escolares e não escolar lócus de ação profissional
do futuro licenciado. O Estágio configura-se, assim, como um espaço de
produção do conhecimento que favorece a pesquisa e a extensão através da
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
troca de experiência entre os envolvidos no processo e do aprimoramento
progressivo do conhecimento sistematizado, a partir da confluência das
diversas atividades curriculares, não se limitando assim, a transferência
linear da teoria para a prática (PPC, 2008, p.63).
No Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia do CAJIM/UERN o Estágio
Supervisionado tem uma carga-horária de 300 horas que são distribuídas da seguinte forma:
Estágio I, em Educação Infantil, com 165 h/a; Estágio II , nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, com 165 h/a e o Estágio III, vivenciado em contextos não-escolares, com 150
h/a.
Essa carga horária tem como premissa possibilitar ao graduando acompanhar e
vivenciar situações-ações do exercício da docência escolar que não acontecem de forma
igualmente distribuída em cada um desses contextos, concentrando-se em situações, tais
como: a elaboração do projeto pedagógico, a organização das turmas, do tempo e do espaço
escolares; articulação entre as proposições teóricas e as questões práticas vivenciadas, visando
à construção de um conhecimento significativo propiciado pela vivência orientada do
movimentoação-reflexão-ação.
No caso específico de nosso estudo o Estágio I (em Educação Infantil) envolve o
estudo, a análise, a problematização, a reflexão e a elaboração de proposição de soluções às
situações de ensinar, aprender e elaborar, executar e avaliar projetos de ensino, não apenas
na sala de aula, mas, também, na escola e na sua relação com a comunidade. De acordo com o
PPC do curso, sua estruturação deve se efetuar da seguinte forma:
LOCAL
ATIVIDADES/ CARGA-HORÁRIA
Educação Infantil (Creche ou
Pré-Escola






Orientações/discussões teórico- metodológicas- 45h;
Observação direta nas salas de aulas – 20h;
Planejamento de ações pedagógicas para desenvolver na
sala de aula– 20h;
Aplicação do planejamento de 60 h, sendo no mínimo 40
h de trabalho na sala de aula, diretamente com os alunos,
podendo 20h serem operacionalizadas com outros atores
da escola e comunidade – 60h;
Registro e sistematização da experiência -16h
Avaliação e apresentação na escola campo de estágio, do
plano de trabalho desenvolvido - 4h.
Dados do PCC do Curso de Pedagogia do CAJIM/UERN, 2008
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Entendemos que o Estágio Supervisionado, talvez mais do que outros componentes
curriculares do Curso de Pedagogia, envolve uma dimensão de mutualidade, em que os que
ensinam e os que aprendem são sujeitos de um processo de formação, de construção e de
(re)criação, de co-produção de conhecimentos não prontos, não dados, mas que se constroem
a partir e mediante as condições reais em que encontram-se, a cada semestre, os formandos,
os sujeitos do campo de estágio, o professor, bem como a própria situação e relações que dela
demandam.
Nessa perspectiva, pensamos que essa disciplina possibilita a apropriação de
dimensões capazes de instrumentalizar formadores e formandos para a crítica e confronto de
paradigmas, estimulando-os à observação e reflexão sobre as atuações dos variados
segmentos, à percepção crítica do dia-a-dia da escola e à análise do real papel que a mesma
exerce – ou pode/precisa exercer – no processo educativo dos discentes.
Reconhecido pelo sistema de ensino como uma relação estabelecida entre um alunoaprendiz-estagiário e um docente “experiente” no campo de estágio com a mediação de um
professor supervisor acadêmico, o estágio supervisionado pressupõe atividades pedagógicas
efetivadas em um ambiente institucional de trabalho que pode oferecer situações
contextualizadas de vivências próprias do exercício docente a ser assumido pelo futuro
profissional. Nessa perspectiva, podemos pensar no estágio como a experimentação de
condições em que o estagiário se torne autor de sua prática, mediado por outros mais
experientes, atuando, como nos propõe Vygotsky (1998) em “zona de desenvolvimento
proximal” de forma intencional, sistemática e institucional, com uma autonomia conquistada
mediante o compartilhamento de ações norteadas por um projeto pedagógico previamente
construído, juntamente com teorizações que ancoram a tomada de decisões e as intervenções,
podendo, inclusive, contribuir para a reflexão e crítica desse projeto que o norteia
inicialmente.
Remetendo-nos, especificamente a analisar o lugar da Educação Infantil nas
Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia (2006) quanto à vivência de atividade de
estágio, verificamos que o art. 7º no inciso IV especifica ser uma das prioridades do estágio
curricular assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes
escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e
competências na Educação Infantil e nos anos iniciais, prioritariamente. Elas determinam,
ainda, em seu art.5º inciso II que o egresso do curso de pedagogia deverá estar apto a
compreender, cuidar e educar crianças de 0 a 5 anos, de forma a contribuir para o seu
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social. Essa
compreensão encontra-se definida, também, na LDB (Lei nº 9394/96), em seu art. 29 e ainda
nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998).
Refletindo sobre essas proposições, inferimos que é necessário ao graduando, em
seu processo de formação inicial para a atuação na Educação Infantil, vivenciar experiências
que permitam construir um significado mais elaborado sobre a criança, suas semelhanças e
singularidades como sujeito social e individual (STEARNS, 2006; SARMENTO, 2007), seus
processos de aprendizagem e desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998; WALLON, 1995), o papel do
meio sócio-cultural nesses processos e sobre a Educação Infantil, em suas diversas e históricas
funções sociais (KRAMER, 1995; KUHLMANN JR, 1998) e em sua compreensão atual como
espaço e tempo de aprendizagens e desenvolvimento mediante a apropriação e produção da
cultura pelas crianças.
As reflexões acerca de teorizações, consideradas como referências para a
interpretação da vivência cotidiana da docência, precisam privilegiar concepções,
compreendendo-as em seus processos de produção e difusão históricos, que avancem em
relação a abordagens que privilegiam um ou outro aspecto do desenvolvimento integral da
criança – físico, emocional, afetivo, cognitivo, social, cultural – o que tem, como conseqüência,
modos de conceber e agir que compartimentalizam a criança e seu desenvolvimento pessoal e
social.
Acreditamos que a experiência do estágio pode e precisa organizar-se do modo a
permitir uma reflexão mais sistematizada sobre esses aspectos, já que possibilita fazer
relações entre os conhecimentos teóricos construídos e a interpretação, por meio desses
conhecimentos, dos acontecimentos da/na prática.
Com base nessa compreensão, nossa análise do Projeto Pedagógico da instituiçãocampo aponta o caráter restrito de componentes curriculares voltados, especificamente, para
a Educação Infantil - apenas três: Concepções e Prática de Educação Infantil, Literatura e
Infância e o Estágio Supervisionado I - Educação Infantil. Nesse sentido, embora reconhecendo
que disciplinas-fundamentos como Psicologia Educacional, que enfocam processos de
aprendizagem e desenvolvimento humano e, por conseguinte, da criança; Sociologia,
Antropologia e História da Educação que, ao tematizarem processos constitutivos humanos e
sociais podem focalizar a criança e a infância como temas, é necessário reconhecer também
que nem sempre isso acontece, ou seja, nem sempre essas disciplinas privilegiam a criança e a
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
infância como categorias de estudo, no sentido de ampliar a compreensão dos graduandos a
esse respeito.
Assim, junto às duas outras disciplinas citadas o
Estágio Supervisionado em Educação Infantil assume lugar de destaque na formação do
profissional para esta etapa. Que contribuição tem dado esse componente curricular aos
formandos? O que eles próprios enunciam acerca dessa questão?
O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CONTEXTO FORMATIVO DE
PROFESSORES: O QUE DIZEM OS ALUNOS ESTAGIÁRIOS
As atividades que integram o estágio precisam permitir ao futuro licenciado um
conhecimento mais consistente das situações de trabalho com as quais irá se defrontar e, em
relação as quais deverá tomar decisões e agir no sentido de promover avanços nas
aprendizagens e desenvolvimento das crianças de modo integral. Desse modo, inserindo o
formando diretamente em unidades dos sistemas de ensino, busca-se criar condições em que
ele possa experimentar e verificar (em si e no outro) a vivência de conhecimentos exigidos na
prática profissional.
Além disso, numa perspectiva de formação inicial como constituição em ação de um
professor-pesquisador, o estágio pode contribuir para o desenvolvimento de uma atitude de
investigação no contexto da prática educativa tomando-a em sua complexidade, como objeto
de reflexão e ação.
Tomando como objeto de estudo esta realidade e os discursos dos alunos
estagiários sobre a importância do estágio supervisionado em educação infantil para a
formação do professor, consideram que, para estes, o estágio assume uma significação de
instância privilegiada que permite a articulação entre o estudo teórico e os saberes práticos:
O estágio permite que o futuro professor tenha oportunidade de
contextualizar a teoria estudada no curso com a prática que vai exercer.
Nele, o futuro professor tem a oportunidade de conhecer o mundo no qual
irá se inserir. Também foi importante porque pudemos ver como é uma
rotina organizada na educação infantil, foi uma experiência válida para
termos uma base de como é o funcionamento da educação infantil. Enfim,
nele eu pude construir mais saberes com relação à educação infantil,
observar o espaço, como as crianças interagem com as atividades, a
importância de saber mais sobre a criança. (RAPUNZEL, 2011, P. 10 –
Grifos nossos).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Caracterizo a importância do estágio como fase primordial para a formação,
pois nos possibilitou o contato direto com a realidade antes só estudada nos
textos teóricos. Nesta fase, o graduando se socializa com seu objeto de
estudo – a profissão de professor, até então situado só no campo das
hipóteses e intervém no processo ensino aprendizagem. O estágio, de
maneira geral, nos permitiu por nossa prática em reflexão. Acredito que o
grande aprendizado nesse estágio envolva produção de saberes referentes à
prática enquanto facilitadora do processo de ensino-aprendizagem. (JOÃO,
2011, P.20).
O estágio permitiu o primeiro contato com a docência, permitiu perceber se
é nossa área de atuação ou não, para que possamos intensificar nossos
estudos nessa área de atuação, é um momento de experiência; me senti um
pouco perdida, nunca estive em uma sala de aula como professor; organizar
e desenvolver uma rotina nesse segmento não é fácil. Precisamos estudar
mais e praticar mais. De maneira positiva, vejo que o estágio permite refletir
sobre nossos saberes e construir saberes também. (MARIA,2011, P.35. Grifos
nossos)
Essas enunciações nos remetem à ideia de Pimenta (2001) que define o estágio como
uma atividade teórica preparadora à práxis transformadora do futuro professor. “Ele é uma
atividade teórica do conhecimento dos professores [...] prepara para o exercício de uma
profissão. Essa preparação é uma atividade teórica, ou seja, cognoscitiva” (PIMENTA, 2001,
p.183). Podemos inferir que os alunos reconhecem o estágio como uma instância interlocutora
da teoria-prática, além disso, consideram essa experiência como promotora da construção de
saberes.
Tardif (2002) menciona que os saberes vão sendo reorganizados e remodelados no e
pelo trabalho, pelo compartilhamento de ideias com os pares, com os alunos, consigo mesmo
e com a instituição escolar. Segundo ele, “o professor aprende progressivamente a dominar o
seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de
regras de ação que se tornam parte integrante de sua consciência prática” (TARDIF, 2002,
p.14).
Concordando com Tardif (2002), compreendemos que a experiência de trabalho
somada aos saberes pedagógicos, científicos e curriculares é uma fonte privilegiada do saber
ensinar dos professores. Pensamos que o saber do professor não provém de uma fonte única,
mas de várias fontes diferentes. Neste sentido, o estágio se torna um espaço privilegiado de
construção de saber, contudo, não a única, mesmo na formação inicial. Retomamos que as
outras disciplinas oferecidas no curso, concomitantemente, podem se articuladas,
constituírem-se como fios condutores para desencadear o processo de formação do
profissional docente na Educação Infantil ao focalizarem, de suas diferentes perspectivas, os
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
modos históricos de conceber a criança, a infância e a sua educação, propiciando a
compreensão de sua especificidade.
Nesse sentido, o Estágio Supervisionado pode constituir-se como instância em que
esses fios diversos da formação começam a se entrelaçados. Mas, como essa ação reflexivaativa não se faz naturalmente no formando, o professor orientador, mais que o professor
efetivo da turma onde se realiza o estágio, tem papel de mediador, de propiciador das
condições de realização de tal reflexão propiciando o desencadeamento e compartilhamento
de discussões, de constatações, de dúvidas.
De uma maneira geral, percebemos que o estágio tem sido significado positivamente
pelos licenciandos, consistindo, para os mesmos, como espaço para a articulação de saberes
que influenciam na reflexão de sua atuação como futuro professor de crianças pequenas,
considerando algumas de suas especificidades. Alguns descaram a importância (e a
dificuldade) de terem vivenciado, observado, pensado, a organização do tempo – a rotina – o
espaço e as atividades – considerando-se as crianças pequenas. De fato, esses aspectos
constituem, entre outros, como a própria relação professor-crianças – não mencionadas por
eles, algumas das mais expressivas especificidades do trabalho com essa faixa etária e suas
demandas próprias.
Merece destaque a não referência à relação adulto-criança, bem como à (in)definição
acerca da organização dos “conteúdos” das atividades, das experiências propostas, aspecto
muito presente em discussões na área na atualidade (ARCE, 2010). Como nos diz Bakhtin
(1980) silêncios também enunciam sentidos e incitam a respostas – que podem ser outras
questões. De que maneira o estágio tem contribuído (ou não) para que tais aspectos sejam
pensados como questões da prática?
Por outro lado, podemos também identificar, junto a considerações de âmbito mais
geral, uma hipervalorizção da prática para a formação do professor, o que, por sua vez, pode
apontar para indícios de um reducionismo na concepção das relações entre conhecimento
prático e conhecimento teórico, ao lado de concepções que o definem como um contexto de
produção de saberes, não apenas de reprodução, assim como de produção de conhecimentos
e de emergência de reflexões, de necessidades referentes à profissão docente no âmbito da
educação infantil.
Tais contradições ou paradoxos nas formas de significação e nos sentidos que se
revelam nas enunciações dos formandos podem ser, por sua vez, compreendidas como
pertinentes e inerentes ao próprio movimento de constituição de conhecimento, reconhecido
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como produção de sentidos a partir das significações que circulam nos espaços sócio-culturais,
marcados, como nos diz Bakhtin (1980) pelas posições que os sujeitos ocupam nas relações e
interações sociais onde tais significações se produzem e passam a circular e a serem valoradas,
como bom, ruim, certo, errado... Como propõe Vygotsky (1998) a constituição de modos de
funcionamento mental individual faz-se sempre como internalização – conversão – de modos
intermentais compartilhados socialmente, não como reprodução ou cópia, mas, como
singularização, devida às condições individuais-sociais de cada sujeito.
Assim, em meio às “(in)verdades” que circulam nos meios educacionais em que se
envolvem ao longo de suas vidas/histórias, os graduandos vão convertendo-as em seus modos
de pensar, entrecortados por outros com os quais vai entrando em contato e, ao seu modo e
em dado momento, se apropriando. Assim, suas significações são marcadas por esses vários
discursos, por essas várias vozes, que ora privilegiam o caráter instrumental-prático das
vivências no estágio, ora destacam a emergência de reflexões, de lacunas; ora de afirmação de
certezas, de encontros, ora de constatação de dúvidas, de “perdição”.
Seus dizeres nos apontam, inicialmente, que a formação inicial para a atuação
docente na Educação Infantil não pode ser considerada do prisma de uma racionalidade
técnica organizada pela tríade instrumentalização-aplicação-transformação, mas carece de
reflexões sobre a contribuição que os estágios de prática de ensino (no nosso caso em
Educação Infantil) podem trazer para a constituição dos saberes teórico-práticos enquanto
modos de significação ação e construídos pelos licenciandos sobre a profissão docente.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, A TÍTULO DE CONCLUSÃO
As considerações que ora apresentamos não têm a pretensão de
apresentar
conclusões, mas de destacar alguns elementos já apontados no decorrer do texto, de forma a
contribuir para a reflexão sobre a formação docente, a partir da investigação do estágio
supervisionado em Educação Infantil no curso de pedagogia tomando o caso particular de
nosso campo de estudo como parte de uma totalidade social e histórica.
Concebemos que o caminho para oferta de uma melhor formação na prática dos
estágios está relacionado à existência de uma maior integração na relação entre teoria e
prática, o que demanda uma aproximação entre componentes curricularesa de caráter teórico
e os que têm uma natureza mais prática enquanto elementos que se complementam e não
como disciplinas isoladas,
realizadas numa sequência pré-estabelecida e, muitas vezes,
descontextualizada e desarticulada.
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O Estágio Supervisionado configura-se como um dos momentos de formação do
professor em sua etapa inicial. Não é o único e nem, para todos os formandos, o mais
importante, entretanto, é fundamental, pois consiste – ou pode consistir – em uma instância
de articulação, no contexto limitado da formação inicial, marcado por regulamentações,
múltiplas demandas sociais e históricas, entre um lastro teórico básico, e suas implicações
práticas – não dadas, mas por serem construídas no próprio fazer – que muda a cada situação
de tempo, lugar e relações sociais.
Dessa forma, sua inserção no percurso formativo do professor com vistas à sua
atuação na Educação Infantil revela-se como fundamental, considerando-se os históricos malentendidos relativos ao “perfil” do professor desse segmento, que, por muito tempo foi – e
ainda é - caracterizado por requisitos que privilegiam o senso comum, a não necessidade de
conhecimento especializado-científico, a “boa vontade”, ou dons naturais. A produção das
últimas duas décadas tem nos apontado, por outro lado, que esse profissional identifica-se e
caracteriza-se como professor, por sua função essencialmente pedagógica, da qual faz parte
uma dimensão de cuidado, acolhimento, proteção, afeto, animação. Assim, o curso de
Pedagogia como um todo, e o Estágio Supervisionado em Educação Infantil, de modo especial,
precisam propiciar situações aos formandos de iniciação na prática pedagógica com, se não
todos, dado que é “estágio”, é primeira aproximação, com muitos dos desafios, riscos e
encantos do fazer educar-cuidar cotidiano junto a crianças pequenas.
Desse modo, como instância articuladora-consolidadora do processo de formação do
futuro professor, o estágio pode efetivar o conceito de práxis (a indissociabilidade entre teoria
e prática) desde que orientado para essa finalidade. Como lugar de produção do conhecimento
é uma atividade que precisa ser intencional, planejada e fundamentada, superando a idéia de
empirismo, prática pela prática, cumprimento de atividades e carga-horária.
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O ESPAÇO FÍSICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
ESTABELECENDO CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
Jaqueline do Nascimento Lopes
Resumo
Este artigo objetiva fornecer subsídios para a observação e avaliação de espaços educacionais
para crianças pequenas a partir de critérios estabelecidos em interlocuções com autores da
área e de vivências ao longo do percurso do curso de Graduação em Pedagogia e dos
momentos como professora da Educação Infantil. É um recorte do trabalho de conclusão de
curso denominado “ ‘Que lugar é esse? ’: Analisando o espaço educacional de uma instituição
de Educação Infantil da rede municipal de Maceió”. Enfatiza a importância de espaços
adequados para o desenvolvimento de crianças e é fundamental para discutir o que é
necessário que um espaço infantil tenha para ser considerado de qualidade. As reflexões
desenvolvidas permitem concluir que as crianças pequenas necessitam de um espaço físico
bem organizado e estruturado de forma a lhe proporcionar descobertas, interações e,
consequentemente, desenvolvimento.
Palavras-chave: Educação Infantil. Espaço físico. Desenvolvimento.
Abstract
This article aims to provide support for the observation and evaluation of educational activities
for young children based on criteria established in dialogues with authors in the field and
experiences along the route of the graduate course in Education and moments as a teacher of
Early Childhood Education . It is a clipping from the completion of course work called " 'What is
this place?’: Analyzing the space of an educational institution of Early Childhood Education in
the Municipality of Maceió”. "Emphasizes the importance of adequate spaces for the
development of children and is essential to discuss what is necessary for a child space has to
be considered quality. The reflections developed to the conclusion that young children need a
physical space well organized and structured to provide your discoveries, interactions and,
consequently, development.
Keywords: Early Childhood Education. Physical space. development
INTRODUÇÃO
O espaço possibilita inúmeras descobertas e interações com o adulto e com as
demais crianças, fornecendo instrumentos para se pensar o mundo de sua própria forma. Por
acreditar que o espaço escolar é um importante objeto de estudo para educadores, busca-se
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um aprofundamento teórico da utilização desse espaço como ferramenta pedagógica e
compreensão de que sua falta influi no desenvolvimento da criança desde o início de sua vida
escolar.
É importante destacar que, neste trabalho, as denominações ambiente e espaço são
consideradas sinônimos, mesmo tendo conhecimento de que alguns autores o consideram
com características específicas e diferenciadoras.
Diante disso, buscar-se-á neste artigo responder à seguinte questão: Que elementos
são importantes na construção e manutenção do espaço físico escolar para o desenvolvimento
de crianças pequenas? Inicialmente, serão estabelecidos alguns apontamentos históricos
acerca do espaço físico na Educação Infantil, logo depois serão apresentados os critérios
definidos para avaliação da qualidade do ambiente infantil e, finalmente, explicitadas as
conclusões.
Espaços Físicos Escolares para Crianças: Contribuições de Documentos Oficiais
As instituições escolares têm recebido cada vez mais cedo crianças que
precisam sentir-se acolhidas e seguras no ambientes em que estão inseridas. Esse fator tem
feito com que o espaço seja uma das preocupações constantes quando nos referimos a
Educação Infantil. Mas para isso precisou primeiramente o reconhecimento da Educação
Infantil como uma etapa da Educação Básica perante a lei com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN 9.394/96). Ela vem como conseqüência à Constituição Federal de
1998 que definiu uma nova significação em relação à criança, que é a de criança como sujeito
de direitos.
Dentre as definições dessa lei, uma que merece destaque é a que define
estabelece que trabalhadores (homens e mulheres) têm direito à assistência gratuita aos filhos
e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré – escolas (art.
7º / XXV). Define ainda que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante
garantia de atendimento em creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6 anos de idade(art. 208,
inciso IV). A LDB regulamenta a Educação Infantil, definindo como primeira etapa de educação
básica (art. 21/1) e que, tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis
anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, contemplando a ação
da família e da comunidade. A LDB determina ainda que cada instituição do sistema escolar
deverá ter um plano pedagógico elaborado pela própria instituição com a participação dos
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
educadores e estes devem ter uma formação mínima. E nesse projeto político pedagógico
deve-se reconhecer a importância da utilização dos espaços como suporte de atividades
pedagógicas significativas para a aprendizagem da criança.
Para tal, tomamos como referência os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para
Instituições de Educação Infantil (2006), documento do Ministério da Educação (MEC), que
propõe a inclusão das necessidades e desejos daqueles que estarão inseridos nesse espaço,
com uma participação efetiva durante sua constituição. Os ambientes a que se refere esse
documento precisam proporcionar principalmente acessibilidade universal, ou seja, a garantia
da autonomia a crianças e professores com necessidades especiais. Essa autonomia da criança
não descarta as intervenções dos professores nesse espaço, pelo contrário ele aponta para
uma parceria constante entre ambos os interessados com objetivo de pleno desenvolvimento.
Esse espaço deve incorporar valores culturais de cada região, por isso não pode ser
descrito como um modelo ideal, pois deve estar inserido antes disso numa proposta
pedagógica com características da própria instituição, com sua identidade, seu caráter pessoal,
contando com a interferência da criança ao chegar nesse novo espaço. Dessa forma, assegura
os Parâmetros (2006, p.9) que “a criança pode e deve propor recriar e explorar o ambiente,
modificando o que foi planejado”. Dessa forma, esse novo espaço em que a criança se insere
aos poucos vai deixar de ser algo estranho e começará a reconhecê-lo a partir da familiarização
que acolhe e assegura sua permanência de forma agradável e segura, podendo favorecer sua
interação com os demais constituintes do mesmo ambiente.
O professor tem um papel muito importante nesse processo, pois ele passa a ser esse
mediador com coerência adequada a cada situação, assim como destacam os Parâmetros
(2006, p.10):
Acredita-se que ambientes variados podem favorecer diferentes tipos de
interações e que o professor tem papel importante como organizador dos
espaços onde ocorre o processo educacional. Tal trabalho baseia-se na
escuta, diálogo e observação das necessidades e interesses expressivos
pelas crianças, transformando-as em objetivos pedagógicos
Esse ambiente deve privilegiar prioritariamente a aprendizagem da criança e cabe ao
professor, tem um olhar perceptivo aguçado para entender e buscar estratégias que
promovam as descobertas,proponham desafios, facilitando a interação com o ambiente em
que estão inseridos, portanto um espaço lúdico, transformável e acessível.
Dentre os documentos oficiais temos como referência os Indicadores de Qualidade
na Educação Infantil (2009), que propõe espaços limpos, aconchegantes, bem iluminados,
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arejados, que transmitam acima de tudo segurança que dêem importância ao contato com a
natureza e que dê espaço à brincadeira. Esse espaço deve ter um mobiliário planejado,
pensando nas crianças que irão receber no que diz respeito à estrutura, acesso e conforto
incentivando sempre a autonomia e o contato com materiais diversos como brinquedos
adequados a idade de cada um e estímulos visuais com cores e formas variadas, mas sempre
muito bem conservados.
Esse espaço deve expor projetos educativos desenvolvidos pelas crianças, como
forma de registro e divulgação das produções dos pequenos, materiais estes que podem ser
desenhos, fotos, imagens expressivas estimulando as trocas e iniciativas por parte dos agentes
envolvidos neste contexto.
Outro documento oficial que aborda a importância do espaço físico para o
desenvolvimento da criança é o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(RCNEI), lançado em 1998 pelo MEC. Em seu primeiro volume, na página 63, ficam
estabelecidos os objetivos gerais da Educação Infantil e, dentre eles, estão:
estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,fortalecendo
sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de
comunicação e interação social; (...)observar e explorar o ambiente com
atitude de curiosidade,percebendo-se cada vez mais como integrante,
dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando
atitudes que contribuam para sua conservação(BRASIL, 1998, v.1, p. 63)
Ainda segundo este Referencial, é preciso perceber que o espaço físico e os materiais
não são elementos passivos, mas sim como “componentes ativos do processo educacional que
refletem a concepção de educação assumida pela instituição” (BRASIL, 1998, p. 67).
Nesse contexto, o espaço será proporcionador de desenvolvimento e aprendizagem
infantil, sendo versátil para atender às sugestões das crianças e dos professores a partir de
suas práticas educativas, da realidade em que estão inseridos. Dessa forma,
Os vários momentos do dia que demandam mais espaço livre para
movimentação corporal ou ambientes para aconchego e/ou para maior
concentração, ou ainda, atividades de cuidados implicam, também, planejar,
organizar e mudar constantemente o espaço. Nas salas, a forma de
organização pode comportar ambientes que permitem o desenvolvimento
de atividades diversificadas e simultâneas, como, por exemplo, ambientes
para jogos, artes, faz-de-conta, leitura etc. (BRASIL, 1998, p. 68)
Com relação aos espaços externos, o Referencial estabelece que devem prever
espaços em que a criança possa correr, brincar, escorregar, subir, descer, escalar, pendurar-se,
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escalar, esconder-se, brincar com água e demais atividades que lhe proporcionem liberdade de
expressão e alegria sem que possa-lhe ser perigoso.
Estabelecendo Critérios para Avaliação dos Espaços Físicos Escolares para Crianças Pequenas
Considerando o que indica os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições
de Educação Infantil: “O espaço destinado a esta faixa etária deve ser concebido como local
voltado para cuidar e educar crianças pequenas, incentivando o seu pleno desenvolvimento”,
(BRASIL, 2006, p. 11) torna-se importante esclarecer que a intenção de pensar em itens e
atitudes essenciais para a constituição do espaço escolar infantil é fruto de uma preocupação
em oferecer as condições necessárias para que esse desenvolvimento pleno aconteça.
Os critérios que aqui serão apresentados resultam de estudos e observações
realizados contando com a interlocução entre autores e advindo também da prática docente.
Entretanto, não podem ser considerados como fim em si mesmos ou como os únicos capazes
de serem considerados suficientes para atender a toda a complexidade de necessidades
infantis. Foram escolhidos estes por servirem como pontos fundamentais na construção de um
ambiente de aprendizagem constante.

INCLUSÃO / ACESSIBILIDADE
A educação inclusiva tem sido uma constante debatida e defendida principalmente
na Educação Infantil, pois, a Educação Básica de modo geral da qual a Educação Infantil faz
parte tem o dever de atender a crianças com necessidades educacionais especiais e o espaço
em que essas crianças serão inseridas é um aspecto essencial ao se pensar em receber essa
criança, os espaços das Instituições de Educação Infantil devem privilegiar a acessibilidade,
com rampas, barras de apoio, dentre outras coisas.
Nesse sentido de garantir a inclusão, deve ser pensada não apenas em crianças, mas
nos demais agentes que compõem a comunidade educacional. É necessário garantir que as
crianças com necessidades educativas especiais, não somente estar presente na escola, mas
fazer parte efetivamente das atividades que ali estão sendo desenvolvidas e que possam
interagir com esse espaço e tenham liberdade para serem ativas dentro da instituição. Que
possam movimentar-se naquele ambiente é o que defendemos, pois assim estaremos
contribuindo para a promoção da inclusão dessas crianças e isso servirá de base para que ela
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tenha um desenvolvimento pleno e alcance os objetivos almejados ao longo do tempo. Essa
acessibilidade está prevista nos Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de
Educação Infantil, neles temos:
Ambientes planejados para assegurar acessibilidade universal, na qual
autonomia e segurança são garantidas às pessoas com necessidades
especiais, sejam elas crianças, professores, funcionários ou membros da
comunidade. ( BRASIL, 2006, p.9)
O ambiente seguro favorece a autonomia e conseqüentemente o desenvolvimento
da criança ali inserida e faz com que as demais também se sintam a vontade a trocar
experiências e explorar determinado lugar.
 VALORIZAÇÃO DA CULTURA LOCAL
Os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil
afirmam que: “Cabe a cada sistema de ensino adequar as sugestões à sua comunidade na qual
a instituição está ou será inserida, sempre flexibilizando as sugestões apresentadas” (BRASIL,
2006, p. 10). Isso significa dizer que toda comunidade escolar envolvida precisa ser ouvida
participando das decisões a serem tomadas, deverão ter “voz e vez”
Ao pensar nesse espaço devemos levar em consideração as preferências das crianças,
que serão diferentes de acordo com as regionalidades em que estão inseridas. Nesse ponto
acrescenta Craidy & Kaercher ( 2001,p. 73): “Os espaços educativos não podem ser todos
iguais, o mundo é cheio de contrastes e de tensões, sendo importante que as crianças
aprenderem a lidar com isso” . Portanto, conforme citado, as diferenças são importantes e as
crianças aprenderão com ela para o processo de construção de identidade e de superação dos
obstáculos, fazendo-a crescer com as situações de conflito.
É imprescindível que o espaço da escola seja um local de divulgação e aceitação da
cultura local, sabendo que nosso país e, sendo mais específica, a região Nordeste é portadora
de uma diversidade cultural imensa, mas que infelizmente a maioria da população desconhece
e muitas vezes os conhecedores não valorizam, portanto, mostra-se a importância da
divulgação dessa cultura na instituição escolar, que é um local privilegiado pela diversidade de
pessoas que dali fazem parte.

INTERAÇÕES
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A interação entre as crianças é um fator preponderante para seu desenvolvimento
motor, cognitivo, físico e social. Ao entrar em contato com o outro, elas terão acesso a
inúmeras possibilidades de crescimento.
Partindo desse pressuposto, é necessário afirmar que o espaço físico da instituição
de Educação Infantil precisa estar estruturado de maneira a favorecer essas interações, essas
descobertas, esse crescimento. Sendo assim, os objetos precisam estar bem dispostos e sua
localização bem planejada para facilitar contatos e descobertas interessantes, tanto no que se
refere ao outro como a si próprio.
Pensamos assim que diversos aspectos da Instituição podem favorecer a interação, a
exemplo do mobiliário que aparentemente “imóvel” precisa ser adaptado às crianças para que
elas entrem em contato com os mesmos e adquiram novas experiências. Partindo para um
universo mais amplo, como o da instituição por completo e não somente a sala, torna-se
necessário reafirmar a importância de pensar o espaço na perspectiva infantil, pois muitos dos
espaços são pensados e planejados visando atender aos adultos da comunidade escolar e não
às crianças que serão as beneficiadas.
Além disso, espaços em que as crianças sintam-se acolhidas, felizes, seguras e livres
para descobertas e novos conhecimentos. Isso só será possível se ao pensar esse ambiente o
foco não seja o adulto e suas intenções, mas que seja a criança com suas possibilidades e
limitações.

MOBILIÁRIO, VENTILAÇÃO, ILUMINAÇÃO E LIMPEZA
O mobiliário das instituições da Educação Infantil é de certa forma muito particular,
pois na maioria dos casos há uma grande preocupação em estruturar as salas de atividades e
todo o espaço escolar numa preocupação em não machucar a criança, não cortar ou arranhar.
Sem desconsiderar esses aspectos coloca-se aqui uma reflexão a respeito da disposição desses
móveis principalmente no que diz respeito à sala de atividades que na maioria das vezes é
onde acontece grande parte das atividades desenvolvidas com as crianças. É importante que
as crianças possam ter contato com esse mobiliário e que em contrapartida ele exerça a sua
função primordial que é um suporte de materiais que venham a ser utilizados pelos indivíduos
envolvidos em determinado contexto.
Esse mobiliário deve estar sempre num local visível às crianças e impreterivelmente
acessível, para que elas possam conquistar uma autonomia que a leve a buscar o que lhe
necessário com segurança, alcançando o objetivo de fazer uso de tal suporte, sempre mediado
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e acompanhado por um adulto explicando todo esse processo. Isso poderá também aguçar a
curiosidade da criança em relação a outros aspectos, trazendo novas descobertas, sendo
interessante que o adulto, anteriormente, possa explicar o que tem, para que e como utilizar
os materiais contidos nesse mobiliário. O mobiliário mais freqüente encontrado numa sala de
atividades, por exemplo, são armários, mesas, cadeiras e estantes que em sua maioria não
estão acessíveis à criança.
A ventilação é outro aspecto importante principalmente para que a criança sinta-se
confortável no local onde está. Baseando-se na realidade das escolas públicas municipais de
Maceió, em sua maioria, possui ventilação de fontes artificiais feitas por ventiladores que nem
sempre funcionam de forma adequada É importante ressaltar o quanto a ventilação natural
torna-se um importante auxílio para evitar esses tipos de problema, além de propiciar à
criança um contato maior com o natural, despertando o interesse em apreciar o que a
natureza tem a nos oferecer, as crianças em geral se sentem muito bem quando as atividades
são realizadas ao ar livre com contato com a natureza onde possam sentir seus elementos num
espaço externo da sala de atividades, aqui se abre uma ressalva essencial em a criança
perceber a natureza realmente, sentir, apreciar e poder usufruir dela em seu desenvolvimento
dentro de seus limites e possibilidades, como nos mostra a experiência da Te – Arte em que se
prioriza o aprender a respeitar a natureza e o corpo que está inserido naquela realidade, com
os adultos participando, acompanhando e fazendo a mediação necessária durante todo
processo da criança, assim como há uma grande valorização da diversidade cultural local,
como mostra Buitoni (2006, p.40):
Liberdade, sensação, brincar, expressar, experimentar, olhar, mexer. Ar
livre. Degraus e árvores. Rampas e pontes. Limites, limite. Sessenta crianças
num quintal/jardim/pomar conhecendo o mundo e se conhecendo.
Conhecendo seu próprio corpo. Um espaço no qual o corpo é vivido, nas
delicadezas, nas durezas, nas asperezas, nas sutilezas dos toques, dos sons,
dos cheios, dos olhares, dos gostos (...) constroem cenários, enfeitam carros
e mesas, fazem adereços e prendas, aprendem canções e danças. Teatro,
pintura, desenho, histórias. Raízes do Brasil.
Esse aspecto depende em parte da estrutura física da sala que deve contemplar em
sua constituição física pontos de apoio que favoreçam essa ventilação natural.
A iluminação dos espaços de instituições de Educação Infantil públicas geralmente
também é artificial. Mas se pensarmos que um nível de ensino prioritariamente diurno,
possibilita a utilização de uma iluminação o mais natural possível em que não precise estar
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sempre com uma infinidade de lâmpadas ligadas o tempo inteiro, o professor pode fazer uma
observação do sol com pinturas, desenhos, lugares cada vez mais abertos em que a luz do dia
possa adentrar os espaços da instituição e fazer com que essas crianças possam vivenciar uma
realidade diferente da que estão habituadas: a experimentar, no mundo em que vivemos,
percebendo com mais qualidade o que a natureza tem a nos oferecer.
A limpeza do espaço é algo essencial ao bom andamento e manutenção higiênica do
local em que estão sendo desenvolvidas as atividades com as crianças, pois a instituição se
torna um referencial para ela. Conforme afirma Nicolau (2003, p.21) “Não basta um lugar
limpo e arejado; devemos oferecer um lugar agradável e bonito, e materiais, apresentados de
forma cuidadosa e atraente”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe uma diversidade de aspectos que precisam ser avaliados na construção e
manutenção de espaços físicos escolares para a educação infantil. Os currículos oficiais já
demonstram a importância de se perceber e colocar em pauta discussões acerca de que
ambientes estamos ofertando às nossas crianças. Ao observar, por exemplo os volumes dos
Referencias Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a preocupação com o aspecto
espacial é visível e latente. O importante também é que as instituições de educação e cuidado
infantis assim também como os profissionais que nelas trabalham reconheçam e iniciem ações
visando proporcionar uma organização agradável de seus materiais, das pessoas, dos
brinquedos, ou seja, de tudo aquilo que estará em contato com as crianças.
Os critérios de avaliação aqui expostos são apenas indícios de algumas das
características que devem estar presentes para uma melhor educação da criança,
proporcionando-a melhores condições e oportunidades de desenvolvimento e crescimento.
Outros estudos apresentam outras necessidades que devem ser atendidas na construção do
ambiente e, assim, complementam as articulações que realizamos aqui.
Portanto, espera-se que este curto texto ofereça possibilidades de mudanças dentro
das instituições de Educação Infantil e que forneça subsídios para uma rica discussão acerca
dessa necessária temática para a Educação.
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REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de
1996.
_______, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Indicadores de Qualidade na
Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009.
_______, Ministério da Educação,Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de InfraEstrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006
_______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BUITONI, Dulcília Schroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te – Arte. São
Paulo: Ágora, 2006.
CRAIDY, Maria e Gládis, Elise P. da Silva KAERCHER (org.). Educação Infantil: pra que te quero?.
Porto Alegre: Artmed, 2001
NICOLAU, Marieta L. M. A educação pré-escolar: fundamentos e didática. São Paulo: Ática,
2003.
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CONCEPÇÕES ACERCA DAS PROPOSTAS CURRICULARES
VOLTADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL: ASSUMINDO
DESAFIOS
Josefa Carolino de Souza - [email protected]
Silvia Fernandes de Sousa - [email protected]
Valéria Maria de Lima Borba - [email protected]
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo mapear as propostas pedagógicas destinadas à
educação das crianças pequenas. Os dados foram coletados em uma creche e uma pré-escola
da rede municipal de educação na cidade de Cajazeiras, Paraíba. Trabalhou-se com 2
professores de creche e 3 professores ensinando em pré-escolar. Encontrou-se divergências
entre os pressupostos teóricos que norteiam a este âmbito de ensino, e o que de fato vem
ocorrendo no cotidiano das instituições destinadas para este fim; uma vez que se constatou
que a maioria dos profissionais que atuam nas instituições pesquisadas, nem ao menos
possuíam formação apropriada para a Educação Infantil, bem como possuíam concepções
retrógradas acerca deste âmbito da educação; constituindo assim em verdadeiros desafios
construir propostas pedagógicas realmente satisfatórias para as crianças.
PALAVRAS CHAVE: Educação Infantil, Propostas pedagógica, Concepções de Professores
ABSTRACT
The present study aims to map the pedagogical proposals for education of young children, in
view of human development as the construction process, with emphasis mainly interactionist
vision in developing this knowledge. Data were collected in a nursery and a pre-school
education in the municipal town of Cajazeiras, Paraiba. Worked with two teachers and three
nursery teachers teaching in preschool. For such teachers were given a questionnaire with
open questions answered in which the theme of early childhood education, were asked, then,
that teachers expressing their opinions and ideas about how educators develop proposals
aimed at early childhood education curriculum . Thus, we found differences between the
theoretical assumptions that guide to this field of education, and what actually is happening in
the daily life of institutions designed for this purpose, since it found that the majority of
professionals working in the institutions surveyed, not even had proper training for
kindergarten and had reactionary views on this area of education, thus providing real
challenges in building educational proposals really suitable for children.
KEY WORDS: Early Childhood Education, pedagogical proposal, Conceptions of Teachers
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INTRODUÇÃO
Para falarmos sobre das propostas pedagógicas voltadas para a Educação Infantil fazse necessário que tenhamos conhecimento da constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases
da educação nº 9.394/1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois esses são prérequisitos essenciais para aprofundarmos o processo das propostas pedagógicas de ensino e
aprendizagem na educação das crianças pequenas.
Nesse sentido pode-se ressaltar que o currículo na educação infantil tem passado por
várias transformações, pois, houve épocas que este assumia um enfoque do pensamento
relacionado às influencias do poder político. Assim, o texto que se segue irá mostrar tais
concepções acerca dessas propostas na educação infantil.
Diante do exposto para que possamos ter uma idéia de como era vista a criança,
fizemos uma retrospectiva histórica de como ocorria à educação das mesmas.
Buscou-se explicação nas concepções dos pensadores Lev Vygotsky e o Francês Henri
Wallon, enfatizando suas contribuições para o desenvolvimento da criança num processo
sócio-histórico.
Dando continuidade, ressaltamos em terceiro momento a LBD em que argumenta as
leis sobre integração das crianças nas instituições de ensino, e as propostas curriculares
pedagógicas da mesma. Pois, antigamente a educação das crianças era visto apenas
direcionada a “família” e ao meio social em que esta convivia, no qual se tinha um pensamento
tradicionalista da criança como ser em miniatura que se preparava para futuras experiências.
Diferentemente da realidade atual, em que a criança é vista como ser dotado de
sabedoria que precisa ser lapidada, através do processo de ensino e aprendizagem. Depois
foram feitas as análises do estudo de campo realizado com educadores de uma creche e préescola, de modo que obtivemos um conhecimento mais adequado através de suas respostas
escritas de como desenvolvem as propostas curriculares que a educação infantil oferece. Pois,
é fundamental que o pesquisador busque “ir ao espaço onde o fenômeno ocorre - ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. (GONSALVES, 2003, p.67)
E por último as considerações finais em que colocamos os resultados alcançados ao
realizarmos a pesquisa, bem como as conclusões acerca de todo estudo realizado em torno da
problemática em questão.
Nesta perspectiva, interessa-nos ressaltar que ao analisarmos este problema não
queremos estabelecer conclusões, mas, sobretudo procurar melhores condições para
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construção de propostas pedagógicas verdadeiramente significativas, que venham suprir as
reais necessidades das crianças.
Uma pequena incursão histórica sobre o trabalho em Creche e Pré-escolas: um olhar sobre a
legislação e sobre o desenvolvimento das crianças pequenas
Considerando que o ser humano está em constante processo de desenvolvimento, e
que essa dinâmica de construção do conhecimento, está em constante evolução, sofrendo
interferências tanto da época, quanto da realidade em que se está inserido é que viemos por
meio dessa pesquisa realizar um levantamento acerca da construção das propostas
pedagógicas voltadas para a educação infantil, enfatizando sua historicidade tendo em vista
tomar conhecimento tanto da época em que surgiram quanto tentar fazer uma interligação
com que o que encontramos hoje com relação a este âmbito de ensino.
Nesse sentido, as creches originaram-se vinculada ao caráter de cuidado, tutela,
destinada aos filhos das mães que trabalhavam fora; enquanto que a pré-escola originou-se
com o aspecto educativo, voltada essencialmente para atender as famílias que usufruíam de
um poder econômico mais favorável, e que buscavam na escola o caminho para a manutenção
e melhoria do status quo de seus filhos.
Culminando este processo, a própria Constituição de 1988 reflete o movimento
recente de repensar as funções sociais da creche e da pré-escola. Ela reconhece a creche como
uma instituição educativa, “um direito da criança, uma opção da família e um dever do
Estado”. Tal concepção opõe-se à visão tradicional da creche como uma dádiva, como um
favor prestado à criança, no caso à criança pobre e com funções apenas assistencialistas e de
substituição da família.
Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a creche passa a ser vista
como responsável, junto com a família pela promoção do desenvolvimento das crianças,
ampliando suas experiências e conhecimentos. Sendo de responsabilidade dos municípios a
organização, manutenção direta ou conveniamento e supervisão de creches públicas e
particulares. Além disso, as empresas são obrigadas a manter creches para os dependentes de
seus empregados ou a contribuir para que estes sejam atendidos em creches públicas ou
privadas.
A creche tem sido cada vez mais reivindicadas por um número crescente de famílias
de diferentes camadas sociais. Daí a urgência em responder a questões envolvidas no
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desenvolvimento de crianças e de como promovê-lo, para garantir um atendimento de
qualidade.
Verifica-se então, que desde sua origem as instituições de Educação Infantil tem
lidado com uma dicotomia entre o aspecto do cuidar e do educar. Entretanto, apesar dessa
dicotomia estabelecida e reforçada pelas leis que regulamentam este nível de ensino é de
fundamental importância levarmos em consideração sua natureza e especificidade ao tratar
com crianças de 0 a 5 anos, que pressupõe um envolvimento e uma parceria com as várias
instituições distintas, tendo em vista que se trata de uma educação multifacetada.
Compreende-se que a prioridade nacional na área de educação é ampliar o acesso e
a permanência dos alunos no ensino fundamental, para concretizar um dos direitos básicos de
cidadania que é a posse de conhecimentos sistematizado. Todavia, o cuidado com a educação
infantil deve ser pensado como estratégia para favorecer a formação de nossas crianças.
Portanto, observa-se a necessidade de políticas públicas que procure efetivar a
garantia do atendimento das reais necessidades das crianças, integrando ações voltadas tanto
para o cuidado, quanto para o aspecto educativo, respeitando é claro as especificidades
próprias de cada criança.
No bojo dessa questão, e consciente da necessidade de se conhecer o indivíduo
(criança) é que se evidencia a relevância de termos o conhecimento acercas das concepções de
criança, e que também saibamos que tais concepções não se apresentam de forma simples e
clara, muito pelo contrário, constituindo-se em uma construção histórica e social, em que
existem diversas idéias do que seja ser criança, bem como do desenvolvimento infantil.
Nesse sentido, e tendo em vista que vivemos em uma sociedade dividida em classes
sociais divergentes e que, portanto, é impossível adotarmos a mesma concepção de criança
para ambas as classes sociais, bem como nas diferentes épocas vividas anteriormente, em que
temos conhecimento de que entendia-se a criança como um adulto em miniatura, que não
adquiriu a linguagem do seu meio, crianças pobres desde cedo eram tidas como preguiçosas; e
assim evidencia-se a variedade de concepções atribuída a infância ao longo do tempo.
Todavia, faz-se necessário, compreender a criança tendo em vista o contexto social
no qual está inserida, sabendo que esse olhar muda dependendo do contexto, mudando
também a concepção de criança quanto o modo de educação destinada à elas.
Assim, inicialmente a educação das crianças era apenas de responsabilidade das
famílias do meio social a qual pertencia, e através dos adultos aprendiam o que era preciso
para a sua sobrevivência. Contudo, as crianças das classes sociais mais favorecidas
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economicamente, se desenvolviam dentro de suas próprias casas, e eram tidas como criaturas
divinas.
Nesse sentido, evidencia-se que por muito tempo não existiu instituições destinadas
para compartilhar com a família a responsabilidade para a educação das crianças pequenas.
Assim, segundo Oliveira (2008, p.167)
[...] dentro de uma visão tradicional, o ambiente privilegiado para a
educação da criança pequena seria a família, que asseguraria a satisfação de
suas necessidades de sobrevivência física, lhe daria um suporte emocional e
o sentido de pertencer a um pequeno grupo social e lhe conferia uma
identidade básica.
Posteriormente ao surgimento dessas instituições, que deu-se basicamente com o
advento da escola, no entanto, estavam voltadas essencialmente para o aspecto do cuidado,
ainda não apresentando nenhum atributo educativo.
Evidencia-se, portanto, a importância das instituições religiosa que dividiam a
preocupação do cuidar, já que durante um período histórico eram essa instituições que
pegavam os “filhos bastados da sociedade” para cuidar. Dessa forma, o trabalho junto às
crianças nesta época eram de cunho assistencial-custodial. A preocupação era com
alimentação, higiene e segurança física das crianças. Um trabalho voltado para educação, para
o desenvolvimento intelectual e afetivo das mesmas não eram valorizado.
Posteriormente, e com o advento do desenvolvimento industrial, as mulheres
passam a exercer sua força de trabalho, o que deflagra a necessidade de um lugar para deixar
seus filhos, seguro e cuidados.
Depois com a LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, verifica-se a importância
dada a Educação Infantil ao ser implantada por esta lei, bem como especificando sua
finalidade, no sentido de educar para promover o desenvolvimento integral da criança; como
dever do Estado, em que se procurou estabelecer uma articulação entre direitos, deveres e
liberdade de educar.
Assim, fica estabelecido com a nova LDB que a Educação Infantil deveria ser
oferecida em creches, para o atendimento às crianças até três anos de idade, e em pré-escolas
para aquelas com idade equivalente a quatro e cinco anos. No entanto, sabendo que a
Educação Infantil equivale à primeira etapa da Educação Básica, da qual fazem parte também
o Ensino Fundamental e o Ensino Médio; é posto na Constituição Federal e na própria LDB que
a questão da obrigatoriedade destina-se apenas ao Ensino Fundamental; assim fica evidente a
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dissociação entre direito e obrigação, haja visto que o Estado não omite a educação como
direito humano fundamental, todavia não se apresenta como responsável para garantir as
condições necessárias para a efetivação desse direito.
Com relação aos aspectos legais recentes, o Plano Nacional de Educação (PNE) –
2011-2020, atualiza a discussão sobre a educação em geral e particularmente, sobre a
Educação Infantil, abrindo a agenda para a próxima década e apresentando vinte metas a
serem postas em prática. Dentre elas, a primeira se referente à Educação Infantil e pressupõe
a universalização do atendimento escolar até 2016 das crianças de 4 e 5 anos, alem de
aumentar, até 2020 essa oferta para 50% das crianças de até três anos. Essa meta se desdobra
em nove estratégias que se refere às condições de como fazer para que esta meta seja
efetivada.
Todo esse período histórico suscita muitas questões sobre a educação de crianças
pequena fazendo com que surja o interesse acadêmico por essa facção da sociedade. Nesse
ínterim especialistas da área passam e apresentar novas e diferentes maneiras de conceber a
infância, dando a devida importância a esse momento da vida do indivíduo. Evidencia-se,
assim, uma preocupação nascedoura também com o aspecto educativo, tornando as
instituições mais sistematizadas e preocupadas com o cuidar, mas também com o educar.
Dessa forma, e Oliveira, (2008, p.167) esclarece que:
A modificação de uma série de fatores ligados à inserção social das famílias,
e particularmente, à entrada das mulheres no mercado de trabalho foi
acompanhada pelo aparecimento de concepções que defendiam o cuidado
e a educação de crianças pequenas em creches e pré-escolas como
alternativas valiosas de promoção do desenvolvimento infantil.
Nesta perspectiva, evidencia-se a necessidade de compreender a criança, bem como
o modo como ela se desenvolve para que se construa uma proposta pedagógica definida,
voltada para beneficiar as crianças proporcionando o que há de melhor no compromisso e
competência de desenvolver o trabalho pedagógico partindo da realidade das crianças e a
partir do que elas já conhecem, procurando introduzir instrumentos no sentido de ampliar o
seu repertório de conhecimentos para que elas se apropriem da cultura padrão; levando em
consideração o desenvolvimento também do aspecto crítico das crianças, lhe proporcionando
compreender e refletir acerca da realidade que a cerca.
Assim, tendo em vista a concepção de criança, como construção social, de acordo
com a cultura que se está inserida, modifica-se também a concepção de criança, bem como a
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proposta pedagógica voltada para a Educação Infantil, considerando-a não como um modelo,
mas como culturalmente determinadas.
Nesse sentido, diferentes concepções tentam explicar como ocorre esse
desenvolvimento, desde a que explica que o mesmo ocorre no interior do sujeito como de
origem genética em que de acordo com Oliveira (2008, p.125):
O desenvolvimento seria como desenrolar de um novelo em que estariam
previamente inscritas as características de cada pessoa. Bastaria alimentar
um processo de maturação e as aptidões individuais, em estado de
prontidão, guiariam o comportamento do sujeito.
Para outros é o meio em que a criança se desenvolve que vai influenciar no
desenvolvimento do sujeito, sendo um ambiente indispensável no desenvolvimento da
criança. Todavia tais concepções, de certa forma, pressupõe uma diminuição da ação do
sujeito no seu próprio desenvolvimento, colocando o meio externo ou as condições biológicas
como principais responsável pelo processo de desenvolvimento do sujeito. Assim sendo,
Oliveira (2008, p.125) aponta que: “o homem tem plasticidade para adaptar-se a diferentes
situações de existência, aprendendo novos comportamento, desde que lhe sejam dadas
condições favoráveis.”
E uma terceira corrente denominada interacionista, pressupõe a junção das duas
concepções anteriores, pois ao mesmo tempo em que a criança é influenciada pelo meio,
também interfere e influencia-o. Dessa forma a criança é vista como um ser ativo em seu
processo de desenvolvimento e aprendizagem. Tal participação ativa é influenciada muitas
vezes pela intencionalidade pedagógica elaborada pelos professores, pois a medida em que
estes são estimulados a construir novos significados, relacionando com outras experiências
fora dela,atingindo uma diversidade de aquisições de conhecimentos e saberes.
Diante disso para que se conheçam as significações de cada criança, o professor deve
observar suas reações, de forma que estas percebam várias situações, conceitos e valores para
que possam refletir sobre diversas questões de modo diferente e superando visões e idéias
que antes eram restritas, tornando assim esquemas flexíveis, e dotando-as de significações.
Nesse sentido Oliveiro (2008, p.126) coloca que: “ao construir seu meio, atribuindo-lhe a cada
momento determinado significado, a criança é por ele construída; adota formas culturais de
ação que transforma sua maneira de expressar-se, pensar, agir e sentir.”
Outro aspecto de extrema importância no desenvolvimento humano, concebido
como processo construtivo, se refere ao aspecto da reciprocidade, concebendo o
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desenvolvimento humano como uma tarefa conjunta e recíproca, pois se baseia em processos
de interações mútuas, em que a criança é vista como sujeito ativo de seu próprio processo de
desenvolvimento, e neste processo não só a criança se desenvolve, mas também os adultos e
as demais crianças que com ela convivem também tem a oportunidade de se desenvolver
mutuamente nos processos de interações que acontecem no decorrer das relações. Pois
segundo Machado (2007, p.29): “...é a vivência no meio humano, na atividade instrumental, na
(e pela) interação com outros indivíduos que permitirá o desenvolvimento, na criança, de um
novo e complexo sistema psicológico.”
Assim, ao falarmos em desenvolvimento humano tido como processo de construção,
podemos observar várias correntes que tentaram explicar tal processo. Dentre elas, a corrente
denominada interacionista, que tem como representantes em pesquisa sobre o
desenvolvimento infantil mais impactantes nas últimas décadas o russo Lev Vygotsky e o
francês Henri Wallon, que desenvolveram suas reflexões a partir da perspectiva sóciohistórica.
A partir da concepção atual de desenvolvimento da criança, percebe-se a
importância da sua interação e da relação de reciprocidade entre o indivíduo e o meio que o
circunda, ficando evidente que esse desenvolvimento se dá por meio da apropriação tanto da
linguagem, o desenvolvimento da motricidade e da cognição, além da inserção cada vez mais
atuante na sociedade, enfatizando, dessa forma, os aspectos bio-psico-social do
desenvolvimento infantil. Tendo em vista que para o desenvolvimento do aspecto motor faz-se
necessário o incentivo de atividades diversificadas, sempre com intencionalidade de que a
criança manipule objetos de diferentes formas, cores, volumes, pesos, etc...; para que a
criança consiga adquirir um repertório de conhecimentos no aspecto motor e posteriormente
também se devem proporcionar situações de aprendizagem para que a criança adquira a
linguagem do seu grupo, constituindo-se num processo sócio-histórico, isto é que sofre
influências tanto do meio, quanto do tempo em que esse desenvolvimento ocorre.
Portanto, podemos constatar que o desenvolvimento infantil se dá basicamente na
socialização com o outro, pois desde o nascimento a criança vive e convive em situações de
interação; sendo assim é importante que tenhamos conhecimento teórico acerca de como se
dá esse desenvolvimento no intuito de desenvolver uma proposta pedagógica que favoreça
essa interação na promoção de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, tendo em
vista que atualmente muita coisa já mudou com relação ao atendimento às crianças pequenas,
principalmente no tocante ao aspecto das leis que regem esse âmbito, todavia, ainda há muito
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que melhorar, essencialmente no sentido de se colocar em prática o que regem as leis
considerando que a criança precisa se desenvolver integralmente; bem como o
desenvolvimento de políticas públicas que visem suprir as reais necessidades das crianças em
ações voltadas para a integração entre as funções de cuidar e educar.
METODOLOGIA
Este estudo teve como objetivo mapear das propostas pedagógicas destinadas à
educação das crianças pequenas, tendo em vista o desenvolvimento humano como processo
de construção, dando-se ênfase principalmente a visão interacionista para elaboração desse
conhecimento.
A coleta de dados aconteceu em uma creche e uma instituição de ensino da rede
municipal de educação da cidade de Cajazeiras, Paraíba. Participaram do estudo 5 professores
de Educação Infantil, sendo que 2 atuavam na creche e 3 atuavam na pré-escola fundamental.
RESULTADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Partindo para as análises dos questionários da escola, constatamos que da totalidade
dos professores pesquisados na pré-escola e na creche percebeu-se que 2 tinha formação em
Pedagogia; 1 tinha formação em Matemática, contudo, tinha o normal médio; 1 com formação
em Letras e mais 1 em Geografia. Assim, pôde-se verificar que em sua maioria os professores
pesquisado não tinha formação adequada para a função que estavam exercendo, muito
embora se tratasse de pessoas concursadas da rede municipal, todavia para uma habilitação
diferente da área da educação infantil.
Talvez por essa questão notamos uma certa dificuldade no tocante ao
preenchimento do questionário solicitado, haja visto que se tratava de questões referentes ao
âmbito da educação infantil para a qual as mesmas não se mostraram preparadas, pois
apresentaram um conhecimento superficial, coerente com a falta de formação na área
específica, como podemos perceber por exemplo, quando perguntado sobre o que é ser
criança nos dias atual?
Assim, foi possível constatar também que a creche não possuía uma proposta
pedagógica que norteasse o trabalho de atendimento à demanda da educação infantil na
comunidade, devido a esse fato pôde-se perceber a inaptidão para o desenvolvimento das
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atividades que enfatizassem o cuidar, mas também o educar; pois, segundo a educadoras A, a
creche nem ao menos possuía um regimento interno do referido estabelecimento.
Percebeu-se, assim, que, apesar da boa vontade para receber as crianças, a creche
ainda funcionava sob a ideia assistencialista na qual a mesma, historicamente, se constituiu.
Pois, a falta de um documento que norteasse e deixasse claro a diretriz de funcionamento,
leva-nos a citar Lewis Caroll em Alice no País das Maravilhas, “se não há um lugar para chegar,
qualquer caminho serve”. Então, na falta do regimento e de um Projeto Político Pedagógico,
documentos essenciais para o funcionamento de um estabelecimento de ensino, fica difícil a
implementação de qualquer direcionamento, como afirma Padilha (2003, p. 76)
O projeto deve proporcionar a melhoria da organização administrativa,
pedagógica e financeira da escola e também a modificação da coordenação
dos serviços, sua própria estrutura formal e o estabelecimento de novas
relações pessoais, interpessoais e institucionais.
Dando continuidade as perguntas, indagamos acerca dos tipos de parcerias que a
creche tinha, e notamos mais uma vez a insuficiência, também neste aspecto, uma vez que as
educadoras disseram que não havia nenhuma ação voltada para a temática. E completou
dizendo que a única parceria era voltada para a contribuição de professores e funcionários, e
também a formação continuada desenvolvida pela Secretaria de Educação, na qual
quinzenalmente os educadores se reúnem para a elaboração de um projeto de ação mensal.
Diferentemente dos resultados obtidos anteriormente, na escola identificamos que
os educadores pesquisados demonstraram ter uma visão mais ampla no tocante da concepção
de criança, em que colocaram como uma fase de desenvolvimento, repleta de possibilidades.
Nesse sentido foi perceptível também que a escola possui o Projeto Político
Pedagógico em que foram traçados objetivos em sua elaboração. No entanto, vale destacar
que o mesmo, segundo uma das educadoras em sua resposta relatou que o projeto foi dividido
em partes entre os professores da instituição. Assim depois de desenvolvido as partes, estas
foram entregues à coordenadora pedagógica da escola, na qual reelaborou e organizou o
projeto de forma aperfeiçoada.
Diante do exposto, podemos notar que o PPP da escola não foi elaborado de forma
participativa e coletiva. Como argumenta Padilha (2008, p.76) “A construção do projeto da
escola exige a definição de princípios, estratégias concretas e, principalmente, muito trabalho
coletivo.”
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Foi perceptível também que ambas as educadoras questionadas demonstraram
possuir o conhecimento de um repertório diversificado sobre os materiais necessários no
espaço da educação infantil, que visem o desenvolvimento integral dos educandos.
E quando questionadas acerca das parcerias que tem sido realizadas para o
desenvolvimento de ações relacionadas às crianças, constatou-se que as parcerias
apresentam-se essencialmente por meio das formações continuadas oferecidas pela Secretaria
da Educação; assim como as parcerias estabelecidas entre família e escola, em que evidenciase iniciativas nesse sentido, porém ainda apresenta-se como um aspecto que necessita uma
atenção e exigência permanente.
Em relação ao questionamento sobre o que contempla o currículo da Educação
Infantil, evidencia-se a ênfase dada pelas educadoras ao aspecto da formação ampla do
sujeito, que visa o desenvolvimento integral dos educandos, uma formação sócio-cognitiva,
atendendo aos aspectos físico, cognitivo, afetivo, e criativo.
Dessa forma, evidencia-se que fazendo um paralelo entre os aspectos teóricos que
norteiam o âmbito da educação infantil, e a realidade vivenciada nos espaços destinados às
crianças pequenas, constatamos uma contrariedade imensa, principalmente no que diz
respeito ao aspecto legislativo que respalda e regulamenta a educação infantil; haja vista que
temos o conhecimento de uma variedade de leis que norteiam e fixam diretrizes curriculares
destinadas a esse âmbito de ensino, todavia, quando recorremos ao que realmente se
encontra na prática, evidencia-se uma enorme distância.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista as análises feitas anteriormente, pode-se constatar que construir
propostas pedagógicas verdadeiramente significativas e pautadas na concepção de criança
como sujeito ativo do seu processo de aprendizagem requer que tenhamos uma atitude
permanente de investigador, de indivíduo que cria e recria o seu processo de ensino de acordo
com a necessidade dos educandos.
Nesse sentido, evidenciamos de suma relevância buscar rever como entendíamos a
criança em tempos atrás, para que tenhamos um respaldo teórico sobre os sujeitos da
pesquisa. E acima de tudo no intuito de realizar um paralelo com as concepções de infância da
atualidade, na perspectiva de que estejamos ancorados teoricamente e também no aspecto
legislativo acerca da temática posta. Assim, segundo Oliveira (2008, p. 169)
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Planejar o currículo implica ouvir os profissionais em suas concepções e
decisões, problematizar a visão deles sobre a creche e a pré-escola, evitando
perspectivas fragmentadas e contraditórias, que refletem a influência das
várias concepções educacionais que vivenciaram ou com que tiveram
contato.
No bojo dessa questão, evidenciou-se a necessidade de ouvir os profissionais da
educação infantil no sentido de buscar subsídios para uma melhor compreensão de como se
construir essa proposta pedagógica, fazendo com que os educadores tenham vez e voz para
expressar-se e dar sua efetiva contribuição.
Pode-se compreender que há uma necessidade real de se encarar o processo de
elaboração das propostas pedagógicas, dando oportunidade para que os atores principais
desse processo desempenhem sua função de maneira eficaz; diferentemente do que
constatamos na prática das instituições pesquisadas.
Neste sentido, o presente artigo atingiu os objetivos propostos, conseguindo a partir
da problemática exposta, realizar reflexões acerca do processo de construção das propostas
pedagógicas direcionadas à educação infantil, levando em consideração a concepção de
criança, elaborada pelos professores e que esteja diretamente relacionada ao aspecto
histórico da construção do conhecimento neste âmbito, bem como a importância dessas
concepções para a elaboração de propostas realmente condizentes com as aspirações dos
sujeitos envolvidos.
Assim, buscou-se nesse estudo não apenas identificar falhas no cotidiano das creches
e pré-escolas, mas também refletir sobre como está a atuação dos professores que trabalham
com a clientela de crianças de 0 a 5 anos, percebendo-se que tornar-se professor(a) é um
caminho que não começa com o curso de graduação em licenciatura nem muito menos se
encerra com a finalização do mesmo. Tornar-se professor(a) começa no desejo e não termina
mais. Todo dia é mais um dia para aprender e acrescentar aos já diversos aprendizados um
ponto, uma vírgula, uma interrogação, uma lágrima, um sorriso, uma satisfação ou uma
frustração. Isto faz parte dos diversos momentos que nos deparamos no caminhar do processo
de formação docente do “ser professor”. Caminho que pressupõe autoconhecimento, que
precisam se integrar em pólos que muitas vezes parecem impossíveis de se tocar. Caminhos
que pressupõem desafios, superação, idas e voltas, erros e acertos, cognição e afeto, razão e
emoção, pensamento e intuição (Ostetto, 2009).
Dessa forma acredita-se que o educador deva possuir uma atitude de ousadia e
interação para que seus alunos possam se desenvolver com eficiência na educação infantil,
pois o sucesso exige a transformação da escola que é rica em estímulos provocantes e que
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fornecem elementos que desafiem o sujeito a pensar e aprender interagindo cada vez mais
como participante ativo no processo ensino aprendizagem.
REFERÊNCIAS:
GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas sobre iniciação à pesquisa cientifica. 3.ed. Campinas,SP.
Editora Alínea, 2003.
MACHADO, Maria Lúcia de A. Educação infantil e Sócio-Interacionismo. In: OLIVEIRA, Zilma, de
Moraes Ramos de (Org). Educação infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 2007.
OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez,
2002. (Coleção Docência em Formação).
OSTETTO, Luciana Esmeralda. O estágio curricular no processo de tornar-se professor. In:
Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 3 ed. Campinas, SP: Papirus,
2009.
PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto-político
pedagógico da escola. 4 ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003.
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A CULTURA LITERÁRIA NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO
INFANTIL: RELATOS DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO
Joselidia de Oliveira Marinho
Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN
[email protected]
Conceição Aparecida Oliveira Lopes
Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN
[email protected]
O presente trabalho retrata resultados de uma formação de professores que objetivou a
construção de uma cultura literária em espaços escolares da educação infantil, a partir de
práticas leitoras. A inserção da literatura na educação infantil, propicia a construção de um
sistema metafórico e simbólico, e faculta a linguagem e a expressão corporal, na busca pela
representação dos enredos e imitação dos personagens. Considerando que o texto literário é
uma rica fonte de possibilidades de aprendizagens para a criança, os bons modelos literários
oferecem elementos para a compreensão da realidade, diálogo e aquisição de intimidade com
o texto. Para despertar na criança uma relação prazerosa com o livro, se faz necessário uma
mediação adequada, realizada por pessoas que tenham um elo prazeroso e divertido com a
literatura e a leitura. Para os pequenos leitores, o livro é elemento de presença imprescindível.
Da mesma forma que o brinquedo deve ser manipulado, tocado, sentido, cheirado, pela
criança, tornando-se algo íntimo das crianças. A inserção de uma cultura literária no currículo
da educação infantil oportuniza experiências comunicativas através de diferentes linguagens,
instiga situações imaginárias, de fantasias, de encantamento, descobertas, contribuindo na
formação dos leitores crianças e adultos.
Palavras-chave: Literatura, Educação Infantil, Currículo, Possibilidades
ABSTRACT
LITERARY CULTURE IN THE EARLY CHILDHOOD EDUCATIO CURRICULUM:
reports of a training proposal.
This work shows results of a teacher training that aimed to construct a literary culture in
school spaces of early childhood education, from reader practices. The inclusion of literature in
early childhood education, provides the construction of a metaphorical and symbolic, and
provides language and body language, the quest for representation and imitation of the
characters storylines. Whereas the literary text is a rich source of learning opportunities for
children, offer good models literary elements to understand the reality, dialogue and
acquisition of intimacy with the text. To awaken in children a pleasant relationship with the
book, it is necessary to mediate an appropriate place for people who have a pleasant and fun
link with literature and reading. For younger readers, the book is essential element of
presence. In the same way that the toy should be handled, touched, felt, smelled, for the child,
becoming an intimate of children. The inclusion of a literary culture in the curriculum of early
childhood education experiences nurture communication through different languages,
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encourages imaginary situations, fantasy, wonderment, discoveries, helping in the training of
children and adult readers.
Keywords: Literature, Early Childhood Education, Curriculum, Possibilities
INTRODUÇÃO
Uma proposta de trabalho com a literatura na educação infantil oportuniza, entre
outros, o desenvolvimento do imaginário da criança e da função simbólica, a partir do
momento que permite as crianças se colocarem no papel dos diferentes personagens.
Na esfera imaginativa de uma situação do faz-de-conta, a criança aprende a separarse da ação real através de outra ação, fazendo escolhas e operando com situação que as levam
a abstração. A literatura, especialmente os contos, propiciam a construção de um sistema
metafórico e simbólico e, por isso, são considerados como um rico instrumento pedagógico.
O jogo simbólico é essencial para a construção do pensamento da criança, e está
associado a outros aspectos do desenvolvimento infantil, conforme afirma PIAGET (2009, p.
78):
O jogo simbólico aparece mais ou menos ao mesmo tempo que a linguagem
– independente dela, - desempenhando importante papel no pensamento
das crianças, a título de fonte de representações individuais (ao mesmo
tempo cognitivas e afetivas) e de esquematização representativa,
igualmente, individual.
Assim, o contato da criança com os textos literários, além de propiciar o
desenvolvimento da função simbólica, faculta a linguagem e a expressão corporal, na busca
pela representação dos enredos e imitação dos personagens. Oferece elementos que
oportuniza a compreensão da realidade, segundo Yunes e Pondê (1989, p, 47):
O discurso literário abre perspectivas para a percepção do mundo do ponto
de vista da infância, traduzindo então suas emoções, seus sentimentos, suas
condições existenciais em linguagem simbólica.
O fascínio despertado pelo faz-de-conta, expõe os envolvidos ao prazer, a ludicidade
presente nos textos literários. Instiga adentrar no universo lúdico, ultrapassando a simples
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ideia de diversão e entretenimento, contribuindo significativamente para o desenvolvimento
do pensamento da criança.
Considerando que um texto literário se configura em rica fonte de possibilidades de
aprendizagens para a criança, através da fantasia, de forma convidativa e prazerosa, o contato
da criança desde a mais tenra idade com bons modelos literários oportuniza o despertar da
apreciação literária, aquisição de intimidade com o texto e estabelecimento de um diálogo
com o que ouve ou com o que lê.
Para despertar na criança uma relação prazerosa com o livro, se faz necessário uma
mediação adequada, realizada por pessoas que tenham um elo prazeroso e divertido com a
literatura e a leitura, conforme indica Kaercher (2001, p. 81):
A importância que este objeto – o livro – tem em nossa cultura só será
compreendida pela criança muito mais tarde, se o adulto for um contador
de histórias competente (dando vida às histórias e personagens) e cativante
(compartilhando suas emoções). Alguém que saiba construir com a criança a
crença de que o livro é um “brinquedo” que pode divertir, emocionar,
educar, auxiliar a organizar emoções (como o medo, a angústia, a alegria, o
ciúme, o sentimento de perda, etc.).
Na formação dos pequenos leitores, o livro é elemento de presença imprescindível.
Da mesma forma que o brinquedo deve ser manipulado, tocado, sentido, cheirado, pela
criança, os livros também devem se tornar algo íntimo das crianças, devem integrar o seu diaa-dia. Daí a necessidade da inserção da literatura nos currículos da Educação Infantil.
A estimulação para a leitura deve se iniciar a partir do berçário,“ é importante para o
bebê ouvir a voz amada e para a criança pequenina escutar uma narrativa curta, simples,
repetitiva, cheia de humor e de calidez numa relação a dois” (ABRAMOVICH, 2008, p. 22). O
caminho mais curto na formação do leitor, está na prática do adulto de tornar o livro presença
constante na vida das crianças, na rotina da escola infantil, dando vida aos personagens na
contação de histórias, de forma cativante, possibilitando a construção da ideia de que o livro
assemelha-se ao brinquedo que diverte, emociona e educa.
Para tanto, os professores precisam serem formados como leitores. É necessário, que
o adulto tenha construído o seu percurso de leitor, leia pelo prazer que esta atividade
proporciona, perceba a significatividade da literatura, pela sua arte e por seu caráter cênico e
lúdico, e mergulhe nessa prática como fonte de descobertas e aprendizagens.
Considerando que a literatura antecede a escola, muito embora sempre se atrele
uma a outra (MERI, 2002), e a realidade complexa e mutável de ação do professor, o
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planejamento que se faz e o desenvolvimento da atividade, serão condutores das descobertas
proporcionadas pelo texto.
Nas instituições de Educação Infantil, a literatura deve ser um eixo curricular e
atividade permanente na rotina escolar, uma vez que pode ser para as crianças, veículo de
conhecimentos e formação leitora e escritora. As crianças percebem, incorporam e valorizam,
a presença periódica, de um tempo reservado a literatura no seu cotidiano escolar, porque
sabem que naquela hora outra realidade se instaura, através da voz do professor que adquire
outro ritmo e entonação e as palavras passeiam pelo imaginário infantil.
Em momentos de leitura, é necessário que os professores tenham uma atuação que
leve as crianças a sentirem prazer em acompanhar a narração de um acontecimento e
procurem na própria linguagem, pistas para compreender cada evento; descubram o
encantamento vindos das palavras, sintam desejo em brincar com elas e sejam levados a
iniciarem suas primeiras construções literárias, estimuladas pelo prazer que o jogo com as
palavras e outros elementos da linguagem proporciona. Assim, oportuniza-se o ingresso da
criança na cultura literária.
A LINGUAGEM LITERÁRIA NUMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO PARA PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
Enquanto formadoras de professores, considerando que a melhoria do trabalho
realizado com as crianças da educação infantil requer a presença de um conjunto variado,
contínuo e cuidadosamente planejado de situações voltadas para a formação continuada de
seus professores, é que pensamos e executamos a proposta subsequente.
A compreensão de que a formação dos professores é um dos princípios para
construção da qualidade da educação, e os espaços que atendem a Educação Infantil, devem,
se caracterizar como ambientes possibilitadores da ampliação de experiências para as crianças
e o seu desenvolvimento nas dimensões: afetiva, motora, cognitiva, social, imaginativa, lúdica,
estética, criativa, expressiva, linguística, e que a linguagem literária deve ser privilegiada nesse
contexto, justifica o investimento numa formação voltada para a valorização da literatura
infantil.
Antecedeu a formação, a seleção criteriosa e aquisição por parte da Secretaria
Municipal de Educação de Natal-RN, de um acervo literário com 150 novos títulos de literatura
infantil, de autores diversos, voltados para o público de 0 a 5 anos, que foram destinados para
os Centros Municipais de Educação Infantil e escolas de Ensino Fundamental com turmas de
Educação Infantil.
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Com o acervo já disponibilizado, urgiu uma formação com vista a contribuir para que
a leitura fizesse parte da rotina diária das crianças, objetivando aproximar as crianças da
descoberta do prazer dos textos literários e inserção no mundo letrado. Isso, numa íntima
relação entre imaginação, brincadeira e prazer, a partir do desenvolvimento de uma proposta
de trabalho onde a criança fosse constantemente instigada a construir significados,
possibilitando uma iniciação leitora nos primeiros anos escolares.
Assim, lançamos o curso: Encontro com a Linguagem Literária na Educação Infantil:
Prazeres, Descobertas e Encantamentos, destinado aos professores da educação infantil da
Rede Municipal de Educação de Natal – RN, com uma carga horária de 50h/a, organizada
através de: palestras, estudos presenciais, atividades vivenciais, construção de portfólios e
espaço para socialização de experiências.
Os objetivos da proposta visavam formar uma cultura literária nos espaços de
educação infantil, a partir de práticas leitoras, por meio dos contos, das poesias, das músicas,
a serem expressas através das linguagens: oral, musical, corporal e gráfica, nos momentos de
rodas de leituras, recriações e dramatizações, possibilitando situações imaginárias, de
fantasias, de encantamento, descobertas, contribuindo na formação dos leitores crianças e
adultos.
Nos encontros de formação presencial, a proposta metodológica foi organizada em
momentos de socialização de experiências, fundamentação teórica, proposta de atividades,
porém, sempre o primeiro momento era o de “degustação literária”, destinado à apreciação
literária, oportunizando aos professores cursistas, o deleite do prazer de ouvir, sentir, viver,
reviver muitas histórias, imaginar e sonhar a partir de um texto literário.
Em cada encontro de formação, eram compartilhadas as atividades vivenciais
propostas no encontro anterior, que foram realizadas pelas professoras, com seu grupo de
crianças nas instituições de educação infantil, a partir de registros escritos, produções literárias
das crianças e registro fotográfico.
O papel do docente como mediador de leitura revela-se como o grande eixo
norteador dessa proposta de formação, pois a convivência com leitores e criadores de textos
instiga a criança a buscar a compreensão do sentido das ações de leitura e escrita (OLIVEIRA,
2005). A organização dos espaços da sala de aula, os materiais, os incentivos, as expectativas,
veiculam determinadas formas conceber a leitura, a literatura e os processos de ensinar e
aprender. Assim, na busca da construção de uma cultura literária na escola infantil, o professor
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desempenha papel ativo na proposição de atividades lúdicas, prazerosas e significativas às
crianças.
Os saberes teóricos constituídos nos estudos de Amarilha (1997), Meri (2002)
Abramovch( 2008), Kaercher (2008), Maffioletti (2008), entre outros, fundamentaram e
subsidiaram às discussões, entre os pares e no coletivo de educadores, com vistas a ampliação
de conhecimentos, reflexão e redimensionamento das práticas pedagógicas.
Constituiu-se também, como parte dessa formação, a elaboração de um portfólio,
este entendido como documentação pedagógica, para tornarem visíveis as experiências
formativas propostas durante o curso, em correlação às atividades realizadas pelas crianças,
no cotidiano da escola infantil, oportunizando por meio do registro reflexivo, interpretar,
acompanhar, rever e avaliar os processos educativos Conforme entende LINO (2007, p. 111 ):
[...] registrar de diferentes formas (registros escritos, fotográficos, áudio,
vídeo etc.) pelos professores e pelas crianças, constituindo material da
documentação pedagógica. Esta constitui a base para a análise e
interpretação das experiências e ações que a criança realiza a partir da qual
se elabora a projeção educacional.
CENAS DO VIVIDO:
OS MOMENTOS E AS PRODUÇÕES LITERÁRIAS DAS CRIANÇAS
O quadro que aqui se delineia, enfoca relatos dos projetos didáticos desenvolvidos
com crianças da educação infantil, a partir das propostas de atividades vivenciais fomentadas
durante o curso, que enfatizam o jogo poético, norteadas a partir dos textos literários “Os Dez
Sacizinhos de Tatiana Belinky” e “É Sempre Era Uma Vez ... de Elias José”.
Esses poemas trazem à tona a brincadeira com as palavras, lidam com toda a
ludicidade verbal, são divertidos, tem musicalidade, novos jogos com rimas e outras
possibilidades. Elementos dessa natureza, instigam a descoberta do encantamento presente
nas poesias, a busca pela musicalidade poética. Os poemas convidam o leitor a jogar com os
sons e sentidos das palavras, explorando-se a ludicidade poética. A linguagem apresenta-se em
cena, dialoga com impressões, emoções, pensamentos, a partir das imagens que eclodem da
mente do leitor.
Nesse contexto de idéias foi proposto às professoras cursistas, como atividade
vivencial, a ser realizada com o grupo de crianças, uma sequencia de atividades, que iniciava-se
com a leitura compartilhada do poema, versão musical do poema, ilustração de cada estrofe
do texto, dramatização, reconte (com novos personagens) e escrita de um livro coletivo com a
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nova versão. Ao final de todas as etapas vivenciais junto as crianças, caberia às professoras, a
elaboração do registro escrito relatando cada um dos momentos.
CENA 1:
Registro da atividade vivencial
Texto de referência: É Sempre Era Uma Vez de Elias José
Professora Cecília – (crianças de 4 -5 anos)
“Esta foi uma atividade surpreendente, pois a princípio, acreditava
que as crianças iriam encontrar dificuldades na elaboração das
rimas. Então, seguindo uma das valiosas orientações dos estudos de
formação, decidi criar um ambiente de surpresa para despertar a
curiosidade das crianças. Assim, disse as crianças que lhes contariam
uma história muito legal e engraçada. Iniciei falando sobre o autor e
li para eles outras produções de Elias José. Acrescentei a informação
de que além da história que iriam conhecer, eles me ajudariam
fazer um trabalho muito importante. Após a criação de toda uma
expectativa, é chegado o momento de conhecer a história. Antes de
realizar a leitura, disponibilizei gravuras de elementos presentes na
história, que foram observados pelas crianças. Li a história algumas
vezes sempre de forma diferente. Fiz a eles a proposta: vamos fazer
uma história? Então comecei dizendo: Era uma vez uma....; esperei
a sugestão das crianças que responderam: uma joaninha que...
novamente esperei o complemento, eles disseram: que chupava
balinha. Enfim, desta forma foi realizada toda a atividade em meio a
risos, e uma certa perplexidade de minha parte ao ver o modo como
as crianças colaboravam e gostavam da atividade que estávamos
realizando. Decidi acrescentar duas estrofes finais utilizando os
nomes das crianças, como forma de homenagear os pequenos
autores da obra abaixo citada.”
Profª Cecilia
O texto produzido na sala de aula:
Era uma vez a nossa história????????
Era uma vez um gatinho Tião, que rolava com sua bola no chão
Era uma joaninha, que chupava balinha
Era uma vez uma zebra, que gostava de laranja azeda
Era uma vez um cachorrinho, que mordeu o dedo do vizinho
Era uma vez um papagaio que caiu dentro do balaio
Era uma vez um menino, que tocava alegre o sino
Era uma vez um livrinho, que cabia no potinho
Era uma vez uma televisão, que só ligava no dedão
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Era uma vez o Gabriel que pôs a sua idéia no papel
Era uma vez a Aninha, que ajudou na historinha.
Crianças do Nível IV
CENA 2:
Registro da atividade vivencial
Texto de referência: Dez Sacizinhos de Tatiana Belinky
Professora Clarice – (crianças de 3 - 4 anos)
”Na socialização da atividade vivencial, no encontro de formação,
percebi durante relatos e produções de outros cursistas, que esta
atividade pode ser realizada de diferentes formas, bem como, o
interesse e o gosto pela literatura, em especial pela poesia, deverá
partir do professor, para chegar mais facilmente á criança. Percebi,
também, que a poesia ocupa pouco espaço na minha prática
pedagógica, e que agora tenho o compromisso de ampliar esse
espaço”.
“Realizada a contação da história Os Dez Sacizinhos, que traz no seu
enredo acontecimentos inusitados com os amigos lendários
conhecidos pela maioria da criançada. A cada etapa desaparecem
personagens numa simples distração de cada componente do grupo,
tendo observado pela Cuca a grande “fada amadrinha”, que desfaz
todo o sumiço dos sacis, agrupando-os novamente num momento de
alegria e num espaço apropriado para novas travessuras. Firmou-se
um diálogo com as crianças em relação às imagens, os sumiços dos
sacis e os demais personagens presentes no enredo. Foi proposto
novas formas de leitura do texto e a elaboração de uma outra
versão, com outros personagens e numa nova ordenação, agora em
ordem crescente. A saber, produziu-se o texto a seguir.”
“Realizou-se em seguida os preparativos para a dramatização da
nova versão: distribuição de personagens, confecção de figurinos e
cenários, ensaios. A apresentação ocorreu para uma plateia formada
pelos pais, professores, funcionários e crianças das outras turmas.”
Profª Clarice
O texto produzido coletivamente:
HAVIA NUMA FLORESTA....
Havia numa floresta,
muitos bichinhos elegantes,
O primeiro que encontrei
foi um macaco saltitante.
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O macaco todo faceiro,
Arrumou-se logo depois
Com seu pulinhos mágico
transformou- se em dois
Os dois macaquinhos
Que falaram com um inglês
Vamos procurar bananas?
Agora ficaram três
Os três macaquinhos
Juntos tiraram retrato
Com a ajuda de um fhotoshop
Transformaram-se em quatro
Os quatro macaquinhos
Comeram bananada com zinco.
Zinco é um metal que brinco
Escalabim, escalabim... agora são cinco
Os cinco macaquinhos que visitaram o castelo de um rei
Alucinados com tanta beleza
Apareceu mais um e ficou seis
Os seis macaquinhos do banquete do rei, comeram roquetes no
croquete
Ficando agora em sete
Brincando todos afoitos
De galho em galho saltando
Extra...extra! agora temos oito
Os oitos macaquinhos
Com extravagância se movem
Povoando sempre a floresta
Transformaram-se em nove
Os noves macaquinhos
Voltaram ao castelo pra comer pastéis
Os pasteis tinham bastante fermento e agora ficaram dez
Agora na floresta há dez macaquinhos..........
Crianças do Nível III
CONSIDERAÇÕES
O trabalho que ora se apresenta, evidencia a importância da presença da literatura
no currículo escolar, e a necessidade de formar uma cultura literária nos espaços de educação
infantil, de forma a assegurar práticas pedagógicas cotidianas que instigue a formação do
leitor.
Nesse sentido, evidencia-se através dos relatos de experiências, que é possível
formar uma cultura literária no contexto da escola infantil, a partir de uma proposta, onde o
professor, se posicione como leitor, demonstre o gosto pela leitura, construa seu percurso
literário, seja um apreciador de bons textos, pois assim, conseguirá ser um mediador de leitura
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
junto à criança, possibilitando a descoberta das riquezas presentes no texto literário, a
ludicidade, o imaginário, viver e reviver histórias.
Revela-se o quanto é importante investir na formação do professor, pra que
desenvolvam diferentes competências profissionais, e que tenham uma atuação com vista a
um trabalho de qualidade, onde as atividades valorizem e ampliem as experiências e o
universo cultural dos diversos sujeitos envolvidos, agucem a curiosidade, a capacidade de
pensar, de criar, de agir e a tomada de decisões, contribuindo significativamente com a
formação cidadã da criança.
REFERÊNCIAS
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5 ed. São Paulo: Scipione,
2008.
AMARILHA, Marly. Estão Mortas as Fadas? Literatura Infantil e Prática Pedagógica. Própolis,
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BELINKY, Tatiana. Dez Sacizinhos. 5 ed. São Paulo: Paulinas, 2005.
FILHO, Gabriel de Andrade Junqueira. Conversando, lendo e Escrevendo com as Crianças na
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
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286
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
IMPORTÂNCIA DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO PARA A
FORMAÇÃO DOCENTE
Josevânia de Sousa Oliveira
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
Profª Drª Zildene Francisca Pereira
Universidade Federal de Campina Grande/UFCG
Resumo
Este trabalho tem por finalidade refletir e socializar o caminho percorrido durante a prática de
Estágio Supervisionado em uma sala de Maternal III na Educação Infantil e foi realizado em
uma Creche Filantrópica na cidade de Cajazeiras/PB. O Estágio foi organizado em duas etapas:
na primeira, fomos a campo, durante uma semana, observar a escola como um todo e mais
especificamente a sala de aula onde aconteceria o estágio. Na segunda etapa realizamos a
intervenção pedagógica a partir de ações práticas no cotidiano escolar com duração de três
semanas, totalizando oitenta horas práticas. O Estágio Supervisionado teve como objetivos:
discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança;
conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o
cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a
valorização da criança como um ser em desenvolvimento. É possível afirmarmos que o
momento do Estágio nos oportunizou o encontro com a docência a partir da perspectiva de
compreendermos a criança como um ser integral, considerando os aspectos afetivos,
cognitivos e motores e nos oportunizou dinamizarmos as aulas a partir de atividades que
fizessem sentido tanto para nós estagiárias, quanto para os alunos.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Educação Infantil; Prática docente.
Introdução
O presente trabalho tem por finalidade refletir e socializar o processo de
desenvolvimento das atividades realizadas durante a prática de Estágio Supervisionado em
Educação Infantil, realizada em uma Creche Filantrópica da cidade de Cajazeiras/PB. O Estágio
foi dividido em duas etapas: a observação e a intervenção pedagógica.
No primeiro momento realizamos a observação do ambiente escolar. Estivemos no
papel de estagiárias e estudantes do Curso de Pedagogia, fazendo com que a relação teoriaprática fosse efetivada durante a formação do Pedagogo. A intervenção foi vivenciada a partir
de planejamentos e ações práticas no cotidiano da sala de aula e teve duração de três
semanas, junto às crianças do Maternal III.
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O Estágio Supervisionado teve como objetivos: discutir conhecimentos referentes à
Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança; conhecer o cotidiano escolar da
creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o cuidar e o educar crianças na
creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a valorização da criança como um ser
em desenvolvimento.
De acordo com a experiência adquirida no estágio, percebemos que os objetivos de
observar, refletir e analisar a prática docente, as relações aluno/aluno e professor/aluno foram
de grande valia para descobrirmos como é possível trabalhar na Educação Infantil,
considerando que esta fase de escolaridade requer um cuidado específico (RCNEI, 1998).
O Estágio ocorreu mediante a apreensão e os medos da estagiária e o desejo de
aprender ainda mais sobre a prática docente, pois a partir da consideração da criança como
um ser em desenvolvimento foi possível percebermos a necessidade de valorizar a brincadeira
como ato de incentivo e permanência da criança na instituição escolar.
As atividades realizadas a partir de aulas dinâmicas oportunizam as crianças uma
maior interação e favorece o processo de ensino-aprendizagem, especialmente se
considerarmos que este não é o momento da cópia de modelos pré-estabelecidos, mas uma
reflexão acerca do que encontramos no ambiente escolar (PIMENTA, 2004).
Procedimentos Metodológicos
A proposta de irmos a Creche observarmos e realizarmos a intervenção pedagógica é
requisito da Disciplina Estágio Supervisionado em Educação Infantil do Curso de Pedagogia, da
Unidade Acadêmica de Educação, do Centro de Formação de professores, da Universidade
Federal de Campina Grande. A carga horária da disciplina é de cento e cinqüenta horas
distribuídas da seguinte maneira: setenta horas para estudos teóricos e oitenta horas para a
prática.
Considerando esta distribuição tivemos uma sequência de atividades que foram
desenvolvidas e que podemos destacar como aspectos fundamentais de preparação do
estagiário para a docência que foram: estudos de textos relacionados à importância do estágio
nos cursos de formação docente; como observar, registar e avaliar o estágio supervisionado
(OSTETTO, 2006) e a importância de pensarmos o planejamento, considerando alguns tópicos:
relevância de conhecer o contexto e as principais necessidades para traçarmos um plano de
ação. Em seguida tivemos a definição dos objetivos a serem alcançados e percebemos a
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necessidade de avaliarmos os planos constantemente, embora estes tenham sido organizados
à medida em que estávamos em sala de aula.
Após esta organização preliminar fomos a campo observar a escola e intervir na
prática docente à medida que podíamos, pois foi imprescindível darmos continuidade as
atividades realizadas pela professora titular, respeitando o cronograma, especialmente
considerando que ficaríamos na escola apenas um mês. E assim realizamos o estágio a partir
de jogos, brincadeiras e a consideração da criança com suas necessidades específicas.
Discussão e análise
Ao chegarmos à escola, não mais como simples observadora, mas como professora
estagiária ficamos apreensivas e com receio de não dar certo, surgiram inúmeras dúvidas e
questões internas como: será que eles vão me aceitar? Será que conseguiremos o respeito e a
atenção em sala de aula? Os primeiros vinte minutos foram de desconforto, ansiedade e
medo, mas foram desaparecendo à medida que o contato com as crianças era efetivado
através da roda de conversa e explicando o que fazíamos ali, com isso os medos foram sendo
minimizados e o encontro na sala de aula tomou o curso normal a partir da adaptação tanto
nossa, quanto das crianças.
Para iniciarmos a reflexão e análise do estágio dividiremos em três momentos: o da
primeira semana – momento em que fomos tomadas pelo medo e angústia pelo novo, da
segunda em que já estávamos mais seguras do processo educativo de crianças em fase inicial
de escolaridade, embora com muitas restrições e da terceira semana, momento em que
teríamos que finalizar o estágio com muitas ideias para serem, ainda, realizadas.
Na primeira semana de estágio tivemos muita dificuldade, pois algumas crianças
estavam dispersas e sem uma rotina definida, queriam apenas brincar com massa de modelar,
com alguns brinquedos e desrespeitavam regras de convivência, pois batiam nos colegas e
destruíam a decoração da sala. Com esse tipo de comportamento, veio a preocupação na
forma de agir, pois era preciso considerar toda a dinâmica existente e as nossas limitações
tanto por sermos estagiárias, quanto pelo pouco tempo que permaneceríamos naquela sala
de aula.
À medida que conhecíamos a turma vimos que era preciso mudar a dinâmica da aula
e partir para uma metodologia que reeducasse as crianças a uma rotina diária, pois, de acordo
com relatos, os alunos ficaram um mês sob os cuidados de uma professora substituta que os
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deixava muito à vontade e assim ficaram dispersos e desobedientes. Então aos poucos
percebemos a necessidade de encontrar estratégias para transformar aquele comportamento
inadequado para a sala de aula em uma rotina de atividades que fossem vivenciadas de modo
prazeroso. Esta preocupação foi um desafio para nós estagiárias, especialmente considerando
ser este o primeiro contato com a docência.
Os primeiros dias foram árduos, pois o estágio foi realizado com crianças
indisciplinadas e oriundas de uma realidade difícil de trabalhar. Após este primeiro momento
decidimos utilizar nas aulas histórias infantis, já conhecidas pelas crianças, contadas de forma
lúdica e dinâmica, através de dramatizações com fantoches e em seguida questionamentos
relacionados ao que ouviram e viram.
Aos poucos ganhamos a confiança, a credibilidade e o respeito das crianças que,
passaram a ouvir com atenção, a desenvolver as atividades com uma maior disciplina,
passaram a participar das aulas ativamente e as agressões foram diminuídas em sala de aula,
esta foi uma conquista diária que fez diferença em todo o processo.
No dia 29 de abril foi o último dia da primeira semana e fizemos uma reflexão junto
aos alunos sobre os acontecimentos e as aulas ministradas e vimos que, aos poucos,
obtivemos sucesso, tanto considerando o conteúdo estudado com uma metodologia
diferente da habitual, quanto em termos de comportamentos, mas era necessário considerar
que ainda havia muito o que fazer. Notamos que as mudanças de professores que o Maternal
III passou em pouco menos de dois meses trouxe traumas e desconfortos educacionais, tanto
para as crianças, quanto para a estagiária e, posteriormente, à professora titular, pois no
mesmo espaço geográfica existiam crianças sem muito entusiasmo para permanecer em sala
de aula.
Diante dos acontecimentos da primeira semana, fomos mais cautelosas com os
planejamentos das aulas seguintes, pois a angústia crescia à medida que conhecíamos a
realidade das crianças e o modelo de trabalho pedagógico que era realizado com elas.
Buscamos orientações através de leituras, conversas entre as colegas também estagiárias e
com professores da Educação Infantil, considerando nossas dúvidas sobre o que fazer para
minimizar os problemas encontrados na sala de aula do maternal III e o pouco tempo que
teríamos para realizar o estágio.
Na segunda semana, embora estivéssemos mais seguras com relação ao
planejamento foi, também, um tanto desestimulante, pois tudo o que havia sido trabalhado
durante a semana anterior como: o respeito, os valores, a disciplina e noções básicas de
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relacionamento coletivo foram desconstruídos durante o final de semana. Um dos aspectos
que merece ser mencionado é quanto à indisciplina e a agressividade de algumas crianças,
pois ao retornarem à escola falavam palavras obscenas e tinha um aluno, em especial, que
nos chamou a atenção porque batia nos colegas, derrubava as cadeiras, virava a mesa, estava
violento e com um comportamento transtornado, este aluno fez com que repensássemos a
forma de trabalhar com ele, partindo, inicialmente, da descoberta do porque aquele tipo de
comportamento agressivo.
Em uma das aulas a criança, considerada problemática, expressou sua vontade de
escrever uma carta para sua mãe, aproveitamos o interesse do menino e entregamos lápis e
papel incentivando-o a escrever. Este fez vários rabiscos e disse que havia escrito o quanto
amava a mãe. Logo que nos deparamos com a carta percebemos que esta ação poderia
evidenciar um pedido de atenção, de carinho e de escuta, pois logo após que sua carta foi
entregue seu comportamento foi totalmente modificado e o aluno passou a ser mais carinhos
e atencioso conosco e com a turma.
Após a escrita da carta e de sua entrega, ficamos atentas para compreender o
desejo do aluno em escrever e dizer a mãe que a amava, pois o contexto de violência e
desrespeito em que vivia fazia com que sua mãe se afastasse cada vez mais do convívio com a
criança. Assim, pudemos perceber a importância de conhecer o contexto em que o outro está
inserido para só então entendermos algumas ações e assim utilizarmos de diferentes recursos
teórico-práticos para que o processo ensino-aprendizagem faça sentido tanto para o
professor, quanto para o aluno.
Na última semana do estágio realizamos, a partir do tema gerador Família, uma
discussão acerca dos diferentes tipos de famílias, os sentimentos e valores vivenciados, a sua
composição e conversamos sobre o relacionamento familiar de cada um. As atividades foram
realizadas a partir da consideração do hábito de escutar com atenção, da importância da
oralidade, do reconhecimento de seus nomes e da identificação das letras utilizadas para
escrever seus nomes. Os alunos à medida que eram considerados como pessoas importantes
tornaram-se mais amorosos e respeitadores, facilitando o trabalho em sala de aula.
A semana de observação e de intervenção, durante o Estágio Supervisionado, nos
fez perceber que os medos e as incertezas existirão sempre que ocuparmos um lugar novo e
na educação de crianças seremos sempre aprendizes da profissão.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Considerações
Podemos afirmar que o Estágio Supervisionado nos trouxe a possibilidade de pensar
a educação de crianças, em fase inicial de escolarização, de forma diferente, considerando,
ainda, a especificidade que o professor de Educação Infantil tem que ter para cuidar, na forma
básica e educar de forma completa. Assim foi possível observar e intervir de modo que,
enquanto estudantes do Curso de Pedagogia seríamos capazes de fazer da sala de aula um
bom lugar para permanecer e aprender de diferentes formas.
Referências
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Observação, Registro, Documentação: Nomear e significar as
experiências. In: Educação Infantil: Saberes e fazeres de professores. Campinas: Papirus, 2006.
(Coleção Ágere)
PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência In: Coleção
docência em formação. Série saberes pedagógicos. São Paulo: Cortez, 2004.
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/ Ministério da Educação e do
Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Volume I:
Introdução; volume II: Formação pessoal e profissional; volume III: Conhecimento de mundo.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE PENSAM E
FAZEM AS PROFESSORAS EM SUAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS?
Kaliana da Silva Correia59
Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN
Resumo
O trabalho traz um pouco da construção histórica sobre o avanço no plano legal da qualidade
da educação das crianças pequenas, que ajudam/auxiliam no avanço das políticas e práticas
curriculares. Sistematizamos teorizações e definições oficiais relativas ao ensino aprendizado
da leitura no contexto da Educação Infantil respeitando-se as especificidades das crianças, e
analisamos a partir das práticas pedagógicas das professoras o que pensam e fazem nessa
etapa educativa. A investigação envolve os princípios da abordagem qualitativa de pesquisa e,
como procedimentos metodológicos, estudo bibliográfico, análise documental, entrevista
semi-estruturada e observação não-participante. Do estudo desenvolvido, sistematizamos e
analisamos concepções e práticas de professoras sobre a leitura na Educação Infantil. Uma vez
que na elaboração do currículo para a educação infantil tem de ser pensado: o que ensinar?
Como ensinar? Todos que circulam no ambiente escolar são seres híbridos e plurais, não
homogêneos. Assim, a leitura é concebida, em nosso estudo como prática sócio-cultural que
envolve conceitos, procedimentos e atitudes relativas ao que se lê, para que se lê, como se lê,
cujo aprendizado se dá pela interação entre aprendiz e textos escritos em práticas efetivas
mediadas em contextos socioculturais.
Palavras-chave: Prática pedagógica, Currículo, Educação Infantil, Leitura.
READING IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION: WHAT TO THINK AND MAKE THE TEACHERS IN
THEIR EDUCATIONAL PRACTICES?
Abstract
The work brings a little of the historic building on the progress on the legal quality of the
education of young children, to help / assist in the advancement of policies and curriculum
practices. Systematized official definitions and theories related to teaching learning to read in
the context of early childhood education respecting the specificities of children, and analyze
teaching practices from the teachers what they think and do in this step educational. The
investigation involves the principles of qualitative research and, as instruments, bibliographic,
document analysis, semi-structured and non-participant observation. Developed the study,
systematize and analyze concepts and practices of teachers about reading in kindergarten.
Since the preparation of the curriculum for early childhood education must be thinking: what
to teach? How to teach? All that circulate in the school environment are hybrids and plural,
not homogeneous. Thus, reading is conceived in our study and socio-cultural practice that
59
Formada em Pedagogia pela UFRN. ([email protected])
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involves concepts, procedures and attitudes related to what one reads, so that it reads as it
reads, whom learning takes place by the interaction between learner and texts written in
practices effective mediated in sociocultural contexts.
Keywords: Practice teaching, Curriculum, Early Childhood Education, Reading.
O presente trabalho sistematiza teorizações e definições oficiais relativas ao ensino
aprendizado da leitura no contexto da Educação Infantil respeitando-se as especificidades das
crianças, assim como analisar, a partir das práticas pedagógicas das professoras o que elas
pensam e fazem nesse segmento educacional acerca dessa temática.
Partindo da ideia de que a Educação infantil, conforme definida na legislação máxima
da educação de nosso país (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96), é a
etapa inicial de Educação Básica com finalidade de educar-cuidar de crianças de 0 a 5 anos e 11
meses60, com a finalidade de promover seu desenvolvimento integral. Ancoradas na
abordagem histórico-cultural, de L. S. Vygotsky (1998) consideramos que esse processo faz-se
mediante a apropriação de práticas da cultura em situações de interação social e de mediação
dos outros e da linguagem.
Compreendemos que as crianças, de acordo com as teorizações contemporâneas,
são sujeitos concretos, pessoas reais, marcadas por suas condições sociais de vida, mas, com
algumas características pertinentes aos seres humanos desse ciclo de vida: vulnerabilidade e
relativa dependência dos adultos, capacidade de aprender e se desenvolver, quando em
condições sociais propícias, de produzir cultura, primordialmente fundada na ludicidade, e
uma integralidade de seu ser como pessoa, desde que nasce, o que envolve seu corpo, sua
cognição, sua emoção. Considerando essas especificidades da criança como pessoa em
desenvolvimento, concreta e contemporânea, seu atendimento envolve, de modo
indissociável, cuidado e educação. Desse modo, a organização das instituições de Educação
Infantil envolve diferenciações em relação a outras etapas educativas de modo a respeitar
essas especificidades.
Assim, diante de algumas inquietações e vivências enquanto estudante/pesquisadora
e como profissional na área surgiu à necessidade de sistematização e ampliação de
conhecimentos acerca da leitura e seu aprendizado no contexto da Educação Infantil,
percebendo ainda que, a leitura tem um papel de grande relevância social para o
60
Na LDB (Lei 9394/96) a faixa etária da Educação Infantil era definida como sendo de zero a seis anos. Com a instituição do Ensino
Fundamental de nove anos (Lei 11.274/2006) as crianças de seis anos foram inseridas naquele segmento, ficando a Educação
Infantil com a faixa etária de zero a cinco anos e onze meses.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
desenvolvimento integral da criança, assim, consideramos fundamental se trabalhar com a
criança
desde
muito
cedo
a
questão
da
leitura
considerando
as
suas
particularidades/especificidades de crianças.
Devido a algumas mudanças que vem ocorrendo no campo cientifico sobre o
desenvolvimento da criança e o seu papel na sociedade, se configurou a invenção de
programas educacionais que consolidassem esse desenvolvimento. Por outro lado, os autores
Bernard Spodek e Patrícia Clark Brown reconhecem, que desde que houve atendimento em
instituições educativas para a criança, existiu um “currículo” ou “modelo curricular” entendido
como
[...] uma representação ideal de premissas teóricas, políticas administrativas
e componentes pedagógicas de um programa destinado a obter um
determinado resultado educativo. Deriva de teorias que explicam como as
crianças se desenvolvem e aprendem, de noções sobre a melhor forma de
organizar os recursos e oportunidades de aprendizagem para as crianças e
de juízos de valor acerca do que é importante que as crianças saibam
(SPODEK; BROWN, 1998, p. 15).
Dessa maneira, traremos de forma breve, uma reflexão sobre a trajetória para o
ordenamento legal, como foi se configurando essa primeira etapa da Educação básica na
sociedade. A Educação Infantil brasileira alcançou, nas últimas décadas, inquestionáveis
avanços no plano legal. Podemos dizer que a criança brasileira passou a ser considerada como
cidadã-sujeito de direitos, dentre estes, à educação, a partir da promulgação da Constituição
Federal e de leis e com o estabelecimento de normas e diretrizes, com isso assegurou-se, pelo
menos no papel, os direitos das crianças.
Traremos, então, alguns documentos de caráter mandatório ou não, que ajudaram a
concretizar os direitos das crianças ao cuidado e principalmente à educação. Citamos, a
Constituição Federal do Brasil que foi instituída em 1988. Este é um documento que é o marco
na/para construção dos direitos das crianças por levar em consideração a Educação Infantil
como um dever do Estado, um direito da criança e uma opção da família.
No dia 13 de julho de 1990 foi aprovada, através da Lei nº 8.069/90, o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA). Este contempla a idéia de criança como sujeito de direitos
(BRASIL, 1990 apud LEITE, 2001, p. 32) “[...] Direito ao afeto, direito de brincar, direito de
querer, direito de não querer, direito de conhecer, direito de sonhar e de opinar”.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Na primeira metade da década de 1990, posteriormente a uma análise da situação
atual da Educação Infantil no Brasil, a Comissão Nacional de Educação Infantil (CNEI)61. Elabora
a Política Nacional de Educação Infantil. As diretrizes baseiam-se por sete princípios. No
documento, Política Nacional de Educação Infantil, de 1994, refere-se às funções indissociáveis
entre o educar e o cuidar. A criança é tida como um ser integral/completo, um sujeito social e
histórico, um ser em constante transformação/desenvolvimento. A elaboração deste
documento foi considerada um momento histórico para a área. O referido documento define
que
o currículo da educação infantil deve levar em conta, na sua concepção e
administração, o grau de desenvolvimento da criança, a diversidade social e
cultural das populações infantis e os conhecimentos que se pretendam
universalizar (BRASIL, 1994, p. 15).
A partir de estudos no campo científico, foi se compondo, de acordo com a história,
um conhecimento sistematizado/organizado sobre a infância, a criança sua educação, bem
como sobre o currículo e seus modos de construção. Sendo assim, é possível situar que
A necessidade de se estabelecer um currículo para a Educação Infantil, no
Brasil, surge no final da década de 70 e começo dos anos 80, inicialmente
para a pré-escola e posteriormente também para a creche. Nesse período
de tempo, acirram-se os debates sobre a função das instituições de
educação infantil e inicia-se o delineamento de um projeto pedagógico para
a área. É uma resposta à prática assistencialista, fruto das condições sócioeconômicas do país, que tem na marginalização da infância uma de suas
mais sérias conseqüências [...] (BRASIL, 1996, p. 7).
Diante disso, ainda hoje vemos nas escolas a tradicionalidade presente desde o modo
de dar aulas até o currículo, que nesse caso é a maior instância no ensino-aprendizagem.
O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais
amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai
constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo [...], buscam
justificar porque ‘esses conhecimentos’ e não ‘aqueles’ devem ser
selecionados (SILVA, 1999, p. 15).
Estudos desenvolvidos por Kishimoto, Oliveira, Machado, Mello e Kramer acerca das
funções de um currículo para a educação de crianças em creches e pré-escolas, encontram-se
sintetizados no documento “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil” (BRASIL,
61
A Comissão foi intitulada pela Portaria 1.264/93.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
1996) e põe em evidência a necessidade de elaboração/preparação de propostas curriculares
para a Educação Infantil no Brasil.
O Ministério da Educação (MEC), no ano de 1998, publica o Referencial Curricular para
a Educação Infantil (RCNEI), este documento não tem valor legal, ou seja, não é de caráter
mandatório, mas é uma importante contribuição para o trabalho dos profissionais das crianças
de zero a seis anos. O RCNEI apresenta-se em três volumes. Estes documentos possuem
caráter instrumental e didático, que pretendem contribuir para o planejamento,
desenvolvimento e avaliação de práticas educativas.
A professora Regina Alcântara de Assis, conselheira do Conselho Nacional de Educação
(CNE), no ano de 1998 aprova o parecer 022/98 sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil (DCNEI)62. Este documento estabelece em sua doutrina princípios,
fundamentos e procedimentos, que orientará as instituições de Educação Infantil do Brasil, em
sua organização, articulação, desenvolvimento e avaliação na elaboração das propostas
pedagógicas desta etapa educativa (LEITE FILHO, 2001). Conforme apresentado no parecer, as
propostas pedagógicas das Instituições de Educação Infantil (IEI) devem ser orientados por:
a) Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e
do respeito ao bem comum;
b) Princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da
criticidade e do respeito à ordem democrática;
c) Princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da
diversidade de manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 1998 apud LEITE,
2001, p. 44).
Autonomia; Criatividade e Ludicidade, apresentadas nos princípios acima, são
palavras chaves, que não podem ser esquecidas pelos profissionais da Educação Infantil em
nenhum momento, posto que elas embasam, e muito, o fazer pedagógico nesta etapa de
ensino.
A partir das metas definidas pelo Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001)
são publicados pelo MEC alguns documentos (Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL,
2005), Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), Parâmetros
Básicos de infra-estrutura para instituições de educação infantil (BRASIL, 2006a); Indicadores
de qualidade na educação infantil (BRASIL, 2009)) que visam orientar os Estados e Municípios
no desenvolvimento de políticas públicas com vistas ao alcance da qualidade no atendimento
às crianças pequenas.
62
O CNE, na Resolução CEB nº 1 de 7 de abril de 1999 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Em 11 de novembro de 2009, o CNE aprova o parecer CNE/SEB 20/2009 que revisa as
diretrizes curriculares nacionais para educação infantil e em 17 de dezembro de 2009, aprova a
resolução nº 5 que fixa as diretrizes com caráter mandatório, substituindo a resolução de
1999.
Após toda construção histórica sobre a publicação/divulgação/exposição de
documentos de caráter mandatório e compulsório, que ajudam/auxiliam no avanço da
qualidade da educação das crianças pequenas. Compreendemos que, a partir desse avanço no
plano legal, a criança está se constituindo há alguns anos como um sujeito, indivíduo, único,
com valor em si mesmo, são cidadãos como todo ser humano, independente de gênero, raça
ou posição social. Sendo assim, dentro desses avanços, no âmbito das políticas e práticas
curriculares, elencamos em nossa pesquisa pontos a serem discutidos sobre a leitura na
educação infantil, analisando o que pensam e fazem as professoras em sua prática pedagógica.
Em função disso, muito tem se discutido sobre a questão da inserção da linguagem
escrita no contexto da Educação Infantil. No discurso do senso comum, como também em
algumas teorizações, defende-se a idéia de que não se deve inserir a linguagem escrita no
cotidiano das instituições de educação de crianças pequenas, pois, dessa forma, se estará
antecipando práticas próprias do Ensino Fundamental, escolarizando precocemente as
crianças e desrespeitando seu direito de ser criança, de brincar. Em contrapartida, defende-se
a importância do trabalho com esse tipo de linguagem desde a mais tenra infância, pois esse é
um modo de melhor prepará-la para as etapas posteriores de escolarização, situando-se a
educação infantil com uma função preparatória.
Para além desses dois discursos, situamos nosso trabalho na perspectiva de que a
linguagem escrita é uma prática cultural, tão relevante em nossa sociedade, como outras
formas de linguagem e também presente na vida de muitas crianças, embora em situações de
interação e mediação desiguais, dependendo da classe social à qual a criança pertença. Desse
modo, enquanto uma das principais linguagens que constituem as interações no mundo atual,
sua apropriação pelas crianças torna-se relevante para seu desenvolvimento integral, como
pessoa que é e vive a contemporaneidade.
Fundamentadas em Vygotsky (1998) compreendemos que as instituições de Educação
Infantil são espaços legítimos de inserção das crianças, desde bem pequenas, no mundo da
leitura e da inserção da leitura no mundo das crianças. O autor, já no início do século XX,
chamava nossa atenção para que o aprendizado da escrita, como uma nova forma de
linguagem, fosse iniciado e desenvolvido na chamada pré-escola, apontando a necessidade de
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
que seu ensino se fizesse com base nas necessidades das crianças, no que lhes fosse
significativo seu dia a dia, destacando as situações de brincadeira como contextos primordiais
de ensino-aprendizado da linguagem escrita, nas quais as crianças seriam conduzidas a
precisarem escrever e ler, mesmo antes de o conseguirem de modo convencional. Nessas
situações, iriam se apropriando das convenções próprias da escrita em sua natureza simbólica
e socialmente funcional. Ou seja, o autor propôs que a escrita fosse inserida na Educação
Infantil considerando-se as especificidades da criança.
Outros autores, como Solé (2003) e Tezzari (2008), defendem que é possível e
necessário que as crianças tenham acesso à linguagem escrita desde a Educação Infantil,
porém, é necessário que consideremos as especificidades das crianças e que tal inserção nesse
contexto se desenvolva como uma possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento e não
como uma obrigatoriedade curricular.
Na atualidade, defende-se, na Educação Infantil, que o trabalho contemple e propicie
o desenvolvimento de múltiplas linguagens pelas crianças (EDWARDS; GANDINI; FORMAN,
1999), dentre elas, tal como propõe os documentos oficiais mais relevantes relativos à
Educação Infantil, como o Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), os
Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006) e, ainda, as Diretrizes
Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), as linguagens musical, plástica, corporal,
dramática, oral e também a escrita, proporcionando às crianças a apropriação de formas de
internalizar o mundo, de expressá-lo e de construir suas identidades da forma mais rica
possível. Nesse contexto, a leitura do texto escrito torna-se constitutiva de modos de conhecer
o mundo, de ter acesso a outros modos de dizer a realidade circundante e de constituir a
realidade interior, a identidade.
Por sua vez, a leitura, ao ser tomada como objeto de conhecimento, complexa e
envolve diversas faces, entre elas, a sociocultural, que diz respeito à sua funcionalidade social
e aos seus múltiplos usos individuais presentes na vida das pessoas. Outra face inerente à
leitura é seu caráter de conhecimento complexo e arbitrário, cuja apropriação implica
mediação sistemática, intencional, pedagógica.
Mas, considerando que o trabalho desenvolvido junto às crianças pelas professoras é
orientado por suas concepções acerca da criança, da educação infantil, bem como do que
pode/deve ou não ser ensinado-aprendido, assim como também de como se aprende,
passamos a nos questionar acerca de que modo às professoras, em suas práticas pedagógicas,
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concebem a leitura na Educação Infantil tomando-a como objeto de conhecimento das
crianças respeitando as suas especificidades?
Para construirmos uma resposta para esta questão, o caminho percorrido na
investigação foi realizado segundo os princípios da abordagem qualitativa de pesquisa que,
segundo Lüdke e André (1986), privilegia mais os processos que os produtos; privilegia os
significados que os sujeitos têm sobre o objeto em investigação; prioriza a obtenção dos dados
através do contato direto com seus contextos de origem; é essencialmente descritiva e
interpretativa/reflexiva.
Considerando nossos objetivos e esses princípios metodológicos, desenvolvemos uma
pesquisa do tipo exploratória – que visa à construção de uma primeira aproximação para
sistematização do objeto (GIL, 2007). Como procedimentos metodológicos desenvolvemos um
estudo bibliográfico (GIL, 2007). E para a construção dos dados empíricos desenvolvemos uma
entrevista de tipo semi-estruturada, segundo as proposições de Lüdke e André (1986) com três
professoras atuantes em um Centro Municipal de Educação Infantil localizado em Natal, RN,
caracterizadas no quadro abaixo:
PROFESSORAS/
IDADE
Sexo
Formação
Tempo de
trabalho no CMEI
Turma que atua
BRANCA DE NEVE (32
anos)
Feminino
CHAPEUZINHO
VERMELHO (32 anos)
Feminino
Magistério e estudante
de Pedagogia
Graduação em
Pedagogia
4 anos
3 anos
Quase 3 anos
Berçário II (16 crianças)
Nível III (25 crianças)
Nível IV (23 crianças)
RAPUNZEL (43 anos)
Feminino
Magistério e
Graduação em
Pedagogia
A partir da sistematização bibliográfica vimos que a criança passou a ter uma
importância como nunca havia ocorrido antes, nos últimos três séculos, passando a ser
pensada, estudada, e definida, a partir de estudos de várias ciências, como a psicologia, a
sociologia, a antropologia, a história, como uma pessoa concreta, com especificidades
constituídas por suas características biológicas, históricas e socioculturais que marcam seus
modos de ser e estar no mundo, que precisam ser compreendidas e respeitadas pelas
instituições e processos educativos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2003). Estudos históricos
ressaltam que “é preciso ver a criança como um sujeito social que interage com a história de
hoje, presente no tempo e espaço, fazendo sua história e sendo transformada por ela [...]”
(KUHLMANN JR, 2004, p. 43).
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A educação das crianças, enquanto seres concretos, em desenvolvimento intenso,
processo que resulta de interações e mediações sociais, tem função pedagógica, envolve, por
causa das especificidades das crianças, o educar e o cuidar, de modo indissociável, o que
envolve a inserção das crianças em práticas da cultura, em modos de ação e relação, em
modos de agir, de pensar, de simbolizar, de raciocinar, de imaginar, de criar. Assim, as
crianças, imersas na cultura, não apenas a consomem e reproduzem, mas produzem cultura. E
as práticas das instituições, realizadas pelos profissionais professores que atuam junto às
crianças precisam contemplar, tanto as singularidades das crianças, como das práticas da
cultura que são tomadas como objeto das interações e das mediações.
Considerando que as ações dos professores são orientadas por suas concepções
acerca da Criança, da infância, da Educação Infantil, assim como do que pode e deve ser
aprendido pelas crianças nos estabelecimentos de educação, buscamos analisar as concepções
das professoras, enquanto sujeitos que organizam o cotidiano das instituições, selecionando,
do universo da cultura, o que vai ser propiciado às crianças, qual o lugar/papel da leitura na
Educação Infantil. A partir da análise desenvolvida, construímos eixos de sentido evidenciados
nas enunciações das professoras. Assim, para elas, a leitura na Educação Infantil é:




Essencial como abertura a novas aprendizagens e desenvolvimentos
Ferramenta para a fluência da imaginação / criatividade / fantasia / linguagem
Possibilita vivências de emoções, sentimentos, prazer, socialização
Trocas entre crianças e educadores, formas de ver, refletir, compreender...
Vejamos o que dizem as professoras sobre a leitura na Educação Infantil.
Leitura? Meu Deus! Leitura na Educação Infantil e acho que na vida de todas as pessoas, de
todo mundo e de qualquer faixa etária, acho que é uma coisa essencial, que precisa existir, ela
abre as janelas de tudo, e em especial na Educação Infantil, porque é o momento em que eles
estão mais abertos para se aprender e se a gente já não começar a ter nessas práticas de
leitura, que na verdade vem de casa também, só que, como em casa, às vezes eles não têm
acesso a livros, os pais, às vezes não são tão presentes, então, eu acho que aqui é onde a gente
pode estar abrindo essas janelas, essas portas para eles estarem junto com a gente, né?
Porque se a gente não tem prática de leitor eles também não vão crescer nesse ritmo. Então, o
que a gente faz? A gente procura estar lendo. Através da leitura eles vão desenvolvendo a
linguagem nos bebês, ampliando o repertório, os “maiorzinhos” vão ampliando, né? E muitos a
gente acha que não tem em casa. Trazem o conhecimento também de casa, nê? Tem que ter
também uma referência. Então, eu acho que é uma coisa importantíssima a gente praticar, e
de todas as maneiras, a gente ler a história; a gente conta, a gente reconta, a gente brinca,
acho que tudo isso entra no universo da leitura, né? Eu acho (Professora Branca de Neve).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
A leitura na Educação Infantil deve ser uma ferramenta para a fluência da imaginação,
criatividade e fantasia, pois a leitura possibilita um leque de descobertas e experiências que
proporciona a criança aprender, compreender e ressignificar seus conhecimentos, emoções e
sentimentos de modo prazeroso e lúdico (Professora Chapeuzinho Vermelho).
A leitura tem um sentido muito amplo, está ligado às condições de trabalho em sala, no
contexto. A leitura são vivências que as crianças trazem do seu próprio mundo e, com elas,
existe uma troca com o educador partindo dos objetivos e proposta pedagógica. O educador
deve ter um conceito de “leitura” para que não perca seus objetivos de vista, pois compete a
ele mediar esse processo. Ler imagens, ler o mundo, o ambiente e aprender a contextualizar
de forma adequada para a faixa etária da turma é parte de estratégias metodológicas
provenientes de suas pesquisas, experiências como da própria formação com leituras. Só
incentiva quem gosta de ler. E a leitura é a forma de ver, refletir, e compreender a realidade a
nossa volta (Professora Rapunzel).
Diante do posicionamento das professoras, podemos perceber que a professora
Branca de Neve apresenta uma resposta bem coerente com as teorizações atuais acerca da
função da Educação Infantil, bem como do que se encontra proposto nos documentos oficiais,
pois se na Educação Infantil as crianças estão mais abertas para aprender, estão abertas para
novas aprendizagens e desenvolvimentos, então, a inserção da leitura no cotidiano da
Educação Infantil pode propiciar à criança começar a desenvolver conhecimentos básicos
sobre a leitura, desde que respeite as especificidades da leitura e seu aprendizado (interaçãomediação-contextualização-significação) e da criança, tal como as descrevemos anteriormente.
Acerca da leitura, Smolka (1989) afirma que:
[...] Falo da atividade da leitura como forma de linguagem, originária na
dinâmica das interações humanas [...] não como mero ‘hábito’ adquirido,
mas como atividade inter e intrapsicológica, no sentido de que os processos
e os efeitos desta atividade de linguagem transformam os indivíduos
enquanto mediam a experiência. [...] Portanto, leitura como mediação,
como memória e prática social (SMOLKA, 1989, p. 28).
Do exposto, podemos perceber a necessidade do aprendizado da leitura como
compreensão e de que a leitura precisa ocupar um espaço-tempo importante no tempo da
escola, desde os primeiros anos na escola, desde a Educação Infantil, como afirma Veliago
(1992).
As concepções da Professora Chapeuzinho Vermelho também se aproximam de
modo significativo, das proposições teóricas acerca da criança, da infância e da educação
infantil. Ao afirmar que a leitura na Educação Infantil vai oportunizar o desenvolvimento
imaginativo da criança, levando-as a fantasiar, brincar, criar..., corrobora o que Kramer (2006,
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
p. 16) afirma: “[...] A cultura infantil é, pois, produção e criação. As crianças produzem cultura
e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea
(de seu tempo) [...]”. Dessa forma, é de fundamental importância considerar a singularidade
da criança, levando em consideração os aspectos sociais e econômicos, que interferem nas
condições destas, pois existe, em nossa sociedade, uma diversidade cultural bastante ampla.
A autora ainda propõe que “[...] É preciso garantir que as crianças sejam atendidas
nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e
acompanhado por adultos na educação infantil [...]” (KRAMER, 2006, p. 20). Uma vez que ao
estar inserida nas práticas da leitura a criança está aprendendo, interagindo, brincando,
ressignificando conceitos, possibilitando vivências de emoções, sentimentos, prazer. Segundo
Jolibert (1994, p. 15), “Ler é questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real
(necessidade de prazer), numa verdadeira situação de vida”.
A professora Rapunzel, embora não tenha conseguido responder de forma objetiva,
coloca que, por meio da leitura, pode se desenvolver a troca entre crianças e educadores,
várias formas de ver, refletir, compreender... Desse modo, situações de ensino-aprendizagem
precisam caracterizar-se, de modo essencial, pela mediação simbólica, através da linguagem
oral, da brincadeira, do movimento, das expressões afetivas, entre outras possibilidades. Para
Tezzari,
[...] Na Educação Infantil, é necessário que haja tempo e espaço para ler,
para falar sobre o que se leu, para discordar, para analisar por outro ângulo,
para comparar o lido com o vivido, enfim, que haja interlocução a partir da
leitura (TEZZARI, 2008, p. 106).
Como propôs Vygotsky (1998) o aprendizado da leitura não precisa se fazer de forma
mecânica, de forma dissociada das significações, da linguagem como prática. Praticar a leitura
desde os primeiros anos de vida não significa realizar tarefas relacionadas à letras de modo
descontextualizado e mecânico. Inserir a leitura no cotidiano das crianças na Educação Infantil
significa, de modo essencial, desenvolver práticas significativas de leitura, em que esta tenha
sentido e função para as crianças, vinculada, pois, à ludicidade, à imaginação, à criação, assim
como à possibilidade de criar situações em que possam ser atendidas pelos adultos, que lhe
apresentam textos escritos diversos que circulam em seu contexto sociocultural, desenvolver e
exercer sua capacidade de aprender e produzir cultura lúdica, poderem vivenciar sua pessoa
em sua globalidade, visto que a leitura, sobretudo a de literatura, possibilita à criança brincar,
imaginar, sentir, conhecer, expressar-se.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
A relevância do aprendizado da leitura para Geraldi (1996, p.70 apud CARVALHO,
1999, p. 198)
Aprender a ler é, assim, ampliar a possibilidade de interlocução com as
pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos com
elas, sermos capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de
compreender o mundo, as coisas, as gentes e suas relações.
Ao pensar/refletir a respeito da polêmica sobre a viabilidade de leitura por crianças
pequenas na Educação Infantil, chegamos à conclusão de que tal processo é importantíssimo
para a formação desse indivíduo (a criança), desde que sejam pensadas formas de introduzir a
criança no mundo da leitura levando em consideração a ludicidade, especificidades e realidade
do contexto em que cada criança está inserida, não podendo ser considerado como medida
obrigatória. Essa é a compreensão do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
– RCNEI (1998). Segundo esse documento,
Entende-se que a criança é capaz de ler na medida em que a leitura é
compreendida como um conjunto de ações que transcendem a simples
decodificação de letras e sílabas. Quando a criança consegue inferir o que
está escrito em determinado texto a partir de indícios fornecidos pelo
contexto, diz-se que ela está lendo (BRASIL, 1998, v.3, p. 140).
A leitura pode, portanto, ser concebida como uma prática sócio-cultural, atividade de
decodificação-compreensão do texto escrito em contextos funcionais e significativos para o
indivíduo e para o meio social e, desse modo, ser apresentada, explorada para e pelas crianças.
Na prática cotidiana, portanto, os professores precisam promover situações significativas de
inserção das crianças pequenas nas práticas de leitura para que possam desenvolver
conhecimentos – conceitos iniciais, procedimentos e atitudes – básicos ao domínio dessa
prática. Enquanto outro mais experiente na relação ensino-aprendizagem, o professor deve
constituir uma ponte entre a cultura da criança e a cultura escrita, a cultura da leitura, dos
textos escritos, em suas diversas funções e estruturas, seus diversos portadores e contextos,
uma vez que quando se lê, se busca algo, a leitura é, por natureza, intencional, flexível,
multiforme, e sempre se adapta ao que se busca. Pois, como ressalta Solé,
Aprende-se a ler “lendo”; vendo outras pessoas lerem, prestando atenção às
leituras que fazem, como fazem, para que fazem; em experimentações que
inicialmente envolvem “erros” mas que aproximam-se, gradualmente, da
leitura convencional (SOLÉ, 2003, p.72).
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
Conforme a autora (1998), o ensino inicial da leitura deve garantir a interação
significativa e funcional da criança com a língua escrita, como meio de construir os
conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas da sua aprendizagem. O
momento da contação de histórias, apresenta-se como relevante e necessário ao contexto
infantil, este se configura como singular na vida da criança, aguçando sua imaginação, a
criatividade, oralidade, ao mesmo tempo vai se integrando em um universo imaginário.
Compreendemos que todo processo de aprendizagem é mediado por outros da
cultura e pela linguagem (VYGOTSKY, 1998) e que ler não é apenas decifrar palavras, mas vai
além desse procedimento, é em momentos de leitura que o leitor realiza um trabalho interativo na construção do significado do texto, construindo, tanto os conceitos, como os
procedimentos e as atitudes que são constitutivas do ato de ler.
Do estudo então desenvolvido, percebemos a possibilidade e a importância de uma
prática educativa que conceba a leitura como um ato significativo e prazeroso de constituição
de sentidos a partir da relação leitor-texto, o que pode e precisa, de início, ser mediado em
situações que possibilitem o contato direto das crianças com materiais e práticas intencionais
de leitura, tal como realizamos no cotidiano. Dessa maneira estar-se-á contribuindo para uma
sociedade onde todos sejam leitores, dominem procedimentos básicos à leitura e
desenvolvam sentimentos/atitudes favoráveis ao seu desenvolvimento na vida pessoal e
social.
A escola concebida com um espaço de busca, construção, diálogo e confronto,
prazer, desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes possibilidades de expressão e
linguagens, aventura, organização cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo
processo educativo. A Educação Infantil pode iniciar esse processo possibilitando que as
crianças se “iniciem” na leitura como brincadeira e imaginação com as palavras escritas.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
REDES DE CONVERSAS COMO AGENCIAMENTOS DO
DESEJO DE NOVOS MAPAS CURRICULARES E DE NOVAS
PAISAGENS COLETIVAS
Larissa Ferreira Rodrigues63
RESUMO
Este estudo é um recorte de pesquisa de Mestrado concluída64, realizada em um CMEI de
Vitória/ES. Problematiza como os agenciamentos do desejo de novas políticas curriculares e
formativas podem potencializar a configuração de novos mapas curriculares e de novas
paisagens coletivas na Educação Infantil. Objetiva compreender como as experiências narradas
e vividas pelos professores do CMEI “Alegria” podem apontar para outros modos de saber e de
fazer o currículo escolar. Tece um debate teórico com Deleuze e Guattari (1992, 1994, 1995,
1996, 1998), Larrosa (2004), Rolnik (2007), Carvalho (2009a; 2009b; 2008). As opções teóricometodológicas articulam os estudos com os cotidianos com a cartografia de alguns processos e
relações capazes de resistir aos engessamentos que modelam a produção de subjetividades na
educação. Conclui que os agenciamentos no desejo se lançam em formações coletivas, tentam
fugir dos territórios individualizados que tomam as salas de aulas. Valoriza o
DevirConversasDocentes, que surge nas redes de conversas e afetos como formação
continuada, traçando linhas de afetos e de organização de territórios, desenhando alternativas
para os professores a partir das experiências narradas e vividas por eles e, consequentemtne,
outros modos de saber e de fazer políticas curriculares e paisagens coletivas.
Palavras-chave: infância; redes de conversações; mapas curriculares; paisagens coletivas.
ABSTRACT
This study is a research Masters cut concluída1 held in a CMEI Vitória / ES. Discusses how the
assemblages of desire for new curriculum policies and training can enhance the setting of new
maps and new curriculum in Early Childhood Education Collective landscapes. Aims at
understanding how the experiences described and experienced by teachers CMEI "Joy" can
point to other ways of knowing and doing the school curriculum. It weaves a theoretical
debate with Deleuze and Guattari (1992, 1994, 1995, 1996, 1998), Larrosa (2004), Rolnik
(2007), Carvalho (2009a, 2009b, 2008). Options articulate the theoretical and methodological
studies with the everyday with the mapping of some processes and relationships that can
withstand the inflexibility that shape the production of subjectivities in education. It concludes
that the assemblages in the desire to launch collective formations, trying to escape from the
territories that make the individual classrooms. Values the DevirConversasDocentes, which
comes in the networks of conversations and affections as training continued, drawing lines and
affects the organization of territories, designing alternatives for teachers from the experiences
described and experienced by them and consequentemtne, other ways of knowing and
63
Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo e Professora do Município de Vitória/ES. Contato:
[email protected]
64
Este trabalho é parte integrante da pesquisa de Mestrado em Educação: ”REDES DE CONVERSAS E AFETOS COMO
POTENCIALIDADES PARA AS PRÁTICAS CURRICULARES E PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL”.
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V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES
Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
curriculum policy making and collective landscapes.
Keywords: childhood; networks of conversations, curriculum maps, landscapes collective.
INTRODUÇÃO
Iniciamos esses escritos com intuito de problematizarcomo os agenciamentos do
desejo de novas políticas curriculares e formativas podem potencializar a configuração de
novos mapas curriculares e de novas paisagens coletivas na Educação Infantil. Objetiva
compreender como as experiências narradas e vividas pelos professores do CMEI “Alegria”
65
podem apontar para outros modos de saber e de fazer o currículo escolar.
A escrita deste texto só foi possível depois de várias idas e vindas aos dados
produzidos durante a pesquisa realizada em 2010, e de revisitar alguns campos teóricos que
foram se configurando como mapas conceituais deste estudo. Esses mapas conceituais foram
se compondo pelas linhas de pensamento de Deleuze e Guattari (1992, 1994, 1995, 1996,
1998), Larrosa (2004), Rolnik (2007), Carvalho (2009a; 2009b; 2008) dentre outros autores que
apresentaram várias possibilidades de cartografar algumas intensidades, alguns movimentos
de potencialização de políticas para as práticas curriculares e para a constituição de atos
coletivos no CMEI “Alegria”.
Para Carvalho (2008, p. 129), a importância da cartografia no cotidiano escolar
“implica acompanhar movimentos que vão transformando a cultura da escola, fortalecendo a
criação coletiva e individual, ou seja, cartografar os “possíveis” do coletivo escolar em seu
modo processual e relacional.
Nas tentativas de acompanhar esses processos, o que se podia notar era que os
contornos desses mapas conceituais a todo instante oscilavam entre a nitidez de suas linhas e
o desmantelamento de seus traços. Mapas em constante elaboração, assim como os mapas de
conhecimentos, linguagens e afetos do cotidiano escolar, sempre em fluxo, pedindo passagem,
tentando ganhar matérias de expressão para dar sentido ao campo do desejo social (ROLNIK,
2007) de uma educação de qualidade e de valorização da vida.
65
Nome fictício para especificar o CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CMEI) em Vitória/ES.
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A aproximação entre as linhas dos mapas conceituais e dos mapas da educação
infantil não seria tão instigante sem a imanência de uma filosofia do concreto cotidiano
(GALLO, 2000), que consegue levantar, na repetição do cotidiano escolar, diferentes práticas
educativas, saberes, fazeres, poderes, afetos que movimentam o pensamento e as
possibilidades de aprender. O que provoca é a capacidade que a filosofia do concreto cotidiano
tem de mobilizar o pensamento para a valorização das relações entre os indivíduos e os
processos educacionais criados e compartilhados entre eles.
A potência da filosofia para a problematização das relações tecidas pela grupalidade
do CMEI “Alegria”, para a compreensão das tentativas de criar ações políticas para o currículo
e para a educação na infância, está em concebê-la, segundo Deleuze e Guattari (1992) como
“arte de formar, de inventar”.
Assim, este estudo baseou-se em compreender como as experiências narradas e
vividas pelos professores do CMEI “Alegria” podem apontar para outros modos de saber e de
fazer o currículo escolar pelas invenções e fabulações sobre o aprender na infância, sobre o
fazer-se em meio ao coletivo escolar e sobre a educação infantil.
Nesse sentido, as conversas docentes em meio aos diferentes sons e imagens dentro
do CMEI foram auxiliando para a discussão sobre as páticas curriculares e sobre o surgimento
de pontos de politização em meio aos fluxos coletivos na escola.
– […] mas a escola é uma só e como a gente está discutindo, é tudo uma rede de
conversação. A gente fica pensando no projeto. Ah, a gente vai apresentar o quê? O que vamos
fazer aqui? Aí vem um e coloca uma carinha, outro coloca uma roupinha, ai que lindo! A
criança, para aprender, tem que ter esse contato; é o lúdico, o colorido junto com o
conhecimento (Professora Samara)66.
– Na verdade é a troca que faz esse colorido. É pedir um arranjo, uma roupa, uma
faixa emprestada para a colega (Pedagoga Sônia).
Mas o que são redes de conversas ou conversações? Carvalho (2009a, p. 04) diz que
são “a manifestação aberta da pluralidade e da polifonia, não determinada pela voz de uma
pessoa”. Não é o Eu que está em foco nos encontros e nas conversas, mas as relações tecidas
66
Fragmento de conversas estabelecidas em 31/08/2010, durante os momentos de formação continuada com os professores do
CMEI “Alegria”, com o intuito de que a grupalidade problematizasse o currículo e tecesse ações coletivas no decorrer da pesquisa.
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pela grupalidade, pela participação ativa e criativa, que se faz em meio a uma poética social,
que articula assuntos e vozes de modo a possibilitar a constituição de multiplicidades
partilhadas ou modos coletivos de agir.
Esse pequeno fio de conversa é um pedaço da rede, que se entrelaça como um
rizoma, que se conecta a tantos outros pontos de conflitos, de sugestões, de interesses, de
conhecimentos, de alegria e de coletividade.
O rizoma é para Deleuze e Guattari (1995) a possibilidade de “subtrair o único da
multiplicidade a ser construída”. No pequeno fio de conversa entre as personagens escolares,
o que realmente importa não é quem fala ou quem não fala (o único), mas a potência da
conversa (a multiplicidade), os pontos de politização que se estabelecem nas relações de
partilha dessas vozes.
Esses pontos de politização ou a multiplicidade são o que a professora chama de
pensar no projeto de ensino de forma a articular pessoas e o compartilhamento entre elas,
para que as crianças possam aprender pelo que chama sua atenção, pelo colorido e pelo
lúdico.
Sendo sempre “quem fala e age, uma multiplicidade” (Deleuze in Foucault 1979), os
rizomas são criados e se conectam constantemente pelas relações promovidas dentro do CMEI
“Alegria”: “vem um e coloca uma carinha, outro coloca uma roupinha” e “pedir um arranjo,
uma roupa, uma faixa emprestada para a colega”. Essas relações produzem diferentes formas
e forças para as experiências curriculares, para a constituição do próprio currículo e,
consequentemente, para os processos formativos dos docentes.
A constituição do currículo escolar caminha junto com o movimento pelo qual o
processo educativo se faz e, desse modo, a experiência curricular se configura como um
processo propício para formações, tanto de maneira formalizada quanto pelos aspectos não
formalizados. O enriquecimento desses processos de formação se dá não só pelas relações que
experimentamos diariamente, nos encontros com os alunos, mas também por relações que se
desenvolvem, principalmente com os outros docentes: planejamentos, conversas de corredor,
de pátio, encontros na sala dos professores, nas reuniões pedagógico-administrativas e nos
momentos formais de formação continuada.
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As experiências docentes como movimentos de ações coletivas permeiam um campo
micropolítico de relações. Sendo a micropolítica, segundo Rolnik (2007, p. 11) “questões que
envolvem os processos de subjetivação em sua relação com o político, o social e o cultural,
através dos quais se configuram os contornos da realidade em seu momento contínuo de
criação coletiva”.
Esse campo micropolítico presente nas experiências, nas relações e nos processos de
subjetivação docentes é permeado pelas segmentaridades dura e flexível. Sobre isso, Deleuze
e Parnet (1998, p. 09) dizem que
[…] as coisas, as pessoas, são compostas de linhas bastante diversas, e que
elas não sabem, necessariamente, sobre qual linha delas mesmas elas estão,
nem onde fazer passar a linha que estão traçando: em suma, há toda uma
geografia nas pessoas, com linhas duras, linhas flexíveis, linhas de fuga etc.
Os contextos de criação coletiva nos processos formativos e curriculares na Educação
Infantil, pelo viés das revoluções micropolíticas, vão se constituindo também em meio à
organização molar, lançam-se principalmente a um mundo de segmentações finas, de afetos
inconscientes e soltos à procura de outros modos de distribuições, e acabam operando de
outro modo, compondo alguns campos de resistências.
Para Deleuze e Guattari (1996, p. 94), uma das relevâncias da composição de campos
micropolíticos está em percebê-los e em fazê-los atuar como algo que “Sempre vaza ou foge
alguma coisa, que escapa às organizações binárias, ao aparelho de ressonância, à máquina de
sobrecodificação: aquilo que se atribui a uma ‘evolução dos costumes’”.
Assim, a tentativa de conhecer e acompanhar as relações que emergiam pelo viés da
micropolítica no CMEI “Alegria”, desenhava-se durante o processo de pesquisa de campo,
estipulando como um dos princípios compreender como as experiências narradas e vividas
pelos professores podem potencializar as ações coletivas e apontar outros modos de “saber e
de fazer” o currículo escolar.
Nesse contexto, durante a estada em campo, no CMEI “Alegria”, fui tentando me
inserir nas diversas redes de conversações que se teciam. Acompanhei durante seis meses a
rotina da escola, seus espaçostempos, as vozes e os silenciamentos que tentavam equilibrar o
funcionamento da escola. Estive presente em várias reuniões pedagógicas, em planejamentos
de alguns professores, nas “sextas culturais”, em momentos de planejamento coletivo que
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aconteciam sem serem programados, e propus ao grupo, juntamente com a direção da escola,
a criação de um espaçotempo para discussões, um momento para problematizar as práticas
curriculares e criar novos modos coletivos de produzir o currículo junto com o turno
vespertino.
Resolvemos nos reunir durante uma hora por semana após o horário de trabalho,
durante esses seis meses de pesquisa. Nesses momentos ouvimos, narramos, conhecemos o
trabalho dos profissionais, tecemos conversas e sugestões de modificações para os processos
curriculares e formativos que se desenvolviam no CMEI “Alegria”.
É importante destacar que a elaboração de ações coletivas não ocorria somente
nesse momento de formação continuada, que acabou se instituindo durante o período da
pesquisa. Em todos outros momentos, era possível perceber, mesmo que de forma tímida, a
emergência de pontos de politização entre os docentes.
Fui em busca do que estava em meio à rotina de organização pedagógica do CMEI e
às conversas formais e informais entre os atores escolares. Foi preciso compreender como os
professores tentavam elaborar alternativas possíveis para os diversos obstáculos e desafios
enfrentados cotidianamente, e como criavam possibilidades de atuação política.
Assim, os desenhos dos mapas conceituais e dos mapas da educação infantil no CMEI
“Alegria” foram dando indícios sobre alguns modos de subjetivação docente, sobre a produção
do desejo de pensar outras alternativas para saber e fazer o currículo escolar e para os
processos formativos que ocorrem nas escolas.
O desejo segundo (Deleuze e Parnet,1998, apud Rolnik, 2007, p. 29) ;
[…] é o sistema de signos assignificantes com os quais se produz fluxos de
inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo, seja qual for o
lugar em que aconteça, pequena família ou escolinha de bairro, que não
coloque em xeque as estruturas estabelecidas. O desejo é revolucionário,
por que sempre quer mais conexões, mais agenciamentos.
Conhecer como os professores agenciavam o desejo de novas alternativas possíveis
para saber e fazer o currículo e os processos formativos se tornava fundamental para por em
xeque as estruturas educacionais que segmentam o ensinar e o aprender, que segregam e
limitam as experiências dentro das escolas. Entender quais linhas tentam agenciar o desejo de
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conhecimentos, de linguagens e de afetos é importante para que outras/novas conexões e
agenciamentos possam surgir, já que o agenciamento de desejo, para Deleuze (1994, p. 04)
“marca que o desejo jamais é uma determinação “natural”, nem “espontânea”.
A relevância de conhecer as relações no campo micropolítico, as experiências do
CMEI, está diretamente relacionada com a criação de novos mapas curriculares e de novas
paisagens coletivas para a educação infantil, novos territórios existenciais. Está na
possibilidade de se criar rizomas do ensinar e do aprender, retirando da educação os fatores
que desqualificam a experiência humana, trazendo os pontos de politização para o processo
educativo, que se transforma e se reelabora imanentemente em meio a essas
microexperiências.
A CARTOGRAFIA DE MAPAS CURRICULARES ATIVOS PELAS EXPERIÊNCIAS NARRADAS E
VIVIDAS67
É importante perguntar: o que quer dizer desenhar/cartografar mapas curriculares
ativos? Não seriam todos de alguma forma ativos? E nos desenhos desses mapas não estariam
as experiências narradas e vividas pelos professores do CMEI “Alegria” consideradas como
uma representação binária do certo/errado?
A pertinência dessas questões está em alertar para os perigos de se utilizar uma falsa
ideia de mapa ou de se construir imagens das experiências que circulam na escola tentando
classificá-las dentro de uma lógica normalizadora, binária e excludente. Segundo Rolnik (2007),
a cartografia de território, (em nosso caso, territórios de experiências docentes, de práticas
educativas criadoras e criativas, de compartilhamento de saberes e fazeres, currículos ativos
e de paisagens coletivas na escola), tem a ver com inteligibilidade, com criação de alternativas
possíveis para a educação.
A intenção da pesquisa foi exatamente tentar escapar das linhas que tentam
aprisionar os olhares e pensamentos para o simples julgamento das práticas curriculares que
ocorrem nas escolas. Dito de outro modo, o que se pretendeu foi, no meio da tensão entre a
representação e fluxo de intensidade, perceber sentidos nesses movimentos de produção de
realidade dentro das escolas.
67
Fragmento do diário de campo redigido em 08/06/2010, durante o turno vespertino, na sala do grupo IV integral (cria nças com 4
anos de idade).
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Para entrar nessa tensão entre representação da realidade e fluxo de intensidade das
experiências dos professores, para compreender os sentidos do currículo e o desejo de
formações políticas e coletivas no CMEI, foi preciso estar em campo de pesquisa como um
cartógrafo. Segundo Rolnik (2007, p. 67) o que o cartógrafo quer é
[…] apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e
representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de
territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas
representações e, por sua vez, estancando o fluxo, canalizando as
intensidades, dando-lhes sentido.
Assim, falar sobre mapas, pensar nas diferentes maneiras de cartografar os traços
que ajudam a desenhá-los dentro do contexto escolar, exige ultrapassar alguns conceitos que
tentam fechar suas características apenas em representações do espaço geográfico, o espaço
dos que aprendem e daqueles que não aprendem, espaço de teoria e o espaço da prática, o
espaço da individualidade e da singularidade, ou seja representações em blocos segmentados.
A concepção de mapa que permeou todos os momentos da pesquisa de campo
esteve baseada nas possibilidades de compreender como se desenrolam os processos
educativos dentro do CMEI “Alegria” e como as experiências docentes ajudam a elaborar
mapas curriculares ativos e coletivos. Discutindo sobre a importância da construção dos
mapas, Deleuze e Guattari (1995, p. 20) ajudam na elaboração das concepções de mapa e de
seus desenhos dentro do cenário da pesquisa.
O mapa é aberto, é conectável em todas as dimensões, desmontável,
reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser
rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser
preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se
desenhá-lo numa parede, concebê-lo como uma obra de arte, construí-lo
como uma ação política ou como uma meditação.
Um dos fatores que impulsionava a pesquisa era a possibilidade de cartografar a
formação de mapas curriculares ativos com base nas experimentações ancoradas no real, no
dia-a-dia dos professores, de modo a tentar perceber movimentos desencadeadores de ações
políticas, de currículos ativos, criativos, feitos pela grupalidade do CMEI, valorizando as
diferenças e as diversas experiências em prol da elaboração de conhecimentos, linguagens e
afetos que potencializem a vida de forma geral.
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Foi preciso utilizar, assim como fala Rolnik (2007, p. 65), “tudo o que der língua para
os movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido”.
Assim, foi interessante circular pelos corredores do CMEI, passar pelas salas; procurar algo que
nem sabia o que era, mas que poderia servir como matéria de expressão para o desenho de
mapas curriculares ativos. Então, a professora Fernanda68 me viu passando em frente a sua
sala e me convidou para ver o trabalho que seus alunos estavam fazendo. Entrei e
conversamos bastante enquanto ela dava orientações para as crianças, que pintavam.
(Crianças do grupo 4 Integral pintando as tartarugas do Meio Ambiente)
Essa professora sempre me convidava para entrar e conhecer seu trabalho, gostava
muito de falar sobre o projeto “Meio Ambiente” que estava desenvolvendo com a turma, de
mostrar as atividades, as produções e de falar das apresentações que havia feito. Nesse dia
uma das falas da professora chamou atenção:
Você sabe que sou contratada, né? Então, eu fico te chamando sempre na minha sala por que
sinto falta de conversar com alguém, de falar o que estou trabalhando com as crianças. Eu
gosto muito de trocar ideias, de perguntar aos colegas o que acham sobre o projeto, ver se eles
já fizeram algo assim, para que eu possa aprender também. Tudo que eu puder ouvir e ver de
diferente vai de alguma maneira me ajudar a pensar meu trabalho. Aqui, neste CMEI, eu já
tentei me aproximar das colegas, mas todo mundo fica tão ocupado que nem dá tempo para
gente conversar, por isso que eu fico doida quando te vejo aqui na escola. Também estou
desenvolvendo uma parceria muito bacana com a estagiária. Nossa, ela é tão criativa e
envolvida que nosso projeto tem ajudado muito as crianças. Queria que as colegas que já
trabalharam com esta turminha vissem como eles estão ótimos. (Professora Fernanda)
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Nome fictício criado para preservar a identidade da professora.
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A narrativa da professora chama atenção pelo desejo que aponta, de compartilhar
suas experiências, de tecer novos saberes e novos fazeres junto aos demais profissionais. Ela
agencia esse desejo quando tece tentativas de estar e entrar em relação com outros colegas,
quando entra em relação com os conhecimentos da estagiária, quando convida a pesquisadora
para conversar sobre seu trabalho.
Essa necessidade de fazer circular as experiências naquele espaçotempo não está
associada à concepção moderna de que temos de nos tornar um sujeito de experiência.
Larrosa (2004), ao criticar essa concepção, vai sugerir uma superação desses conceitos de
experiência dos indivíduos. Somos estimulados e moldados a ser sujeitos da informação, da
opinião, da falta de tempo e do trabalho e, com isso, o que realmente importa na experiência
é esquecido, desvalorizado ou destruído. O autor vem dizer da importância de perceber na
experiência o que nos passa, nos atravessa e nos toca. “O sujeito de experiência seria algo
como um território de passagem, algo como uma superfície de sensibilidade na qual aquilo
que passa afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve umas marcas, deixa alguns
vestígios, alguns efeitos” (p. 160).
O desejo de experiência da professora, de narrar, de compartilhar, de conhecer e de
experimentar coisas novas, configura os processos curriculares em territórios de passagem, no
qual as respostas dadas pelos alunos em relação a seu trabalho inscrevem e mobilizam afetos,
trazem marcas que não querem ficar somente presas nas paredes de sua sala. Quando a
professora diz “queria que as colegas que já trabalharam com esta turminha vissem como eles
estão ótimos”, os efeitos que as respostas das crianças promovem em suas experiências
pedem passagem, querem fugir daquele espaço e seguir o fluxo, ganhar matéria de expressão
em forma de compartilhamento.
As alternativas criadas pela docente para não ter suas experiências baseadas apenas
no excesso de informação, de opinião, de trabalho e na falta de tempo, ganham expressão
quando ela agencia, de diferentes maneiras, uma possibilidade de intercambiamento de
experiências no CMEI. Com isso, novas paisagens coletivas se formam, na busca por mostrar
seu trabalho aos colegas, por ouvir os outros, quando convida a pesquisadora e relata seus
desejos ou quando encontra nas experiências da estagiária novos caminhos para as práticas
educativas, desencadeando ações rizomáticas, produtivas.
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Essas formações rizomáticas dentro dos CMEIs são de grande importância, pois,
segundo Deleuze e Guattari (1995), ampliam as possibilidades de conexões linguísticas que
favorecem a multiplicidade sem exaltar este ou aquele professor, e sim exaltando os processos
educacionais criados coletivamente. O rizoma é a capacidade de produzir mapas, currículos
ativos, conectáveis, múltiplos e que rompem com a experiências escolares estéreis.
É importante vislumbrar os mapas curriculares e as paisagens coletivas como
rizomas, pois, como Deleuze e Guattari (1995, p. 22) destacam, “o rizoma opera sobre o desejo
por impulsões exteriores e produtivas”.
Assim, os agenciamentos no desejo de compartilhar e de conhecer outras
experiências dentro do CMEI se lançam em formações coletivas, vão traçando linhas mais
flexíveis, que tentam fugir dos territórios demarcados, fechados e individualizados que acabam
se tornando as salas de aulas. A flexibilidade que caracteriza as linhas das experiências que
afeta e inscreve efeitos nas salas de aulas, nas crianças, na professora, na estagiária, é o que
vai desenhando mapas curriculares ativos, com saberes, fazeres, poderes e afetos criados e
sustentados pela grupalidade.
CARTOGRAFIA DAS LINHAS CURRICULARES E COLETIVAS EM DEVIRCONVERSASDOCENTES
O
que
é
um
DevirConversasDocentes?
Por
que
falar
sobre
ele?
O
DevirConversasDocentes tem a ver com a vida que pulsa nos movimentos formativos e
curriculares que se desenrolam na Educação Infantil. Mas não se trata de qualquer conversa
ou de qualquer vida. O que está em questão são as potencialidades geradas nas redes de
conversações criadas e sustentadas ativamente pelo coletivo escolar. Para Carvalho (2009a, p.
202), “[…] as redes de conversações expressam redes de subjetividades compartilhadas,
envolvendo formas e forças de agenciamento de um corpo político de outra ordem ou
natureza, como potência constituinte de ações e novas experimentações”.
Nessas redes é possível perceber como a vida pulsa, o atravessamento das linhas que
desenham os mapas curriculares, as paisagens coletivas e a vida educativa. A vida educativa
que interessa é a que está em constante devir, em fuga. O devir e a fuga da modelização e do
engessamento que as subjetividades são expostas são o que permite a criação de outras
alternativas possíveis para a produção de novos modos de saber e fazer currículo escolar e,
consequentemente, apontar ações coletivas nos CMEIs.
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Para Deleuze e Parnet (1998, p. 02-03), “[...] devires são geografia, são orientações,
direções, entradas e saídas […]. Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um
modelo, seja ele de justiça ou de verdade. Não há um termo de onde se parte, nem um ao qual
se chega ou se deve chegar”.
Assim, a pesquisa desejava o que estava em devir, desejava “mergulhar na geografia
dos afetos” (ROLNIK, 2007), na geografia das redes de conversações que emergiam no CMEI
“Alegria” não para representar, explicar ou revelar uma face oculta do currículo com novos
modos de saber e fazer as práticas curriculares. O interesse foi de entender como esses
processos emergiam, como constituíam territórios, desmantelavam outros e criavam novas
formas de reterritorializar suas perspectivas.
As redes de conversações que ajudavam a pulsar aquelas vidas eram pontes de
linguagens que potencializavam a criação de mundos, ou seja, a construção de realidades
sobre a Educação Infantil. Fui buscando entender pelo DevirConversasDocentes os
agenciamentos do desejo de saber e fazer o currículo, e os processos formativos docentes, a
partir de uma perspectiva coletiva, criativa e criadora.
Os agenciamentos do desejo de saber e fazer o currículo e os processos formativos
pelo viés coletivo e ativo só se faziam perceptíveis quando observados pelos traçados das
“linhas dos afetos, da simulação e organização de territórios” (ROLNIK, 2007).
Nesse sentido, algumas dessas linhas são notadas durante a rede de conversações
estabelecidas em um de nossos momentos de formação continuada no dia 24/08/2010. O
grupo estava reunido discutindo sobre o Projeto Político Pedagógico do CMEI, e vários
assuntos estavam em pauta quando a diretora problematizou a utilização do brincar para o
auxílio na aprendizagem dos alunos:
Quando eu estava na sala de aula, tinha horas que eu reparava que as crianças não estavam
mais interessadas no que eu estava falando, tinham perdido o interesse pela atividade. Aí, eu
parava e colocava todo mundo para brincar, separava os grupinhos e deixava que eles
brincassem por uma hora, depois retomava a atividade. Olha, dava pra ver como rendia muito
mais. Hoje, como diretora, fico andando pelo CMEI e me perguntando como o brincar está
ajudando no processo de aprendizagem das crianças. Agora que temos os dinamizadores de
Educação Física e de Artes, muitas pessoas pensam que o brincar agora só pertence a eles.
Mas, e nós, que estamos na sala de aula, que tempo temos destinado para o brincar? Como os
brinquedos estão sendo utilizados para ajudar a despertar o interesse dos alunos pelos
conhecimentos que nós oferecemos?”(Diretora)
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“Eu entendo e considero a importância do brincar, mas uma coisa me preocupa muito: o
brincar deve estar colocado e muito bem colocado em nosso currículo, por que os pais não
querem que eles só brinquem, acham que o brincar é só para as professoras ficarem a toa.
Mas, no fundo no fundo, querem conteúdo, querem dever de casa. Sabe por que eu estou
colocando isso? Quando nós vamos ler nossas avaliações para os pais, quando vamos ressaltar
algo sobre as brincadeiras e as interações de seus filhos durante o brincar eles questionam o
que é que isso tem a ver com a aprendizagem. Eles falam assim: ‘Mas, na hora do dever, ele faz
direitinho?’” (Professora Fernanda).
“Sei que, com esta rotina e fragmentação toda, sinto falta de ver as crianças brincarem. Sinto
falta de ver as brincadeiras de roda, de amarelinha. Neste ano, quem aqui brincou de roda com
seus alunos levanta a mão” (Diretora).
Nesse momento, todas as professoras levantaram as mãos.
“Às vezes essa falta que você sente pode ser explicada. Neste ano, levei minhas crianças lá para
o pátio para brincar, cantamos “a linda rosa juvenil”, “periquito maracanã”, mas depois de um
certo tempo as crianças já estavam enjoadas, cansadas. Eu penso que temos que considerar
também que outras coisas chamam a atenção das crianças. Elas falam: “Ah, tia, agora chega,
deixa a gente brincar de mãe e filha?”. Então, gente, eu mesma levo muito em consideração as
coisas que as crianças querem. Faço um trabalho pedagógico, tento resgatar cantigas
folclóricas, brincadeiras populares, mas tenho a noção que outras coisas estão interessando
mais as crianças. Será que temos que desconsiderar que elas estão interessadas por brincar
com jogos no computador, por exemplo? Acho que a escola precisa fazer uma comunicação
entre seus interesses e os interesses dos alunos” (Professora Emanuele).
O DevirConversasDocentes, traçado pelo grupo reunido em formação, permite
cartografar uma linha dos afetos que a partir das intensidades provocadas pelo brincar
agenciam outros modos de aprender, modos que interessam às crianças, e não apenas a
professores e pais. Quando a diretora diz que deixava as crianças brincarem para depois
retomar suas atividades e percebia que assim o rendimento de suas aulas era maior, pode
associar ao fato de que o brincar na sala de aula agencia o desejo de aprender pelo viés dos
afetos.
De forma invisível e inconsciente, a linha dos afetos, segundo Rolnik (2007, p. 49)
[...] é um fluxo que nasce “entre” os corpos: ora veloz, apressada, elétrica,
ora lenta e lânguida (sua longitude); ora exuberante, viçosa, brilhante, ora
cansada e esmaecida; ora desenvolta, enérgica, ora tímida e vacilante, ora
fogosa, incandescente, ora apagada e fria; ora revoltada, trepidante,
turbulenta, convulsiva, acidentada, ora estável, compassada, homogênea,
lisa e até monótona... (sua latitude).
Nesse fluxo das intensidades produzidas entre o encontro do corpo lúdico da
brincadeira e do corpo pedagógico dos saberes escolares, as crianças e professoras vão criando
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linhas de fugas para uma educação mais atrativa, prazerosa e agradável. Vão traçando linhas
de fuga da dureza dos saberes escolares e dão passagem para os afetos que escapam e que
potencializam a produção de conhecimentos, de linguagens e de novos afetos, configurando
um novo território de ensinar e de aprender.
Isso tem a ver com o que Rolnik (2007, p. 49-50) fala sobre o surgimento de novas
atrações e repulsas; “afetos que não conseguem passar em nossa forma de expressão atual,
aquela do território em que até então nos reconhecíamos”, desenham linhas de fuga, um
DevirBrincarAprender que “operam imperceptivelmente; mutações irremediáveis” e, assim,
criam um nova realidade para os processos educacionais.
Em meio à linha dos afetos está a linha da simulação, que desenha o desejo de um
novo modo de saber e fazer o currículo escolar por meio de sua dupla face. Suas faces se
compõem pelos movimentos de territorialização e desterritorialização. Rolnik (2007, p. 50) ao
problematizar a linha de simulação destaca uma característica importante: “Ela está sempre
prestes a oscilar na direção do fluxo puro e desencantar a matéria, provocando desabamento
de território”.
Assim, quando a professora Fernanda ressalta a importância de ter bem definido no
currículo da escola, os modos como o brincar é percebido pelos professores e como auxilia no
processo de aprendizagem dos alunos, pode-se notar que a ambiguidade da linha de simulação
traçada pelos agenciamentos sobre o brincar, gera uma angústia em professores e pais.
A angústia apresentada na fala da professora – “Quando nós vamos ler nossas
avaliações para os pais, quando vamos ressaltar algo sobre as brincadeiras e as interações de
seus filhos durante o brincar eles questionam, o que é que isso tem a ver com a aprendizagem”
– está relacionada com a preocupação de que o brincar seja algo mantido na Educação Infantil
como algo que preserva a vida e que não a desagrega dos saberes da escola e que, esteja
sempre em devir, se desterritorializando.
E esta angústia tende a aumentar ainda mais, pois, há um outro lado que tensiona
sua prática pedagógica e a linha de simulação criada pelo brincar. Quando a docente fala “os
pais não querem que eles só brinquem, acham que o brincar é só para as professoras ficarem à
toa, mas no fundo no fundo querem conteúdo, querem dever de casa”, o que se destaca é o
medo da perda de credibilidade e de legitimidade de sua função professora, e com isso, a
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tendência é a fixação de práticas e saberes, como proposto por ela “o brincar deve estar
colocado e muito bem colocado em nosso currículo”, como um modo de definir um território
específico para o brincar dentro do currículo.
A tensão vivida e relatada pela professora Fernanda, segundo Rolnik (2007, p. 51)
“gera uma tentativa, sempre recomeçada, de abolição da ambiguidade. É isso que vai definir
as diferentes estratégias do desejo. É em torno disso que se fazem todos os dramas, todas as
narrativas, todas as personagens, todos os destinos, todo tipo de educação” (grifo nosso).
As tentativas de se optar por uma das faces da linha de simulação dentro da escolas
podem ser consideradas um fator de risco para a configuração de novos mapas curriculares e
de paisagens coletivas, haja visto que os movimentos de territorialização e desterritorialização
de práticas e dos agenciamentos de desejo de aprender, são responsáveis por desprender as
máscaras obsoletas que já não dão passagem para a vontade de ensinar e aprender de
professores e alunos, e também são responsáveis por captar as partículas soltas de afetos
(como o brincar) e gerar novas máscaras para os processos educativos na infância.
Com base nos movimentos incessantes de territorialização e desterritorialização, a
professora Emanuele destaca uma linha de organização de novos territórios para o brincar e o
aprender em suas aulas. Quando fala que tenta resgatar cantigas e brincadeiras populares,
mas percebe que outros modos de brincar estão interessando às crianças, pode-se considerar
que o “antigo” modo de brincar pode estar preso a uma máscara obsoleta: esses tipos de
brincadeiras podem não estar dando passagem para os afetos dos alunos. O movimento das
crianças apontado pela professora – “Ah, tia, agora chega, deixa a gente brincar de mãe e
filha?”– faz pensar que esse novo fluxo da intensidade de aprender pelo brincar está
provocando o desabamento de territórios fixos do brincar na escola, abrindo espaço a
configuração de outros territórios.
Assim, a professora percebe e reconhece a configuração de outros territórios para o
brincar e, consequentemente, para o surgimento de outras práticas curriculares e formativas
no CMEI. Ao indagar – “Será que temos que desconsiderar que elas estão interessadas por
brincar com jogos no computador, por exemplo? Acho que a escola precisa fazer uma
comunicação entre seus interesses e os interesses dos alunos” – a docente faz pensar que os
territórios formados na Educação Infantil não são fixos e que se desmancham com o passar de
novos afetos, com o movimento de atração e de repulsa dos corpos. Isso gera novas
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possibilidades de ensinar e de aprender, e dá relevância para o papel da escola em comunicar
seus interesses com os interesses dos alunos.
Para Rolnik (2007, p. 51) a organização desses territórios se faz importante porque
[…] cria roteiros de circulação de mundo: diretrizes de operacionalização
para a consciência pilotar os afetos. Ela é finita, porque finita é a duração
dos territórios e a funcionalidade de suas cartografias. Sempre escaparão
afetos aos territórios e isso, mais cedo ou mais tarde, decreta seu fim.
Nesse contexto, o DevirConversasDocentes, que surgiu nas redes de conversações,
durante aquele momento de formação continuada, foi traçando os movimentos das linhas de
afetos, de simulação e de organização de territórios, desenhando alternativas para que os
professores formulem suas próprias questões sobre as práticas educativas que circulam no
CMEI “Alegria”, a partir das experiências narradas e vividas por eles. Os movimentos dessas
linhas foram cartografando outros modos de saber e de fazer o currículo escolar pela
configuração de mapas curriculares ativos e pela elaboração de paisagens coletivas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões aqui estabelecidas basearam-se em tentativas de vislumbrar pelas
experiências narradas e vividas pelos professores ações coletivas e outros modos de “saber e
de fazer” o currículo escolar pelo viés da micropolítica no CMEI “Alegria”. Assim, o contexto da
pesquisa foi tecendo debates sobre a elaboração de mapas curriculares ativos, que fogem aos
binarismos “certo/errado”. Os momentos de formações (tanto formais quanto informais)
buscaram compreender os agenciamentos no desejo de compartilhar e de conhecer outras
experiências como formações coletivas e como possibilidades de problematizar os processos
curriculares e formativos para a configuração das paisagens coletivas. Isto posto, as redes de
converssações promovidas no CMEI “Alegria” indicavam várias possibilidades de se criar mapas
curriculares ativos, de se criar pontos de politização para o currículo escolar e para a formação
continuada de professores pelo DevirConversasDocentes, potencializando a simulação e
organização de territórios existenciais micropolíticos para as práticas educativas a partir das
experiências narradas e vividas pelos professores.
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Guerra Neto e Célia Pinto Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995.
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AS TICs E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O CURRÍCULO DA
EDUCAÇÃO INFANTIL
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DUARTE, Alzelir Maria70
SILVA, Lidiane Josefa da
RESUMO
Partindo do pressuposto de que as TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) estão
cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, constituindo assim, uma importante fonte
de conhecimento. Entretanto, sua inserção nas instituições de ensino, sobretudo nas de
educação infantil, ainda enfrenta desafios que dificultam sua incorporação pedagógica. É nesse
enfoque que esse artigo se firma ao discutir o papel do currículo enquanto conjunto
determinante para a prática educativa em meio a essas tecnologias.
Palavras-chave: Educação Infantil, currículo, TICs, aprendizagem.
ABSTRACT
Assuming that the ICT (Information and Comunication) are increasingly present in daily life,
thus constituting an important source of knowledge. However, their inclusion in educational
institutions, especially in early childhood education still faces challenges that hinder their
incorporation into teaching. It is this approach that this Article is established to discuss the role
of the curriculum together as a determinant of educational practice in the midst of these
technologies.
Keywords: Early childhood education, curriculum, ICT, learning.
INTRODUÇÃO
A relação entre adulto e criança traz para a educação um campo amplo de estudo.
Nesta relação dentro da instituição educacional existem vários fatores que intervém no
cotidiano e na forma como o currículo é abordado. Sendo assim, um dos fenômenos que a
cada dia vem ganhando espaço e modificando o ambiente escolar são os aparatos
tecnológicos. São instrumentos (computador, celular, TV e DVD, etc.) que ao invadirem o
espaço escolar trazem desafios, primeiramente para o currículo e seguido de uma questão:
adaptar-se para abordar as novas tecnologias ou ainda tentar fazer com que as tecnologias
adaptem-se ao currículo escolar? Além dessa questão ainda existe outra, a qual nem sempre é
69
Trabalho orientado por Patrícia Gomes de Siqueira, professora substituta no curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Pernambuco – CAA– Núcleo de Formação Docente (UFPE/CAA/NFD). E-mail: [email protected]
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possível chegar a uma resposta. Afinal, como fica o currículo da EI (Educação Infantil) numa
abordagem tecnológica da era da informação? Deve-se negligenciar o fato de que as crianças
também têm acesso às tecnologias? Discuti-se o currículo nesta “instância educacional”?
Quando se fala em “instância educacional infantil” entende-se que esta não seja uma
categoria estática, mas, que de maneira particular a concepção de infância vem mudando
historicamente e este é mais um momento decisivo para tal abordagem. Kenski (2007) chama
a atenção quando diz:
Desde pequena, a criança é educada em um determinado meio cultural
familiar, onde adquire conhecimentos, hábitos, atitudes, habilidades e
valores que definem a sua identidade social. A forma como se expressa
oralmente, como se alimenta e se veste, como se comporta dentro e fora de
casa são resultados do poder educacional da família e do meio em que vive.
Da mesma forma, a escola também exerce o seu poder em relação aos
conhecimentos e ao uso das tecnologias que farão a mediação entre
professores, alunos e os conteúdos a serem aprendidos. (KENSKI, 2007, p.
19)
Nessa perspectiva, os estudos sobre crianças em idade escolar apontam que a
criança não é um ser isolado, nem independe da cultura para seu crescimento, mas que esses
fatores vão nortear seu entendimento de como é constituída a sociedade e isto vai direcionar
sua forma de agir nesta. A infância é uma fase de aprendizagens. Antes mesmo de se
expressarem pela linguagem verbal, bebês e crianças são capazes de interagir a partir de
outras linguagens, desde que acompanhada por parceiros mais experiente.
Quando falamos em parceiros mais experientes entra em cena o papel do pedagogo
na EI e o funcionamento das creches e pré-escolas como espaços que propiciam essa interação
de educando e educador. De acordo com o RCNEI:
A instituição deve criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e
confiança às crianças, garantindo oportunidades para que sejam capazes de
(...) relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus
professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas
necessidades e interesses. (1998, p.28)
Essas crianças ao serem inseridas nas instituições de ensino já trazem aprendizagens
diversas. A televisão é uma das mediadoras das informações adquiridas pelas crianças, uma
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Graduandas em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CAA e bolsistas PET/MEC/SESu/DIFES;
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vez que estas passam grande parte do seu tempo assistindo a desenhos animados, programas
infantis, etc. Com isso, ao entrarem na escola já carregam consigo algumas percepções de
mundo. “Independentemente do uso mais ou menos intensivo de equipamentos midiáticos
nas salas de aula, professores e alunos têm contato durante todo o dia com as mais diversas
mídias.” (KENSKI, 2007, p. 85)
A INTERFERÊNCIA DAS TICs NA ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR
Pensar o currículo na educação infantil é um desafio, pois ele não aborda
diretamente conteúdos, mas o que acontece são campos de saberes que são articulados e que
trazem para as crianças uma perspectiva de aprendizagens, principalmente quando se fala de
novas tecnologias. Os avanços tecnológicos têm invadido nosso cotidiano e se expandido pela
sociedade, provocando mudanças significativas, sobretudo no âmbito educacional.
As
chamadas TICs trazem para a escola e para os sujeitos, envolvidos nela, várias possibilidades e
também um dilema: o de aderirem aos seus instrumentos ou de manter-se fora dessa nova era
da informação. Constituindo assim, uma nova margem de excluídos, os marginalizados da
sociedade da informação.
Nesse sentido, as instituições de Educação Infantil, sejam elas, creches ou préescolas, tem se deparado com um desafio pela frente, o de fazer com que o currículo da EI
traga para seu contexto essas novas descobertas do mundo globalizado. Além de permitir que
esses recursos tecnológicos sejam inseridos no cotidiano escolar de forma abrangente e
facilitador das informações e das aprendizagens sem trazer mais exclusão. Este é um desafio
que o currículo como instrumento organizado, o qual visa a socialização de saberes adquiridos
historicamente e transformador da realidade traz. Nas palavras de Matos Vilar, currículo é:
“uma construção histórica e socialmente determinada; e se refere sempre a uma prática
condicionadora do mesmo e da sua teorização. (VILAR apud KRAMER 1997, p. 12)
A proposta do RCNEI e das DCNEI
De acordo com o RCNEI – Referencial Curricular para Educação Infantil – elaborado
pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1996. Um dos objetivos pautados nesse
documento no que diz respeito à influência das tecnologias, está o seguinte: orientar o
trabalho do profissional de EI em seu fazer docente e só aborda as questões tecnológicas como
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um meio de interação apenas fora do âmbito escolar, colocando seus instrumentos como
interventores na construção da personalidade e identidade.
Além do modelo familiar, as crianças podem constatar, por exemplo, que
nas novelas ou desenhos veiculados pela televisão, homem e mulher são
representados conforme visões presentes na sociedade. Essas visões podem
influenciar a sua percepção quanto aos papéis desempenhados pelos
sujeitos dos diferentes gêneros. (RCNEI, 1998, P.20)
É observado que este é o único momento que as tecnologias são citadas, apesar de
considerar importante na formação da personalidade das crianças. Este tema é negligenciado
considerando que o único instrumento tecnológico que as crianças possam ter acesso é a
televisão. E sua influência se daria apenas na questão da vivência com a sexualidade e sua
compreensão sobre gênero.
Já nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) a tecnologia é
abordada nos aspectos relacionados ao conceito de currículo. Porém é preciso propor políticas
que evidencie de forma significativa este tema.
Quando pegamos, por exemplo, a brincadeira do faz de conta, é notável a presença
de algum elemento tecnológico. Em geral, as crianças imitam os adultos no seu cotidiano; a
conversa no celular, sendo esta a principal fonte de inspiração para essa brincadeira; fazer de
qualquer caixa um computador e começar a escrever, fechar as mãos para fingir que é um
microfone. São elementos presentes no cotidiano das crianças de idade pré-escolar ou nas
creches sendo que as primeiras ainda são bem habilitadas para os jogos de computadores.
Portanto, é fato que os instrumentos tecnológicos são atraentes para essa faixa etária em
especial. Assim, falar de currículo de EI sem aborda este tema como mecanismo ativo na
construção da identidade desses sujeitos, deixa claro a falta de atenção com essa área de
relevante contribuição para uma educação de qualidade.
Dentro dessa perspectiva, uma nova preocupação surge com a interferência dos
meios de comunicação digital. As unidades de educação infantil dividem a atenção dos alunos
com esses recursos tecnológicos.
Cabe, então, ao professor converter essa invasão
tecnológica a favor da educação. Nesse sentido, Almeida (2005) sinaliza que:
O professor que associa a TIC aos métodos ativos de aprendizagem
desenvolve a habilidade técnica relacionada ao domínio da tecnologia e,
sobretudo, articula esse domínio com a prática pedagógica e com as teorias
educacionais que auxiliem a refletir sobre a própria prática e a transformála, visando explorar as potencialidades pedagógicas da TIC em relação à
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aprendizagem e à consequente constituição de redes de conhecimentos.
(ALMEIDA, 2005 p.72)
É preciso, portanto, haver uma mediação entre o professor, o aluno e as tecnologias
nesse processo interativo de aprendizagem que venha promover uma educação de qualidade.
De acordo com a revista Educação e Sociedade (1997) “Um novo currículo é um
convite, um desafio, uma aposta. Uma aposta porque, sendo parte de uma dada política
pública, contém um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e
de cultura.” A partir deste olhar é notável o quanto a criança tem um papel atuante quando se
pensa num projeto educacional com elas e eles como sujeitos criadores de culturas e
transformadores de mudanças na vida dos adultos que os rodeiam e observam.
CONSIDERAÇÕES
De fato não é novidade a invasão das tecnologias no contexto social. Elas estão aí
ocupando espaços antes inimagináveis. Agora somos nós que temos que nos adequar as suas
inovações. Por esse motivo as instituições de ensino, sobretudo, as infantis possuem o desafio
de incorporá-las ao seu currículo desde já, uma vez que as crianças estão cada vez mais em
contato com tais recursos. Para tanto, o uso das tecnologias na sala de aula deve ser muito
bem programado pelo professor para que essa troca de informações entre objeto tecnológico
e aprendiz se dê de forma a transformar informação em conhecimento.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Tecnologias na escola In: Integração das
Tecnologias na Educação. Secretaria de Educação à Distância. Brasília: Ministério da Educação,
Seed, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental.
Referencial curricular nacional para a educação infantil /Ministério da Educação e do
Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998.
KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP:
Papirus, 3 ed. 2007.
KRAMER, Sonia; Educação e sociedade, ano XVIII, nº 60 dezembro / 97
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PACHECO, José Augusto e PEREIRA, Nancy. Globalização e identidade no contexto da escola
e do currículo. Cad. Pesqui. [online]. 2007, vol.37, n.131, pp. 371-398. ISSN 0100-1574.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
ESTÁGIO EM EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO
DOCENTE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Luciana Bento da Silva
Graduanda do Curso e Pedagogia da UFCG/CFP
[email protected]
Resumo
O presente trabalho apresenta análises das atividades desenvolvidas na disciplina Estágio
em Educação Infantil do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da UFCG/CFP, o estágio
em educação infantil é de suma importância para o desenvolvimento contínuo de formação
docente. Consiste em um momento de articulação de todos os conhecimentos construídos
no decorrer do curso com a realidade da sala de aula. Inicialmente foi observados aspectos
da sala de aula de onde iria se realizar o estágio, dentre os quais a relação professor-aluno, a
metodologia utilizada pela professora e o comportamento das crianças em sala de aula, bem
como o espaço físico da instituição, os recursos didático-pedagógicos e humanos. Após as
observações foi realizada a intervenção, num período de quinze dias, com o objetivo de
concretizar os conhecimentos adquiridos como discente do curso de Pedagogia. Para o
cumprimento do mesmo foram elaborados planos de aulas, os quais continham atividades
lúdicas e interdisciplinares e música, pois a partir do diagnóstico da escola foi possível
perceber que algumas crianças necessitavam que sua participação nas atividades fosse mais
estimulada e que a música era o que mais as chamavam atenção. Esta experiência me
promoveu várias reflexões e aprendizagens, dentre elas a confirmação de que não é possível
uma prática docente competente e sólida se não houver conhecimentos teóricos
consistentes.
Palavras-chave: educação infantil, relação professor/aluno, música, e estágio.
Neste texto encontram-se informações referentes ao diagnóstico que foi realizado no
período de vinte e um a vinte e quatro do mês de março do ano de dois mil e onze, como
também, as intervenções realizadas durante o período de vinte e cinco do mês de abril a treze
de maio do ano de dois mil e onze. Enfatizando que, tanto o diagnóstico como a intervenção se
deu no período da tarde.
O estágio de observação e intervenção se realizou na Creche Municipal São José,
localizada na Avenida Joca Claudino, nº 403, bairro Belo Vista, na cidade de Cajazeiras - PB. A
mesma está situada dentro do Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente-CAIC.
Nesses dias foram observados aspectos como a relação entre professor e aluno, a
metodologia utilizada pela professora e o comportamento das crianças em sala de aula; bem
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
como o espaço físico da instituição, os recursos didático-pedagógicos e humanos, o
planejamento e a avaliação educacional e o Projeto Político Pedagógico.
Após as observações sucedeu-se a intervenção. Esta experiência oportunizou
vivenciar que não é possível uma prática docente competente e sólida se não houver um bom
conhecimento teórico, como afirma Pimenta:
[...] o estágio, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática,
mas teórica, instrumentalizada da práxis docente, entendida esta como
atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular
é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção
na realidade, esta, sim, objeto da práxis [...]. (2004, p. 45).
Nessa perspectiva, nota-se que a relação entre teoria e prática é indissociável, pois
uma não existe uma sem a outra, para tanto se faz necessário que ambas se concretizem
simultaneamente. Foi possível esta compreensão no momento em que sempre recorria às
leituras obtendo embasamento teórico para validar a prática.
A primeira semana de intervenção se deu de vinte e cinco a vinte e nove do mês de
abril do ano de dois mil e onze, e na qual a turma estava recebendo a nova professora que foi
observada durante toda a intervenção.
Foi na verdade um período de adaptação entre os alunos à nova professora, o que
possibilitou perceber a carência afetiva por parte da maioria dos alunos. Quanto à socialização
se deu através de música, pois era o que as crianças mais gostavam de fazer. Entretanto, para
que houvesse a participação dos alunos na realização das atividades escritas foi preciso mais
acompanhamento e insistência para que os alunos pudessem realizá-la. A partir daí foi possível
atingir o objetivo previsto com a maior parte da turma.
No decorrer da semana dois alunos não quiseram participar das atividades.
Possivelmente uma das causas se dava pelo fato de estarem acostumados a ficar apenas
brincando no horário da tarde, por causa da frequente ausência da professora.
Foi trabalhada a história de “João e Maria” durante a semana toda, sendo que a cada
dia mudava-se a metodologia, o que atraia mais ainda a atenção da turma e, ao mesmo
tempo, despertava-se o interesse das crianças em fazer parte das constantes rodas de
conversas, bem como da contação de história e cantiga de roda.
No final das aulas indagava-se junto aos alunos: ”O que vocês aprenderam hoje na
aula?” Os mesmos respondiam que tinham aprendido sobre as respectivas letras, músicas,
parte do corpo e outros. Isso demonstrava que a intervenção estava paulatinamente se
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realizando de forma exitosa. Com relação aos conteúdos explorados em sala de aula foram
enumerados os seguintes: nome próprio, conto, reconhecimento das letras do nome no conto,
alfabeto maiúsculo e minúsculo, identificação de início e final nas palavras, sendo que os
mesmos estavam relacionados à área de conhecimento da Linguagem Oral e Escrita; Cores
primárias desenho e pintura referente à área de Artes Visuais; mapa do corpo humano,
hábitos de higiene e noções de alto e baixo, sendo relacionado à Natureza e Sociedade.
Numerais de zero a cinco e formas geométrica referente à área de conhecimento da
Matemática, como também atividades recreativas relacionadas aos movimentos, tais como:
pular com um pé só, saltar pequenos obstáculos, brincar de amarelinha e brincar de passar
bola por baixo das pernas etc.
No decorrer das aulas, percebeu-se que alguns alunos apresentaram dificuldades em
determinados conteúdos, como identificar os conceitos de “início”, “meio” e “fim”. A partir daí
foi-se trabalhando nessa perspectiva de modo interdisciplinar, que com bastante insistência
começou-se a ver os primeiros resultados.
Quanto ao aprendizado, cada aluno era acompanhado detalhadamente, observandoos. Foi a partir daí que eles iam se desenvolvendo mais nas habilidades orais e nas atividades
que envolviam desenho e pintura do que na escrita. As crianças, a princípio, confundiam as
letras com o símbolo, e os representavam por meio de desenhos, rabiscos e garatujas. Como
explicam Victor Lowenfeld, Herbert Read e Rhoda Kelleg (Apud Ferraz, 2009, p. 100-101), em
seus estudos na Teoria da Autoexpressividade a atividade gráfica torna-se um modo
privilegiado de investigação, pois se trata de construção de linguagem expressiva e simbólica o
qual é reforçado por Zagonel (2008, p. 18):
[...] os alunos podem ter estimuladas todas as suas capacidades inteligentes,
abrangendo uma ampla variedade de domínios, o que nos leva a pensar em
uma educação que não privilegiem apenas o desenvolvimento do
pensamento lógico-matemático, mas o indivíduo no seu todo.
Na segunda semana, que se deu de dois a seis de maio do corrente ano, ouve um
maior progresso junto às crianças com relação ao processo de ensino e aprendizagem, visto
que tendo a música como estratégia introdutória dos conteúdos, foi possível manter mais a
atenção dos alunos e o interesse deles em participar nas aulas tanto teóricas quanto práticas.
Ainda nesta mesma semana dei ênfase à expressão oral das crianças partindo de
sondagem sobre o assunto da aula anterior, o reconhecimento da letra inicial do nome de cada
um, bem como sobre o cotidiano deles. Foi possível observar que cada aluno tem um ritmo
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diferente de aprender, sendo que uns tinham mais facilidade na realização das atividades
escritas e orais, enquanto outros tinham dificuldades, até mesmo em manusear o lápis. Por
isso foi necessário trabalhar tais dificuldades de forma individualizada, de acordo com a
necessidade de cada aluno.
Percebe-se que a cognição da criança é mais desenvolvida a partir do momento em
que se exploram suas particularidades. Isto se concretiza proporcionando-se atividades que
estejam relacionadas à sua realidade, de modo que cada aluno seja capaz de manifestar sua
imaginação e expressividade através de atividades lúdicas. Nesta perspectiva, Vygotsky afirma
que: “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às
funções psicológicas que estão em vias de se completarem”. (Apud REGO, 1995, p. 107).
A última semana se deu do dia nove a treze de maio do ano em curso. Durante esta
semana foi possível verificar o progresso das crianças no tocante a interação, aprendizagem e
socialização das mesmas com relação à realização das atividades que foram desenvolvidas no
decorrer da intervenção.
No que se refere à prática docente foram priorizadas atividades que desenvolvessem
mais habilidades tanto individuais como coletiva, que envolvessem a leitura de texto, noções
de boas maneiras, tais como: ouvir o outro, respeitar o espaço do outro, etc.
Percebeu-se, a partir daí o quanto a turma se envolvia cada vez mais, sendo assim, é
possível afirmar que aprender brincando, também é um significativo instrumento de
aprendizagem, e os alunos demonstraram bem isso, no desenrolar da atividade. Nesta ótica
A discussão de Vygotsky sobre o papel da imitação nos remete à questão da
brincadeira e de sua importância no contexto escolar. [...], a brincadeira tem
uma função significativa no processo de desenvolvimento infantil. Ela
também é responsável por criar “uma zona de desenvolvimento proximal”,
justamente porque, através da imitação realizada na brincadeira, a criança
internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar em seu grupo
social, que passam a orientar o seu próprio comportamento e
desenvolvimento cognitivo. (Idem, p. 113).
Nota-se que quando incluía atividades lúdicas para introduzir um determinado
conteúdo, o mesmo tornava-se mais atrativo e prazeroso para os alunos.
Considerações Finais
Ao concluir a intervenção, percebi uma grande mudança nos alunos e em mim.
Compreendi no exercício do estágio o que significava articular a prática tudo àquilo que se
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aprende na teoria. Neste processo senti algumas dificuldades tais como: ansiedade em virtude
do desejo de que todas as crianças se envolvessem da mesma forma nas atividades, de
respeitar o tempo das crianças, de mediar o diálogo entre elas, de encaminhar a proposta
considerando a dinâmica instituída também pelo grupo e não apenas a partir do que eu tinha
planejado.
A experiência me fez perceber também a importância do domínio dos conteúdos,
pois por diversas vezes tive que retomar aos referenciais teóricos para compreender o que as
crianças produziam e como deveríamos continuar o encaminhamento das atividades. Mas,
apesar das dificuldades encontradas, fiquei muito satisfeita com o envolvimento e a produção
das crianças no desenvolvimento da proposta. Constatei a importância da interação das
crianças entre si e delas comigo na resolução coletiva das situações problemas.
A partir das falas, ações e produções escritas das crianças pude perceber o
desenvolvimento e o conhecimento da aprendizagem significativa. A experiência me revelou
também a necessidade de continuar aprendendo e de refletir sobre o que fazer para aprender
e ensinar na Educação Infantil.
Neste período de intervenção tive a oportunidade de aprender para ensinar,
aprender a conviver, bem como sobre a importância da reflexão para saber fazer, pois cada
criança apresentava sempre uma nova descoberta a todo instante, que me levava a refletir no
desenrolar das aulas.
Com relação às atividades realizadas durante o estágio tais como: os encontros de
orientações às tardes, as leituras, as orientações dadas pelas professoras, e o planejamento,
penso que as aulas foram proveitosas, mas que devem ter início logo no começo do período
para que a turma possa aproveitá-las mais. Quanto às leituras devem ter mais referências e
discussão sobre as mesmas, bem como práticas interdisciplinares, com textos trabalhados em
outras disciplinas para que haja mais interação. Já as orientações oferecidas pela professora
todas foram de muito proveito, pois me propiciou uma aprendizagem significativa em todos os
aspectos no decorrer do estágio.
REFERÊNCIAS
PIMENTA, Selma Garrido. Estágio: diferentes concepções. In: PIMENTA, Selma Garrido. Estágio
e docência. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Docência e Formação. Série Saberes
Pedagógicos). P. 33- 57.
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REGO, Teresa Cristina. Pressupostos filosóficos e implicações educacionais do pensamento
Vygotskiano. In: REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da
educação. 14. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. (Educação e conhecimento). P. 85-118.
ZAGONEL, Bernadete. Arte na Educação Escolar. Curitiba: Ibpex, 2008.
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EDUCAÇÃO POPULAR E EDUCAÇÃO INFANTIL NA
CONSTRUÇÃO DE UM CURRÍCULO BIOCÊNTRICO
Lupércia Jeane Soares71
RESUMO
Este artigo apresenta resultados parciais de uma pesquisa em andamento no mestrado em
educação e tem a finalidade de destacar os elementos constitutivos da Educação Popular na
prática de uma educação voltada para a formação de crianças, formação de sujeitos críticos e
autônomos a partir da Educação Infantil. Buscando perceber a importância de uma educação
para alteridade com vistas no desenvolvimento do sentimento de igualdade, de justiça,
cooperação, compaixão, respeito e afeto na relação que se estabelece com o outro. A
Educação Popular, com seu caráter transformador do pensamento ingênuo em pensamento
crítico e a Educação Infantil com sua característica formadora de novos cidadãos identificam-se
como práticas educativas urgentes para a sociedade contemporânea que se encontra cada vez
mais competitiva e individualista. Este artigo aponta para a necessidade urgente de
acrescentar ao currículo da Educação Infantil, o desenvolvimento da inteligência afetiva
apresentando a Educação Biocêntrica como um paradigma das ciências humanas, cujo
enfoque teórico é o desenvolvimento da afetividade para a superação de toda forma de
discriminação.
Palavras-chave: educação - formação – transformação – alteridade – afetividade
ABSTRACT
This article presents partial results of an ongoing research in master's degree in education and
aims to highlight the constituents of Popular Education in the practice of an education for the
training of children, training of critical subjects and self-employed. Seeking to realize the
importance of education to otherness to develop the sense of equality, justice, cooperation,
compassion, respect and affection in the relationship established with the other. The Popular
Education, with the advantage of transforming the naive thinking on critical thinking and Early
Childhood Education with its characteristic forming new citizens identify themselves as urgent
educational practices in today's society that is increasingly competitive and individualistic. This
article points to the urgent need to add to the curriculum of early childhood education, the
development of affective intelligence by presenting the Biocentric Education as a paradigm of
the human sciences, whose theoretical approach is the development of affectivity to
overcome all forms of discrimination.
Keywords: education - training - processing - otherness - affectivity
71
Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Educação Biocêntrica; mestranda em educação – PPGE/UFPB. E-mail:
[email protected]
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Este artigo busca mostrar as possibilidades concretas de construção de um currículo
para a Educação Infantil a partir dos elementos constitutivos da Educação Popular, ampliando
a discussão para apresentar o campo teórico da Educação Biocêntrica que encontra-se em
pleno desenvolvimento e traz como princípio a afetividade, para ser vista como uma
necessidade imprescindível.
Sendo assim, este artigo apresenta a Educação Popular, a Educação Infantil e a
Educação Biocêntrica como um triângulo equilátero que se completa com os três lados iguais e
significativamente equilibrados.
Educação Popular: educação transformadora
A Educação Popular é entendida, como uma educação libertadora, por sua
característica de revelar a realidade, possibilitando ao sujeito ampliar seu entendimento das
coisas, sentindo-se capaz de questionar os acontecimentos.
Nesse sentido, a Educação Popular é uma prática educativa direcionada à construção
do sujeito consciente, crítico e autônomo. É uma pedagogia pautada no compromisso político
popular e na ética do diálogo, cujos valores para emancipação humana são a igualdade, a
justiça e a felicidade.
A Educação Popular configura uma educação para a vida, preocupada com a
formação humana. Segundo Paulo Freire, o papel da educação é levar o educando a refletir
sobre seu papel na sociedade, repensar sua história e aprender a transformá-la agindo ativa,
consciente e criticamente ao mesmo tempo em que aprende a ler e escrever.
Assim, busca-se construir critérios para uma prática educativa voltada para o
desenvolvimento infantil, proporcionando às crianças uma educação preocupada com a
construção do conhecimento ao mesmo tempo em que desenvolvem a autonomia e
sentimentos de alteridade, desenvolvendo a consciência ética e a afetividade.
É um processo no qual a revelação da realidade parte do entendimento ingênuo,
segundo Paulo Freire. Entendimento este, que é evoluído, portanto, não pode ser desprezado;
é através da prática educativa que dele brota a criticidade. Esse é um dos princípios da
educação popular:
[...] criar uma nova epistemologia baseada no profundo respeito ao senso
comum que trazem os setores populares em sua prática cotidiana,
problematizando-o, tratando de descobrir a teoria presente na prática
popular, teoria ainda não conhecida pelo povo, problematizando-a,
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incorporando-lhe um raciocínio mais rigoroso, científico e unitário.
(GADOTTI, 2001, p.112)
É através da prática educativa que essa proposta se concretiza, a educação promove
a transformação da consciência ingênua em consciência crítica. Através da análise do próprio
cotidiano, os sujeitos modificam sua maneira de pensar e tornam-se sujeitos autônomos e
conscientes, participantes ativos e cidadãos críticos e construtores da sua própria história ao
mesmo tempo em que aprendem a ler e escrever. Portanto, essa concepção de Educação
Popular, segundo Gadotti:
[...] evidencia o papel da educação na construção de um novo projeto
histórico, fundamenta-se numa teoria do conhecimento que parte da
prática concreta na construção do saber e o educando como sujeito do
conhecimento e compreende a alfabetização não apenas como um processo
lógico, intelectual, mas também como um processo profundamente afetivo
e social. (2001, p.111)
Sendo assim, a Educação Popular ultrapassa os limites de uma educação formal,
possui uma dimensão abrangedora. Não se pode pensá-la apenas para a educação de adultos,
uma vez que seus elementos constitutivos: ação transformadora, aprendizagem, compromisso
político, construção do sujeito, crítica, cultura, democracia, diálogo, emancipação, liberdade,
práxis, produção e apropriação do conhecimento, realidade, saberes (MELO NETO, 2008),
podem, seguramente, ser aplicados na educação de crianças.
A Educação Infantil de hoje tem um papel fundamental na formação das crianças no
que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia, da afetividade, do respeito nas relações.
As prioridades atuais da educação se referem à alfabetização dos sentimentos, ao
desenvolvimento da consciência ética. Portanto, o papel da educação já não é mais o mesmo
de anos atrás, é preciso trabalhar as emoções dos educandos, ensinar a viver a se relacionar
com o outro, o outro diferente, o outro que incomoda, todos os outros que surgem em nossas
vidas.
O caráter formador da prática educativa considera o desenvolvimento ético do ser
como fator imprescindível para que o caos não se expanda e que homens e mulheres se
tornem cada dia mais humanos e mudem a história da existência no planeta Terra.
Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de
comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por
tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar
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sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres
humanos longe, sequer, da ética quanto mais fora dela. (FREIRE, 2004, p.33)
E, considerando que a Educação Infantil tem um compromisso com o
desenvolvimento humano e um dos elementos fundamentais da Educação Popular é a
construção do sujeito, encontra-se nesse aspecto um ponto de interseção entre essas duas
áreas da educação.
Nesses processos educativos encontram-se outros pontos de cruzamento como:
produção e apropriação do conhecimento através da valorização da vivência do educando e,
principalmente, pelo estabelecimento de uma relação dialógica, uma vez que o diálogo é
critério imprescindível na prática educativa; o desenvolvimento da autonomia e da criticidade
através de uma prática questionadora e, primordialmente, a construção da aprendizagem
como um processo que se preocupa com o pensar, o sentir e o agir com consciência.
Uma educação que prioriza a construção do sujeito capaz do olhar para o outro e
desenvolver um sentimento de compromisso, de justiça, de igualdade, de afeto, de respeito. É
essa educação que a sociedade contemporânea necessita.
Educação Infantil Popular
O papel da educação básica é fundamentalmente educar pessoas com consciência
ética. Formar cidadãos politizados, preparados para reivindicar por seus direitos sem
desrespeitar os direitos do outro.
Sujeitos críticos e autônomos, conscientes de seus papéis na sociedade e autores das
suas próprias histórias de vida. Questionadores, pesquisadores da verdade encoberta, o que
corresponde ao processo de conscientização. “Ser conscientizado tornou-se, para muitos, ter
um esclarecimento científico da realidade. A noção de conscientização estaria atrelada a um
ato de conhecimento, a uma aproximação crítica da realidade.” (GONSALVES, 2002, p.66).
Formar pessoas inteligentes e felizes, capazes de estabelecer relações saudáveis,
imbuídas de respeito e afeto pela vida do outro. Todas essas características compõem o
currículo da Educação Básica, no entanto, não basta tomar conhecimento da realidade e
buscar seus direitos, tornando-se sujeitos conscientes é preciso ir além dos aspectos
cognitivos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento da afetividade é um componente
imprescindível para a formação de cidadãos conscientes.
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Ninguém pode negar a importância da Educação Básica para a formação da
cidadania e como forma de se preparar para o trabalho. Entretanto, muitos
se perguntam para que servem esses anos de estudo. Por isso, saber
distinguir o essencial do secundário é muito importante; saber distinguir o
estrutural do conjuntural é decisivo. E saber aonde queremos chegar é
crucial. Educar para quê? Com que mundo sonhamos? Como educar para
um mundo possível? A Educação Básica é conseqüência de um longo
processo de compreensão/realização do que é essencial, do que é
permanente, e do que é transitório para que um cidadão exerça
criticamente a sua cidadania e construa um projeto de vida, considerando
as dimensões individual e coletiva, para viver em sociedade. (GADOTTI,
2007, p. 14).
Sendo assim, a Educação Infantil é a base dessa proposta e precisa ser entendida
como uma prioridade imprescindível. Uma educação libertadora na Educação Infantil só será
possível se houver a conscientização das:
[...] dimensões fundamentais do ser humano: a criatividade, a solidariedade,
a imaginação, a própria liberdade! [...] A formação para a liberdade exige
dedicação e método. Mas, ao mesmo tempo, flexibilidade e abertura para
interagir construtiva e criticamente com o ambiente social.” (FLEURI, 2002,
p. 25).
Outro aspecto importante a ser considerado nesse processo, é o desenvolvimento da
autonomia do indivíduo, o que caracteriza, fortemente, uma Educação Popular. “Ser
autônomo é poder elaborar suas próprias leis, compreender as conexões que se realizam no
interior do seu próprio pensamento.” (GONSALVES, 2002, p. 73).
Nesse ponto, é preciso um alerta, ensinar para a autonomia sem uma orientação
para alteridade pode formar crianças individualistas a partir do momento que aprendem a
fazer sozinhas, rejeitam a cooperação, se negando a ajudar o outro; ou competitivas buscando
fazer primeiro ou melhor que as outras; podendo ainda tomar decisões de não ajudar os
colegas porque eles precisam aprender a fazer sozinhos.
Enfim, será necessário direcionar um olhar criterioso para a formação dos conceitos,
caso contrário não haverá uma educação para a vida. Esse cuidado com o bem coletivo deve se
tornar matéria escolar, uma vez que o desenvolvimento da autonomia tem o sentido de
cooperação e não o contrário.
O objetivo principal é educar para autonomia e para alteridade e assim, construir
aprendizagens para a vida. Aprendizagens que, de fato, preparam para a vida, são as que
ultrapassam os conhecimentos conteudistas, desenvolvendo inteligências afetivas em que
crianças aprendem a ser companheiras e altruístas.
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A ciência do respeito
Promover a aquisição ou produção do conhecimento científico, buscando explicar
uma realidade, significa antes de tudo, respeitar a vida. Tudo o que existe tem uma razão de
ser e encontrar essas razões exige uma ação de respeito e cuidados para não destruir o
equilíbrio da vida.
Produzir conhecimento científico na escola, formando crianças, jovens ou adultos
conscientes de sua participação na conservação do meio ambiente é uma necessidade urgente
e compreende a construção do sujeito.
A formação de sujeitos autônomos e críticos deve partir da consciência da totalidade,
caso contrário estaremos formando pessoas individualistas, preocupadas apenas com o seu
bem-estar e capazes de cometer atos de desrespeito com o outro a favor de si mesmos. “A
responsabilidade maior que temos, acadêmicos e cientistas, é a de educar. Para entender e
transformar o mundo. Para torná-lo mais justo e igualitário.” (CANDOTTI, 1999, p. 21-22).
O papel da educação é o de ensinar como descobrir a verdade das coisas a partir da
curiosidade e mudar a realidade buscando melhorar o mundo, ensinar que a transformação
dessa realidade deve se dá em conjunto “envolvendo conhecimento (científico), inteligência,
afetividade, subjetividade, desejo numa palavra: saber/sabor/sabedoria” (CALADO, 1998, p.
128).
Essa construção ou transformação de mentalidade em relação ao conhecimento
científico considera evidentemente, o respeito como componente fundamental. Respeitar a
vida é uma questão cientifica e ética; a razão e a emoção são aspectos interdependentes e
compõem a consciência da totalidade.
O conhecimento da totalidade significa compreendermos que somos apenas uma
parte que compõem o universo; o reconhecimento da responsabilidade pelo outro, por
compreender que o todo é composto pelas interrelações entre todos os seres, e jamais será
considerado todo se o olhar for direcionado às partes.
Isto sabemos.
todas as coisas estão ligadas
como o sangue
que une uma família...
Tudo o que acontece com a Terra,
acontece com os filhos e filhas da Terra.
O homem não tece a teia da vida;
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia,
ele faz a si mesmo.
(TED PERRY apud CAPRA, 2006, p. 9)
Educação Biocêntrica e a prática educativa
A Educação Biocêntrica é um novo paradigma das ciências humanas, é uma
concepção educacional que privilegia “cultivar a afetividade para superar toda discriminação
social, racial ou religiosa” (GONSALVES, 2009, p.75). Para Rolando Toro, criador desta teoria, é
imprescindível resgatar o gosto de viver e o respeito à vida, assim como o desenvolvimento da
afetividade e da consciência ética.
A afetividade é uma afinidade que nos move em relação ao outro, é por meio dela
que as relações tornam-se melhores. Para Toro (2008), a afetividade é a expressão da nossa
identidade, a qual se define nas relações. Na escola, muito se vê e se ouve falar em violência
entre os alunos, agressões físicas e morais, entre outras atitudes que já estamos nos
acostumando a conviver; fora da escola a violência está sendo banalizada. É gritante a falta de
cuidados entre si, crianças que estão construindo conceitos destrutivos a respeito da vida;
adultos que não sabem amar.
A educação tem o papel fundamental de preparar para a vida e não é apenas uma
questão cognitiva, trata-se do desenvolvimento da afetividade e a escola é o espaço de unir a
cognição com a afetividade para construir conhecimentos e valores, construir “a aproximação
delicada à realidade do outro” (RESTREPO, 2001, p. 36).
Dissociar a afetividade do cotidiano escolar é negar as relações de amizade e
companheirismo; de conflitos e desavenças que acontecem na rotina da convivência.
Ambientes dissociados da emoção afetiva gera competitividade e agressividade, o que
dificulta, inclusive, a aprendizagem dos tão exigidos conteúdos escolares.
A afetividade está profundamente enraizada na identidade de cada
indivíduo. Os transtornos da auto-estima (sentimentos de inferioridade ou
superioridade) impedem as expressões naturais da afetividade como o
amor, o altruísmo, a amizade ou a maternidade. Os indivíduos cuja
identidade está alterada não conseguem “identificar-se” com outro, e seu
comportamento é defensivo, intolerante ou destrutivo (TORO, 2008, p.72).
É partindo desse ponto de vista que a Educação Biocêntrica enfatiza a importância do
desenvolvimento da inteligência afetiva que é a integração entre consciência e afetividade.
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Não se despreza o desenvolvimento cognitivo, sugere-se a articulação deste com a consciência
ética. Rolando Toro diz que a dissociação da inteligência e da afetividade prepara pessoas
inteligentes capazes de articular ideias de destruição e espalhar o sofrimento sem nenhum
pudor (TORO, 2008).
Essa articulação entre inteligência e afetividade, descrita acima, compõe a
consciência ética, associada à ternura, à empatia e ao sentido de justiça. A ética é uma atitude
relacional que deve ser desenvolvida na infância através de uma educação que prioriza a
valorização dos sentimentos e o estabelecimento do vínculo afetivo.
A consciência ética, segundo Rolando Toro, se gera na infância e desaparece nas
atitudes durante o processo de desenvolvimento humano:
O organismo humano possui condições inatas para a expressão da
consciência ética, mas durante seu desenvolvimento tende a desaparecer,
devido à cultura egoísta. O individualismo anglo-saxão e a ansiedade do
poder anulam totalmente a consciência ética. (TORO, 2008, p. 57).
A ética é o que se pretende desenvolver nos estudantes de hoje, para que sejam
pessoas felizes e preocupadas com o bem estar coletivo, pessoas capazes de articular ideias
em prol da humanidade, capazes de realizar atos de respeito à natureza, de estabelecer laços
duradouros de amizades e vincular-se de forma saudável com o outro.
Aprendizagem e Educação Biocêntrica
Quanto a aprendizagem, a Educação Biocêntrica considera que aprender é um
exercício “da inteligência humana que se opera no campo da afetividade” (TORO apud
GONSALVES; LIMA, 2006, p.19), portanto, a escola não pode separar as crianças de suas
vivências e emoções, aprendizagem se dá quando nos envolvemos afetivamente com aquilo
que queremos conhecer. Para Paulo Freire, ensinar e aprender se dá com alegria.
Sendo assim, a Educação Biocêntrica aponta três níveis de aprendizagem: vivencial,
visceral e cognitivo. Para Rolando Toro, esses níveis estão relacionados e podem influenciar-se
entre si (TORO apud GONSALVES, 2009, p. 46).
O nível cognitivo está relacionado às habilidades mentais que os seres humanos
possuem para aprender. Está relacionado ao que Piaget descreveu em sua teoria do
desenvolvimento cognitivo, em que apresentou suas ideias sobre o processo pelo qual os
indivíduos constroem os conhecimentos, o processo de equilibração das estruturas cognitivas.
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Nessa ideia, Piaget demonstra a importância da interação com o meio para a
aquisição de aprendizagens, é um processo contínuo de adaptação: assimilação e
acomodação, equilíbrio – desequilíbrio – reequilíbrio das estruturas cognitivas que se
modificam a cada nova aprendizagem adquirida e dependem do desenvolvimento biológico do
indivíduo.
O nível vivencial está relacionado à necessidade do organismo de participar intensa e
significativamente da construção do seu próprio conhecimento. O aluno não é espectador
passivo, é construtor ativo. Para Toro, “é na vivência que se grava a experiência. Não é apenas
a memória nem só a cognição” (apud GONSALVES, 2009, p. 47). O papel da escola é fazer
vivenciar as matérias ao invés de apenas informar.
Essa vivência, apontada também por outros autores, teóricos, estudiosos da
educação, está relacionada com a importância da interação dos indivíduos diretamente com o
objeto de estudo, com colegas mais experientes, com os professores. Desde que essa
interação provoque novas aprendizagens.
Vygostky, descreveu em sua teoria sociointeracionista a zona de desenvolvimento
proximal, que consiste na distância entre o que a criança não é capaz de fazer sozinha e o que
já consegue fazer com independência. Relatou que a interação de uma pessoa mais experiente
com a criança em desenvolvimento é fundamental para a construção de novos conhecimentos.
Essa pessoa mais experiente, atua como mediadora entre o sujeito que aprende e a nova
aprendizagem.
Já o nível visceral está relacionado à internalização da aprendizagem, a aprender com
todos os sentidos, o corpo reage aos estímulos da aprendizagem, “facilitando as adaptações”
(TORO in: FLORES, 2006, p. 180).
A aprendizagem, nesse sentido, é um processo auto-organizativo em que “o
indivíduo, frente aos estímulos, transforma-os ativamente, segundo as suas próprias
exigências [...] o conhecimento não se organiza em função das exigências externas, e sim, de
exigências internas, do próprio indivíduo.” (GONSALVES; LIMA, 2006, p.81).
Educação Infantil e Currículo: uma proposta biocêntrica
A educação vem sofrendo modificações ao longo da história, as propostas
pedagógicas são criadas e recriadas à luz de diversas teorias educacionais, todas preocupadas
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
em como fazer a criança aprender mais e melhor, em como tornar o processo de ensino mais
eficaz. Preocupações voltadas para o desenvolvimento cognitivo.
Henri Wallon, foi um dos primeiros teóricos a pensar na pessoa completa (cognição e
emoção) dentro desse processo. Assim, o valor da afetividade vem tomando espaço nas
discussões sobre o ensino e a aprendizagem, no entanto, ainda apresenta-se muitas vezes no
plano teórico. Portanto, Rolando Toro faz uma crítica à educação atual que se preocupa
apenas com o cognitivo esquecendo-se da afetividade como prioridade, esquecendo de
aprender a estar com o outro e respeitá-lo pela beleza de sua existência.
Sendo assim, a prioridade atual é o desenvolvimento da inteligência afetiva e educar
para alteridade, tanto para a educação de crianças como para a educação de adultos. Todos
nós precisamos compreender o outro como participante da construção de nossa identidade e
manter uma relação de igualdade, de compaixão, de afeto e respeito às diferenças. Para
Lévinas (2010), isso significa um verdadeiro encontro com o outro, é preciso ir ao encontro
daquele ou daquela que é e sempre será diferente.
Nesse sentido, o outro é o próximo “O encontro com o Outrem é imediatamente
minha responsabilidade por ele. A responsabilidade pelo próximo é, sem dúvida, o nome grave
do que se chama amor do próximo” (LÉVINAS, 2010, p. 130).
Essa relação de responsabilidade não é um peso, uma obrigação arbitrária, é uma
atitude de afeto, de cuidado, de respeito pela vida do outro que me faz ser quem sou.
Uma educação que prioriza estes aspectos da relação atinge as novas exigências da
sociedade.
Abre-se uma janela e a Pedagogia pode acenar a novas direções, afirmando
a solidariedade, o afeto e a emoção como aspectos essenciais, ao lado da
razão, para que se possa compreender e desenvolver as capacidades pelas
quais homens e mulheres conhecem o mundo de forma mais significativa,
descobrindo a si mesmos e aos outros. (GONSALVES, 1998, p. 225).
Educar para alteridade é desenvolver a consciência ética, é uma construção ou
mudança de valores direcionados à compreensão da totalidade. É urgente instalar no nosso
meio a ideia integrativa, segundo Fritjof Capra (2006), que faz uma comparação da mudança
de valores auto-afirmativos “expansão, competição, quantidade, dominação” para os valores
integrativos “conservação, cooperação, qualidade, parceria” (p. 27).
Os valores de auto-afirmação acarretam na dominação de uns sobre os outros, por
isso a mudança dos mesmos encontra barreiras de resistência, esse tipo de relação constrói as
hierarquias e as pessoas que vivem sob esse paradigma consideram “sua posição de hierarquia
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como parte de sua identidade, e, desse modo, a mudança para um diferente sistema de
valores gera neles medo existencial.” (CAPRA, 2006, p. 28).
A mudança proposta é que crianças cresçam construindo outro pensamento, outros
valores, assim, a hierarquia perde forças e o poder de um não será sobre os outros e sim a
favor de todos, construído coletivamente. “A mudança de paradigma inclui, dessa maneira,
uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes.” (CAPRA, 2006,
p. 28).
Ao aprender a relacionar-se melhor com os colegas e professores, a dar melhores
resposta a tudo o que acontece a nossa volta, o processo de ensino torna-se significativo para
o aluno, ele começa a dar sentido ao ato de aprender. E dar sentido está intimamente
relacionado às nossas escolhas, precisamos ensinar nossas crianças a fazerem suas
escolherem.
A aprendizagem, nesse sentido, é vista como um processo que necessita de uma
vivência.
Transformar a aula em uma vivência pedagógica significa oferecer ao aluno
a possibilidade de aprender na sua corporeidade, mobilizando todos os seus
sentidos para acolher, individual e singularmente, o que é proposto. O
conhecimento não é matéria principal; o mais importante é a criação de
momentos na escola em que o aluno possa aprender vivencialmente, para
depois elaborar cognitivamente (GONSALVES, 2009, p. 116).
O Paradigma Biocêntrico apresenta a necessidade de construir um currículo
reconhecendo que o ambiente educativo é um espaço para ensinar com sentido, é levar as
crianças a aprenderem cognitiva, visceral e vivencialmente, dando ênfase às relações
interpessoais, para o estabelecimento de vínculos afetivos, respeitando e aceitando a
diversidade cultural.
Essa proposta é descrita num quadro explicativo abaixo:
Aspectos do
Ensino
Paradigma Biocêntrico
Ambiente
Diversidade Cultural
Espaço
Coletivo
Contexto
Cooperação
Práticas Acolhedoras
Disposição harmônica dos móveis,
cores, cultivo de jardins, etc.
Criação de espaços coletivos para
professores e alunos para trocas e
diálogos
Incentivo à diferentes formas de
socialização e com-partilhamento de
ideias
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Relações
Horizontais, pessoais e
afetivas
Ênfase
No vínculo
Tempo
Presente
Meta
Viver bem
Epistemologia
Biocêntrica
Formas de saber
Sensível e científica
Conhecimento
Construção e descoberta
Níveis de
aprendizagem
Tipo de
aprendizagem
Cognitivo, vivencial e visceral
Vital
Função docente
Criar situações de
aprendizagem
Alunos
Construtores,
transformadores
Cuidados com as palavras e gestos
Valorização das conquistas pessoais,
práticas que desenvolvam a autoafirmação
Aprender a celebrar as pequenas
conquistas cotidianas.
Exercitar no cotidiano a gentileza e a
solidariedade
Valorização de todas as formas de vida
Valorização de todas as formas de
conhecimento
Incentivo à auto-reflexão a partir do
conhecimento adquirido
Criação de respostas metacognitivas e
pro-ativas
Criação de possibilidades
Elaboração de novas estratégias
metodológicas e de formas de
acompanhamento da aprendizagem
do aluno
Afirmação da identidade a partir da
alteridade
(GONSALVES, 2009, p.82)
Considerações Finais
O que está proposto é colocar em prática vivências que priorizem a beleza de viver
em comunhão com o outro, a urgência da educação é preparar pessoas capazes de amar o
outro, e como dizia Paulo Freire, “amar sem medo de ser piegas”. De nada adiantará buscar
novas propostas pedagógicas que se preocupam apenas com o cognitivo ou com melhores
formas de ensinar se o ambiente não for favorecedor de aprendizagem. Para aprender é
preciso estar feliz e para isso, o ambiente precisa ser acolhedor.
Para Toro, “não há nenhum valor no ensino que não conecte com a vida” (apud
GONSALVES, 2009, p. 45). O sentido de uma prática assim, é levar os educandos a vivenciarem
os conteúdos, pensar na matemática e não apenas aprender mecânica e operacionalmente;
aprender a poética das palavras e não apenas a gramática, ortografia e etc. As crianças não
precisam aprender sobre a natureza antes de compreender que fazem parte dela. (TORO, apud
GONSALVES, 2009).
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Desta forma, a Educação Biocêntrica surge com uma prática urgente, ensinar e a
aprender com sentido; nossas crianças precisam ser inteligentes e afetivas, autônomas com
alteridade; precisam desenvolver a consciência ética e levar essas aprendizagens para além
dos muros das escolas. Esse é o fundamento, uma escola que ensine a viver, vivendo, que
priorize a afetividade sem desprezar a produção do conhecimento científico.
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A ORALIDADE EM AULAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
LACUNAS E POSSIBILIDADES
Laiz Bazilia Araujo Torrico Valência72
Luciana Christina Acioly de Melo73
Márcia Paiva de Oliveira74
RESUMO
Esse estudo retrata uma pesquisa realizada em duas escolas de Educação Infantil da rede
pública de ensino, que além de campo de pesquisa foi também campo de estágio curricular. O
desenvolvimento da linguagem oral das crianças foi o foco desse estudo. Tal opção se deu em
virtude da importância do desenvolvimento da linguagem oral, tido como um elemento
imprescindível na educação infantil, pois, ajuda a desenvolver a imaginação, o repertório
vocabular, a criatividade, alarga também os conhecimentos sobre outros modos de falar de
pessoas de outras culturas, o que pode servir também para que o professor estimule nas
crianças o respeito à diversidade de falas e opiniões que elas têm dos seus pares e de outros
indivíduos adultos de suas relações. Entretanto, neste nível de ensino, não se tem dado a
devida importância a essa atividade didática. Tal fato foi percebido a partir de observações da
rotina escolar em salas de aulas da educação infantil no campo de estágio curricular. Nestas
observações constatou-se que o professor utiliza a fala dos alunos apenas para obter respostas
à atividades pensadas por ele. Assim, concluímos por meio dessa vivência, que a oralidade
deve ser instigada com mais empenho na sala de aula, através, por exemplo, da roda de
conversa e contação de histórias, buscando sempre a participação e interação constantes das
crianças. Para que os professores possam compreender e trabalhar com mais clareza com
esses pequeninos atores, percebendo como eles vêm o mundo e as coisas que nele existe, a
promoção de vivências de atividades que estimulem a oralidade infantil é indispensável.
Portanto, o objetivo desse estudo foi o de Analisar as vivências de duas turmas de Educação
Infantil, no sentido de verificar possíveis atividades que favoreçam o desenvolvimento da
oralidade da criança.
Palavras-Chave: Oralidade. Linguagem. Educação Infantil.
1
INTRODUÇÃO
Esse estudo trata da oralidade dentro da sala de aula da educação infantil. O
interesse por empreender tal temática surge a partir de observações feitas a uma escola de
Educação Infantil. Nessa vivência pudemos perceber o descaso quase total dado a espaços e
atividades onde se possa dar vez à expressividade da criança, instigando nela o
72
Graduanda de Pedagogia da UFPB, e-mail: [email protected]
Graduanda de Pedagogia da UFPB/CE, e-mail: [email protected]
74
Profª. Ms. Márcia Paiva de Oliveira. Professora do Curso de Graduação em Pedagogia e Graduação em Psicopedagogia da
UFPB/CE. [email protected]
73
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desenvolvimento de sua criatividade, da desenvoltura em falar em público e da educação do
ouvir o outro. Portanto, esse artigo propõe discutir a importância de atividades como as rodas
de conversa e a contação de historias para a promoção da oralidade das crianças que
frequentam as creches e escolas de Educação Infantil.
Inicialmente apresentaremos uma breve discussão acerca dos conceitos sobre
linguagem, linguagem oral e educação infantil. Em seguida mostraremos algumas situações
observadas na rotina da sala de aula.
Apesar de ser senso comum nas escolas de EI e creches, bem como, na própria visão
dos pais, que a criança só está lá para brincar, os documentos de orientações curriculares
como os Referencias Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) enfatizam a
importância do lúdico em todas as atividades realizadas, bem como a indissociabilidade do
cuidar e do educar.
Será que essa concepção é uma verdade no cotidiano da Educação Infantil? Ou
acontece o contrário? Refletiremos parcialmente sobre esse assunto, baseados em vivência do
estágio curricular. Sabemos que na educação infantil as brincadeiras, teoricamente, são de
extrema importância. Porém, no contexto observado as mesmas não são mediadas pelo
professor. Ele deixa acontecer o brincar pelo brincar, sem mediação e/ou intervenção.
Outro fator observado no contexto da escola infantil campo de estágio/pesquisa, foi
a forma como a criança é percebida, ou seja, como uma pessoa que não tem idéias, vontades e
escolhas, contrariando, atualmente, todo a acervo existente sobre infância e documentos
emitidos pelo MEC, como os RCNEIs.
Participaram da pesquisa duas escolas, uma da rede pública municipal que
chamamos de Y, e a outra da rede pública estadual a qual chamamos de X. A escola X fica num
bairro de periferia e a escola Y num bairro considerado de classe média, ambas na cidade de
João Pessoa. Optamos por investigar se a atividade da oralidade em sala de aula é
oportunizada nos dois âmbitos ou se é uma questão de escolha pessoal do docente em
trabalhar com esse instrumento didático riquíssimo em informação. Nas duas salas a turma é
composta por 15 alunos, de idade entre 03 e 04 anos. As docentes não tinham formação
superior, somente o curso pedagógico em nível médio. O tempo que tivemos para esse
levantamento de dados foi de quatro semanas.
Utilizamos no título do artigo a palavra LACUNAS, porque em contato com a vivência
docente através do estágio curricular supervisionado, que esse tipo de atividade raramente
acontece em sala de aula. Já o termo POSSIBILIDADES, o usamos devido as possibilidades de se
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trabalhar a linguagem oral com as crianças, utilizando as rodas de conversa e a contação de
historias. Constatamos no campo de estágio o poder fascinante da oralidade nas crianças,
percebendo como esses pequenos veem o mundo ao seu redor, quando lhes é dada essa
oportunidade, como fizemos ao realizarmos um momento de contação de historias e outro de
roda de conversa.
2 LINGUAGEM
O conceito de linguagem, segundo Marcushi (2006), é uma expressão que designa
uma faculdade humana. Outro conceito de linguagem pensado por Jonh Dewey (apud
Marcushi, 2006) diz que linguagem é, em primeiro lugar, comunicação com sentido entre
Homem e Homem. Portanto, um instrumento específico, de que os homens se valem para se
comunicar uns com os outros, trocando experiências, ou seja, transmitindo reciprocamente os
seus pensamentos, idéias, desejos, conhecimentos, repulsas, etc.
A fala é um ato tão corriqueiro da nossa rotina que acabamos não dando tanta
importância a ela. Consideram-na uma função biológica inerente ao homem, assim como o
caminhar. Porém, o desenvolvimento da linguagem não é um processo tão natural como o
caminhar. Para a criança ter a sua linguagem desenvolvida necessita da mediação do adulto.
Sabemos que em certo sentido todo individuo está predestinado a falar, porém isso se deve à
circunstância de que ele nasceu no seio de uma sociedade que está disposta a fazê-lo adotar
suas tradições. No entanto, se eliminarmos a Sociedade haverá razões para crermos que o
individuo aprenderá a caminhar, desde que sobreviva. Entretanto, é igualmente certo que
nunca aprenderá a falar, isto é, a comunicar idéias segundo o sistema tradicional de
determinada Sociedade com sua língua.
Para refletirmos o conceito de linguagem apontamos algumas indagações que nos
inquietam no contexto da academia. Que tipo de linguagem está se desenvolvendo na sala de
aula? Só o professor fala? Temos profissionais preparados para o ato de ouvir?
Atualmente, no mundo em que vivemos, estamos muito apressados para fazer, para
trabalhar, para ganhar dinheiro e assim, deixamos ações pequenas, porém decisiva à nossa
vida, seja ela pessoal ou profissional, passar despercebido. Não ouvimos o outro e parece que
estamos a economizar até as palavras.
Mas, na lida com as crianças pequenas, oportunizar o desenvolvimento da linguagem
é primordial, não só para o indivíduo em formação, mas também por trazer benefícios
bastante satisfatórios para a sociedade em que vivem. Um desses acréscimos é devolver a
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sociedade um indivíduo maduro e com habilidades sociais para comunicar-se com
competência.
2.1 LINGUAGEM ORAL
A linguagem oral mais que a escrita, tem o poder de fascinar. Quando a criança fala,
expressa sentimentos, emoções, aquilo que acredita e o que já sabe, oferecendo um material
precioso para o docente trabalhar o potencial do ser humano na perspectiva da totalidade.
Henri Wallon (apud CARRARA, 2004), chamado de o Educador Integral, trata do intelectual de
uma forma mais humanizada, propondo sempre considerar a pessoa no seu conjunto, a
construção do eu dependente do outro.
Na oralidade trabalham-se os preconceitos na sua diversidade, pode-se também
trabalhar o respeito ao pensar diferente do colega, e ainda explorar temas como: A família e o
meio ambiente.
Então, como posso pensar que as atividades de oralidade devam ser excluídas do
cotidiano escolar? Questionamento assim nos leva a refletir também as posturas pedagógicas
que não dá o direito de fala ao aluno na sala de aula. Atividade do tipo roda de conversa,
raramente encontra-se na proposta da educação infantil.
Pais, professores, coordenadores e diretores estão cada vez mais empenhados em
ensinar ao aluno da fase da Educação Infantil a reconhecer, por exemplo, as vogais, em
detrimento do ensinar a usar a imaginação, recontando uma história. Tais posturas tendem a
atrofiar desenvolvimento da oralidade. Bem como, torna a rotina escolar muito cansativa,
tanto para o professor, devido a essa obrigação desordenada de ter que passar conteúdo o
mais rápido possível, quanto para o aluno, que se encontra dentro de um contexto
desfavorável ao desenvolvimento do seu potencial na perspectiva da oralidade, como também
de outros segmentos importantes para a formação da socialização.
Marcuschi (2004) afirma que ¨[...] a fala é uma atividade muito mais central do que a
escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas¨. Por isso, não se entende a impressionante
ausência de abordagens do aspecto oral da língua em aulas na educação infantil, limitando a
aprendizagem das crianças a meros conteúdos soltos, que pra os alunos não tem muito
significado.
Um estudo feito pela mestranda Dania Monteiro Vieira Costa - UFES (2006) mostra
que o trabalho com a linguagem oral na educação infantil revela, dentre outros pontos, que a
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criança constrói o mundo através da interação com o outro por meio da linguagem. O que
confirma a concepção teórica de Bakhtin (apud COSTA, 2005) quando diz que, ¨[...] a
linguagem é construída nas relações sociais¨. Nesse sentido, esse contexto de troca propicia o
trabalho com a linguagem oral que é bem mais produtivo, em contrapartida a mera
reprodução de enunciados, como é muito comum na Educação Infantil.
Um dos discursos feito pela educadora analisada na pesquisa é de: “Como isso pode
ser desenvolvido se o professor, devido aos baixos salários, tem que trabalhar por vezes três
expedientes?” “Não se tem tempo para debruçar-se no mundo da criança sobre esse ou
aquele tema”. Outro dado considerável é que os profissionais da área não sabem como lidar
com esse tipo de atividade, por que em sua maioria não são leitores. Como diz Dewey, a
linguagem oral é, em primeiro lugar, comunicação com sentido entre homem e homem. Nessa
perspectiva, os professores precisam compreender que quando se faz algo com significado,
algo que faz parte do indivíduo, essa tarefa cria possibilidades. Portanto, não há desculpas
para que as rodas de conversa e contação de histórias, por exemplo, não aconteçam no
contexto da educação infantil.
3
EDUCAÇÃO INFANTIL
A proposta para educação infantil, desde 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação, no seu art. 29 diz: A educação infantil, primeira etapa da educação básica tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.
Posteriormente, essa faixa etária foi reduzida para até cinco anos, com a ampliação do Ensino
Fundamental para nove anos.
De acordo com a referida Lei, a educação infantil deve ser oferecida em creches para
as crianças de 0 a 3 anos, e em pré-escolas para as crianças de 04 e 05 anos. Porém ela não é
obrigatória. Dessa forma, a implantação de Centros de Educação Infantil é facultativa e de
responsabilidade dos municípios.
A educação infantil não tem currículo formal, diferente dos demais níveis da
educação embora nos dias atuais a escola tenha tentado incluir um currículo totalmente
desfocado da proposta dos documentos referentes a esse nível de desenvolvimento da
criança. Desde 1998 a EI segue o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
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(RCNEI), um documento equivalente aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que
embasam os demais segmentos da educação Básica.
Segundo o documento dos Referenciais, o papel da educação infantil é o cuidar da
criança em espaço formal, contemplando a alimentação, a limpeza e o lazer (brincar). Também
é seu papel o educar, sempre respeitando o caráter lúdico das atividades, com ênfase no
desenvolvimento integral da criança. Não cabe à educação infantil alfabetizar a criança, pois
nessa fase ela não tem maturidade neural para isso, salvo os casos em que a alfabetização é
espontânea, partindo da criança no seu processo de interação com o mundo alfabetizador.
De acordo com as instruções dos Referenciais, na educação infantil devem ser
trabalhados os seguintes eixos com as crianças: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem
Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Portanto, esse documento oficial enfatiza
o desenvolvimento da linguagem oral nessa fase de ensino.
A ênfase da educação infantil é estimular as diferentes áreas de desenvolvimento da
criança, aguçar sua curiosidade, imaginação e percepção de si mesma e do outro. No entanto,
para isso acontecer de fato, é imprescindível que a criança esteja feliz no espaço escolar. Se
sinta solta para interagir e externar o seu pensamento através das linguagens.
O objetivo da educação infantil é, portanto, o de desenvolver algumas capacidades
latentes na criança, como: ampliar relações sociais na interação com outras crianças e
adultos; conhecer seu próprio corpo; brincar e se expressar das mais variadas formas, utilizar
diferentes linguagens para se comunicar, tais como as linguagens artísticas e principalmente a
própria voz. Tudo isso dentro de um contexto lúdico e prazeroso à criança.
4
RODAS DE CONVERSA E CONTAÇÃO DE HISTORIAS
A contação de historias e as rodas de conversas são exemplos de possibilidades
existentes na educação infantil para estimular e desenvolver a linguagem oral das crianças,
entendendo que na oralidade um dos elementos imprescindíveis para que haja comunicação é
a linguagem. As rodas de conversa são espaços privilegiados e oportunizados pelo professor
para que, a partir de um tema ou história escolhida, a criança diga o que sabe sobre o assunto.
Serve como material precioso para descobrir como a criança se sente naquele momento,
dentre outras sensações sentidas por elas.
Na contação de historias, o aluno acende sua imaginação, criatividade e curiosidade.
Por outro lado, o professor entra com sua mediação para ensinar ¨os conteúdos¨ reservados
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por ele. Nisso, percebemos certa violência camuflada por parte dos educadores, em achar
irrelevante o trabalhar da fala nesse nível do desenvolvimento humano, através dessas
atividades (rodas de conversa e contação de histórias). Percebe-se esse fato com a observação
da disponibilidade desse profissional em querer se colocar como um facilitador do diálogo,
deixando de lado como a criança percebe e entende o mundo a seu redor. Vale salientar que
consideramos esse tipo de postura como resultado dos processos formativos, tanto no aspecto
institucional (curricular) quanto na pessoa.
Nas nossas observações, verificamos como não é levado em conta o acervo de
bibliografia acerca do tema oralidade na educação infantil. Será que o professor não sabe ou
não quer lidar com essa atividade? Será que o aluno não se interessa por esse tipo de ação?
Será que as politicas e projetos públicos apoiam as escolas? Quem será o vilão da história? O
professor? O aluno? Ou o sistema?
Tentamos averiguar através das falas e ações das docentes investigadas como esse
processo de uso da linguagem oral se dá no cotidiano escolar da educação infantil. Veremos no
próximo tópico, que vai explicitar algumas das situações observadas dentro da sala de aula,
como o professor lida com a oralidade das crianças no contexto das creches e pré-escolas,
tendo como exemplo o contexto da pesquisa.
5
ANÁLISE E DISCUSSÃO SOBRE OS ACHADOS DAS OBSERVAÇÕES
Analisaremos aqui apenas três observações das muitas realizadas no campo de
estágio/pesquisa. Essas nos pareceu adequadas para análise por retratar a realidade
observada no cotidiano escolar das escolas que investigamos, especialmente no tocante ao
desenvolvimento da linguagem oral das crianças.
Na primeira visita a escola X fomos para sala de aula, onde observamos a seguinte
situação: Uma criança falava “OH Tiaaaaa! Conta uma historia para nós?” E ela imediatamente
retruca: “Vocês já vêm muita história nas suas casas não precisam ouvir mais nada, vamos para
o que interessa! Leiam comigo A E I O U”. Como podemos observar, a educadora está mais
preocupada em desenvolver o treino da fala, ao invés de buscar desenvolver a oralidade da
criança, que nesse caso específico, clamava por esse momento de fantasia que estimula o
pensamento e consequentemente a linguagem.
Na segunda Observação realizada na escola Y, se deu da seguinte forma: Ao começar
a aula a professora diz: “Boa tarde!” Logo em seguida fala: “Olhem para o quadro crianças.
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Agora repitam comigo em voz alta, 1, 2, 3, 4, 5..., novamente! Vamos lá crianças prestem
atenção que depois vou fazer uma tarefa sobre o assunto”. Percebemos com o cenário
apresentado que essas crianças estão aquém deste processo inclusivo da linguagem oral,
atrofiando consequentemente sua criatividade e autonomia.
Na terceira Observação, em outra visita a escola Y, observamos o seguinte contexto:
Ao chegar à sala de aula vimos que a professora arrumava as cadeiras de forma que os alunos
ficavam separados. Isso nos chamou a atenção. Começando a aula de português com a
atividade de leitura ela deslocava-se para um grupo e depois para o outro grupo, ficando os
alunos totalmente dispersos e agitados. Dessa forma a interação dos alunos não acontecia,
contrariando a proposta do Referencial Curricular para Educação Infantil que tem a
preocupação em ampliar as relações sociais através da interação com o adulto e os colegas.
6
CONCLUSÃO
No decorrer desse trabalho, tentamos enfatizar, mesclando as deficiências (lacunas)
com recortes teóricos (possibilidades) a problemática referente à oralidade na sala de aula.
Como pôde ser observado nos tópicos apresentados no texto, encontramos contribuições
valiosas de teóricos, como Marcuschi (2004/2006), no que diz respeito à construção do ser
social. Contudo se faz necessário levar em consideração que o desenvolvimento humano não
ocorre por partes, mas em conjunto, concomitantemente através da troca de ideias e
experiências, por meio da linguagem que é um dos instrumentos essenciais para que ocorra a
comunicação.
Outro fator é que o docente também é construído ao longo do tempo, da sociedade
e pelas relações por ele estabelecidas. E Quando dizemos isso, é na perspectiva de que o
professor deve estar de bem com a sua profissão e consigo mesmo, senão ele corre o risco de
não proporcionar nenhum tipo de atividade que irá requerer tempo, atenção e muito trabalho,
prejudicando o bom desenvolvimento dos apendentes.
Entretanto, quando lançamos um olhar mais aguçado para a prática em sala de aula,
a partir de toda essa teoria esplanada, verificamos a relevância do papel do docente como
aquele que vai, ou pelo menos deve, propiciar de forma favorável o desenvolvimento de
muitas habilidades na criança, entre ela a da oralidade, lançando mão dos instrumentos da
comunicação (linguagem, oralidade) para que isso ocorra.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
REFERÊNCIAS
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LINGUAGEM E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Maria Aparecida Valentim Afonso
Maria Claurênia Abreu de A. Silveira
Resumo
Este artigo enfoca o currículo, no que se refere ao desenvolvimento da linguagem oral e
escrita, na Educação Infantil. Apresenta princípios curriculares para esse nível de ensino,
direcionando a discussão para o desenvolvimento da linguagem no desenvolvimento da
pessoa. A discussão está concentrada, especificamente, na interação adulto/criança, através
de atividades com gêneros textuais orais, sem deixar de referir-se à leitura de livros de
Literatura Infantil e à escrita. Nos acervos de parlendas, cantigas, adivinhas, poemas, histórias
de vida, contos, o enfoque recai na ação de dizer/escutar, mais especificamente na contação
de histórias.
Palavras-chaves: Linguagem, currículo, educação infantil
Abstract
This study is focused on curriculum, regarding the development of the oral and writing
language in Children’s Literature. It shows curriculum principles for this level of teaching,
directing the discussion to the development of language during the person’s own
development. The discussion is concentrated, specifically, on the adult/child interaction,
beyond activities with oral textual genres, while referring to the reading of Children’s
Literature and writing. In the collections of rimes, songs, guesses, life stories, tales, the focus is
directed to the action of saying/listening, more specifically on the storytelling.
Keywords: Language, curriculum, Early Childhood Education
Introdução
Este artigo enfoca o currículo, no que se refere ao desenvolvimento da linguagem
oral e escrita, na Educação Infantil. Apresenta princípios curriculares para esse nível de ensino,
direcionando a discussão para o desenvolvimento da linguagem no desenvolvimento da
pessoa. A discussão está concentrada, especificamente, na interação adulto/criança, através
de atividades com gêneros textuais orais, sem deixar de referir-se leitura de livros de Literatura
Infantil e à escrita. Nos acervos de parlendas, cantigas, adivinhas, poemas, histórias de vida,
contos, o enfoque recai na ação de dizer/escutar, mais especificamente na contação de
histórias.
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Para tanto, retrata a história da educação infantil no Brasil e a partir dela os avanços
e conquistas desse nível de ensino para as crianças, partindo da compreensão de que nas
últimas décadas, a educação infantil, tem sido reconhecida e valorizada pela sociedade como
uma etapa de ensino de grande importância para a educação, sendo um direito das crianças
menores. A reflexão sobre a história da educação infantil no Brasil ajuda a compreender a
evolução do currículo e da importância dada ao desenvolvimento da linguagem por parte das
crianças. Nesse estudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil- DCNEI (2009) e os Referenciais
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil– RECNEI(1998) constituem documentos
importantes para nossa análise, uma vez que suas orientações e regulamentações incidem
diretamente sobre a organização do currículo.
O texto inicia apresentando um recorte da história da educação infantil no Brasil, e
em seguida, traz as leis que regulamentam a educação infantil com ênfase na Constituição
(1988), na LDB 9394/96, as DCNEIsl (2009) e o RCNEI (1998), importante documento que
organiza o currículo para essa etapa de ensino. Trazemos ainda a discussão sobre a Contação
de histórias como uma expressão da linguagem, momento em que destacamos as narrativas
de histórias como aspecto importante para a prática educativa dos professores, enfocando o
uso de diversos gêneros textuais e da literatura infantil para a mediação da leitura por parte do
professor.
A educação infantil no Brasil: avanços e conquistas
Durante muito tempo a educação infantil no Brasil viveu sob a influência e o
comando de programas que tinham um cunho assistencialista e filantrópico cujo objetivo
consistia em guardar as crianças e protegê-las, enquanto as mães trabalhavam. O processo de
urbanização e industrialização do país, intensificado no início do século XX, desencadeou o
acesso das mulheres ao mercado de trabalho demandando a criação de escolas nas quais as
crianças pudessem ficar. Nessa época, as instituições infantis preocupavam-se com a
alimentação, os cuidados com a higiene e o acesso das crianças as letras e números,
fornecendo assim uma proximidade com o mundo letrado. Kramer (2006) destaca o caráter
compensatório da educação proposta às crianças nesse momento, visando suprir as
deficiências de saúde e nutrição.
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Podemos perceber que a educação infantil passou por mudanças advindas das
reivindicações sociais, das transformações econômicas e culturais que influenciaram
sobremaneira as práticas desenvolvidas o seu interior. De práticas higienistas, filantrópicas,
religiosas e com caráter assistencial e protetor até a valorização do desenvolvimento
intelectual e afetivo das crianças. Kramer (2006) chama a atenção para a dicotomia vivida pela
educação infantil, nesse processo de afirmação como etapa importante para a educação da
criança e destaca que enquanto as instituições que atendiam as crianças das classes populares
desenvolviam uma proposta na qual as crianças eram vistas como carentes e deficientes, as
crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação diferenciada, que
privilegiava a criatividade e a sociabilidade.
Esse quadro, de exclusão e desrespeito às crianças das classes populares começa a
mudar quando os movimentos de trabalhadores reivindicam uma educação infantil para todos
e de qualidade. Nesse momento, iniciou-se o processo de regulamentação da educação infantil
no país, com a criação de leis, programas e diretrizes que tinham como foco o cuidado e a
educação da criança pequena.
Educação infantil e linguagem na legislação brasileira
A Constituição de 1988, reconhece a educação em creches e pré-escolas como um
direito da criança e um dever do Estado, devendo ser oferecido pelos sistemas de ensino. A
Constituição abre a discussão, sobre a importância da educação infantil, ao colocar a criança,
como sujeito de direitos e centro do processo educativo. Em seu artigo 227 diz que:
É dever da família e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma
de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão.
Ao garantir à criança o direito à educação, a Constituição explica que o dever do
Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento em creche e
pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (...) (Constituição brasileira, artigo 208,
1988). Nesse artigo podemos verificar a valorização dessa etapa de ensino, que embora, ainda
não obrigatória deve ser oferecida às crianças.
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A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, estabelece em seu “Artigo
21º. a educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil,
ensino fundamental e ensino médio”, essa inserção na educação básica, ajuda a valorizar essa
etapa de ensino, colocando-a junto com o ensino fundamental e médio no mesmo patamar de
importância. Essa inclusão repercute na gestão financeira, administrativa e pedagógica das
instituições que passam a valorizar a educação infantil como etapa privilegiada para a
formação da criança. Além disso, em seu artigo 26, garante essa modalidade de ensino ao
expor que: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.”
Em 1998, é publicado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil –
RECNEI que constitui “um conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a
contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que
possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das
crianças brasileiras” (BRASIL, 1998, p.13). Esse documento tem subsidiado as práticas dos
professores na educação infantil, por meio de diretrizes referentes a objetivos, conteúdos,
orientações didáticas de aspectos ligados ao currículo para essa etapa, que atendam as
necessidades das crianças e a realidade na qual estão inseridas.
Suas orientações ajudam a consolidar uma nova concepção de educação infantil e de
criança expressas nos objetivos gerais para a educação infantil. Dentre os oito objetivos gerais
do documento destacamos um que está diretamente ligado ao desenvolvimento da
linguagem:
utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita)
ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a
compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos,
necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de
significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva (BRASIL,
1998, p. 63).
Tais regulamentações promoveram mudanças no currículo da educação infantil, uma
vez que junto a elas iniciou-se uma discussão sobre as novas concepções teóricas relativas a
desenvolvimento, aprendizagem, cognição e linguagem que estavam presentes nos estudos de
pesquisadores da área que agora se debruçavam sobre essa etapa de ensino.
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Os avanços dos estudos sobre a linguagem e as novas abordagens sociais e culturais
discutidas na contemporaneidade modificaram a maneira como as propostas pedagógicas para
a educação infantil fossem pensadas. As novas configurações e arranjos sociais, a necessidade
de trabalhar com temáticas mais amplas e inclusivas, a inserção de discussões culturais e de
respeito à diversidade influenciaram as novas abordagens curriculares. Diante nesse cenário as
DCNEIs (2009) são instituídas e nelas são propostas princípios, fundamentos e procedimentos
para orientar as políticas públicas na área de elaboração, planejamento, execução e avaliação
de propostas pedagógicas e curriculares. Em seu Art. 4º institui que:
As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a
criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos
que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua
identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende,
observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009)
A centralidade da criança como sujeito de direitos, deve ser observada pelos
professores e gestores, ao elaborarem o planejamento de ensino e a proposta pedagógica das
escolas, considerando as experiências vividas tanto na escola quanto fora dela pelas crianças.
As práticas propostas devem dar relevância as atividades que possibilitem à criança
desenvolver a linguagem em situações de narrativas de histórias pelos professores e em
atividades de reconto pelas crianças, deixando-as criarem espontaneamente as narrativas com
apoio em livros e imagens.
A ideia que se divulga consiste na valorização da fala e das narrativas das crianças,
compreendendo-as como momento de aprendizagem e produção de cultura. Essa ideia coloca
no centro da discussão a necessidade de os professores ouvirem as crianças, devendo suas
falas serem valorizadas, com previsão de momentos e rodas de conversas onde todos possam
falar e ouvir, estabelecendo diálogos e conversas.
As DCNEIS (2009) também destacam a relevância da linguagem, em seu “Artigo 8º, II
- a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética,
estética e sociocultural da criança”. Assim, a linguagem deve ser trabalhada e valorizada pelo
professor considerando a sua contribuição para a formação mais ampla da criança, dando
possibilidade de maior interação entre as crianças e os adultos. Devem ser previstas situações
em que a linguagem possa ser exercitada e explorada pelas crianças e associadas as demais
dimensões que vivenciam. Para tanto, a comunicação constitui um dos principais motivações
para as crianças desenvolverem a linguagem e interagirem durante a educação infantil.
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A relevância de atividades com a linguagem é reforçada também no Artigo 9º
quando diz que:
As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação
Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira,
garantindo experiências que:
III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e
interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes
e gêneros textuais orais e escritos;
As experiências oportunizadas às crianças na educação infantil, principalmente,
aquelas que possibilitam a apreciação e interação com a língua oral e escrita, podem ajudar a
estimular às crianças a ampliarem a linguagem, mas também descobrirem o prazer da leitura.
Ao destacar as experiências de narrativas e o convívio com diversos suportes textuais no
âmbito da brincadeira, percebemos a valorização da ludicidade junto as práticas de leitura. A
contação de histórias, nessa perspectiva insere-se como atividade que proporciona a
comunicação e a interação, entre a criança e o livro, as histórias e as ideias das outras crianças,
através das conversas nas rodas de leitura.
Além disso, a variedade de gêneros textuais na educação infantil propicia a
brincadeira de forma ainda mais ampla ao permitir que as parlendas, adivinhas, trava-línguas,
enigmas e histórias populares estejam presentes na sala de aula e motivem as conversas e as
descobertas das crianças. A autora Fanny Abramovich (1991, p. 16) reitera essa ideia ao dizer
que “é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas histórias. Escutá-las é o
início da aprendizagem para ser um bom leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente
infinito de descoberta e compreensão do mundo”. Tal afirmação leva-nos a pensar que a
escuta de histórias ajuda a criança a formar um repertório de narrativas e construir referências
de leituras e de comportamento de leitor, dando-lhe possibilidade de ler e compreender os
textos em diferentes linguagens.
Contação de histórias - uma expressão da linguagem
O desenvolvimento da linguagem da criança envolve múltiplos fatores que se
integram para que se amplie a sua capacidade de interagir, de comunicar-se, de falar e ser
ouvida, de ouvir e compreender o que ouve. Nesse conjunto de possibilidades da presença da
criança no seu meio e além dele estão, entre outras atividades de incentivo à comunicação, a
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contação de histórias. Betty Coelho (1990, p.13) concebe “a história como fonte de prazer para
a criança, além da contribuição que oferece ao desenvolvimento infantil.”
Contar e ouvir histórias constitui-se como uma atividade baseada na interação,
qualificada por Paul Zumthor (2000) como performance, que define a troca entre quem fala e
quem ouve. Essas trocas que se realizam entre quem fala e quem ouve, proporcionam uma
ampliação dos saberes de ambas as partes. Zumthor (p. 37) afirma que
a performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados,
naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A
performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é
simplesmente um meio de comunicação: comunicando ela o marca.
Para a criança, em uma contação de histórias, muitas vezes, interessa tanto a
convivência, a troca afetiva com quem conta, a possibilidade de recontar, do seu jeito o que
ouviu, a intenção de ouvir de novo quanto o próprio texto que se revela sempre novo na voz
do contador. A interação que se estabelece entre quem conta e quem ouve é o que constitui a
performance.
Em uma contação de histórias, alguns aspectos estão em evidência. No que se refere
ao desenvolvimento de capacidades de expressão está a troca afetiva entre as pessoas
envolvidas no processo. Contar histórias/ouvir histórias recupera a ideia de interação pois só
se realiza quando os dois lados, quem conta e quem ouve a história, se integram na ação de
contar. Por essa possibilidade de aproximar afetivamente as pessoas, contar histórias pode ser
um caminho eficiente no desenvolvimento afetivo da criança.
As formas do contar constituem modos de convivência, desde os primeiros anos da
educação infantil. A afetividade marca presença nas trocas pessoais que se estabelecem desde
a escolha, pelo contador, da história a ser contada, a preparação da contação, a vivência do
contar/ouvir, conversar sobre a história contada/ouvida, perceber que aspectos da história são
mencionados pelas crianças durante brincadeiras cotidianas. As personagens das histórias e
suas características muitas vezes passam a fazer parte do universo textual das crianças.
Quanto mais se envolve as crianças em performances nas quais são apresentadas a
novos textos, ouvidos, vistos, revividos, mais oportunidades lhes são oferecidas de
desenvolver as suas várias formas expressão, de linguagem. Antes de decodificar palavras, ler
e escrever está ouvir, compreender e falar. Ao balbuciar, buscando ouvir a própria voz, repetir
sons que ouve, compreender o sentido das palavras e articular sons específicos da língua, a
criança interage a partir do que percebe como forma de expressão.
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Desde que a criança nasce, iniciam-se os contatos com a linguagem, através da mãe
ou das pessoas que dela cuidam. Do ato de falar com a criança, mesmo antes de nascer, e
depois, a partir dos primeiros dias de convivência, tem início o seu processo de ambientação
com o universo da linguagem. Quanto mais oportunidades de estar vivenciando coisas novas,
mais a criança amplia sua capacidade de leituras do mundo que a cerca. Contar histórias, de
formas variadas, enfocando temáticas que interessem a criança coloca-se, de forma
privilegiada, entre as formas de mediação entre a criança e as formas do dizer.
O currículo adequado à Educação Infantil, no que se refere à Linguagem oral e
escrita, direciona as práticas do cotidiano com a criança ao que consta no Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil – RECNEI (1998, p.117):
A educação infantil, ao promover experiências significativas de
aprendizagem da língua, por meio de um trabalho com a linguagem oral e
escrita, se constitui em um dos espaços de ampliação das capacidades de
comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Essa
ampliação está relacionada ao desenvolvimento gradativo das capacidades
associadas às quatro competências linguísticas básicas: falar, escutar, ler e
escrever.
Esse “trabalho com a linguagem oral”, além de incluir ações que contemplam o ouvir,
também investem no falar da criança. Dizer para ela do que ela mesma fez ou fará, quando a
mãe ou quem cuida da criança relata para ela: “bebê tomou banho, agora vai mamar...”, ou do
que alguém fez para ou com ela: “Marina chegou da escola, já brincou, almoçou, tomou banho
e agora vai dormir.” Estes são exemplos de recriação/reafirmação das histórias de vida da
criança. Tais pequenos relatos preparam a criança para também contar de si mesma e do que
ela vivencia.
Desenvolver a linguagem na criança constitui um dos eixos básicos na educação
infantil. Interagir com outras pessoas, organizar as informações, construir conhecimentos,
desenvolver o pensamento são aspectos que devem ser desenvolvidos desde a infância. Falar
com a criança e ouvi-la, criar caminhos de interação com variadas formas de expressividade,
“promover experiências significativas de aprendizagem da língua por meio de um trabalho
com a linguagem oral e escrita” constituem comportamentos em relação à criança que
favorecem a ampliação da sua capacidade comunicativa. Esse posicionamento é reforçado no
volume 3 do RECNEI (1998, p. 133), reafirmando que “o domínio da linguagem surge do seu
uso em múltiplas circunstâncias, nas quais as crianças podem perceber a função social que ela
exerce e assim desenvolver diferentes capacidades.
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Envolver a criança em múltiplos eventos comunicativos favorece o seu
desenvolvimento no que se refere à linguagem. Atividades em torno dos textos orais e escritos
ampliam essa capacidade. Cantar para e com a criança, contar-lhe histórias, dizer e construir
com ela e para ela parlendas, rimas, adivinhas, entre outros textos orais amplia não só o seu
repertório de textos orais, mas também as suas formas de dizer e de se comunicar na língua e
além dela. Além do reconhecimento desses textos, que fazem parte das manifestações
culturais em que a criança está inserida, os gestos que acompanham brincadeiras orais
colaboram no processo de desenvolvimento da criança, no que se refere a se perceber
também como ser individual, que expressa essas práticas orais e gestuais. Quando se observa
crianças brincando pode-se perceber modos diversos de a criança recriar com coerência as
brincadeiras e as formas de dizer, de acordo com a sua percepção do que foi ouvido e
vivenciado.
No que se refere aos contextos que envolvem a contação de histórias, convivem as
narrativas do cotidiano, histórias de vida da criança, da família que se constituem como fatos
narrados que favorecem o desenvolvimento de uma consciência de pertença ao grupo social.
O adulto traduz em palavras, para a criança, aquilo que ela vivenciou ou mesmo que é capaz
de imaginar. Criar esses textos, contar para a criança a sua própria história e as da sua família
amplia na criança o sentimento de fazer parte daquela família e a faz consciente do tempo
histórico em que está inserida, incentivando-a a valorizar o(s) grupo(s) do(s) qual ou dos quais
participa.
Esse envolvimento com o contar, desde os primeiros dias da infância, começa a
constituir-se como um sentimento que não diz respeito somente à infância, mas a todas as
faixas etárias, como aponta Celso Sisto (2001, p. 29), quando reflete sobre essa espécie de
encantamento que envolve as pessoas quando se envolvem em uma performance com ou
como um(a) contador(a) de histórias.
Quando abrimos os olhos, a vida se coloca à nossa frente. Inevitavelmente
começamos a formar um repertório de histórias: a nossa história. Somos
crianças e queremos o brinquedo, os bichos, outras crianças, o doce, a
fantasia. Somos jovens e queremos a aventura, a ação, a prova, o desafio, o
ato heroico, o primeiro amor, o riso. Somos adultos e queremos tudo.
Somos velhos e queremos tudo de novo.
A história de vida de cada um se fortalece através da ampliação da presença de
eventos narrativos. Quando o adulto conta para uma criança, está aparelhando-a para o
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enfrentamento da vida, para o desenvolvimento das múltiplas formas de expressão, para a
criação de um acervo de narrativas que ajudarão essa criança, no seu desenvolvimento, a
entender melhor o mundo e a si mesma.
Esse contar inclui o dizer e as suas formas de apresentação. De forma análoga a um
contador tradicional, que deixa o conto surgir ao sabor da conversa, a criança percebe os
acontecimentos da sua vida e pode recuperá-los através de narrativas. Quando os adultos
atentam para a necessidade de ajudar a criança a recompor os fatos, transformá-los em
narrativas e trocá-las com as crianças, muitas informações ricas em termos de possibilidades
de buscar compreender porquês das relações sociais
que as envolvem.
Os conteúdos referentes à Linguagem oral e escrita, propostos no RECNEI (1998, p.
133) para a faixa etária de 0 a 3 anos, incluem o “uso da linguagem oral para conversar,
comunicar-se, relatar suas vivências e expressar desejos, vontades, necessidades e
sentimentos, nas diversas situações de interação presentes no cotidiano.” Criar situações de
fala, onde a criança se expresse e possa exercitar o diálogo com o adulto e com outras crianças
constituem a primeira instância da expressão verbal, que introduz as possibilidades que
avanço nessa área, preparando o desenvolvimento do contar outras histórias. Os contos
recriados para a infância quando ouvidos e internalizados pela criança, passam a visitar as
ações do cotidiano. As personagens das narrativas são assimiladas à medida que a criança as
recria nas brincadeiras, nas histórias que recria a partir da história ouvida com a qual a criança
descobriu uma empatia.
Os chamados Clássicos da Literatura, os contos de fadas, além desses, os contos
populares constituem-se como ricos acervos que se referem a tempos de faz de conta e ao
mesmo tempo são verossimilhantes aos fatos que a criança concebe como passíveis de ter
ocorrido ou mesmo de ainda acontecer. O conto não só traz o enredo, a narrativa. Nele está
inserida, entre outros aspectos, o gesto da personagem, o envolvimento cultural do conto e do
próprio contar, que é reconhecida pelo grupo no qual a criança está inserida.
Outras narrativas são divulgadas em diferentes suportes, entre eles o livro de
literatura infantil. Este se mostra como fonte de leituras variadas, pela diversidade de
possibilidades de leitura que um livro pode favorecer e pela multiplicidade de títulos e de tipos
de livros que amplia as escolhas do adulto que se empenha em apresentar tantos textos à
criança. Essa pesquisa de texto pelo adulto é defendida pelo RECNEI (p.133), quando reforça a
obrigatoriedade de se garantir à criança a “participação em situações de leitura de diferentes
gêneros feita pelos adultos, como contos, poemas, parlendas, trava-línguas, etc.”. além de
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realizar com a criança a “observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas,
histórias em quadrinhos, etc”.
Os contadores de histórias tradicionais buscavam a maior parte do seu repertório na
escuta dos textos, nas performances de outros contadores. Hoje, a maior parte dos contadores
constroem o seu repertório de narrativas a partir da leitura das histórias em material impresso.
Na infância, os livros de literatura infantil se oferecem como fonte de textos que se adéquam a
propostas de leitura desde a primeira infância. As bebetecas já são uma realidade. Acervos de
publicações cujo público-alvo são os bebês já começam a ser organizadas pelos pais do bebê,
como também por instituições que se dedicam ao cuidado com bebês. Livros de pano, de
banho (alcochoados, com cobertura plástica), com páginas de cartão reforçado, em formato de
móbile, além de outros formatos e cores chamativos e de cores vibrantes, utilizando materiais
de diferentes texturas, constituem artifício para aproximar o leitor do livro cada vez mais cedo.
Observe-se uma iniciativa para aproximar bebês dos livros de literatura, antecipando
o tempo do contato da criança com o livro, não só para garantir que desde cedo a criança se
envolva com os livros, mas também que, através da mediação realizada pelo adulto na
aproximação do bebê com o texto, também aproxime a criança de tantas histórias que se
integrarão à sua memória textual. No que concerne à intenção de envolver a criança com o
livro, com o intuito de, nesse período considerado importante para iniciar o incentivo a
múltiplas aprendizagens, a infância inicial, dar início ao processo de mediação de leitura de
bebês de 0 a 3 anos, registra-se a experiência de Tussi e Rösing (2009) de mediação de leitura
nessa faixa etária.
Apoiando-se em estudos sobre o desenvolvimento neurológico do ser humano,
defende-se que desde os primeiros meses de vida faz-se necessário envolver a criança com a
leitura e apresentar a ela, também apoiando-se nos livros de literatura infantil, os textos
falados, cantados, contados. Para Tussi e Rösing (2009, p. 51), o eixo principal é a mediação de
leitura, envolvendo o adulto e o bebê:
Usando como instrumento o livro de literatura na narrativa de histórias, pais
e cuidadores proporcionam aos bebês uma gama variada de conhecimentos,
entre os quais podem ser citados os históricos, geográficos, antropológicos,
linguísticos, entre outros, assim como a compreensão de diferentes culturas
oriundas de diferentes povos e distintos grupos sociais.
As temáticas que movem os livros da chamada literatura infantil expõem
possibilidades de recriar o que está retratado nas páginas como narrativas que serão
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acompanhadas e complementadas pelas crianças com a sua própria visão do que está sendo
mostrado, a partir das suas experiências de vida. Essas ações de ver e opinar sobre o que está
sendo visto já se configuram como atos de leitura. Segundo o RECNEI (p. 140), em nota de pé
de página, faz-se o seguinte adendo: “entende-se que a criança é capaz de ler na medida em
que a leitura é compreendida como um conjunto de ações que transcende a simples
decodificação de letras e sílabas. Quando a criança consegue inferir o que está sendo escrito
em determinado texto a partir de indícios fornecidos pelo contexto, diz-se que ela está lendo”.
O fato de mostrar o livro à criança e incentivá-la periodicamente a ler os livros,
mediando o encontro do texto com o seu leitor, aproxima a criança do livro, visto aqui como
fonte de narrativas e aspectos a serem ditos, referidos, repetidos, recontados. A leitura das
palavras de um livro ilustrado que um adulto faz, para/com a criança incentiva a sua
autonomia a partir da leitura das imagens do livro, favorecendo a conquista da leitura
competente que se constrói também com o apoio dessas leituras literárias.
Referências
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1991.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
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nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
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ERA UMA VEZ... REFLEXÕES SOBRE LITERATURA,
EDUCAÇÃO INFANTIL E CURRÍCULO
Maria Betânia Barbosa da Silva Lima75
Rute Pereira Alves de Araújo76
RESUMO
O trabalho que aqui apresentamos discute aspectos estruturais da política educacional infantil
disposto na LDB, levando em consideração a criança enquanto cidadã de direitos sociais,
atrelados aos direitos da criança somamos às contribuições da literatura infantil ao
desenvolvimento infantil, questionando as políticas curriculares de formação do educador de
crianças nesse contexto.
Palavras-Chave: Educação infantil, literatura infantil, currículo, direito.
ONCE UPON A TIME ... REFLECTIONS ON LITERATURE, CHILDREN'S EDUCATION AND
CURRICULUM
ABSTRACT
The work which we are presenting here discusses structural aspects of the educational policy
playground provisions in LDB, taking into account the child as a citizen of social rights, added
the contributions of children literature to the child's development and reflecting the policies
curriculum of training of the educator of children in this context.
Key Words: Education of Childrens, Children's literature, curriculum, right.
INTRODUÇÃO
No mundo da criança a literatura apresenta-se como fundamental, por lhe
possibilitar a ampliação do seu universo cultural e ajudá-la a compreender o que acontece ao
seu redor. Dessa forma, se constitui elemento indispensável no contexto das instituições de
Educação Infantil.
Por compreender que a leitura é uma porta aberta para a inserção no mundo e
compreensão do mesmo, é importante que a escola organize espaços e propicie à criança o
contato com as várias práticas de leitura.
75
76
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal da Paraíba/UFPB.
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A leitura, através da literatura, deve ser apresentada e trabalhada com a criança de
maneira lúdica, permitindo que ela interprete, crie e recrie um mundo de possibilidades que o
texto literário oferece. Desse modo, a escola estará contribuindo com a formação de leitores
desejosos de adentrarem cada vez mais no fantástico mundo da leitura literária.
No entanto, boa parte dos educadores, ainda não encontraram na leitura literária
essas possibilidades de usos e por diversos imperativos não a utilizam no contexto de suas
salas de aula, como exemplo desses desencontros podemos citar a própria estrutura curricular
que valoriza determinados conhecimentos em detrimento dos demais. Por essas razões
questionamos e refletimos no presente artigo a literatura na Educação Infantil e as práticas
curriculares de formação do educador nesse contexto.
1. LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Como um dos princípios legais, a Educação Infantil constitui-se nos dias atuais como
um direito social da criança. Determinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei
N.º 9.394/96 como primeira etapa de Educação Básica, a Educação Infantil tem por objetivo,
possibilitar o seu desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social em seus primeiros anos de
vida. Ela tem um papel fundamental na formação do indivíduo, uma vez que pode
proporcionar conhecimentos essenciais para o processo de aprendizagem ao longo da sua
vida. No entanto, é essencial a organização pedagógica no sentido de possibilitar a criança,
vivências significativas através das interações entre crianças/crianças e crianças/adultos,
objetivando a ampliação do seu universo cultural. Sobre essa questão Nunes (2009, p.43)
ressalta que:
O espaço pedagógico é privilegiadamente um local facilitador de interações
e de confrontos das crianças entre elas, produzindo a chamada cultura de
pares. Também das crianças com adultos, quando junto experimentam a
descoberta de ensinar e aprender, e dos adultos entre si, sejam eles, mães,
pais, professores etc. que vivem o intenso desafio de perguntar o seu papel,
revendo seus conhecimentos e suas experiências.
Neste sentido o papel do professor é de extrema importância, uma vez que é por
meio das ações sistemáticas e intencionais, que as crianças vão tendo a oportunidade de
explorar as várias linguagens. Estas linguagens nas palavras de Nunes (op cit)
São espaços de troca, de relações por excelência [...] as múltiplas linguagens
são possibilidades de expressão de conhecimentos e pensamentos acerca
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do mundo, das culturas; logo constituem processo importante na formação
de identidades, sendo, portanto, um eixo privilegiado de trabalho.
As instituições de Educação Infantil precisam ser ambientes culturais ricos de
possibilidades para que as crianças possam se expressar de diferentes formas seja através do
desenho, pintura, modelagem, movimentos corporais, música, literatura, etc. Dentre estas
várias possibilidades de expressão, destacamos a Literatura por ela possibilitar a ampliação das
condições de acesso as diferentes produções culturais.
As crianças desde muito cedo escutam histórias seja em casa com as famílias ou na
escola com os professores. É através da prática de ouvir e contar histórias que elas poderão
cultivar o interesse e o prazer pelos livros. Para Kaecher (2001, p. 82)
[...] quanto mais acentuarmos no dia-a-dia da Escola Infantil estes
momentos, mais estaremos contribuindo para formar crianças que gostem
de ler e vejam no livro, na leitura e na literatura uma fonte de prazer e
divertimento.
Corroborando com a autora supracitada, Abramovich (1997) ressalta o quanto é
importante para a formação da criança a escuta de muitas histórias, porque esta escuta é o
início da aprendizagem para ser leitor; e ser leitor é ter um caminho infinito de descoberta e
de compreensão do mundo.
Por meio das histórias, as crianças sentem, inventam, reinventam, opinam e criam
soluções para os problemas que podem surgir durante as narrativas. Se estiverem vivenciando
algum conflito, a literatura pode também auxiliá-las a encontrar formas de lidar com eles, além
de permitir o desenvolvimento de habilidades relacionadas à linguagem oral e escrita. O
Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI aponta que:
Além da conversa constante, o canto, a música e a escuta de historias
também propiciam o desenvolvimento da oralidade. A leitura pelo professor
de textos escritos, em voz alta, em situações que permitem a atenção e a
escuta das crianças, seja na sala de aula, no parque debaixo de uma árvore,
antes de dormir, numa atividade especifica para tal fim etc., fornece as
crianças um repertório rico em oralidade e em sua relação com a escrita.
(BRASIL, 1998, v 2, p. 135)
Através das histórias as crianças identificam objetos e personagens, criam histórias
oralmente a partir das ilustrações dos livros, associam as figuras às ações, fazem o reconto,
etc.
Com essa dinâmica, vão desenvolvendo o interesse e o prazer pela leitura, vão
conhecendo outros mundos, outras épocas, ampliando assim, seu universo cultural.
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É importante ressaltar que para a criança se tornar leitora e poder trilhar por este
caminho de descobertas, o educador necessita ter conhecimento sobre a importância da
literatura para o desenvolvimento dela, o que não ocorre, pois ainda é lacunar na formação
dos Pedagogos conhecimentos referentes a literatura infantil e seu caráter estético.
Assim, ao tratar de literatura infantil, se faz necessário observarmos sob que
aspectos ela vem sendo considerada nas escolas. Será que a literatura infantil é subutilizada na
formação dos alunos como leitores, sendo explorados apenas os conteúdos escolares dela
extraídos? Se assim o for, a leitura de literatura infantil é inadequadamente escolarizada,
salientando “leitura” como mera decifração de códigos, ou ato necessário à realização de
tarefas escolares.
Esse modo “mecanicista” de utilização da literatura infantil distancia o indivíduo do
sentido de ler, pois como afirma Foucambert (1994, p. 5), “ler não é apenas passar os olhos
por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito”. Para o autor, ler é mobilizar tudo
quanto se conhece e todos os recursos do ambiente para, assim, extrair da escrita parte de
seus supostos segredos.
O modo “mecanicista” de encarar a leitura e, conseqüentemente, a literatura infantil,
é reforçado a partir das próprias “políticas públicas de formação em leitura”, que se
restringem apenas ao envio de obras literárias às escolas, relegando, desse modo, questões
cruciais como o preparo do professor em relação à formação para a leitura como prática social.
Por outro lado, o recebimento de acervos literários pelas escolas públicas ocorre
esporadicamente e o número de livros, muitas vezes, é restrito, o que não viabiliza a realização
de um trabalho de leitura que envolva a escola como um todo. Dessa forma, estes aspectos
caracterizariam o que, segundo Soares (2001), pode ser denominado de um “mau” uso da
literatura na escola.
A respeito desse uso da literatura na instituição escolar, Soares (2001, p. 25) ressalta
que a escolarização da literatura ocorre inevitavelmente, pois a escola dela se apropria. Para a
autora, é paradoxal a idéia de desescolarização da literatura na escola. Ela, inclusive,
questiona: “como tornar não escolar algo que ocorre na escola, que se desenvolve na escola?”.
Sob este prisma, a autora faz a distinção entre uma escolarização “adequada” da literatura,
que seria aquela que conduz de forma eficaz ao desempenho de práticas de leitura no
contexto social, bem como prioriza as atitudes e os valores correspondentes ao leitor que se
quer formar, e uma escolarização “inadequada” da literatura, que seria aquela que, no lugar
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de desenvolver o gosto e a proximidade com as práticas sociais de leitura, afasta e propaga
resistência ou ojeriza à leitura.
Sobre essa questão, Cademartori (1986, p. 18) aponta o inegável vínculo da literatura
infantil com a educação, todavia ressalta que “sua natureza literária já a coloca além dos
objetivos pedagógicos comprometidos com a legitimação das instituições, costumes e crenças
que a geração adulta quer legar à infantil.” Conhecendo a ideologia da escola, “lugar de
consagração do status quo” e sua tendência conservadora de fazer valer o já estabelecido,
encontramos nessa característica pontos de divergência entre a escola e a literatura infantil, já
que esta última possibilita à criança a reorganização dos conceitos e percepções do mundo,
possibilitando, assim, um novo ordenamento de suas experiências existenciais, bem como
melhor desenvolvimento do senso artístico (ibid.).
No entanto, é necessário refletirmos que, para formar leitores, não basta oferecer
livros. É necessário que se busquem respostas e meios alternativos de se resolver, ou pelo
menos compreender questões acerca das concepções de sociedade, educação, linguagem,
leitura e literatura que temos (MAGNANI, 2001).
A esse respeito, Magnani (2001, p. 42-43) faz a seguinte explanação:
Tratar de leitura e literatura é tratar de um fenômeno social que envolve as
condições de emergência e utilização de determinados escritos, em
determinadas épocas, é pensá-los do ponto de vista de seu funcionamento
sócio-histórico, antes e para além de platônicos e redutores juízos de valor.
A autora nos remete, a partir do exposto, a pensarmos com maior profundidade
acerca da formação de leitores, considerando os fatores sociais e históricos que nela se fazem
presentes. Para responder por esse processo de formação, se fazem necessários educadores e
cidadãos que, além de mediar esta ação, interfiram quando preciso, não abdicando do papel
histórico que, de acordo com Magnani (2001, p. 140), lhes foi conferido: o de primeiro se
formarem como leitores para, posteriormente, poderem interferir de maneira crítica na
formação qualitativa do gosto estético de outros leitores.
Em suma, urge no momento que tenhamos uma política escolar capaz de
“deselitizar” a leitura literária, tornando-a mais acessível à população como um todo,
especialmente aos que estão à margem da sociedade.
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Sobre a tradição brasileira, Lajolo (2002) nos faz ver que a literatura infantil e a escola
mantiveram sempre uma relação de dependência mútua. De um lado está a escola, que se
utiliza da literatura infantil para difundir, através de sua “força encantatória”, conceitos,
comportamentos e atitudes que são inculcados em sua “clientela”. Do outro lado estão as
literaturas infantis que têm na escola um depósito seguro, “quer como material de leitura
obrigatória, quer como complemento de outras atividades pedagógicas, quer como prêmio aos
melhores alunos.” (LAJOLO, 2002, p. 66).
A partir do exposto, vemos que a leitura literária é inevitavelmente escolarizada,
todavia, cabe-nos analisar a dinamicidade que envolve esse processo de leitura, tais como as
relações extra, inter e intertextuais que, por muitas vezes, acabam ficando fora da escola,
onde a leitura assume finalidades imediatistas e utilitaristas, tais como: ler para fazer
exercícios de interpretação, responder fichas de leitura etc. (MAGNANI, 2001).
Além das cobranças realizadas pela escola após a leitura literária, é válido salientar
que estas leituras não ocorrem espontaneamente, uma vez que a escola determina os títulos a
serem lidos, o espaço de tempo em que estes serão lidos, e exige trabalhos valendo notas,
como prova da leitura realizada. O que faz do ato de ler uma tortura, um tédio, faz com que a
leitura literária perca seu encanto, sua magia (PENNAC, 1993).
Portanto, é necessário que se repense o trabalho escolar, as práticas avaliativas, as
políticas curriculares, bem como o uso da leitura literária na escola, pois só a partir do
momento em que se abandonarem os modelos imediatistas e repetitivos que se utilizam nas
práticas escolares cotidianas é que será possível a conquista de práticas produtivas de
conhecimento estético que se integrem à vida dos leitores/cidadãos que se pretende formar
(PAULINO, 1999).
Os livros de literatura infantil formam conhecimento a partir do momento em que
tentam compreender a vida e o mundo através da arte, vinculando a fantasia, o sublime, o
fantástico, o maravilhoso, o hilário, o inacreditável etc. Por não transmitirem informações
objetivas como os livros didáticos, os livros de literatura dão margem a inúmeras e diferentes
interpretações (AZEVEDO, 1999). Por isso, ela se constitui um mágico veículo de liberdade.
Em suma, antes de qualquer coisa é preciso gostar de ler, para depois tentar despertar
no outro o prazer e o gosto pela leitura. “Professores sem prazer não podem formar leitores
desejantes”. (AMARILHA 2004, p.25)
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2. A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA O ENSINO DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL: COMO
ENTENDER ESSE PROCESSO
As questões ligadas à leitura, especificamente a literária, serviram e servem de palco
para inúmeras discussões acadêmicas. Todavia no que tange à formação dos professores, para
utilizarem as obras literárias em suas salas de aula, ainda há muito que se refletir;
principalmente quando se percebe o uso inadequado dessas obras, sua subutilização e o
pragmatismo a elas veiculados em contextos diversos que é constantemente vislumbrada em
práticas metodológicas que impedem aos alunos o exercício de uma relação interativa de
gosto e fruição com o livro literário, conforme refletimos no início desse trabalho.
Regina Zilberman (1999), no texto: Leitura literária e outras leituras77, faz
importantes reflexões sobre o modo como o ato de ler foi se configurando no cenário social
desde os seus primórdios na Grécia antiga. Essa contextualização histórica nos permite
atualizar as reflexões sobre o modo como a leitura literária é tratada nas escolas atualmente.
De acordo com Zilberman (1999) Platão via a leitura como ato nocivo, pois poderia
tornar os homens esquecidos, já que eles não mais cultivariam a memória, mas ficariam
bitolados a leitura do registro escrito, tornando-se assim sábios imaginários ao invés de
verdadeiros sábios.
Além dessa concepção mais antiga, a autora discorre também, mediante as
concepções do século XIX através do pensamento de Shopenhauer que pensa a leitura como
ato fechado e passivo que impossibilita a quem lê se posicionar diante do lido. Para
Shopenhauer, quando lemos a capacidade de pensar nos é em grande parte negada, pois,
outra pessoa é que pensa por nós.
Ao observarmos o contexto histórico brasileiro dos séculos XIX e XX, a autora nos
remete às distintas concepções de “boa leitura” e “ler bem” que se configuraram no cenário
brasileiro, perpassando pelos pensamentos de Abílio César Borges - pedagogo baiano, que
atribui o “ler Bem” à leitura oral, bem como, por Maria Amália Vaz de Carvalho, cujo – “O
saber ler” – está associado às formas de compreensão, fruto de uma educação aprimorada e
cuidadosa. Já para João Kopke – do início do século – o livro de leitura é que se encarrega de
ajudar a memorizar a linguagem oral mais elevada, sendo assim, desembocada no
conhecimento da literatura, representado pelos modeladores de escritos brasileiros.
77
O texto integra uma coletânea de estudos realizados por pesquisadores brasileiros e estrangeiros que tematizam a leitura sob os
pontos de vista histórico, literário e pedagógico. As discussões constituem uma contribuição importante para a compreensão e o
aprofundamento do debate teórico sobre a leitura e a escrita.
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Para A. Joviano, a leitura de autores consagrados é o que aprimorará o gosto literário
e resultará no bom uso da língua. (ZILBERMAN, 1999).
Além dos aspectos acima elencados, retratos da situação histórica a que a leitura
literária esteve arraigada, Regina Zilberman reflete um pouco sobre a Revolução de 30, pois
dela advém a criação do Ministério da Educação, a nova regulamentação do Ensino primário e
secundário. É a partir da Revolução de 30 que se fixam os objetivos da matéria que agora se
chamaria “Português”, cuja competência principal do professor estaria em:
[...] tirar o máximo proveito da leitura, ponto de partida de todo o ensino,
não se esquecendo de que além de visar fins educativos, ela oferece um
manancial de idéias que fecundam e disciplinam a inteligência, prevenindo
maiores dificuldades nas aulas de redação e estilo (ZILBERMAN, 1999, p.77).
Vemos que a principal meta do ensino da leitura, nesse período, é disciplinar e
modelar, seguindo os vieses de uma educação que se constitui na maioria das vezes de forma
autoritária que investe primordialmente na disciplina e talvez por essa razão escolarize
inadequadamente o objeto estético já que nesse período a finalidade da leitura é educativa.
No período acima abordado, bem como, nos anos 40 e 50, as leituras valorizadas na
escola eram aquelas que constituíam o cânone e era utilizada no início da aprendizagem como
ponte condutora a outras etapas de conhecimento.
Nesse período da história a literatura é vista como pretexto para a realização do que
era na época considerado “boa leitura”, ou seja, a realização oral dos textos. Sob esse prisma,
o conhecimento literário estava fortemente imbricado a leitura e sua realização oral; sendo a
leitura elemento fundamental na estruturação do ensino brasileiro da época. (ZILBERMAN,
1999).
Já nas décadas de 60 e 70 a questão do hábito de ler entra em voga permanecendo,
contudo, as concepções mais antigas referentes à noção de que a leitura constitui a base do
ensino, desde que se concentre nas disciplinas relacionadas à aprendizagem da língua
materna, e que os textos lidos são importantes apenas para a aprendizagem. (ZILBERMAN,
1999).
Tais colocações nos permitem refletir se atualmente nas escolas a leitura literária
vem sendo enfocada em seus aspectos lúdico, prazeroso e gratuito ou como permanece em
décadas remotas de nossa história.
Nesse sentido, cabe ressaltar que a escola ainda é o espaço por excelência do
contato com o material impresso, especialmente com a literatura. Entretanto, muitas vezes, a
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escola abdica de seu papel na formação de leitores competentes socialmente e não aproveita
a vontade de saber, de se informar, de estar por dentro dos acontecimentos, em suma, a
curiosidade que faz parte da natureza humana, desde a mais tenra idade.
Anne-Marie Chartier78 (1999), ao refletir sobre Os futuros professores e a leitura, nos
alerta sobre a necessidade de que esses futuros professores, dentre outras competências e
habilidades, incumbidos da responsabilidade de formar leitores, possam orientar seus alunos
sobre as leituras que irão realizar, fazendo-os refletir desde a formação inicial sobre as suas
maneiras de ler. Este processo, segundo a autora, ajudaria os próprios professores a definir as
estratégias e percursos da leitura mais adequados ao processo de formação dos alunos.
Delia Lerner (2002, p.28) aponta que o principal desafio a enfrentar no que se refere
à formação de leitores, especificamente da leitura literária, seria o de “formar pessoas
desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a literatura nos oferece,
dispostas a identificar-se com o semelhante ou a solidarizar-se com o diferente e capazes de
apreciar a qualidade literária”. Segundo Lerner, o desafio de ordem maior seria o de:
[...] formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que
passam a “decifrar” o sistema da escrita. É [...] formar leitores que saberão
escolher o material escrito adequado para buscar a solução dos problemas
que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto
selecionado por outro. É formar seres humanos críticos capazes de ler
entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explícita ou
implicitamente, pelos autores dos textos com os quais interagem, em vez de
persistir em formar indivíduos dependentes da letra do texto e da
autoridade de outros. (LERNER, 2002, p.27-28, itálico meu).
Lerner nos aponta uma questão que deveria servir de palco para reflexões e debates
entre professores, referente à oralidade da leitura tão disseminada nas décadas de 40 e 50,
(conforme aponta Zilberman - no início do trabalho) e ainda presente nos dias atuais, em
contextos em que o desenvolvimento da oralidade e decodificação do texto escrito é
recorrente e assume papel relevante em detrimento das inúmeras possibilidades que o texto,
especificamente o literário, pode oferecer. Em se tratando da leitura literária, essa, por sua
vez, pode favorecer uma relação de interação texto/leitor, além de muitos outros
conhecimentos.
78
O texto de Ane-Marie Chartier consta de alguns dados importantes acerca do histórico e ritmo de leitura dos franceses, esse
trabalho é fruto de uma pesquisa conduzida por Emanuel Fraisse e realizada por uma equipe do IUFM de Versalhes (Instituto
Universitário de Formação de Mestres - órgão criado em 1989 e responsável pela formação de professores de todos os níveis). Os
resultados dessa pesquisa se fazem importantes para os futuros e já professores, afim de que esses possam refletir mais
estruturadamente acerca de suas próprias práticas de leitura. (CHARTIER, 1999).
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Todavia, não se trata aqui de um conhecimento seco, puramente informativo, como
acontece nas informações que obtemos através dos jornais, revistas, televisão, rádio e
computador. Estamos falando aqui de uma literatura bem elaborada, que estimula o leitor a
realizar mais leituras, que instiga a curiosidade, uma literatura artisticamente produzida, que
desperte a imaginação do leitor; que o faz se encontrar socialmente ao conduzí-lo na busca do
novo.
Magnani (2001, p. 140) afirma ainda, que “a literatura mobiliza a imaginação,
estimula a busca de alternativas”. Teremos, assim, uma formação em leitura diferenciada
quando os professores descobrirem que, através da leitura literária, os alunos poderão realizar
a leitura dos impasses e contradições sociais, partindo para a compreensão de que devemos
ser co-autores não apenas dos fracassos, mas da luta constante pela construção e
transformação da sociedade.
Para Regina Zilberman, a leitura implica mais que mera decodificação – se tratando
da leitura literária, mais que atividade de lazer – a leitura, é também atividade onde o senso de
alteridade e aprendizagem se configura. Dessa forma:
A leitura implica aprendizagem, se o texto foi aceito enquanto alteridade
com a qual um sujeito dialoga e perante a qual se posiciona. A leitura
implica aprendizagem, quando a subjetividade do leitor é acatada e quando
o leitor, ele mesmo, aceita-se como o eu que perde e ganha identidade no
confronto com o texto. (ZILBERMAN, 1999, p.85, itálicos meus).
Através da leitura, o individuo poderá confrontar a si mesmo, refletindo sobre o seu
estar no mundo, podendo mediante essa atitude, se perceber no mundo como sujeito de um
processo do qual, em sintonia com o outro, ele tem as ferramentas para exercer seu
protagonismo social. Pois, “[...] quanto mais leituras desafiadoras o indivíduo fizer, mais
propenso a modificar seus próprios horizontes ele vai estar” (AGUIAR, 2001, p. 151),
conseqüentemente, a partir da mudança individual poderá ocorrer a social.
Em suma, partindo das colocações acima expostas, uma formação adequada para a
leitura literária perpassa uma metodologia de ensino dinâmica e motivadora capaz de conduzir
os alunos a compreenderem que, através do mundo imaginário e fantasioso da leitura, é
possível se pensar na construção de uma nova sociedade que esteja aberta não apenas para
alguns privilegiados, mas de forma primordial aos exilados da palavra (MAGNANI, 2001, p.
140).
Mediante as discussões expostas e reconhecendo o papel de extrema relevância do
professor no processo de formação de leitores, faz-se necessário que analisemos como se dá o
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seu processo de formação. Será que o processo formativo dos professores, restringe-se
exclusivamente aos espaços das instituições formadoras? Nóvoa (apud SILVA, 2001, p. 168)
aponta que, além destes espaços, é aspecto relevante na formação docente a relação que os
professores estabelecem com o saber, relacionamento este que ultrapassa as práticas
institucionais, envolvendo as experiências acumuladas, as trocas de conhecimentos e partilhas
que, aglutinadas, formam o cerne da identidade pessoal de cada professor.
Nóvoa afirma ainda que a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam
espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar,
simultaneamente o papel de formador de formadores.
A partir das colocações de Nóvoa, somos impelidos a refletir com mais minúcia a
respeito de como se dá a formação dos professores de uma forma mais geral, em especial, no
que se refere à formação de leitores da leitura literária.
De acordo com Foucambert (1994, p.135), toda política de leitura começa com a
formação dos próprios “formadores” (professores) para que estes sejam bons praticantes.
Todavia, o desafio é a forma como vem sendo processada essa formação dos professores que,
ao contrário do que muitos pensam, não se encerra nos espaços e/ou instituições formadoras,
uma vez que é na formação permanente que o docente tem a oportunidade de pensar
criticamente sobre sua prática, percebendo que a partir da prática de hoje ou de ontem é que
se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996, p. 43-44).
Nessa perspectiva, Freire propõe que o discurso teórico que é parte da reflexão
docente, seja de tal modo concreto, que se confunda com a própria prática.
A partir da proposição freiriana concebemos a importância de uma teoria que esteja
intrinsecamente aliada à prática e que se preste à reflexão continuada do fazer docente,
respeitando as suas peculiaridades, pois “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém
se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo”
(FREIRE, 1987, p.69).
Embasados nessa reflexão, somos impelidos a pensar os estudos literários sob uma
ótica diferenciada, em que a interação do leitor com o texto não se materializa apenas no
confronto imaginário do leitor, somado a sua experiência de mundo, mas, também, no diálogo
possibilitado entre os indivíduos leitores e suas experiência singulares. É nesse espaço
dialógico que a experiência com o texto literário pode se tornar mais dinâmica e democrática.
O desafio, suscitado nas colocações acima acerca da formação de leitores seria o
“por onde começar? Como hierarquizar as urgências? Quais os textos básicos?”. Dentre os
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pilares que fundamentam esse trabalho de pesquisa e os modos como podemos
redimensionar os mecanismos de leitura em nosso contexto brasileiro; é oportuno refletir,
sobre as leituras que os próprios professores realizam. Pois conforme aponta Burlamaque
(2006):
A missão do professor constitui-se em iniciar a criança no mundo das letras,
incentivando o gosto pelo livro, o desenvolvimento do hábito da leitura. É
ele quem vai indicar os livros aos alunos, oferecendo-lhes um repertório de
títulos, em que possam movimentar-se segundo suas preferências e
interesses, sem barrá-los e sem impor o seu gosto, mas, sobretudo,
oferecendo-lhes fruição no ato de ler. (BURLAMAQUE, 2006, p.79-80)
Todavia como começar um trabalho em sala de aula com o texto literário se a grande
maioria dos formadores não são leitores de obras literárias? Como selecionar títulos e obras a
serem lidas por seus alunos, se os próprios professores, responsáveis por essa formação, não
são conhecedores dos títulos que poderiam ser trabalhados?
Questões como essas devem ser pensadas para que a partir delas se tenha a
possibilidade de hierarquizar as urgências e caminhar em busca de novas práticas, que
postulem um novo campo na rotina da escola em que o texto literário não seja encarado como
alienígena para professores e alunos.
Roger Chartier (1999), baseando-se na realidade de leitores franceses, lembra que:
[...] o paradoxo fundador de toda história da leitura, que deve postular a
liberdade de uma prática da qual só podemos capturar as determinações.
Construir comunidades de leitores como sendo interpretive comunites [...],
observar como as formas materiais afetam os seus sentidos, localizar a
diferença social nas práticas mais do que nas diferenças estatísticas, são
muitas das vias possíveis para quem quer entender, como historiador, essa
“produção silenciosa”, que é a “atividade leitora”. (CHARTIER, 1999, p. 27).
A partir do pensamento de Roger Chartier, temos a possibilidade direcionadora de
movimentar a escola, e porque não a sociedade, a partir de mecanismos tão intrínsecos ao ser
humano quanto à necessidade de se fazer partícipe de uma comunidade, de inserir-se
socialmente mediante atividades que podem se tornar comum entre os seus, como a “leitura”,
por exemplo.
Através das “comunidades de leitores”, observadas por Roger Chartier, no contexto
francês, podemos pensar a leitura em nossa realidade como um ato de engajamento social,
através do qual temos a possibilidade de refletir assuntos que constituíram a nossa história e
hoje podem estar esquecidos.
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Por intermédio da leitura passamos a estar em cadeia de comunicação com inúmeras
outras pessoas que experimentaram do mesmo texto que lemos em contextos, tempo e
espaços distintos, sentindo, vivendo, desfrutando e envolvendo-se com o lido de uma maneira
que ao mesmo tempo em que é social é sublimemente individual. Sobre esse aspecto Roger
Chartier nos lembra que:
[...] a leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é
engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com os
outros. Eis porque deve-se voltar a atenção particularmente para as
maneiras de ler que desapareceram em nosso mundo contemporâneo.
(CHARTIER, 1999, p. 16).
A leitura sugere assim, um espaço onde o indivíduo, num momento seu, num tempo
roubado, invade outros mundos, se reveste dos mais diversos papéis descobrindo na leitura
um modo novo de encarar a vida. Uma maneira de ser, pois conforme aponta Pennac (1993, p.
119), “a leitura não depende da organização do tempo social, ela é, como o amor uma maneira
de ser”.
Desse modo, a relação que o indivíduo leitor estabelece com o lido deve ser
considerada em sua dupla dimensão: individual e social. É de caráter individual por designar a
profundidade de reflexões típicas de cada sujeito, bem como dos modos como ele se relaciona
com o objeto cultural que se lhes apresenta. Já numa perspectiva social essa relação se
configura através das atitudes práticas assumidas pelo leitor no cotidiano, a leitura pode
conduzir o leitor a refletir assuntos de caráter mais abrangentes referentes ao seu “estar no
mundo”. Sobre o caráter de cunho mais individual da leitura X o livro, Roger Chartier (1999)
nos conclama a refletir que:
[...] a relação mística com o livro pode, também ser compreendida como
uma trajetória onde se sucedem vários “momentos” da leitura: a
instauração de uma alteridade que fundamenta a busca subjetiva, o
desdobramento de um prazer, o suplício do corpo reagindo à “manducação”
do texto, e, ao fim desse percurso, a interrupção da leitura, o abandono do
livro, o absoluto desprendimento. (CHARTIER, 1999, p. 14).
Já numa visão mais social Magnani (2001) faz a seguinte reflexão: Tratar de leitura e
literatura é tratar de um fenômeno social que envolve as condições de emergência e utilização
de determinados escritos, em determinadas épocas, é pensá-los do ponto de vista de seu
funcionamento sócio-histórico, antes e para além de platônicos e redutores juízos de valor.
(MAGNANI, 2001, p. 42- 43).
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A autora nos incita, a partir do exposto, a pensarmos com maior profundidade acerca
da formação de leitores, considerando os fatores sociais e históricos que nela se fazem
presentes.
Para responder por esse processo de formação, fazem-se necessários educadores e
cidadãos capazes de mediar esta ação, interferindo quando preciso, não abdicando assim, do
papel histórico que, de acordo com Magnani (2001, p. 140), lhes foi conferido: o de primeiro se
formarem como leitores para, posteriormente, poderem interferir de maneira crítica na
formação qualitativa do gosto estético de outros leitores. Em suma, urge no momento que
tenhamos uma política escolar capaz de “deselitizar” a leitura literária, tornando-a mais
acessível à população como um todo, especialmente aos que estão à margem da sociedade.
A leitura não é um ato isolado do indivíduo/leitor diante do escrito de outrem. Ela, a
leitura implica não somente na decodificação dos sinais, mas, sobretudo “na compreensão do
signo linguístico enquanto fenômeno social” (MAGNANI, 2001, p. 49). Dessa forma, ler não
significa passividade diante do que nos é apresentado através de um escrito. Ler significa
tomarmos um posicionamento crítico diante do mundo e da história, afinal é esta atitude que
conta no jogo das interpretações.
Todavia, se faz necessário que o leitor trate o texto, aqui especialmente o literário,
como um processo social e, por isso, um lugar de conflitos, pois o texto escrito, como aponta
Magnani (2001, p. 132), não é um todo transparente que dê ao leitor a interpretação do
pensamento do autor. Tampouco, o autor de um livro, ao escrevê-lo, será em sua totalidade
translúcido ao que pensa.
Assim, enquanto fato social continuamente em processo, o texto, para existir como
tal, precisa, além de ser escrito, editado e policopiado, ser lido, ou seja, utilizado. Dessa forma,
o texto não existe a priori, pois está imbuído de um sentido social que o transcende
(MAGNANI, op. cit.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das considerações aqui expostas, reforçamos que a leitura literária é
inevitavelmente escolarizada, no entanto, é pertinente que analisemos com maior clareza e
rigor a dinamicidade, e pluralidade de concepções políticas que envolvem esse processo de
leitura, tais como as relações extra, inter e intratextuais que, por muitas vezes acabam ficando
fora da escola, onde a leitura assume finalidades imediatistas e utilitaristas, conforme já
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refletimos nesse trabalho, bem como as concepções e posturas adotadas pelos próprios
educadores, que não são de modo algum despretensiosas e neutras, mas carregam consigo
intencionalidades políticas e ideológicas de formação.
Pelos motivos acima retratados, percebemos a necessidade de uma nova
metodologia e postura curricular no que concerne ao trabalho com o texto literário infantojuvenil na Educação Infantil.
Acreditamos que o texto literário pode ser utilizado na sala de aula de forma
diferenciada, considerando, portanto, o contexto social do leitor e a gama de experiências que
ele é capaz de entrecruzar com o texto lido, alargando assim, o seu próprio horizonte de
expectativas.
Por esses motivos discutir leitura literária na educação infantil, é refletir o processo
histórico e político que constitui a própria Educação Infantil, a leitura, a Literatura Infantil e
substancialmente as políticas curriculares que permeiam esses processos.
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QUEM FORMA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO
INFANTIL?
Maria Cristina Leandro de Paiva
UFRN/Brasil
Resumo
O enfoque do trabalho está no formador de professores da educação infantil, enquanto
profissional que exerce influência e intervém nos processos formativos dos docentes, além de
possuir especificidades próprias ao seu saber-fazer. Constitui-se em um recorte de nossa
pesquisa doutoral que teve como objetivo compreender os saberes docentes requeridos na
prática das formadoras de professores da educação infantil da Secretaria Municipal de
Educação de Natal/RN. Para coleta de dados, utilizamos o questionário e a entrevista
coletiva. O Formador de Professores ao mesmo tempo em que pensa o processo de
aprendizagem do seu aluno-adulto-professor, não pode perder de vista a aprendizagem do
aluno-estudante desse professor adulto, uma vez que o processo de aprendizagem,
desencadeado durante a formação, irá refletir na aprendizagem de sala de aula e,
consequentemente, na construção e desenvolvimento do currículo escolar. Os achados
apontaram que os formadores de professores na educação infantil precisam ter experiência na
área, conhecimentos pedagógicos e teóricos que embasem suas atividades de formação. E
ainda: A produção teórica sobre o sujeito formador de professores é escassa; Falta clareza
quanto às especificidades em formar – professores-alunos-adultos-profissionais –, o que é
diferente de alunos estudantes.
PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, professores, formador de professores.
The focus of the work is IN a teacher trainer in early childhood education, while professional
wich influence and intervene in the formation processes of teachers, besides having its own
specific know-how. It constitutes a cut of our doctoral research aimed to understand the
knowledge required in the practice of teacher trainer of early childhood teachers from the
Municipal Education Natal / RN. For data collection, we used questionnaire and news
conference. The Teacher Trainer at the same time they think the learning process of their
student-adult-teacher, can not lose sight of student learning that teacher-student adults, since
the learning process, which occurs during training, will reflect on classroom learning and,
consequently, construction and development of school curriculum. The findings indicated that
teacher trainers in early childhood education must have experience in the area, pedagogical
and theoretical knowledge on which to base their training activities. And again: The theoretical
discussion on the subject teacher trainer is scarce; Lack of clarity on the specific form teacher-student-adult-professional - which is different from students students.
KEYWORDS: Early childhood education, teacher, teacher trainer.
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O presente artigo, como um recorte de uma pesquisa mais ampla acerca dos saberes
docentes das formadoras de professores da educação infantil, visa discutir a identidade e o
perfil das formadoras de professores que atuam na educação infantil, perspectivando
identificar as peculiaridades e singularidades dessa profissional no contexto da formação
docente.
A pesquisa trata das assessoras pedagógicas que compõem a equipe de Educação
Infantil da Secretaria de Educação do Município de Natal/RN - SME, além da própria
coordenadora do setor, diretoras, vice-diretoras e coordenadoras pedagógicas dos centros de
educação infantil da rede municipal de ensino. Esse universo pode ser chamado de equipe
pedagógica, e para Kramer (In: MACHADO, M.L. de A., 2002, p.124) “precisam se tornar
equipes de formação dos profissionais das escolas”. No sentido de diferenciar o papel
atribuído a essas profissionais e aos docentes que atuam diretamente em sala de aula,
optamos por denominá-las Formadoras79 de professores, pois concordamos com Kramer sobre
o papel atribuído a essas no campo pedagógico.
A relevância do referido artigo, entre outros aspectos, estar em possibilitar reflexões
sobre a figura do formador de professores que precisa ser visto como mediador na formação
de professores, uma vez que ele intervém e é determinante tanto no processo formativo
quanto em seus resultados, além de possuírem grande responsabilidade no processo
formativo dos professores e nas práticas veiculadas nos cursos que implementam, apesar de
se tratar pouco a esse respeito (PAIVA, 2004).
Nesse sentido, o formador de professores deve possuir saberes docentes específicos
e transversais à prática formativa. Tais saberes, embora incluam os saberes docentes da área
de ensino em que atuam os formadores, extrapolam e apresentam algumas especificidades
com relação àqueles, haja vista a grande responsabilidade do formador em mediar um
trabalho formativo, perspectivando uma posterior transposição didática, visando ao sucesso
escolar – dos alunos dos seus alunos. A figura seguinte demonstra o lugar que o formador
ocupa na formação e, conseqüentemente, no processo educativo:
79
O uso do termo no feminino dar-se-á pelo fato do grupo ser formado eminentemente por mulheres.
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FORMADOR
PROFESSOR
ALUNO
FIGURA 1: Função do formador e do professor no ensino e aprendizagem
Pela figura acima, podemos perceber que o formador pensa o processo ensino e
aprendizagem do professor e do aluno desse professor, enquanto o professor pensa tal
processo com referência ao seu aluno. Seria uma dupla consideração: aluno como finalidade
do processo educativo e professor como alvo da formação
Nessa perspectiva, a formação de professores, precisa pensar, além de para que e
como, em quem assumirá a função de formador; de outra feita, como nos alertam Altet,
Perrenoud e Paquay (2003, p.09):
Os melhores formadores não poderiam compensar a pobreza dos planos e
dispositivos de formação, mas, inversamente, os currículos mais bem
pensados e as didáticas profissionais mais sedutoras não terão nenhuma
virtude se os formadores não estiverem “à altura”.
Desvendar o perfil e a identidade das formadoras de professores é fator relevante
para a estruturação da formação dos educadores infantis e da constituição de grupos de
formadores que conectem o seu fazer e o fazer docente na educação de crianças.
Metodologia
Para retratar a face do ‘ser formadora’ no nosso campo de investigação, fizemos uso
de três instrumentos a)registro individual da percepção da cada uma sobre si mesma – Como
eu me vejo enquanto pessoa e profissional; b)questionário para caracterização do grupo e
visão sobre a função exercida; c) entrevistas coletivas – falas relativas à função.
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A escolha pelo uso do questionário para as Formadoras se deu pelo fato de ser ele
um instrumento que possibilita expressar-se através da escrita, induzindo a organização das
idéias e pensamentos. Esse era nosso interesse: que as Formadoras expressassem, pela escrita,
suas idéias, pensamentos, uma vez que escrever pressupõe sistematização, elaboração mental,
além de evocar concepções e projeções sobre fatos e situações.
Os quesitos do questionário foram inspirados numa pesquisa realizada por Lang
(ALTET, M., PAQUAY, L.; PERRENOUD, P., 2003), na Bretanha, com formadores da formação
inicial em exercício, sobre o olhar que estes lançam sobre si mesmos, sobre o ofício assumido e
suas evoluções.
Utilizamos a entrevista coletiva pelo fato desse instrumento possibilitar o diálogo
com o grupo de forma que as idéias são expostas com uma maior intensidade, uma vez que
uns podem escutar os outros – uma troca, em que o poder e a posição hierárquica do
entrevistador parecem diminuir (KRAMER, 2002). Para Kramer (2002), as pessoas se sentem
mais à vontade e colocam seus pontos de vista com maior naturalidade, uma vez que se
estabelece um diálogo entre participantes, em que o facilitador/mediador se envolve
intensamente, colocando-se como mais um no grupo, sem, contudo, sair do seu lugar de
observador atento, estimulador, questionador, problematizador.
Notas sobre o formador de professores
Antes de adentrar no perfil da tripulação, consideramos pertinente registrar algumas
notas sobre os formadores de professores, a partir de estudiosos como Marcelo Garcia, Nieto
Cano e Hernández.
Para Marcelo Garcia (1999), a proposta de desenvolvimento profissional do professor
veiculada atualmente não pode acontecer no vazio; requer recursos materiais e humanos,
tendo em vista a coordenação dos diferentes momentos formativos. Isso posto, há a
necessária existência e utilidade de serviços de apoio externo que coordenem a iniciação,
desenvolvimento e avaliação dos projetos de formação docente que possam melhorar
qualitativamente o êxito escolar (HERNÁNDEZ, 1992; MARCELO GARCIA, 1999; NIETO CANO,
1992).
Em alguns países – França, Irlanda do Norte, Inglaterra e Austrália –, os serviços de
assessoria ao desenvolvimento profissional estão a cargo de agências oficiais, enquanto outros
funcionam com agências interdependentes – Holanda –, centros de professores – Dinamarca –
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e instâncias diversas – Espanha. No caso do Brasil, os assessores advêm de diferentes
instâncias e não há, reconhecidamente, uma sistematização que designe a forma, a função e o
lugar que eles ocupam no processo formativo.
Para Louis (1989, p. 13 apud MARCELO GARCIA, 1999, p.223), o apoio externo pode
ser definido como: “1) o processo de ajudar uma escola através de atividades de
aperfeiçoamento; 2) a assessoria é feita por indivíduos cujo principal emprego é fora da
escola”. Exercem também um perfil multifuncional na informação, disseminação,
estabelecimento
de
redes,
análises
e
investigação,
planejamento,
elaboração,
desenvolvimento, formação e avaliação. Esta complexidade e riqueza de alternativas podem
variar, total ou parcialmente, de acordo com a pessoa que assume este papel, com o lugar em
que atua – sistema escolar – e as condições contextuais do processo de assessoria.
Para Marcelo Garcia (1999), a política educativa, as características do sistema
educacional, a autonomia das escolas e o grau de profissionalismo dos professores, exercem
influência direta sobre os processos de assessoria. Igualmente, para Hernández (1992), as
mudanças no quadro profissional do professor, que não aceita mais ser um executor de tarefas
decididas por outros, mas busca quem lhe ajude a analisar e refletir sobre a sua prática, a
planejar o currículo e introduzir inovações educacionais, têm gerado novas demandas para os
assessores e professores universitários, o que acarreta o estabelecimento de outros modos de
relações. Assim, estes podem tornar-se: a) burocráticos – homogeneidade entre as escolas,
órgão central responsável pela iniciação e gestão do aperfeiçoamento dos professores,
controle do sistema, professor como burocrata e autônomo apenas em relação à sua classe,
estabilidade como sintoma, diretores vistos como intérpretes das normas estabelecidas, ou b)
autônomos – preferência pela diversidade nas escolas, iniciativa do aperfeiçoamento feita
pelos professores da escola, professor como artista que cria e improvisa e membro de uma
coletividade, mudança como indício positivo, diretores como líderes instrucionais (LOUIS, 1989
apud MARCELO GARCIA, 1999).
Dessa forma, a depender da política de formação implementada, a visão do professor
acerca do formador pode se transformar em: 1) ‘cúmplices’ da política administrativa –
respondem à implementação das normas e regulamentos administrativos; 2) sujeitos
colaboradores – profissionais que podem ajudar os professores; respondem às necessidades
das escolas (MARCELO GARCIA, 1999).
O apoio do assessor externo deve estar condicionado aos princípios da formação e
inovação curricular a partir da escola, em que o professor aprende na reflexão sistemática
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sobre a prática, em um contexto cooperativo. Nesse sentido, os formadores não devem ser
depositários de conhecimentos e trabalhar sobre a escola, mas com a escola, como
subsidiários no que ela necessita.
Um aspecto importante tratado por Nieto Cano (1992) e condizente com esse
trabalho diz respeito ao assessor externo e interno da organização escolar. Os estudos que
esse autor efetuou demonstraram que o assessor externo – formadores da secretaria no caso
desse estudo – tem mais possibilidades de ser independente, de manter-se à margem da
estrutura de poder e influência da escola, além de poder analisar imparcialmente seu
funcionamento. Tal situação o faz um elemento catalizador e negociador de diferentes
percepções da realidade, mas também exige a tarefa de estabelecer relações com os membros
da escola, podendo ter que se confrontar com a hostilidade derivada de antigos fracassos e
erros. Perrenoud (2002) identificou quatro obstáculos que podem ser enfrentados pelos
formadores nesse caminho: 1) envolver todos os membros do corpo docente de uma
instituição em um projeto de formação comum; 2) confrontar os conflitos, não-ditos, sombras
cegas, mau humor que ocultam as reivindicações, geralmente à direção; 3) entrar na
intimidade das pessoas que forma para conhecer sua situação e as práticas vigentes; 4) mudar
a natureza do procedimento de formação.
Por outro lado, o assessor interno – apoio pedagógico das escolas – situa-se numa
situação privilegiada por ter maior probabilidade de ser aceito pelos seus membros, já que é
uma figura familiar; conhece profundamente seu centro, sua cultura, as normas, toma parte da
rede das relações interpessoais, fala a mesma linguagem do grupo, identifica-se normalmente
com as aspirações, valores e necessidades dos seus pares. Algumas evidências sugerem que o
êxito do assessor externo pode estar relacionado com a colaboração estreita do assessor
interno que prolonga e reafirma suas atividades no centro escolar. Essa relação – assessor
externo e interno – constitui uma estratégia crucial em projetos de inovação educacional.
O grupo que constitui este trabalho, como já mencionado anteriormente, pode ser
considerado como: formadoras externas à escola – assessoras da SME – e internas – apoio
pedagógico das escolas, e é sobre o perfil desse grupo que iremos tratar agora.
Formadoras de professores da educação infantil: quem são, o que fazem?
Apresentaremos dados relativos ao eu pessoal e ao eu profissional, como dimensões
que não se excluem, mas, ao contrário, articulam-se na constituição da identidade de cada
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
uma. De antemão, queremos esclarecer que o fato de termos destacado esses dois aspectos
não significa que percebemos a pessoa em partes, mas compreendemos assim como pontua
Nóvoa (1995a), que uma parte da pessoa é o profissional e uma parte do profissional é a
pessoa, sendo impossível separar um do outro. Como pessoas humanas, somos indissociáveis
e, ao falarmos de um determinado aspecto de nosso ser, não deixamos de suscitar outros, haja
vista nos constituirmos enquanto sujeitos na relação com os outros sociais a partir de nossas
idéias prévias, num processo evolutivo, como pontua Wallon (1995).
Evidenciamos a força que emana dessas Formadoras, como a responsabilidade, a
dedicação e a perseverança expressas nos enunciados. Assim, podemos dizer que se trata de
um grupo que busca caminhos e não se acomoda diante das adversidades, unindo o que
Oliveira-Formosinho (In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M., 2002) considera
fundamental para sustentar a paixão de educar as crianças: saberes e afeto.
O perfil do grupo expressa a preponderância dada, pelas Formadoras, a coletividade,
na importância dada às trocas com os outros e na ajuda ao próximo. A busca pelo coletivo é a
essência do humano que abstrai-se de si mesmo para colocar-se no lugar do outro, no ouvir,
no envolver-se, no partilhar. É no cuidado com o outro que nos fazemos mais gente, que
compreendemos e somos compreendidos. Essa característica, que deveria ser universal,
sobrevive às adversidades da dominação e da individualidade.
As Formadoras são do sexo feminino, no que se assemelha à condição das docentes
que atuam na educação infantil. Nessa etapa da educação básica, a profissão tem sido
marcada pela naturalização do feminino, ou seja, há um predomínio de mulheres atuando na
docência. As explicações generalistas aproximam a função da profissional da infância com os
cuidados maternos, além de perpassar uma hierarquia nas funções assumidas junto às
crianças, como foi apontado em uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas: quanto
mais diretamente exerce atividades ligadas às crianças, quanto menor o educando e mais
próximo ao seu corpo, menos prestígio tem o profissional e menos exigente se torna sua
formação (CAMPOS et al., 1983 apud CERISARA; ROCHA; SILVA FILHO, In: OLIVEIRAFORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M., 2002). Não nos é possível afirmar que a situação das
Formadoras é a mesma dos profissionais que atuam na docência junto às crianças, mas que a
hierarquia apontada na pesquisa referida acima, pode ser vislumbrada no contexto social.
Assim, o quadro de mulheres formadoras na educação infantil nos deixa pistas sobre os
vestígios da visão feminina na atuação junto a essa etapa da educação básica, o que pode
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explicar o afastamento do sexo masculino no acompanhamento e formação as docentes da
infância.
Estas mulheres – Formadoras de professores – podem ser consideradas pessoas
maduras, uma vez que seis formadoras encontram-se entre os 30 – 40 anos de idade, duas
estão entre 41 – 50 anos e uma acima de 50 anos, portanto, no ápice de suas experiências de
vida.
Os dados sobre a formação mostram a importância que as formadoras dão a esse
aspecto, uma vez que seis formadoras buscaram uma formação posterior à graduação, em
nível de especialização. É importante registrar que das seis especialistas, apenas uma cursou
especialização em educação infantil; as demais freqüentaram outros cursos: psicopedagogia,
alfabetização, educação de adultos.
As formadoras apenas com graduação80 explicam o fato pela falta de oportunidade e
recursos para cursar uma especialização – os cursos oferecidos são pagos, além da oferta
restrita de vagas no mestrado em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN. Dizem ainda que desejam dar continuidade à formação inicial, principalmente, se
tiverem oportunidade de cursar uma pós-graduação na educação infantil.
Os dados sobre tempo de experiência docente apontam que apenas uma formadora
possui menos de 10 anos de atuação, o que demonstra, de acordo com os estudos de
Huberman (In: Nóvoa,1995) sobre os ciclos de vida profissional dos professores, que o grupo
encontra-se na fase de estabilização ou de compromisso, independência e pertença a um
corpo profissional. O referido autor pontua, dentre outros fatores, que as pessoas, nesta fase,
centram esforços na tentativa de desempenhar papéis mais lucrativos e responsabilidades de
maior importância ou prestígio. É o que podemos perceber neste grupo, pelo afastamento da
sala de aula para assumir funções educativas consideradas de prestígio: direção, vice-direção,
coordenação e assessoria pedagógica.
Em se tratando da atuação especifica na educação infantil, seja em função docente
ou outras correlatas, como as citadas anteriormente, os dados se invertem e quatro
formadoras estão na faixa das que têm menos de cinco anos de atuação nessa área, o que
demonstra estarem na fase de exploração; sobrevivência – choque com o real/confrontação
inicial com a complexidade da situação – e descoberta – entusiasmo inicial e responsabilidade
(HUBERMAN, 1995). Assim também acontece com o tempo de experiência docente nessa
etapa da educação básica, sendo que se encontramos três formadoras com menos de cinco
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anos de experiência docente nessa faixa etária, há duas sem experiência alguma, ou seja, se o
tempo de atuação na educação infantil pode ser considerado curto, na docência ainda é mais
reduzido.
Estes dados nos deixam indagações quanto à função mediadora do formador em
fomentar a reflexão sobre a prática docente, se sua própria experiência na fase em que atua se
encontra em processo de estabilização. É certo que há pessoas que se estabilizam cedo e
também a experiência docente em outras áreas pode oferecer subsídios para sua atuação, de
forma que, apesar de ser iniciante na área da educação infantil, não o é na docência.
Entretanto, as especificidades da área e da atuação docente junto às crianças pequenas e suas
famílias, requerem reflexões outras que apenas a experiência em contexto pode trazer. Por
outro lado, o conhecimento experiencial só é útil, em termos pessoais e organizacionais, só se
constitui em epistemologia, se refletido e analisado à luz de referenciais teóricos (OLIVEIRAFORMOSINHO, 2002; MARCELO GARCIA, 1999).
Para Freire (2003b, p.145), “a prática precisa da teoria, a teoria precisa da prática,
assim como o peixe precisa de água despoluída”. E como diz Kishimoto (2003), a complexidade
do cotidiano escolar não pode ser explicada, apenas pelas teorias; há que se rever essa prática
e atribuir à formação pedagógica um estatuto científico, de forma que o saber educativo seja
reconhecido como área de saber específico, não genérico, e a formação profissional dos
professores seja uma combinação entre o saber acadêmico e pedagógico (MARCELO GARCIA,
1999). Essa visão requer formadores com conhecimentos práticos/experienciais e teóricos que
possibilitem uma formação em que a condução da prática adquira o mesmo valor que os
referenciais teóricos.
Por outro lado, há que se reconhecer que ninguém assume um novo papel já como
veterano; as situações vivenciadas e as maneiras de interpretá-las vão dando sentido à função
assumida, sendo que as experiências adquiridas no contexto exercem uma forte influência no
desenvolvimento profissional, e como uma caminhada que decorre ao longo da vida, portanto
dinâmica, pode não ser linear (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002).
A função formadora – construindo uma identidade
80
Das três Formadoras que tinham apenas graduação, atualmente, duas concluíram cursos de pós-graduação – especialização:
uma em educação infantil e outra em motricidade.
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Pesquisas sobre a identidade do professor afirmam que esse processo ocorre
gradativamente de acordo com o tempo de atuação no magistério, bem como pela formação
profissional. A identidade docente advém da significação social da profissão e da reafirmação
das práticas culturais que permanecem significativas; passa por um processo de acomodação,
desacomodação e reacomodação. Nesse sentido, a identidade transforma-se no contexto
sócio-político-histórico, nas interações estabelecidas com os outros sociais. Este constructo
passa necessariamente pela mobilização dos saberes da experiência, ou seja, é na prática que
o docente, enquanto sujeito historicamente situado, ressignifica e constrói sua identidade
(PIMENTA, 2002).
É, pois, no bojo desse contexto que trazemos a reflexão sobre a função formadora –
assessoria, como uma função em vias de consolidação. Nesse sentido, buscamos compreender
como as colaboradoras desse estudo se percebem enquanto formadoras de professores.
Verificamos que a referência ao papel de formadora de professores gera controvérsias entre
as colaboradoras, pois embora atuem no acompanhamento pedagógico no âmbito da
formação, três colaboradoras não se consideram como tal.
Depreendemos que a negativa pode estar relacionada ao termo formar/formador e
não ao papel assumido na função formativa. Aproveitamos o ensejo para explicitar que a
perspectiva que assumimos relativa a formar, supera a modelagem e reciclagem, e se
assemelha a um processo que proporciona parâmetros e reflexões. Formar é muito mais que
treinar para o desempenho de tarefas; aproxima-se a uma arte de conduzir seres à reflexão
crítica de suas realidades (FREIRE, 2003a). Como bem diz Kramer (2002a), a idéia de reciclagem
sugere que os professores podem se descartar da história passada, da experiência vivida e
começar tudo de novo; o que é impossível.
Marcelo Garcia (1999), diz-nos que o conceito de formação é suscetível de múltiplas
perspectivas e pode ser entendido por três ângulos: como uma função social de transmissão
de saberes, de saber-fazer ou de saber ser; como um processo de desenvolvimento e de
estruturação da pessoa e como instituição – estrutura organizacional de planejamento e
desenvolvimento de ações formativas.
Ainda salienta, ao analisar diversos conceitos de
formação, que esta não se restringe meramente a aspectos técnicos e instrumentais, mas há
um componente pessoal evidenciado nos valores, finalidades e metas da formação; o que não
significa pensar em uma formação unicamente autônoma. A esse componente pessoal, o autor
referido traz as idéias de Debesse (1982 apud MARCELO GARCIA, 1999) para distinguir:
autoformação – participação independente do indivíduo que controla seu desenvolvimento e
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resultados; heteroformação – uma formação que se organiza e se desenvolve por agentes
externos; Interformação – ocorre como apoio ao trabalho da equipe e pode se dá entre os
futuros professores ou entre professores atuantes em fase de atualização de conhecimentos.
Podemos perceber que estamos tratando de uma perspectiva interformativa, tendo
em vista mudanças pessoais e profissionais de um grupo de docentes em processo de
desenvolvimento profissional e ampliação de conhecimentos. Trata-se de intercâmbios
formativos em que há uma ação consciente entre formador e formando, portanto, não pode
ser considerada como ‘treino’.
Um fato importante a destacar é que as três colaboradoras que não se consideram
formadoras e não justificaram a negativa, duas são coordenadoras pedagógicas dos centros
infantis e uma é assessora técnica do setor de educação infantil, o que é preocupante, uma vez
que o trabalho do coordenador pedagógico é fundamentalmente de formação continuada em
serviço.
As seis colaboradoras que se consideram formadoras de professores justificam esse
papel pelo fato de buscarem apoiar e ajudar as educadoras infantis em estudos e discussão
sobre a profissão, como nos diz Marina: “busco socializar o que sei e intervir no momento
oportuno para que o outro se aproprie também do conhecimento”. E, ainda “temos produzido
momentos interessantes de reflexão e reconstrução de conhecimento” (Rita).
As falas se aproximam da visão de Altet (In: PERRENOUD, P. et al., 2001, p.32), para
quem o formador é o “mediador que facilita a tomada de consciência e conhecimento,
participando da análise das práticas, em uma estratégia de co-formação”. Nessa perspectiva, o
formador se propõe a desempenhar o papel de
guia e mediador entre iguais, o de amigo crítico que não prescreve soluções
gerais para todos, mas ajuda a encontrá-las dando pistas para transpor
obstáculos pessoais e institucionais e para ajudar a gerar um conhecimento
compartilhado mediante uma reflexão crítica (IMBERNÓN, 2002, p.89).
Esta vertente expande a compreensão sobre o formador de professores na formação
continuada, abstraindo visões de que a função formativa é exercida, prioritariamente, por
professores universitários, ou mesmo, que a docência formativa faz-se tão somente em cursos,
encontros, seminários, outras formas que não envolvem o acompanhamento, o planejamento,
enfim, a ação pedagógica cotidiana.
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Para Adriana, “o professor, que está na escola, necessita se sentir apoiado, de um
trabalho de referência”, que não pode se dá apenas em momentos pontuais, uma vez que a
prática cotidiana é dinâmica, repleta de incertezas, dúvidas e contradições. Para Perrenoud
(2002), é normal o formador ser considerado um referencial, pelas competências que lhe são
exigidas na assunção da função.
Na formação continuada, ainda não se tem uma precisão de quem deveria ser o
sujeito formador de professores, uma vez que esta se encontra como uma função transitória,
em busca de sua identidade. É fato que, quem a assume, chega, por vezes, a exercê-la por
anos seguidos, quando até mesmo se afasta da sala de aula para integrar os quadros das
Secretarias de Educação, assessorando os professores, acompanhando suas atividades e
responsabilizando-se por sua formação, o que lhe confere status de formadores e lhe impõe
requisitos diferenciados para tal função. Entretanto, na maioria das vezes, essas atividades são
exercidas sem clareza das práticas que lhe são confiadas, como também do título que é
outorgado ao sujeito formador, sendo reconhecido como professor, técnico, assessor,
consultor, coordenador de grupo, apoio pedagógico, suporte pedagógico, entre outros, como
é o caso das Formadoras dessa investigação.
Nieto Cano (1992) afirma que a figura do assessor – formador – é relativamente
nova no cenário educativo e não se dispõe de um corpo de conhecimentos suficientemente
elaborado sobre suas funções e natureza. Na sua visão, encontramo-nos em uma fase
exploratória. Há de se convir que seu texto data de 1992, portanto, sua preocupação já
denunciava a necessidade de se investir em pesquisas nesse sentido, fato pouco explorado em
nosso país, pelo menos em se tratando de formadores que atuam na formação continuada dos
professores, fora dos quadros da universidade.
Ainda ressalta que um foco de atenção que tem monopolizado boa parte da
literatura tem sido a definição dos possíveis nomes recebidos pelos agentes de apoio externo.
Na sua visão, esse panorama é bastante ambíguo e confuso, uma vez que são usados o mesmo
termo para contextos de atividades diferentes, assim como determinadas denominações são
suscetíveis a interpretações variadas, a depender do enfoque dado.
Concretamente, em se tratando do seu país – Espanha, duas visões se impõem no
contexto geral do apoio externo: especialista e generalista. O assessor especialista pode ser
definido como um experto em determinado conteúdo que pode oferecer soluções particulares
a problemas concretos em razão do seu conhecimento e habilidade naquele assunto. Tem sido
descrito como fonte de conhecimento, habilidade e experiência que pode ser requisitado a
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contribuir, pontualmente, na resolução de problemas curriculares e instrucionais, o que requer
uma complexa formação técnica. O assessor generalista põe ênfase no trabalho do coletivo
escolar e se propõe a ajudar os professores a perceber, compreender e atuar sobre os
acontecimentos, tendo em vista melhorar a situação curricular e organizacional; sua atuação
refere-se, primeiramente, às pessoas e aos grupos, mais que ao problema a resolver, já que as
relações que se estabelecem são de caráter pessoal, comprometido e co-responsável. Por
atender mais a escola como organização e sistema social, deve ser um experto em processos
de planejamento educativo, dinâmicas de grupo e organizacionais, estratégias de diagnóstico,
tomada de decisões e soluções de problemas, aprendizagem da pessoa adulta e
desenvolvimento profissional cooperativo (NIETO CANO, 1992).
Uma maior eficácia no trabalho desenvolvido pelo assessor se daria numa adequada
combinação entre o papel do especialista e do generalista, de modo que a
formação/assessoria poderia ser oferecida por pessoas que trabalham juntas e têm como
propósito comum realizar uma assistência proveitosa ao esforço de inovação escolar (NIETO
CANO, 1992).
No Brasil, encontramos uma lacuna, em se tratando do formador, a começar pela
designação do termo utilizado que, de acordo com o contexto da formação, recebe
nomenclaturas diferentes, sendo denominado: professor formador, tutor e formador de
professores. Fizemos uma leitura mais aguçada dos Referenciais para Formação de Professores
(BRASIL,1999), buscando compreender em que momentos e com que sentido o termo estava
sendo empregado.
O professor formador é o professor experiente que assume atividades de formação
sem abandonar a regência. Atua, prioritariamente, junto à formação inicial, recebendo
estagiários em sua sala e professores iniciantes. Um conselheiro que pertence ao mesmo ofício
de quem ele forma, um pouco mais à frente e com capacidade de formalizar e transmitir
saberes e saber-fazer profissionais. (ALTET et al., 2003b, p.239). O Tutor assume a
responsabilidade pelo acompanhamento de professores que participam de uma formação à
distância. O Formador de Professores é responsável pela formação inicial e continuada dos
docentes. Esses formadores selecionam e organizam o conteúdo dos Programas, como
também assumem a tarefa de conduzir o trabalho.
As três dimensões apontadas na levam-nos a perceber que o formador assume uma
tarefa ligada ao ensino num patamar diferente do professor. Para Stella e Scarpa (2002, p.01),
o formador é “um profissional que tem, na prática pedagógica, a matéria-prima de seu
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
trabalho, cujo objetivo é desenvolver a autonomia dos professores mediante a construção
conjunta dos meios, da reflexão na e sobre sua ação para que se apropriem dos fundamentos
do que fazem”.
Esta premissa evocada pelas autoras supracitadas encontra um desafio crescente:
fazer com que as Formadoras se percebam enquanto tal e com a responsabilidade que a
função demanda, uma vez que essa assunção produz conflitos, como nos fala Isis: “ainda estou
em conflito comigo mesma”.
Ser formador é mediar a ação pedagógica de forma que o professor, como aprendiz,
possa refletir sobre seus conceitos e prática, saindo de uma postura receptiva para a de
construtor de conhecimento. Tal estratégia oportuniza aos professores refletirem sobre si
mesmos, sobre os processos de sua formação e lhes permite se projetarem como profissionais.
Esta visão nos leva a acreditar que “a formação dos professores não se dá especificamente e
linearmente pela atuação pura e isolada (individual) da aquisição de saberes”, como nos diz
Mariana; o que ratifica a importância daqueles que atuam no campo educativo – diretores,
vice-diretores, coordenadores e assessores pedagógicos, contribuindo com a formação
continuada dos professores.
Ademais, a própria Mariana adverte:
A uma coordenação não compete apenas assuntos de ordem administrativa
e burocrática, é importante também o envolvimento com as questões
técnico-pedagógicas que perpassam o trabalho desenvolvido nas IEI, este
entendimento, com certeza, ajudará no planejamento, operacionalização
dos programas e projetos de formação dos professores.
Sua advertência nos informa das competências que cabem ao coordenador como
responsável, além de outros aspectos, pela formação dos professores. Seu olhar
necessariamente circunda o conjunto de situações de ordem administrativa e pedagógica que
envolvem o ato pedagógico no qual a formação está inserida. Acrescentamos, entretanto, que
mais do que envolver o administrativo ao pedagógico é ter a consciência que o norte do
trabalho deve estar assentado nas diretrizes político-pedagógicas estabelecidas pelo sistema,
de forma que qualquer ação esteja investida das concepções que a constituem.
Pelo exposto, relativizamos o que dizem Showers, Joyce e Bennett (1987 apud
MARCELO GARCIA, 1998, p.67), no resultado de suas pesquisas sobre desenvolvimento
profissional que, entre outros pontos, destacam parecer “não importar onde e quando se
realiza a atividade de formação, como também não interessa o papel do formador. O que influi
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
é o projeto do programa de formação”. Nossa discordância resulta, além das abordagens
anteriores, do fato das próprias formadoras se sentirem responsáveis por esses programas,
como diz Rita: “precisamos avançar na sistematização de um programa de formação com
objetivos e estratégias definidas”. O formador é o elo central no planejamento,
desenvolvimento e avaliação dos programas formativos, portanto, elemento primordial desse
processo. Cabe a esse desvelar crenças subjacentes às práticas dos professores, de forma a
poder intervir na construção de competências profissionais necessárias à docência, o que exige
uma capacidade de análise das práticas de formação.
Assim, embora algumas colaboradoras ainda não se reconheçam como formadoras
de professores, as funções que exercem levam-nas a assumirem esse papel, mesmo sem a
clareza necessária da prática que realizam, nem do termo com que podem ser reconhecidas.
As discussões apontam que simbolicamente o formador existe, contudo não há um
espaço profissional de discussão acerca dos seus interesses. É premente colocar-se na pauta
de discussão, quando se trata da formação docente, a perspectiva dos formadores construírem
uma identidade de formadores, uma vez que “em uma profissão humanista, que faz quem a
exerce e aqueles a quem ela se destina correr riscos, a busca pela identidade é legítima”
(PERRENOUD, 2002, p. 172). Para esse autor, um aspecto que pode auxiliar nesta construção,
diz respeito ao trabalho conjunto/coletivo que visa reinventar a formação, tendo por base os
limites das práticas pessoais de cada formador.
O formador dá o norte, direciona, faz emergir o processo formativo que pode seguir
caminhos opostos da racionalidade técnica ou da interatividade. Dessa maneira, como citado
na introdução desse trabalho, os formadores precisam dominar conhecimentos relativos à sua
atuação – prática formativa – e aqueles específicos da atuação profissional dos professores.
Tais saberes precisam ser reconhecidos; de outra forma, a visão evasiva sobre esse tipo de
função pode acarretar uma contradição entre o que os formadores levam à escola e o que os
professores desejam receber.
Um modelo de síntese – as considerações
Indicarmos alguns aspectos referentes ao perfil do Formador de professores, tendo
em vista contribuir para uma reflexão acerca da função que o mesmo deve exercer.
Apontamos três eixos básicos que deveriam ser do domínio do Formador, para uma melhor
estruturação e desenvolvimento do seu trabalho, quais sejam:
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a) experiência docente – na perspectiva de que a experiência é fonte de
conhecimento, para ser formador de professores se faz necessário ter, antes, experiência de
forma direta – professora – ou indireta – supervisora pedagógica, orientadora, outros. As
experiências das formadoras, pregressas a sua função, influem sobremaneira na sua forma de
agir e de pensar. Nesse sentido, não basta ter conhecimentos na área que irá atuar – formação
na educação infantil, é preciso antes de tudo o contato direto com o público infantil, de outra
forma as mediações poderão se perder no vazio do discurso, sem a necessária articulação
teoria e prática.
b) conhecimento teórico – conhecimentos teóricos que deveriam ser do domínio do
formador de professores da educação infantil para atuar de forma eficaz na formação, como:
desenvolvimento e aprendizagem da criança, papel e função da educação infantil, leis e
políticas que envolvem a área, currículo na educação infantil, tendências pedagógicas.
Salientamos que estes conhecimentos são imprescindíveis e podem ser considerados básicos,
mas não são suficientes para o sujeito se tornar formador de professores na educação infantil,
sendo necessário buscar constantemente sua atualização profissional.
c) competência técnica e compromisso político – características do formador como
pessoa e profissional. Tais características estão relacionadas à capacidade do formador em ser
simpático, dinâmico, envolver o grupo em projetos formativos, estabelecer vínculos positivos
com as outras pessoas, problematizar situações sem discriminar, ofender ou menosprezar
ninguém, ser um apaixonado pelo que faz e pela educação infantil, além da responsabilidade,
estudo e pesquisa que sua função exige.
Este aspecto ratifica a preponderância do cuidado como elemento da personificação
humana, no respeito, zelo, atitude, atenção, enfim como um modo de ser que revela
responsabilidade e preocupação consigo e com o outro.
Estes eixos apontam que o assessor que faz parte da SME – Formador de professores,
não pode ser um amador a compor uma equipe pedagógica de uma Secretaria de Educação
sem um perfil adequado à demanda, pelo fato dos educadores não mais aceitarem que sua voz
não seja ouvida e seus conhecimentos não sejam considerados, além da dinamicidade do
conhecimento na contemporaneidade.
A realidade atual requer um Formador que invista no seu saber-fazer consciente de
seu papel de interventor no desenvolvimento profissional docente, no que necessita de um
arsenal básico de conhecimentos – teóricos e experienciais – tendo em vista otimizar o
desempenho de sua função. Um profissional que não se acomode diante das adversidades,
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
mas as considere pertinentes à pluralidade de conhecimentos e interesses do mundo,
possíveis de serem ultrapassadas.
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Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior
EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:
ENCONTROS E DESENCONTROS DAS POLÍTICAS DE
FORMAÇÃO DE PROFESSORAS/ES E DE CURRÍCULO
Maria Gorete Cavalcante Pequeno
Adelaide Alves Dias
Resumo
A área da infância vem se constituindo, nas últimas décadas, a partir do reconhecimento da
criança como sujeito de direito fruto de um processo de lutas e embates que busca vencer as
desigualdades que marcaram a história da criança em nosso país. Neste artigo ao
problematizar o lugar da Educação Ambiental nas políticas educacionais que orientam a
formação de docentes da Educação Infantil,verificamos que esta ocupa um lugar muito
incipiente nesses processos permeados por desencontros. E ao mesmo tempo identificamos
como encontros dessas políticas: a dimensão do cuidado, o caráter não disciplinar, a origem ambas surgem inicialmente como movimento social somente depois são incorporadas aos
sistemas de ensino - e o eixo temático Natureza e Sociedade. O desafio que está posto para
todas/os q
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iv colóquio internacional de políticas e práticas curriculares