V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior FORMAÇÃO DOCENTE E CURRÍCULO: POSSÍVEIS ENCONTROS ENTRE EDUCAÇÃO INFANTIL E EDUCAÇÃO AMBIENTAL1 Adelaide Alves Dias2 Universidade Federal da Paraíba [email protected] Maria Gorete Cavalcante Pequeno 3 Universidade Estadual da Paraíba/ Universidade Federal da Paraíba [email protected] Resumo A Educação Infantil - EI se apresenta, hoje, como campo em construção, complexo e multifacetado orientado pela história de discriminação que marcou a infância em nosso país. A docência para essa etapa se depara com fragilidades relacionadas à ausência de formação específica e desvalorização do trabalho com crianças pequenas. Nosso intuito, nesse artigo, é analisar as políticas educacionais voltadas para a infância a fim de problematizar o lugar da Educação Ambiental nas políticas educacionais e de currículo que orientam a formação e o fazer de docentes desse nível. Verificamos que esta ocupa um lugar muito incipiente, e até inexistente, nessas políticas, apesar de se encontrarem em vários pontos, como na dimensão do cuidado, no caráter não disciplinar, na origem - inicialmente em movimentos sociais e depois incorporadas aos sistemas de ensino - e o eixo temático Natureza e Sociedade do Referencial Curricular Nacional da EI. O desafio que está posto para todas/os que acreditam no potencial da infância é investir na “profissionalização docente” que possibilite a elaboração de um saber teórico-prático, orientado pela “racionalidade ambiental” e promova o desenvolvimento global da criança pequena. Palavras-chave: Infância. Educação Infantil. Educação Ambiental. Formação Docente. Introdução Nosso intuito, nesse artigo é destacar a forma como vêm sendo pensadas as políticas educacionais de atendimento a infância - e sua efetivação (ou não) no contexto das instituições que lidam com a criança pequena - a fim de problematizar o lugar da Educação 1 Órgão Financiador: CAPES/PROCAD NF 2009 Professora Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. Coordenadora do PROCAD NF 797/2010 e Líder do Grupo de Pesquisa Docências, Aprendizagens e Representações Sociais. 3 Professora da Universidade Estadual da Paraíba e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba. 2 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 1 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Ambiental nas políticas educacionais que orientam a formação de professoras/es da Educação Infantil. Ao analisar esses documentos A área da infância vem se constituindo, nas últimas décadas, a partir do reconhecimento dos direitos da criança, principalmente em relação à educação e ao atendimento em instituições específicas, fruto de um processo de lutas e embates que busca vencer as desigualdades que marcaram a história da criança (principalmente da criança pobre) em nosso país. No Brasil, a Educação Infantil – EI é instituída no âmbito da emancipação da mulher e sua inserção no mercado de trabalho em virtude do acelerado processo de urbanização, na conjuntura de uma sociedade marcada por contradições que permitem a coexistência de crescimento, miséria, desemprego e acesso desigual aos bens sociais - como por exemplo, oportunidades de educação - pelas diferentes classes sociais. Dessa forma a EI nasce dissociada da intenção de educar, ou seja, desvinculada de um currículo e da escola, e é concebida, por um longo período, como uma questão secundária e de cunho assistencialista (KRAMER, 2011). Nesse contexto, as políticas educacionais de atendimento a infância tem sido marcadas, desde o seu início por encontros e desencontros que revelam tanto uma concepção de discriminação quanto uma visão fragmentada desse período geracional e têm sido orientadas por diversas abordagens. Nos anos 1970 a perspectiva da “privação cultural” ganha destaque com ênfase nas carências culturais, deficiência linguística e defasagens afetivas que concebia as crianças como carentes, deficientes e imaturas. Nos anos 1980 essa concepção - reforçada, inclusive, por documentos oficiais - é questionada pelos Estados e municípios, a partir de contribuições da psicologia, sociologia e antropologia, que evidenciaram a condição desigual que estava sendo imposta às crianças e a necessidade de combater essa desigualdade e reconhecer as diferenças. Esse era um desafio necessário à consolidação da democracia e de repúdio a injustiça social e a opressão. Desde então a criança passou a ser percebida (pelo menos no âmbito do discurso) como cidadã que tem direito e pertence a uma classe social, um grupo, uma cultura. E, portanto, precisa ser respeitada em sua especificidade. Essa visão foi ratificada pela Constituição de 1988 – reconhecida como “Constituição cidadã” – primeira a reconhecer o direito de todas as crianças de 0 a 6 anos à educação e o dever do Estado de oferecer meios (creches e pré-escolas) para garantir esse direito. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 2 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Na década de 1990, período de transição e ampliação do debate acerca da Educação Infantil, principalmente a partir das orientações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei 9.394/ 1996, que além de reconhecê-la como primeira etapa da educação básica, determina a inclusão de creches e pré-escolas aos sistemas de ensino, evidenciando o seu caráter educativo, e a formação de nível superior (ou médio) para professoras/es desse nível. Essas mudanças, principalmente em relação à concepção assistencialista, abalaram todo um imaginário social, em relação à educação da criança pequena, construído historicamente e provocaram um intenso debate, e até mesmo embates, acerca das implicações políticas, econômicas e administrativas para a sua implementação. O caráter ambíguo acerca da infância acarretou, em nosso país, o estabelecimento de um campo muito diferenciado pela variedade de instituições, estruturas e profissionais que a ela tem se dedicado e contribuiu para a desqualificação profissional, reforçada pela dicotomia entre o “cuidar” e o “educar”, pois a titulação era dada, conforme a função que se exercia. O educar era atribuição das professoras, enquanto o cuidar ficava a cargo das auxiliares e recreadoras, dentre outras denominações4. Os atributos necessários para exercer o magistério infantil se baseavam (ou se baseiam), portanto, na afetividade enquanto “dom maternal” para educar convertido nas “tias” carinhosas, boas e pacientes, guiadas somente pelo coração e pela intuição, que ainda hoje ocupam muitas de nossas instituições que lidam com a infância, e contribuíram para a tendência da “feminização do magistério5”. A Educação Infantil é concebida, nesse contexto, como campo complexo e multifacetado e a docência, para esse nível, como atividade duplamente frágil pela falta de formação especializada e pela desvalorização do trabalho com crianças pequenas, associada a marcas socioculturais de uma profissão de nível inferior, um fazer com a conotação de cuidar, considerado como atividade de mulher que exige pouca qualificação. Essa ideologia camufla as precárias condições de trabalho, esvazia o conteúdo profissional da carreira e desmobiliza os profissionais quanto às reivindicações salariais e não os leva a perceber o poder, a importância e a responsabilidade da profissão que exercem (KRAMER, 2011, p. 127-128). Outro aspecto que tem atrapalhado a educação da criança pequena, em nosso país é a tendência de desvincular ensino e aprendizagem o que contribui para a desintelectualização de professores/as que priorizam a observação, a organização de espaços pedagógicos e o 4 As denominações para a/o profissional da Educação Infantil, ao longo da história, têm sido bastante variadas: monitoras, auxiliares pagens, recreadoras, berçaristas, auxiliares de desenvolvimento infantil, educadores infantis, professores, mães crecheiras, tias, entre outras. 5 Ver Tiriba (2005). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 3 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior acompanhamento de interesses da criança, em detrimento de aspectos relacionados ao ensino e a aprendizagem. O Relatório Final do estudo realizado pela FCC/MEC/BID6 visando obter informações sobre a qualidade do atendimento da Educação Infantil e seu impacto no aproveitamento de alunos/as no início do ensino fundamental em seis capitais: Belém, Fortaleza, Teresina, Campo Grande, Rio de Janeiro e Florianópolis - abrangendo as cinco regiões brasileiras, confirmou a precarização do trabalho docente nessa etapa da educação. Os resultados, dessa pesquisa, mostram que tanto em creches quanto em pré-escolas o item “Interação7” obteve a maior média (6,7), atingindo, assim, o nível de qualidade adequado, enquanto o item “Atividades8”, obteve a menor média tanto em creches (2,2) como em pré-escolas (2,3), atingindo, portanto, o nível de qualidade inadequado. Já a área Natureza/ciências recebeu a nota mais baixa (1,6), dentre as demais. Em relação ao item Rotinas de cuidado pessoal nas creches (refeições/merendas, sono e práticas de saúde) obteve médias que correspondem ao nível de qualidade inadequado. Esses dados indicam que em nossas instituições de EI ainda prevalece o modelo assistencialista em detrimento do educativo, uma vez que as interações positivas por si só não garantem a aprendizagem e o desenvolvimento da criança (BRSIL, 2010). Como também que mesmo o cuidar precisa ser melhorado. Essas questões demonstram que apesar dos avanços em relação ao reconhecimento de direitos e especificidades da educação da criança pequena, especialmente na última década, há o reconhecimento de que para se melhorar o atendimento das crianças de 0 a 5 anos, alguns impasses precisam ser desvelados. Dentre eles destacamos o “modelo pedagógico” a ser adotado em creches e pré-escolas e, principalmente, a formação de professoras/es para esse nível, no sentido de superar a concepção de cuidadora/guardadora, como foram reconhecidas historicamente, essas profissionais. As propostas para formação de professores/as do ensino fundamental e da EI no Plano Nacional de Educação - PNE (2001-2011)9 seguiram as orientações da LDBEN10. A meta era que todos os professores tivessem habilitação específica, de nível médio, em cinco 6 Fundação Carlos Chagas, Ministério da Educação em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Foi considerado, nesse item, a interação criança-criança e a interação adulto-criança que corresponde a supervisão das atividades e disciplina. 8 Esse item considerou as atividades proporcionadas às crianças, materiais disponíveis (quantidade e variedade e o tempo em que ficam disponíveis) e as condições dos espaços reservados para essas atividades (BRASIL, 2010). 9 O PNE (Lei 10.172, de 9 de janeiro 2001), defendeu a melhoria da qualidade do ensino em nosso país e reconheceu que ela depende da valorização do magistério, que implica em cuidar da formação inicial e continuada e das condições de trabalho, salário e carreira docente. 7 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 4 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior anos e em dez anos 70% tivessem formação de nível superior. Entretanto, apesar de termos crescido, na média nacional, em relação ao nº de professores/as com formação de nível superior com licenciatura: em creches (37,2%) e em pré-escolas (45,5 %), estamos distantes da meta (70%). Já a Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010) não apresentou metas quantitativas em relação à formação de professores/as da EI e a proposta do novo PNE (20012020, em discussão) - que redimensiona as metas para a EI nesse período: universalização do atendimento escolar à criança de 4 e 5 anos, até 2016, e o atendimento de 50 % das crianças de até três anos até 2020 - segue a mesma tendência de não definir metas (VIEIRA, 2010). Em relação aos atuais modelos de formação de professores/as para a EI, é possível identificar vários desencontros/tensões como a pouca clareza acerca do perfil desejado para esse profissional (traduzida na configuração curricular e oferta de cursos enciclopédicos); fragmentação e distribuição da prática pedagógica; ausência do perfil de professor pesquisador da prática pedagógica; cursos de formação amorfos que não consideram as especificidades da EI e com Projeto Pedagógico único para formar professores para a EI, EF e EJA11; novas modalidades de cursos de formação, a exemplo dos Institutos Superiores de Educação12 e Normal Superior, criados por políticas ligadas a acordos internacionais. Outro aspecto preocupante é a rígida natureza disciplinar da formação acadêmica que tem “efeitos catastróficos” nessa formação, uma vez que “a criança pequena aprende em contato com o amplo ambiente educativo que a cerca, o qual não pode ser organizado de forma disciplinar” (KISHIMOTO, 2011, p.). Diante dos grandes desafios inerentes a necessidade de construirmos um novo perfil de professoras/es para a EI, nos questionamos: Como promover uma formação acadêmica que considere as especificidades da educação da infância e atenda as necessidades da formação científica? Como superar a fragmentação do conhecimento, nos cursos de formação docente e ajudar professores/as a compreender que a criança pequena aprende de modo integrado? A “não escolarização da EI” seria uma forma de atender as especificidades da educação de infância ou uma forma de desvincular o ensino e a aprendizagem da educação da criança pequena? Como estruturar um projeto de formação inicial e continuada que atenda o direito 10 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9 394/96, que determina a formação de nível superior ou Normal de ní vel médio para decentes dos anos iniciais e da Educação Infantil. 11 Como propõem as novas Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia, regulamentadas pela Resolução CNE/CP nº 01, de 15 de maio de 2006. 12 Os Institutos Superiores de Educação têm a responsabilidade de manter Cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e para as primeiras séri es do Ensino Fundamental... (Artigo 63, inciso I, LDBEN). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 5 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior de todos/as professores/as (a formação é um direito) e brasileiros/as a uma educação pública e de qualidade? No intuito de vencer esses desafios e mudar a realidade da educação de nossas crianças na perspectiva da “institucionalização da infância” (KRAMER, 2005) e da “pedagogia da infância” (KISHIMOTO, 2011), precisamos, urgentemente, promover a formação de professores/as desse nível, na busca do desenvolvimento profissional13 que visa a profissionalização14 docente, proposta que parece convergir entre pesquisadores da área (KISHIMOTO, 2011; FORMOSINHO, 2009; KRAMER, 2011). A profissionalização de professoras/es de infância não se dá apenas no meio acadêmico, numa perspectiva teórica, mas num processo construído, de forma contínua, através da “história vivida” na formação prévia (de nível superior), formação na escola/creche/pré-escola (espaços privilegiados dessa formação) formação nos movimentos sociais da categoria e a formação cultural através da arte, literatura, música, teatro, museus, bibliotecas, capaz de nos humanizar e fazer compreender o sentido da vida para além da dimensão didática do cotidiano (KRAMER, 2005). É nesse contexto de busca da compreensão do sentido da vida que precisamos refletir acerca da necessidade de inserir a Educação Ambiental, nos sistemas de ensino desde a EI, enquanto “novo” campo do saber que visa promover a crítica ao atual modo de apropriação e transformação da natureza que hoje, conforme Bauman (2008), transforma o mundo em “mercado” e as “pessoas em mercadorias”. Iniciamos, portanto, refletindo acerca do lugar da EA nas Políticas de Formação de Professoras/es e do Currículo da Educação Infantil. 2. Encontros possíveis da Educação Ambiental com a Educação Infantil A Educação Ambiental em seu estágio inicial é concebida como preocupação do ambientalismo15. Somente depois se configura como um quefazer da educação ao dialogar com as tradições, teorias e saberes do campo educacional. O marco inicial de sua institucionalização ocorre, internacionalmente, a partir da Conferência de Estocolmo (Suécia 1972), que recomendou o Programa Internacional de Educação Ambiental, sob a égide da 13 Relaciona-se a ação profissional integrada que professoras/es desenvolvem junto as crianças e suas famílias a partir dos seus conhecimentos, competências e sentimentos e assumindo a dimensão moral da profissão (FORMOSINHO, 2011). 14 Diz respeito as saberes mobilizados por professoras/es através da integração de aspectos relacionados a formação e a luta por melhores condições de trabalho e de remuneração, ou seja, a carreira docente. 15 Também chamado movimento ecológico é um movimento social que congrega uma diversidade de correntes de pensamento que têm como foco a preocupação com o meio ambiente. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 6 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior UNESCO16 e do PNUMA17, consolidado na I Conferência sobre Educação Ambiental (Tbilise em 1977), na qual foram estabelecidas suas finalidades, objetivos, princípios e estratégias. No Brasil apesar da Educação Ambiental- EA já configurar como atribuição da Secretaria Especial do Meio Ambiente – SEMA (1973) e da Política Nacional de Meio Ambiente (1981) - que recomenda sua inclusão em todos os níveis de ensino - é a partir da Constituição Federal (1988, Art. 225) que é reconhecida como direito de todos e dever do Estado. Entretanto, somente no final da década de 1990 com a aprovação da Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA (Lei nº 9 795/1999, regulamentada em 2002) ganha reconhecimento público. A PNEA reconhece a EA como “um componente essencial e permanente da educação nacional, que deve estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não formal”. E destaca a EA na educação escolar como aquela desenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando: I - educação básica: a) educação infantil; b) ensino fundamental e c) ensino médio, além da educação superior, especial, profissional e educação de jovens e adultos. Além de outros encaminhamentos, recomenda que a EA deve permear todas as áreas do conhecimento de forma inter, multi e transdisciplinar e não se constituir em disciplina do currículo. Em relação à formação docente a PNEA propõe que a capacitação de recursos humanos deve voltar-se para “a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalidades de ensino” (Art. 8°, § 2°, inciso II) e no Art. 11, determina que “a dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas” (BRASIL, Lei n° 9.795/99. In: ProNEA, 2005, p.68). No entanto, Silva (2007) destaca como preocupante a lentidão com que as instituições têm aderido a essa questão e a tímida inserção da educação ambiental nos cursos superiores. Essa inserção inicial nos setores públicos confere a Educação Ambiental “um caráter conservador, comportamental e tecnicista voltado para a resolução de problemas”, aspecto que tem influenciado a sua prática didático-pedagógica no contexto escolar (JARDIM, 2011, p.125), bem como a sua inserção nas políticas educacionais que orientam a formação docente e a organização dos currículos. 16 17 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 7 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Apesar da regulamentação da EA nos currículos escolares e da formação de professoras/es de todos os níveis de ensino e campos do saber, a legislação e as políticas educacionais não têm conseguido sensibilizar os gestores para a sua inserção, de fato, nos processos formais de ensino, especialmente da Educação Infantil. É nesse nível que a EA parece está mais distante. Quanto à interface entre as políticas da EA e da EI, há vários desencontros. A Política Nacional de EI (BRASIL, 1996) nem a atual LDBEN mencionam a Educação Ambiental, nem a PNEA faz menção a LDBEN. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (Resolução CNE/CP Nº 1/2006) não faz referência a Educação Ambiental de forma explícita. Entretanto, propõe que o curso de Pedagogia promova, dentre outros, estudos “de conhecimentos ambiental-ecológicos” (Art. 2º), realize pesquisas que proporcionem conhecimentos, “(...) sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos” (Art.5º, inciso X)” e determina, no Art. 6º, que a “sustentabilidade, entre outras problemáticas centrais da sociedade contemporânea” deve compor o núcleo de estudos básicos do curso. A forma como essa questão é apresentada, nessas Diretrizes e demais documentos norteadores da EI, através de conceitos amplos como o “ambiental-ecológico” – que o documento não explicita o significado - exige um vasto conhecimento de educadoras/es, nessa área, para que possam os articular com os conteúdos dos diversos eixos de trabalho referentes ao Conhecimento de Mundo. A ausência desse debate na formação de pedagogas/os, nos leva questionar: podemos exigir que docentes, da educação infantil, desenvolvam a Educação Ambiental de forma contínua, interdisciplinar/transversal ao currículo se esta temática tem estado ausente da sua formação? Quanto ao Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), documento oficial elaborado pelo Ministério da Educação (MEC) em 1998, como parte da série de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais, visando subsidiar a elaboração de projetos pedagógicos nas instituições de educação infantil, é composto por três volumes e em nenhum deles aparece o termo Educação Ambiental. No primeiro volume, onde apresenta os objetivos gerais da educação infantil, vê-se que a preservação do meio ambiente está presente: “observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade, percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação”, corroborando com a definição de educação ambiental estabelecida na Política ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 8 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nacional de Educação Ambiental, que sustenta que “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente”, que é um “bem de uso comum do povo”, e é “essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”. Percebe-se que ambas falam na conservação do meio ambiente, portanto, que o RCNEI está de acordo com o que estabelece a PNEA (BRASIL, 1998). No volume três, voltado para o “âmbito da experiência e Conhecimento de Mundo, o eixo denominado “Natureza e Sociedade”, que reúne conteúdos pertinentes às áreas das Ciências Humanas e Naturais, com o objetivo de desenvolver nas crianças as capacidades de “explorar o ambiente, para que possa se relacionar com as pessoas, estabelecer contato com pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade e interesse” e para crianças de 4 a 6 anos, espera-se que sejam capazes de “estabelecer algumas relações entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem, valorizando sua importância para a preservação das espécies e para a qualidade da vida humana”. Mesmo que neste eixo, através de amplos objetivos as questões ambientais possam ser exploradas, em virtude da ausência de uma análise crítica da relação sociedade e natureza, não favorece o desenvolvimento da educação ambiental, na perspectiva crítica e transformadora. Exigindo, assim, a inserção dessa questão nos processos de formação inicial e continuada. Esse investimento se faz necessário em virtude de ser a infância, tempo privilegiado para construirmos uma nova maneira de perceber o ambiente e seus bens, enquanto finitos, públicos e sociais. Pois nessa fase a criança ainda não perdeu a percepção de que também é natureza, (que é um animal) como é possível perceber na forma como ela se relaciona e se identifica com seus elementos. Basta observar a satisfação e o seu encantamento quando lhe damos a oportunidade de está em contato com a água, a terra ou outros animais. Elas os valorizam e não se incomodam em “se sujar”, como falamos. No distanciamento da nossa condição de natureza passamos a percebê-la como sujeira. Um exemplo disso é o fato de hoje impermeabilizarmos todos os nossos espaços, inclusive nas escolas, não podemos deixar a criança ter contato com a Terra, nossa base de vida e energia, para “não se sujar”. Outra idéia a ser desconstruída é a de que a infância é uma fase propícia para implementar a formação de hábitos de “futuros cidadãos” – como se a criança não fosse cidadã hoje - alternativa de solução para os problemas da educação do país - como se propagou em décadas anteriores – e hoje se propaga em relação aos problemas ambientais. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 9 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Essa visão da criança como um ser que pode ser moldado, conforme as necessidades da sociedade, como forma de se adaptar a ela e não como alguém que pode contribuir ativamente para a sua transformação – desde que tenha oportunidade - é fruto de uma concepção de criança, como alguém incapaz, construída historicamente, nos contextos socioculturais que determinam a idéia que temos de infância e as imagens que fazemos dela. Precisamos, portanto, desconstruir, essas concepções, pois as crianças podem nos ensinar na sua naturalidade e sabedoria, que também somos terra e que precisamos dela para viver. A inserção da EA no contexto da EI, apesar de pouco explorada, tem um papel fundamental no desenvolvimento da criança, que ocorre principalmente, através de suas interações com as pessoas e com o ambiente, pois “as crianças se desenvolvem em situações de interação social, nas quais conflitos e negociações de sentimentos, idéias e soluções são elementos indispensáveis” (BRASIL, 1998, p.31). Além disso, as interações podem contribuir para a formação de uma nova cultura de respeito a si mesmo, aos seus semelhantes, aos outros animais e aos demais bens que compõem o ambiente que a cerca. A EA também se entrelaça com a EI, através da dimensão do cuidado, pois acreditamos que cuidando bem de nossas crianças e do seu ambiente de vivência podemos ensiná-las a cuidar de si e do seu meio, favorecendo, assim, a construção de um mundo mais humano, já que “a base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro a se desenvolver como ser humano” (BRASIL, 1998, p.24). O cuidado na EI, como parte integrante da educação, envolve vários campos de conhecimentos e se apresenta, portanto, como uma alternativa para vencermos o sintoma mais doloroso da nossa civilização que aparece sob a forma do descuido, do descaso e do abandono. E tudo que existe e vive precisa de cuidado para continuar a existir e a viver (BOFF, 1999), no qual se encontra mergulhada a sociedade contemporânea. Elali (2003) ao investigar sobre o que nossas escolas ensinam em termos de relações pessoa-ambiente confirma que a maioria dos sujeitos (pais e administradores das instituições infantis) reconhece que uma maior aproximação da criança ao seu meio natural pode promover atitude de respeito e cuidado para com o ambiente, o que pode ser considerado como ‘primeiro passo’ para a incorporação da idéia de sustentabilidade. Entretanto esse entendimento não tem reflexo direto na realidade ambiental das escolas, uma vez que a definição e o uso do espaço físico disponível, nega esse princípio ao dificultar o contato criança-natureza e até mesmo promover o afastamento. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 10 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nessa pesquisa ela identifica a dicotomia entre o discurso e a prática tanto na definição quanto no uso do ambiente escolar. As crianças, através do discurso e de desenhos apontam a necessidade de uma troca mais efetiva com o meio natural (sentar na areia, pegar em pequenos animais e a presença de árvores, grama, água, areia e pequenos animais no seu dia a dia) Já os adultos, principalmente os pais, apesar de reconhecem a necessidade de espaços naturais na escola, os condicionam a uma traduzida por animais presos, areia que não suje, nem contenha microorganismos, árvores com a função de apenas sombrear o ambiente, mas não solte folhas, nem atraiam insetos e que as crianças não devem subir, por segurança. O discurso do adulto reconhece a importância do ambiente natural “como cenário para a ação infantil”, enquanto ‘natureza controlada/domesticada’ e não como um espaço de interação e construção de conhecimento para a criança. É essa concepção de ambiente escolar construído e controlado pelos adultos que prevalece em detrimento daquele necessário ao atendimento das necessidades da criança. Como ensinar a nossas crianças a cuidar do ambiente se não permitimos que elas vivenciem a interação com ele nas nossas instituições? Ao caminhar para um possível final, pois ainda há muito a ser realizado, percebemos, nos entrelaçamentos da educação infantil com a EA, a permanência de vários desencontros em relação às políticas educacionais e ao lugar muito incipiente que esta ocupa nos processos de formação de professoras/es e, portanto, nos saberes e fazeres da Educação Infantil. Identificamos também, como pontos de encontro ou convergências entre a EA e a EI, os seguintes aspectos: - a dimensão do cuidado, pois o cuidado com o ambiente pressupõe o cuidado com o outro; - o caráter não disciplinar ambas estão organizadas em uma base não disciplinar; - a gênese, tanto a EA quanto a EI têm origem no contexto dos movimentos sociais e posteriormente, o reconhecimento do caráter educativo e a necessidade de serem incorporadas aos sistemas de ensino; - o eixo temático Natureza e Sociedade, pela abrangência e a facilidade de estimular e aguçar a curiosidade das crianças se apresenta como uma possibilidade de promover a EA através da integração com os demais eixos. Existe, portanto, muitas possibilidades de inserir a EA nos processos pedagógicos da EI para que possamos ajudar as crianças pequenas a se desenvolverem na sua globalidade, contribuindo para reduzir a perversa desigualdade da nossa sociedade e fortalecer a democracia em nosso país. Uma forma de riscar o lado perverso da nossa história em relação à ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 11 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior “infância desvalida” é oferecer oportunidades a todas as crianças e garantir-lhes o direito à educação e ao ambiente ecologicamente equilibrado, como propõe a nossa Carta Magna. Só há um caminho: uma educação pública de qualidade, pois como afirmou Mário Quintana: “Democracia? É dar a todos o mesmo ponto de partida”. Ou seja, dar à criança pobre as mesmas oportunidades daquelas das classes mais favorecidas. Esse desafio que está posto para todas/os que acreditam no grande potencial da criança na construção de outro molde de sociedade com vida digna para todas/os habitantes do planeta, depende da nossa capacidade de investirmos na profissionalização de professoras/es da criança pequena. Uma formação que rompa com a racionalidade técnica e abra caminhos para a produção da “racionalidade ambiental18” (TRISTÃO, 2008), e possibilite a professores/as a elaboração de um saber teórico-prático a partir da interação entre o “conhecimento de mundo” - que envolve todas as áreas, inclusive o saber ambiental - e o saber fazer que promova a rearticulação das relações entre a sociedade e a natureza. REFERENCIAS BAUMAN, Z. Vida para Consumo. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. BOFF, L. Saber Cuidar – ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Vozes, 1999. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Graduação em Pedagogia, Resolução CNE/CP Nº 1/2006 e Diretrizes para Formação de Professores da Educação Básica, Resolução CNE/CP nº 1/2002. 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Melo UEI (Creche)-Depto. de Educação RESUMO O que podemos entender, como filosofia na infância, seria algo muito distante de nós, ao perceber esta questão, deveríamos antes mesmo, nos olhar, perceber o que se encontra em nossa volta, dar-nos uma chance de pensar e nos depararmos com uma realidade de vida. Quando uma criança nos questiona acerca da vida, do amor, da descoberta em sua amplitude, podemos afirmar que o pensamento filosófico já se encontra latente no seu EU. Entretanto a variante hipotética já reluz no seu pensar, como um lento desabrochar das pétalas de uma rosa. Esta metáfora não nos é distante desde Rousseau, Dewey dentre outros já se falava na capacidade natural em que a criança tem de imaginar e resultar as suas questões, como realidade que as cercam. Sendo assim o Professor norte-americano Dr. Matthew Limpam, preocupado com a atuação precária de seus alunos, concebeu o Programa Filosofia para Crianças, dispondo-se a ampliar o desenvolvimento das habilidades cognitivas mediante discussões de assuntos filosóficos e propondo, com tais discussões, a introdução filosófica de crianças e jovens, no final da década de 60. Palavras-Chave: Infância, Currículo, Filosofia. ABSTRATC What we can understand, as a philosophy in childhood, it would be something very far from us, realizing this, before we even look at, see what is around us, give us a chance to think and to come across a reality of life. When a child asks us about life, love, discovery in its breadth, we can say that philosophical thinking is already latent in his U.S... However, the hypothetical variant already shines in its thinking, like a slow unfolding of the petals of a rose. This metaphor is not to far from Rousseau, Dewey and others have spoken in natural ability the child has to figure out their issues and result, as the reality around them. So American Professor Dr. Matthew Lipman, concerned about the poor performance of their students, designed the Philosophy for Children Program, being willing to expand the ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 14 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior development of cognitive skills through discussions of philosophical issuesand proposing, with such discussions, the philosophical introduction of children and youth in the late 60's. Keywords: Children, Resume, Philosophy. INTRODUÇÃO Enfatizar os valores (morais), pensando de modo reflexivo, e indução ao senso crítico colaborando na formação de cidadãos competentes em solucionar problemas e encontrar saídas criativas e éticas, nos diversos contextos em que vivem. Foi que se optou a trabalhar este tema tão esquecido, no tramite curricular na educação básica infantil, sendo assim atribuímos ao referencial nacional para a educação infantil afirma que as crianças são capazes de construir o conhecimento e o aprendizado através do enfrentamento de situações em que elas próprias têm que buscar respostas e soluções. A curiosidade da criança busca o questionamento, possui a ânsia de compreender os significados e as utilidades da experiência e do mundo, e faz da descoberta da linguagem um elemento para capturar as pontes entre ela e o outro através da interação social. APORTE TEÓRICO De acordo com Ann Sharp no seu livro "Nova Educação - A Comunidade de Investigação na Sala de Aula", os materiais devem incorporar personagens, situações, experiências e linguagem que permitam a identificação das crianças, assim como devem abrir para exploração uma variedade de conceitos e idéias que, mesmo baseados nas experiências das crianças, são suficientemente intrigantes para levar ao questionamento e à investigação, assim, devem ser estimuladas para a curiosidade sobre o mundo e preparadas para embarcar em uma investigação colaborativa com os amigos. O prof. Dr. Matthew Lipman, filósofo e educador norte-americano, criou o programa filosofia para crianças no final década de 60. Pioneiro em pensar a contribuição da filosofia para a formação das crianças, sua intuição foi aos poucos se constituindo em um novo paradigma de educação que a compreende como investigação (inquiry) em comunidade. Lipman se baseia em J. Dewey e L. Vygotsky que enfatizam a necessidade de ensinar a pensar e não apenas memorizar conteúdos. Incorpora contribuições de diversos psicólogos e filósofos na estruturação de um p para o mesmo, há ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 15 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior algo em comum entre as crianças e os filósofos: a capacidade de se maravilhar com o mundo. Os filósofos levam esta capacidade de maravilhamento às últimas conseqüências, descobrindo e investigando os problemas da experiência humana. As crianças ficam intrigadas com os mesmos conceitos problemáticos, ou seja, colocam-se questões sobre a verdade, as regras, a justiça, a realidade a bondade, e amizade. Lipman encontrou para apresentar a filosofia às crianças, como uma possibilidade de fazer filosofia a partir da própria filosofia. Estas têm a preocupação de estimular a imaginação das crianças sobre questões filosóficas como forma de incentivar as crianças a pensar por si mesmas. Temos q rever a vã filosofia e: ser como as crianças: com elas aprendemos a amar. Elas são sinceras amam desinteressadamente, se gostar de nós, logo saberemos, não sabem dissimular, pequeninas sorriem ao menor toque,não criticam, indagam apenas,não discriminam, aceitam a todos sem distinção. Sabem conviver com as diferenças, são alegres a todo tempo, cantam, dançam… faz da vida uma eterna festa. Satisfazem-se com qualquer brinquedo, independente do quanto custou, não tem ambição, nos ensinam mais que qualquer sábio, confiam… o seu olhar brilha, o seu sorriso é sincero. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANN, SHARP. UMA NOVA EDUCAÇÃO: A COMUNIDADE DE INVESTIGAÇÃO NA SALA DE AULA. NOVA ALEXANDRIA, 1998. LIPMAN, MATHEW. A FILOSOFIA VAI À ESCOLA. 2ª ED. SUMMUS, SÃO PAULO, 1990. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 16 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior DESATANDO OS NÓS DAS POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Adriana Francisca de Medeiros Universidade Federal do Amazonas [email protected] Eulina Maria Leite Nogueira Universidade Federal do Amazonas [email protected] Francisca Chagas da Silva Barroso [email protected] Resumo Este trabalho resulta de uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo e tem como objetivo discutir a educação infantil no contexto das políticas públicas no Brasil. Inicialmente apresenta as leis de amparo a infância, situando-se no século XX, a partir da Constituição de 1988. Focaliza em seguida, as políticas de financiamento da educação infantil e as metas do Plano Nacional de Educação (2011- 2020). Palavras - chave: Educação infantil. Políticas públicas. Direito. Abstract This piece of work is the result of a bibliographic research, in a qualitative character and its objective is to discuss the children education in the public politician context in Brazil. Initially it displays the supporting children laws situated in the twentieth century, from the Constitution of 1988. It focuses, then, the children education financing politician ant the goals of National Education Plan (2011 – 2020). Keywords: Children education. Public politicians. Law. A PONTA DO FIO: A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL Os debates sobre a educação infantil ampliaram-se de forma significativa nas últimas décadas. Esta foi foco de profundas reflexões no campo da legislação, da investigação pedagógica e das políticas públicas governamentais. Estudiosos brasileiros como Kramer (2003); Arelaro, (2005); Souza, (2010), Leite Filho ( 2001) entre outros têm contribuído no sentido de mostrar-nos que as transformações no campo da educação para infância não têm ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 17 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sido um processo harmonioso, mas, marcado por tensões, avanços e conflitos no que concerne às políticas públicas nessa área. No Brasil, como na Europa, a educação infantil emerge em decorrência das inúmeras transformações econômicas, políticas e sociais, ocorridas no país, principalmente a partir do século XX. É com a urbanização e a crescente participação da mulher no mercado de trabalho que vamos delineando uma nova sociedade, que necessita de educação para seus futuros cidadãos. “A infância passa ser visível quando o trabalho feminino deixa de ser domiciliar e as famílias ao se deslocarem e dispersarem, não conseguem mais administrar o desenvolvimento dos filhos pequenos” (LEITE, 2001, p.20). Neste contexto, muda-se a organização familiar e, desse modo, “[...] não existe mais, como se dispunha, durante anos, da figura de uma irmã que não se casava para cuidar dos seus filhos [...]” (ARELARO, 2005, p. 42). A sociedade emergente apresenta um novo modelo de família, de mãe, mulher e filho. A criança passa a necessitar de um espaço além do doméstico para ser educada e cuidada, “[...] Daí as creches e as pré-escolas, daí a educação infantil” (ROSEMBERG, 2010). A demanda decorrente desse novo cenário, por outro lado, agrava a situação de abandono da criança, as mães operárias buscam alternativas para resolver o problema, e passam a deixar seus filhos com mulheres do povo, as “mães crecheiras”, que cuidavam das crianças enquanto suas ‘amigas’ trabalhavam fora. De certa forma, resolvia o problema de imediato das comunidades carentes, no entanto, era alarmante o índice de mortalidade infantil que se verificava em vista as condições inadequadas a que eram submetidas as crianças, ficando essas mulheres conhecidas como “fazedoras de anjos” (CIRILO, 2008). Em meados do século XX surgem timidamente no Brasil as primeiras políticas de Estado para a infância, cria-se o Departamento Nacional da Criança (Decreto-lei nº. 2.024/1940), o Serviço de Assistência ao Menor (Decreto – Lei nº. 3.799/1941) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA,1942). No entanto, Predominavam-se ainda, as tendências médica alimentar e assistencial. A ‘ajuda internacional’ de organismos como UNICEF se aliava à criação da LBA e de órgãos vinculados à iniciativa privada, como a Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar. Entretanto, o Estado não cogitava de educação ao falar da criança pequena. (KRAMER, 2003, p. 121) Nesse cenário a educação para infância, não se constituía como direito, muito menos como dever do Estado. A expansão da educação pública de crianças menores de seis anos, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 18 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior tanto em creche como em jardins de infância, foi se dando lentamente. Por muito tempo foi notável a diferença entre o atendimento às crianças pobres e abastadas. “[...] desde a criação dos jardins de infância e das primeiras creches, reforçou-se a idéia de que os jardins eram para educar as crianças das classes médias e altas, e as creches para dar assistência às crianças pobres”. (LUZ, 2006, p.45). Configuram-se nesse contexto, duas realidades distintas: as creches, geralmente de responsabilidade das secretarias de Assistência Social, tinham fins assistencialistas, ou seja, “cuidavam” das crianças e; as pré-escolas tinham cunho pedagógico, “educavam” os pequenos. Conforme afirma Aquino (2008, p.188) A segmentação do atendimento à criança pequena por diferentes instituições (creches, escolas maternais, jardins de infância e pré-escolas) e por iniciativa também de diferentes órgãos e entidades (filantrópicas, religiosas, empresariais, públicas e particulares) se estabeleceu em nossa sociedade pautada em uma visão segregacionista e preconceituosa que igualmente diferencia a criança segundo sua origem socioeconômica. O objetivo das iniciativas destinadas a grupos sociais das classes populares, em geral, visavam a suprimir necessidades sociais e econômicas, como a liberação de mão-de-obra feminina ou compensação da pobreza. Desse modo, a educação infantil com essa configuração, se perpetuou por muito tempo com o caráter assistencialista para os pobres, ancoradas pela omissão de uma legislação que atribuísse o direito à educação para os menores de 7 anos. A esse respeito, a Lei 5.692/71 apenas atribuía aos sistemas de ensino “velar” para que fossem oferecidos por meio de convênio educação em escolas maternais, jardins de infância e instituições equivalentes. É a partir dos anos 80, com o processo de redemocratização, que a sociedade civil começa a reivindicar direitos, perdidos ao longo de nossa história. Esse movimento desencadeia conquistas históricas no campo da educação como a promulgação da Constituição Federal de 1988, da Lei 9394/96 e do Estatuto da Criança e do Adolescente, que reconhecem em seu conjunto a educação infantil como direito da criança, dever do Estado, opção da família e primeira etapa da educação básica. A Carta Magna de 1988 tornou-se um marco histórico na implementação de novas políticas públicas para as crianças de zero a seis anos, afirmando o direito à educação a essa faixa etária. Em seu 7º artigo, afirma ser direito de todos os trabalhadores a assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creche e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 19 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior pré-escolas, em seguida, no capítulo dedicado a educação, no artigo 208, reafirma o direito concedido às crianças, sendo dever do Estado a educação, mediante o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade. Em consonância aos princípios propostos na carta magna, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/1990, ratifica o direito a oferta de educação pelo Estado às crianças de zero a seis anos, capitulo IV, art. 54, inciso IV. Já a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 – LDBEN contempla pela primeira vez o direito à educação infantil, como responsabilidade do setor educacional, e destina uma seção especifica a esse nível de ensino na lei. A seção por sua vez traz três artigos, especificando, a finalidade, a oferta e a avaliação. Outra inovação e avanço que o texto da LDBEN traz é considerar a educação infantil como primeira etapa da educação básica, tendo como função educativa e pedagógica, superando pelo menos no aspecto legal, a visão restrita associada a esse atendimento, cuidar ou educar. Com isso, as instituições de ensino infantil passam a ser entendidas como um espaço educativo e não de assistência social. Os nós a serem desatados O direito e o financiamento da educação infantil, apesar de ser contemplado na Constituição de 1988, art. 212, durante anos não estiveram garantidos, e o problema agravouse com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF) que foi instituído pela Emenda Constitucional n.º 14, de setembro de 1996, e regulamentado pela Lei n.º 9.424, de 24 de dezembro do mesmo ano, e pelo Decreto nº 2.264, de junho de 1997. O FUNDEF foi implantado nacionalmente em 1º de janeiro de 1998, e visava, prioritariamente, estabelecer uma nova sistemática de financiamento para o ensino fundamental, que passa a ser prioritário em detrimento das demais etapas da educação básica, diminuindo os recursos para o investimento em construções e equipamentos para a Educação Infantil, Um ano após a implantação do FUNDEF, em 1998, observou-se retração em 5,5% da matrícula em relação ao ano anterior, em escolas públicas de Educação Infantil que atendem a crianças de quatro a seis anos, o que ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 20 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior significou 180 mil matrículas a menos na rede pública. (AQUINO, 2008, p. 192) Diante desse cenário, muitas prefeituras matricularam crianças de cinco e seis anos no ensino fundamental. Por outro lado, existiam aquelas que ainda mantinham a educação infantil na responsabilidade da secretaria de Assistência Social, já que os recursos das secretarias de educação eram ínfimos, o que ocasionavam uma desorganização no sistema de ensino, principalmente por parte dos profissionais que atendiam as crianças, que na maioria das vezes não tinham qualificação pedagógica e não faziam parte do quadro de professores. Em julho de 2000, por meio da portaria nº 2.854 Secretaria da Assistência Social, o governo federal resolve, Art. 4º - Autorizar que sejam garantidas as formas vigentes de atendimento ao grupo etário de 0 a 6 anos, tais como creches e pré-escolas, até que os sistemas municipais de educação assumam gradual e integralmente o serviço, conforme preceituado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diante do exposto fica evidente que, apesar de a LDB – 9394/96 expressar que a educação infantil faz parte da educação básica, os recursos necessários para implantação desta nas instituições educativas continuaram na secretaria de assistência social, cujo trabalho tem historicamente se baseado em uma "concepção assistencialista" de atendimento. Em substituição ao FUNDEF, em 2007 foi criado o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, que trás evidente, o que até então não tinha sido garantido, o financiamento da educação infantil, destinando recursos de acordo com o total de matrículas em todas as etapas da educação básica. Ao determinar valores distintos para cada etapa do ensino, com um coeficiente entre 0,7 (menor) e 1,3 (maior). Como o fator 1 é o custo aluno dos anos iniciais, isso quer dizer que os demais oscilarão 30% para cima ou para baixo. O custo-aluno de creche não ultrapassou a 80% do custo- aluno dos anos iniciais. Esse disposto legal não garantiu ganhos significativos na área da educação para as crianças menores, e segundo Becker (2008, p.12 ): ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 21 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Apesar da inclusão do primeiro nível da educação não se pode considerar que de fato esta iniciativa terá como resultado um aumento da oferta da educação infantil e, consequentemente, do acesso em todos os municípios brasileiros. O modelo de composição do fundo sofreu alterações em relação ao modelo do Fundef, isto é, novos tributos foram vinculados e o percentual de vinculação foi alterado de 15% para 20%. No entanto, os novos impostos vinculados não são receitas próprias dos municípios. Assim, novamente os pequenos municípios acabaram por perder recursos na partilha do fundo uma vez que são os que têm maior participação de transferências na receita total. Os municípios maiores são mais autônomos, conseguem a maior parte de sua renda por meio de receitas próprias e também são os responsáveis pelas maiores redes escolares, portanto, possuem um maior coeficiente de repasse do fundo que é feito com base no total de matrículas de cada cidade. Em consequência deste mecanismo de captação e de divisão de recursos, 34% dos municípios perderam receitas com o Fundeb em 2007. Diante do exposto é possível perceber a complexidade que permeia a implantação de políticas públicas no Brasil. É nesse contexto que surgem panaceias, como o Projeto de Lei 75/11, que tinha como objetivo: estimular a criação de creches domiciliares para crianças de até 3 anos, filhas de mães trabalhadoras. Ao tramitar para aprovação recebeu parecer desfavorável da Comissão de Educação e Cultura, essas ideias que parecem tão distantes no tempo encontram-se ainda vivas, em decorrência das ínfimas políticas públicas para o setor. A população brasileira atualmente é estimada em 183 milhões, segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (2007), destes quase 9 % são crianças menores de 6 anos de idade. Dessas crianças apenas 17,1% tem atendimentos em creches e 77,6% em préescolas. Há, portanto, um déficit considerável no tocante ao atendimento da criança, especialmente as de 0 a 3 anos. Resultado da discriminação com a educação infantil e dos ínfimos investimentos na área, que segundo Rosemberg (2010, p.175): “O gasto médio por criança/ano na pré-escola é inferior ao de países latino americanos [...] e quase ¼ a menos do que a média dos países que integram a OCDE”. A autora ainda chama atenção para as ‘tentações’ provocadas pela inserção da EI no FUNDEB, principalmente no que se refere à escolarização precoce e a assistencialização da creche. A nosso ver, tudo é possível quando não se tem metas bem definidas, um currículo estabelecido, escola estruturada, profissionais com formação adequada, valorizados e bem remunerados. Os recursos do FUNDEB devem ser investidos na garantia dos direitos de nossas crianças pequenas. Mas, como? Uma proposta de desate e nova tessitura ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 22 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Temos assistido a discussão pela sociedade e especialistas do Plano Nacional de Educação (2011-2020), que é composto por 12 artigos e um anexo com 20 metas objetivando a melhoria na Educação. O projeto de Lei contempla todos os níveis de educação e, no que concerne ao campo da Educação Infantil, algumas metas são propostas. A esse respeito, o Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil – MIEIB se posicionou apresentando ementas para favorecer o atendimento de qualidade nas escolas de educação infantil. Destacaremos nesse espaço apenas 2 (duas) entre as 20 (vinte) modificações propostas pelo MIEIB, tanto para educação infantil quanto para os demais níveis de educação. A redação do Projeto de Lei 8035/2010 cita: “Meta 1: Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos, e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos”. A proposta do MIEIB é: “Meta 1: Até 2016, universalizar o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos e ampliar a oferta educacional de forma a atender em creches no mínimo 50% da população de até 3 anos, e, até 2020, universalizar o atendimento da demanda manifesta por creche”. Esta ementa modificativa enfatiza, sobretudo, a oferta da creche de no mínimo 50% até 2020, quando o texto original apresentada como meta o atendimento de 50%. Em consonância com a meta proposta, Kappel, Aquino e Vasconcelos (2005, p.117) defendem: “[...] um aspecto importante para a construção de uma sociedade mais igualitária é a garantia do direito à educação, desde sempre, em creches e pré-escola publicas de qualidade”. Se esta for aceita, traz a vantagem de impulsionar e atender o que legalmente já existe: a obrigatoriedade do poder público na oferta de escolas para atendimento a crianças de zero a três anos. A segunda questão que queríamos destacar, que pertence ainda a Meta 1 e definida como estratégia é: “Manter e aprofundar programa nacional de reestruturação e aquisição de equipamentos para a rede escolar pública de educação infantil, voltado à expansão e à melhoria da rede física de creches e pré-escolas públicas”. A equipe do MIEIB defende que seja alterada a redação para: “Manter programa nacional de construção, reestruturação e aquisição de equipamentos para a rede escolar pública de educação infantil, voltado à expansão e à melhoria da rede física de creches e préescolas públicas estipulada na presente meta, assegurando que os entes federados compartilhem as responsabilidades financeiras da iniciativa na seguinte proporção dos investimentos: 50% por parte da União, 25% por parte dos Estados e 25% por parte dos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 23 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Municípios, conforme o número de unidades de ensino de educação infantil construídas, reestruturadas e adquiridas em um respectivo território municipal, localizado em um determinado Estado”. O que a nova proposta chama atenção é para a colaboração da União e dos Estados na ajuda dos anseios dos 5.600 municípios brasileiros. No entanto, vale lembrar que estratégia semelhante foi proposta no PNE (2001-2010) Lei 10.172, no item 25º que afirmava ser ‘objetivos e metas’ para Educação Infantil: “Exercer a ação supletiva da União e do Estado junto aos Municípios que apresentem maiores necessidades técnicas e financeiras, nos termos dos arts. 30, VI e 211, § 1º, da Constituição Federal”. Porém, É preciso observar que pouco se tem feito para o cumprimento dessas metas. Na prática, a ação supletiva vem se caracterizando mais como princípio anunciado do que realização efetiva. Os estados e a União mal assumem suas responsabilidades perante a Educação Infantil, principalmente com as políticas desenvolvidas nos últimos anos que visaram ao Ensino Fundamental. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), se teve por mérito praticamente universalizar a escolaridade obrigatória, em muitos casos fez retroceder ou retardar a expansão da Educação Infantil (AQUINO, 2008, p. 191) Nesse sentido, corremos o risco de não conseguirmos efetivar a educação que nossas crianças têm direito. No entanto, é necessário que a coparticipação se efetive, e que os recursos do FUNDEB possam corrigir a dívida que temos com nossos pequenos, com a expansão da oferta de vagas em Educação Infantil com qualidade e equidade. Educação Infantil não é portanto um “luxo” ou um “favor”, é um direito a ser melhor reconhecido pela dignidade e capacidade de todas as crianças brasileiras, que merecem de seus educadores um atendimento que as introduza a conhecimentos e valores, indispensáveis a uma vida plena e 19 feliz. (BRASIL, 1998,p. 43) REFERENCIAS: ARELARO, Lisete Regina Gomes. Não só de palavras se escreve a educação infantil,mas de lutas populares e do avanço cientifico. In: o mundo da escrita no universo da pequena infância. Ana Lucia Goulart de faria, Suely Amaral Mello(org.). Campinas, SP: Autores associados. 2005. 19 Diretrizes Curriculares para Educação Infantil. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 24 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior AQUINO, Ligia Maria Leão de. Ordenamento legal para educação desafios para os gestores municipais. In: Vasconcellos, Tânia de (org).Reflexões sobre Infância e Cultura. Niterói: EdUFF, 2008 BECKER, Fernanda da Rosa. Educação infantil no Brasil: a perspectiva do acesso e do financiamento. Disponível em: <www.rieoei.org>. Acesso em: 22 fev. 2011. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. 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ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 25 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ROSEMBERG, Flavia. Educação infantil pós fundeb: avanços e tensões. In: SOUZA, Gizele de. Educar na infancia. São Paulo: Contexto, 2010. p. 171-186. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 26 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior PRÁTICAS CURRICULARES NA EDUCAÇÃO INFANTIL: A APOSTA NA MULTI-IDADE Adriana Santos da Mata Resumo A presente pesquisa traz como objetivos principais compreender o papel das professoras como protagonistas e autoras de práticas inovadoras no contexto escolar, e discutir em que medida tais propostas podem se configurar como possibilidades de organização e planejamento na/da educação infantil. Seguindo os princípios da pesquisa qualitativa, com viés etnográfico, e a perspectiva discursivo-dialógica, o estudo recupera a história da Proposta da Multi-idade – agrupamento de crianças de três, quatro e cinco anos na mesma turma – implementada na Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa, em Niterói (RJ), de 2006 a 2009. A análise foi realizada a partir das falas das professoras nas reuniões de avaliação sistematizada da experiência. As palavras que surgiram nas avaliações das educadoras serviram como balizas para a formulação dos seguintes eixos: 1) processos de desenvolvimento-aprendizagem, 2) procedimentos ou modos de fazer docente, 3) currículo. A investigação indica que a Proposta da Multi-idade mexeu com as dinâmicas da instituição bem como contribuiu para a redefinição pelas professoras: a) das concepções de criança, infância e escola; b) dos objetivos da educação infantil pública; c) da importância do estudo e planejamento coletivos; e d) das relações entre as crianças, crianças e professoras, entre as professoras. PALAVRAS-CHAVE: Educação Infantil, Currículo, Multi-idade Abstract The core objectives of the following research are to understand the role of female teachers as protagonists and authors of innovative practices in schools, and also to discuss to what extent these proposals could be effective to help on organizing and planning early childhood education. Supported by qualitative researching principles, using an ethnographic approach and following a discursive and dialogic approach, this study attempts to make a critical inventory of the history of Multi-Age Proposal held at Unidade Municipal de Educação Infantil ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 27 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Rosalina de Araújo Costa, Niterói - RJ, from 2006 to 2009. The proposed Multi-Age Aggroupment consists in gathering children aged three, four and five years in the same classroom. The analysis has been developed considering teachers´ testimonials during recurrent meetings arranged to evaluate the proposed model which led to the following areas of study: 1) development-learning processes, 2) procedures or manners to forming teachers, 3) Curriculum. The research shows that the Multi-Age proposal has changed significantly the dynamics of the institution and has also contributed to renew some concepts such as: a) the conceiving of children, childhood and school, b) the goals of public early childhood education, c) the relevance of collectively studying and planning, d) the relationships between children, teachers and children, and among teachers. KEY-WORDS: Early Childhood Education, Curriculum, Multi-Age Aggroupment Proposal Considerações iniciais Um dos objetivos da pesquisa, realizada no curso de Mestrado da Universidade Federal Fluminense (UFF – Niterói/RJ), foi discutir se e de que maneira a Proposta da Multiidade pode se configurar como uma alternativa de organização e planejamento na educação infantil. Implementada de 2006 a 2009 na Unidade Municipal de Educação Infantil Rosalina de Araújo Costa20, a Multi-idade consistia no agrupamento de crianças de 3, 4 e 5 anos na mesma turma. Tal proposta apresenta-se como fruto de um processo iniciado há mais de vinte anos na instituição, no qual a equipe pedagógica vem procurando construir, coletivamente, outras possibilidades de currículo para a educação infantil, entendendo as crianças como sujeitos situados em um contexto histórico, cultural, geográfico, econômico e social específico, e buscando realizar trabalho criativo e reflexivo. A escola inteira se envolveu na experiência e 400 crianças de 3, 4 e 5 anos, inclusive aquelas que apresentavam necessidades educacionais especiais (NEEs), foram misturadas em 10 turmas no turno da manhã e 10, à tarde. A proposta foi avaliada constantemente nas reuniões de planejamento, nas conversas informais das professoras e em encontros de avaliação sistematizada. As palavras 20 Utilizarei também as siglas Umeirac, Umei, ou simplesmente, Rosalina quando me referir à escola. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 28 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior surgidas nestas avaliações serviram como balizas para a formulação dos eixos de análise, dentre os quais o currículo da educação infantil, tema que trataremos neste trabalho. Escolhas teórico-metodológicas O estudo segue os princípios da pesquisa qualitativa, com viés etnográfico, e a perspectiva discursivo-dialógica. A investigação qualitativa tem como características: busca dos dados diretamente no ambiente natural, por meio dos apontamentos, gravações em áudio e vídeo, fotografias, e do contato direto do investigador com os sujeitos; descrição do material recolhido para abordar o mundo de maneira minuciosa, sem desprezar nada, visto que o menor detalhe pode revelar aspectos importantes do contexto; mais interesse no processo do que no resultado ou produto; análise dos dados de forma indutiva e não com o objetivo de confirmar hipóteses pré-construídas; preocupação com as perspectivas participantes, o modo como as pessoas dão sentido às suas vidas, percebem suas experiências e estruturam o mundo social em que vivem. (BOGDAN e BIKLEN, 1991) Aspectos da pesquisa etnográfica também contribuíram com a linha investigativa escolhida. Não se trata, entretanto, de um estudo etnográfico, mas de uma pesquisa qualitativa com viés etnográfico. Geertz (1987, p. 20), ao discutir a teoria interpretativa da cultura, diz que: a etnografia é uma descrição densa. O que o etnógrafo enfrenta, de fato [...] é uma multiplicidade de estruturas conceptuais mais complexas, muitas delas sobrepostas ou amarradas umas às outras, que são simultaneamente estranhas, irregulares e inexplícitas, e que ele tem que, de alguma forma, primeiro apreender e depois apresentar. O autor aponta que a especificidade da descrição etnográfica é o caráter interpretativo do fluxo do discurso social e que essa interpretação consiste em procurar “salvar o dito” em um determinado discurso e fixá-lo em formas possíveis de pesquisar. Deste modo, o “etnógrafo ‘inscreve’ o discurso social: ele o anota. Ao fazê-lo, ele o transforma de acontecimento passado, que existe apenas em seu próprio momento de ocorrência, em um relato, que existe em sua inscrição e que pode ser consultado novamente.” (ibid, p. 29) As ações de anotar, registrar, inscrever, transformam os discursos – o que foi dito ou ouvido - em textos. Aqui podemos promover uma aproximação das ideias de Geertz com a noção de dialogismo desenvolvida por Bakhtin (1992). Para este, o único modo de conhecer o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 29 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior homem é a partir do seu discurso, do seu texto, que é sistematizado de acordo com determinado código linguístico, mas que abarca muito mais: o conteúdo temático, o contexto ou a situação de enunciação, os sujeitos participantes, a intenção e o endereçamento do discurso, a escolha e a entonação das palavras, a compreensão responsiva, as contrapalavras. Tomando emprestado o termo de Geertz, pode-se dizer que os recursos extralinguísticos tornam o texto muito mais denso. Aí se encontra o caráter dialógico das Ciências Humanas, pois tanto o pesquisador quanto os sujeitos pesquisados são produtores de texto. Para Goulart (2007, p. 95), o diálogo deve ser considerado no “sentido amplo das relações que os sujeitos e seus discursos estabelecem na sociedade com a multiplicidade de seres humanos, marcados cultural e historicamente, com os quais interagem de muitas maneiras, não somente face a face.” O dialogismo é o que dá a condição de sentido do discurso, ligando linguagem e vida social na multiplicidade das vozes sociais que circulam, se complementam, se refutam, criam polêmicas, dão respostas, representam a vida social, cultural e ideológica. Amorim (2004, p. 189) destaca que, para Bakhtin, o trabalho de pesquisa em Ciências Humanas contém três faces: “1) reconstituição do contexto enunciativo e dialógico em que o texto foi produzido; 2) formulação de leis explicativas do texto; 3) interpretação do sentido do texto”. Sobral (2008, p. 4), com base em Bakhtin, propõe três etapas ou níveis de análise: 1) descrição como “apresentação” do corpus partindo de sua inserção na esfera de atividades; 2) análise da estruturação do discurso, e 3) interpretação que contém as duas anteriores para entender as estratégias de produção de sentidos e os sentidos produzidos nos termos das atividades e da análise do texto. Estas premissas podem ajudar na compreensão e interpretação dos discursos das docentes em interação nas diversas situações de enunciação. O foco eleito para esta análise são as concepções, expectativas, preocupações, dúvidas, que as professoras manifestaram nas reuniões de avaliação sistematizada da proposta, com relação ao currículo da educação infantil. Práticas Curriculares na Educação Infantil Como dito anteriormente, na Umei Rosalina, há mais de duas décadas, teve início o projeto de construção de outras possibilidades de currículo para a educação infantil, no qual as ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 30 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior crianças são entendidas como sujeitos situados em um contexto histórico, cultural, geográfico, econômico e social específico, e se busca realizar um trabalho criativo e reflexivo. Fruto deste processo, a Proposta da Multi-idade colocou em discussão importantes aspectos curriculares: concepção de escola, criança e sociedade, objetivos da educação infantil, conteúdos que poderiam ser trabalhados ou não, formação docente, organização do espaço e do tempo, participação dos pais/responsáveis. Sacristán (2000, p. 32) sintetiza a noção de currículo em 5 características: 1) O currículo é a expressão da função socializadora da escola. 2) É um instrumento que cria toda uma gama de usos, de modo que é elemento imprescindível para compreender o que costumamos chamar de prática pedagógica. 3) Está estreitamente relacionado com o conteúdo da profissionalização dos docentes. O que se entende por bom professor e as funções que se pede que desenvolva dependem da variação nos conteúdos, finalidades e mecanismos de desenvolvimento curricular. 4) No currículo se entrecruzam componentes e determinações muito diversas: pedagógicas, políticas, práticas administrativas, produtivas de diversos materiais, de controle sobre o sistema escolar, de inovação pedagógica, etc. 5) Por tudo o que foi dito, o currículo, com tudo o que implica quanto a seus conteúdos e formas de desenvolvê-los, é um ponto central de referência na melhora da qualidade do ensino, na mudança das condições da prática, no aperfeiçoamento dos professores, na renovação da instituição escolar em geral e nos projetos de inovação dos centros escolares. A construção de um currículo não é uma iniciativa simples, mas sim uma prática complexa que deve envolver os diferentes atores que atuam no contexto escolar, visando à democratização da prática educativa, com a elaboração coletiva e a responsabilização de todos. Era o que se vinha tentando fazer na Umeirac. No entanto, o projeto de currículo, defendido e liderado pela equipe de coordenação pedagógica, desde a década de 1990, não estava claro para todas as professoras. Havia um esforço para que todas se sentissem participantes, sujeitos, autoras, mas algumas não compreendiam e/ou não acreditavam nas orientações para o trabalho com os alunos. Atuar com crianças de diferentes idades não foi uma experiência positiva para todo o grupo. Algumas professoras declararam preferir trabalhar nas turmas de crianças de mesma idade por não se sentirem seguras para agir de maneira diferenciada nos agrupamentos multietários. Isto porque, embora pareça atraente o desafio de fazer algo novo, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 31 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior [...] toda mudança pressupõe riscos. Muitas vezes é preciso reconstruir o olhar, num movimento que requer a desconstrução do modo como se interpreta a realidade e se organiza a vida. Pode ser bastante difícil questionar, negar e substituir as crenças, preconceitos, valores, conhecimentos e costumes já consolidados. (ESTEBAN, 2003, p. 26) A Proposta da Multi-idade foi se configurando em meio à diversidade de pressupostos, perspectivas, interesses, valores, entendimentos e dúvidas que se atravessaram, conflitaram, refutaram, enfim, marcaram a participação e os lugares das professoras, dos funcionários, do órgão central, das crianças e suas famílias. É preciso considerar que Na configuração e desenvolvimento do currículo, podemos ver se entrelaçarem práticas políticas, administrativas, econômicas, organizativas e institucionais, junto a práticas estritamente didáticas; dentro de todas elas agem pressupostos muito diferentes, teorias, perspectivas e interesses muito diversos, aspirações e gestão de realidades existentes, utopia e realidade. A compreensão do currículo, a renovação da prática, a melhora da qualidade do ensino através do currículo não devem esquecer todas essas inter-relações. (SACRISTÁN, 2000, p. 29) O currículo abrange múltiplas determinações, condicionamento histórico, peculiaridade do contexto, ritos, mecanismos, tradições que se misturam nos fenômenos educativos. Tudo isso se concretiza em determinados conteúdos, expressos em formatos que são definidos a partir de certas condições. (ibid) Nas reuniões de avaliação, surgiram pontos conflitantes relacionados às concepções de criança e de escola. Foram defendidas ideias que remetem a determinadas correntes teóricas da Psicologia, tais como: ‘fase egocêntrica’, ‘maturidade’, ‘preparação’, ‘habilidade’, ‘capacidade’, ‘percepção’, ‘comportamento’, ‘desenvolvimento’, ‘estimulação’, ‘necessidades específicas de cada idade’, ‘etapa da vida’, ‘proximidade cognitiva’. Tais termos vêm fundamentando, histórica e hegemonicamente, os sistemas escolares que, pautados em teorias desenvolvimentistas, tecnicistas e biologizantes, consideram que as crianças aprendem e se desenvolvem de acordo com determinações etapistas e cronológicas impostas, estipulando padrões de normalidade com relação ao desempenho das crianças e modelos que orientam a prática docente. Deste modo, fica encoberta a vinculação social e histórica das crianças, uma vez que elas “são vistas apenas como seres biológicos que percorrem etapas definidas pela faixa etária, tomando-se o que é particular pelo universal, limitando e cerceando as produções coletivas das crianças e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 32 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desconhecendo os possíveis sentidos e significados das misturas de idades”. (PRADO, 2006, p. 2) Confrontando com aquelas noções, apareceram as seguintes perspectivas: ‘professoras acreditaram que as crianças de diferentes idades poderiam atuar juntas’; ‘respeito aos limites e individualidades de cada uma’; ‘mesmas orientações e ações para as crianças de três, quatro e cinco anos, pois uma criança ajuda e dá dicas para a outra’; ‘considerar a heterogeneidade dos alunos’; ‘expectativa de que as crianças sejam mais críticas e questionadoras’; ‘que os educandos se sintam valorizados por serem produtores de conhecimento e poderem trazê-lo para a sala de aula’; ‘autonomia’; ‘curiosidade aguçada’; ‘enriquecedora troca de experiências’. Aqui temos sugeridos outros conceitos de crianças, infâncias e o papel das escolas para os pequenos, surgidos na área da Sociologia, da Antropologia e da Psicologia. Podemos inferir que, neste caso, as crianças são reconhecidas como sujeitos histórico, social e culturalmente situados, atores ativos e criativos, construtores de conhecimento, produtores de cultura. Nas palavras de Gunilla Dahlberg (apud MOSS, 2002, p. 243): a noção de criança como um ator ativo e criativo, como um sujeito e cidadão com potenciais, direitos e responsabilidades, uma criança com quem vale a pena ouvir e dialogar e que tem a coragem de pensar e agir por si mesma ... a criança como um ator ativo, um construtor, na construção do seu próprio conhecimento e da cultura de seus companheiros ... uma criança com sua própria inclinação e poder para aprender, investigar e desenvolver como ser humano em uma relação ativa com outras pessoas ... uma criança que quer ter parte ativa no processo de criação de conhecimento, uma criança que em interação com o mundo ao redor é também ativa na construção, na criação de si mesma, de sua personalidade e de seus talentos. Essa criança é vista como tendo ‘poder sobre o seu próprio processo de aprendizagem’ e tendo o direito de interpretar o mundo. Podemos concordar com estas premissas, mas vivenciá-las na prática cotidiana é bastante difícil. Afinal fomos ensinados e acostumados a trabalhar na escola ‘bancária’, com turmas supostamente ‘homogêneas’, na quais os alunos idealizados apresentavam o mesmo ‘nível de desenvolvimento’, estavam na mesma ‘etapa cognitiva’ e deveriam aprender certos ‘conteúdos’, previamente selecionados de acordo com a faixa etária e o ‘grau de maturidade’. As crianças que não estivessem adequadas ao “modelo” eram rotuladas como ‘atrasadas’, ‘imaturas’, ‘carentes’, e tantos outros adjetivos que explicaram e/ou justificaram a discriminação, a reprovação, a exclusão, a evasão, o fracasso escolar. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 33 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Que a criança tivesse participação ativa no processo de aprendizagem e construção do conhecimento, que pudesse se expressar, demonstrar o que sabia, perguntar, argumentar, era mais ou menos um consenso. Mas as avaliações mostraram uma grande preocupação das professoras com determinados conteúdos que precisavam ser ‘ensinados’ e com as atividades a serem planejadas para contemplá-los. Dentre eles, destacaram-se: CONTEÚDOS Leitura Escrita Percepção e localização do espaço Letras: diferentes tipos, identificação, contagem, sons iniciais Ampliação de vocabulário Linguagem oral Lateralidade Consciência corporal Movimento Habilidades manuais Associação de ideias Raciocínio lógico Cor Forma Tamanho Valores ATIVIDADES Trabalho com os nomes Brincadeiras Jogos Músicas Textos coletivos Apresentação oral dos trabalhos Picar Recortar Amassar Escrever no quadro-de-giz Reprodução de histórias Contação de histórias Alfabeto ilustrado Desenho Teatro Lego Mesa Alfabeto O problema em pauta não eram os conteúdos e as atividades em si, visto que são muito importantes e necessários, mas as diferentes concepções de criança e educação que sustentavam os discursos e, consequentemente, os diferentes modos de fazer que, muitas vezes, não estavam de acordo com as orientações de trabalho combinadas coletivamente junto com a coordenação pedagógica, nos horários de estudo e planejamento. Enquanto algumas professoras, por exemplo, não sentiam diferença em trabalhar leitura, escrita, produção de textos, conceitos matemáticos, nas turmas multi-idade, outras consideravam que as crianças de 5 anos, que seguiriam para a alfabetização, no ano seguinte, estariam sendo prejudicadas por não serem atendidas nas suas ‘especificidades’, bem como as crianças menores estariam sendo ‘deixadas de lado’. O grande desafio era levar as educadoras a reverem suas certezas, seus procedimentos, suas maneiras de contatar o conhecimento e atuar com as crianças, para que as ações de ensinar e aprender se modificassem na relação de alteridade entre professoras e alunos, possibilitando o desvelamento e a transformação do mundo. Isto implicava a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 34 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior reorganização dos conhecimentos prévios e do universo de referência dos sujeitos de maneira problematizada e coletiva. Nas palavras de Paulo Freire (1988, p. 83-84): Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositados nos educandos –, mas a devolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada. A educação autêntica, repitamos, não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizados pelo mundo. Mundo que impressiona e desafia a uns e outros, originando visões ou pontos de vista sobre ele. Visões impregnadas de anseios, de dúvidas, de esperanças ou desesperanças que implicitam temas significativos, à base dos quais se constituirá o conteúdo programático da educação. Vigotsky (2000) também nos ajuda a pensar sobre a relação professora-criançasconteúdos quando distingue conhecimentos prévios ou espontâneos e conhecimentos científicos. Para o autor, a vivência de situações mediadas leva à construção de campos conceituais para lidar com os problemas, satisfazer as necessidades, e enfim, a uma forma de ser e estar no mundo, gerando conhecimentos prévios ou espontâneos. Tais conhecimentos espontâneos, do mundo cotidiano, fazem parte da vida de todas as pessoas, não dependem da escola. Porém, a escola, diferente de qualquer outra instituição cultural, tem o papel fundamental de dar novos significados aos conhecimentos prévios que as crianças levam para as salas de aula, desde a educação infantil, a fim de elas possam estabelecer outros tipos de relação com o mundo, outros olhares, para operar com os conhecimentos científicos. É função da escola ampliar as formas da criança ver e atuar no mundo, propor outras alternativas, novos significados. O curso do desenvolvimento do conceito científico nas ciências sociais transcorre sob as condições do processo educacional, que constitui uma forma original de colaboração sistemática entre o pedagogo e a criança, colaboração essa em cujo processo ocorre o amadurecimento das funções psicológicas superiores da criança com o auxílio e a participação do adulto. (VIGOTSKY, 2000, p. 244) O autor alerta que o ensino dos conceitos científicos de maneira verbalista, mecânica, de transmissão de conhecimentos, de memorização e repetição, ‘bancária’, tal como diz Paulo Freire, é “pedagogicamente estéril”. Citando a experiência de Tolstoi ao ensinar linguagem literária e língua francesa, ele concluiu que “métodos de ensino indiretos mais sutis e mais complexos acabam sendo uma interferência no processo de formação dos conceitos infantis, que faz avançar e elevar-se esse processo de desenvolvimento”. (ibid, p. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 35 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 249) A maneira indireta é mais eficaz porque “os conceitos científicos não são assimilados nem decorados pela criança, não são memorizados, mas surgem e se constituem por meio de uma imensa tensão de toda a atividade do seu próprio pensamento”. (ibid, p. 260) Era permanente a tensão no grupo sobre o que, como, para que e para quem ensinar. Não se tratava simplesmente de selecionar determinados conteúdos e aplicá-los nos ‘trabalhinhos’, mas sim de ampliar a discussão sobre os objetivos da escola pensando nas perguntas feitas por Paulo Freire (1993, pp. 135-136): [...] que conteúdos ensinar, a favor de quem, contra que, contra quem. Quem escolhe os conteúdos e como são ensinados. Que é ensinar? Que é aprender? Como se dão as relações entre ensinar e aprender? Que é o saber de experiência feito? Podemos descartá-lo como impreciso, desarticulado? Como superá-lo? Que é o professor? Qual seu papel? E o aluno, que é? E o seu papel? Não ser igual ao aluno significa dever ser o professor autoritário? É possível ser democrático e dialógico sem deixar de ser professor, diferente do aluno? [...] Pode haver uma séria tentativa de escrita e leitura da palavra sem a leitura do mundo? [...] Será possível um professor que não ensina? Que é a codificação, qual o seu papel no quadro de uma teoria do conhecimento? Como entender, mas sobretudo viver, a relação práticateoria sem que a frase vire frase feita? [...] Como trabalhar a relação linguagem-cidadania? Questões fundamentais que perpassam a construção do currículo de qualquer escola e que precisam estar na pauta dos estudos de formação docente inicial e continuamente. Os educadores têm que estar cientes do projeto de sociedade para o qual querem contribuir com seu trabalho. E aqui trago um último ponto importante que foi abordado: os valores para a construção de uma sociedade mais justa. Isto envolve, entre outras coisas, a participação das famílias na escola e a inclusão das crianças com necessidades educativas especiais (NEEs). Com relação à participação das famílias, pensaram-se algumas estratégias: 1ª) realizar reuniões com pais/responsáveis para explicar a proposta da escola e para que eles colocassem dúvidas, críticas, etc.; 2ª) firmar um termo de compromisso para que as crianças não faltassem sem motivo justo; 3ª) criar um grupo de estudos para os pais/responsáveis; 4ª) promover participação da família e da comunidade em aliança com a escola. Havia uma constante preocupação em inserir mais as famílias no acompanhamento das crianças e nas atividades realizadas na Rosalina. De maneira geral, elas confiaram no que estava sendo proposto, pois costumavam ser sempre informadas sobre o trabalho desenvolvido, em encontros marcados e em conversas informais com as professoras ou com a equipe ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 36 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior pedagógica. As famílias puderam comparecer à escola sempre que desejavam saber mais sobre a proposta, perguntar, sugerir. O termo de compromisso e o grupo de estudos para os pais não foram concretizados. A inclusão efetiva das crianças com NEEs passa necessariamente pela ruptura com os modelos vigentes de organização escolar, as concepções de aluno e de educação. Na maioria dos cursos de formação de professores e nas faculdades de Pedagogia, somos preparados para exercer a função docente em turmas supostamente homogêneas, com alunos idealizados e normais. Mas ao chegarmos à escola e nos depararmos com um grupo de crianças, providencialmente reunidas segundo critérios administrativos e pedagógicos, supostamente com o mesmo nível, dentro dos padrões de normalidade, não acontece bem aquilo que os professores e os textos acadêmicos ensinam. A metodologia, a didática, o planejamento das aulas, que pareciam funcionar tão bem nas exposições teóricas a que assistimos, desmoronam com a prática... A convivência, os conflitos, as dificuldades, as surpresas, os imprevistos, a relação inusitada e dinâmica diária nos informam, entre outras coisas, que as crianças não são iguais, quer tenham ou não alguma deficiência. O caminho para inserir estas crianças especiais é o mesmo que marcou os quatro anos da Multi-idade: a colaboração entre pares, a solidariedade e a ajuda. Ao estabelecer diferentes parcerias, ser auxiliado pelos colegas de diferentes idades, a criança com NEE pôde experimentar e viver diversas e ricas situações de aprendizagem. As ações de cuidado, de explicação, de auxílio, de cooperação, de carinho, não só para com as crianças com necessidades educacionais especiais, como entre as maiores e menores, meninos e meninas, crianças e professoras, e também entre as próprias professoras, se converteram em momentos ricos de aprendizagem para além da educação escolar: para uma sociedade mais justa e mais humana. Estas atitudes são mais difíceis de acontecer nas turmas com crianças de mesma idade. Isto também foi constatado por Prado (2006, p. 6), que realizou pesquisa de doutorado em uma instituição de Educação Infantil pública da cidade de Campinas (SP) que trabalha com agrupamentos multietários. Ela defende: Uma pedagogia que leve em consideração a capacidade de as crianças maiores e menores, quando juntas, construírem uma relação de referência umas para as outras, no sentido de demonstrar, disputar, sugerir, negociar, convidar, trocar e compartilhar experiências e brincadeiras. Nestes momentos, menores e maiores estabelecem relações mais solidárias e cooperativas do que quando estão separadas (somente entre crianças de sua turma e idade). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 37 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Assim, ao contrário do individualismo, da padronização e da normatização da escola hegemônica, a Multi-idade parece favorecer a convivência de muitos diferentes e singulares: nas idades, nos grupos culturais, nos conhecimentos, nas experiências, nas condições físicas e mentais. Não cabe a idealização de um aluno nem há a ilusão de uma suposta turma homogênea. Não há parâmetros definidos, limitadores, homogeneizadores. Não se pode determinar, a priori, o que o aluno deverá ser capaz de fazer nem há uma resposta estandardizada para o que esperar do aluno em cada faixa etária. As crianças serão capazes de muitas coisas, mas não é possível, nesta proposta, pretender antecipar ou especificar quais. Domingo (2010, p. 560) destaca a vantagem da convivência inter-idades em escolas não convencionais em comparação com os espaços seriados/graduados: Una convicción bastante extendida en estas escuelas es que niñas y niños aprenden (a convivir, pero también muchas facetas de la vida y muchas nociones y experiencias) a partir de la interrelación entre ellos; y la idea de graduación, de la separación por edades, atenta contra esta idea, porque se basa en la idea de favorecer, sólo en favorecer, la relación entre los más semejantes en saberes y experiencias. Del observar y compartir con los más mayores evidentemente se aprende; pero de cuidar y enseñar a los más pequeños, o de observar y recuperar de ellos aspectos que uno ya olvidó o relegó, también. Evidentemente, en espacios no graduados se rompe la idea de homogeneidad del grupo, y permite estar más atentos a la singularidad de cada chico o chica. Na Multi-idade, a mistura de crianças de diferentes idades na mesma turma representa reunir a diversidade e a singularidade de condições cognitivas, físicas, culturais em grupos heterogêneos. A heterogeneidade parece se configurar como fator potencial para ampliar as oportunidades de aprendizagem significativa das crianças. O mesmo autor lembra que tanto o desenvolvimento como a aprendizagem não são lineares, cada sujeito apresenta condições particulares de experimentar e de aprender, necessidades, coisas em que se “adianta” e outras em que fica “atrasado”. Assim, a ideia de currículo como plano sequenciado e homogeneizado de aprendizagem, ao qual meninos e meninas têm se adequar, entra em crise. A Proposta da Multi-idade tem potencial para romper com alguns paradigmas da escola capitalista: seriação, hierarquização, padronização, classificação. O agrupamento de crianças de diferentes idades promove maior integração, troca de informações, negociação, ajuda, imitação, autonomia, amizade, responsabilidade, cooperação, cuidado, respeito às diferenças, diversidade cultural, trabalho coletivo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 38 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Os olhares das professoras sobre a Multi-idade, longe de indicar unanimidade, convergiram em muitos aspectos, divergiram em outros. Certo é que a Proposta provocou as educadoras a (re) pensarem os seus modos de fazer, as suas concepções de criança e infância, as maneiras de ensinar e de aprender, os objetivos para a educação infantil pública. A Multiidade movimentou e modificou as dinâmicas da escola: organização administrativa; planejamento e estudo docentes; utilização dos tempos e espaços; novas relações que se estabeleceram a partir dos grupos misturados. Considerações finais A pesquisa indicou que a Multi-idade pode se configurar como um caminho alternativo de organização e planejamento na/da educação infantil. A proposta começou com a simples modificação na maneira de agrupar as crianças. Os modos de compor os grupos de alunos formam parte de um conjunto de tradições ou culturas nas escolas que dificultam a mudança. Santomé (2010) chama de segregação os agrupamentos escolares formados a partir de critérios homogeneizadores, padronizadores, tais como sexo, classe social, etnia e capacidades. Ouso dizer que a separação por idade também segrega, em alguma medida, pois se presta a limitar as relações, normatizar, facilitar o controle. Isto se faz na direção das exigências do mundo do trabalho nas sociedades capitalistas. (PRADO, 2006, p.145) Sendo assim, a alteração no modo de formar turmas que, na maioria das escolas de educação infantil brasileiras, é feito pelo critério etário, significou romper com alguns paradigmas do padrão hegemônico de escola. Mexeu não somente com as dinâmicas e práticas administrativas e pedagógicas da escola investigada, como colocou em xeque certezas, concepções, relações, o papel da escola na sociedade. A dinâmica pedagógica da escola está condicionada às formas de agrupamento que tanto podem freá-la quanto incentivá-la, como afirma Arroyo (2004). O autor diz que muitas redes e escolas têm implementado práticas diversas com maneiras mais flexíveis de compor os grupos de alunos e que estas passam a desencadear processos formadores nos coletivos docentes e pedagógicos. E o mesmo autor afirma: Um processo formador que redefine não apenas normas, critérios de enturmação etc., mas que redefine formas de pensar e de agir, redefine concepções, significados e culturas escolares, sociais e docentes. Redefine o que nos é mais caro, novas formas de trabalho. Olhar com maior atenção os educandos e propiciar convívios em que revelam sua condição de sujeitos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 39 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sociais e culturais nos leva como educadores a olhar-nos e repensar-nos. Nos forma. Nos incentiva a intervir na rígida organização de nosso trabalho. (ARROYO, 2004, p. 339) No caso da escola pesquisada, a Multi-idade contribuiu decisivamente para a redefinição das concepções de criança, infância e escola; dos objetivos da educação infantil pública; das práticas pedagógicas; da importância do estudo e planejamento coletivos; das relações entre as crianças, crianças e professoras, entre as professoras; do olhar mais individualizado, processual, e não comparativo com outras crianças, nos momentos de avaliação do processo de desenvolvimento-aprendizagem; dos princípios de colaboração, solidariedade, respeito, companheirismo, intervenção, luta por um projeto de educação libertadora e por uma sociedade mais democrática e mais justa. A escola vive, há vinte anos, processo de reorientação curricular, no qual a formação docente é um dos eixos fundamentais. Entre as ações de formação, destacam-se: o planejamento semanal; a documentação do trabalho; os grupos de estudos; a produção de dissertações de mestrado e monografias por educadoras da Umeirac; a divulgação dos projetos desenvolvidos na escola para a comunidade, por meio do Boletim informativo EntreTextos; o Seminário Interno de Formação Permanente. Tais ações têm favorecido as interações dialógicas entre as docentes, fornecido elementos para uma prática mais crítica e reflexiva, ampliado a visão de mundo, aumentado a responsabilidade das professoras na realização de trabalho autoral, de protagonismo pedagógico na perspectiva do professor curriculista21. Professores curriculistas entendidos como profissionais capazes de construir currículos de maneira coletiva, democrática, contra-hegemônica, prazerosa e emancipatória, em meio a avanços e recuos, engajamento e resistência. No papel de curriculistas, os professores fazem escolhas, dialogam, refletem e avaliam processualmente o que ensinam, tornando o currículo vivo e transformando conteúdos em conhecimentos. No entanto, o caminho não foi suave, e sim, espinhoso, repleto de obstáculos. Foi preciso criar artifícios, táticas de resistência, estratégias que permitissem a continuação do trabalho. O enfrentamento profissional, o posicionamento político e ideológico, a disputa de ideias, a não conformação das professoras como meros executores de políticas educacionais gestadas nos gabinetes das secretarias de educação e impostas às escolas, a transgressão ao instituído, indicam que as educadoras buscaram superar a 21 O Núcleo de Estudos e Pesquisas em Currículo (NUPEC-UFF) tem como eixos centrais as concepções de currículo e professores curriculistas. Para aprofundar a discussão, ver XAVIER, G. T. (Org.) Curriculistas como dirigentes políticos: rupturas teórico-práticas com as prescrições oficiais para o currículo. Rio de Janeiro: Enelivros, 2007. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 40 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior dependência profissional, reconhecendo-se e se legitimando como capazes de observar, de comparar, de avaliar, de escolher, de decidir, de intervir, de romper, de optar, de transgredir como uma possibilidade, conforme apontava Paulo Freire (2002). Concordo com Imbernón (2004, p.110) quando diz que: Deve-se superar a dependência profissional. Basta de esperar que outros façam por nós as coisas que não farão. A melhoria da formação e do desenvolvimento profissional do professor reside em parte em estabelecer os caminhos para ir conquistando melhorias pedagógicas, profissionais e sociais, e também no debate entre o próprio grupo profissional. A mistura das idades das crianças pode ser muito significativa tanto para as crianças como para suas famílias, as profissionais docentes e a sociedade em geral. É um caminho para reinventar convívios para educandos e educadores, a fim de criar uma dinâmica de trabalho mais humana, menos solitária. A experiência tentou romper com esquemas organizacionais e, mais do que isso, com modelos mentais que muitas vezes nos aprisionam (ARROYO, 2004) e nos paralisam. Os (as) educadores (as) podem e devem se constituir como protagonistas, autores de práticas inovadoras que interferem e mudam os rumos da escola. Quantos coletivos em quantas escolas brasileiras devem estar realizando experiências audazes, ensaiando formas mais flexíveis de agrupamento, de convívio entre educandos (as) e professores (as) (ibid), com responsabilidade e seriedade. Referências AMORIM, Marília. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas ciências humanas. São Paulo: Musa Editora, 2004. ARROYO, Miguel C. 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Através de análise documental, o recorte deste texto objetivou analisar o lugar do currículo nas políticas nacionais para a Educação Infantil (EI) através da análise de documentos nacionais produzidos pelo MEC a partir dos anos de 1990. Partindo de uma concepção ampla de currículo, defendemos a necessidade de que as instituições de EI realizem ações sistemáticas de educação e cuidado, capazes de garantir o pleno desenvolvimento das crianças. Daí a nossa defesa de que a elaboração da proposta curricular das instituições de EI se realize no contexto local para que possa considerar as contradições e as especificidades do trabalho com as crianças. Os resultados das análises apontam desvios e correção das rotas pensadas pela área no que diz respeito à elaboração de propostas curriculares para a EI. Como exemplo do desvio da rota, citamos a elaboração de um currículo nacional para a EI (o RCNEI). E a correção da rota se deu com as políticas mais recentes, em especial as DCNEI (2009), que afirmam a necessidade de que as instituições de EI elaborem localmente suas propostas. Os resultados da análise documental reforçam a necessidade das instituições e seus profissionais conhecerem os documentos oficiais (nacionais e locais), bem como as produções teóricas sobre a área no sentido de elaborarem propostas curriculares para a EI capazes de orientar ações intencionais que reconheçam as crianças como sujeitos de direito e lhes garantam um desenvolvimento pleno e integral. Palavras-chave: Educação Infantil. Currículo. Proposta Curricular. Este texto é um recorte dos estudos empreendidos em tese de Doutorado, em andamento, cujo objetivo é discutir a elaboração de um currículo para bebês e crianças pequenas (0 a 3 anos de idade). Neste recorte, realizamos análise documental de alguns documentos brasileiros, produzidos a partir de 1990, com o objetivo específico de analisar o lugar do currículo nas políticas nacionais para a EI. Ao abordarmos a questão da organização do currículo para a EI é possível que se pense que isso não faz sentido para crianças pequenas. O estranhamento é ainda maior quando falamos de um currículo para as crianças que estão na faixa etária de zero a três anos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 43 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior de idade. Para nós, isso ocorre em função do currículo ainda ser entendido como sinônimo de elenco de disciplinas e/ou listagem de conteúdos. Entretanto, assumimos uma concepção ampla de currículo que o compreende como um todo significativo, uma produção social e um artefato cultural que organiza os conhecimentos, os conteúdos e as experiências a serem vivenciadas pelos indivíduos em formação (MOREIRA; SILVA, 2008; PEREIRA, 2007; SANTIAGO, 1998, 2006; SILVA, 2001). É nesse sentido que compreendemos que pensar e organizar o currículo da EI é uma questão de garantir o direito das crianças a terem acesso a experiências de conhecimento e de desenvolvimento que lhes proporcionem desenvolverem-se de forma plena e integral. Essa defesa está pautada na compreensão de EI como um direito das crianças e como o “[...] lugar por excelência de sistematização dos elementos educativos indispensáveis à disponibilização dos mecanismos intencionais de socialização, capaz de oferecer à criança pequena as condições de interação e integração ao mundo que a cerca” (DIAS, 2005, p. 23). E na compreensão de que a criança nessa faixa etária é um ser frágil, vulnerável e dependente, mas é também uma criança capaz de interagir com o mundo e com os outros indivíduos. É um ser global e indivisível que precisa ser cuidado e educado de maneira indissociável (ARCE; SILVA, 2009; BARBOSA, 2008; 2010; BARBOSA; RICHTER, 2009; DIAS, 2005; OLIVEIRA, 2005). Com base nessas concepções, defendemos a necessidade de se pensar na especificidade da EI e na sistematização das ações através da organização de um currículo para a creche. Para essa elaboração, dentre outras referências, faz-se necessário o conhecimento dos documentos oficiais brasileiros que tratam das questões curriculares. Da análise dos documentos oficiais, podemos afirmar que os estudos sobre currículo e sobre Educação Infantil (EI) avançaram bastante desde os anos de 1980. Os estudos que relacionam as duas áreas são mais recentes e podem ser situados na primeira metade da década de 1990. Segundo Kramer (2002, p. 05), o debate sobre proposta pedagógica ou proposta curricular para a EI teria se dado pela primeira vez no ano de 1995. Nesse ano, algumas pesquisadoras brasileiras, a pedido da Coordenação-Geral de Educação Infantil (COEDI) do Ministério da Educação (MEC), produziram textos cuja temática relacionava currículo e EI, a partir da seguinte questão: “o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?”. Foi com o objetivo de construir um paradigma norteador do projeto de EI do país e considerando a necessidade de implementação das diretrizes estabelecidas na Política Nacional de Educação Infantil (1994) que o MEC/COEDI “definiu como ação prioritária o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 44 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares coerentes com as diretrizes expressas na Política e fundamentadas nos conhecimentos teóricos relevantes para a educação infantil” (BRASIL, 1996a, p. 08). Para a realização dessa ação, o MEC/COEDI considerou essencial começar por realizar um diagnóstico a respeito das propostas pedagógicas/curriculares em curso nas unidades da federação e constituiu, no final de 1994, uma equipe de trabalho que desenvolveu o Projeto “Análise de propostas pedagógicas e curriculares em educação infantil”. Para a realização do projeto, a equipe achou necessário iniciar o trabalho a partir de uma discussão conceitual sobre o que é currículo ou proposta pedagógica em EI que foi realizada a partir da análise dos textos produzidos pelas consultoras Tizuko Morchida Kishimoto, Zilma de Moraes Ramos de Oliveira, Maria Lucia de A. Machado, Ana Maria Mello e Sônia Kramer (BRASIL, 1996a) O resultado desse trabalho culminou com a publicação do documento “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil: um diagnóstico e a construção de uma metodologia de análise” (1996) que sintetizou o trabalho realizado pela equipe. A preocupação inicial do documento era a escolha do termo mais apropriado, afirmando-se que “os termos currículo e proposta pedagógica têm sido utilizados com diferentes sentidos, em diversos contextos da educação, em geral, e da educação infantil” (BRASIL, 1996a, p. 13). Desse modo, apresenta, inicialmente, as concepções das autoras referentes à proposta pedagógica e currículo a partir da análise dos textos encomendados as consultoras. Com base na análise do documento, podemos afirmar que as autoras consultadas possuem concepções semelhantes sobre currículo e proposta pedagógica. Kramer afirma que não estabelece diferenciação entre os termos currículo e proposta pedagógica, pois para ela ambos se confundem e daí opta em abordar o tema a partir do termo proposta pedagógica. Oliveira não explicita a diferenciação e passa a abordar a temática utilizando o termo currículo. As outras especialistas buscam apresentar diferenciações entre os termos, mesmo reconhecendo que eles apresentam similaridades e, assim, Kishimoto apresenta uma diferenciação que se encaminha na perspectiva de que currículo seria algo mais específico e proposta pedagógica seria algo mais amplo. E Mello e Machado, ao fazerem as diferenciações, optam por adotar termos que segundo elas seriam mais adequados para o campo da EI. Desse modo, Mello propõe o termo Proposta Psicopedagógica e Machado propõe o termo Projeto Educacional-Pedagógico (BRASIL, 1996a; KRAMER, 2002). Da análise das definições das consultoras, podemos depreender que ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 45 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior definir currículo ou proposta pedagógica não é tarefa simples. Currículo é palavra polissêmica, carregada de sentidos construídos em tempos e espaços sociais distintos. Sua evolução não obedece a uma ordem cronológica, mas se deve às contradições de um momento histórico, assumindo, portanto, vários significados em um mesmo momento (BRASIL, 1996, p. 19). Feitas essas considerações, entendemos que também seria importante destacar que além das divergências e similaridades entre os pensamentos das autoras o importante é que suas concepções “[...] expressam visões mais amplas do que as antigas conceituações de currículo como sequência de matérias ou conjunto de experiências de aprendizagem oferecidas pelas escolas” (BRASIL, 1996a, p. 20). De acordo com o documento, existem outros pontos em comum entre os textos das diferentes especialistas, dos quais destacamos: a preocupação com a contextualização histórico-social do currículo; a percepção de que está situado historicamente e que reflete valores e concepções de forma contextualizada; a necessidade de serem considerados os aspectos institucionais e organizacionais na definição e implementação do currículo, projeto ou proposta; a preocupação com os recursos materiais e financeiros; a preocupação com a formação dos profissionais que atuam na educação infantil; o consenso sobre a natureza dinâmica e aberta do currículo e, por fim, “a necessidade de que em sua elaboração e implementação, haja uma efetiva participação de todos os sujeitos envolvidos – crianças, profissionais, famílias e comunidades” (BRASIL, 1996a, p. 20). Entretanto, mesmo diante dessas discussões empreendidas a respeito da elaboração de propostas curriculares para a Educação Infantil, o MEC acabou por propor um currículo nacional para esse nível educacional. Após a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei nº 9.394/1996) houve um descompasso entre o Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) no que diz respeito à elaboração de diretrizes curriculares. Com base nas análises de Bonamino e Martinez (2002) e Cury (2002), podemos afirmar que houve uma superposição de papéis entre o MEC e o CNE. Tal superposição ocorreu em decorrência das políticas governamentais que, no tocante às questões curriculares, visavam implementar uma agenda internacional pautada na elaboração de um currículo nacional para os diferentes níveis de ensino (TORRES, 2003). No caso específico da EI, esse currículo nacional foi proposto através da publicação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) que foi elaborado em 1998 e integra a série de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) elaborados pelo MEC. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 46 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Direcionado às instituições e aos profissionais de creches e pré-escolas, o Referencial “constitui-se em um conjunto de referências que visam a contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras” (BRASIL, RCNEI, 2002, p. 13). O documento se apresenta como um guia de orientações que deve servir de base para discussões entre os profissionais de um mesmo sistema de ensino ou de uma mesma instituição, com vistas a auxiliar na elaboração de seus projetos educativos que se caracterizariam como singulares e diversos. E objetiva contribuir para o planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas que considerem a pluralidade e diversidade étnica, religiosa, de gênero, social e cultural das crianças brasileiras, favorecendo a construção de propostas educativas que respondam às demandas das crianças e seus familiares nas diferentes regiões do país (BRASIL, RCNEI, 2002, p. 07). O Referencial é composto por 03 (três) volumes, organizados da seguinte forma: o primeiro volume é o documento “Introdução”; o segundo é o documento “Formação Pessoal e Social” e o terceiro é o volume “Conhecimento de Mundo”. A estrutura do segundo e do terceiro volumes se apóia em uma organização por idades, que divide orientações para as crianças de zero a três anos e para as crianças de quatro a seis anos e está organizado em âmbitos de experiências e eixos de trabalho. No volume introdutório, o documento apresenta, entre outras questões, considerações sobre creches e pré-escolas que nortearam historicamente o atendimento das crianças pequenas no Brasil; considerações sobre a concepção de criança; concepções sobre o educar, o cuidar e o brincar; aborda o perfil do profissional de EI; apresenta os objetivos gerais da EI e se propõe a orientar a organização dos projetos educativos das instituições. Sobre a concepção de criança, o documento afirma que esta é historicamente construída e vem mudando ao longo dos tempos. Enfatiza que na concepção atual, a criança é entendida como um sujeito social, que está inserido na sociedade e faz parte de uma organização familiar que lhe serve de referência e, portanto, estabelece uma multiplicidade de relações. E entende que as crianças possuem uma natureza singular, o que as caracteriza como seres que pensam e sentem o mundo de um jeito próprio e bem particular. Reafirma a necessidade de que as instituições de EI realizem as funções de educar e cuidar de maneira integrada, afirmando que educar significa ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 47 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural (BRASIL, RCNEI, 2002, p. 23). E que essa educação contempla o cuidado como uma de suas partes integrantes. Cuidar, nesse documento, significa “valorizar e ajudar a desenvolver capacidades”. Assim, a dimensão do cuidado nas instituições de EI significa compreender as crianças em sua especificidade e atuar no sentido de ajudar cada uma delas a se desenvolver (BRASIL, RCNEI, 2002, p. 24). Reconhecendo o educar, o cuidar e o brincar no desenvolvimento das crianças, o documento enfatiza a importância da aprendizagem em situações orientadas e aponta que um desafio que se coloca para a EI é compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo. No segundo volume, apresenta o âmbito de Formação Pessoal e Social que se refere às experiências que favorecem, prioritariamente, a construção do sujeito. Esse âmbito envolve as interações das crianças com o meio, com os outros e com elas mesmas e envolve o eixo de trabalho “Identidade e autonomia”. Esse eixo de trabalho enfatiza que as instituições de EI, suas propostas educativas e as práticas pedagógicas de seus profissionais devem proporcionar às crianças o desenvolvimento de sua identidade e a construção de sua autonomia, para que possam se relacionar e interagir com outras crianças e com os adultos. E no terceiro volume, apresenta o âmbito Conhecimento de Mundo, no qual constam seis documentos referentes aos seguintes eixos de trabalho: Movimento, Artes Visuais, Música, Linguagem oral e escrita, Natureza e sociedade e Matemática. O documento de cada eixo de trabalho se organiza com base em uma estrutura comum na qual são explicitadas as ideias e práticas correntes relacionadas àquele eixo de trabalho e como cada eixo compreende a relação que as crianças estabelecem com àquele conhecimento, bem como apresenta os seguintes componentes curriculares divididos por idades: objetivos, conteúdos, orientações didáticas, orientações gerais para o professor e bibliografia. Com essa breve análise do RCNEI, entendemos que com a elaboração desse documento o MEC parece ter encerrado as discussões sobre a elaboração de propostas pedagógicas/curriculares para a EI. E, a partir daquele momento, o Referencial passou a se configurar como “a” proposta curricular nacional para a Educação Infantil. Daí a importância dada a ele na política do Ministério da Educação a partir de então. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 48 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Conforme abordamos, esse fato estava em consonância com os objetivos de construir parâmetros e referenciais nacionais para os diferentes níveis de ensino. Tais parâmetros seguiram as orientações internacionais e acabaram desconsiderando as produções teórico-metodológicas que vinham sendo discutidas em âmbito nacional. Um exemplo disso foi a forma como os documentos foram elaborados centralmente e sem grandes discussões nacionais como apontam as análises de Kramer (2002; 2003), Cerisara (2007) e Palhares e Martinez (2007) que questionam a metodologia adotada pelo Ministério para a elaboração do documento, bem como a falta de articulação com outros documentos produzidos anteriormente pelo MEC/COEDI. Concordamos com as análises das autoras e afirmamos que o RCNEI representou um desvio da rota anteriormente traçada, como afirmam Palhares e Martinez (2007). Para nós, a rota anterior visava implementar uma política nacional para a EI que tinha como base a centralidade na elaboração de propostas pedagógicas e curriculares no contexto de cada instituição de EI. Já o RCNEI, assumiu uma perspectiva de currículo nacional e desconsiderou as análises e os encaminhamentos que vinham sendo discutidos pela área. Para nós, o que vinha se esboçando em matéria de currículo indicava a necessidade do MEC dar apoio para que os sistemas de ensino e as instituições educacionais elaborassem suas propostas pedagógicas e curriculares, mais voltadas para as suas especificidades locais e capazes de reconhecer o direito de crianças e educadoras a uma prática educativa que as considerassem como sujeitos de direitos e produtores de cultura. E não a necessidade do MEC definir centralmente um currículo único a ser seguido pelas instituições. Diante das várias críticas e em razão dos pareceres não terem sido favoráveis, o MEC reelaborou algumas questões e, ainda em 1998, tornou público os três volumes do documento após ter passado, também, pela análise do CNE que acabou colocando o RCNEI e os PCN como não obrigatórios e se voltou para a elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), essas sim mandatárias em matéria de currículo (CURY, 2002). De 1998 até os dias atuais, o Brasil instituiu uma série de diretrizes curriculares para os mais diversos níveis e modalidades de ensino. Neste texto, analisamos as diretrizes referentes à EI. Assim, começamos analisando a Resolução nº 01/1999 da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE), que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 49 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Composta por quatro artigos, a referida Resolução apresenta, em seu artigo 3º, as diretrizes curriculares para este nível de ensino, enfatizando diversos aspectos que deveriam orientar as instituições de EI no que diz respeito a “organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas” (BRASIL, DCNEI, 1999, art. 2º). Da análise do documento, podemos afirmar que a primeira diretriz explicitava os princípios éticos, políticos e estéticos que deveriam servir de base para a organização curricular da EI. A segunda diretriz abordava a necessidade de se reconhecer a identidade dos sujeitos, enfatizando que cada pessoa teria sua especificidade e suas características próprias que deveriam ser respeitadas nas instituições de EI. A terceira tratava da questão do educar e cuidar na EI. A quarta abordava a questão de que as ações educativas deveriam ser intencionais e precisavam reconhecer a criança como capaz de aprender individual e coletivamente, enfatizando que as ações deveriam buscar a interação entre as áreas de conhecimento e os aspectos da vida cidadã e contribuir para o acesso aos conteúdos necessários para a constituição de conhecimentos e valores pelas crianças. A quinta tratava da avaliação do desenvolvimento da criança, caracterizada como o acompanhamento das etapas, e da preocupação de que as avaliações não servissem para a promoção ou retenção das crianças no acesso ao Ensino Fundamental. A sexta enfatizava a necessidade de que os profissionais que atuariam na gestão e coordenação das propostas pedagógicas e das instituições de EI tivessem curso de formação de professores. A sétima abordava a questão do ambiente de gestão das instituições de EI e reafirmava o princípio da gestão democrática. E a oitava e última diretriz indicava que as propostas pedagógicas e os regimentos internos das instituições deveriam levar em consideração as condições de efetivação dessas diretrizes e das estratégias educacionais previstas nesses documentos (BRASIL, DCNEI, 1999). Do exposto, compreendemos que a DCNEI (1999) afirmava a autonomia das instituições na elaboração, execução, acompanhamento e avaliação das instituições de EI e não fazia menção à utilização de parâmetros ou referenciais nacionais na organização dos currículos dessas instituições. Outra observação importante, é que na DCNEI (1999) apareceu a questão do educar e cuidar como objetivo das propostas pedagógicas das instituições, especificidade defendida pelos estudiosos da área e que não apareceu nos artigos referentes à EI na LDB. Mais de dez anos depois, o Brasil reafirmou a importância das Diretrizes Curriculares Nacionais ao elaborar as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) e as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2010) a partir da ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 50 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior atual configuração da Educação Básica, após a publicação da legislação que ampliou a cobertura da educação obrigatória brasileira, e diante das discussões que permearam as Conferências Municipais e Estaduais, bem como a Conferência Nacional de Educação (CONAE, 2010). Assim, em 17 de dezembro de 2009, foi aprovada a Resolução CNE/CEB nº 5/2009 que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) a serem observadas na organização das propostas pedagógicas das instituições de EI brasileiras, revogando-se a Resolução CNE/CEB nº 01/1999. A DCNEI (2009) anuncia, em seu artigo 2º, a sua articulação com as diretrizes gerais para a educação básica que foram aprovadas posteriormente e que analisamos em seguida. O que primeiro nos chama a atenção na DCNEI (2009) é a apresentação das concepções de currículo, de criança e de Educação Infantil que norteiam a instituição das diretrizes para esse nível educacional. Isso não ocorreu na DCNEI (1999) que orientava a elaboração de propostas pedagógicas e curriculares para a EI, mas não apresentava as concepções que embasavam sua elaboração. Com relação ao conceito de currículo, a DCNEI (2009) apresenta uma compreensão que leva em consideração o contexto da prática e a busca de articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos socialmente produzidos ao explicitar em seu artigo 3º que o currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade (BRASIL, DCNEI, 2009, art. 3º). O reconhecimento da criança como sujeito de direitos e o entendimento de que ela deve estar no centro do processo educativo e do planejamento curricular é reforçado no artigo 4º que afirma que as propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, DCNEI, 2009, art. 4º). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 51 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior No que concerne à especificidade da EI e sua oferta em creches e pré-escolas públicas e privadas, o artigo 5º reafirma a EI como primeira etapa da Educação Básica como preconizado no artigo 29 da LDB. O artigo 6º da DCNEI (2009), com outra redação, reafirma os princípios éticos, políticos e estéticos que devem nortear a educação brasileira, expressos no artigo 3º da DCNEI de 1999. No geral, a DCNEI (2009) apresenta 13 artigos dos quais destacamos, ainda, os artigos 7º, 8º, 9º e 10. O artigo 7º aborda a garantia do cumprimento da função social das instituições de EI, afirmando que o trabalho educativo desenvolvido nessas instituições deve ter uma intencionalidade pedagógica claramente definida e desenvolver ações que garantam as condições para a realização das atividades propostas. O artigo 8º aborda os objetivos a serem alcançados pelas instituições de EI no que diz respeito ao acesso ao conhecimento que deve ser proporcionado às crianças e que devem estar expressos nas propostas curriculares dessas instituições. No que diz respeito às práticas pedagógicas que deveriam ser desenvolvidas nas instituições de EI, o art. 9º afirma que as interações e as brincadeiras devem ser os eixos norteadores das experiências proporcionadas às crianças nas práticas curriculares das instituições. O art. 10 aborda a necessidade de que o trabalho pedagógico desenvolvido pelas instituições bem como o desenvolvimento das crianças sejam avaliados e reafirma que essa avaliação não deve ser base para seleção, promoção ou classificação. Nesse artigo, o que nos chama a atenção é a referência à observação crítica e criativa das crianças, de suas interações e atividades desenvolvidas, bem como a sugestão de utilização de várias formas de registro desse desenvolvimento. Em linhas gerais, a DCNEI (2009) aborda as diversas possibilidades ativas das crianças. Para que essas possibilidades sejam desenvolvidas, faz-se necessário que as crianças sejam educadas e cuidadas em ambientes que lhes possibilitem desenvolver suas potencialidades. Para isso, várias questões precisam estar envolvidas: conhecimento do desenvolvimento infantil, conhecimento dessas potencialidades das crianças, espaços e materiais adequados, profissionais com a formação necessária para planejar e desenvolver um trabalho que tenha como foco o desenvolvimento integral das crianças, entre outras. O que aponta para a necessidade das professoras de EI terem uma sólida formação inicial e do sistema de ensino investir em formação continuada para essas profissionais, o que parece não ser realidade em muitos municípios brasileiros. Daí ser importante questionar: como proporcionar o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 52 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento das potencialidades das crianças nas instituições de EI com as condições reais que estão postas? Acreditamos que a resposta ao questionamento passa pela formulação e implementação de políticas públicas para a EI no contexto local e por um maior apoio por parte do governo nacional, no sentido de apoiar e cobrar que essas políticas sejam elaboradas e efetivadas, para que se garanta o direito constitucional a uma educação pública de qualidade social para as crianças. As discussões sobre o currículo para a EI foram retomadas na elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (DCNGEB) que entraram em vigor em 13 de julho de 2010, através da Resolução CNE/CEB n° 04/2010 que possui 60 artigos distribuídos em 07 Títulos. Dentre os pontos abordados, destacamos alguns que consideramos importantes: A responsabilidade que o Estado brasileiro, a sociedade e a família tem em garantir: a democratização do acesso, a inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das crianças, jovens e adultos na instituição educacional (art. 1º); A afirmativa de que as diretrizes devem ter como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola (art. 2°); A reafirmação da Educação Básica como direito universal e alicerce para o exercício da cidadania em plenitude e para a conquista dos demais direitos (art. 5°); O entendimento de que na Educação Básica é necessário considerar as dimensões do cuidar e do educar em sua inseparabilidade (art. 6°); A necessidade de se criar um Sistema Nacional de Educação, no qual os entes federativos são chamados a colaborar para transformar a Educação Básica em um sistema orgânico, sequencial e articulado (art. 7°); A relevância de que a escola elabore seu projeto político-pedagógico concebido e assumido colegiadamente pela comunidade educacional, respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade cultural (art. 10); O entendimento de currículo como experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e saberes dos estudantes com os conhecimentos historicamente ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 53 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior acumulados e contribuindo para construir as identidades dos educandos (art. 13). Outros pontos analisados na DCNGEB (2010) foi a organização da Educação Básica em níveis e modalidades e a referência as especificidades de cada etapa, expressas dos artigos 18 ao 26. No que diz respeito aos artigos referentes especificamente à EI, analisamos os artigos 21 e 22. O artigo 21 reafirma que a divisão (creche e pré-escola) se dá apenas pelo critério etário, ao afirmar que a EI compreende “a Creche, englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses de idade; e a Pré-Escola, com duração de dois anos” (BRASIL, DCNGEB, 2010, art. 21, inciso I). E o artigo 22 aborda o desenvolvimento integral das crianças, a partir da consideração da necessidade de acolher, respeitar dar atenção intensiva para as diferentes crianças, considerando que elas provêm de diferentes contextos sócio-culturais e a necessidade de que as ações educativas sejam sistematizadas para favorecer o desenvolvimento infantil. O que exige a organização das instituições e do trabalho desenvolvido por suas profissionais, bem como a necessária articulação das instituições com as famílias (BRASIL, DCNGEB, 2010, art. 22). Dá análise das diretrizes, afirmamos que elas apontam para uma maior descentralização em matéria de elaboração das propostas pedagógicas e curriculares das instituições e/ou dos sistemas de ensino. Essa descentralização se expressa na afirmação de que a instituição educacional, seus profissionais e a comunidade em geral são responsáveis pela elaboração dessas propostas de forma participativa e coletiva. Nesse sentido, afirmamos que as diversas Diretrizes instituídas pelo CNE se configuraram como uma tentativa de romper com a política centralista do MEC de meados dos anos de 1990, reafirmando a importância das próprias instituições elaborarem suas propostas localmente. Após a análise dos documentos produzidos pelo MEC compreendemos que o primeiro documento se encaminhava na direção de que as políticas curriculares para a EI deveriam se pautar na autonomia das instituições para construir suas propostas e que elas deveriam ser pensadas coletivamente por todos os envolvidos no processo. Essa concepção, entretanto, parece ter se encaminhado no sentido oposto daquele pretendido pelo MEC, uma vez que a partir da segunda metade dos anos de 1990 o Ministério ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 54 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior passou a construir referencias e parâmetros curriculares nacionais a serem seguidos em todo o território nacional. Assim, na segunda metade da década, as discussões a respeito do currículo para a EI parecem ter arrefecido, pelo menos no âmbito das políticas nacionais. Nesse período, parece que a principal preocupação passou a ser a elaboração de referenciais nacionais, culminando com a publicação do RCNEI. Elaborado o documento, este passou a ser considerado por muitos “o” currículo para a área, conforme já abordado. Fato que estava de acordo com a política do MEC durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) que entendia currículo de forma restrita e se voltou para a elaboração de um currículo nacional que justificasse e servisse de base para outras políticas para a área da educação, a exemplo das políticas de avaliação nacional e as políticas do livro didático (CURY, 2002). Nesse sentido, concordamos com Palhares e Martinez (2007) e afirmamos que o processo de elaboração, o documento final e a divulgação do RCNEI se configuraram como um desvio da rota anterior que vinha sendo traçada pela COEDI através dos debates e dos documentos publicados no início da década de 1990. A rota anterior apontava numa direção mais coletiva e participativa e se encaminhava na perspectiva de que o currículo fosse construído em cada creche ou pré-escola, em consonância com as orientações nacionais e locais e atendendo aos anseios da comunidade e às necessidades das crianças. O desvio da rota se deu em uma direção oposta, ao apresentar um referencial que passou a ser entendido e disseminado como “o” currículo para a EI, ou seja, um referencial elaborado centralmente e que deveria ser seguido pelas creches e pré-escolas, mesmo que no discurso ele se apresentasse como uma proposta que poderia ser seguida ou não. Para nós, isso foi percebido na própria elaboração do RCNEI que desconsiderou toda a produção anterior da COEDI. Paralelo a esse encaminhamento do MEC, o CNE discutia e instituía as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN). Para nós, essas diretrizes se configuram como outro encaminhamento para as questões curriculares, uma vez que reafirmam a pluralidade de propostas pedagógicas e curriculares possíveis de serem construídas e a autonomia das instituições na construção coletiva dessas propostas. A elaboração das DCN é um indicativo de que a rota anterior precisava ser retomada. Nesse sentido, a correção da rota teria se iniciado no início dos anos 2000, mais especificamente a partir do Governo do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 55 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior MEC retomou a rota anterior ao reafirmar, nos documentos publicados, que cada instituição de EI deve construir localmente seu currículo, articulado com a sua proposta pedagógica. Por fim, afirmamos que as análises dos desvios e retomadas de rotas anteriormente traçadas para a EI indicam que as orientações nacionais, estaduais e municipais são importantes e necessárias, mas que não devem ser vistas como “camisas de força” para as instituições. Daí defendermos que as propostas pedagógicas e curriculares precisam ser construídas no contexto de cada instituição de EI, uma vez que elas precisam considerar as especificidades institucionais, seus profissionais, a comunidade e, principalmente, as crianças. Para nós, essa elaboração é imprescindível para que se possa garantir que as práticas educativas desenvolvidas com essas crianças se encaminhem na direção de lhes garantir uma educação de boa qualidade que lhes proporcionem desenvolverem-se de forma plena e integral. REFERÊNCIAS ARCE, Alessandra; SILVA, Janaina Cassiano. É possível ensinar no berçário? O ensino como eixo articulador do trabalho com bebês (6 meses a 1 ano de idade). 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O estágio foi desenvolvido numa escola da rede pública municipal e teve como objetivo analisar as práticas curriculares educativas tendo como foco a brincadeira por considerar esta uma atividade própria da criança. Nesta perspectiva se considerou os significados construídos sobre a infância e a criança e quais as contribuições destas práticas no processo de desenvolvimento das crianças. Palavras-chave: Brincadeira. Educação infantil. Currículo. Infância. ABSTRACT This article is the result of a supervised internship experience in early childhood experienced during the graduation of the Faculty of Education. The stage was developed in a local public school and aimed to analyze the practical educational curriculum focusing on the game considering that a child’s own activity. This perspective is considered the meanings built on childhood and child and the contributions which these practices in the developed of children. Keywords: Play. Child rearing. Curriculum. childhood Introdução Diante de uma análise histórica é possível identificar que a infância nem sempre foi reconhecida como uma etapa da vida humana, de modo que a criança nem sempre foi respeitada como um sujeito social e de direitos. A educação infantil como um direito da criança pequena é uma conquista recente adquirida a partir de estudos e novas propostas. A primeira conquista legal da área no Brasil se efetiva por meio do reconhecimento da educação infantil como primeira etapa da Educação Básica Brasileira na Constituição Federal Brasileira de 1988. Apenas em 1996 a educação infantil é regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educação 9394/96, que em seu artigo IV afirma que é dever do 22 Graduandas da licenciatura em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste. E-mails: [email protected]; [email protected]. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 59 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior estado o atendimento gratuito às crianças de zero a cinco anos de idade em creches e préescolas oferecendo as crianças uma educação capaz de promover seu desenvolvimento pleno. Partindo desses pressupostos, a pesquisa desenvolvida no estágio supervisionado na educação infantil e teve o intuito de investigar quais as concepções de criança e infância propostas no currículo a partir da compreensão de que a brincadeira e a interação são eixos norteadores essenciais para a prática com as crianças na educação infantil. Para tanto objetivou compreender o lugar da brincadeira utilizada no currículo da instituição de educação infantil. Desse modo, durante os momentos de observação buscou-se identificar as práticas docentes e a perspectiva de currículo adotada na educação infantil no campo de estágio. O estágio como campo de pesquisa O estágio se desenvolveu entre os meses de Abril à Junho de 2011, junto às crianças de 5 anos e uma professora da Educação Infantil II, em uma escola municipal da área rural da cidade de Caruaru-Pe, que foi chamada pelo nome fictício de “Gostar de Aprender”. O estudo foi proposto se desenvolver na perspectiva do método qualitativo com enfoque para um estudo de caso do tipo etnográfico, conforme defende André (1995) “a pesquisa do tipo etnográfica, que se caracteriza fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com a situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as relações que configuram a experiência escolar diária” (p. 41). A pesquisa qualitativa se justifica por se trabalhar: Com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2004, p. 22) Na medida em que as técnicas etnográficas estão sendo desenvolvidas, vejamos a reflexão e contribuição de André quando diz que “O pesquisador é o instrumento principal na coleta de dados. Os dados são mediados pelo instrumento humano, o pesquisador.” (1995, p. 28). Nesta diretriz, o trabalho realizado buscou investigar através do foco de estudo novas maneiras ou trazer contribuições no entendimento da realidade do campo pesquisado. Concepção de criança e infância 23 Trabalho orientado por Patrícia Gomes de Siqueira, professora substituta no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco – Centro Acadêmico do Agreste – Núcleo de Formação Docente (UFPE/CAA/NFD). E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 60 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Durante muito tempo as crianças foram vistas como seres sem voz nem vez, seriam apenas um retrato de um adulto em miniatura esperando a idade chegar para fazer parte do mudo. As crianças de uma posição social mais privilegiada eram vistas como um adulto que ainda não cresceu e que, portanto, deveria aguardar o seu momento chegar para fazer parte do meio social junto da família, as que pertenciam a uma posição social menos favorecida ingressava desde muito cedo no trabalho para ajudar a família nas despesas de casa. Neste sentido, Bujes ressalta que: Cada época tem sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de caracterizar as mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância. Nos últimos três ou quatro séculos, a criança a passou a ter uma importância como nunca havia ocorrido e ela começou a ser descrita, estudada, a ter o seu desenvolvimento previsto, como se ele ocorresse do mesmo jeito e na mesma sequência. (2001, P. 17) Nesta perspectiva, de acordo com Bujes (2001) essa concepção de infância como uma categoria social nos faz refletir sobre a nossa própria concepção de infância e criança que nos orienta em nossas práticas com as crianças pequenas. Entender as necessidades e características que a criança do mundo atual necessita é imprescindível para entendê-la como sujeito de direitos e poder garantir que a criança possa ter infância, e que suas necessidades básicas sejam atendidas. O currículo da educação infantil no âmbito educacional A educação infantil no Brasil, apesar de já ser reconhecida desde a Constituição Federal Brasileira de 1988 e reforçada no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e na LDB de 1996, ainda sofre com os descasos em muitas instituições no Brasil que não respeitam por não oferecerem um atendimento que contemple as necessidades e especificidades da criança pequena, o que inclui o cuidado e a educação integrados proporcionando assim o desenvolvimento e a aprendizagem. O objetivo da educação infantil está evidente no artigo 29 da LDB que diz: A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996, p. 12) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 61 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Entretanto, apesar de leis como essa já terem sido promulgadas há algum tempo a realidade que se encontra atualmente em algumas instituições são preocupantes, pois muitas que atendem crianças nessa faixa etária não dispõem de materiais adequados para o desenvolvimento dos trabalhos, e ou não se preocupam com a qualificação ou a contratação de profissionais habilitados para atendê-las, tornando assim o atendimento das crianças muito defasadas no sentido social e educativo. Arroyo (1994) contribui para essa discussão quando menciona o papel que a educação infantil tem que desempenhar, que é o de promover uma educação capaz de transformar as crianças em cidadãos críticos e independentes, com uma proposta curricular que de fato contribua com o desenvolvimento psicossocial das crianças. Torna-se imperiosa a necessidade de se romper com os moldes antigos em que o papel da pré-escola era preparar a criança para uma próxima etapa da escolarização e da creche ser um espaço de guarda e cuidado. Certamente a educação infantil no contexto educacional ainda precisa avançar em muitos aspectos estruturais, pedagógico e, sobretudo, curricular para que o retrato atual tenha outra configuração, validando os direitos assegurados às crianças por lei. A brincadeira e o mundo infantil Segundo Vigotsky (2007), a criança é um ser social que se comunica com o mundo através de experiências. Essas experiências se dão mediante os estímulos e oportunidades propiciados a ela através do brincar que irá fazer com que a criança faça diversas (re) leituras de mundo, desenvolvendo a imaginação e a criação. Neste sentido percebe-se que a brincadeira é a atividade principal da criança, ao brincar a criança transportar-se para um mundo imaginário tornando possível a concretização de desejos ainda não realizáveis desenvolvendo a imaginação e a fantasia. Ainda segundo Vigotsky “No brinquedo a criança sempre se comporta além do comportamento habitual de sua idade, além do que seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que ela realmente é na realidade.” (2007, p. 122). Também é importante salientar segundo a visão de Vigotsky que “o brinquedo não é algo dominante da infância, mas é imprescindível para o desenvolvimento da criança”. (2007,p.120). Dessa forma, a brincadeira deve permear as salas de educação infantil para ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 62 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior poder transformar esse ambiente em um espaço agradável e prazeroso possibilitando assim o desenvolvimento integral da criança. Essas considerações nos mostram que a criança necessita ser estimulada para que seu aprendizado e seu desenvolvimento aconteçam de forma leve e prazerosa. E que o brincar possa ser compreendido como atividade completa e importante para o seu desenvolvimento da criança, o que não parece acontecer nas práticas educativas no lócus investigado. Algumas considerações sobre os resultados Como destacado, é possível identificar a importância da brincadeira para o aprendizado e o desenvolvimento da criança, algo que o professor de educação infantil necessita compreender e considerar em sua prática. Ao confrontar estes conhecimentos com as observações no campo de estágio e por meio da análise dos dados coletados foi possível perceber a dificuldade de compreensão do espaço para a brincadeira e significado de infância por aqueles que lidam com a educação infantil. Concernente ao currículo não foi possível identificar a brincadeira e a interação entre as crianças e o educador como aspectos importantes no processo do desenvolvimento e aprendizagem das crianças. O currículo presente na instituição investigada tem a função de alfabetizar a criança pequena o mais cedo possível. Desse modo, fica evidente a necessidade de se repensar o modo como a brincadeira tem sido utilizada no currículo da educação infantil que contemple as especificidades da aprendizagem e o desenvolvimento das crianças, bem como políticas que atendam as necessidades reais da educação infantil. Referências ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Etnografia da Pratica escolar. Campinas SP, Papirus, 1995. - (Série Prática Pedagógica). ARROYO, Miguel Gonzalez. O significado da infância. Brasília: MEC/SEF, 1994. p. 88-92 BUJES, Maria Isabel Edelweiss. Escola infantil: Pra que te Quero? In: CRAIDY, Carmem e KAERCHER, Gládis E. (orgs.). Educação infantil: para que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 17- 21. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 63 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior BRASIL, Lei n° 9.394, de 20 de Dezembro de 1996 – Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. MINAYO, M.C.S. (org.) Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 1996. VIGOTSKY, L. (1984-1934),A formação social da mente: os desenvolvimentos dos processos psicológicos superiores.7 ed.São Paulo: Martins fontes: 2007. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 64 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior CURRÍCULO, EDUCAÇÃO INFANTIL E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS: UMA REFLEXÃO SOBRE A HORA DO VÍDEO COMO RECURSO PEDAGÓGICO NASCIMENTO, Ana Michele de Almeida 24 VIEIRA, Ghesa Maria Quirino Lima 25 RESUMO Este trabalho visa contribuir com a reflexão sobre a importância do Currículo da Educação Infantil a partir de uma discussão dos Estudos Culturais para a educação da infância e a importância na análise prévia por parte dos educadores em relação aos artefatos culturais transmitidos nas escolas como recurso pedagógico da hora do vídeo. A utilização desta tecnologia tem sido bem freqüente nestes espaços, tanto na rede privada quanto na rede pública de ensino, visto que a televisão e o transmissor de vídeo podem ser encontrados na grande maioria dos espaços educativos e assim utilizados também como ferramenta para o entretenimento das crianças. Sendo assim, é imprescindível que o educador tenha a consciência crítica para entender o que determinados filmes infantis trazem como discurso. A infância aqui abordada é considerada como um período crucial na educação e na formação humana. Para análise do que nos propomos, trazemos para cena o “aparato cultural” do cinema (Giroux, 1995) e analisamos os elementos discursivos do clássico “Rapunzel”, em sua antiga e nova versão. Assim, os Estudos Culturais, discussão que vem ganhando bastante espaço na América Latina (Costa, 2003) baliza o presente estudo. Palavras-chave: Infância e Estudos Culturais. Educação Infantil e Prática Docente. Estudos Culturais e Formação Docente. Genêro. SUMMARY This work aims to contribute to the reflection on the importance of Early Childhood Curriculum from a discussion of cultural studies for the education of children and the importance of prior review by educators in relation to cultural artifacts transmitted in schools as an educational resource time Video. The use of this technology has been quite frequent in these areas, both in private and in public schools, since television and video transmitter can be found in most educational spaces and thus also used as a tool for the entertainment of children. Therefore, it is essential that the teacher may have a critical consciousness to understand that certain children's films have as speech. The children discussed here is considered a crucial period in education and human development. For the analysis we propose, we bring to scene the "cultural apparatus" of cinema (Giroux, 1995) and analyze the discursive elements of the 24 Ana Michele de Almeida Nascimento. Arte Educadora na Educação Infantil. Graduada em Pedagogia pela UFPE/Campus Agreste- Caruaru-PE. Mestranda em Educação/Prog.Pós-Graduação stricto sensu da UFPE- Universidade Federal de Pernambuco. Núcleo de Teoria e História da Educação. Campus Recife/PE. [email protected] 25 Ghesa Maria Quirino Lima Vieira. Pedagoga/ Psicóloga. Estudante de Pós-Graduação em psicologia pela FAVIP - Faculdade Vale do Ipojuca/Caruaru-PE. Coordenadora de Educação Infantil. [email protected] ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 65 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior classic "Rapunzel" in her old and new version. Thus, cultural studies, discussion that has been gaining a lot of space in Latin America (Costa, 2003) marks the present study. Keywords: Childhood and Cultural Studies. Early Childhood Practice. Cultural Studies and Teacher Education. Gender. Education and Teaching Currículo, Educação Infantil e Práticas Pedagógicas. Para iniciar esta discussão trazemos sucintamente as nossas considerações sobre a relevância do currículo e seu papel fundamental no contexto escolar, voltando nosso olhar especificamente para a etapa da Educação Infantil. Para tal, buscamos nos respaldar no entendimento da importância sobre um currículo voltado para as especificidades desta faixa etária em foco (educação de crianças de 0 a 6 anos). Durante o desenvolvimento deste texto, abordaremos questões que reforçam sobre a importância de um profissional qualificado e atento para atuar nesta área. Não mais qualquer pessoa pode estar responsável em educar crianças. É necessário além da formação mínima, uma formação continuada, por diversos motivos e argumentos ratificamos isto. Esta é uma desconstrução pertinente e necessária. Neste sentido, encontramos em Forquin algo sobre currículo que traduz com muita coerência os elementos que este estudo se propõe: “... no sentido mais corrente o termo currículo designa o conjunto daquilo que se ensina e daquilo que se aprende, tendo como referência alguma ordem de progressão, podendo referir-se para além do que está escrito/prescrito oficialmente, ou seja, o que é efetivamente ensinado e apreendido no interior da sala de aula e ainda por aquilo que, contido no conteúdo latente, se adquire na escola por experiência, impregnação, familiarização ou inculcação” (FORQUIN, 1996, p.188). As práticas pedagógicas na Educação Infantil vêm sendo ressignificadas ao longo destas últimas décadas. Isto se dá principalmente pelo fato do direito à educação e aos cuidados para crianças de 0 a 6 anos, bem como a afirmação do binômio educar e cuidar passarem a ser considerados funções indissociáveis . Esta visão de atendimento a comunidade infantil e instituição das mesmas, foram incorporadas pela primeira vez à legislação na Constituição Brasileira de 1988. Porém a Educação Infantil só passa a vigorar como primeira etapa da educação básica a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB 9394/96). Estes acontecimentos são de fato marcos importantíssimo na história da educação das crianças. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 66 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Mais adiante, no ano de 1998, a Educação Infantil vem a ser contemplada com a implementação do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Este material está disposto em 03(três) volumes e vem auxiliar os professores na realização do trabalho educativo diário junto às crianças pequenas. O mesmo foi idealizado a partir de uma constatação sobre a realidade nacional diversa e desigual sobre a formação dos profissionais que atuam na educação das crianças, e principalmente, as concepções que este profissionais têm sobre crianças, infâncias, educação, atendimento institucional, dentre outros fatores (RCNEI, vol.01, p.39) A partir de uma discussão que nos parece abranger todo o país, inicia-se um movimento de preocupação em tornar o atendimento educacional infantil de qualidade. Inclusive, tem sido crescente o número e também a qualidade dos estudos que contemplam a Educação Infantil como campo de observação e reflexão. Estudos comprovam que as crianças começam a ganhar espaço, ganhar voz e vez nos meios acadêmicos (Educação) como também passou a ser preocupação de diversas outras áreas (psicologia, sociologia, antropologia etc.). Sendo que, não mais numa visão adultocêntrica, mas sim, as próprias crianças sendo ouvidas, percebidas, pesquisadas. Segundo Guizzo e Felipe, “as crianças vêm ganhando visibilidade, como sujeitos dignos de atenção, seja na área científica, jurídica, política ou tecnológica” (GUIZZO E FELIPE, 2004. p.01). O fato de atuarmos nesta etapa da educação há algum tempo e concomitantemente estarmos inseridos dentro do espaço Universitário, participando de grupos de estudo, pesquisando, como também levando as nossas reflexões aos eventos em educação, nos quais pudemos efetivamente participar de discussões (GT’s 07- Educação de crianças de 0 a 6 anos), nos fez passar a observar com mais detalhes as práticas pedagógicas e a presença/ausência de determinadas reflexões feitas/ou não pelos professores , sobre os instrumentos (brinquedos, vídeos, fantasias, figurinhas etc.) que eles possibilitam as crianças utilizarem. Começamos neste sentido, a observar estes instrumentos nos momentos de “ludicidade”: dia do brinquedo, hora do vídeo, hora da brincadeira etc. Na maioria das vezes estes instrumentos são trazidos pelas próprias crianças de sua casa, e o professor, respeitando a democracia, utiliza. Na maioria das vezes, inconseqüentemente. Estas observações foram se tornando para nós um registro mental, e nos inquietava. Ficamos por muitas vezes refletindo sobre os embates que algumas crianças travavam para ter seu vídeo ou seu brinquedo contemplado. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 67 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Um destes momentos se deu quando a nova versão de Rapunzel, intitulada “Enrolados” foi lançada em sua versão DVD e nós pudemos observar uma cena onde uma criança dizia com muita veemência __ nem venha com seu DVD, hoje é meu filme, e eu sou Rapunzel e pronto. Em outro momento resolvemos assistir aquele filme tão defendido pela pequena e isto nos suscitou muitos questionamentos, visto ter conhecimento da primeira versão de Rapunzel e as nossas observações sobre como este novo clássico veio revestido de um novo discurso. Perguntamos-nos, então, até que ponto o professor tem consciência sobre o que está sendo reproduzido para infância na hora do vídeo? Isto nos instigou a não apenas registrar e observar sem nada fazer. Sentimo-nos então bastante envolvidos em tentar entender o contexto de determinados clássicos infantis que em determinados momentos se transformam em “febre” infantil e todos querem ter o momento de contemplação. A partir de tais reflexões, encontramos nos Estudos Culturais entendimento para determinados contextos sociais que a mídia oferece para convencimento de determinado público. Arregaçamos as mangas e fomos pesquisar para entender. Segundo nos diz Freire: “Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade” (FREIRE, 1996). Assim, o presente estudo, pautado na discussão dos Estudos Culturais e concebe esta compreensão imprescindível ao currículo e a prática pedagógica na Educação Infantil, desvelando assim o que pudemos observar a partir de um aprofundamento bibliográfico e observação do clássico infantil que nos propusemos. Para tanto, faremos um breve entendimento sobre a faixa etária em foco e suas especificidades, e em seguida discorreremos sobre a proposta. 1. INFÂNCIAS, CRIANÇAS E EDUCAÇÃO INFANTIL A infância abordada atualmente é considerada a partir de um fenômeno sócio-histórico e esta percepção nem sempre existiu, representando uma conquista que se deu gradativamente no decorrer de alguns séculos (KRAMER, 2006). Durante muitos e muitos anos a criança foi considerada um “adulto em miniatura” (ARIÈS, 1981) e o mundo das crianças passou a ser reconhecido separadamente do mundo dos adultos muito recentemente, levando em ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 68 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior consideração o tempo cronológico da história da humanidade. Baseados neste contexto, pensamos, assim como Miranda, que aborda em seus estudos sobre a concepção da infância como sujeitos de direitos é bem recente, datando final do século XX (MIRANDA, 2010). Completamos a estes fatores que no âmbito legal, estas conquistas também são bem recentes, tais quais: a Constituição de 1988 , o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, Lei 8242/91) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB / Lei 9394/96). Podemos considerar que graças a diferentes contribuições, abordagens e discussões durante a trajetória histórica da humanidade, houve mudanças no que tange o respeito às etapas de vida do ser humano e algumas concepções sociais vieram a ser modificadas a partir de amplas reflexões acerca das singularidades etárias. Assim compreendemos o porquê da humanidade ter sua história bem marcada pela transformação dos conceitos em relação aos seres humanos e suas especificidades. Há pouco mais de um século data o surgimento das primeiras escolas para crianças. Como bem sabemos elas não nasceram “num pé-de-planta”, foram surgindo para atender a determinada demanda social e gradativamente foram ganhando seu espaço. Inicialmente, o espaço de atendimento infantil tinha um caráter compensatório e assistencialista de cuidados para a infância. No entanto, paulatinamente este espaço com o passar dos anos foi ganhando formato de escola e foi aderindo ao atendimento as crianças como um agente também de educação e transformação, atendendo a esta faixa etária como algo de direito, assim como acontece na atualidade, ou pelo menos deveria acontecer (KRAMER, 2006). Levando em consideração que é praticamente impossível nos dias atuais desassociar criança e escola, reconhecemos o papel e importância da educação neste contexto social, e percebemos que a própria humanidade vem se empenhando ao longo da historia mundial na construção de um mundo melhor para este segmento. Ressaltamos portanto a importância da Educação Infantil na sociedade , e partindo desta consideração, afirmamos o quanto é importante um profissional muito bem preparado e consciente para atuar neste segmento. Neste sentido concebemos como algo de fundamental importância a formação do professor para atuação na educação infantil numa perspectiva bem distinta da postura anteriormente adotada que acreditava que para ensinar às crianças era preciso apenas ter “jeito” (OLIVEIRA), mas esta concepção vem mudando e este segmento vem solicitando inclusive nos parâmetros legais, um profissional muito mais qualificado (LDB 9394/96), inclusive na maioria das escolas (principalmente às que atendem a classe média), como também nos concursos municipais de estaduais para contratação de professores/as é exigido a escolaridade a nível superior, ou seja, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 69 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior pedagogos/as. Acreditando-se assim em profissionais aptos de uma consciência crítica e política do seu papel na educação da infância, contribuindo para construção de uma sociedade humanizada. A Educação Infantil é a primeira etapa da Educação Básica no nosso país nos dias atuais, até porque esta modalidade de ensino é reconhecida a muito pouco tempo, levando em conta o tempo cronológico da própria História da Educação. Considerando que a própria Historia da Educação passou por evoluções e modificações em seu contexto mais amplo, entendemos que a Educação Infantil não fugiu a esta regra. Conscientes de que para entender algo é necessário historicizar no intuito de compreender como determinadas coisas se transformam e chegaram aos dias atuais, realizamos este breve histórico evidenciando que educar criança não é tão simples como pode parecer, tampouco, como ainda é reproduzido no senso comum que a criança vai para escola apenas para brincar, sendo nosso papel enquanto educadores desconstruir tais concepções. Isto não quer dizer que não acreditamos no brincar como uma possibilidade de ensino, muito pelo contrário. O fato que aqui ressaltamos é que o que parece um simples instrumento de diversão e entretenimento infantil, como os filmes da Disney, por exemplo, podem estar revestidos de um discurso preconceituoso, excludente e mercantilista. O mercado, a mídia e a tecnologia também estão atentos as mudanças e evoluções que vêm acontecendo em relação às crianças, talvez tanto quanto os estudiosos da área. E buscam conquistar este público com o discurso educativo. Para entender o discurso nesta ordem discursiva que nos propomos observar entendemos com Foucault que: “O discurso nada mais é do que uma reverberação de uma verdade nascendo diante de seus próprios olhos , quando tudo pode enfim tomar a ordem do discurso, quando tudo pode ser dito e o discurso pode ser dito a propósito de tudo...” (FOUCAULT, 1970) Enquanto educadores, entendemos bem melhor atualmente o entrelaçamento entra educação, sociedade e cultura, e isto é que nos faz perceber o quanto o nosso olhar, e até mesmo o nosso discurso, pode, e deve, estar desconstruído de uma postura ingênua. Pensamos ser emergente um posicionamento crítico, neste sentido pensamos como Giroux por uma pedagogia crítica, onde esta “em seu sentido mais crítico ilumina a relação entre conhecimento, autoridade e poder” (Giroux, 1995). Ainda segundo este autor: ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 70 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior “A pedagogia diz respeito, ao mesmo tempo, às práticas e aos conhecimentos através dos quais os/as professores/as, os/as trabalhadores/as culturais e os/as estudantes podem se unir politicamente referindo-se também a política cultural sustentada por estas práticas” (GIROUX, 1995). Enquanto pedagogos/as precisamos nos aprofundar em determinados estudos e abordagens que possam contribuir para nossa autonomia, politização, criticidade, e emancipação acerca de concepções e valores que foram sendo transmitidas como corretos durante tantos anos. Esta é uma possível forma de “pensar certo” (FREIRE, 1996). Considerando que a escola também reproduz alguns aparatos culturais que nem sempre são desenvolvidos para função da mesma, escolhemos um filme para analisar e demonstrar como estas escolhas precisam ser criteriosas. O presente estudo traz para reflexão e análise um filme que teve grande repercussão no cinema em 2010, foi assistido na grande tela por milhares e milhares de pessoas no mundo inteiro e hoje já se encontra disponível em vídeo. Como bem sabemos a partir desta disponibilidade, estes artefatos culturais são bastante difundidos no mercado da cópia (pirataria) facilitando a acessibilidade de todos. O filme que ora escolhemos é “Enrolados” (na versão original em inglês “Tangled”) uma nova versão do conto clássico de “Rapunzel”. Não foi em vão que escolhemos a Disney, isto se dá pelo fato que nos parece que pouco se tenha analisado estas produções pelo viés da educação, ou de sua repercussão nas escolas. Acerca disto, Giroux nos diz que: “É também importante observar que, embora a ideologia da Disney tenha sido amplamente analisada, através de críticas a seus parques e revistas em quadrinhos, essas análise não têm focalizado os filmes da Disney ou a relevância da crítica pedagógica para analisar os textos da Disney como narrativas ideológicas. Essas análises se justificam por duas razões. Em primeiro lugar, seus filmes constroem e alcançam um público muito mais amplo que seus outros entretenimentos culturais. Em segundo lugar, os filmes da Disney têm um enorme valor como textos populares que estão prontamente disponíveis para a crítica pedagógica e cultural”.(GIROUX, 1995) Assim, ressaltamos a relevância dos Estudos Culturais e suas contribuições para educação. Até porque a escola é considerada o lugar do “conhecimento poderoso” (YOUNG, 2007). Sendo a escola este lugar que tem de fato e de direito o “poder” de ensinar, de transmitir valores, se faz necessário uma avaliação do que ele está reproduzindo. 2. RAPUNZEL OU RAPUNZEIS ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 71 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior “Rapunzel” foi escrita pelos irmãos Grimm (alemães Brüder Grimm ou Gebrüder Grimm) no inicio do século XVIII, mais precisamente 1812 de acordo com nossas pesquisas (www. wikipédia.com.br). Este clássico já foi contado e recontado dezenas de vezes, por várias fontes, escritas e orais, inclusive em uma destas versões Rapunzel foi narrada e “cantada” por Olivia Newton Jonh na década de 70. Foi transformado em filme na versão VHS pela primeira vez pela Disney na década de 80, para esta reprodução os criadores e animadores desta indústria de entretenimento se basearam na versão original dos irmãos Grimm. Em 2001, Rapunzel foi contada em desenho animado, pela *Mattel, desta vez a figura da boneca Barbie era a atração principal do conto de fadas secular, tanto como narradora da história, quanto sendo a personagem principal. Este mesmo clássico conto de fadas foi recontado através de filme, desta vez novamente pela Disney, que em 2010 levou centenas de milhares de pessoas ao cinema, inclusive este filme esteve nas telas dos cinemas aqui do Brasil por uma boa temporada. O que nos instiga a observar este clássico enquanto educadores é: “O que está por trás desta nova versão” ? . “Qual é o discurso que alimenta o novo/velho conto”?. “Quais as mudanças realizadas entre a primeira e a última versão, e a quem ou a que estas mudanças pretendem atender?” É importante ressaltar que a nossa preocupação neste momento não está no que a criança é capaz de observar a partir deste, ou, destes filmes. Esta, talvez possa vir a ser uma discussão posterior, mas, o que nos instiga no momento realmente é contribuir para que os profissionais de educação estejam atentos aos sinais e símbolos explícitos e implícitos em determinadas obras, principalmente da Disney, pensamos assim como Giroux, que o “maravilhoso mundo da Disney” é mais que uma logomarca: “Ele demosntra como o terreno popular tornou-se central ao processo de mercantilização da memória e da reescrita de narrativas de identidade nacional e expansão global. O poder e o alcance da Disney na cultura popular combinam uma desinteressada ludicidade com a fantástica possibilidade de fazer com que os sonhos de infância tornem-se verdadeiros, mas isso ocorre apenas através de papeis estritos de gênero de um nacionalismo questionável e de uma noção de escolha que está ligada à proliferação de mercadorias” (GIROUX, 1995). Entendemos que algumas intenções estão por trás desta inocência difundida pela Disney e tem um grande poder na mídia internacional. O nosso país ainda importa determinados modelos norte-americanos, estas influências chegam diretamente na nossa sociedade e se encaminham ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 72 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior com facilidade para as nossas escolas. Na maioria das vezes é o próprios/as professores/as que as difundem ingenuamente. Para os questionamentos a priori levantados por nós, nos subsidiamos em alguns autores que tratam dos Estudos Culturais, visto que esta discussão nos leva a descortinar o romantismo que nos nutria anteriormente quando assistíamos determinados contos, e hoje nos encontramos observando muito mais nas “entrelinhas”, o implícito, num posicionamento muito mais crítico e observativo. Percebemos que determinadas posturas podem por vezes passar despercebidas ao educador, e estas posturas trazem bastante influencia na educação, principalmente na educação das crianças. Segundo Costa, podemos constatar que “o campo da Formação de Professores está desafiado por um considerável conjunto de estudos atuais” (COSTA, 2010). 2.1 Primeira Versão de Rapunzel: A primeira versão de Rapunzel (1812), começa com o conhecido “Era uma vez”, esta versão conta a historia de um casal que morava numa pequena aldeia e aguardava ansioso a chegada do primeiro filho. A mulher (a mãe grávida) ficou com vontade de comer os rabanetes da horta da vizinha. A horta pertencia a uma bruxa que apareceu na hora em que o homem (esposo da mulher grávida) apanhava alguns rabanetes escondidos. Ela ficou furiosa e jurou tomar a criança assim que ela nascesse. Quando o bebê nasceu a bruxa apareceu e levou-o para bem longe. Como era uma menina a bruxa chamou-a de Rapunzel. Colocou-a em uma torre muito alta e sem portas. O tempo passou, Rapunzel transformou-se em uma linda moça de longas tranças. Um príncipe caçava na floresta achou a torre de Rapunzel. Logo viu a bruxa chegar e gritar_ Rapunzel, jogue as tranças! O príncipe viu a bruxa subir na torre pelas tranças. Quando ela foi embora, o príncipe foi ao encontro de Rapunzel e passou a visitá-la. Então um dia a bruxa descobriu sobre as visitas do príncipe. Cortou as tranças de Rapunzel e a levou embora. Esperou o príncipe para vingar-se. Quando o príncipe apareceu a bruxa jogou as tranças e quando ele chegou na janela ela o empurrou . Ele caiu sobre um espinheiro e ficou cego. O príncipe mesmo sem enxergar correu o mundo a procura de Rapunzel. Um dia bateu na porta de uma casa pedindo pousada e alimento. A moça que o atendeu era Rapunzel e logo reconheceu o príncipe. Ela então chorou de tristeza porque ele ficou cego. Suas lágrimas caíram sobre os olhos do príncipe e magicamente ele voltou a enxergar. Este príncipe levou Rapunzel para seu reino, casaram-se e forma felizes para sempre. Esta versão foi editada, gravada e reproduzida pela Disney na década de 80 baseada fidedignamente na versão original dos irmãos Grimm. Foi também reproduzida por outros diversos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 73 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior espaços de transmissão áudio-visual com intuitos educativos, tais quais: coleções de livros educativos, mini-livros, gibis, brinquedos, fantoches com manual ilustrativo de uso etc. 2.2 Versão Barbie da Rapunzel (2001): Uma década atrás (2001) houve uma nova produção do conto de fadas escrito pelos irmãos Grimm. Rapunzel desta vez foi contada diferente. Usando a figura da famosa boneca Barbie como personagem principal, desta vez foi a *Mattel brinquedos S/A quem produziu a “Barbie Rapunzel”. Nesta versão Barbie-Rapunzel (criada pela indústria acima citada), o conto de fadas é contado pela Barbie à uma menina (ambas loiras e de lisos cabelos), onde elas são pintoras de telas e estão numa sala de pintura tentando buscar inspiração. A Barbie busca o livro sobre Rapunzel para incentivar a menina a não desistir de seus sonhos. Pois, a Rapunzel era pintora assim como elas e tinha bastante criatividade para pintar alimentando-se a partir dos sonhos dela. A história se inicia com a Rapunzel sendo uma moça jovem, também representada pela Barbie. Ela é responsável pelos serviços domésticos do lugar onde vive com a má Milady Gothel (mulher que a criou) e seus animais de estimação (um coelho e um pequeno dragão), em meio a uma floresta muito perigosa. Rapunzel está presa neste lugar para não conhecer sua verdadeira identidade. A malvada Ghotel roubou Rapunzel quando pequena somente por odiar seu pai. A aventura desta versão é a procura de Rapunzel pela sua verdadeira historia. Nesta, ela conta o apoio do príncipe. Que além de ajudar Rapunzel encontrar sua família, une os dois reinos que viviam em intriga (o reino dele e o reino de Rapunzel). Eles se casam e são felizes para sempre. Observamos atentamente esta versão, porque a versão atual, “Enrolados” (Tangled) na qual desvelaremos nossa análise, traz consigo alguns pontos em comum com a história contada em “Barbie-Rapunzel”. Como por exemplo: na versão original a Rapunzel não é pintora, mas na versão Barbie e Tangled, este ponto é bem valorizado. 2.3 Versão Rapunzel em “Enrolados” (Tangled, 2010) Quase dois séculos depois de ter sido escrito, o clássico Rapunzel volta a ser contado. Mas, o que será que achariam os irmãos Grimm ao ver o conto de fadas por eles escrito ser ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 74 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior modificado atendendo às questões da nova era? Ou, tentando aos “olhos” e objetivos da Disney ser visto de forma inovadora. Neste sentido, estaremos contando a historia e fazendo nossas observações. A versão moderna da Rapunzel é uma mistura entre as diversas formas que o conto de fadas vem sendo contado ao longo da historia, com as modificações que discutiremos mais adiante. Nesta versão o Rei e a Rainha esperam pela chegada de seu/ua primeiro/a filho/a. A rainha muito adoentada aguarda por uma “flor” única, filha do sol, que cura doentes e rejuvenesce, para que seja feito um chá e ela venha a ser curada. Esta flor é cultivada em algum lugar da floresta. A solitária e malvada Gothel é quem cuida desta flor no intuito de rejuvenescer. Sabendo da necessidade de encontrar esta flor para salvar a rainha, todo o reino adentra a floresta e vai em busca da rara flor. Desta vez, não mais é o pai (rei) que se arrisca como nas outras versões, há uma situação de classes bem evidente ai, um manda, outros obedecem. Como também, a questão do desejo de mulher grávida que quer rabanetes explicita em outras versões, coloca o mito do desejo cair “por terra”. Na atualidade, há maior desejo de uma mulher que o rejuvenescimento? A malvada Gothel tenta esconder a flor, mas se descuida e os moradores do reino e a encontram, levando-a e salvando a vida da rainha e da pequena princesa que nasce feliz deixando todo o reino com o mesmo sentimento. A princesa nasceu com os cabelos da cor do sol, assim como a flor, como também os mesmos poderes. Gothel invade o castelo, entra no quarto da princesinha e corta um cacho dos seus cabelos para seu rejuvenescimento, no entanto, após cortado o cacho não tem os mesmos poderes e a malvada rouba a menina, levando-a para uma torre bem escondida no meio da floresta. Seus pais passam anos a fio a procura da princesa e todos os anos, nos seus aniversário iluminam o céu com vários balões iluminados juntamente com todos os moradores do reino em homenagem a princesa. Embora Rapunzel viva presa nesta torre, nada a impede de ver estas luzes todos os anos e sonhar em conhecer estas “estrelas”, como ela pensa que ser. A malvada Gothel é grosseira, impaciente e intransigente, porém muito vaidosa e faz Rapunzel cantar enquanto ela segura seus longos e poderosos cabelos para poder rejuvenescer. O rejuvenescimento é bem explicito neste conto, trazendo a cena uma peculiaridade dos tempos atuais, onde as mulheres se arriscam de todas as formas em busca da eterna juventude. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 75 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Rapunzel solicita conhecer as estrelas brilhantes e pela negativa da “mãe-Gothel” ela planeja uma saída pela primeira vez da torre, escondida. É neste meio termo que após roubar a coroa da princesa de dentro do castelo, o aventureiro Flinn Rider fugindo de seus compassas vai se esconder justamente na torre de Rapunzel. Eles acabam se tornando parceiros, e em troca da coroa que ela escondeu ele promete levá-la para conhecer as estrelas (balões luminosos). Rapunzel vive uma intensa aventura até o momento da saída dos balões luminosos, ela conhece o reino, se diverte intensamente. Flynn Rider revela seu verdadeiro nome: José Bezerra (assim é na versão nacional). A aventura é atraente de fato, uma narrativa interessante, musical agradável, cores e muitos atrativos, isto não podemos negar. Como adultos ficamos de fato encantados, imaginemos as crianças? Gothel descobre o plano, tenta de todas as formas para acabar com os sonhos de Rapunzel. Apresenta um discurso de imposição “materna”, super-protetora, mas o único intuito é não perder Rapunzel, para não perder seu rejuvenescimento. No entanto Rapunzel descobre toda a verdade, tem seus cabelos cortados pelo próprio Flynn Rider e a malvada Gothel tem um fim terrível. Rapunzel que viveu seus 18 anos longe da sua família real, vai até o reino com seu grande salvador Flynn Rider e finalmente eles se casam, e são felizes para sempre. Flynn Rider sai da marginalidade para se tornar príncipe. Bem diferente da primeira versão que o príncipe leva a Rapunzel para seu reino. Uma postura bem feminista. Não poderíamos também esquecer de dizer que nesta narrativa fica explicito que Rapunzel governou o seu reino tão bem quanto seus pais. Algo bem peculiar aos tempos atuais, as mulheres no poder. 3.ENTENDENDO “O/OS CONTO/OS DE FADAS” A PARTIR ESTUDOS CULTURAIS Faz-se necessário o exercício de reflexão e bastante observação, esta nos parece que é a grande chamada que os Estudos Culturais nos convocam. Segundo Costa, “Os Estudos Culturais vão surgir em meio às movimentações de certos grupos sociais que buscam se apropriar de instrumentos, de ferramentas conceituais, de saberes que emergem de suas leituras de mundo...” (COSTA, 2003) Enquanto educadores não podemos deixar questões como estas passarem despercebidas, porque assim como os Estudos Culturais apontam para o verdadeiro intuito do ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 76 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que está por trás do que a mídia e o mercado oferecem, precisamos interagir e levar as próprias crianças a refletirem sobre determinadas atitudes. O público infantil é alvo preciso do mercado, até porque “É possível observar o quanto as crianças vêm ganhando visibilidade, como sujeitos dignos de atenção, seja na área cientifica, jurídica, política e tecnológica” (GUIZZO E FELIPE, 2009). Neste sentido o educador de crianças precisa descortinasse da visão ingênua acerca dos filmes e propagandas, até porque tudo tem um porque “É visível como as questões de gênero, raça, geração, etnia, sexualidade e classe conquistam lugares no mercado” (CARVALHO, 2010). Algumas questões de gênero ficam bem visíveis à observação nesta nova versão, estas questões vêm ganhando terreno de discussão e luta de classes desde a emancipação da mulher e a conquista no mercado de trabalho. Atenta a isto percebemos o que Carvalho chama de “diferenças culturais”. Segundo esta autora o mercado observa atentamente as movimentações sociais e luta de classes para transformarem em mercadoria de consumo. “As diferenças culturais, ao serem utilizadas como mercadorias, garantem aos mercados, além de lucros, um atestado de civilidade por adoção de práticas ditas politicamente corretas” (CARVALHO, 2010) No filmes observados fica bem evidente a preocupação dos produtores em relação a conquista do público neste sentido. Na nova versão a mulher é muito bem tratada, sua figura muito mais valorizada que na primeira versão, onde sequer aparece a voz da Rapunzel. Além destes aspectos é perceptível na versão moderna, como a figura do homem toma outra dimensão, o príncipe não é um príncipe, e sim um foragido da lei, marginalizado, procurado, e em fuga por ter roubado a coroa da princesa desaparecida. Isto possivelmente traz a cena um olhar diferente e mais atrativo que na versão original, e muito mais “adequado” aos nossos tempos. Imaginemos o que sentiria os irmãos Grimm ao lerem este conto sob o olhar da época em que eles escreveram inimaginável. Porém “A Disney não ignora a história: ela a reiventa como um instrumento pedagógico e político para assegurar seus próprios interesses e sua autoridade de poder” (GIROUX, 1995). Ainda sobre este poder “concedido” ao Mundo maravilhoso da Disney, entendemos com Foucault que “em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos” (FOUCAULT, 1970) Segundo uma nova ótica, a Rapunzel passa a ser a grande heroína da história. Ao contrário da primeira versão de dois séculos atrás aonde o príncipe a levava para seu reino e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 77 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior seriam felizes para sempre, em “Enrolados”, Rapunzel é que acolhe o Flynn Rider, o afasta da transgressão, da vida de roubos, e ele passa a ter uma nova vida ao lado da princesa. Embora nos momentos finais do filme, antes do “foram felizes para sempre”, Flynn Rider demonstra certo mau-caratismo quando ele diz ter sido pedido em casamento várias vezes pela princesa, para poder dar uma resposta afirmativa. No senso comum estas características são atribuídas a figura masculina, narcisista. Alguns críticos do cinema, inclusive, consideram o filme bastante feminista, mas, ao observar sob o viés dos Estudos Culturais percebemos que o objetivo talvez nem seja destacar a feminilidade, ou o feminismo, ou mesmo o movimento feminista, mas sim conquistar um público atual, numa perspectiva social bem diferente de como o conto foi escrito em sua originalidade. Outro aspecto que foi possível observar e vale trazer para esta discussão é a forma como o mercado está atento ao que vai “agradar” e convencer. Exemplo disto é que na dublagem do filme para o português, o príncipe é dublado pelo Global Luciano Huck, sinônimo padrão de bem-casado, o mocinho das tardes de sábado, realizador de grandes sonhos, inclusive acerca do casamento percebemos um elemento que nos chamou bastante atenção, é ele trata a Rapunzel chamando-a de: “Ô loira!”. É assim que o global Luciano Huck trata sua esposa em público, na vida real. Será que é em vão estas escolhas? Ou existem objetivos específicos de manipulação por trás disto tudo? Os Estudos Culturais nos fazem refletir sobre isto. Outro aspecto observado foi que para reforçar a “identidade nacional”, o príncipe no decorrer do filme revela seu verdadeiro nome: José Bezerra, reafirmando a identidade com os nossos “Josés” brasileiros. O professor precisa de fato estar atento ao que ele utiliza como recurso pedagógico. Segundo Giroux: “O desafio consiste em sermos capazes de discutir como uma política cultural pode transformar formas sociais dominantes, ao ampliar locais de contestação e a gama de capacidades sociais necessárias para os indivíduos se “tornarem sujeitos e agentes, ao invés de objetos alienados da representação” (GIROUX APUD MERCER, 1992) A Disney de fato vem mudando outros clássicos para modernizá-los. “DEU A LOUCA NA CHAPEUZINHO”, “A GAROTA DA CAPA VERMELHA”, “CINDERELA AS AVESSAS”, “DIÁRIO DA PRINCESA 1 E 2” são alguns exemplos destas mudanças/transformações. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 78 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Há uma regularidade em todos estes contos, em sua maioria as atrizes principais são loiras, magras e de cabelos loiros super lisos. Onde estão as princesas negras, gordas e de cabelos crespos? Não há espaços para estas? Ou será que falta criatividade para criar novos contos? Ou o objetivo é mesmo a atualização ou contestação aos antigos e clássicos contos de fadas e seus “Felizes Para Sempre”? Concluímos esta discussão suscitando novas discussões e observações. Assim concordamos plenamente neste sentido com o que nos diz Carvalho: “... que é neste espaço de evidência das diferenças culturais que o campo da educação pode atuar, inclusive transformando os produtos no campo da indústria cultural em objeto de reflexão no campo curricular”. (CARVALHO, 2010) Neste sentido, cabe ao educador adentrar aos novos conhecimentos que vêm contribuindo com a re-significação do nosso papel enquanto tal, como também com a Formação Docente na perspectiva sócio-cultural proposta e a inserção destes conhecimentos no currículo escolar. REFERÊNCIAS ARIÈS, Philippe. História Social da Criança e da Família; Tradução Dora Flaksman. 2ª edição. Rio de Janeiro-RJ. Editora LTC, 1981 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9394/96 _______. Ministério da Educação e do Desporto. Conselho Nacional da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Parecer CEB nº 022/98 aprovado em 17 de dezembro de1998. Relator: Regina Alcântara de Assis. Brasília, DF, 1998. Disponível em: <www.mec.gov.br/cne/ftp/CEB/CEB022 CARVALHO, Rosângela Tenório. Diferenças culturais, mercado e mídia in Desigualdades sociais e Justiça social.Diferenças Culturais e Políticas de Identidade.Belo Horizonte –MG. Editora Argumentum , 2010. COSTA, Marisa Vorraber. SILVEIRA, Rosa Hessel. SOMMER, Luis Henrique. Estudos culturais, educação e pedagogia. Revista Brasileira de Educação número 23, edição Maio/Jun/Jul/Ago,2003. _________ Sobre as contribuições das análises culturais para a formação dos professores do inicio do século XXI . Revista Educar n°37. Curitiba-PR. Editora UFPR Maio/agosto 2010. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 79 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior FOUCAULT, Michael. A ordem do discurso. Tradução Graciano Barbachan, 2004. Disponível em < http://www.sabotagem.revolt.org> FORQUIN, Jean-Claude. As abordagens sociológicas do currículo: orientações teóricas e perspectivas de pesquisa. In Revista Educação & Realidade, n° 21(1), jan./jun., 1996, p.187-198. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa . São Paulo-SP. Editora Paz e Terra, 1996. GIROUX, Henry A. Memória e pedagogia no maravilhoso mundo da Disney in Alienígenas em sala de aula - Uma introdução aos estudos culturais em educação. SILVA, Tomaz Tadeu (org). Petrópolis-RJ. Editora Vozes, 1995. GUIZZO, Bianca Salazar e FELIPE, Jane. Estudos culturais, gênero e infância: limites e possibilidades de uma metodologia em construção. Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2004 KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 8. Ed.- São Paulo-SP. Editora Cortez, 2006. MIRANDA, Humberto (org). Crianças e adolescentes: do tempo da assistência a era dos direitos. Recife-PE. Editora Universitária da UFPE, 2010. OLIVEIRA, Zilma Ramos. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo. SP. Editora Cortez, 2007. YOUNG, Michael. Para que servem as escolas? Revista Educação e Sociedade. Vol 28, n.101. Campinas-SP. Set/dez 2007. Disponível em < http :// www.cedes Unicamp.br> ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 80 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior OS DOCUMENTOS OFICIAIS E A ELABORAÇÃO DAS PROPOSTAS CURRICULARES PARA EDUCAÇÃO INFANTIL Ana Paula Ramos Tenório26 Maria Jaqueline Paes de Carvalho27 RESUMO O referido estudo objetivou compreender quais os Documentos Oficiais Nacionais que serviram de base para a elaboração das Propostas Curriculares para Educação Infantil (PCEI), em dois municípios do Agreste Pernambucano. Como fundamentação teórica, foi realizado um levantamento que trata os documentos oficiais após Constituição Federal - C.F. Na observação das propostas, verificamos que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, os Referenciais Nacionais para a Educação Infantil- RCNEI e as Diretrizes Curriculares Nacionais DCNEI foram utilizados e serviram de base para a elaboração das PCEI analisadas, sobretudo os RCNEI. As ponderações que surgiram com a pesquisa mostraram os dispositivos legais que norteiam a E.I., o que faz a diferença é a maneira como estes documentos são utilizados. Nas cidades analisadas, percebemos a dificuldade em aplicar essas orientações as PCEIs. Palavras-chave: Propostas curriculares. Documentos oficiais nacionais. Educação infantil. INTRODUÇÃO Estudar o currículo para Educação Infantil e nos debruçar nas atuais discussões sobre a melhor forma de atender as especificidades do processo de escolarização de crianças de 0 a 5 anos, nos fez acreditar que estamos distantes do ideal de educação necessária para essas crianças, porém, acreditamos que é possível melhorar esse atendimento tendo em vista o que é proposto pelos atuais documentos oficiais que legalizam esse atendimento. Uma vez que entendemos que se faz necessário pensar o currículo desse segmento, diante das provocações que ele oferece, principalmente quando sabemos que questões culturais, ideológicas, políticas, sociais e escolares sempre irão estar envolvidas implicitamente ou explicitamente no mesmo. O nosso desafio ao pesquisar essa temática possibilitou contribuir para o conhecimento de uma área ainda pouco explorada, no que diz respeito à pesquisa e ao conhecimento dos profissionais que nela atuam, para que, refletindo sobre o processo de elaboração das Propostas Curriculares de seus municípios pudessem oferecer melhorias no 26 Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela UFRPE – Unidade Acadêmica de Garanhuns. Professora de Educação Básica do Estado de PE. E-mail: [email protected] 27 Professora Assistente do Curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRPE – Unidade Acadêmica de Garanhuns. Mestre em Educação pela UFPE. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 81 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior atendimento neste segmento do sistema educacional. Para tanto, contamos com a colaboração de duas cidades da região do Agreste Meridional de Pernambuco que disponibilizaram suas Propostas Curriculares para Educação Infantil (PCEI) NA realização desta pesquisa. Nesse sentido, o presente trabalho teve com objetivo compreender que documentos oficiais serviram de base para a elaboração das PCEI analisadas, como também o suporte legal que informam em suas elaborações. CAMINHOS PERCORRIDOS PELOS DOCUMENTOS LEGAIS NACIONAIS QUE NORMATIZAM O ATENDIMENTO EDUCACIONAL Nas últimas décadas houve várias mudanças no que se refere aos documentos que regulamentam o sistema educacional do nosso país. Esse fato foi determinante para que realizássemos um levantamento dos Documentos Oficiais Nacionais que foram produzidos após a implantação da Constituição Federal (CF) no que se refere à Educação Infantil. O Ministério da Educação (MEC), através da Secretaria de Educação Básica (SEB), elaborou, nas últimas décadas, um conjunto de documentos oficiais referente ao atendimento de crianças de 0 a 5 anos em creches e pré-escolas, contando com a participação significativa dos movimentos sociais, em instâncias municipais, estaduais e federais, em busca da qualificação desse atendimento. Isso demostrou o grau de importância que esses documentos tiveram na normatização do atendimento da Educação Infantil, como cita os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil: A Educação Infantil, embora tenha mais de um século de história como cuidado e educação extradomiciliar, somente nos últimos anos foi reconhecida como direito da criança, das famílias, como dever do Estado e como primeira etapa da Educação Básica (BRASIL, 2006, p.07). Entender a Educação Infantil como um direito de todos nos coloca frente à responsabilidade política de buscar melhorias nesse atendimento. Para entender esse processo, destacamos as modificações legais e históricas ocorridas a partir de 1988. Em 1988, a Constituição Federal determinou que fosse dever do Estado o atendimento educacional de crianças de 0 a 6 anos, como direito de todos, e incluiu o atendimento nas creches, com função educativa e assistencial, contando com a participação da família, da sociedade e do poder público. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 82 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Esses fatos proporcionaram direitos às crianças, que foram reafirmados em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A colaboração dos gestores municipais e estatuais de educação teve papel importante para a história da elaboração e implantação desse documento. Em 1994, foi iniciada a formulação e implantação de políticas públicas voltadas para a infância, no âmbito educacional. Tal documento: Política Nacional de Educação Infantil (PNEI) tratava, em linhas gerais, da garantia do atendimento voltado para crianças de 0 a 6 anos através do cuidar e do educar de maneira indissociável. Esse texto foi resultado de encontros realizados em oito capitais do Brasil, que buscavam discutir questões de atendimento educacional, como também das particularidades de cada região (BRASIL, 2006). Consequentemente, essas ações conduziram à necessidade de melhoramento profissional dos educadores da Educação Infantil, que foi claramente apresentada durante a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases (LDB), em 1996, na qual o MEC definiu que as ações deveriam emergir em quatro aspectos: a. incentivo à elaboração, implementação e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares; b. promoção da formação e da valorização dos profissionais que atuam nas creches e nas pré-escolas; c. apoio aos sistemas de ensino municipais para assumirem sua responsabilidade com a Educação Infantil; d. criação de um sistema de informações sobre a educação da criança de 0 a 6 anos. Esses aspectos foram relevantes para que as mudanças favorecessem a determinação da LDB em 1996, que considerou a Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica. Com esse fato, o trabalho pedagógico nessa faixa etária passou a ser reconhecido e voltado às especificidades do desenvolvimento das crianças, ALÉM DE para “contribuir para a construção e o exercício de sua cidadania” (BRASIL, 2006, p. 10). Para que essas ações fossem exequíveis, o MEC optou por criar um documento oficial que subsidiasse teoricamente a elaboração de propostas para a Educação Infantil e que fosse utilizado como base nacional. Assim, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) foi elaborado em 1998, como guia para as reflexões, objetivos, conteúdos e orientações didáticas para os profissionais da educação desse segmento. Apesar de divergência de alguns pesquisadores da época, inclusive o grupo de trabalho em educação infantil da ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), que criticava a gestão de não ter levado e conta toda a discussão realizada de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 83 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 1994 a 1996 com PNEI, como também acreditava não haver consenso na área, para elaboração de um referencial nacional para a educação infantil. Mesmo nessas circunstâncias o MEC divulga um documento preliminar, mas sem tempo hábil para um debate e análise mais geral por parte da comunidade científica e publica uma versão final em outubro de 1998. (ALBUQUERQUE, 2010) Anterior a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI) QUE foram definidas pelo Conselho Nacional de Educação, com caráter mandatório, através da Resolução CNE/CEB nº 1 de 7 de Abril de 1999, para orientar as instituições de Educação Infantil. Esse documento apresentou questões legais que abrangem tanto aspectos estruturais e de atendimento quanto funcionais. Nele também São tratadas as funções sociopolíticas e pedagógicas que favorecem a condição de sujeito de direito das crianças envolvidas no processo de escolarização. Esse último traz para o debate definições de currículo como práticas articuladoras das propostas pedagógicas que promovam a construção das identidades dos educandos. São destacados os princípios éticos, políticos e estéticos como sendo de caráter fundamental nas discussões dessa área. Sobre esses documentos Cerizara, comenta: Assim as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil apresentam os objetivos gerais (sem ir ao detalhe de cada ação como o RCNEI), permitindo incentivar e orientar projetos educacionais pedagógicos, nos níveis mais diretos de atuação, com objetivos relacionados à formação integral da criança, deixando um espaço para que os envolvidos na educação infantil – famílias, professoras e crianças assumam a autoria desses projetos. (CERIZARA2002, P.14) Em 2000, o Censo da Educação Infantil buscou informações mais precisas sobre a Educação Infantil no Brasil. Nesse período, o atendimento da Educação Básica foi descentralizado, passando então a ser assistido tecnicamente e financeiramente pelos estados, passando para os municípios a responsabilidade do desenvolvimento do ensino, visando à garantia de um padrão mínimo de qualidade. No ano seguinte, o Plano Nacional de Educação reafirmou essa decisão ao distribuir a responsabilidade para as esferas federal, estadual e municipal do governo. O MEC define a Política Nacional de Educação Infantil, exposto em documento publicado em 2006, explicitando o processo histórico, político e técnico, em que apresenta as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias que devem atender às especificidades da Educação Infantil, visando a uma política de inclusão em que todos tenham direito à educação. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 84 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nesse documento, destacam-se questões voltadas para a elaboração de Propostas Pedagógicas e/ou Curriculares, em que apresenta detalhadamente os pontos importantes para elaboração e sua função nas Instituições de Educação Infantil (IEI). Também destaca a necessidade da participação das professoras para sua elaboração, implementação e avaliação. Esses aspectos estão expostos nos objetivos, para garantir e assegurar que as propostas possam atender às peculiaridades de cada instituição quanto a sua realidade sociocultural. Nas metas e nas estratégias destacam a importância da existência da proposta pedagógica embasada nas resoluções do Conselho Nacional de Educação em que a LDB (1996), o PNE (2001) e as DCNEI (1998-2009) estejam subsidiando as discussões. Essas conquistas, do ponto de vista das concepções assumidas pelo MEC, ampliaram o direito à educação para todas as crianças. Em consequência, outro documento foi sistematizado e publicado no mesmo ano, em parceria com o MEC e com as secretarias de educação dos estados e dos municípios, que realizaram novos encontros para discutir questões que possibilitassem subsidiar teoricamente as ações voltadas ao atendimento educacional das crianças da Educação Básica e como avaliálas. Esses encontros foram realizados entre os anos de 2004/2005, resultando na elaboração dos Parâmetros Nacionais de Qualidade para Educação Infantil (PNQEI) publicados em sua versão final em 2006. Os PNQEI buscaram o cumprimento constitucional da descentralização administrativa e do atendimento oferecido nas instituições, de maneira que o funcionamento do sistema de ensino oferecido para as crianças no Brasil seja supervisionado, controlado e avaliado. Esse trabalho deve acontecer em parceria com as secretarias competentes, com os conselhos, técnicos, especialistas, professores e demais profissionais dessa área. Ao estabelecer padrões de qualidade, faz-se necessário ter certa atenção aos objetivos do documento, quando apresenta a distinção entre padrões e indicadores. Entende-se por padrões o que deve acontecer dentro dos aspectos legais definidos pela LDB, DCNEI e o PNEI. Já os indicadores, quantificam os dados reais, aferindo sua aplicação. Portanto, destacar os padrões a serem seguidos, que podem ou não estar nos indicadores encontrados, é entendido como ponto de partida para que as instituições possam se auto avaliar e ver a qualidade de atendimento que está sendo oferecido, o que torna o documento com poder de diagnosticar a situação da instituição. Essa avaliação deve acontecer com a participação da comunidade que é atendida pelas instituições de maneira democrática e participativa. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 85 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Os IQEI apresentam de certa forma o registro geral dos avanços que foram conquistados nos últimos vinte anos, no campo legal, nas ações governamentais para Educação Infantil, traduzindo detalhadamente indicadores operacionais que podem auxiliar e apoiar os trabalhos a serem realizados nas instituições de Educação Infantil. Os sete aspectos que foram utilizados para indicar a qualidade das instituições são os seguintes: o planejamento institucional, a multiplicidade de experiências e linguagens, as interações, a promoção da saúde, os espaços, materiais e mobiliários, a formação e condição dos professores e demais profissionais, e por fim a cooperação e troca com as famílias e participação na rede de proteção social. Sua utilização deve adequar-se às especificidades da comunidade local da escola, pois é um documento flexível que indicará que escola temos e a que pretendemos ter. Nesses eixos a Educação Infantil foi tratada de forma a garantir os direitos da criança, da assistência e das políticas públicas que efetivem a criança com cidadão de direitos. Entendemos que os documentos que foram citados acima representam os aspectos oficiais nacionais que deverão nortear o sistema educacional para a Educação Infantil, de maneira que seja possível contribuir efetivamente com as ações a serem realizadas pelas instituições de ensino para efetiva consolidação das políticas nacionais de educação. Vimos que o processo de mobilização das instâncias governamentais procurou realizar um trabalho articulado com a sociedade civil, que buscou atender às peculiaridades de cada segmento da educação, resultando sempre em documentos importantes, que representam conquistas no debate nacional, que deverão nortear as ações na educação nacional. PERCURSO METODOLÓGICO Optamos por investigar as PCEI dos municípios por se caracterizar como documentos legais originados por fontes primárias, pois, entendemos que os mesmos não receberam algum tipo de análise científica. Logo, esse trabalho se configurou como Pesquisa Qualitativa do tipo documental. Tal abordagem possibilitou que analisemos de maneira reflexiva a realidade pesquisada, na qual utilizaremos métodos e técnicas que nos ajudaram a compreender nosso objeto de estudo (OLIVEIRA 2005). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 86 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para realização desse estudo contamos com a colaboração de duas cidades, ambas localizadas no Agreste Meridional de Pernambuco, mais precisamente em uma Microrregião28 que é composta por dezenove municípios, as mesmas encontram-se entre os municípios mais importantes e populosos dessa região. Os demais municípios não disponibilizaram seus documentos, solicitamos também de maneira informal ao tentarmos diretamente com profissionais das Secretarias de Educação de alguns municípios do Agreste Meridional, como também, através de uma ONG29, que se dispôs a colaborar conosco caso os municípios autorizassem, como não autorizaram, não tivemos sucesso. Na observação das propostas, verificamos os documentos que oficiais serviram de base para a elaboração das PCEI analisadas, como também o suporte legal que informam em suas elaborações. Acreditamos que com essas observações fundamentais teríamos uma visão dos documentos analisados ao que se refere às especificidades desse segmento da Educação Básica e com isso compreender melhor como os municípios estão se mobilizando para elaboração das suas propostas curriculares. ANÁLISE DOS DADOS Discutindo a elaboração das PCEI, tendo em vista a utilização dos Documentos Oficiais Nacionais Os atuais estudos sobre o tema pesquisado nos mostraram que a elaboração das PCNEI precisam contemplar aspectos importantes para sua legitimação. Sobretudo, para atender as especificidades da Educação Infantil. Segundo, Farias e Salles (2008), por exemplo: Considerar o histórico da sua elaboração; contar com embasamento legal; ter a participação de todos que fazem parte da instituição a quem se destina a Proposta Curricular; ter flexibilidade para que possa contemplar as especificidades de cada Instituição de Educação Infantil; considerar o contexto sócio histórico e cultural das escolas e dos educandos e que seja integradora para estar em harmonia com estes aspectos. Nos propomos a analisamos as PCEI dos municípios, a partir desses princípios. 28 Essa região é composta por 19 municípios, tem uma área que equivale a 5,11% do território estadual, em que está localizada a bacia leiteira de Pernambuco. 29 Essa Organização Não Governamental possui várias Propostas Curriculares, que para realizar algum trabalho nos municípios, tem como um dos pré-requisitos a exigência/solicitação das PC dos mesmos. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 87 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Na Cidade “A” Ocorreu com a colaboração dos técnicos da Secretaria da Educação e com os professores da EI no ano de 201030. Está estruturada por eixos de trabalho que contemplam seis áreas do conhecimento: Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Natureza e Sociedade, Artes, Música e Movimento, seguindo orientações dos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEI). Não possui histórico, mas, citaram literalmente esse documento na introdução da proposta, para contemplar segundo sua estrutura a função, a finalidade, os objetivos, o currículo, a avaliação e o cuidar e educar na Educação Infantil e organiza suas atividades, considerando a faixa etária das crianças. De acordo com as preposições de Faria & Salles (2008) entendemos que esta proposta foi elaborada dentro de um todo coerente e de uma ação sistemática, que de certa foram limitou sua ação, pois não promove uma maior compreensão da prática realizada pelos educadores. Sua estrutura possui características amplas, que impede de certa foram contemplar as especificidades de cada escola a quem se destinam as PCEI. Inferimos, portanto que o referido documento aponta para necessidade de avanços e de maior coerência entre aquilo em que se acredita e o que realmente é possível fazer. Na Cidade “B” Sua proposta foi elaborada em 2007, (com uma pequena modificação em 2010, em uma sala específica) contou com a participação dos técnicos da Secretaria da Educação, com os professores da Educação Infantil e com os Coordenadores/supervisores escolares. Está estruturada por semestre, cita os RCNEI fundamentando as atividades propostas para contemplar as áreas do conhecimento em: Linguagem Oral e Escrita, Matemática, Natureza e Sociedade, Movimento, Música e Artes Visuais. Não apresenta histórico da sua elaboração, mas inicia com a DCNEI na resolução de nº 5, de dezembro de 2009, segue com uma carta ao professor na qual cita metas amparadas na LDB. Está toda elaborada para ser utilizada por semestres conforme a série Infantil I e II. Vimos, portanto, que ambas as propostas foram elaboradas após as LDB, e os RCNEI foi o documento oficial nacional base, que serviu de orientação para os dois municípios, ambas seguem as mesmas características no que se refere aos Eixos Temáticos, diferenciando-as nesse aspecto apenas a organização dos conteúdos e do período, sendo uma semestral e a 30 Segundo informação dada no questionário aplicado as cidades analisadas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 88 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior outra não determina tempo. Quanto à faixa etária a Cidade “A” determina em todo texto, já a Cidade “B” diferencia por série, tendo um documento para o Infantil I e outro para o Infantil II. Quais e de que forma os documentos oficiais NACIONAIS foram citados? Cidade “A” A proposta “A” está amparada nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (RCNEI), que foi citado literalmente no inicio do documento, pontuando com conceitos básicos sobre: as funções da instituição, a finalidade, os objetivos, o currículo, a avaliação e o cuidar e educar na Educação Infantil. A LDB também foi citada no tópico referente à avaliação e finalidade, assegurando que na EI o desenvolvimento da criança deva ser integral e que o trabalho realizado seja acompanhado e repensado como forma de avaliar tanto o educando como prática pedagógica. Nas funções da instituição foi citada a Constituição Federal de 1988 (artigo 3º, inciso I) confirmando que segundo o referido documento é dada a IEI a responsabilidade de formação do sujeito participantes da sociedade através da ampliação de seus conhecimentos. Cidade “B” Esta proposta contou com a resolução nº 5 de dezembro de 2009 das DCNEI, que se encontra anexada no inicio do documento. Segue com uma carta ao professor, na qual estão referenciadas Emendas da Constituição Federal para justificar a obrigatoriedade dessa etapa na Educação Básica. Como está dividida em duas propostas, sendo uma para o Fundamental I e outra para o fundamental II, há diferenças nos documentos utilizados na carta ao professor como também no ano de elaboração. Vimos que a II passou por modificações em 2010, e está acrescida da Emenda Constitucional, antes de cada eixo temático há uma citação dos RCNEI subsidiando os objetivos que veem a seguir no texto. Os documentos são entendidos nas propostas tanto do Infantil I com no II através das orientações disponibilizadas que proporcionam aos professores suporte para subsidiar as atividades pedagógicas apresentadas nos conteúdos nelas contidos. Certos de que os Documentos Oficias Nacionais se propõe a subsidiar a elaboração das PCEI, vimos que na Cidade “A” esses documentos foram pouco explorados, no que se refere a condição de fundamentar as ações pedagógicas, apresentaram apenas os RCNEI. A Cidade “B” utilizou em todo o corpo do texto os documentos que fundamentaram sua ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 89 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior elaboração, que nos fez entender que foi possível dialogar com o que é exigido hoje no que se refere à PCEI e os documentos oficiais nacionais que utilizaram para subsidiá-los. Faria & Salles (2008) apresentaram os elementos de uma Proposta Pedagógica da Educação Infantil de maneira articulada com os conteúdos organizados no Currículo, as autoras defendem que haja um “pano de fundo”, que nada mais é, que o contexto sócio histórico da instituição, as concepções que são defendidas, os objetivos e finalidades das ações pedagógicas. Para isso levam o professor para uma posição de pesquisador e articulador, que deva atuar na Educação Infantil de maneira que proporcione as crianças o cuidar e o educar de maneira indissociável, propondo metodologias que se relacionem com os conhecimentos da natureza e da cultura, pois acreditam que, As crianças estabelecem relações entre todas as coisas e fatos, criando suas próprias hipóteses e explicações para entender esse mundo que cada vez mais, se abre à sua frente. Sua curiosidade é enorme e se manifesta de forma cada vez mais ampla, à medida que vão tendo contato domos vários sujeitos de sua cultura, em suas experiências e vivências do cotidiano (FARIA &SALLER, 2008 p. 47). Para que essas relações se concretizem as autoras propõem que sejam trabalhadas as múltiplas linguagens, que são: as plásticas, visuais, musicais e escritas, pois através delas as crianças vivenciam e interagem com o mundo, com a sociedade e com a natureza, sendo capazes de desenvolver habilidades e competências nas ações educativas como também através de suas experiências e interações. CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa pesquisa nos fez acreditar que estamos caminhando para melhorar o atendimento as crianças de 0 a 6 anos, pois temos muitos documentos oficiais nacionais que nos subsidiam e normatizam nossas ações. As informações são mais discutidas, as mobilizações de entidades Nacionais ligadas à educação, dos movimentos sociais e ONGs, garantem avanços para a melhoria da Educação Infantil, pois acontecem atualmente com mais frequência. Embora não estejam acontecendo neste mesmo ritmo nos municípios, percebemos, pelo menos nas cidades do Agreste Meridional de Pernambuco, dificuldade em elaborar e aplicar a suas Propostas Curriculares para Educação Infantil. As propostas analisadas necessitam acrescentar alguns aspectos para que possam subsidiar os professores e as instituições em suas ações pedagógicas. O que percebemos foi os ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 90 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior municípios efetivando projetos como se estivessem realizando ações amparadas pelas propostas, consideramos um equivoco, uma vez que como diz Machado apud Kramer (2008), essa expressão projeto é ambígua ou imprecisa, pois, um projeto determina algo para ser realizado que deve ser representado por uma proposta. Dessa forma, se faz necessário, que os municípios elaborem seus próprios projetos sendo a proposta um documento mais amplo que determina as ações pedagógicas no dia a dia das instituições. Entender a Proposta Pedagógica ou Curricular como um diálogo da escola com as práticas, as teorias, os documentos legais nacionais, a realidade sócio cultural e nas ações nela realizada. Isso nos coloca frente a um documento flexível que se reconstrói o tempo todo no contexto escolar. As ponderações que surgiram com a pesquisa mostraram que as instâncias governamentais procuram realizar um trabalho articulado com a sociedade civil, para atender às peculiaridades de cada segmento da educação através dos documentos que são produzidos e que devem nortear as ações na educação nacional, o que faz a diferença é a maneira como estes documentos são utilizados. Em suma, vimos que os estudos atuais sobre Currículo para a Educação Infantil, nos mostram que as experiências vividas nas instituições devem promover a aprendizagem das crianças considerando seu contexto sócio histórico, político e cultural. Para isso, faz se necessário que a elaboração das PCEI sejam realizadas por todos os envolvidos nas instituições de ensino, pois se trata de um processo que traçará o caminho entre a teoria e a prática, tornando-o legítimo, integrador, flexível e necessário. REFERÊNCIAS ALBUQUERQUE, Simone Santos de Anais do XV ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: políticas e práticas educacionais, Belo Horizonte, 2010. BOM CONSELHO, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Educação e Esportes. Diretoria de Desenvolvimento Educacional: Proposta Curricular para Educação Infantil I. Bons Conselho PE, 2009. BOM CONSELHO, Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal de Educação e Esportes. Diretoria de Desenvolvimento Educacional: Proposta Curricular para Educação Infantil II. Bons Conselho PE, 2010. BRASIL. Constituição (1988).Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 05 Abr. 2010. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 91 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior BRASIL. MEC/SEB-UFRGS. Práticas cotidianas na educação infantil: bases para a reflexão sobre as orientações curriculares. Brasília: MEC/SEB, 2009. Disponível em:<http://portal.mec.gov/index.php?Itemid=936&id=13453&option=comcontent&view=artic le> acessado em: BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes de Base da Educação Nacional. 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Constatou-se que as alfabetizadoras utilizam como práticas as concepções baseadas no oralismo e comunicação total com mais frequência no processo de alfabetização. A prática do bilinguismo ainda encontra barreiras e as identidades construídas a partir dessas práticas revelam maior aproximação em deixar o aluno na condição de surdo flutuante e do inconformado. Palavras-chave: alfabetização; cultura surda, identidade. DEAF CHILDREN'S LITERACY: CONCEPTIONS AND IDENTITIES Abstract: The study aims to reveal the identities constructed deaf children in the literacy process. A collective case study in two public schools in the West of Pará. 5 (five) teachers took part in this study. Was used as a technique to semi-structured. It was found that the literacy practices such as using the ideas based on oral and total communication more often in the literacy process. The practice of bilingualism still find barriers and the identities constructed from these practices reveal closer to let the student provided the unreconciled floating and deaf. Keywords: literacy, deaf culture, identity. INTRODUÇÃO Durante séculos, os alunos que apresentavam algum tipo de deficiência eram postos à margem da escola e posteriormente da sociedade, na maioria das vezes vistas como incapazes. A busca pela igualdade de direitos e qualidade social foram bandeiras levantadas desde a década de 90 e início do século XXI. Nesse contexto, a Educação no Brasil, a partir de 1996, busca através de seu currículo o processo de inclusão com a função social de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 94 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior transformar homens em sujeitos mais éticos e solidários, respeitando e valorizando as diversidades. Assim sendo, a inclusão como direito aos alunos com necessidades educativas especiais ainda é muito recente, perante anos de exclusão que essa clientela vivenciou tanto na escola como na sociedade. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9394/96, em seu artigo 59, capítulo V, que dispõe sobre a Educação Especial, assegura uma educação de qualidade para os alunos com necessidades especiais. No entanto a LDBEN não garantiu a promoção de capacitação dos profissionais que trabalham com essa clientela, tornando o processo de inclusão um conceito vazio para o docente de alunos especiais, assim como para os próprios discentes. A escola é um dos lugares privilegiados para a emancipação humana, contudo, nem todas as crianças possuem esse direito garantido. A maioria delas são crianças que divergem do padrão da sociedade moderna: crianças ditas normais. Essas crianças na maioria das vezes são excluídas antes de entrar na escola e quando entram, são rotuladas pelo preconceito e discriminação. Como educadora no município de Oriximiná - PA, percebemos que nos últimos anos com a implementação desse novo paradigma (inclusão) de alunos especiais na escola pública ocorreu uma procura considerável de alunos surdos em relação às outras necessidades. Além disso, detectou-se que de 100% dos alunos surdos que entravam na escola apenas 20% finalizavam seus estudos31, ou seja, a maioria dos alunos evadiam. Foram várias as hipóteses que de início passaram por nossa reflexão, tais como: problemas com a família, a metodologia trabalhada, tipos de formação do professor e etc. A partir de um estudo-piloto iniciado no ano de 2004 no município de Oriximiná, em virtude da construção de minha monografia de Especialização em Educação Infantil realizado na UEPA, detectou-se a partir da Secretaria Municipal de Educação que a maioria dos alunos surdos desistiam porque não conseguiam acompanhar a turma. Esse não acompanhamento se dava pelo fato de não saberem ler, escrever ou compreender a língua portuguesa e nem sua própria Língua- a Língua Brasileira de Sinais- LIBRAS, que constitui a sua identidade de cultura surda. Essa situação nos levou a defrontar com a realidade cultural, social, educacional e política do município de Oriximiná e ainda perceber que o problema poderia estar na base da escolarização, ou seja, na alfabetização desses alunos. Além disso, vimos à necessidade de 31 Esses números foram resultados de estatísticas da Secretaria de Educação do município de Oriximiná do ano de 2004. As estatísticas ainda apontavam que a maioria só chegava até a 5ª série do Fundamental. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 95 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior conhecer também a realidade do município de Óbidos (município vizinho) para detectar e comparar se os problemas eram os mesmos. Dessa forma, vimos que a pesquisa precisava se voltar para a Educação Infantil contemplando o início da escolarização do aluno surdo. Então, optou-se em fazer a pesquisa como o objetivo de identificar como são construídas as identidades das crianças surdas a partir da pratica pedagógica dos alfabetizadores dos municípios de Oriximiná e Óbidos-PA. O corpus dessa pesquisa foi constituído da entrevista com 5 (cinco) professoras alfabetizadoras de duas escolas públicas do oeste paraense32. Desses municípios foram selecionadas: 3 (três) do município de Oriximiná e 2 (duas) do município de Óbidos. Como técnica foi utilizada a entrevista semi-estruturada, com a utilização de um roteiro. Para a efetivação desse estudo tomamos como referência teórica os autores Cezar Coll, Carlos Skliar, Cyntia Andrade, Marcos Mazzota, e outros que discutem a temática. Para melhor compreensão desse texto, subdividimos em três momentos. O primeiro conceitua brevemente a Surdez, suas tipologias e identidades. Num segundo momento apresenta uma contextualização histórica no intuito de localizar no tempo a construção da discriminação ao sujeito surdo e conhecer quando e como começa o discurso da concepção metodológica chamada de bilinguismo e de inclusão, assim o denominamos de: Práticas de alfabetização na educação de surdos: o que a história nos conta... e por último apresenta a análise de dados coletados no lócus da pesquisa, denominado de: O bilingüismo como prática cultural e abordagem teórico-metodológico no processo de alfabetização de surdos: um estudo nas escolas públicas dos municípios de Oriximiná e Óbidos- PA. 1 CONCEITUANDO A SURDEZ, SUAS TIPOLOGIAS E IDENTIDADE A surdez é conceituada a partir das Diretrizes da Educação Especial do Estado do Pará (2001) que a caracteriza como “a ausência, dificuldade, inabilidade para ouvir sons específicos (tons puros), ambientes (ruídos familiares) e os sons da fala humana (tons complexos)”. Nesse mesmo documento, Andrade (2001) ainda apresenta os tipos de surdez em quatro tipologias: a leve, a moderada, a severa e a profunda. A primeira é caracterizada pelo fato do sujeito não perceber fonemas, ele altera a compreensão e a voz é fraca. O segundo ocorre atraso na linguagem e a voz é intensa. O terceiro se apresenta no aumento da 32 Os municípios escolhidos foram: Oriximiná e Óbidos-PA, ambos a mais de 1080 Km da capital - Belém, localizados no Oeste Paraense, Baixo Amazonas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 96 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior tonalidade da voz, que se manifesta como grave. Além disso, existe uma grande aptidão visual. E por último, a surdez profunda, onde o sujeito não percebe sua voz, e tem pouco estímulo. A autora ainda cita que no universo dos surdos existem identidades que precisam ser reconhecidas pelo outro para que possa posteriormente ser orientado. Para ela existem cinco tipos de identidades surdas. A primeira é denominada de surdo flutuante, esse se configura como aquele que não assume a sua cultura e tem vergonha de usar a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS. A segunda é do surdo inconformado, esse se sente incapaz na maioria das vezes e inconformado em virtude da discriminação que sente pelos ouvintes, bloqueando de certa forma esse sujeito na comunicação tanto oral como a de sinais, portanto, não consegue tomar decisões próprias. O terceiro tipo de identidade é do surdo em transição, esse quando criança foi tolido de entrar em contato com outras crianças surdas, isolando-se, só entrando em transição com sua cultura quando passa a ter contato com outros surdos. Outra identidade é a hibrida. Essa identidade é aquela que retrata os surdos que nasceram ouvintes e que por algum motivo a perderam depois. Essas crianças têm o domínio da oralidade e da língua de sinais por necessidade. E por último a identidade surda propriamente dita, que é aquela que se aceita e que se orgulha de sua cultura, de sua língua e de sua comunidade e luta pelo respeito de seus pares. Mcclaeary (2003) afirma que ter orgulho de ter a identidade surda é um ato político, porque o sujeito surdo começa a agitar o mundo do ouvinte. Nesse caso “o povo surdo se auto-identifica como ‘surdo’ que forma um grupo com características linguísticas, cognitivas e culturais específicas” (ibidem, p. 33) sendo considerados como diferença e não como deficiência. Nesse sentido, para o povo surdo, a procura é intensa para que se perpetue na sociedade, iniciando pela escola o respeito por suas identidades e sua legitimação como grupo diferencial linguístico e cultural. Desse modo, o “povo surdo tem a cultura surda, que é representada pelo seu mundo visual” (STROBEL, 2007, p.30) e comunicada através de sinais, diferente dos ouvintes que é representada pela língua falada e comunicação oralizada. Vale destacar que o fato da sociedade representar o surdo à deficiência advém dos discursos da modernidade e do colonialismo em que a linguagem e a inteligência estão muito interligadas , quando tentamos classificar uma pessoa[...] a surdez surge como deficiência do intelecto. O ‘mudo’ do surdo e mudo surge não só para fazer referencia a mudez, como também a fraqueza da mente (LANE, 1992, p.24) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 97 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Dessa forma a criança, durante séculos, para ser considerada normal para o ouvinte, necessitaria aprender a língua falada, tornando-se assim, aceitáveis e curados, como crianças que “parecem ouvir”. Essa relação era tão comum, que Ströbel em suas pesquisas detectou que até mesmo pessoas surdas que se tornaram referencias em descobertas científicas e em atividades cinematográficas foram durante anos consideradas como ouvintes ou silenciadas quanto a essa informação em suas biografias, tais como Thomas Edison (inventor da lâmpada) e Lou Perrigno (o Incrível Huck), que perderam a audição ainda crianças. Por que será que foi silenciado enquanto informação sua surdez? Queremos aqui ressaltar que a aquisição da linguagem das crianças surdas se dá a partir da capacidade humana de significação que se apresenta como uma competência especifica para a produção e decodificação dos signos, permitindo através dela, produzir significados. Para Fernandes e Correa (2010) é através da aquisição de um sistema simbólico, como é o da língua, o ser humano descobre novas formas de pensamento, transformando sua concepção de mundo [...] propiciar a pessoa surda a exposição a uma língua o mais cedo possível, obedecendo as fases naturais de sua aquisição é fundamental ao seu desenvolvimento (p. 18) Assim é de fundamental importância analisar como os surdos saem do processo de alfabetização. Ainda refletir se sua própria cultura (língua de sinais) está sendo valorizada ao levarmos em consideração o contexto histórico e escolar como lugar de socialização e a valorização da concepção-metodológica denominada de bilingüismo, como prática dos professores, descrita nas legislações. Vejamos que a criança surda e sua linguagem como vetor de sua identidade são construídas da relação histórico, social e cultural a qual se expõe, e a escola é um lugar de produção de cultura. Petitito e Marantette (1991) citado por Fernandes e Correa (2010) revelam em suas pesquisas que os seres humanos (ouvintes e surdos) balbuciam naturalmente, aos três meses de idade, tanto em língua de modalidade oral, quanto em de modalidade sinalizada. Se crianças ouvintes, filhas de ouvintes, sem contato com a língua de sinais balbuciam tanto em língua de característica oral-auditiva como espaço-visual e crianças que nascem surdas, filhas de pais surdos, do mesmo modo balbuciam nessas duas modalidades, é factual concluirmos que a capacidade humana para a aquisição da linguagem é intrínseco ao individuo, e, mais que o domínio de uma língua ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 98 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior em toda a sua potencialidade é tão imprescindível ao desenvolvimento que a natureza humana prevê para todos esta dupla possibilidade (p. 19) Desse modo, o fato de crianças surdas não desenvolverem a língua oral-auditiva após o balbucio se deve ao fato de não estarem expostas a ela, naturalmente, por causa da surdez. Contudo, a educação com bilinguismo para surdos, no intuito de caracterizar essa cultura apresenta-se segundo Fernandes e Correa (2010) como diretriz dos modelos educacionais e se caracteriza a partir de dois sistemas simbólicos distintos (língua de sinais e língua portuguesa). Contudo, a língua de sinais, como sistema simbólico é considerado como específico ao individuo surdo, que através de signos de natureza gestual, espacial e visual, traduzem os processos de percepção e apreensão da experiência do mundo vivido pela criança surda, desprovida “da capacidade de escutar os sons da linguagem verbal articulada e aprende-la de forma natural” ( idem, ibdem, p.23) Dito isto, a Língua de sinais, própria da cultura surda é o sistema mediador da criança surda por excelência, assim como é a melhor forma de construir sua identidade, além de ser a melhor forma de introduzi-las no meio social e no universo escolar, inferindo diretamente no meio psicossociocultural desse sujeito. A partir dos últimos enunciados, se faz importante conhecermos melhor a história da alfabetização de surdos. 2 PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: O QUE A HISTÓRIA NOS CONTA... Os surdos durante muito tempo foram discriminados, ignorados pelos ouvintes na sociedade, na escola e no trabalho. No entanto em virtude das grandes bandeiras da inclusão iniciada desde 1990 com a Declaração Mundial de Educação para Todos que culmina em 1994, com a Declaração de Salamanca e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 os surdos vem buscando e conquistando o direito de serem incluídos, assim como o respeito pela sua cultura enquanto língua. Como exemplo, temos a consolidação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Especial, aprovada no ano de 2001 no Brasil, que veio estabelecer que essa modalidade deverá estar presente em todas as Instituições que oferecem os níveis de ensino, etapas e modalidades descritas na LDBEN de modo a propiciar o pleno desenvolvimento do educando, assim como propor meios para que haja a participação das famílias e comunidade, respondendo os princípios da escola inclusiva. Nesse contexto, inclui-se a educação de surdos, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 99 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior como conquista legal. Esse debate é retratado por Rosita Edler, Carlos Skliar, Cezar Coll, Marcos Mazzota, Cyntia Andrade, Maria Aparecida Soares e outros. Diante disso, buscaremos na história esse longo processo de conquista até nossos dias atuais. Na educação, os surdos passaram por uma trajetória massacradora, humilhante, mas aos poucos foram conquistando seus espaços. Assim, entrando no túnel do tempo encontramos na Grécia Antiga e Roma a primeira forma de tratamento de surdos. Para eles os surdos eram incapazes e incompletos, portanto não existindo nenhuma forma de educação oferecida aos que tinham essa deficiência. Consta ainda na Enciclopédia Barsa (1989, p. 435) citado por Soares (1999) que até o fim da Idade Média os surdos eram considerados ineducáveis e que só a partir do século XVI o médico Giordano Cadarno, se preocupou seriamente com esse problema. Para o médico, segundo a autora (1999) os surdos podiam “ouvir lendo e falar escrevendo”. O primeiro professor de surdos de quem se tem notícia foi Pedro Ponce de Leon (1529-1584), monge beneditino que instruía filhos de nobres ensinando-os a ler, escrever, calcular e expressar-se oralmente (Ibidem, 1999). No entanto não se tem relatos sobre metodologias adotadas por esse monge na alfabetização de crianças. Durante esse período, até meados do século XVII as práticas educacionais com os surdos eram realizadas apenas por padres e abades. Somente no século XIII e início do XIX que os alunos surdos passaram a ter direito a escola propriamente dita e o registro das primeiras metodologias adotadas pelos alfabetizadores. De acordo com Mazzota (1996) foi na Europa, especialmente na França, que os primeiros movimentos pelo atendimento dos surdos se deu, tais medidas foram se expandindo para outros países, inclusive para o Brasil. Na França se iniciou o primeiro método de alfabetização conhecida como a Língua de Sinais, que segundo Mazzota (1996) foi aperfeiçoado pelo francês Abade Charles M. L’Eppé, em 1770 destinado a completar o alfabeto manual, bem como a designar objetos que não podiam ser percebidos pelos sentidos. Esse Abade teve sua prática reconhecida não somente pelo seu método mais também pela sua ação humana. Mazzota (1996) afirma que L’Eppé recolhia crianças surdas e pobres das ruas de Paris para ensinar a nova língua, que passou mais tarde a ser reconhecida como a língua oficial dos surdos – a língua de sinais. Marchesi ( 1987) ao falar de L’Éppé o considera como a figura mais importante para a educação do surdo, pois foi o primeiro que também fundou uma escola para receber alunos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 100 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior com surdez. Registra-se também que esse abade incentivava junto a outros professores a estimular a valorização dos sinais como superior a língua falada. Esse período da história foi um avanço nas conquistas e reconhecimento do surdo pela escola. No entanto no final do século XIII e início do XIX, com o avanço do método oral ou oralismo os surdos passaram por grandes sanções. Segundo Soares (1997) diz que Hernerk inventou o método oral, denominado também de método orofacial ou leitura labial. Esse método obrigava os alunos a esquecer a linguagem com as mãos e gestos e passaram a usar apenas a linguagem oral. Skliar (2001) diz que a primeira vez que se tem notícia do início dessas sanções foi com a divulgação da filosofia sensualista defendida por Condillac que ao defender uma evolução da língua e da razão “determinou que a língua de sinais por estar limitado aos gestos não passa de um nível interior da espiral evolucionistas” (ibidem, 2001, p.35) A partir de então, educar crianças surdas passa a se relacionar à correção, reabilitação, com a imposição do oralismo como método oficial. Ainda segundo o autor, as instituições foram proibidas de circular em seus espaços escolares os símbolos da língua de sinais e a expressão corporal ( viso-gestual). Ainda o autor afirma que essa situação se estendeu mais ainda com o Congresso de Milão que ocorreu no ano de 1880, que erradicou a linguagem de sinais, assim como, afastou todos os profissionais surdos do meio escolar, sendo este o auge do método oralista, pois na “prática escolar, a primeira medida educativa para coibir o uso dessa linguagem foi obrigar os alunos a assentarem sobre as suas mãos e proibirem a comunicação sinalizada entre eles”. (Op.cit, 2001, p.31). Esse método cresceu muito na Europa no século XIX e se estendeu no século XX para a América Latina, chegando até o Brasil. Diante disso, cresceu também outros métodos para o atendimento do surdo, tais como: métodos de caráter corretivo, como o uso da prótese auditiva, cirurgia, treinamento auditivo à leitura labial, os exercícios respiratórios, a aquisição de vocabulário etc. nesse contexto a educação de surdos passou a ter um caráter puramente clínico33. (SOARES, 1997) E com o avanço da medicina os surdos passaram a ser vistos, como “anormais”, “loucos”, “deficientes” que precisavam ser diagnosticados e tratados. Diante disso, surgiram 33 Quando falamos de puramente clinico, remetemos a forma como foram vistas as crianças surdas pela sociedade, foram esteriotipadas como “doentes” e que precisavam ser diagnosticados, recebendo a denominação de “anormais”. (SOARES, 1997). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 101 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior inúmeros manicômios, asilos, onde os surdos passaram boa parte de suas vidas sendo alvos de preconceito pela sociedade. Contudo, o oralismo que a partir de Condillac e o Congresso de Milão transformaram o surdo num objeto clínico e a surdez como deficiência, os profissionais da saúde estimularam a idéia de que a deficiência podia ser curada ou reabilitada a partir de treinamentos e tratamentos clínicos. Somente a partir de 1960 e início de 70 que apareceu uma nova concepção de educar os surdos em substituição ao oralismo puro, denominado por Soares( 1997) de comunicação total 34 onde o método oral começa a perder sua magnitude e passando a ser visto como método tradicional de ensino. A comunicação total para a autora foi um passo para emergir a partir da década de 1990 a luta pelo Bilinguismo35. Dessa forma o bilinguismo passa a ser a bandeira de luta dos surdos, como própria de sua cultura, desde a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizado em Jontien, 1990, onde a Inclusão e a democratização passaram a ser pautas primordiais. Mais tarde em 1994 em Salamanca na Espanha, se constrói um documento oficial que legaliza todas as Instituições educacionais a incluírem os alunos surdos nas salas regulares, com acompanhamento especializado, e direito de ser respeitado na sua língua – A língua de sinais. Esse documento ficou conhecido mundialmente como a Declaração de Salamanca. Segundo esse documento: •Cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias; • os sistemas de educação devem ser planejados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades; • as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades. (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). No Brasil, além da influencia legal da Declaração de Salamanca, foi construído uma seção na Lei de Diretrizes da Educação Nacional- LDBEN 9394/96 que destaca normas para o funcionamento da educação especial e para os profissionais que atuarão com essa clientela. Os alunos, antes denominados como “deficientes”, passam a serem tratados como “alunos com necessidades educativas especiais.” 34 No Método da comunicação total o ensino dos surdos se dá com a utilização do método oral e a linguagem de sinais, ou seja, o aluno tenta reproduzir a fala ( orofacial) e ao mesmo tempo usa os sinais e gestos. 35 O bilinguismo é considerado o método em que se valoriza primeiro a língua de Sinais e só depois que se ensina a língua portuguesa, no caso do Brasil. O bilinguismo considera a LIBRAS a língua oficial dos surdos. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 102 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Outro avanço na educação especial ganhou destaque na educação de surdos com a promulgação da Lei Nº10.436 de 24 de abril de 2002 que diz: Art. 1o É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constitui um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil. (Lei Nº10. 436 de 24 de abril de 2002) Esse documento instaura na educação especial o que estamos defendendo como – educação bilíngüe para os Surdos. Então o fato de ter um decreto que legaliza a LIBRAS como sistema lingüístico viso-motora no Brasil, e ainda contemplar uma estrutura gramatical, pode definir a partir de então a construção da identidade surda dentro do espaço escolar como grande objetivo educacional. Daí a importância de começar na alfabetização o processo de conhecimento dessa língua para os não-ouvintes. Apesar de considerarmos como política educacional recente, podemos afirmar que no Brasil já se conseguiu avançar no que diz respeito à inserção dessa lei e, por conseguinte, na valorização do bilinguismo. Segundo Fernandes (1998) o povo surdo está resistindo às pressões da concepção etnocêntrica dos ouvintes, e estão se organizando em todo o mundo, levantando a bandeira em defesa de uma língua e cultura própria no intuito de protagoniza a sua história. Essas mudanças já vêm sendo percebidas dentro das escolas, através de alterações de metodologias que transformam em realidade o direito do surdo de ser educado em sua língua natural. 3 O BILINGÜISMO COMO PRÁTICA CULTURAL E ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICO NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO DE SURDOS: UM ESTUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS DOS MUNICÍPIOS DE ORIXIMINÁ E ÓBIDOS-PA O bilingüismo é considerado por muitos autores como uma abordagem educacional, cujo objetivo é habilitar o surdo a utilizar-se de duas línguas, a língua de sinais, como língua primeira, valorizando a cultura surda e em seguida a língua oral, no caso do Brasil, a língua portuguesa. Para Sá (1999) o bilingüismo é A abordagem educacional para surdos, estabelecendo que as crianças devam ser ensinadas em duas línguas: a língua de sinais considerada como ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 103 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior primeira e a língua portuguesa como segunda, a utilização do bilingüismo aumenta as capacidades cognitivas e lingüísticas dos surdos, possibilitando melhores resultados educacionais que os conseguidos com a linguagem oral. Ainda Sá (1999) reporta que pelo fato do bilingüismo ser uma teoria-metodológica nova para o processo de alfabetização de surdos, o “termo” para os pais soa de certa forma como medo. Esse medo está relacionado ao fato de que os pais acreditam que se os seus filhos voltarem a serem ensinados primeiramente com sinais, eles poderiam regredir. Essa situação nos faz refletir que a educação de surdos ainda carrega as bases enraizadas do oralismo que perpetuou durante muito tempo no Brasil e no mundo, em que a criança surda precisava aprender a falar pra se comunicar. Nesse contexto os pais esquecem ou desconhecem que “numa abordagem educacional como o bilingüismo, o mais importante que saber articular palavras e ter o que dizer” ( SÀ, 1999). Nesse sentido faz-se necessário que a escola e os professores estejam preparados para orientar os pais e saber trabalhar com o método bilíngüe em sala de aula, para isso o educador precisa no mínimo ter pelo menos dois ou mais cursos de formação continuada em LIBRAS. Vale ressaltar que a escola é uma das primeiras oportunidades que a criança surda tem para aprender a conviver com outras crianças, além de ser um espaço de construção de sua identidade, fora do ambiente familiar. Outros objetivos implícitos voltados para os alunos surdos na escola é a oportunidade de adquirir conhecimentos acumulados da humanidade e tornar-se cidadão consciente de seus direitos e deveres, além de preparar-se para o mercado de trabalho e para o seu desenvolvimento pessoal e social. Contudo, essa escola não é oferecida para todos e todas, como determina as legislações, pois infelizmente milhares de crianças ainda se encontram a margem da sociedade, sem pelo menos ter o direito de ter uma escola, outras quando as tem, não proporcionam o respeito a diversidade e as diferenças, muitas das vezes ocasionado pela falta de formação dos profissionais da educação que atendem esse diferente. Ainda sobre essa formação do professor de surdos, Skliar (2001) diz que para se trabalhar o bilingüismo faz-se necessário que os profissionais da educação que trabalham com surdos precisam gostar do que fazem e em seguida precisam a partir de seu trabalho transformar esses alunos em uma comunidade realmente de surdos, no intuito de fazer com que eles aprendam a se valorizar, buscando dessa forma o orgulho de sua cultura, pois só ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 104 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior dessa forma, acreditamos que os professores estariam proporcionando a inclusão do aluno na escola e na sociedade. Longe do que se almeja vimos nos municípios de Oriximiná e Óbidos, lócus de nossa pesquisa, realidades ainda marcadas pelo oralismo e comunicação total como prática e teoriametodológica. Como diz uma professora, ao perguntarmos sobre suas maiores dificuldades em alfabetizar alunos surdos, ela diz: A maior dificuldade que sinto é não poder entender o que os surdos falam, ou seja, a sua linguagem, e também não saber utilizar as técnicas e métodos adequados para alfabetizar eles. E sinto mais ainda a ausência de 36 capacitação docente (professora B) Vimos nesse discurso que o bilingüismo não é entendido, e tão pouco trabalhado. Nesse contexto, a formação do professor de alfabetização se torna essencial nesse processo, pois é à base da formação humana e progressão na escolarização, então, o fato de uma professora estar trabalhando com surdos e não conseguir entender a forma de comunicação dos seus alunos, além de não saber como ensiná-los, se torna preocupante, uma vez que, se a criança não tem a formação inicial ela correrá o risco de não progredir e principalmente de não se sentir incluído. Contudo, o que é mais preocupante é identificarmos que os professores aceitam trabalhar na alfabetização de surdos, sem ter formação alguma em LIBRAS. Na maioria das vezes aceitam porque estão precisando de emprego. Sabemos da situação econômica vivenciada por muitos brasileiros, o que acaba ocasionando situações como a da professora C: “aceitei ser professora de surdos por conveniência para não ficar desempregada”. Essa realidade, por outro lado, demonstra a falta de interesse público dos governantes pela qualidade de ensino na formação inicial, principalmente quando se trata da formação de professores da Educação Especial, que necessitam não apenas da formação pedagógica, mais acima de tudo de formação numa segunda língua - a Língua Brasileira de Sinais, para o tratamento didático-metodológico em suas práticas cotidianas em sala de aula. Nesse caso refletimos: se essa professora não possui formação para atender essa clientela, automaticamente a construção inicial da identidade surda dessas crianças é comprometida! Essa falta de formação desencadeia um “efeito dominó” na constituição do sujeito surdo, condicionado a ser modelado pelos ouvintes, com a prática oralista. De outro modo, o 36 As falas dos sujeitos pesquisador encontram-se em itálico para diferencias das citações de autores. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 105 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aluno não necessita apenas da companhia do docente, mas de ser ensinado na sua própria língua no intuito de poder construir e aceitar sua cultura, pois a “linguagem de sinais é o símbolo por excelência da surdez e que a mesma apresenta uma estrutura própria, codificadora e com uma visão de mundo” (SKLIAR, 2001). Então a escola, professores e as secretarias de educação não podem fingir que ensinam, quando se trata de aprender a alfabetizar a partir das LIBRAS. Quanto à prática de alfabetização uma professora relata que trabalha com materiais concretos, e descreve os passos de sua atividade rotineira em sala de aula, ela diz: Para o aluno acompanhar a aula utilizo materiais concretos, cartazes, desenhos, fichas, figuras. Mostro determinada figura ou desenho e a criança faz a leitura orofacial, com a utilização da língua portuguesa e só 37 depois ele faz a datilologia , ou seja, a leitura com as mãos. Depois de ser exercitado, a criança aprende a escrever a palavra trabalhada (professoraD) Como percebemos na fala da professora “D” a educação nesses municípios do Pará ainda retratam uma mistura de oralismo e comunicação total, deixando para segundo plano o bilingüismo reforçado na frase da professora acima citada “e só depois ele faz a datilologia”. Diante disso, o bilinguismo já discutido e apresentado por muitos educadores como a possibilidade da inclusão dos surdos e respeito à sua cultura na sociedade nos parece distante de acontecer perante a realidade ora demonstrado com este estudo. Segundo Karnop (2010) o status lingüístico da lingua de sinais é inferiorizada e descaracterizada no contexto escolar na maioria das vezes, a exemplo disso, o autor argumenta que a leitura e a escrita de surdos são frequentemente estigmatizadas e suas produções textuais são consideradas “erradas” conforme estabelece o português-padrão. Além disso, são desconsideradas as diferentes práticas discursivas e os diferentes gêneros dircursivos. Infelizmente a ênfase dada nas práticas pedagógicas tem sido voltadas para o estudo do vocabulário e para a memorização das regras da gramática tradicional e que acabam condicionando os alunos surdos também a essa prática. Defendemos que o aluno surdo precisa primeiramente conhecer sua língua e só depois a língua portuguesa na alfabetização, para que o mesmo não tenha na série regular “vergonha” de sua própria cultura, ou seja, de sua identidade surda, ou que venham a desistir ainda no Ensino Fundamental por não compreender a língua portuguesa e a LIBRAS. Para que 37 A datilologia e o alfabeto apresentado com as mãos, utilizando os sinais pausadamente. Ex.: A-M-O-R. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 106 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior isso aconteça, o aluno precisa ser recebido por profissionais comprometidos e competentes na escolarização, uma escola desvencilhada de preconceitos e com uma família realmente participativa, incentivadora. Contudo, vimos que a partir dessas falas as Secretarias de Educação e Prefeituras precisam valorizar os profissionais da educação que possuem esses especiais. Somente dessa forma, acreditamos que a escola e a sociedade possam se tornar para o aluno surdo um lugar de inclusão e de valorização do diferente. PARA NÃO CONCLUIR.... Pesquisar sobre a alfabetização de surdos tem caráter enriquecedor e gratificante, pois permite ver de perto a situação a qual se encontra a educação de nossa região, quiçá de nosso país. Pensar que o surdo não escuta, para muitos pode ser algo de natureza considerado anormal ou menos inteligente. Essa percepção leva os sujeitos ouvintes à discriminação a outra cultura, como se os mais inteligentes fossem os que escutam. Vale lembrar que essa concepção foi traçada ao longo do tempo, e que as mudanças de percepção vêm ocorrendo em longo prazo. Nesse contexto o “processo de inclusão” discutido e legalmente amparado nas leis educacionais vem diminuindo de certa forma o abismo existente entre o aluno ouvinte e o aluno surdo. No entanto a educação alfabetizadora apesar das políticas educacionais apontarem para soluções viáveis a prática da inclusão e ao respeito pelo bilingüismo, contemplando a LIBRAS como língua primeira, este estudo aponta que ainda existem algumas barreiras que impedem a sua plena realização. Assim pontuamos: Falta de formação continuada para os professores alfabetizadores de surdos como: domínio das LIBRAS; Esclarecimento quanto à concepção do bilingüismo e o domínio de metodologias adequadas ao processo de alfabetização; Supervalorização do oralismo como metodologia de alfabetização; Falta de seriação na escolha dos professores que atuarão na alfabetização de surdos; Esses pontos levantados chamam a atenção que a prática executada pelas escolas estudadas ainda reportam para uma educação ainda oralista e de comunicação total, onde a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 107 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior representação de fazer com que as crianças aprendam a falar, utilizando a prática orofacial, ainda é muito frequente. A criança se torna obrigada a entender a Língua portuguesa a partir da leitura dos lábios dos ouvintes, colocando a cultura surda para segundo plano. Nesse caso, o bilingüismo precisa se tornar realidade nas escolas, mas para que isso aconteça, o educador precisa dominar as LIBRAS, para então alfabetizar a partir dessa. Sem a valorização desse profissional e sem a participação dos pais, é inviável que esta língua se torne primeira nesse processo, portanto, não criando e consolidando o que chamamos de “identidade surda”. Dessa forma, identificamos que a escola a partir de sua pratica alfabetizadora, ainda reforça a construção de uma identidade de surdo flutuante, onde ele ainda não consegue perceber que é diferente e que pode aprender sua língua como constituição de uma cultura e de uma identidade própria, para então se aceitar nos próximos degraus da escola e de sua vida. Outro tipo de identidade identificado pelas práticas executada na escola é a consolidação do surdo inconformado, podendo futuramente não reconhecer sua própria língua, por não serem trabalhados na infância, podem não aceitar a surdez mais tarde como constituição de um sujeito que possui uma linguagem e uma cultura diferenciado, não de deficiência. Este estudo abre portas para novas pesquisas no intuito de identificar a partir das representações dos próprios alunos surdos suas identidades construídas na escola a partir das praticas executada pelos seus professores. Além disso, aponta caminhos para que as Secretarias de Educação e direções de escolas possam estar visualizando o abandono da educação especial, mais específico à educação de surdos, para que providências cabíveis possam acontecer de fato na melhoria da educação de surdos, em especial na alfabetização desses alunos. Tais providências podem ser enumeradas, tais como: capacitar professores com a prática do bilinguismo para atuar na educação infantil e séries iniciais. Em suma, acreditamos que com esse estudo, aqui revelado, possa se transformar em momentos de debates e discussões acerca da alfabetização de surdos, seus métodos e práticas e ainda sonhar com uma educação que produza identidades surdas, valorizando, dessa forma, sua cultura com a língua dos surdos – a LIBRAS. REFERÊNCIAS ANDRADE, Cyntia F. C. Bilinguismo: uma abordagem educacional para surdos. Trabalho de conclusão de curso (graduação em Formação de professores). UEPA, Belém- PA, 2001. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 108 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ______. Um novo olhar sobre a inclusão do surdo: Os alicerces legais que permeiam esse processo. 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O Estágio foi organizado considerando dois momentos distintos: a observação e a intervenção e foram fundamentados a partir de leituras específicas em sala de aula. No primeiro momento, fomos à instituição escolar para a observação da sua dinâmica, em seguida realizamos a intervenção pedagógica a partir de planos elaborados previamente, mas considerando o cronograma da professora. É possível afirmarmos que apesar da ansiedade que nos envolvem enquanto estagiárias foi uma etapa para repensarmos a escolha do curso, considerando a relação teoria-prática como processos indissociáveis. Palavras-chave: Educação Infantil; Estágio Supervisionado; Prática docente. Introdução Este trabalho tem como foco apresentar uma reflexão voltada para as atividades desenvolvidas durante o Estágio Supervisionado em Educação Infantil em uma Escola Pública Municipal na cidade de Cajazeiras/PB, com crianças na faixa etária de 4 e 5 anos de idade. Esta ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 110 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior experiência nos possibilitou o encontro da tão discutida relação teoria-prática como processos indissociáveis. O Estágio foi dividido em duas etapas: observação e intervenção. Esses dois momentos foram fundamentados a partir de leituras e discussões feitas no decorrer da disciplina e teve como objetivos: discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança; conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a valorização da criança como um ser em desenvolvimento. Procedimentos Metodológicos A disciplina Estágio Supervisionado em Educação Infantil foi subdividida em dois momentos distintos: setenta horas foram destinadas a estudos teóricos realizados em sala de aula, juntamente com a professora da disciplina e oitenta horas para a prática docente em diferentes escolas da região, totalizando cento e cinqüenta horas durante o semestre, conforme exigido no Projeto Pedagógico do Curso. No primeiro momento tivemos discussões em sala de aula acerca da compreensão da importância do estágio para a formação do Pedagogo, suas implicações para a formação da identidade profissional. Foram-nos apresentadas, ainda, sugestões de como trabalhar em sala de aula com crianças de Educação Infantil, considerando seu contexto e seu desenvolvimento motor e cognitivo. No decorrer do semestre além das discussões, recebemos orientações acerca do planejamento e elaboração de planos de aula, reconhecendo a importância da observação, do registro, da reflexão e da avaliação (OSTETTO, 2006). Podemos destacar o importante papel da estagiária com relação ao repasse de conteúdos, a convivência com as crianças e a necessidade de dinamizar as aulas. Mas, é importante pontuarmos, ainda, que o Estágio Supervisionado é o momento para reelaborarmos os modelos de professores que temos a partir do repertório intelectual que conseguimos construir ao longo do curso, é o momento para relativizarmos, ressignificarmos e refletirmos a prática docente a partir do que vivenciamos na escola (PIMENTA, 2004). Discussão e Análise do Estágio Supervisionado ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 111 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O momento inicial do Estágio Supervisionado como um período em que conheceríamos a dinâmica escolar de perto, não mais como alunas, nos fez perceber o importante papel atribuído aos estudantes do Curso de Pedagogia, mais especificamente, com relação ao entendimento da especificidade de trabalhar com crianças da Educação Infantil e, inicialmente, fomos tomadas pela ansiedade do primeiro contato com a escola e com a turma de crianças a qual estaríamos juntas durante alguns dias. Dessa forma, invadida pela ansiedade da aprendizagem da docência é que faremos um relato da experiência vivida nas atividades realizadas durante o Estágio em uma turma de nível II. De acordo com Pimenta (2004) para aprender a ser professor, precisamos da prática e para que essa prática aconteça, é necessário que passemos por algumas etapas como: observar, registrar, algumas vezes reproduzir ou reelaborar os modelos que consideramos adequados. Sendo assim, este relato será realizado mediante os seguintes pontos: chegada à escola, planejamento e execução das atividades, metodologias utilizadas, interação da turma e métodos de avaliação. Ao chegarmos à Escola fomos recebidas de forma cordial e encaminhadas à professora titular da sala em que realizaríamos o estágio, pois esta já estava ciente da nossa participação na escola durante alguns dias. No início da aula optamos por manter alguns aspectos da sua prática, para não quebrar totalmente a rotina das crianças. Colocamos as cadeiras em círculo como de costume, meninos de um lado, meninas do outro, embora não concordássemos com essa divisão, pois supomos que, nesta idade, as crianças devam interagir com as demais crianças, independente do sexo, raça e/ou nível social, mas como se tratava de apenas uma semana, não consideramos viável mudar certos hábitos até mesmo para não causarmos desconforto com a professora. Em seguida realizamos uma dinâmica de apresentação na qual os alunos diriam seu nome e algo que gostassem de fazer. Todos participaram, fizeram perguntas e a atividade evoluiu para a apresentação da agenda do dia e especificamos de forma sucinta e objetiva o que trabalharíamos naquele dia. As atividades foram planejadas considerando o curto espaço de tempo do estágio. Portanto, selecionamos cinco estórias para trabalharmos os conteúdos pré-estabelecidos no plano da escola e sugeridos pela professora, utilizando uma história para cada dia da semana, pois consideramos que a interdisciplinaridade com atividades relacionadas à leitura de histórias [...] é um momento em que a criança pode conhecer a forma de viver, pensar, agir no universo de valores, costumes e comportamentos de outras ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 112 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior culturas situadas em tempos e lugares que não o seu [...] (RCNEI 1998, p. 143, vl. 3). Além de conhecer costumes, crenças e valores que não fazem parte do seu contexto é também uma maneira prazerosa de internalizar os conteúdos escolares de diferentes formas. Durante as atividades realizadas em sala de aula as crianças se mostravam inquietas, falavam muito e, algumas vezes, perdíamos o controle da turma. Mas, após a situação ser contornada, com a ajuda da professora, que não se ausentou nenhum momento, tudo se organizava mais uma vez. É imprescindível destacarmos o importante papel exercido pela professora titular da turma ao acompanhar o/a estagiário/a durante sua atuação docente, especialmente considerando a inexperiência inicial do/a estagiário/a e este foi um dos aspectos primordiais durante nosso estágio, pois em nenhum momento tivemos que nos deparar com situações desagradáveis de sala de aula estando sozinhas com os alunos. Todos os dias, ao final das atividades referentes aos conteúdos específicos estudados nas diferentes disciplinas, construímos um álbum para as mães. Anterior a esse momento, refletíamos, através de conversas informais, sobre a importância da família, buscando contextualizar situações do cotidiano das crianças para desenvolver nelas um sentimento de afeto, respeito e compreensão, enfatizando também a importância da oralidade, pois “[...] ao mesmo tempo em que enriquece as possibilidades de comunicação e expressão, a linguagem representa um potente veículo de socialização” (RCNEI 1998, p. 24, v. 2). Como de costume todas as quintas-feiras, após o intervalo as crianças assistem um vídeo escolhido por elas e essa atividade ocupa aproximadamente duas horas da aula e percebemos que neste momento não existe intencionalidade pedagógica. Inicialmente ficamos apreensivas com a situação, mas em seguida vimos que o tempo era muito curto para darmos conta de tantos aspectos em sala de aula, pois este teria que ser um trabalho direcionado à professora. No último dia, tivemos uma aula mais curta por conta da comemoração do dias mães, a saída foi antecipada para as nove horas e o planejamento do dia sofreu alterações. Encerramos com a história “Um presente para mamãe” e em seguida fizemos uma lista de pedidos para mamãe, nesse momento, não mais presentes e sim elementos subjetivos, como saúde, alegria, amor. Ao realizarmos essa tarefa, buscamos especificar a importância desses elementos para a vida das pessoas, tentando distingui-los de coisas materiais. Para encerrar a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 113 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aula montamos o álbum com o material confeccionado durante a semana, com as produções de cada um e entregamos para que eles pudessem levar para casa e presentear suas mães. Houve uma breve despedida, com gestos carinhosos das crianças e uma conversa informal. Todas as atividades foram realizadas de forma interdisciplinar, contextualizando situações, fazendo ligações entre os conteúdos e a vida cotidiana das crianças, porém em muitos momentos estas não se concentravam. Diferente do período de observação percebemos que, em meio a toda essa agitação, as crianças conseguiram se interessar pela maioria das atividades que foram propostas. Mesmo com todos os pontos desfavoráveis. Considerando a importância dessa atividade para o processo de formação docente e a série de reflexões ocorridas durante esse período, podemos afirmar que é nesse momento em que nos encontramos diante de inúmeros desafios, e que temos a possibilidade de refletir sobre a escolha da profissão docente. Este foi um momento primordial para nos perguntarmos: será que temos a capacidade de tornar a prática docente eficaz ao ponto de contribuir para a formação de sujeitos autônomos e críticos? Será que estamos conscientes de que nossa postura como educadora poderá transformar ou desestimular o aluno de acordo com o papel que desempenhamos? São muitos os pontos a refletir e avaliar, é realmente um momento de afirmação e de construção da identidade profissional, pois se estamos certos de que essa profissão nos fará acreditar que existe possibilidade de um mundo melhor através da educação, como fomos preparados a pensar, construiremos nossa base profissional na concepção do professor como sujeito com papel determinado na escola e que a compreensão deste papel será, em parte, determinante para as ações que assumo quando cuido e educo crianças em diferentes faixas etárias, advindas de diferentes contextos. Embora saibamos que esta profissão é uma das mais complexas, visto que, trabalhamos com formação humana, sujeitos de diferentes classes, raças, isso por si só já assusta quando iniciamos o contato direto com a escola e com os sujeitos nela envolvidos, exigindo do profissional um alto nível de responsabilidade e muito dinamismo para se adequar as diversas situações que vivenciamos nas salas de aulas da nossa própria vida e assim assumiremos um papel fundamental no processo de ensino-aprendizagem de crianças. Considerações ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 114 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A partir da compreensão, apresentada ao longo deste relato de experiência, pensamos que o estágio supervisionado foi o momento de reafirmação da profissão docente como um elemento a mais para a escolha feita há alguns anos. Mas, embora tenha sido uma escolha pautada no desejo de trabalhar com crianças, esse momento foi também um meio para percebermos o quanto, ainda, necessitamos melhorar com relação a postura de educadora, o comportamento junto às crianças, assim como o entendimento da profissão docente com toda a sua complexidade. Sendo assim, é importante salientar que, embora exista essa preocupação com a postura de educadora é possível afirmarmos que estamos em constante aprendizado e temos clareza que nunca estaremos prontos. Enquanto educadoras vivemos em constante evolução, o que não deu certo hoje, será reajustado amanhã, e nesse jogo de ação-reflexão-ação é que daremos sentido ao nosso fazer pedagógico. Diante de tudo que foi mencionado, podemos afirmar que o período de estágio, apesar dos dissabores, contribuiu para que tivéssemos a consciência e a humildade de que somos seres em construção e, sendo assim, precisamos rever constantemente nossos conceitos e postura diante do contexto educacional e, dessa forma, contribuir para a construção de uma sociedade melhor. Referências Bibliográficas OSTETTO, Luciana Esmeralda. Observação, Registro, Documentação: Nomear e significar as experiências. In: Educação Infantil: Saberes e fazeres de professores. Campinas: Papirus, 2006. (Coleção Ágere) PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência In: Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos. São Paulo: Cortez, 2004. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/ Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Volume I: Introdução; volume II: Formação pessoal e profissional; volume III: Conhecimento de mundo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 115 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO E NA APRENDIZAGEM Cláudia Luciene de Melo Silva RESUMO Este artigo propõe uma discussão focada na temática da atividade lúdica enquanto elemento motriz para a aprendizagem e para o desenvolvimento integral do educando. Para tanto, aponta para a necessidade de um currículo que não se caracterize como linear, prédeterminado, centrado nos aspectos intelectuais. Evidencia a importância de se reconhecer no processo de aprendizagem o nível do desenvolvimento cognitivo em que o aprendiz se encontra, a urgência de se considerar o educando em sua totalidade, de atender suas necessidades, potencialidades e interesses, o papel do professor nesse processo e, principalmente, que tipo de aprendizagem se objetiva. Assim, fundamentado nos pressupostos piagetianos, abarca reflexões sobre o que fazer para atender a esses requisitos e proporcionar à criança elementos para o seu desenvolvimento e para sua aprendizagem, de forma significativa. Nesse contexto, a atividade lúdica é apresentada enquanto recurso apropriado ao favorecimento tanto do desenvolvimento integral do educando quanto da aprendizagem significativa e, essencialmente, por sua capacidade de promover a parceria ideal entre estes (desenvolvimento e aprendizagem), sendo essa parceria esta fundamental na teoria piagetiana. Palavras-chaves: Aprendizagem. Desenvolvimento. Atividades lúdicas. THE PLAY IN THE DEVELOPMENT AND LEARNING This article proposes a focused discussion on the issue of the ludic activity while driving element for learning and for the integral development of the student. For both, there is a need for a curriculum that is not marked as linear, pre-determined, focusing on some intellectuals. Highlights the importance of recognizing in the learning process the level of cognitive development in which the apprentice is, the urgency to consider the learner in its totality, to meet their needs, potential and interests, the role of the teacher in this process and, mainly, that type of learning is the objective. Thus, based on the assumptions piagetianos includes reflections on what to do in order to meet these requirements and provide the child elements for its development and for their learning, in a significant way. In this context, the ludic activity is presented as the resource appropriate to the favoring both of the integral development of the student and the significant learning and, essentially, by its ability to promote the ideal partnership between these (learning and development), and this partnership is fundamental to the piagetian theory. Key words: Learning. Development. Playful Activities ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 116 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Muitas são as questões que permeiam a educação, no que tange às práticas educativas. Sabe-se que institucionalmente, muitas das práticas pedagógicas têm seu processo desvinculado dos contextos em que as mesmas ocorrem. Há uma notada importância dispensada à grade curricular, a qual prioriza a transmissão de conteúdos em seqüência prédeterminada, muitas vezes obrigatória, constituindo fim último de um processo educativo caracterizado por uma participação limitada e sem reflexão do educando. Assim, o propósito educacional tende a centrar-se em aspectos puramente intelectuais, esquecendo-se, na maioria das vezes, da condição humana de quem aprende, ou seja, dos aspectos sociais, psicológicos e biológicos fundamentais para a construção do conhecimento. Nesse sentido, Oaklander (1980) questiona o desenvolvimento intelectual da criança como única meta a ser atingida na escola. De acordo com esta autora, uma educação comprometida com a criança trabalha em prol de um desenvolvimento intelectual e emocional sadios, tornando a escola fonte de prazer para a criança. É importante que os professores tenham consciência de que as necessidades emocionais das crianças devem ter prioridade, pois influenciam, e muito, na situação de aprendizagem. Parolin (2005) reforça que nem sempre aprender é algo prazeroso sendo necessário trabalhar para que as crianças possam entender esse momento com a importância que eles requerem e para que isso ocorra, o professor dever ter definido do que cada criança é capaz e qual a importância de cada atividade desenvolvida. Na mesma perspectiva, Gardner (1995), em alusão à sua teoria de inteligências múltiplas, enfatiza qual deveria ser o intuito educacional. Segundo este autor, a escola deveria associar os trabalhos desenvolvidos ao tipo de inteligência de cada indivíduo, assim como auxiliá-los no desenvolvimento de suas inteligências e na busca de afazeres característicos a essas. Dessa forma, em atendimento ao que é peculiar à inteligência de cada educando, seriam enaltecidos os sentimentos de comprometimento, empenho e competência para o processo educativo, como também para a construção de uma sociedade mais participativa. As posições defendidas por estes autores são, sem dúvida, de uma atuação educativa comprometida, prioritariamente, com as necessidades psicológicas, orgânicas e intelectuais emergentes da criança ao contexto em que está inserida e não somente atenção dispensada ao que considera seu ‘intelecto’ ou a uma visão resumida ao conteúdo, ou a atitudes de submissão a estas práticas educativas. De acordo com Almeida (1998, p. 31), é necessário que se integrem práticas e teorias educativas que concebam uma visão integral do homem (o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 117 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior homem bio-psíquico-social), numa proposta dialógica que una os diversos conhecimentos, evidenciando o que é próprio a cada um, assim como suas multiplicidades e subjetividades. Partindo dessa posição, torna-se viável optar por um direcionamento que priorize o respeito ao desenvolvimento infantil, em sua totalidade, uma prática educativa interdisciplinar que atue dentro do que seja próprio ao educando, que o motive e lhe restaure o prazer de aprender, como requisitos para uma aprendizagem significativa. O conceito de aprendizagem significativa evidencia esse saber que o educando traz consigo, seu conhecimento prévio e como processam os seus pensamentos, os quais somados a aspectos psicológicos, como a percepção da criança em relação à escola, ao professor, as suas expectativas, valores, crenças, mediam a relação ensino-aprendizagem, reforçando o fato de que o educando é o grande agente na construção de significados à medida que atribui sentido ao que aprende (SALVADOR, 1994). Para Salvador (1994), o significado é o grande marco para a aprendizagem, o qual permite ao educando aprender verdadeiramente, sendo que a construção desse se dá quando do estabelecimento da relação entre o que aprendemos e o que já conhecemos, considerando também, a criança em sua totalidade. O aluno aprende um conteúdo qualquer – um conceito, uma explicação de um fenômeno físico ou social, um procedimento para resolver determinado tipo de problemas, uma norma de comportamento, um valor a respeitar, etc. – quando é capaz de atribuir-lhe um significado (SALVADOR, 1994, p. 149). Assim, a construção de conhecimentos exige, por si só, uma postura de busca, de apropriação do saber, para que haja transformação. No entanto, para atender a este prérequisito, é necessário que os educandos atuem de forma dinâmica, criativa, prazerosa em oposição a posturas mecanicistas (submissão, reprodução, apatia para aprender) que pararam no tempo das pedagogias tradicionais. De acordo com Salvador (1994), a vertente que emerge para uma prática educativa mais dinâmica onde se considera que o educando seja capaz de selecionar, interpretar, assimilar sugere uma proposta pedagógica centrada em atividade auto-estruturante. Nas palavras deste autor, uma prática que se fundamenta em uma: [...] atividade auto-iniciada e, sobretudo autodirigida, o ponto de partida necessário para uma verdadeira aprendizagem. O princípio da auto- ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 118 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior estruturação, evidenciaria o papel do educando enquanto agente responsável pelo seu próprio processo de aprendizagem (Salvador, 1994, p.100). Porém, a questão paira sobre o que fazer para proporcionar à criança respaldos para o processo de aprendizagem. Como auxiliar o processo educativo, respeitando o ritmo infantil, suas necessidades, potencialidades, seu desenvolvimento cognitivo? Como promover uma aprendizagem dinâmica, participativa, reflexiva? A atividade lúdica surge enquanto elemento motriz para atender a esses requisitos, mas Richter e Fronckowiak (2011, p.39) alertam: “A dificuldade pedagógica está em aceitar que brincar é aprender e que aprender é brincar”. Brock (2011, p 6) apresenta a pedagogia baseada no brincar utilizada por profissionais de educação e de assistência do Reino Unido. Segundo a autora tal pedagogia “[...] compreende princípios, teorias, percepções e desafios que informam e moldam a oferta de oportunidade de aprendizagem”. Para tanto, reitera que para esse tipo de pedagogia devem ser considerados os métodos, as atividades, os recursos, o apoio adulto, entre outros e, assim, fica claro para Brock que “[...] as pesquisas sobre o brincar oferece desafios interessantes e novas abordagens metodológicas”. Dessa forma convém ressaltar que o intuito educacional da atividade lúdica sublinha a quebra de uma pedagogia tradicional quando estimula relações mais criativas, participativas, promove o desenvolvimento integral, motiva, tornando o ato de aprender um processo que se constrói sem perder de vista seu elemento principal, o educando. Segundo Barbosa (2011) duas concepções de educação infantil perpassam as propostas curriculares. Uma que defende as atividades lúdicas enquanto promotoras das habilidades necessárias à aprendizagem e outra que centra o currículo nas capacidades cognitivas das crianças. A autora lembra que por volta das décadas de 60 e 70, as propostas de educação infantil que eram centradas na ludicidade, na socialização, passaram a focalizar o desenvolvimento intelectual e a preparação para a escola. Mas, tendo em vista a primeira proposta, objeto deste estudo, convém destacar a posição de Almeida (1998, p.31). Para este autor a educação através do lúdico pode ser considerada uma das significantes alternativas de prática educativa, em suas palavras, a educação compromissada e dinâmica “[...] integra uma teoria profunda e uma prática atuante”. E, em sendo atuante, estimula a construção de atitudes de ação reflexiva, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 119 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior indagadoras, criativas, assim como favorece as relações cognitivas, afetivas, psicomotoras e sociais. Parolim (2005) reitera que brincar é parte do desenvolvimento da criança já que através da brincadeira o mundo torna-se compreensível para a mesma. O lúdico nesse sentido é fundamental a uma infância sadia e a um desenvolvimento adequado favorecendo que a criança desenvolva os inúmeros aspectos tanto da ordem do desenvolvimento quanto da aprendizagem. No entanto, Moyles (2002) defende a existência de uma ‘prontidão para brincar’. Para a autora esta ‘prontidão’ constitui a grande força do brincar, pois acredita que brincando à sua maneira, crianças e até mesmo adultos, podem extrair dessa experiência toda sorte de aprendizagem para a qual esteja ‘pronto’ neste instante. Com essa concepção destaca dois pontos imprescindíveis a serem considerados no processo de aprendizagem, a idéia de prontidão e a importância da experiência, do saber que é familiar ao educando. A autora descreve que a aprendizagem que contém estes dois elementos é muito mais motivadora e satisfatória, já que a criança pode relacionar a nova aprendizagem a algo que lhes é conhecido. Sugere assim, que a experiência é o grande marco do brincar e do que é aprendido por meio dele. Nesse sentido já encontramos no lúdico respaldo importante para o processo de aprender. Moyles (2002) enfatiza o fato de que muitos educadores eminentes concebem enquanto aprendizagem valiosa aquela que decorre do brincar. Sabendo-se assim, que a utilização do jogo no âmbito educativo vem propor a parceria ideal entre o desenvolvimento global da criança e a sua aprendizagem, resta agora avaliar de que forma a brincadeira pode, ao passo que influencia o desenvolvimento, auxiliar a criança em seu processo de aprendizagem. A psicomotricidade, por exemplo, ajuda nas interrelações infantis quando se refere a grupo, ou seja, tarefas e jogos que se pode e deve desenvolver em grupos. Aprendem-se as regras, os padrões, os limites, educando-se quanto ao espaço do outro e o próprio espaço. Nessa forma de brincar, existe o espírito da aprendizagem, uma vez que a criança elabora mais facilmente seu saber, tendo conhecimento de coisas específicas, próprias do seu cotidiano. Para Piaget (1978), os jogos não são apenas meio de divertimento, de liberação de energia, mas mediadores do desenvolvimento intelectual. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 120 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior As atividades grupais, por meio dos jogos, incentivam as atividades de trabalho cooperativo, bastante defendido por Piaget. O jogo, sendo um grande favorecedor de desenvolvimento infantil, estimula a criança a interagir com o meio, com os outros, numa atitude participativa, criativa, reflexiva. Piaget (1978) defende que o trabalho em grupo evita que a criança adote uma postura passiva, solitária, submissa e reprodutora de conhecimentos. É importante considerar que uma educação comprometida com a criança, deveria objetivar um desenvolvimento emocional, social, intelectual, sadio, tornando a escola fonte do prazer necessário a uma aprendizagem significativa. Neste contexto, aprender constitui uma fonte de prazer e desafio estimulador, Moyles (2002, p.41) defende que a aprendizagem “[...] deveria apoiar a noção do desenvolvimento pessoal da criança como um indivíduo confiante, independente. Deveria ajudar a criança a saber quem e o que ela é, e do que ela é capaz.” É importante ressaltar sempre que além dos aspectos cognitivos não se pode ignorar os aspectos afetivos que fluem durante a realização dos jogos, pela aproximação dos jogadores. Os professores precisam ter consciência de que as necessidades emocionais devem ter prioridade, pois influenciam, e muito, a situação de aprendizagem (OAKLANDER, 1980). Moyles (2002), por exemplo, destacando a necessidade de que a aprendizagem seja contínua e desenvolvimentista em si mesma e que os aspectos intelectuais não sejam os únicos evidenciados nesse processo, realça o papel do professor enquanto garantidor de que essas necessidades sejam atendidas. Para tanto, esclarece que os aspectos emocionais, sociais, físicos, estéticos, morais e éticos devem se juntar aos aspectos intelectuais para a formação de uma concepção de ‘aprendizagem’ abrangente. Dessa forma, fatores como uma auto-estima positiva e elevada, por exemplo, constitui requisito importante para o êxito escolar. O jogo promovendo a comunicação que resulta na socialização, acaba por encorajar as crianças mais tímidas, contribuindo para que estas atuem de forma produtiva na escola, funcionando como elemento motriz para outras aprendizagens. As atividades lúdicas devem ser elaboradas através de um plano educativo que visualize o indivíduo como um todo numa prática construtiva e integrada, abandonando o caráter de atividades isoladas e sem sentido. Pois, aprender caracteriza-se por busca, participação, questionamentos, reflexão, socialização, atitudes que encontram nestas atividades, o seu foco principal (ALMEIDA, 1998). O ambiente escolar deverá estar disposto a atender às necessidades e peculiaridades do educando. O jogo atende a estes requisitos quando adotado enquanto recurso ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 121 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior metodológico ou encaminhado significativamente à aprendizagem. Cunha (2000, p.75), referindo-se à concepção epistemológica adotada por Piaget, diz que: [...] esta aproxima suas idéias de todas as correntes pedagógicas que enfatizam a atividade do educando e a estruturação de um ambiente escolar que corresponda às características pessoais do aluno – seus interesses sua personalidade, seu conhecimento cotidiano. Para Piaget, é na interação com o meio, com os objetos, que ocorre a construção do conhecimento. A aprendizagem sugere sempre uma conquista ativa em que o próprio educando é o sujeito central na aquisição de novos conhecimentos. Salvador (2000, p. 250) lembra que conhecer, na teoria piagetiana, refere-se a agir por meio da realidade que vivenciamos e que: “O sujeito conhece na medida em que modifica a realidade através das suas ações”. Para tanto, os jogos enriquecem o desenvolvimento intelectual, por favorecer o contato com a realidade, auxiliando as crianças em suas representações do real, facilitando a transformação da sua realidade de acordo com as necessidades do seu eu. A atividade lúdica abrange vários espaços de elaboração de conhecimentos, construção de identidade, processo de socialização, desenvolvimento de autonomia, desenvolvimento afetivo. Sugere também a transformação de uma realidade pedagógica que requer uma mediação teórica que oriente a intervenção na prática por tratar-se de um instrumento pedagógico. Enquanto tal pressupõe momentos diferentes na organização que conceba a criança em sua totalidade e a construção do conhecimento enquanto processo dinâmico que envolve a interação e mediação professor-educando-objeto e conhecimentorealidade. Não se pode esquecer que a relação desenvolvimento-aprendizagem pode ser atingida em nível satisfatório por meio das atividades lúdicas e que o primeiro (desenvolvimento) é, para Piaget, a base para que a aprendizagem ocorra. Castro (1974, p. 95) reforça afirmando que: “O desenvolvimento, como processo total, integra a aprendizagem e não o contrário”. A autora esclarece que o desenvolvimento não é formado pela aquisição das várias experiências de aprendizagem e nem pela evolução das disposições internas, mas envolve um processo de interação, que regido pelas leis do equilíbrio acaba por focalizar o processo de aprendizagem. A contribuição Piagetiana contém explicações importantes sobre os mecanismos gerais que permitem as crianças aquisições de novos conhecimentos, o que facilita e direciona ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 122 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior um planejamento pedagógico em que as tarefas e a organização das atividades estejam de acordo com as capacidades cognitivas dos educandos, sendo facilitadores da compreensão das dificuldades dos mesmos. E neste sentido, as atividades lúdicas ancoradas na teoria psicogenética, na ênfase aos aspectos globais do desenvolvimento, na aprendizagem significativa, permitem estabelecer um programa de ensino/aprendizagem, com tarefas e atividades capazes de entender as dificuldades dos educandos frente às suas necessidades cognitivas, sociais, físicas e afetivas. Outro ponto a ser considerado na aprendizagem que tem por base o lúdico trata-se do brincar livre e do brincar dirigido. Para Moyles (2002), o brincar livre permite que a criança, sozinha, explore e investigue os recursos e as situações propiciadas, e este fato poderá levá-la a uma forma de brincar mais desafiadora, ou seja, a partir de uma brincadeira livre, exploratória as crianças podem ser orientadas em um brincar dirigido. A autora considera que talvez este fato constitua a essência do bom ensino, quando o brincar dirigido pela professora canaliza a exploração e a aprendizagem ocorrida por meio da brincadeira livre oportunizando as crianças uma etapa mais avançada no que se refere ao entendimento. Compara esse processo a um espiral e exemplifica: Como uma pedrinha atirada em um lago, as ondulações do brincar livre exploratório para o brincar dirigido e de volta para o brincar livre melhorado e enriquecido permitiram que uma espiral de aprendizagem se espalhasse para fora, em novas experiências para as crianças, e para cima, na aquisição de conhecimentos e habilidade (Moyles, 2002, p. 28). Através desse exemplo, Moyles reitera que o potencial do brincar é claramente percebido e nestes termos é libertado das amarras impostas pela concepção didática a respeito da estrutura. No entanto, confere a estas duas formas de brincar características peculiares em termos de resultados. Brincando livremente as crianças aprendem coisas sobre pessoas, texturas, atitudes, atributos visuais, auditivos, entre outros, aumentando e enriquecendo a aprendizagem das crianças. Já o brincar dirigido lhes possibilita uma aprendizagem mais elaborada dentro das áreas em que as crianças estão desenvolvendo alguma atividade, conferindo a estas uma variedade de possibilidades e também, maior domínio sobre esta área. Percebe-se assim, que poderemos considerar o brincar livre, exploratório enquanto requisito inicial, base para a brincadeira na escola e sobretudo, para a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 123 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aprendizagem escolar. É necessário, no entanto, entender melhor a concepção de dois grandes precursores nos estudos da importância deste tipo de brincar para as crianças. Nascimento et. al (2004) baseando-se nos estudos de Froebel, revela que este é considerado um reformador educacional, cuja teoria enfatiza a atividade e a liberdade, tendo sido o primeiro educador a utilizar o brinquedo como atividade na escola. Observou o jardim da infância. Considerava a criança como plantinha de um jardim a ser cultivada pelo jardineiro, o professor. Para Froebel, as expressões infantis ocorriam por meio da percepção sensorial, do brinquedo e da linguagem, esta última vinculada à vida e à natureza. A pedagogia dos jogos froebelianos envolve a idéia de jogos livres, que permitam às crianças livre exploração, por exemplo, nas brincadeiras cantadas e jogos orientados, incluindo matérias como bola, cilindro e cubo que demonstrem exigências dos conteúdos escolares tidos como de necessária aquisição (KISHIMOTO, 2003). A psicologia funcionalista, defendida por Dewey (1979) refere-se ao jogo como expressão das necessidades e interesses das crianças. Assim, incentivou a utilização dos jogos livres como requisito para que as peculiaridades infantis (suas necessidades e interesses) fossem satisfeitas, dessa forma firmando ser a infância a época de crescimento e desenvolvimento. Este autor também considera que ao se colocar a criança em contato com seus instintos naturais, através de atos materiais, está se conferindo à escola um lugar prazeroso em que se torna fácil manter a disciplina e o aprendizado ocorre de maneira facilitada. Defende igualmente que a observação destaca o valor destes impulsos para a exploração e manipulação de instrumentos, reforçando destaca: Quando exercícios sugeridos por estes instintos entram num regular programa de estudos, o aluno dá-se a eles totalmente, reduz-se a separação artificial entre a vida na escola e fora da escola, surgem motivos para dar-se atenção a maior variedade de processos claramente educativos, e formam-se associações de cooperação que dão emprego social aos conhecimentos utilizados (Dewey, 1979, p. 214). A liberdade dos jogos aparece mais uma vez enquanto característica de uma ação da criança, no que se refere à curiosidade própria dessa fase, que precisa ser respeitada e transportada para a esfera educativa. Neste momento, o jogo assume uma esfera orientada, pois requer a observação e o planejamento de quem educa, cabendo à escola a criação de um ambiente para a utilização da atividade lúdica, principalmente, sob a intenção de facilitar o desenvolvimento infantil. Para Dewey (1979, p. 216), “não basta que nela se introduzam ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 124 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior brinquedos e jogos, trabalhos manuais e exercícios manuais. Tudo depende do modo por que forem empregados estes recursos”. A Escola Nova, da qual Dewey foi um expoente, concedeu ênfase aos jogos educativos, sobretudo no atendimento das necessidades e dos interesses infantis. Suas contribuições incentivaram reflexões sobre a natureza livre dos jogos, a importância dos jogos para as crianças, o prazer advindo da atividade lúdica, entre outros. No entanto, algumas confusões foram geradas em torno do uso do jogo educativo, pois, para muitos professores o uso de materiais concretos em sala de aula já se configurava como jogo, vendo neste o único fim de auxiliar o processo educativo. Assim, o movimento escolanovista adentrou o campo da educação física com o propósito de estimular o jogo enquanto recreação orientada, para atender a determinados objetivos que não os de aquisição de conteúdos, propicia além de higiene mental para a criança o seu desenvolvimento físico, social e cognitivo. É válido ressaltar que a concepção de recreação está associada ao oferecimento de atividades livres orientadas (KISHIMOTO, 2003). Brincar, jogar é intrínseco à criança e por esse motivo os estudos da educação lúdica apontam para sua utilização no contexto escolar. Essa utilização muitas vezes vem permeada de questionamentos que apresentam dúvidas quanto a um aspecto da atividade lúdica a ser utilizada: atividade livre ou orientada, dirigida. Partindo do pressuposto roussoeano de que a liberdade essencial à educação infantil tem um aspecto orientado quando o educador, por meio da observação, determina que experiências sejam vividas pela criança, o jogo livre no contexto escolar não deixa de ter seu aspecto orientado visto que, ali também, o professor deve conduzir o educando ao seu desenvolvimento e à sua aprendizagem. Neste sentido a natureza, como em Emílio38, mostra seu curso e o educador orienta os passos do educando. A educação natural deixa explícito o papel do jogo na vida de uma criança e esta, naturalmente, deverá escolher, de acordo com suas necessidades, que brincadeiras e jogos lhe são pertinentes em dado momento. Ao professor cabe propiciar esse momento e conduzir-lhe ao caminho da satisfação de suas necessidades em prol de seu desenvolvimento. Moyles (2002, p. 25) reporta-se à questão de se orientar a brincadeira em sala de aula, ou em qualquer situação em que ocorram várias formas de brincar infantil, demonstrando que a presença da estrutura será determinada pelos recursos disponíveis para a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 125 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior criança. Nas palavras da autora, “[...] o brincar é sempre estruturado pelos materiais disponíveis para os participantes”. Assume então que, a partir dessa concepção, pode-se considerar que a qualidade do brincar será derivada do que se oferece à criança em termos de qualidade, quantidade e variedade de recursos lúdicos e reforça que a questão não se detém na estrutura unicamente, mas no fato de definir se a criança brincará de forma livre ou dirigida. Dessa forma, mesmo o jogo livre tem seu caráter dirigido, na medida em que ao brincar livremente de uma criança são acrescentados objetivos educacionais, de desenvolvimento ou aprendizagem. Ou apenas, se conceba que essa liberdade dos jogos lhe trará benefícios nestes aspectos, e assim, permita que a criança participe de recreações livres. Assim, em educação mesmo quando se propicia a atividade lúdica livre e quando se faz esta diferença da atividade lúdica dirigida se está, na verdade, comungando de uma liberdade dirigida que se considera essencial para uma educação que vislumbre os efeitos das atividades lúdicas no desenvolvimento e na aprendizagem infantil. Para Moyles (2002, p. 33): “a maior aprendizagem está na oportunidade oferecida à criança de aplicar algo da atividade lúdica dirigida a alguma outra situação”. Assim, diante do exposto resta reforçar que a escola através do lúdico aproxima a educação de uma proposta mais coerente às necessidades de desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Une as relações humanas em seu contexto bio-psico-social a uma atuação reflexiva, crítica, participante, caracterizando o ato de educar como algo prazeroso e compromissado. E por considerar os aspectos bio-psico-social, as relações humanas enfatizam o desenvolvimento humano em sua totalidade. Para Smith (2006), as atividades que envolvem o brincar podem favorecer no contexto educativo à obtenção dos objetivos educacionais, para os primeiros anos, sobretudo nos aspectos tidos como primordiais, a saber: social, intelectual, criativo e físico. Por fim, a atividade lúdica constitui um recurso metodológico que permite atender de forma harmoniosa a proposta de se trabalhar o desenvolvimento integral de crianças em ambiente escolar. “O comportamento de brincar é uma maneira útil de a criança adquirir habilidades desenvolvimentais–sociais, intelectuais, criativas e físicas” (SMITH 2006, p. 26). 38 Ver Emílio de Rousseau (1995). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 126 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Referências: ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: Técnicas e Jogos Pedagógicos. 9ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 1998. BARBOSA, Maria Carmen Silveira. As crianças, o brincar e o currículo na educação infantil. Revista Pátio Educação Infantil, Ano IX, n. 27, p. 36-38, abr/jun 2011. BROCK, Avril. A importância do brincar na infância. 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Para a realização deste estudo, apoiamo-nos em uma metodologia de enfoque hermenêutico. Em termos de verificação empírica, delimitamos como nosso campo investigativo Centros de Educação Infantil da Rede Pública Municipal de Caruaru. Reconhecendo o caráter inconcluso dessa pesquisa, podemos inferir que os discursos dos professores entrevistados são habitantes das duas temporalidades e das duas infâncias. De um lado, a afirmação do mesmo, da unificação, da linearidade; do outro, a afirmação, da diferença, da novidade, do singular. Embora enunciem sentidos para a infância diferentes não são excludentes. Contudo, a escola ainda carece de estar sensível a uma relação mais afirmativa da infância, considerando que essa instituição parece ainda fechar-se em uma visão adulta do que seriam as necessidades das crianças. Palavras-chave: Infância; Educação Infantil; Professores. Introdução Reconhecer as crianças na sua especificidade, olhá-las e indagá-las para além dos discursos produzidos sobre elas, parece ser um dos desafios hoje, quando pensamos ou praticamos a tarefa educativa na Educação das crianças. Nesse contexto, uma questão que nos chama atenção é a noção de infância presente na grande maioria desses discursos, que a insere em um tempo cronológico, associando-a ao futuro, a uma menoridade duvidosa. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 129 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Historicamente, têm-se inventado as mais diversas imagens e concepções da infância, sendo seu conceito e a concepção do pensamento da criança, em diferentes momentos da história da humanidade, reelaborado e modificado. Tal como mostra Gouvêa & Sarmento (2008), apesar dos estudos existentes e da vasta produção acerca das crianças – principalmente a partir do século XX –, nos domínios das ciências da saúde infantil, da psicologia ou no âmbito do que alguns vão chamar “puericultura”, a infância, no que se refere a sua percepção, tendeu sempre a ser estudada na perspectiva da falta. Tal concepção não só esteve presente e marcada em sua etimologia como iluminou (e ainda ilumina) os mais caros ideários pedagógicos, discursos filosóficos e saberes científicos da Modernidade. Como campo de pesquisa em educação, a trajetória da pesquisa na Educação Infantil vem problematizando com maior intensidade as questões peculiares ao ato de educar, ensinar e aprender nesse nível. Desconfiamos que, apesar das mudanças e do todo processo de resignificação ocorridas nesse campo, inclusive em relação à própria concepção de criança e da sua formação, a escola infantil vem ainda assumindo uma vinculação com a ideia de um vir a ser adulto implicada com uma noção de infância “capturável”, “numerável”, tecnicamente explicada pelo conjunto de saberes (KOHAN, 2005). Tais impasses e desafios constituem o fio condutor da problematização apresentada nesse texto, a qual ultrapassa a especificidade do ensinar e aprender na educação infantil, abrangendo assim, de forma mais ampla, a questão acerca da infância afirmada no contexto escolar. Diante do exposto, nossa pesquisa tem como problemática e questão norteadora: discutir quais discursos estão configurando as práticas discursivas veiculada entre os professores sobre a infância e a educação da infância. O objetivo geral desta pesquisa é compreender os enunciados e os sentidos que configuram a formação discursiva veiculada entre os professores, tanto no que diz respeito à vida infantil quanto ao modo como os adultos se relacionam com esse universo e com a alteridade da infância. Entre os objetivos específicos, podemos destacar os seguintes: • Analisar os discursos e os sentidos veiculados entre professores sobre à infância e a educação da infância; • Identificar os enunciados que configuram a formação discursiva da infância e da sua educação entre os professores da Educação Infantil; ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 130 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior • Compreender como os professores relacionam-se com a alteridade da infância; Para a realização deste estudo, apoiamo-nos em uma metodologia de enfoque hermenêutico. Em termos de verificação empírica, delimitamos como nosso campo investigativo os Centros Educacionais de Educação Infantil da Rede Pública Municipal de Caruaru/Pe. Os sujeitos da nossa pesquisa foram os professores que atuam nestas instituições. No geral foram contemplados 07 (sete) Centros Educacionais e entrevistados um total de 12 (doze) professores. Como procedimento inicial para a coleta de dados, utilizamos entrevistas semi-estruturadas, com perguntas definidas, porém abertas, visando mapear um perfil mais abrangente das maneiras e das configurações discursivas da infância e da sua educação. Resultados e Discussão Os resultados que em seguida se apresentam dizem respeito à análise das entrevistas realizadas. Por meio de um processo de interpretação os discursos presentes nas entrevistas foram se constituindo em um complexo heurístico organizado em torno da seguinte categoria: Infância e seus sentidos e significados. Tal categoria devido à diversidade dimensional apresentada possibilitou a formação de subcategorias, a saber: A infância enquanto etapa; A infância como um vir a ser adulto; Infância: entre a “paparicação” e a “moralização”; A infância como intensidade. A infância enquanto etapa Tal como demonstrado no fragmento abaixo, o registro sobre a infância se reduz a uma etapa cronológica, a um momento, quase não há a ampliação desse sentido. Ela é imagem do começo, seguramente localizada dentro de uma temporalidade. Associada a ingenuidade, graça e gentileza, a concepção de infância se apresenta na fala da professora como ligada às limitações temporais existentes. A criança é a fase para ser adulto. Representa o inicio da vida. O mundo sem elas não existiria. Fazem parte da linha do tempo, desde o seu nascimento ate a concretização da fase adulta. É a parte da nossa vida que a gente gostaria de voltar, porque quando se é criança nada é sério, tudo é mero fazde-conta e é por isso que temos que impor limites (Professor 12). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 131 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Na mesma perspectiva, a professora, em seu discurso abaixo, embora reconheça a infância como de fundamental importância na vida de ser humano, sugere que é próprio da criança ser uma etapa, uma fase numerável ou quantificável da vida humana. A infância é, sim, de fundamental importância para toda a vida do sujeito. Costumo dizer que é o prefácio da vida (Professor 07). Dessa forma, o lugar outorgado à infância aparece diretamente determinado pelos paradigmas que sustenta o que aqui caberia ser denominado de fase. Em oposição a essa dimensão paradigmática, Kohan (2005) irá afirmar que a infância está muito além disso, pois, ela é sinônimo de afirmação de identidade, de autonomia, enquanto agente social. A infância como um vir a ser adulto Afirmação inaugurada desde os gregos, sobretudo com Platão – um dos pensadores que mais nitidamente inauguraram essa tradição, particularmente em A República –, reaparece de forma muito clara entre os professores entrevistados: a infância, entendida em primeira instância como matéria-prima do objetivo almejado: a adultez. Eu vejo que a infância é um meio para a vida adulta, mas que não deixe de vivenciar também a infância quando adulto, só que de uma forma mais amadurecida. Eu acho, eu vejo muito a questão da idade, eu vejo que a idade é fundamental pra fase, pra gente passar por ela, né? (Professor 12). Observa-se através do exposto que comumente nas instituições para a primeira infância são desconsideradas as contribuições que a infância detém. Dessa forma, ela passa a ser vista como um pré-molde para o adulto que irá se constituir, com a função de, como explicita Moss, “moldar e conduzir para constituir um produto final que deverá se encaixar em um ideal social” (2008, p. 240). Infância: entre a “paparicação” e a “moralização” Vinculados ao sentimento moderno de infância, o qual de acordo com Kramer (1995) corresponde a duas atitudes contraditórias, os professores indicaram em seus discursos um conjunto de enunciados marcados por um duplo modo de compreender a infância, pela contradição entre moralizá-la e paparicá-la. No primeiro modo, a criança é vista como um ser incompleto, que necessita da “moralização: Criança quer dizer: Totalmente dependente. Que precisa muito do outro, pra que ele cresça, que ele aprenda, que ele se desenvolva (Professor ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 132 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 02). No segundo modo, tem-se uma imagem de criança pura, ingênua e prematura: A infância é a fase da inocência (Professor 10). Assim, trata-se de uma infância que se torna desejável e necessária na medida em que as crianças não têm um ser definido, mas que são, sobretudo, orientadas por uma ontologia e uma política da infância que busca instaurar e normatizar o tipo ideal, ao qual uma criança deva se conformar ou o tipo de sociedade ideal que uma criança tem que construir. A infância como intensidade Encontramos também nos discursos dos professores outra infância, que habita outros tempos e lugares para ela. Trata-se de ver a infância em si mesma, no presente e não no seu futuro como adulta, a partir da sua própria voz e não apenas através daquilo que os adultos dizem delas, tal como colocado pela professora na fala abaixo: A infância, eu vejo uma forma de você vivenciar momentos que na vida adulta você não vivencia. Então, é o brincar, é o imaginar e o criar, porque quando você esta na sua infância, você tem oportunidade de fazer coisas que na vida adulta você não tem mais, né? (Professor 12). Dentre outras coisas, a citação acima nos remete á idéia de que a infância é o acontecimento que impede a repetição do mesmo mundo. Ela refere-se a presente necessidade de uma aceitação, de uma inversão das nossas posições e papéis tradicionais, elucidada pela forte aposta na potência criadora da infância em oposição ao modelo e à forma do adulto dominante. Conclusões A título de conclusão e tomando como referência a nossa problemática de pesquisa, assentada em uma perspectiva hermenêutica, podemos afirmar, diante dos dados obtidos uma forte associação da infância e da sua educação com a condição da falta e da ausência. Percebemos também que os professores estão muito ligados a uma temporalidade cronológica da infância, a qual concebe a educação da infância sempre conforme um modelo, o da continuidade cronológica, da história e das maiorias. Temporalidade que, segundo Kohan ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 133 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior (2005), ocupa uma série de espaços: as políticas públicas, os estatutos, os parâmetros da educação infantil, as escolas, os conselhos tutelares. Muito próxima da compreensão engendrada por discursos pedagógicos tradicionais, os quais pensam a infância de uma perspectiva forçada do adulto, encontramos, nas falas analisadas, marcas bem precisas no que se refere ao papel da educação da infância. Uma delas seria a da educação infantil mais atrelada a uma imagem que faz frutificar uma visão da infância restrita a um acontecimento biológico — etário, inscrito na lógica do estabelecido, de uma visão desenvolvimentista da vida, ao número de anos que se tem — do que, desde outra perspectiva, com uma infância que afirma a novidade, a criação e a própria diferença. Ou seja, a infância como figura da alteridade, que interrompe um estado de coisas para propiciar o novo, um outro olhar. Portanto, praticar o ato docente na Educação Infantil atualmente implica questionar se esta reconhece na criança, as suas particularidades e especificidades, superando e desmistificando os discursos lançados sobre ela ao longo do tempo. 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ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 134 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A EMERGÊNCIA DO CURRÍCULO, NA VOZ DOS SUJEITOS DAAPRENDIZAGEM, NUMA DIMENSÃO CRÍTICOLIBERTADORA: ESTUDO DE CASO SOBRE A RÁDIO JACARÉ FM Edilene de Oliveira Francisco Souza Resumo O presente artigo objetiva refletir sobre a emergência do currículo numa dimensão críticolibertadora a partir da voz dos sujeitos professor e aluno, tendo como argumento central a ação realizada por uma professora de educação infantil e sua turma de alunos e alunas, a qual toma como ponto de partida e chegada a voz dos sujeitos professor e aluno, mediatizada por tecnologias digitais, de forma a favorecer sua participação na construção do currículo e a aprendizagem. Para tanto, será apresentado o estudo de caso da Rádio Jacaré FM, um projeto apensado ao Programa Nas Ondas do Rádio da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo. O argumento é fundamentado na epistemologia de Paulo Freire sobre o papel das tecnologias digitais como instrumento para que os sujeitos professor e aluno possam expressar sua voz no mundo e com o mundo e empoderar-se. A pesquisa lançou mão da abordagem qualitativa com aportes no estudo de caso e concluiu que a voz mediatizada por tecnologias de informação e comunicação, oportuniza ao professor e aluno a expressão de sua voz no currículo numa dimensão crítico-libertadora conferindo poder e oportunizando a aprendizagem. Palavras-chave: currículo crítico-libertador; empoderamento; currículo e tecnologias. Abstract This article reflects on the emergence of the curriculum in a critical-dimension from the liberating voice of the subject teacher and student, with the central argument of the action taken by a kindergarten teacher and her class of boys and girls, which takes as starting and arrival, the voice of the subject teacher and student, mediated by the use of technologies in a way of favoring the participation in the construction of the curriculum and learning. For this purpose we introduce the case study of the Alligator FM Radio, a project appended to the program on the airwaves of the Municipal Secretariat of Education of São Paulo. The argument is based on Paulo Freire's epistemology on the role of digital technologies of information and communication as a tool for the subject teacher and student can express their voices in the world and the world and empower themselves. The research made use of the qualitative approach with contributions in the case study and concluded that the voice mediated by information and communication technologies, nurture the teacher and students to express their voice in the curriculum in a dimension critical-liberating and empowering opportunity to the learning. Keywords: curriculum critical-liberating, empowerment, curriculum and technology. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 135 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para início de conversa Na acepção freireana o currículo é a teoria, a política e prática do que-fazer na sala de aula, na escola e fora dela numa dimensão crítico-libertadora (SAUL, 2008). Nesse entender o currículo pode ser interpretado enquanto ação cultural, política e social crítico-libertadora que abarca a força da ideologia e sua representação não somente como ideias, mas como prática concreta, ou seja, é a vida mesma da escola, o que nela se faz ou não se faz, as relações entre todos e todas que a constituem, desde o porteiro até o diretor e a comunidade ao derredor (FREIRE, 2006). Segundo Apple (1989; 2006) o currículo é uma forma hegemônica de representação das estruturas econômicas e sociais mais amplas, as quais têm se constituído um sistema para a manutenção das relações de dominação e exploração das sociedades colonizadas, portanto ele não é neutro e desinteressado, mas o conhecimento por ele corporificado é um conhecimento particular. Na análise de Giroux (1986) existem mediações e ações no espaço da escola e do currículo que podem trabalhar contra os desígnios do poder e do controle, devendo haver um lugar para a oposição, a resistência, a rebelião e a subversão, o que permite canalizar o potencial de resistência demonstrado por professores e alunos para desenvolver uma pedagogia e um currículo que tenham um conteúdo claramente político e que seja crítico das crenças e dos arranjos sociais dominantes. As idéias de Apple e Giroux sobre o currículo abarcam as dimensões de emancipação, libertação e empoderamento39 (empowerment), e neste estudo estão presentes, sobretudo na voz freireana. Na obra freireana a emancipação aparece como uma grande conquista política a ser efetivada na práxis humana, na luta ininterrupta a favor da libertação das pessoas de suas vidas desumanizadas pela opressão e dominação social imposta pelo capitalismo e pela força da ideologia dominante (MOREIRA, 2008). A libertação é práxis transformadora, ou seja, ação e reflexão solidárias, e ocorre no processo de conscientização dos homens de seu papel no mundo e com o mundo (FREIRE, 1970). 39 Termo utilizado por Paulo Freire e envolve a compreensão da potencialidade criativa dos grupos, enquanto classe social, para a sua verdadeira transformação, com certas doses de radicalidade, enquanto processo político de busca pela libertação da dominação, que é antagônica à noção estadunidense de empowerment cooptada pelo individualismo e pelas noções individuais de progresso, com ênfase no aumento de poder individual, à autoajuda, ao autoaperfeiçoamento, à autoconfiança (FREIRE & SHOR, 2008). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 136 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Na teoria freiana, segundo Guareschi (2008), o empoderamento é um ato social e político, pois o ser humano é intrinsecamente social e político, portanto o empoderamento está intima e necessariamente ligado à conscientização, constituindo-se um eixo que une consciência e liberdade. Para o autor, a tomada de consciência confere determinado poder às pessoas e grupos, gerado a partir dos próprios sujeitos, e tal poder não é outorgado, mas é resultado de uma práxis de reflexão e de inserção crítica dos sujeitos, provocados por problemas ou pelas perguntas problematizadoras que os colocam em ação, daí a dimensão, entendida neste artigo, de um currículo que empodera. Gadotti (2008) argumenta que é preciso re-inventar o poder, criando relações radicalmente democráticas. Segundo o autor, trata-se de empoderar, de fortalecer as pessoas e suas organizações sociais e movimentos, unindo suas lutas específicas com as lutas globais da transformação. À luz da pedagogia freireana, o poder não é dado, como algo que o sujeito recebe de outro enquanto merecimento ou caridade, numa perspectiva individualista. Pelo contrário, o empoderamento significa ativar a potencialidade criativa de alguém, como também de desenvolver e potencializar a dos sujeitos enquanto grupos. Isso implica num exercício democrático de voz (dialógo) enquanto expressão dos sujeitos no processo de construção e reconstrução do currículo. A dialogicidade é fundante no currículo e se concretiza na comunicação democrática que invalida a dominação na busca de conhecer o objeto estudado, de dissecá-lo, desvelá-lo, criticizá-lo, o que de acordo com Freire (2009) somente se efetiva por meio da educação crítico-libertadora. Na pedagogia freireana o diálogo (a comunicação) entre os sujeitos não é extensão de conteúdos e comunicados, mas sim a comunicação democrática crítico-libertadora entre sujeitos que buscam conhecer mais, descobrir, indagar e indagar-se, investigar, exercitar a curiosidade, que, a priori, ingênua, vai se tornando cada vez mais curiosidade epistemológica (FREIRE, 2010). A seguir, apresentam-se mais argumentos teóricos em direção a compreensão de um currículo crítico e libertador. A dimensão crítico-libertadora do currículo O presente artigo reflete sobre uma ação curricular que permeada pelo compromisso ético-político-pedagógico compreende a escola como espaço de luta ideológica e de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 137 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior possibilidades em que a atividade docente pode contribuir para a construção de um currículo numa dimensão crítica, que passa necessariamente, por uma compreensão mais abrangente do saber fazer. Portanto, entende que uma ação pedagógica passa por um processo de construção curricular que, como afirma Gouveia (2004) se pauta em referenciais éticos, políticos, epistemológicos e pedagógicos, fundada na teoria crítica e libertadora que orienta o fazer dialógico na construção de um currículo crítico. Freire (1980) argumenta em sua obra que o ato de conhecer envolve um movimento dialético que vai da ação á reflexão sobre ela e dessa para uma nova ação, ou seja, se constitui num movimento dialético de constante ir e vir. É a mesma dialética que se estende entre o fazer e o saber, entre a linguagem e a ação, a palavra e o trabalho, o que significa não poder haver a pronúncia do mundo sem a consciente ação transformadora sobre ele. Essa posição instiga pensar que quando não há na ação docente uma reflexão crítica a respeito de sua função social, há enormes chances dessa prática converter-se em estratégias de adaptação. Desse modo a educação se distanciaria da premissa da emancipação e contribuiria com a alienação do sujeito. Nesse sentido, para que o currículo se configure numa dimensão crítico-libertadora ele terá de assumir um processo de construção, sistematização e implementação da ação pedagógica como um processo participativo, crítico e formador, que apresenta intencionalidade política explícita de resistência as situações de dominação, procura contribuir com os movimentos imbuídos em alterar a realidade sociocultural e econômica injusta, optando política e pedagogicamente pelos excluídos/oprimidos e buscando na práxis curricular a efetivação de um exercício democrático de educação pautado na voz dos sujeitos da aprendizagem. Habermas (2002) aponta que o conhecimento se produz à luz de uma racionalidade comunicativa, de uma prática dialógica que possibilite a partilha, a entrega ao outro, respeitando as diferenças, partilhando o mundo vivido na compreensão da realidade histórica dos contextos social, político e cultural. Essa forma de gerir o currículo esta associada à mudança da escola e dos seus sujeitos e caracteriza-se por um conjunto de intervenções, processos e decisões que buscam modificar ideias, modelos e ação pedagógica, introduzindo novos projetos e programas, novos conteúdos e estratégias de ensino e de aprendizagem. Gouveia (2004) sustenta que o currículo ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 138 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior nessa perspectiva passa a ser compreendido como um processo de apreensão crítica da realidade. Rios (2008) enfatiza que uma visão crítica da realidade não leva automaticamente, a uma intervenção crítica, mas configura-se um primeiro passo, o que torna a escola um espaço contra-hegemônico e privilegiado para compartilhar saberes. Nessa direção, o currículo numa dimensão crítica e libertadora encontra como fruto de seu trabalho uma causa mais nobre que passa inevitavelmente pelo processo de humanização do sujeito. Portanto, para a construção de uma escola sólida, comprometida com o saber fazer e com o dialogo constante entre a teoria e a ação torna-se oportuna a superação da concepção de currículo fechado, com conteúdos inertes, que coloca a escola professores e alunos cada vez mais numa condição de submissão, para uma concepção de currículo aberto e dinâmico, cada vez mais criticizado. Isso implica reconhecer a autoria (a voz) dos sujeitos (professor e aluno) no sentido de, ao buscar as transformações sociais do mundo contemporâneo e práticas democráticas, desenhar e redesenhar um currículo que se constitua em espaços de luta coletiva e de aprendizagem crítica e libertadora. Nessa direção, as Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDIC) podem trazer algumas contribuições. Voz, Currículo e Tecnologias Alguns estudos com escopo na integração entre TDIC e currículo (ALMEIDA, 2001, 2005 e 2010; ALMEIDA & VALENTE, 2007 e 2011; COSTA, 2004, 2007a, 2007b) apontam que não é suficiente ter salas de aula ricas em tecnologias para que ocorra a integração, mas como argumenta Damásio (2007), é oportuno mudar a dinâmica da sala de aula e da escola para promover essa integração. Trata-se de mudanças que provocam novos contornos na estrutura do currículo que, por sua vez, depende também de mudanças na pedagogia. Conforme explica Almeida & Valente (2011) há quem considere as TDIC enquanto recursos neutros e seus usos como a mera transposição do conteúdo que faz parte do currículo oficial, desconsiderando que tais tecnologias têm potencial para interferir nos modos de se expressar, se relacionar, ser e estar no mundo e com o mundo, produzir cultura, transformar a vida e desenvolver o currículo da escola. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 139 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nas palavras de Silva (2004), a integração das tecnologias ao currículo é entendida enquanto conjunto de novas oportunidades para repensar o próprio currículo e ao mesmo tempo redesenhá-lo. Paulo Freire analisa o uso das tecnologias na educação como forma de democratização do trabalho do professor e da professora, enquanto atores e autores culturais. (...) a mudança social, para ter força instrumental, precisa que o processo educacional tenha relação de organicidade com a contextura social. Mais ainda: que esta relação implique um conhecimento crítico da realidade, para que a ela se integre e não apenas se superponha. Já que a sociedade está em trânsito, de uma economia de caráter complementar para uma economia de mercado, e que passa de formas rigidamente antidemocráticas para formas plasticamente democráticas, a revisão do processo educacional não pode ser parcial, porque é todo ele que está inadequado e é todo ele que a cultura em elaboração precisa (FREIRE, 2002, p.114). Na ótica freireana as tecnologias presentes nos processos educacionais deveriam estar a serviço da humanização, da transformação das gentes e do mundo, e da criatividade humana. Isso significa entender que a educação é um ato de conhecimento e de criação, no qual a participação dos sujeitos que a fazem e a refazem na intimidade da sala de aula é a essência da ação cultural, política e social, que funda o currículo numa dimensão democrática, crítica e libertadora. Neste artigo a rádio na internet pode contribuir no sentido de ampliar o diálogo por meio da participação democrática dos sujeitos no processo de construção e reconstrução do currículo para além da sala de aula e da escola, enquanto expressão de sua voz no mundo e sobre o mundo, abarcando inclusive o mundo digital, enquanto dimensões não dicotomizáveis entre a teoria freireana e a rádio na web (MAGNO DA SILVA, 2011). Ao tratar da rádio na internet e a participação dos sujeitos no processo de construção e reconstrução do currículo, este artigo aborda a integração de tecnologias, o que, para tanto dependerá da compreensão que a escola e o professor têm do currículo, das TDIC, e do papel de ambos no contexto da sala de aula e da escola. Isso tudo demanda das TDIC um lugar privilegiado no Projeto Político Pedagógico40 (PPP) da escola, envolvendo gestores, professores, alunos, alunas e comunidade ao seu derredor. Para ilustrar essa reflexão, foi analisado o caso da Rádio41 Jacaré FM. 40 Este artigo considera que todo projeto pedagógico é também político, pois pedagogia e política são dimensões indissociáveis da ação, portanto o estudo utiliza o termo Projeto Político Pedagógico. 41 A menção a palavra Rádio, grafada com letra inicial maiúscula, é para se referir à Rádio Jacaré FM. Quando utilizada a grafia rádio, em letra inicial minúscula, se refere à mídia. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 140 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A seguir, será apresentado o método e o contexto da pesquisa. Método e contexto do estudo A pesquisa retratada neste artigo teve abordagem qualitativa, com aportes no estudo de caso. O estudo de caso realizou-se numa escola pública municipal de São Paulo localizada no bairro de Pirituba e pertence à Diretoria Regional de Educação (DRE) do mesmo distrito da capital paulista. O bairro de Pirituba apresenta contrastes de níveis de classe, com regiões mais valorizadas e menos valorizadas. A escola conta com aproximadamente 500 (quinhentos) alunos matriculados e atende os dois últimos estágios da educação infantil – Infantil I e Infantil II –, com crianças entre 04 (quatro) e 05(cinco) anos e 11 (onze) meses, em três períodos de trabalho diário (matutino, intermediário e vespertino), oferecendo aos estudantes uma jornada de 04 (quatro) horas diárias. Apresenta uma boa estrutura física, possui sala equipada com computadores e recursos multimídia, biblioteca, área externa destinada a atividades recreativas (parquinho) e refeitório para os alunos. O objeto da pesquisa foi a Rádio Jacaré FM. Trata-se de um projeto desenvolvido por uma professora e sua turma de alunos dos estágios Infantil I e Infantil II. A Rádio é apresentada em um Blog (http://radiojacarefm.spaces.live.com/default.aspx) e conta com diversas sessões, como: reportagens, entrevistas, músicas, horóscopo, fofocas etc. Conta também com um link para o blog do professor orientador de informática educativa (POIE), que integra a equipe, e para o blog da professora intitulado Diário de Classe. A Rádio possui também endereço na rede social Twitter (www.twitter.com/radiojacarefm). O projeto Rádio Jacaré FM se desenvolve como uma das ações do Programa Nas Ondas do Rádio da Secretaria Municipal da Educação de São Paulo (Cf. São Paulo/PMSP, 2004; São Paulo/SME, 2009), o qual se constitui uma proposta pedagógica que utiliza as linguagens midiáticas nos processos de ensinar e aprender. O Programa Nas Ondas do Rádio lança mão dos conceitos de educomunicação, ou seja, educar por meio da comunicação ou comunicar para educar como conceito base do trabalho, e atende hoje alunos de diversos segmentos, desenvolvendo nas escolas, projetos de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 141 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior rádio que utilizam tecnologias para viabilizar as produções desenvolvidas pelos alunos e publicá-las em blogs, sites e redes sociais. O conceito de educomunicação empregado no Programa é, conforme Soares (2000), um campo de intervenção social, cujo elemento constitutivo é a relação. Para o autor, o tempo pedagógico faz do modus comunicandi uma forma de exercício de poder, ao passo que a autonomia do leitor e a possibilidade de um ecossistema comunicativo marcado pela dialogicidade (numa dimensão freireana) implicam a descentralização da palavra autorizada e a transformação das relações sociais internas do espaço escolar. A seguir, será abordada a trajetória metodológica da pesquisa. Trajetória metodológica O sujeito da pesquisa foi a professora de educação infantil participante do projeto. Para buscar a voz da professora foi utilizada a entrevista semi-estruturada. Os achados da pesquisa foram organizados em quatro categorias principais: currículo (espinha dorsal do estudo), participação, integração e aprendizagem, e subcategorias que emergiram na análise dos dados. Neste artigo será abordada a categoria currículo. A seguir, apresenta-se um retrato dos principais achados. Os achados da pesquisa: voz que anuncia o novo As perguntas iniciais na entrevista com a professora objetivavam responder sobre o planejamento das aulas. Ela destacou que o plano de aula (anual, mensal e semanal) é realizado por ela ou pelo grupo de professores, pautado no documento da Secretaria Municipal da Educação Orientações Curricular: Expectativas de Aprendizagens e Orientações Didáticas42, Trechos dos depoimentos da professora transcritos a seguir indicaram que, para ela, a construção do planejamento das atividades se estrutura a partir das diretrizes e parâmetros (currículo prescrito) enquanto expectativas de aprendizagens esperadas àquela fase da vida escolar do aluno e da aluna. 42 Tal documento se concretiza numa publicação que objetiva subsidiar a prática e a reflexão de todos os sujeitos envolvidos na educação infantil, visando intensificar a articulação entre as propostas de trabalho pedagógico na rede municipal (SÃO PAULO/SME-DOT, 2007). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 142 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Sacristán (2000) se refere ao currículo prescrito, o que contribui para o entendimento desse conceito: O currículo prescrito para o sistema educativo e para os professores, mais evidente no ensino obrigatório, é a sua própria definição, de seus conteúdos e demais orientações relativas aos códigos que o organizam, que obedecem às determinações que procedem do fato de ser um objeto regulado por instâncias políticas e administrativas. [...] Mas, à medida que o controle deixa de ser coercitivo para se tecnificar e ser exercido por mecanismos burocráticos, se oculta sob regulamentações administrativas e “orientações pedagógicas” com boa intenção, que têm a pretensão de “melhorar” a prática (p.109). O depoimento da professora revela que ao planejar suas atividades ela se pauta no currículo prescrito, não se limitando ao mesmo, mas tecendo novas narrativas. O relato da professora transcrito a seguir ilustra essa ideia. [...] quando eu vou montar um currículo (plano de aula) da educação infantil, eu penso que ela (a criança) tem que ter um conhecimento mínimo quando ela sai daqui... não é a criança chegar aqui e só fazer o que ela quer, por exemplo, a criança quer falar só sobre borboleta, não é bem assim... é importante que ela tenha alguns conteúdos básicos, mas também, não é aprender, a escrever de 01 até 10, não é isso... para mim, são mais conteúdos procedimentais... é fazer interconexões entre os conteúdos... conhecimentos que ela vai usar para a vida... o conteúdo... são coisas mínimas que ela precisa ter acesso para que faça outras construções por si só... Eu sempre volto para as Orientações Curriculares e vejo quem são os pesquisadores que escreveram, mas eu sempre vou nas minhas concepções... eu consulto alguns autores... leio Madalena Freire, Tizuko, Zabala... O depoimento da professora acima transcrito também revela traços de um que-fazer ao relatar que para além do documento oficial busca outros repertórios teóricos e fontes de pesquisas. Sobre o que-fazer para Freire (2009), ele é teoria e prática, é ação e reflexão, não pode reduzir-se à palavra, nem verbalismo, nem ativismo, mas converge para uma prática cultural libertadora. Ao ser perguntada se currículo é somente o documento escrito, a professora indica a dimensão política (a politicidade) da ação, conforme ilustra o trecho transcrito abaixo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 143 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ... não de jeito nenhum. O currículo pode estar oculto. Coisas que faço e que não está escrito em lugar nenhum... Nas ideias de Freire (2006), o currículo abarca a vida mesma da escola (o que nela se faz ou não se faz), a força da ideologia e sua representação não só enquanto ideia, mas como prática concreta. Nas palavras do autor, todo currículo é político e se acha molhado de ideologia. Ao ser questionada sobre a participação de outros sujeitos, para além do professor e aluno, no projeto Rádio Jacaré FM, a professora relata como a comunidade foi se envolvendo na ação, e ressalta, sobretudo, o caso da mãe de um aluno e do condutor do transporte escolar, conforme ilustra o trecho do depoimento transcrito a seguir. Olha, quem se envolveu mais assim foi a mãe do M. Ela veio perguntando para mim: Que história é essa? Vai fazer uma rádio na escola? Outra foi a mãe do J., que era da turma da manhã... a mãe do menino da turma da manhã quis saber porque ele falavam em casa. ... Eles contam, dai os pais quiseram saber. A mãe do K. foi outra que também quis saber, porque eu acho que ele falava muito. ... Eu gravei um CD e dei para os condutores da perua e outro para eles levarem para casa... então eles ouviam na perua a rádio deles, ouviam em casa. Isso foi muito divertido porque eles chegavam falando que ouviam a rádio na perua, no carro do pai deles, iam na casa da avó e ouviam a rádio. Então eles achavam que a rádio deles estava passando em todos os lugares. Então pirei com essa história, né (risos)... para quem eu podia eu dava o CD. A participação de todos os sujeitos internos e externos à escola abarca a dimensão política, ou seja, a politicidade do currículo. O contorno político da ação promovida com o projeto Rádio Jacaré se aproxima das ideias freireanas sobre o currículo: abarca a relação entre todos e todas que fazem a escola (FREIRE, 2006). Ao falar do trabalho realizado com os alunos e as alunas nos dias que antecederam a Feira Cultural, ocasião em que foi realizada a inauguração da Rádio Jacaré FM, o depoimento da professora traz nuances da politicidade da ação. O trecho da entrevista transcrito a seguir ilustra essa dimensão política. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 144 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Eu perguntei: _ O que vocês querem saber do prefeito? As crianças fizeram várias perguntas direcionadas para prefeito, por exemplo: _ O Senhor irá construir mais escolas? Ampliará a merenda? Haverá mais tempo de aula? ... Eu percebi a necessidade de interferir, pois o prefeito viria para conhecer a Rádio Jacaré. Eu disse a eles: _ Por que não fazer a ele perguntas relacionadas a Rádio? ... Eu falei assim: _ Ele vai querer saber por que nossa Rádio tem esse nome.. Eles [alunos e alunas] reformularam as perguntas... eu não queria parecer que as crianças são marionetes dos adultos... Ao provocar em sua turma um movimento de pensar e repensar o papel do prefeito no contexto da educação e da relação que há entre a visita dele e a ação realizada em sala de aula, ela desenha um currículo inscrito numa dimensão política (a politicidade da ação). O depoimento da professora pesquisada sobre a movimentação provocada com a iniciativa do projeto indica além da dimensão política na articulação do trabalho junto aos demais envolvidos (docentes, gestores, comunidade), uma aproximação a outra categoria principal de análise: a participação. Isso permite entender a articulação e a ligação que há entre a participação dos alunos e das alunas, a participação de outros sujeitos externos à escola, e a politicidade do currículo remodelado pela professora com os sujeitos internos e externos à escola e à sala de aula. Ao ser questionada sobre a motivação da visita do prefeito de São Paulo à escola, a professora pesquisada relatou que tudo começou quando ela entrou em contato com o secretário da Educação via rede social Twitter, e explicou que a conversa iniciou na ocasião da gênese da ideia da Rádio na escola. Na entrevista, a professora disse que queria saber sobre a possibilidade da SME-SP viabilizar um site de rádio na escola para que os pais e mães pudessem acompanhar de casa o que estava sendo produzido por ela junto com os alunos e as alunas. A professora também relata que sua ideia inicial era partilhar o que estava sendo realizado em sala de aula com a família dos alunos e das alunas e, ao estar vinculado ao portal da SME-SP colocar o projeto ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 145 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior num outro patamar, tornando-o oficial dentro e fora da escola, e evidencia que suas ações foram mais motivadas pela novidade que pode ser oportunizada às crianças. Isso aponta que suas ações são mais envolvidas pela teoria-prática, imersa no cotidiano da escola e da sala de aula. Esse trecho da entrevista com a professora pesquisada revelou traços de uma ação que se constitui num que-fazer, e encontra-se “molhada” de empoderamento. É oportuno ressaltar que a Rádio Jacaré FM, na voz da professora pesquisada, nasceu de outro projeto que estava sendo trabalhado em sala de aula, e que tinha como tema os animais rasteiros, por meio do qual ela e sua turma de alunos e alunas estudavam, entre outros, diversos tipos de jacarés, cobras e salamandras. O projeto Rádio Jacaré surge, então, a partir do projeto mais amplo sobre os animais, e ganha maior visibilidade na escola e fora dela, ao lançar mão de algumas TDIC, o que oportunizou ao projeto extrapolar as paredes da sala de aula e os muros da escola. O depoimento a seguir, indica que algumas mídias foram usadas no contexto da sala de aula, tornando-se parte estruturante do currículo que ia sendo desenhado e redesenhado com o projeto Rádio Jacaré FM. [...] eu estava com um projeto de animais rasteiros, então a gente trabalhou sobre tartarugas, cobras, e o que mais foi a sensação do ano foram os jacarés. Então a gente estudou vários tipos de jacarés... ... Eu trouxe uma porção de livros, imagens, fotos, livros de história, livros com fotos, vídeos que falavam sobre jacaré, vídeos do pantanal. Teve uma época da minha vida que eu ia muito para o pantanal. Então eu tinha muito material que falava muito de animais rasteiros... Acho que foi isso que seduziu a criançada, porque eu tinha muita coisa de jacaré... Aí eu levei o computador, ele estava na sala, o assunto jacaré acontecendo ao mesmo tempo, eu fazendo o curso de mídias, tendo contato com o (software) audacit, daí eu falei, deixa eu ver o que eles vão contar, o que eu posso gravar com isso... ... Gravando foi que eu fui tendo uma ideia: a gente podia gravar outras coisas e organizar em formato de rádio, eu fui tendo essa ideia de ver eles gravarem. ... Eu digo assim... Ele (o projeto Rádio Jacaré FM) é um subprojeto de um projeto maior que havia na minha sala que era o de animais rastejantes. A voz da professora pesquisada aponta que esse currículo que foi tomando um contorno próprio no projeto Rádio Jacaré FM, emergiu a partir das atividades previamente planejadas e que estavam ligadas ao PPP da escola, trazendo nuances do “som” da integração das TDIC com traços da participação (voz) dos alunos e das alunas no currículo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 146 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O relato da professora transcrito abaixo indica uma área de intersecção da categoria currículo com a categoria participação e a categoria integração. [...] todo ano a escola monta um jornal... Eu estava fazendo o Projeto Animais Rasteiros com uma sala e com a outra eu estava fazendo sobre Horta... Eles (alunos e alunas) estavam meio que conhecendo a linguagem do jornal. Eu já tinha produzido uma página de jornal com eles com esse computador que eu estava levando para a sala. Foi até por isso que eu estava levando... Eles estavam me ajudando a selecionar fotos que a gente iria colocar no jornal, me ajudando a montar o texto coletivo que a gente ia colocar na página do jornal. Alguns dos trechos da entrevista realizada com a professora pesquisada, como o transcrito a seguir, apontam como os conteúdos que iam sendo tema das aulas se articulavam com a Rádio Jacaré FM, redesenhando a ação com a participação dos alunos e das alunas, e caminhando rumo a uma integração entre as TDIC e o currículo modelado e remodelado com o projeto. No relato transcrito a seguir, ela conta sobre a produção de outros programas para a Rádio Jacaré FM, com depoimentos dos alunos e das alunas sobre as atividades desenvolvidas fora da escola no Dia das Crianças e, ainda, quando fala sobre a confecção de um jornal. [...] alguns nem contaram o que tinham feito no Dia das Crianças, outros falaram que não tinham feito nada. Teve um que contou que a mãe tinha brigado com o pai. Eu falei: _ Opa! Isso é uma notícia. ... A gente estava fazendo um jornal, e falando sobre tipos de notícias que podia ter no jornal... Na entrevista a professora revela que a ideia de construir uma rádio nasceu da atividade com o jornal, mas que o projeto foi batizado com o nome de Rádio Jacaré FM devido ao projeto Animais Rasteiros, no qual o jacaré figurou como o principal objeto de estudos no cotidiano das aulas. Ao responder sobre as atividades realizadas para composição da programação da Rádio Jacaré a professora relata as experiências dos alunos e das alunas com a produção do horóscopo, conforme evidencia o trecho da entrevista transcrito abaixo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 147 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Teve uma aluna que foi assim, até na época foi o que fez explodir o sucesso da rádio, ela foi fazer horóscopo... Ela mesma chegou falando para mim: _ Na rádio tem horóscopo. E eu perguntei: _ Aonde você ouve horóscopo? Ela disse: _ Minha mãe que ouve horóscopo em casa... Ela tinha um conhecimento sobre signos ali. Daí as outras crianças na sala começaram a se interessar também, e até ajudavam ela a fazer horóscopo na sala. Em síntese, os achados da categoria currículo evidenciam que o currículo que se desenha e redesenha a partir do projeto Rádio Jacaré FM foi sendo construído e reconstruído na voz dos sujeitos professor e aluno, com traços marcantes de uma dimensão crítica e libertadora, à medida que ambos os sujeitos puderam lançar sua voz sobre o mundo e com o mundo, abarcando alguns espaços do mundo digital. Em seguida, apresentam-se as considerações e conclusões da pesquisa. Considerações finais A análise dos achados da pesquisa apontou algumas certezas provisórias, indicando respostas para o problema inicial, longe de esgotar de esgotar o tema. Assim, o que se apresenta não é uma conclusão definitiva, mas uma nova etapa da reflexão sobre a integração das tecnologias ao currículo sob o enfoque da abordagem de Paulo Freire sobre a participação e o empoderamento dos sujeitos (professor e aluno). Participação e empoderamento oportunizados pelo uso das tecnologias digitais de informação e comunicação na educação, a expressão e publicização de sua voz viabilizada pela construção de uma rádio na Web – a Rádio Jacaré FM. O estudo evidenciou que a professora não se limita aos documentos oficiais (currículo prescrito), mas tomando-os como ponto de partida, os adensa com seu repertório pedagógico e teórico, e com a interlocução de outros autores, estabelece com sua turma de alunos e alunas uma práxis democrática, modelando e remodelando-os. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 148 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunda com a prática. O seu “distanciamento” epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela “aproximá-lo” ao máximo (FREIRE, 2008, p.39). O estudo revelou que a ação imprimia contornos de uma dimensão política (a politicidade) que abarca o que-fazer e o empoderamento. Freire (2004) argumenta que não é possível pensar a sala de aula, pensar a escola e pensar a educação fora da relação de poder que é político e “ensopado” de ideologia, por isso, inexiste neutralidade na ciência e na tecnologia que perfaz o currículo. O estudo conclui que além dos indicadores que apontam em direção a integração das TDIC a vida mesma da sala de aula, a qual abrange também o mundo digital, há indícios de um novo currículo que foi anunciado por meio da voz dos sujeitos (professor e aluno), no qual ambos têm a oportunidade de se assumirem enquanto seres críticos que podem escrever sua própria história, que perguntam, que investigam, que criam e recriam, que têm direito de participar, o poder de decidir, de ingerir, o que abarca uma dimensão crítica e libertadora da própria ação. Referências ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini. Formando professores para atuar em ambientes virtuais de aprendizagem. In: ALMEIDA, F. J. (Org.). Educação a distância: formação de professores em ambiente virtuais e colaborativos de aprendizagem. São Paulo: MCT/PUC-SP, 2001. ______________________ . Prática e formação de professores na integração de mídias. 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O interesse por essa investigação articula-se ao fato de se acreditar que os fundamentos e a organização das instituições infantis têm seus antecedentes nas ideias desses autores, sobretudo em relação às finalidades da educação que, em Erasmo, correspondiam à formação do homem “cortês”; e, em Comenius, à formação do homem “virtuoso”. Assim, almeja-se ofertar sentidos ao pensamento expresso pelos Clássicos nas obras De Pueris e Didática Magna. Para tal feito, cumpre-se estabelecer articulações com os paradigmas pertinentes à Pedagogia e às elaborações teóricometodológicas do século XVI e XVII, donde as categorias “natureza”, “infância” e “criança” consistem ângulos de análise para que se possa efetuar uma interpretação. PALAVRAS-CHAVE: Criança. Infância. Erasmo de Rotterdã. Comenius. THE CHILD AND THE SUBJECT OF EDUCATION ACCORDING TO CLASSICAL “ERASMUS OF ROTTERDAM” AND “JAN AMOS COMENIUS” ABSTRACT Reflect the child as an object of study, requires that investigate the ways of education that historically have been outlining the paths of childhood, especially when the civilizing process of modernity transform themselves in the child category "student". In this sense, the article seeks to understand the concepts of child education and subject to Erasmus of Rotterdam and Jan ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 152 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Amos Comenius, humanist thinkers who have contributed to compose the modern conception of childhood and children's schooling. Interest in this research articulated the fact that they believe that the foundation and organization of children's institutions have their antecedents in the ideas of these authors, particularly in relation to the purposes of education, in Erasmus, corresponded to the formation of man "polite"; and Comenius, the formation of man "virtuous." Thus, we aim to offer "senses" the thought expressed by the classic works of Pueraria and Didactics Magna. For this feat, it is to establish links with the paradigms and pedagogy pertinent to the theoretical and methodological elaborations of the century XVI and XVII, where the categories "nature", "childhood" and "child" analysis to consist of angles that can be done an interpretation. KEYWORDS: Child. Childhood. Erasmus of Rotterdam. Comenius. 1 INTRODUÇÃO Refletir a criança, enquanto categoria de estudo, requer que se examinem os “modos de educar que historicamente são correlatos ao trajeto da existência infantil” (BOTO, 2002, p. 33). Tal realidade implica a investigação de quando a criança é pensada, pelos adultos, como “sujeitos educativos” e, gradativamente, transformada na categoria “aluno” (BOTO, 2002). Comumente, tem-se entendido a “criança” em oposição ao adulto: oposição que se estabelece pela falta de idade ou de maturidade e de adequada integração social (KRAMER, 1995). A criança, historicamente, nem sempre fora vista como portadora de singularidades distintas dos adultos (POSTMAN, 1999). É somente por volta dos fins da Idade Média que a criança passa, no Ocidente, a ser concebida pelas particularidades da natureza infantil, quando surge, no berço da família cristã burguesa, o “sentimento de infância”. A partir da introdução do modelo burguês de família nuclear, a infância torna-se valorizada e a criança vista com um “bem precioso” que necessita ser protegido e separado do convívio comunitário (ARIÈS, 1978). Porém, essa nova maneira de conceber a infância se formou em caráter contraditório: se de um lado, a criança passou a ser idealizada e “paparicada” por sua ingenuidade e estado de pureza; de outro, fora vislumbrada pela “incompletude” de sua natureza simplória em face de desenvolvimento, somente corrigível por uma rígida educação moral. Esses dois sentimentos de infância fizeram emergir, no Ocidente, práticas adultas distintas. Ao passo que a criança fora concebida como um ser diferenciado do adulto, surgem as “paparicações” no âmbito privado das relações, e a criança torna-se fonte de distração dos adultos, o que provoca o seu enclausuramento no âmbito da domesticidade (ARIÈS, 1978). Paralelo a esse sentimento, surgido no berço familiar, aparece também o sentimento de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 153 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior “rejeição” por parte dos educadores moralistas e, com ele, a precocidade da moralização dos infantes. Nesse sentido, a modernidade, ao separar a criança do universo adulto, cria a infância como uma “unidade substancial ativa e individual; presente, no limite, em todos os seres infantis da espécie humana [...]. Não falamos mais das crianças, e sim da infância” (BOTO, 2002, p. 57). Ou seja, a criança, então entendida pela razão moderna, torna-se secularizada e institucionalizada, potencialmente transformada em “aluno” (BOTO, 2002). Dentro desse processo de deslocamento da criança à condição de sujeito educativo, dois filósofos humanistas se destacaram, no Ocidente, por atender às expectativas de suas épocas, contribuindo por meio de suas teorias pedagógicas para a renovação das práticas educativas e instituições escolares, colaborando para a formação de uma tradição pedagógica centrada na ordem natural do desenvolvimento humano, nas especificidades da criança e na formação integral do sujeito educativo: Erasmo de Rotterdã (1469-1536) e Jan Amos Comenius (1592-1670). Revisitar o pensamento filosófico-pedagógico de Erasmo e Comenius faz-se necessário quando se considera que as concepções de criança e sujeito educativo desses autores contribuíram para formar a moderna acepção de infância, repercutiram nas chamadas pedagogias liberais, cujas ideias foram compartilhadas por educadores do século XIX, dentre eles Pestalozzi e Froebel, que, aliadas aos interesses da contemporaneidade, orientaram a constituição da Educação Infantil no Ocidente; servindo para instaurar a escolarização da criança, desde a mais tenra idade às demais fases de desenvolvimento. Desse modo, para fomentar a compreensão do imaginário pedagógico contemporâneo no Ocidente, convém adentrar na história das ideias pedagógicas, revisitando os Clássicos que redimensionaram as concepções de criança e a escolarização da infância. Essas elucidações fazem sentido se se considerar, à maneira de Cambi (1999), que a história é um “organismo”, cujo presente estabelece profundas articulações com o passado; haja vista que: O que está antes condiciona o que vem depois; assim, a partir do presente, da Contemporaneidade e suas características, seus problemas, deve-se remontar para trás, bem para trás, até o limiar da civilização e reconstruir o caminho complexo, não-linear, articulado, colhendo, ao mesmo tempo, seu processo e seu sentido (CAMBI, 1999, p. 37). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 154 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nessa perspectiva, busca-se, no artigo, ofertar “sentidos” ao pensamento expresso por Erasmo e Comenius nas obras De Pueris e Didática Magna, especificamente sobre a criança e o seu processo de formação. Para tal feito, cumpre-se estabelecer articulações com a época dos autores, pontuando as suas formações e trajetórias intelectuais, bem como os valores e paradigmas que guiavam a Pedagogia e as elaborações teórico-metodológicas dos séculos XVI e XVII, donde as categorias “natureza”, “infância” e “criança” consistem ângulos de análise frente “ao sentido referente do ponto de vista de quem observa, portanto, ligado à interpretação” (CAMBI, 1999, p. 37). 2 A FORMAÇÃO DO HOMEM “CORTÊS”: A CRIANÇA E O SUJEITO EDUCATIVO EM ERASMO DE ROTTERDà O século XVI foi marcado por intensas transformações, rupturas e continuidades que invadiram o campo social e político, religioso e cultural; podendo ser entendido como o período em que toma corpo a Modernidade com quase todas as suas características: secularização, individualismo, domínio da natureza, Estado Moderno, burguesia e afirmação da economia de mercado capitalista. Apesar disso, essas características, como estruturas de uma época, serão somente confirmadas no século XVII. No século XVI, o Velho e o Novo se defrontam e a dimensão antropocêntrica do humanismo ainda é central, muito embora o sentido de liberdade e inovação assuma um caráter mais radical e geral. Assim, são algumas características deste século: o retorno aos Clássicos, cuja leitura torna-se estímulo para uma nova criação estética e não meramente imitativa; e a atenção à Natureza, ao macrocosmo, à sua ordem e à sua riqueza, que torna-se mais metodológica e científica, dando origem a metodologias mais autônomas e mais conscientes do primado da observação e da dedução, apoiadas numa filosofia da natureza que expande seus limites e exalta sua liberdade. A cidade ideal é substituída pela cidade real. Com Maquiavel caminha-se para uma visão mais racional da política e da história que valoriza os aspectos do mundano e do humano. O indivíduo, assim como o governo, deve também se submeter a uma modelação histórica e estética, ancorada no ideal de cortesão e das regras de sociabilidade, que estabelece os princípios e as formas da socialização que se realiza como civil conversação. A esse respeito elucida Luiz Feracine, em apresentação de A Civilidade Pueril, de Erasmo de Rotterdã, pensador do século XVI: ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 155 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Em 1530, o Humanismo renascentista criara o clima em que estava embebido o espírito da civilização europeia. Ganhava foros de cidadania, junto a todas as camadas da sociedade, pensar e sentir a arte, a elegância das modas e a cortesia do trato entre pessoas bem como o galanteio de atitudes que se harmonizavam com o prestígio conferido à dignidade do homem e de seus empreendimentos. Era a boa educação um postulado coerente daquela percepção de beleza e majestade que traduzia todo o otimismo de uma nova maneira de acreditar no próprio homem e no seu futuro sobre a face da terra (FERACINE, apud ERASMO, s/d, p. 118) Os complexos processos, então em curso no século XVI, operam profundas modificações na educação e na pedagogia, que são transformadas tanto no terreno político e religioso como no ético, social e técnico. No âmbito político dar-se o nascimento do Estado Moderno, interessado no domínio da sociedade civil. No âmbito da pedagogia, surge uma pedagogia política articulada a uma educação que se apresenta sob muitas formas, organizada em torno de muitos agentes: família, escola, associações, imprensa, etc. No âmbito religioso, destacam-se os embates entre a Reforma e a Contra-Reforma, de fermentações teológicas e pastorais dotadas de sensíveis utopias em relação ao renascimento do cristianismo e da Igreja, que dão surgimento a um modelo de sociedade cristã mais evangélica, por um lado, e rigidamente disciplinar, por outro. Nesse sentido, no século XVI, nasce uma sociedade disciplinar que exerce vigilância sobre o indivíduo e tende a controlá-lo e inseri-lo, cada vez mais, no sistema de controle. Temse, então, o surgimento da Escola Moderna: instrutiva, planificada e controlada em todas as suas ações, racionalizada nos processos. O saber pedagógico também se renova, torna-se mais autônomo, naturaliza-se e socializa-se, onde se afirmam “a centralidade da disciplina e de toda uma ritualidade de práticas, de gestos e de léxicos” para o “bem social do tempo de trabalho” (CAMBI, 1999, p. 246). É nesse contexto de conflitos de ideias e novos valores, de Reforma cristã liderada por Lutero, de surgimento de uma sociedade fundada em uma ordem política, civil, técnica, disciplinar e produtiva, que o pensador e educador Erasmo de Rotterdã, no dizer de Feracine (apud ERASMOS, s/d, p. 118), “deixa seu isolamento voluntário para oferecer uma proposta de Paz”, assumindo a sua honrosa vocação de “mestre e educador”. Erasmo de Rotterdã (1469-1536) ocupou um lugar de destaque dentro da concepção cristã do humanismo. Nascido na Holanda, de família ilegítima, Erasmo frequenta, nos anos de formação, ambientes intelectuais de diversos países; adquirindo uma mentalidade cosmopolita, cuja experiência de viajante e o objetivo da pacificação aos frequentes conflitos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 156 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior entre povos, levam-no a “afirmar a centralidade da educação e a necessidade de uma língua universal” (CAMBI, 1999, p. 253). As ideias de Erasmo sobre educação estão contidas em diversas obras, algumas delas em matérias não estritamente pedagógicas, como em Enchiridion militis christiani43 (1501) em que o autor debate os problemas morais da Europa, propondo um retorno aos estudos clássicos, muito embora acentue o aspecto cristão em contraste com a dimensão “laica e humana” celebrada pelo humanismo italiano. De caráter também moralista destacam-se, em sua bibliografia, as obras Morias Enkomion44 (1509), Intitutio principis christiani (1516) e De ratione studii (1512). Na primeira, Erasmos realiza uma sátira feroz aos valores da sociedade europeia, criticando os absurdos cometidos pelos falsos sapientes, ou melhor, os gramáticos, literatos, retóricos e homens de igreja de seu tempo. Na segunda, Intitutio principis christiani (1516), obra de literatura política, oferecida ao futuro imperador Carlos V., Erasmo traça a identidade do “perfeito homem de Estado” com conotações antimaquiavélicas e fortemente platônico-cristãs, alegando que: “Antes de qualquer coisa, deve estar solidamente radicada na mente do príncipe a história de Cristo” (ERASMO, apud CAMBI, 1999, p. 253). Na terceira obra, no entanto, Erasmo trata de forma mais sistemática a educação, de seu valor e da sua função social; propondo-se a elevar “jovens de inteligência normal a um apreciável nível de erudição, e também de conversação em latim e em grego” (ERASMO, apud CAMBI, 1999, p. 253). Assim, o pensador destaca a importância de os jovens seguirem um plano de estudos a partir das duas línguas que, naquele tempo, representavam o meio mais prático de comunicação; cujos problemas do método para o ensino das línguas mereciam significativos destaques. Todavia, é em De pueris (1529) que Erasmo enfrenta os problemas relativos ao valor da educação. Nesta obra, Erasmo apresenta a finalidade mais profunda do ato educativo: o “cultivo da razão”. Para ele, o homem é um ser “inacabado”, sendo o cultivo da razão o caminho que leva à verdadeira humanidade. Assim, compete à educação cultivar a razão de modo que a principal aptidão concedida à humanidade plenamente se realize. Para tanto, fazse necessária iniciar a intervenção educativa desde a mais tenra idade; dispondo assim de maior tempo e uma distribuição racional das atividades em relação às características individuais. Para Erasmo, sendo o homem um animal cuja plenitude se efetiva por meio do desenvolvimento da razão, que, em síntese, decorre da modelagem do espírito e da prática da virtude, a criança consiste um “ser modelável”, “incompleto”, governada por faculdades 43 Manual do Soldado Cristão. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 157 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior instintivas que caberia à educação regular. Nesse sentido, Erasmo entendia que a criança, ao nascer, não passava de uma “massa informe”; cabendo, portanto, aos pais e aos educadores a tarefa de “moldar até a perfeição, em todos os detalhes, aquela matéria flexível e maleável” (ERASMO, s/d, p. 33). Apesar da primeira condição da criança se apresentar determinada pela natureza, Erasmo compreendia que a criança portava potencialidades inatas à intelecção e ao convívio social por meio da modelagem da sua natureza animal. Assim, em De pueris, no capítulo I intitulado “Nunca é cedo demais para iniciar o processo educacional”, Erasmo adverte aos pais que a sua missão educativa ultrapassa o ato gerativo, devendo a instrução iniciar ainda na fase de aleitamento do infante, considerando que “as primeiras noções” devem ser aprendidas “antes que a idade fique menos dúctil e o ânimo mais propenso aos defeitos ou até mesmo infestado com as raízes de vícios tenacíssimos” (ERASMO, s/d, p. 21). O pensador holandês compreendia que a natureza se faz “perfectível”, sendo o exercício da razão o caminho que leva o homem a alcançar a sua verdadeira vocação: a “perfeição”. Para isso, a educação da criança deveria iniciar desde a mais tenra infância, evitando que os vícios ocupassem lugar em seu espírito e em suas atitudes. Assim, a infância se apresentava maleável a todo tipo de bom comportamento, desde que a instrução encaminhe a criança para a formação de hábitos considerados bons e corretos: “Tal como ela se adapta aos vícios, já antes de saber do que tratam, assim, com igual facilidade, a criança se afeiçoa com os hábitos corretos” (ERASMO, s/d, p. 55). Daí que a erudição e a virtude consistem valores que deveriam guiar, lado a lado, o processo educativo, já que a “imitação” é uma qualidade inerente à criança e, por isso, ela deve ser sempre incentivada a seguir bons exemplos; posto que a infância estar, por ser mais sujeita ao impulso da natureza do que à razão, segundo elucida Erasmo, mais propensa à prática do mal do que à do bem. A concepção de criança, proposta por Erasmo em De pueris, estabelece íntimas relações com as suas ideias sobre o sujeito educativo, isto é, à construção da categoria “aluno” (BOTO, 2002), dotado de hábitos e comportamentos corteses, portanto desejáveis, que são possibilitados pela boa aprendizagem. Para ele, a criança apresenta grande predisposição à aprendizagem, sendo o seu sucesso ou insucesso escolar determinado por seu empenho individual. Entretanto, com método de instrução adequado, o mestre torna possível o 44 Elogio da Loucura. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 158 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento cognitivo e a aprendizagem das matérias e das boas maneiras, qualquer que seja o pendor individual do aluno às diversas áreas do conhecimento e às práticas sociais. Nesse sentido, o pleno desenvolvimento do aluno associa-se aos incentivos oferecidos pelo mestre que deveria, antes de tudo, “fazer-se criança a fim de granjear o amor da criança” (ERASMO, s/d, p. 85); tendo em vista que “a criança aprende com maior receptividade porque não se desgasta no tédio pela tarefa, dado seja verdade que, em qualquer desempenho, o amor ameniza grande porção das dificuldades” (ERASMO, s/d, p. 85). Munido por essas convicções, Erasmo contrapõe-se às práticas de castigo, punições e humilhações a que os educandos estavam submetidos nas escolas de seu tempo; apresentando-se contrário à concepção de criança como “adulto em miniatura”, donde argumenta que: “Não raros adultos que exigem da criança atitudes precoces de adulto. Sem a mínima consideração pela exígua idade dela, ficam a medir a mente infantil pela própria capacidade” (ERASMO, s/d, p. 87). A educação da criança, segundo Erasmo, deveria se realizar de modo “gradativo”, à guisa da “brincadeira” para, pouco a pouco, introduzir conteúdos mais ricos em sua mente. Assim, o preceptor deveria “ir sempre ao encontro da perspectiva infantil”, atendendo ao que convém a cada idade através da oferta de “coisas alegres e amenas”; isto é, unindo o “útil ao agradável” para que a criança seja levada “ao aprendizado proveitoso sem nenhum tédio” (ERASMO, s/d, p. 92). O modelo educacional proposto por Erasmo, além de processos voltados ao desenvolvimento das capacidades cognitivas do educando, inclui um projeto de civilização para a juventude que, atrelado ao desenvolvimento da linguagem, das matérias necessárias à formação educativa, deve incidir na construção do bom “cortês”. Erasmo entendia que os bons valores, àqueles pertinentes à alta nobreza, podiam ser extensivos a todas as crianças e jovens quando educados dentro dos “bons modos”. Valores como saber se expressar corretamente, manter a boa higiene e a postura do corpo, além de regras de etiqueta, deveriam integrar a educação das crianças e dos jovens. Assim, em A Civilidade pueril, manual prático que oferece subsídios à boa convivência social, Erasmo objetiva “predispor o pré-adolescente para comporse e entrar em harmonia com o alinhamento de princípios educacionais” que “espelham a imagem da personalidade em formação” (FERACINE, apud ERASMO, s/d, p. 113); qual seja, a “criança-educanda” (BOTO, 2002). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 159 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 3 A FORMAÇÃO DO HOMEM “VIRTUOSO”: A CRIANÇA E O SUJEITO EDUCATIVO EM COMENIUS Para a pesquisa histórica atual, o verdadeiro ponto inicial para o entendimento dos complexos processos designados pela Modernidade consiste o século XVII. Caracterizado pela tragédia, por conflitos e contradições provocados por guerras e revoltas, e profundas aspirações à paz, pelo racionalismo e também por superstições, pelo absolutismo e pela sociedade burguesa com seus aspectos de individualismo, o século XVII opera uma série de reviravoltas na história da sociedade ocidental, as quais modificaram: “sua identidade, como o Estado Moderno, a nova ciência, a economia capitalista, e ainda: a secularização, a institucionalização da sociedade, a cultura laica e a civilização das boas maneiras” (CAMBI, 1999, p. 277). No século XVII afirmam-se processos sociais que permaneceram cruciais e constantes na Modernidade, dando origens a mitos que acompanham e guiam o seu crescimento e desenvolvimento: os mitos do Estado, do Poder, da Razão e do Progresso, da Revolução, do Trabalho e da Infância acompanhado pelo mito do Bom Selvagem. Esses mitos atravessaram a modernidade e caracterizaram a mentalidade em curso de laicização, nutrindo-se de princípios normativos afirmados como “valores-guia” também ao indivíduo e em seus processos de formação. Assim, vão se renovando, no curso do século XVII, os processos educativos, as instituições formativas e as teorizações pedagógicas. No tocante à Pedagogia, o século XVII se apresenta como “o século início da Modernidade, do seu pleno e consciente início, embora não ainda de seu completo desenvolvimento” (CAMBI, 1999, p. 278). O pensamento educativo - atrelado aos processos de formação e construção de um imaginário social alimentado pelos mitos do Moderno e por um estilo de vida civilizado, normatizado, regulado por códigos e limitado por interdições -, se renova, ativando novas teorizações que encarregará à educação “de tarefas utópicas, de regeneração do homem, de capacidade irênica, de desejo de reconstrução da convivência social, que cabe ao futuro realizar, mas que a educação [...] pode preparar e que, portanto, a pedagogia deve conscientemente teorizar” (CAMBI, 1999, p. 280). Assim, se no século XVI com Erasmo e Montaigne se evidencia um modelo de educação individual e prática, baseado no respeito à natureza e à psicologia do educando, no século XVII afirma-se um modelo de pedagogia explicitamente epistemológico e socialmente engajado, cuja obra de Comenius operara significativas contribuições ao nascimento da Escola ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 160 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Moderna, sendo esta nova instituição “racionalizada na estrutura e nos programas e valorizada na sua função civil” (CAMBI, 1999, p. 280). Jan Amos Comenius (1592-1670), nasceu em Nivnice, na Morácia, descendente de uma família pertencente à seita religiosa dos Irmãos Morávios. Ordenado sacerdote em 1616, dedica-se às atividades de ensino em Fulnek. Iniciada a Guerra dos Trinta Anos, em 1618, Comenius participa das desventuras políticas e religiosas do seu povo. Seus primeiros trabalhos constituem textos de caráter essencialmente divulgativo, cujo objetivo é fornecer ao povo morácio “os instrumentos para reconhecer-se na sua própria história” (COMENIUS, apud CAMBI, 1999, p. 285). Entre os anos de 1628 a 1632, Comenius escreve a Didática Theca, posteriormente traduzida em latim com amplos ajustes e acréscimos, sendo finalmente publicada com o título de Didática magna, no ano de 1657, em Amsterdã. A obra reflete a aspiração de Comenius por uma formação universal humana que garanta as condições de harmonia que é o fundamento da realidade. Assim, na Didática magna, Comenius objetiva oferecer: [...] uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados; de ensinar de modo mais fácil, portanto, sem que docentes e discentes se molestem ou enfadem, mas ao contrário, tenham grande alegria; de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, mas para conduzir a verdadeira cultura, aos bons costumes, a uma piedade mais profunda (COMENIUS, 1985, p. 13). A concepção pedagógica de Comenius baseia-se num profundo ideal religioso que concebe o homem e a natureza como manifestações de um preciso desígnio divino. Deus está no centro do mundo e da própria vida do homem. A construção pedagógica comeniana se caracteriza, assim, por uma forte tensão mística que sublinha seu caráter ético-religioso e a decidida conotação utópica. Nesse sentido, a educação consiste a criação de um modelo universal de homem virtuoso, ao qual é confiada a reforma da sociedade e dos costumes. Comenius concebia o homem como a mais perfeita obra de Deus. Entre todas as criaturas existentes, o homem era a que disponha das sementes da “ciência, da moral e da piedade” para aprimorar-se, preparando-se para a vida futura que é a eternidade. Por isso, no homem, estariam todas as faculdades necessárias para elevação de sua condição de homem, para que pudesse gozar “os maravilhosos tesouros da divina sapiência” (COMENIUS, 1985, p. 61). Com essa concepção de homem, Comenius edifica o seu projeto educativo. Assim como outros educadores, dentre eles Erasmo, Comenius entendia que a formação da criança ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 161 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior deveria iniciar desde a mais tenra idade, quando as mentes ainda não estavam ocupadas e contaminadas por pensamentos vãos e por costumes mundanos. Para Comenius, após a queda de Adão, as crianças constituíam a possibilidade concreta de regeneração da humanidade, sendo herdeiras do reino de Deus ao conservarem a graça do Criador, mantendo-se assim “limpas” do mundo. Nesse sentido, as crianças continham “todas as faculdades mais simples e mais aptas para receber os remédios que a misericórdia divina oferece para a cura das coisas humanas” (COMENIUS, 1985). Na mente humana, segundo Comenius, estão todas as faculdades e condições necessárias para alcançar o verdadeiro conhecimento. Todavia, a mente só exerce a função da inteligibilidade porque Deus criou o homem a Sua imagem e semelhança, dotando-o de órgãos do sentido para auxiliar na busca do conhecimento. É por meio dos órgãos do sentido que a mente apreende todas as coisas externas, não permitindo a sua obscuridade, considerando que “nada há no mundo que o homem, dotado de sentidos e razão, não possa compreender” (COMENIUS, 1985, p. 60). Todavia, Comenius compreendia que as escolas de sua época não estavam preparadas para “ensinar tudo a todos”, haja vista não se fazerem presentes em todos os lugares, nem funcionarem para todos indistintamente, mas somente a alguns poucos privilegiados. Além disso, os métodos de ensino se apresentavam cansativos e abstratos, a ponto de tornarem a tarefa educativa “tortura para as mentes”, cuja cultura transmitida não era séria, mas confusa e inútil, donde “raramente as almas são alimentadas com cognições realmente substanciais, enquanto são mais atulhadas de palavras superficiais, vãs, papagaiescas, e de opiniões levianas como palha e feno” (COMENIUS, apud CAMBI, 1999, p. 288). Entretanto, Comenius acreditava que as escolas podiam ser reformadas e reorganizadas quando em observância aos princípios da “sabedoria”, da “honestidade” e da “piedade”. O processo educativo, imbuído por esses valores, se realizaria gradualmente, com a máxima delicadeza e doçura, sem nenhuma severidade e coerção, e a cultura dispensada seria verdadeira e sólida. Para tanto, seria necessário que a escola dispusesse de professores dotados de um eficiente “método de ensino”, donde se estimulasse conhecer os fundamentos, as razões, os fins “de todas as coisas que se referem ao homem, embora, mais tarde, umas venham a ser mais úteis para uns e outras para outros” (COMENIUS, 1985, p. 143). Nesse sentido, a concepção de sujeito educativo, em Comenius, especialmente em sua Didática, associa-se à metáfora da “planta”, proveniente do Humanismo cristão. Para ele, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 162 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior da mesma forma que uma árvore necessita ser plantada, regada, podada, por um agricultor perito para, no futuro, oferecer bons frutos. A criança necessita, desde os primeiros anos, por meio de procedimentos graduais que seguem a ordem natural das coisas, ser estimulada a alcançar seu pleno desenvolvimento físico, intelectual e moral; considerando que o homem “não pode crescer animal racional, sábio, honesto e piedoso, se primeiramente nele não se plantam os gérmens da sabedoria, da honestidade e da piedade” (COMENIUS, 1985, p. 111). Seguindo os princípios da sabedoria, da honestidade e da piedade - atrelados à incerteza do presente e à utilidade da vida -, Comenius adverte para a flexibilidade da constituição humana que se apresenta apta à aprendizagem durante a primeira infância, alegando que: “É uma propriedade de todas as coisas que nascem o fato de, enquanto tenras, se poderem facilmente dobrar e formar, mas, uma vez endurecidas, já não obedecem” (COMENIUS, 1985, p. 113). Ao estabelecer conexões com o desenvolvimento da planta, da cera que se permite modelar, Comenius expande a visão de um sujeito educativo enquanto ser “incompleto”, porém “cultivável”, cuja educação - então concebida como interferência externa - caberia modelar para alcançar a perfeição, sendo “útil” nesta vida para assim melhor preparar a vida futura: Se alguém quer vir a ser bom escrivão, pintor, alfaiate, ferreiro, músico, etc., deve-se aplicar ao seu ofício desde os primeiros anos quando, a imaginação é ágil e os dedos flexíveis; de outro modo, nunca fará nada de bom. De modo semelhante, portanto, se quer que a piedade lance raízes no coração de alguém, importa plantá-la nos primeiros anos; se se deseja que alguém se torne um modelo de apurada moralidade, é necessário habituá-lo aos bons costumes desde tenra idade; a quem deve fazer grandes progressos no estudo da sabedoria (COMENIUS, 1985, p. 115). Atrelado aos valores da utilidade – então suscitados pelas aspirações da nova ordem capitalista e sociedade citadina em desenvolvimentos – cumpria, pois, segundo Comenius, que as escolas fossem reformadas e reorganizadas de modo que todas as crianças – sejam elas possuidoras de “engenhos” inteligentes, obtusos, teimosos, medíocres... meninos ou meninas, pobres ou ricos, sem exceção – pudessem ser úteis no desempenho de funções sociais, a fim de alcançar o modelo de perfeição preconizado pelo ideário comeniano: “Jesus Cristo”. Para tal feito, as escolas deveriam ser organizadas mediante uma ordem que incluía um método único de ensino que deveria preparar o espírito dos novos engenhos à aprendizagem, partindo sempre do simples para o complexo, isto é, do concreto – experimentação e conhecimento das coisas - para o abstrato – compreensão das palavras e dos conceitos; fazendo uso de imagens, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 163 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior brincadeiras e de jogos para despertar o interesse dos educandos. Além disso, caberia às escolas uma boa organização do tempo, do calendário letivo, da disposição dos alunos em classes e carteiras, das matérias a serem ensinadas, dos recursos didáticos, etc., de modo que todos tivessem acesso a uma formação universal, prazerosa e significativa à vida, sem sobrecarga de tédio e energias. Assim, em sua proposta de ensinar tudo a todos, Comenius propõe que a escola se reorganize mediante quatro graus sucessivos de ensino, quais sejam: a) a Escola Maternal voltada à educação da primeira infância, sendo esta etapa considerada por Comenius a mais importante, já que prepara as “sementes” da inteligência, associando-se à esperança da regeneração do homem e à reforma universal de todas as coisas; b) a Escola Nacional ou Vernácula para a meninice, cujos fins relacionam-se à aquisição da prontidão e esbeltez do corpo, dos sentidos e da inteligência. Articulada em seis classes de estudo nas quais se aprendem a leitura, a escrita, a matemática, os primeiros preceitos morais e os rudimentos da fé; c) a Escola de Latim ou Ginásio voltada à adolescência que objetiva colocar em forma as noções recolhidas pelos sentidos para melhor clareza no uso do raciocínio, educando os alunos para a elegância expressiva e para a leitura pessoal de textos; d) e, a Academia para a Juventude que se direciona à formação harmônica da sapiência, da virtude e da fé, colocandose como conselho de sábios em lugar apartado e tranquilo. As concepções de Comenius de criança e sujeito educativo, bem como a sua proposta de reforma da organização escolar, exerceram grandes ressonâncias no pensamento educacional moderno e nos modelos escolares implantados no Ocidente, especialmente voltados à educação da infância. Fato que evidencia a atualidade de seu pensamento pedagógico em temas relacionados à universalização da instrução escolar, ao ensino a partir da experiência concreta, ao respeito às fases da vida, bem como à utilização de métodos atraentes de ensino, incluindo o uso de imagens, de brincadeiras e jogos para despertar o gosto e facilitar a aprendizagem. Algumas de suas ideias foram compartilhadas e incorporadas nas propostas educativas de Pestalozzi e Froebel que, à maneira comeniana, associaram o desenvolvimento infantil à metáfora da planta (KRAMER, 1995; OLIVEIRA, 2008). Tendo sido amplamente apreciadas, no século XIX e primeiros anos do século XX, por intelectuais que se preocupavam em reestruturar o sistema educacional dos países americanos, dentre eles os Estados Unidos e posteriormente o Brasil; contribuindo assim para organização institucional e práticas educativas dos Jardins de Infância e Escolas Maternais (KRAMER, 1995; OLIVEIRA, 2008). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 164 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A moderna concepção de criança, enquanto ser possuidor de especificidades próprias à infância, segundo Postman (1999), associa-se aos processos de “civilidade” iniciados na Europa, durante o Renascimento, que afetaram as relações humanas na sociedade ocidental, sobretudo às vidas das crianças, dos quais os colégios se incumbiram de projetar os padrões corteses que a nova ordem política, econômica, social e cultural europeia estabelecia (BOTO, 2002). Esses processos civilizatórios acabaram originando um sentimento moderno de infância ancorado no tripé: “alfabetização”, “conceito de educação” e “conceito de vergonha”. Para Postman (1999), com a invenção da imprensa e popularização dos códigos escritos, acentuam-se as distâncias entre as crianças e os adultos, cujas linguagens baseavam-se anteriormente na oralidade, provocando o afastamento das crianças do mundo adulto e dando surgimento a um espaço próprio à criança: a “infância”. Nas palavras de Postman (1999, p. 34): “[...] como as crianças foram expulsas do mundo adulto, tornou-se necessário encontrar um outro mundo que elas pudessem habitar. Este outro mundo veio a ser conhecido como infância”. A criança, então entendida pela incompletude de sua condição social, especialmente pela “incompetência da leitura”, no quadro da vida citadina em curso, passou a ser vislumbrada como um sujeito que “deverá ser regulado, adestrado, normalizado para o convívio social” (BOTO, 2002, p. 17). E essa intervenção se efetivou, em grande medida, por meio da atuação dos educadores reformadores que, contrapondo-se à ideia das escolas enquanto “espantalhos de crianças”, na visão de Erasmo, e “torturas para as mentes”, na visão de Comenius, defendiam o processo educativo com base no conhecimento da Psicologia Infantil (ARIÈS, 1978), a fim de incutir, nos simbolismos das crianças e de suas famílias, padrões de civilidade como a graça, a eloquência, a virtude e a obediência; enfim, as boas maneiras (BOTO, 2002). Dessa maneira, conforme se refletiu, neste trabalho, através do exame das concepções de criança e sujeito educativo em Erasmo e Comenius, até bem pouco tempo as crianças eram pensadas a partir de uma universalização de categorias pertinentes à visão adultocêntrica de infância. O parâmetro de análise parece não ser a criança em si, mas o ser humano em processo de constituição, que deveria receber, desde o nascimento, uma educação esmerada composta por valores cristãos para constituir, no futuro, uma humanidade ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 165 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior intelectual e moralmente melhor. Em Erasmo destaca-se a formação do homem cortês, pautada “na nobreza de mérito, da nobreza de caráter, da nobreza intelectual... mas ainda da nobreza” (BOTO, 2002, p. 21). Em Comenius, a criança corresponde “ao rascunho do adulto em formação” (BOTO, 2002, p. 41), cuja educação deveria consistir um modelo de perfeição, que repercutiria na possibilidade concreta de regeneração da humanidade. Assim, entende-se que a concepção de criança é uma noção historicamente construída que se transforma ao longo dos tempos, associando-se a critérios políticos, sociais, econômicos, científicos e culturais de cada época histórica. Todavia, investigar a criança não é uma tarefa simples, haja vista que “ao fator idade estão associados determinados papeis e desempenhos” (KRAMER, 1995, p. 15). E esses mecanismos dependem da classe social em que a criança esteja inserida. A participação no processo produtivo, o tempo de escolarização, de brincadeiras e atividades consideradas, pelos adultos, próprias à infância se diferenciam de acordo com a posição social de cada criança e da estrutura socioeconômica familiar. A sua inserção social, portanto, se apresenta “diversa”, fazendo com que se torne “impróprio ou inadequado supor a existência de uma população infantil homogênea” (KRAMER, 1995, p. 15). REFERÊNCIAS BOTO, Carlota. O desencantamento da criança: entre a Renascença e o Século das Luzes. In: FREITAS, Marcos Cezar (Org.); KUHLMANN Jr., Moisés. Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Cortez, 2002, p. 11-60. CAMBI, Franco. História da pedagogia. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1999. CARVALHO, Maria Chagas de. Pedagogia da escola nova, produção infantil e controle doutrinário da escola. In: KUHLMANN Jr.; FREITAS, Marcos Cezar (Org.). Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Cortez, 2002, p. 373-408. COMÉNIO, João Amós. Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Introdução, tradução e notas de Joaquim Ferreira Gomes. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. KRAMER, Sônia. A política do pré-escolar no Brasil: A arte do disfarce. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1995. POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999. ROUSSEAU, Jean Jacques. Emílio ou Da Educação. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 166 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ROTTERDAM, Erasmo. De Pueris (Dos Meninos); A civilidade pueril. Apresentação, tradução e notas de Luiz Feracine. São Paulo, Editora Escala, s/d. (Coleção Grandes Obras do Pensamento Universal, nº 22). OLIVEIRA, Zilma R. de. Educação Infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2008. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 167 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A IMPORTÂNCIA DA ADAPTAÇÃO NA CRECHE: UM NOVO OLHAR SOBRE ESSA ANTIGA QUESTÃO Edna Maria Alves Fernandes RESUMO O objetivo deste trabalho foi refletir sobre o acolhimento e adaptação das crianças na creche da UFRN. Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória com abordagem qualitativa. Na metodologia destacaram: as observações, relatos das professoras e enfermeiras sobre cuidados oferecidos na adaptação. O referencial teórico esta respaldo em Santos 2004, Maranhão 1998, Oliveira 2006. O resultado torna-se relevante devido à indissociabilidade do cuidar e educar apontando alguns avanços, potencialidades e desafios à construção de novas praticas educativas com as crianças. Palavras-chave: adaptação, creche, enfermagem. THE IMPORTANCE OF ADAPTATION IN DAY CARE: A NEW PERSPECTIVE ON THIS ANCIENT QUESTION ABSTRACT The objective of this study was to reflect on the reception and adaptation of children the Day Care UFRN. It is treated of an exploratory descriptive research with qualitative approach. Highlighted in the methodology: observations, reports of teachers and nurses making possible an understanding of service and especially the child care offered in the adaptation.. The theoretical referencial is back-up in Santos 2004, Maranhão 1998, Oliveira 2006. The result is relevant because of the inseparability of care and educate by pointing out some progress, potential and challenges to the construction of new educational practiceswith children. Keywords: adaptation, day care, nursing. INTRODUÇÃO No Brasil, a primeira infância é geralmente definida como um período de 0 a6 anos de idade e por isso é importante proporcionar à criança oportunidades para que ela tenha um crescimento e um desenvolvimento adequado no que há de mais relevante à espécie humana. (DIDONET, 2010) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 168 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Um desenvolvimento infantil satisfatório, principalmente nos primeiros anos de vida, contribui para a formação de um sujeito com suas potencialidades desenvolvidas, com maior possibilidade de tornar-se um cidadão mais resolvido, apto a enfrentar as adversidades que a vida oferece. Nos últimos anos vem apontando a necessidade da educação da criança de até 3 anos fora do lar; esse aumento da demanda se dá pela quantidade de mulheres que têm crianças pequenas e trabalham fora de casa, conjunto há uma necessidade de contribuir com o sustento econômico ou desejo de realização profissional e pessoal. Assim como, é comum nos dias atuais, os avós estarem trabalhando e não poderem ficar com os netos enquanto os pais trabalham. Mediante essas transformações familiares os pais buscam um atendimento (tempo integral) de qualidade nas creches e pré-escolas, uma vida saudável para os filhos incluindo a procura por instituições que compartilhem o cuidado e a educação da criança, com isso a procura por creches e pré-escolas vem ampliando progressivamente ao longo dos anos. No Brasil as creches surgiram gradativamente a partir do século XIX, sendo possível constatar duas formas de atendimento à criança: creche voltada para crianças pobres e órfãs, num atendimento assistencialista e compensatório, e pré-escola para as crianças de classe média e alta, onde domina o trabalho educativo. (FERNANDES, 2007) Em virtude disso, urge o questionamento sobre as práticas educativas voltadas para a primeira infância, onde a prática do cuidado infantil enas creches, mais especificamente, vem sofrendo sérias críticas ao seu modelo assistencialista e compensatório. Mesmo sendo ele responsável pelo avanço relativo, às leis e aos programas de educação infantil, criandoalguns equívocos e tabus em torno do cuidado em saúde e educação nesta instância educacional. Para tentar minimizar essa discriminação do sistema educativo infantil, alguns estudiosos da educação infantil passaram a estabelecer como critérios de diferenciação entre creche e pré-escola, a faixa etária, conforme a constituição de 1988 e como está determinada na LDB - N.º 9.394-96, com a finalidade de evitar ruptura na qualidade da oferta de atendimento a criança. Estas duas leis tiveram impacto na Educação Infantil. Com isso as creches têm sido redefinidas com um espaço educativo que contemple o desenvolvimento da criança garantindo a continuidade pedagógica nos aspectos cognitivo, emocional, afetivo, social e físico. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 169 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O cuidar de crianças em contexto educativo, demanda integração de vários campos do conhecimento, além da cooperação de profissionais de diferentes áreas como: pedagogos, enfermeiras, nutricionistas. O desenvolvimento integral da criança depende dos aspectos inerentes à Educação Infantil, dos cuidados relacionados à afetividade, aspectos biológicos do corpo, qualidade na alimentação, cuidados com a saúde e segurança, estimulação e brincadeiras que integram o cuidar e educar. Desta forma, cuidar e educar são conceitos que devem estar associados nas atividades desenvolvidas com as crianças da escola infantil, já que, além de receber cuidados básicos, alimentação, higiene, repouso, a criança precisa desenvolver sua identidade pessoal e social. Na educação infantil devemos refletir sobre as ações de cuidados para assegurar que a criança se desenvolva de forma saudável, principalmente os cuidados pessoais relacionados à promoção da saúde, para que os profissionais educadores possam contribuir nesse processo de prevenção e controle de doenças. As crianças constituem um grupo vulnerável para diversas doenças que podem ser prevenidas e controladas. No entanto, a falta de debates entre profissionais de saúde e educação leva a uma indefinição do que se entende efetivamente por cuidados com a saúde no interior das instituições de educação infantil. Para que as instituições de educação possam contribuir nesse processo de prevenção e controle das doenças que atingem as crianças, é preciso reconhecer que saúde e doença não são fenômenos puramente biológicos, mas expressam as condições econômicas, sociais e culturais nas quais vivem as crianças e suas famílias. Com a volta das aulas, muitas crianças sofrem dificuldade na adaptação escolar, por ser o primeiro dia na creche ou por estarem em uma nova turma ou por terem mudado de professora. Com isso, a temática do acolhimento na educação vem ganhando importante visão no campo da Educação Infantil e, sobretudo requalificando a discussão a respeito da adaptação da criança e seus familiares no acesso e permanência na escola.Crianças inseguras, pais angustiados e sofrendo diante da separação iminente, essa é a realidade em muitas escolas nos primeiros dias de aula e na creche não é diferente. Rezende (2004)considera a adaptação como uma questão de saúde, e todos os profissionais de saúde e educação que trabalham na educação infantil devendo estar preparados para promovê-la, pois o desconhecido tende a causar medo e insegurança em todas as crianças com maior ou menor intensidade e a consequência da adaptação afeta ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 170 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior diretamente ao crescimento e desenvolvimento da criança, como também favorece as doenças pela diminuição das defesas imunológicas. E cada vez mais as escolas têm se constituído em um espaço importante para abordar as questões relativas à saúde das crianças, para que estas tenham um crescimento e desenvolvimento saudável, com enfoque na alimentação, condições de ambiente (higiene e saneamento). Pensando historicamente no surgimento da creche, fica claro que na sua trajetória de aparecimento e redefinição de papeis, conta com movimentos populares e conquistas sociais enquanto produto de um processo interativo da coletividade que vê o desenvolvimento humano como empreendimento conjunto. Enfim, a concepção assistencialista e higienista encontram-se até hoje arraigada na creche e na escola de modo geral, como proposta da saúde escolar que tem como objetivo ensinar normas de higiene aos alunos. Para que as instituições de educação possam contribuir nesse processo de prevenção e controle das doenças que atingem as crianças, é preciso reconhecer que saúde e doença não são fenômenos puramente biológicos, mas expressam as condições econômicas, sociais e culturais nas quais vivem as crianças e suas famílias. (BRASIL, 2006). No tocante, o presente artigo aborda um relato da experiência da adaptação das crianças e de suas famílias realizada na Unidade Educacional Infantil (UEI), uma creche da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que tem como objetivo o cuidar e o educar de crianças dos4 meses aos 4 anos, com suas especificidades de crescimento e desenvolvimento, realizando ainda prevenção da doença e promoção da saúde da criança. Todo esse trabalho de cuidar começa com a adaptação da criança em seu novo ambiente, e para isso é realizado um planejamento do acolhimento de forma interdisciplinar junto aos profissionais no cotidiano pedagógico da creche desse estudo. 2. O QUE É ACOLHIMENTO? O acolhimento é uma diretriz da Política Nacional de Humanização (PNH) no campo da saúde é entendido, como uma diretriz ética/estética/política constitutiva dos modos de se produzir saúde e ferramenta tecnológica de intervenção na qualificação de escuta, numa construção de vínculo, garantindo o acesso com responsabilização e resolutividade nos serviços. (BRASIL, 2006). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 171 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O acolhimento é considerado como um instrumento de trabalho que incorpora as relações humanas. É um modo de operar os processos de trabalho em saúde, numa forma a atender a todos que procuram os serviços de saúde, ouvindo seus pedidos e assumindo no serviço uma postura capaz de acolher, escutar e dar respostas mais adequadas aos usuários. O acolhimento na educação tem se mostrado, uma estratégia potencializadora da adaptação e organização do serviço na educação infantil, quando articulado a outras práticas que busquem a definição e o reconhecimento das necessidades da criança, permitindo-se assim, o estreitamento do vínculo com os pais ou responsáveis bem como o incentivo à autonomia da criança. De acordo com o Plano Nacional pela Primeira Infância, o acolhimento de crianças em qualquer das modalidades previstas legalmente configura um trabalho complexo que articula necessariamente a ação de diferentes sujeitos, em diversos âmbitos de intervenção, em um trabalho conjunto com as demais políticas setoriais. (DIDONET et al, 2010) Na educação infantil a chegada das crianças na creche é conhecida pelos educadores infantis como adaptação. Rossetti, (1998)critica a utilização deste termo, pois sugere conformismo, ajustamento, submissão, resignação, o que é diferente das mudanças que vemos acontecer na creche, substituindo-o então pelo termo acolhimento, compreendendo que este conceito é mais apropriado aos cuidados que a criança e sua família necessitam neste momento ser acolhida. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, no que concerne ao professor assumir um trabalho de acolhimento às diferentes expressões e manifestações das crianças e suas famílias significa valorizar e respeitar a diversidade, não implicando a adesão incondicional aos valores do outro. (BRASIL, 1998). Neste trabalho utilizaremos o termo acolhimento compreendendo-o como um processo de transição no momento de chegada da criança a instituição e todos os cuidados oferecidos pelo educador. Nesse sentido, as instituições infantis por intermédio de seus profissionais devem desenvolver a capacidade de ouvir, observar, compartilhar saberes e aprender com as famílias sobre as necessidades das crianças para que possam planejar e orientar a adaptação. 3. METODOLOGIA ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 172 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Esse relato trata-se de um estudo descritivo, no qual fazemos um relato de experiência baseado na experiência da enfermeira educadora infantil da creche e em estudos bibliográficos, focado nas ações de acolhimento e adaptação da criança. O cenário dessa experiência foi a Unidade Educacional Infantil (UEI), Creche da Saúde como é mais conhecida. Esta localizada no Complexo do Centro de Ciência da Saúde da UFRN, atendendoa 70 crianças em tempo integral, na faixa etária de 4 meses a 4 anos, possuindo uma equipe de 39 multiprofissionais e multidisciplinar (pedagogas, enfermeiras, nutricionistas, lactaristas, cozinheiras, discentes de pedagogia e serviços gerais). 4. ACOLHENDO A CRIANÇA NA CRECHE O ingresso da criança na creche é dado no ato da matricula, tendo como pré requisito a inscrição da mesma a apresentação da Xerox do registro e da carteira de vacina, por ser um documento de garantia da cidadania e saúde da criança; o cartão da criança é um instrumento que possibilita à enfermeira da instituição o acompanhamentodo crescimento e desenvolvimento da criança, na história de vida da família, como também na situação vacinal da criança,combatendo por meio da prevenção, doenças susceptíveis na infância, devendo ser trabalhado em parceria com a escola, com os serviços de saúde da comunidade e a família. Após a matrícula e o preenchimento da ficha de identificação da criança a enfermeira faz uma entrevista com a genitora, preenchendo um questionário que explora desde a gestação, nascimento, crescimento e desenvolvimento, a situação da família, antecedentes familiares e pessoais e hábitos da criança. Nessa oportunidade, a enfermeira esta receptiva as perguntas, procurando esclarecer dúvidas e minimizar ansiedades dos pais. Nessa ótica, aadaptação pode ser considerada como um processo de familiarização da criança, de sua família e do educador a uma situação nova e esse é um momento muito importante para ambos, pois constitui uma oportunidade de estabelecerem novos vínculos afetivos dentro de uma convivência diferente da família. (RÊGO, 1995). Inseridos nessa proposta,a creche e, principalmente no berçário a UEI considera de suma importância o processo de acolhimento da criança à creche. A fase de acolhimento na creche é diferente para cada faixa etária e requer uma atenção redobrada com os bebês de até um ano e também com os novatos (crianças pela primeira vez na creche), pois tudo para ele é novidade, o ambiente, os brinquedos, a convivência com outras crianças e adultos.É previsível que esse período traga algum desconforto para a criança e para os adultos. É possível diminuir ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 173 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior o desconforto e proporcionar uma adaptação tranquila e saudável para as crianças e seus familiares. Nesse sentido, é importante que a escola tenha se programado para esse momento, como a qualidade e quantidade de profissionais para atender todas as crianças, contar com a parceria dos pais, que é fundamental para assegurar uma adaptação tranquila e confortável diante do novo e da insegurança por parte das crianças, dos pais e educadores. Portanto consideramos a chegada da criança na creche um momento muito especial que a cada ano vem sendo repensado e reconstruído com toda a equipe, principalmente por as crianças permanecerem em tempo integral, e ocorre de forma diferenciada para cada uma delas, cada pai/mãe, cada professora, e toda a equipe da escola passa pelo processo de adaptação, pois estão envolvidos com o novo. 5. PLANEJAMENTO E ORGANIZAÇÃO ADOTADA PELA CRECHE PARA O ACOLHIMENTO O acolhimento na UEI é sempre cuidadosamente planejado para promover a confiança e o conhecimento mútuo, favorecendo o estabelecimento de vínculos afetivos entre as crianças as famílias e os educadores. Entendendo que a repercussão da qualidade da ligação afetiva estabelecida na infância se estende por toda a vida. É nessa primeira relação positiva que a criança vai aprendendo a ter confiança em si próprio e no adulto que a rodeia. Para melhor conhecimento e aprofundamento científico a equipe da creche faz grupos de estudo e pesquisa sobre a temática do acolhimento, pois reconhece o período de adaptação e acolhimento como um momento muito especial para a criança, família e instituição. Para isso, na ficha de identificação no ato da matrícula junto com a entrevista da enfermeira temos uma entrevista pedagógica para que o educador que vai ficar com a criança responda com os pais. Certificando do desenvolvimento e das limitações de cada criança, respeitando o ritmo de cada um e contar com a ajuda dos pais ou responsável para se adequar nos procedimentos nas situações de cuidado e de aprendizagem. Toda a equipe fica envolvida nas definições de estratégias que possam contribuir para o processo de acolhimento das crianças e de suas famílias na creche. Planejar e fazer atividades no parque promove a criança o trabalhoda coordenação motora de forma lúdica, oportunizando interagir mais livremente, com dinâmicas e diversões. Adquirindo experiências sociais e diferentes da experiência familiar. Portanto, é um ótimo ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 174 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior momento de integração do grupo, com muito envolvimento entre os participantes, levando-os a perceber a importância do outro para a realização da atividade. E assim, as crianças passam a ver o colega não mais como perigo, disputa, mas como um elemento importante para a realização da brincadeira, que sozinho não teria como acontecer.(OLIVEIRA, 2000; MARANHÃO, 2004). Planejar e desenvolver formas de interação com as famílias possibilitam o estabelecimento de relações de confiança, segurança e parceria ao longo da permanência da criança na creche. Anterior ao período de acolhimento das crianças ocorre uma reunião com as famílias, onde é apresentada a equipe da creche, as turmas, a proposta de trabalho da creche, em nível administrativo e pedagógico e também são dados algumas orientações para uma melhor adaptação. É previsível que o processo de acolhimento traga algum desconforto para a criança e os pais, mas não precisa ser dessa forma o início do ano letivo, principalmente para os bebes. Sendo possível diminuir esse desconforto e proporcionar uma adaptação tranquila e saudável para as crianças e seus familiares. Orientar aos pais e/ou responsáveis para que a vinda da criança seja preparada, que informe a respeito da creche, que avise sempre a criança quando vai sair e a que horas vai volta, pois mesmo que inicialmente chore, a criança sente-se confortável e segura tendo um referencial de horário comparando com a rotina da creche. Também se orientaa possibilidade, de que não haja outras mudanças significativas concomitantes a esse processo, como a retirada de chupeta, mudança de casa, chegada de uma nova babá, e para facilitar a integração da criança nos primeiros dias, seu ingresso deverá ocorrer de forma gradativa e aumentando o tempo de sua permanência, os pais fazer o possível para não atrasar o horário de pegar a criança, pois ela se sentirá abandonada já que todas as crianças estão saindo e ela fiando. Portanto, enfatiza-se a importância para que as professoras sejam acolhedoras, que recebam as crianças com um abraço caloroso ou cumprimentos de bater as mãos. Palavras de carinho, elogios também auxiliarão na vinculação afetiva dos mesmos. Organizar o ambiente de forma acolhedora, repensando a rotina em função da chegada das crianças. CONSIDERAÇÕES FINAIS ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 175 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior É relevante ressaltar que o período de adaptação não ocorre ao mesmo tempo com todas as crianças. Assim, a criação de um ambiente saudável, capaz de alterar positivamente o modo de vida das crianças, de suas famílias e da comunidade de modo geral, é um desafio que o Brasil precisa enfrentar urgentemente. Vislumbrando a infância como uma das fases da vida onde ocorrem às melhores e maiores modificações físicas e psicológicas. Essas mudanças caracterizam o crescimento e desenvolvimento infantil que precisam ser acompanhadas de perto por pessoas capacitadas. O resultado torna-se relevante devido à indissociabilidade do binômio cuidar e educar crianças, pelas suas próprias características e especificidades de sua faixa etária. Cada vez mais as escolas tem se constituído em um espaço importante para abordar as questões relativas a saúde das crianças nas instituições de educação infantil, promovendo ações de higiene, nutrição, prevenção de doenças e acidentes, através da realização de atividades que busquem o crescimento e desenvolvimento da criança em suas mais amplas esferas: social, afetiva, psicomotor e cognitiva. Assim, o trabalho de saúde e educação realizado na creche utiliza-se de conceitos relevantes como trabalho em equipe e interdisciplinaridade, apontando alguns avanços, potencialidades e desafios à construção de novas praticas educativas com as crianças. Enfim, as vivências que ocorrem na creche serão determinantes para a formação da criança e irão pautar todo o seu comportamento futuro, e ter o domínio do conhecimento científico do desenvolvimento infantil respaldados pelos estudiosos da neurociência contribui na qualidade do atendimento da criança na creche. Essa é a razão da preocupação pela qualidade no acolhimento da criança na creche. Pensando num melhor aperfeiçoando de seu desenvolvimento, numa concepção de criança, promovendo a modificação de um currículo adaptado e consequentemente, melhorando o material didático e qualificando os educadores. REFERÊNCIAS BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. NÚCLEO TÉCNICO DA POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO. Acolhimento nas práticas de produção de saúde – 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ______, CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. Câmera de Educação Básica. Resolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil. Emenda Constitucional nº 59, Brasília: CNE 2009. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 176 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ______, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96). ______, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Referenciais Curriculares Nacional para a educação Infantil: Brasília, 1998. FERNANDES, Edna M A, O Berçário In: Cuidando e Educando: relatos da trajetória da creche da saúde/ Unidade Educacional Infantil (UEI) na UFRN. Natal (RN); 2004. P. 51-55. MARANHÃO, Damaris G. SILVA, Conceição Vieira. Creche e Pré-escola e Família: revendo conceitos para compartilhar cuidados e educação das crianças. In: SANTOS, Lana E. da S. Creche e Pré-escola: Uma abordagem de saúde. São Paulo: Artes Médicas, 2004. P.55-61. OLIVEIRA, Zilma Morais Ramos de. Educação Infantil: muitos olhares, São Paulo: Cortez, 2006. REGO, Maria Carmem F D. 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O que nos remete a uma questão fundamental: é preciso pedagogizar o brinquedo para compreender sua função na aprendizagem? Para responder esta questão vamos tentar compreender a função do brinquedo, na perspectiva de alguns autores como Gramsci, Piaget, Benjamim, Brougère entre outros, que utilizaram o brinquedo como forma de refletir sobre como a criança constrói estratégias de aprendizagens, sem obrigatoriamente infantilizar ou pedagogizar uma criação que a criança usa nas brincadeiras ou como forma de brincar. Entender o brinquedo enquanto um objeto que tem 'apenas a possibilidade de aprender' sem necessariamente impor uma aprendizagem por meio de um brinquedo. Creio ser urgente que a pedagogia reflita sobre um equivoco, qual seja, transferir ao brinquedo uma capacidade de ensinar que deveria ser do professor, se e quando se propuser a refletir sobre a práxis e suas consequências, por exemplo, numa atividade pedagógica. O que dever ser pedagógico é a ação do professor ao analisar a forma, as estrategias, os recursos, a metodologia que a criança usa na brincadeira, no exercício com o brinquedo. Parece pouco inteligente atribuir ao brinquedo uma função pedagógica quando ele não a tem. Um brinquedo é para ser usado como tal, e não como recurso pedagógico. Palavras-chave: brinquedo, infância, currículo, ludicidade. Iniciando a conversa... Não é de hoje que os educadores tomam o brinquedo/brincadeiras e o lúdico como algo 'necessário' ao ato pedagógico. Essa necessidade é discutível, tanto do ponto de vista das estratégias, quanto dos resultados com eles alcançados. Vamos começar a conversa considerando alguns aspectos em relação ao brincar. Se tomarmos a questão filosófica, o brincar é abordado como um mecanismo para se contrapor à racionalidade. Reportando-nos aos jogos olímpicos gregos, os mesmos eram tidos como um momento lúdico, sem a preocupação antecipada de usá-los como estratégias de aprendizagem, é bem verdade que se aprende nos jogos nas brincadeiras, todavia a 'receita' não nasceu com o jogo. Aqui emoção e razão são parte da ação humana. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 178 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Por outro lado, no viés sociológico, o brincar tem sido visto como a forma mais pura de inserção da criança na sociedade. Brincando, a criança vai assimilando crenças, costumes, regras, leis e hábitos do meio em que vive. Age e reage às adversidades que o brinquedo lhe apresenta. Muda regras, reorganiza, cria alternativas para satisfazer suas necessidades momentâneas. Considerando o ponto de vista psicológico, o brincar está presente em todo o desenvolvimento da criança, nas diferentes formas de modificação de seu comportamento; e, quando se toma como base o pedagógico, o brincar tem-se revelado como uma estratégia poderosa para a criança aprender. Mas creio que o fundamental nessa conversa seja considerar a criatividade da criança, tanto o ato de brincar como o ato criativo estão centrados na busca do “eu”. É no brincar que se pode ser criativo, e é no criar que se brinca com as imagens e signos fazendo uso do próprio potencial (Santos. 1999.). Eis aqui um equívoco... o que frequentemente vemos, são professores querendo moldar a brincadeira para satisfazer uma necessidade sua, de educador, atribuir ao lúdico uma função de aprendizagem que ele não tem. A aprendizagem é uma característica que o sujeito desenvolve. Uma das tarefas do professor é, ao observar a criança brincando, transformar o modo como ela age/interpreta a/na brincadeira numa sistematização metodológica do processo, mas não dizer como se brinca metodologicamente, muito menos que tal brincadeira serve pra esta aprendizagem ou aquela. Isso, de certa forma já vem implícita na brincadeira, embora a criança “não saiba”. O que caberia ao professor é identificar os passos dado pela criança nesta ou naquela brincadeira; porque crianças de lugares diferentes arrumam estratégias diferentes para uma mesma brincadeira; bem antes de algum professor querer enquadrá-la. Refletir sobre como a criança cria passos durante a aprendizagem e não formatar as brincadeiras e troná-las enfadonhas. Brincadeira está intimamente relacionado a brinquedo. Pipas, carrinhos de rolimã, bonecas, pião, bola de gude, entre outros, são produtos da cultura, que antes de ser um legado, é uma construção. Se considerarmos que nos E.U.A as crianças tem, em média, 20 brinquedos durante a infância; na Europa cerca de 34 brinquedos e no Brasil apenas 6, podemos inferir que isso também limita a criatividade e imaginação da criança. Quanto menor o numero de instrumentos disponíveis para a criança em suas brincadeiras, menor a percepção de possibilidades e formas de brincar. É verdade que se uma criança não tem brinquedos, ela os fabrica, todavia, isso é fruto também do legado de sua família, do grupo social do qual faz 45 Prof. Adjunto do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Tocantins. Membro do Núcleo de Estudos das Diferenças de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 179 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior parte, do que Bourdieu chamaria de “capital incorporado das brincadeiras”. Mas também é preciso saber diferenciar brinquedo, brincadeiras e jogos. Se os brinquedos podem trazer embutido um conjunto de regras, eles são passiveis de serem quebrados, readaptados, colados, desviados de função inicial. Por sua vez as brincadeiras são mais flexíveis, já que não chegam aos brincantes em caixas. Vem pela lembrança, pela memória, assim sofrem maiores e constantes modificações durante a execução da brincadeira. Ainda resta deixar claro que os jogos não serão objeto de reflexão neste momento, apenas recorremos a uma conceituação para que, na curiosidade natural do Homem, os leitores já tenham previamente, algum esclarecimento sobre estas diferentes atividades/objetos que permeiam a vida das crianças e por vezes também dos adultos. Diferente das brincadeiras e dos brinquedos, o jogo não se presta apenas as crianças, tem regras mais rígidas, não tem por função entretenimento, mas, sobretudo, percepção de estratégias, rapidez, cercear a liberdade do outro jogador e por fim, vencer. Conceitos Segundo Brougère, brinquedo é: “produto de uma sociedade dotada de traços culturais específicos [...] é menos uma representação do real que o espelho da sociedade, quer dizer das relações entre crianças e adultos. Não condiciona a ação da criança [...], trata-se antes de tudo, de um objeto que a criança manipula livremente, sem estar condicionado a regras ou princípios de utilização de outra natureza [...] ele é também um objeto de investimento afetivo, de exploração e de descoberta, sem se inserir num comportamento lúdico. É o suporte para a brincadeira” (2010. p. 7ss). Por sua vez, brincadeira é: “comportamento livre e consentido sem objeto de resultado, exceto o prazer, possibilitando aquisição de códigos culturais”. E como terceiro recurso a atividade lúdica pedagógica se configura como atividade direcionada pelo professor para atender um objetivo relacionado a aprendizagem. Cremos ser este o 'xis' da questão: o/a professor/a não consegue diferenciar conceitualmente essas três atividades e com isso, rotula ou estabelece, erroneamente, que o brinquedo ou a brincadeira deve atender esta ou aquela finalidade. Às vezes chego a me perguntar se o professor sabe diferenciar desenvolvimento de aprendizagem. Será que ele compreende que o primeiro é endógeno e a segunda exógena (Macedo & Passos. 2005). Embora aja uma estreita e intrínseca relação entre as duas coisas, o Gênero, coordenador do Seminário anual Educação, Gênero e Infância. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 180 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior professor deve ser capaz de identificar quais das aprendizagens da brincadeira a criança torna perene e quais são passageiras, e porque ela faz isso, evidentemente. Em relação ao jogo, cabe aqui retomar alguns autores que o definem como: “O homem não joga senão quando na plena acepção da palavra ele é homem, e não é totalmente homem senão quando joga” (Schiller apud Duflos, 1999). Para Huizinga, jogo é: “uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e espaço, segundo regras livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser diferente da vida cotidiana” (Huizinga, 2007. p. 33). Ainda é bom trazer a tona a observação de Kishimoto (2000), quando diz que a brincadeira é o jogo infantil, não existindo diferença significativa em termos estruturais entre ambas atividades. Creio que isso aguça, momentaneamente, o leitor para aprofundar a questão em outra hora, embora discordamos da autora a respeito de usar os termos jogo e brincadeira como sinônimo. Voltemos então ao brincar/brinquedo. Considerando a conceituação inicial de Brougeré, deve ser por isso que Benjamin (2009) dizia que brincar era libertar-se. Ele, mesmo quando não imita os instrumentos dos adultos, é o confronto, e na verdade, não tanto da criança com os adultos, mas destes com a criança. E diz: “a máscara do adulto chama-se experiencia”. É bem provável, segundo o autor, que os adultos queiram, seguidamente corrigir as formas e os tipos de brincadeiras, ora: “se as crianças devem tronar-se um dia sujeitos adultos completos, então não se pode esconder delas nada que seja humano. A sua inocência já providencia espontaneamente todas as restrições, e mais tarde, quando estas começam a ampliar-se aos poucos, o elemento novo encontrará personalidades já preparadas [...] mesmo extraviada, quebrada e consertada, a boneca mais principesca transforma-se numa eficiente camarada proletária na comuna lúdica das crianças” (2009. p. 87). Este excerto de Benjamim coaduna com as reflexões de Gramsci46 sobre ser franco e contar tudo as crianças, isto pode ser observado na carta 14 de fevereiro de 1927, onde o italiano é enfático ao recomendar à mãe princípios para a educação de sua sobrinha Edmea: “lembra-se das minhas artimanhas para poder tomar um bom café, sem mistura de cevada e outras porcarias? Veja: quando penso nessas coisas, 46 Antônio Gramsci. Estudou letras na universidade de Turim, escreveu como jornalista no Avanti e como escritor de teoria política no L'ordine Nuovo. Ajudou a organizar, em 1921, o partido comunista. Casou com a violonista russa Giulia Schucht com teve dois filhos: Delio e Guiliano, em 1926 foi preso. Durante o tempo no cárcere escreveu 2.848 paginas daquilo que seriam conhecidos mais tarde como cadernos do cárcere. Elaborou o conceito de hegemonia e escreveu sobre cultura, política entre outros temas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 181 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior penso também que Edmea não terá tais recordações quando crescer e que isto influirá muito em seu caráter, determinando nela uma certa moleza e um certo sentimentalismo que não são muito recomendáveis neste tempo de ferro e fogo no qual vivemos. Uma vez que Edmea também deverá abrir por si só seu caminho, deve-se pensar em reforçá-la moralmente, em impedir que vá crescendo rodeada pelos elementos da vida fossilizada do lugar. Penso que devem lhe explicar porque seu pai Nannaro, não pode voltar do exterior e como isto se deve ao fato de ele, como eu e muitos outros, pensamos que muitas Edmeas que vivem neste mundo deveriam ter uma infância melhor do que a que nós atravessamos e ela mesma atravessa. E devem lhe dizer sim, sem subterfúgios, que eu estou preso, assim como seu pai esta no exterior. Por certo devem levar em conta a sua idade e o seu temperamento, e evitar que a pobrezinha venha a se afligir muito, mas também devem dizer a verdade e assim acumular em seu interior recordações de força, de coragem, de resistência aos sofrimentos e às amarguras da vida” (carta 14 de 26/02 de 1927). Ninguém nega a importância do brincar e do brinquedo no processo de socialização da criança, seja do ponto de vista filosófico, de aprendizagem, da criatividade, ou psicológico, o brincar e o brinquedo, podem desempenhar um papel especial no processo de educação da criança. Ainda recorrendo a Gramsci, ele expõe sua preocupação em relação ao uso de brinquedos pelos filhos, “o principio do Meccano é pro certo ótimo para os meninos modernos, escolherei a combinação que me parecer mais oportuna e depois lhe mandarei. [...] você deve me informar sobre o modo como Délio interpreta o Meccano, isso me interessa muito porque nunca cheguei a uma conclusão sobre se o Meccano, tolhendo o espírito inventivo próprio da criança, será o brinquedo moderno que se pode recomendar, penso que a cultura moderna (tipo americana), da qual o Meccano é expressão, torna o homem um pouco seco, maquinal, burocrático e cria uma mentalidade abstrata, diferente daquilo que no século passado se entendia por abstrato” (cartas do cárcere 48, 57). Já para Piaget (1973), os jogos e as atividades lúdicas tornam-se significativas à medida que a criança se desenvolve, com a livre manipulação de materiais variados, ela passa a reconstituir, reinventar as coisas, o que já exige uma adaptação mais completa. Essa adaptação só é possível, a partir do momento em que em que ela própria evolui internamente, transformando essas atividades lúdicas, que é o concreto da vida dela, em linguagem escrita que é o abstrato. Assim, a psicanálise e a psicologia remetem o brincar ao inconsciente. Pela brincadeira a criança dominaria suas angustias, comunicaria sentimentos, fantasia intercambiando o real e o imaginário. Ora parece meio frouxa essa ideia do brincar como sendo inconsciente. Brincar com uma boneca ou carrinho é algo real para a criança naquele ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 182 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior momento. A fantasia e obra do adulto. Nós é que classificamos a ação da criança como real ou imaginaria, considerando nosso arcabouço teórico, cultural, social e econômico. É daí que aparece a noção de perspectiva cognitiva relacionada ao brincar. Isso pode ser visto em Oliveira e Mariotto (1997), numa leitura da cognição enquanto domínio de aspectos que o adulto vai precisar quando estiver nesta fase. Presumimos que seja por isso que, como diz Oliveira (2010): “ao não aceitar o significado aparente do brinquedo, a criança ultrapassa a interpretação convencional acerca dele, ao contrario dos adultos que o brincar esta relacionado ao entreter-se com amenidades, por vezes visando a fuga da vida cotidiana, nas diferentes esferas [...] o estudo acerca do brinquedo é para entender a situação social das crianças em relação aos adultos”. Por exemplo, brincar de boneca representa uma situação que ainda vai viver desenvolvendo um instinto natural. Como benefício didático, as brincadeiras transformam conteúdos maçantes em atividades interessantes, revelando certas facilidades através da aplicação do lúdico. Outra questão importante é a disciplinar, quando há interesse pelo que está sendo apresentado e faz com que automaticamente a disciplina aconteça. Concluindo, os benefícios didáticos do lúdico são procedimentos didáticos altamente importantes; mais que um passatempo; é o meio indispensável para promover a aprendizagem disciplinar, o trabalho do aluno e incutir-lhe comportamentos básicos, necessários à formação de sua personalidade. Illich (1976), afirma que os jogos podem ser a única maneira de penetrar os sistemas formais. Suas palavras confirmam o que muitas professoras de primeira série comprovam diariamente, ou seja, a criança só se mostra por inteira através das brincadeiras. Como benefício social, a criança, através do lúdico representa situações que simbolizam uma realidade que ainda não pode alcançar; através dos jogos simbólicos se explica o real e o eu. Referencias bibliográficas Benjamim, Walter. Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação. Tradução: Marcus Mazzari. Editora 34. 2002. Brougeré, Gilles. Brinquedo e cultura. Tradução: Gisela Wajskop. Cortez. 2010. Gramsci, Antônio. Cartas do Carcere. 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Por meio das descobertas e da criatividade, a criança pode se expressar, analisar, criticar e transformar a realidade. Foi no período de observação e intervenção que tivemos a oportunidade de conhecer a realidade da creche a partir de outro olhar e só assim pudemos refletir e intervir de forma direta na realidade escolar através das atividades diferenciadas da habitual. O estágio foi o momento para entrarmos em contato com a docência e percebermos o importante papel formador que tem o/a estagiário/a. Palavras – chave: Identidade docente; Lúdico; Reflexão. INTRODUÇÃO O presente trabalho foi elaborado na disciplina Estágio Supervisionado em uma Creche Pública Municipal, com crianças na faixa etária de três e quatro anos na cidade de Cajazeiras/PB. É, ainda, exigência uma do curso de Pedagogia do Centro de Formação de Professores da Universidade Federal de Campina Grande e foi realizado no período de 2010.2. Tem a finalidade de apresentar informações sobre o estágio e a importância da ludicidade no desenvolvimento das atividades. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 185 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A importância da ludicidade no contexto da educação infantil Antes de adentrarmos na reflexão voltada para a importância da ludicidade, faz-se necessário conhecer, inicialmente, alguns aspectos existentes na Creche para que seja possível um maior entendimento da sua realidade educacional. A Creche atende hoje cerca de 80 (oitenta) crianças, sendo que 19 (dezenove) estão no maternal e 31(trinta e uma) no nível I, mas apenas 20 (vinte) freqüentam assiduamente. Foram matriculadas 30 (trinta) crianças no nível II, mas apenas 20 (vinte) comparecem com assiduidade. No que diz respeito aos ambientes recreativos, a creche possui o pátio e o parquinho, porém essas duas áreas foram construídas de forma irregular para desenvolver atividades pedagógicas. No parquinho há um balanço e um escorregador com altura inadequada para a faixa etária atendida pela creche, o que faz com que este não seja utilizado para não por em risco a integridade física das crianças. Quanto ao pátio, foi construído voltado para o sol fazendo com que esse espaço não possa ser utilizado no período da tarde, dificultando, assim, o desenvolvimento de atividades pedagógicas. Quanto à estrutura pedagógica há na creche o Projeto Político Pedagógico – PPP com propostas de trabalho flexíveis e dinâmicas, compostas de: identificação, estrutura física da instituição, histórico da instituição, marco referencial, diagnose, justificativa, objetivos, metodologia, organização curricular, cronograma de execução e avaliação. Levando em consideração esta estrutura são realizadas mensalmente reuniões para planejamentos e para discutir assuntos relacionados ao funcionamento da própria instituição. A interação professor-aluno na instituição se dá mediante as trocas que acontecem em sala de aula, onde tanto o professor, quanto o aluno, troca saberes que contribuem para a aprendizagem e formação de cada um em um processo que vai se construindo cotidianamente. A partir desta construção observa-se um ciclo de amizades e afetos entre os envolvidos, demonstrando, assim, a boa relação existente entre ambos. No entanto, a partir da articulação teoria-prática vivenciada durante o Estágio Supervisionado foi possível percebermos os principais problemas enfrentados na instituição que é a falta de espaços para desenvolver atividades recreativas, que ficam limitadas aos espaços da sala de aula. Outro aspecto importante está relacionado à percepção de professores com relação às atividades lúdicas, pois estes a compreendem como um momento para brincar, sem nenhum cunho pedagógico. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 186 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Logo, a criança, na faixa etária de 3 a 4 anos, busca utilizar no seu cotidiano a brincadeira e o brinquedo como ferramenta para descobrir novas sensações, sentimentos, superar novos obstáculos e satisfazer desejos particulares. Sendo assim é possível entendermos que, [...] a educação lúdica é uma ação inerente na criança e aparece sempre como uma forma transacional em direção a algum conhecimento, em que se redefine na elaboração constante do pensamento individual em permutações constante com o pensamento coletivo. (ALMEIDA, 1995, p. 11) Por meio das descobertas e da criatividade, a criança pode se expressar, criar e transformar a realidade em que vive a partir da brincadeira. Se bem trabalhada a educação lúdica poderá contribuir para a melhoria do ensino e, consequentemente, da aprendizagem. Para Cunha (1994), o brincar é uma característica primordial na vida das crianças, deixando clara a importância do brincar para criança demonstrando que não se resume a pura diversão, mas se trata de um processo que envolve a educação, a socialização, a construção do desenvolvimento e de suas potencialidades. Levando em consideração a importância da ludicidade como ferramenta educativa, buscou-se desenvolver as atividades pedagógicas na sala de aula da creche durante o período do estágio. Foram trabalhados os crachás os nomes dos educandos de forma que cada um passou a identificar seu nome no crachá. Trabalhou-se a importância das cores primárias através de uma exposição prática de mistura de cores. Através dessas atividades foi possível observar que as crianças gostavam de aprender brincando e que as atividades proporcionavam liberdade e o prazer de estar em sala de aula, pois conforme Winnicott (1975, p. 139), “o lugar em que a experiência cultural se localiza está no espaço potencial existente entre o indivíduo e o meio ambiente (originalmente, o objeto)”. Outra brincadeira educativa de grande relevância e que chama atenção das crianças é a contação de história do livro bicharadário por meio de fantoches, que se deu para aprender as vogais. Por meio do desenvolvimento dessas atividades observamos o que está escrito no Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil que afirma, Por meio das brincadeiras podem observar e construir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e cada uma em particular, registrando suas capacidades de uso das linguagens, assim como de suas capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais que dispõem. (RCNEI, 1998, p. 28) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 187 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Dando continuidade ao processo de aprendizagem tendo o lúdico como principal recurso, foi pedido as crianças que formassem uma roda para contação da história infantil “João e o pé de feijão”, por meio de um livro ilustrativo, onde trabalhamos a imaginação, criatividade, a percepção, a importância das regras e do respeito, além dos conteúdos como, por exemplo as partes das plantas e a importância da preservação da natureza. Segundo Almeida A brincadeira se caracteriza por alguma estruturação e pela utilização de regras. A brincadeira é uma atividade que pode ser tanto coletiva quanto individual. Na brincadeira a existência das regras não limita a ação lúdica, a criança pode modificá-la, ausentar-se quando desejar, incluir novos membros, modificar as próprias regras, enfim existe maior liberdade de ação para as crianças. (2005, p. 5) Levando em consideração as observações feitas por Almeida (2005) e complementando a história de “João e o pé de feijão”, foi contada a dos “três Porquinhos”, que nos auxiliou na importância da higiene corporal, sendo complementada através do banho de bonecas na sala de aula. Além de desenhos e pinturas sobre o tema. Dessa forma, observa-se como a utilização dos jogos, das histórias e das brincadeiras, possibilita um ensino mais dinâmico e participativo das crianças na construção do seu processo de aprendizagem. É nesse espaço que as crianças desenvolvem a socialização e a sua noção de limite social, pois conforme Wajskop A criança desenvolve-se pela experiência social nas interações que estabelece, desde cedo, com a experiência sócio-histórica dos adultos e do mundo por eles criado. Dessa forma, a brincadeira é uma atividade humana na qual as crianças são introduzidas constituindo-se um modo de assimilar e recriar a experiência sócio-cultural dos alunos. (2007, p.25) Complementando essa reflexão Santos (1997, p. 56) procura demonstrar como se dá o processo de socialização e da noção do desenvolvimento das regras, pois [...] no convívio com outras crianças que se aprende a dar e receber ordens, a esperar sua vez de brincar, a emprestar e tomar como empréstimo o seu brinquedo, a compartilhar momentos bons e ruins a fazer amigos, a ter tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade. Para demonstrar essa reflexão feita por Santos (1997) foi desenvolvida uma atividade relacionada à educação no trânsito com materiais recicláveis e foi realizada a construção de um semáforo. Em seguida realizou-se uma atividade de classe em que cada ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 188 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior criança utilizou tinta guache para pintar bolas de isopor nas cores do semáforo, além de recortar e colar o semáforo em folhas de papel. As atividades lúdicas não eram vistas como instrumentos pedagógicos, mas apenas como um momento que a criança tinha para brincar “[...] Por isso, muitas vezes, os pais não vêem importância em matricular nela seus filhos, já que ‘para brincar qualquer lugar serve:’ casa, pracinha, rua, escola, etc. (grifo do autor) (GARCIA, 1997, p. 123). Essa é uma compreensão que, ainda, perpassa o imaginário de alguns pais, pois defendem que a escola é lugar de aprender conteúdos e não para brincadeiras. Segundo Compreender a creche como espaço para brincar, sem fins educativos é uma das afirmações apresentadas por alguns pais que esquecem que é também um espaço de aprendizagem escolar. Sendo assim, é importante que o professor tenha consciência da importância dos jogos e das brincadeiras no desenvolvimento infantil e esse é um saber necessário para que este possa também conscientizar os pais e a todos que fazem parte da ação educativa. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estágio foi o momento para se perceber a realidade pedagógica desenvolvida na creche, mais especificamente e lá foi possível observar a falta de espaço para a realização de recreações e atividades pedagógicas, sendo o trabalho limitado apenas à sala de aula. Ao final do estágio foi possível refletir a sua importância e defender que este é o momento para repensarmos a docência, a formação do professor no curso de graduação e a maneira de trabalharmos com a Educação infantil, considerando, especialmente, que a criança precisa de cuidados básicos, mas também educacionais, por isso a necessidade de unir o cuidar e o educar na prática educativa na creche. Dessa forma, pode-se definir o estágio como um momento a mais de reflexão, tanto para quem já atua, quanto para quem está, ainda, se aproximando da profissão. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola, 1995. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 189 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ALMEIDA, M. T. P. O Brincar na Educação Infantil. Revista Virtual EFArtigos. Natal/RN- volume 03- número 01- maio, 2005. 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ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 190 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior QUANDO O PROFESSOR DEIXA DE TER AUTORIDADE E PASSA A SER AUTORITÁRIO: O USO DA CHANTAGEM E O PREJUÍZO PARA O CURRÍCULO DE UMA CLASSE DE EDUCAÇÃO INFANTIL Gabriela Queiroz de Alcântara47 Rosinere Evaristo Carvalho RESUMO O presente trabalho48 originou-se a partir do estágio de observação proposto pela disciplina Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. A atividade sugerida foi observação e co-regência do cotidiano escolar de uma turma de Educação Infantil situada em instituição pública. As observações foram centradas na prática diária do professor, e pôde-se constatar o uso corriqueiro de atitudes, as quais nomeamos como condições para a obediência, ou seja, certo tipo de “chantagem” feita pelo professor para conseguir a obediência do aluno. O objetivo deste trabalho foi problematizar a autoridade que muitas vezes é distorcida para o autoritarismo prejudicando a participação efetivas de todos os sujeitos envolvidos na construção do currículo e em sua adequada aplicabilidade cotidiana. PALAVRAS-CHAVE: chantagem, obediência, autoritarismo, currículo. WHEN THE TEACHER LETS HAVE AUTHORITY AND CHANGES TO BE AUTHORITARIAN: THE USE OF BLACKMAIL AND CURRICULUM FOR THE LOSS OF A CLASS OF EARLY CHILDHOOD EDUCATION ABSTRACT This work arose from the observation stage proposed by the discipline of Supervised Bachelor's Degree in Education from the Federal Rural University of Rio de Janeiro - UFRRJ. The observation and co-regency of the school routine of a class of kindergarten located in a public institution has suggested activity. The observations were centered on the teacher's daily practice, and we could see the use of commonplace attitudes, which we named as conditions for compliance, or some kind of "blackmail" made by the teacher to obtain student achieve compliance. The objective of this study was to question the authority that is often skewed toward authoritarianism impairing effective participation of all individuals involved in building the curriculum and in its proper applicability everyday. 47 48 Graduandas do curso de Licenciatura em Pedagogia da UFRRJ (Campus Seropédica). Trabalho orientado por Eliane Fazolo, professora titular do DTPE/IE/UFRRJ. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 191 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior KEYWORDS: blackmail, obedience and authoritarianism, curriculum. Concepção de Infância: um diferencial para o currículo escolar. Foi a partir dos estudos de Àries (1979) que a infância passou a ser vista de outra forma. O interesse pela infância é recente, portanto, sua referência histórica aparece de forma tardia. Os séculos XVII e XVIII assistem a profundas mudanças na sociedade e se consolidam como o período histórico onde a moderna ideia de infância se cristaliza, constituindo-se referência de um grupo que não se caracteriza pela imperfeição, incompletude ou miniaturização do adulto (SARMENTO, 1997), mas adquire uma investidura própria do desenvolvimento humano. Segundo Sans (1994), as crianças pensam com sentimento, seguem seus instintos e desejos. Os adultos por sua vez, buscam sempre a lógica do pensamento e do seu comportamento. Para ilustrar tal afirmação, menciona-se a notória diferenciação que as crianças faziam em relação à obediência com as professoras efetivas em detrimento das estagiárias e demais professoras. Pois acreditavam que somente as professoras da turma poderiam gerar algum ônus com maior gravidade se comparado a outros profissionais ou estudantes que ficavam com a turma esporadicamente. Observou-se a inativa participação das crianças nos processos de negociação e de tomada de decisão, pois o “insucesso” nos mesmo e em outras atividades revelava a possibilidade de castigos, discriminação, bilhetes para os pais e exclusão de atividades. Um cenário que inviabiliza a dinâmica do currículo. Algumas considerações sobre o papel do professor e sua relação com o aluno. A raça humana é social por natureza. A partir do nosso nascimento passamos a viver em sociedade, convivendo com pessoas e grupos, os quais podem ser iguais, parecidos ou diferentes de nós, no que se refere, por exemplo, às crenças, origens e personalidades. A partir desse convívio, passamos por situações como vergonha, constrangimento, elogios, alegrias e tristeza, erros e acertos e, através de comparações, conseguimos construir a nossa personalidade e interagir socialmente. Segundo Elias (1994), várias partes formam um produto ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 192 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior inteiro diferenciado. Daí a teoria dos conjuntos, “[...] as unidades de potencia menor – dão origem a uma unidade de potencia maior, que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações” (ELIAS, 1994, p. 16). Portanto, não saímos “ilesos” de nenhuma relação. Assim também ocorre com os professores na relação com seus alunos, pois como diz Freire: “O professor autoritário, o professor licencioso, o professor competente, sério, o professor incompetente, irresponsável, o professor amoroso da vida e das gentes, o professor mal-amado, sempre com raiva do mundo e das pessoas, frio, burocrático, racionalista, nenhum deles passa pelos alunos sem deixar sua marca”. (FREIRE, 1996, p.73). Segundo Siqueira, para exercer sua real função, o professor precisa “[...] aprender a combinar autoridade, respeito e afetividade; isto é, ao mesmo tempo que estabelece normas, deixando bem claro o que espera dos alunos [...]”(2003, p.99). É importante não eximir a parcela de responsabilidade da família e do Estado para que o processo educativo ocorra. Segundo o art. 53, Parágrafo Único do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais”. Ainda de acordo com o mesmo Estatuto, no art. 54 encontra-se a competência do Estado em assegurar à criança e ao adolescente ensino obrigatório e gratuito desde a creche até o ensino médio. Ao entrevistar a professora da turma, observou-se um grande descontentamento com as atitudes (ou a falta delas) dos pais e responsáveis com relação ao desempenho das crianças em sala de aula. Ela relata que após uma reunião com os poucos pais que comparecem, há a informação de uma grande quantidade de problemas conjugais, separação, crianças morando com os avós, entre outros. Os pais, porém, ainda acreditam que a criança não compreende o que acontece a sua volta, que está alheia a todas as problemáticas do cotidiano. A professora vai além. Diz que em alguns casos os problemas sofridos com a família são refletidos no comportamento, atenção e desenvolvimento em sala de aula perante as atividades propostas, o que pode prejudicar a inserção da criança na sociedade, fato este que, inicialmente ocorre durante a Educação Infantil. Del Prette e Del Prette (2001) ressaltam que as escolas são ambientes ideais para o ensino de uma conduta social de qualidade. E ainda, que o professor encontra no ambiente escolar um campo fértil, não só para o ensino-aprendizagem, mas também um espaço de interação mútua que o possibilita levar o aluno a crescer, respeitar-se e respeitar os outros. No ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 193 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que se refere ao ponto de vista afetivo, consideram que o professor representa confiança para o aluno, poder social, intelectual e um modelo (possível) a seguir, além da consequente motivação do desejo de saber. Ressaltam, ainda, que o vínculo afetivo entre professor e alunos exerce grande influência sobre o relacionamento que crianças e jovens estabelecem entre si. O uso da “chantagem” no cotidiano escolar. O professor da Educação Infantil enfrenta uma rotina diária desgastante, pois além de ter que dar conta dos conteúdos das aulas cobrados pelos coordenadores e diretores, ainda precisa estar atento ao cuidado com as crianças, no que se refere à integridade física e psicológica, a alimentação e ao descanso. No entanto, tais situações não passam apenas pelo âmbito negativo, pois é através destas interações que as crianças dão os primeiros passos para a convivência social, ou seja, a criança que recebia (ou não) regras somente dos familiares passará a recebê-las também na escola. E em muitos casos, não somente a criança, mas também o professor não está preparado para lidar com a negociação, a autoridade e o respeito que deve existir entre todas as relações. Como resultado disto, observou-se a falta de preparo e/ou esgotamento do professor, os quais são “resolvidos” com o uso da chantagem. A professora diz: “K... eu vou deixar você sem almoço se você não se comportar”. Segundo César (2010), há diversos níveis de chantagem. Nem todos chegam a causar danos tão sérios para a educação. A autora faz também uma relação com a chantagem proveniente da família da criança e acrescenta que tudo vai depender da intensidade, do jeito que ela é feita e do tipo de relacionamento que a mãe tem com o filho. Pois, de um modo geral, quando a chantagem vira regra e serve para explicar por que a criança tem que fazer algo é um mau sinal. Com as observações feitas em sala de aula, relataram-se vários momentos onde a professora usava a chantagem para conseguir que os alunos a obedecessem, como por exemplo: “Quem copiar e fizer tudo direitinho vai para o passeio da escola, e eu também vou dar um presente”. Um aluno pergunta: “Que presente tia?” E a professora responde? “É surpresa. Eu trago na segunda-feira”. Observou-se que a gravidade e a intensidade da chantagem variavam de acordo com o nível de estresse da professora. Esta conclusão baseia-se, por exemplo, no seguinte fato: (Diário de Campo, observação do dia 23/06/2010). Por volta das 8h entrei silenciosamente na sala enquanto a professora brigava com a turma. Então, ela me perguntou: ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 194 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Sabe o que eles fizeram comigo ontem tia Gabriela? Com ar de tristeza e decepção ela começou a explicar que, no dia anterior as turmas 101 e 102 (a turma dela era a 102) se reuniram para ensaiar uma coreografia para a festa da escola. O tema da festa era a Copa do Mundo (todos os trabalhos feitos em sala seriam expostos também neste dia), e por isso as professoras montaram coreografia e caracterização para as crianças. Sendo que não houve colaboração das crianças, nem tão pouco respeito para a feitura da atividade. A professora informou à turma que o Prefeito do Município estaria no dia do evento, e que ela não queria passar vergonha mais uma vez. Concluiu sua fala fazendo uma chantagem: ameaçou tirar da escola aquele que não se comportasse no ensaio de hoje. E afirmou que não tinha medo de represália dos pais. Pior do que fazer uso da chantagem no cotidiano escolar é prometer algo que não será cumprido: privar a criança do almoço, do lanche, de ir ao banheiro. A professora disse: “K... se você não ficar quieto eu vou colar a sua bunda na cadeira”. Assim que ela virou às costas o menino tornou a se levantar, e ela logicamente não o colou na cadeira por isso. Em um cotidiano autoritário, os alunos não têm o direito de posicionar-se em relação a diversas questões que ocorrem no contexto escolar. Com isso, o aluno se cala não por crer na autoridade docente, mas por temer as punições e ameaças (implícitas ou explícitas) do professor autoritário. Dessa forma, a relação professor-aluno vai se enfraquecendo diariamente nessa batalha desigual, onde o primeiro tem todas as armas contra o segundo. O professor desperta o interesse do aluno quando no exercício de suas funções consegue demonstrar sua profundidade no assunto além do desejo de ensinar. Com isso, um novo contrato pedagógico se estabelece: onde professor e aluno assumem um compromisso cujo alicerce é a relação com o conhecimento. Nesse contexto, o professor é reconhecido como autoridade (TAYANO e CORTE, 2008). Percebeu-se um grande desgaste do profissional, o qual chega ao aluno sob a forma de autoritarismo e chantagens, simplesmente por que é mais fácil e rápido agir desta forma, pensamento este, que é clássico de alguém que está passando por um processo de desgaste. As informações expostas indicam a gravidade da situação atual e o delineamento de um novo modo de organizar a prática e o currículo, onde se perde o lugar do conhecimento e da reflexão. Acreditamos que o desvendar dos desdobramentos da relação infância e pedagogia devam ser constantes e, portanto, fundamentais para aqueles que atuam (ou pretendem atuar) no campo da Educação Infantil, ao passo que busquem melhor compreender as ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 195 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior finalidades e a própria delimitação deste campo educativo, centrando-se no ensino de conteúdos que realmente faça sentido aos alunos. Referências Bibliográficas: ARIES, P. A História Social da infância e da família. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei n. 8.068, de 13/07/1990: Constituição e Legislação relacionada. São Paulo, Cortez, 1991. CÉSAR, C.C. O Jogo Perigoso da Chantagem Infantil. Disponível em: <http://www.colegioopet.com.br/centro_civico/dicas_pais_cbr.html> Acesso em: 05 de jul. de 2010. ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1994. DEL PRETTE, Z.A.P.; DEL PRETTE, A. Habilidades Sociais e educação: Pesquisa e atuação em psicologia escolar educacional. In DEL PRETTE, Z.A.P. (Org.) Psicologia escolar e educacional, saúde e qualidade de vida: explorando fronteiras. Campinas: Alínea, 2001. FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. SANS, P.T.C. A criança e o artista. Campinas, SP: Papirus, 1994. TAYANO, E; CORTE, A.F. A autoridade do professor. (2008). Disponível em: <http://www.contee.org.br/noticias/artigos/art52.asp> Acesso em 30 de jun. de 2010 SARMENTO, M.; PINTO, M. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo In: PINTO, Manoel & SARMENTO, Manoel (Coord.). As Crianças: Contextos e Identidades. Braga. Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho, 1997. SIQUEIRA, D.C.T. Relação Professor - Aluno: Uma Revisão Crítica. (2003). 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A história dos educadores, sua formação e inserção, é permeada pelas tensões e localizar/valorizar os avanços, aí considerados os direitos de externalizar saberes e evidenciar auto-imagens positivas, como destaca Arroyo (2011, 2002, 2000), é finalidade deste trabalho. Ocupamo-nos da avaliação do currículo da Educação Infantil em Niterói (RJ), observando o processo de construção do texto “Referenciais Curriculares para a Educação Infantil” – ações de autoria dos educadores da rede e dissensões no plano teóricoideológico. Retratamos as iniciativas e perspectivas das prescrições curriculares, as modelações dos textos e das práticas e os elementos ressaltados nas avaliações para sustentar o novo planejamento. Metodologicamente, insistimos na experiência de relacionar espaços e tempos da formação inicial e continuada, compondo estudos e grupos de trabalho, observando e caracterizando momentos e condições de oferta da educação, analisando propostas curriculares específicas, interrogando e reconhecendo manifestações/saberes, aprendizagens que as investigações oportunizam. Palavras-chave: Currículo, Educação Infantil, Avaliação, Rede Municipal de Niterói. Abstract The curriculum has been field of dispersions and disputes. Establish meanings and directions for the curriculum involves elaborations that make our “being a teacher”, our work, our identities as professional. The history of teachers, their professional development and integration, is permeated by the tensions and find/develop the advances, there considered the rights of outsourcing knowledge and demonstrate positive self-images, as highlighted by Arroyo (2011, 2002, 2000), one purpose of the work. We deal with the process of evaluating the curriculum from local childhood education public school in Niterói (RJ), observing the process of constructing the text "Referenciais Curriculares para a Educação Infantil" - actions of authorship network of educators and dissensions in the theoretical and ideological. We portray the initiatives and perspectives of curriculum requirements, the modeling of the texts and practices and the elements highlighted in the assessments to support the new plan. Methodologically, we insist on experience to relate space and time of initial and continuing education, organizing studies and working groups, observing and describing moments and ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 197 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior conditions for supply of education, examining specific curricular proposals, questioning and acknowledging manifestations/knowledge, learnings to nurture the research. Keywords: Curriculum, Childhood Education, Evaluation, local education public school in Niterói. 1 - AVALIAÇÃO DO CURRÍCULO: Este trabalho pretende avaliar o currículo da Educação Infantil. Fundamentando-nos no documento “Referenciais Curriculares para a Rede Municipal de Ensino de Niterói: Educação Infantil. Uma construção coletiva”, considerando os registros, isto é, os materiais produzidos nos anos de 2009 e 2010, as observações/acompanhamento do processo que antecedeu a produção do documento final e as críticas às medidas governamentais como política administrativa no âmbito do currículo. Desde as ações de planejamento à avaliação, supõe-se a relevância de práticas de elaboração e implementação, contrapondo a validade das propostas curriculares às operações de dar novos conteúdos às próximas realizações, ressaltando aspectos mais genuínos nos planos técnico-pedagógico e político cultural. O planejamento é ação de ir dando forma progressivamente ao currículo em diferentes etapas, fases e instâncias que o moldam. Implica prever a realização das atividades pedagógicas, em coerência com teorias e princípios, em função dos meios e condições, mantendo certa dependência causal entre sujeitos e níveis de atuação, entre intenções e resultados, entre modelos e propostas de inovação. O planejamento remete à soma de decisões acumuladas progressivamente, evidenciando as margens de autonomia que a experiência curricular oferece, delega, permite ou se interpõe aos sujeitos, podendo indicar, em muitas situações, desprofissionalização dos docentes. Planejamento e avaliação são faces da mesma moeda, porque um momento reflete o outro. A avaliação, neste sentido, ressalta a valorização do currículo, expressa a materialização nos significados que os docentes ponderam e os critérios e indicadores apreciados e admitidos. O referencial curricular para a Educação Infantil da rede de ensino – o processo de sua elaboração – envolve diretamente os docentes nos pólos (planejamento e avaliação) em que se constitui. Estudos sobre a educação dos “pequenos” vêm tomando corpo ao longo dos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 198 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior últimos anos e os profissionais da rede municipal de educação infantil de Niterói têm acompanhado tais estudos, seja em espaços de formação profissional continuada no interior das Unidades de Educação Infantil, seja por iniciativa própria. A defesa do espaço da infância na educação, bem como o atendimento à pequena infância nas escolas marcam a história profissional de muitos professores desta rede municipal49. Estes profissionais, ao longo dos últimos anos, vêm realizando discussões, estudos e construções que se refletem na produção de legislações, ainda que de maneira não satisfatória. Lembramos Arroyo (2011) quando trata dos coletivos populares que, na década de 70, reagiam ao não lugar da infância nos espaços dos sistemas públicos de educação. Este movimento inicialmente vinculava-se à necessidade de atendimento das crianças como parte da luta das mulheres trabalhadoras. Aos poucos, o reconhecimento da infância vem tomando corpo bem como o direito a educação desde a pequena infância. Entretanto, a realidade mostra-nos que as políticas de educação para a infância, em geral, nasceram como políticas de instrução e não de formação. Deste modo, ignorou-se ao longo da história, a presença da infância, ou melhor, das muitas infâncias. Esta distorção da compreensão da infância associada à adoção de políticas sustentadas por outros interesses respondem ao traço marcante na configuração dos currículos. O reconhecimento da infância que toma espaço em diferentes âmbitos da sociedade passa a ter visibilidade também em distintas direções. Neste sentido, torna-se alvo de disputa. Disputa ideológica que sustenta práticas opostas e conflitantes no que diz respeito ao processo de formação dos “pequenos”, à formação humana. Na medida em que a infância vai abrindo espaço na sociedade, nas ciências sociais, nas políticas, no campo dos direitos, podemos esperar que sua 50 presença no sistema escolar, nos currículos será disputada . Já está sendo disputada por coletivos de pesquisa, de produção teórica, de formulação de políticas de currículo e formação (ARROYO, 20011, p. 183). Avaliar o recente processo de construção do referencial curricular neste trabalho tem implicado a experiência de vincular espaços e tempos da formação inicial e continuada na escola básica e na universidade. Compomos, como Núcleo de Pesquisa na Faculdade de Educação-UFF, grupos de trabalho, observando e caracterizando condições de oferta da 49 Obviamente, esta realidade evidencia-se nas Unidades Municipais de Educação Infantil. Ou seja, em maioria, as Unidades de Ensino Fundamental que possuem classes de Educação Infantil não se integram às propostas de trabalho, concepções de infância e tampouco de educação da criança pequena do mesmo modo que as Unidades que atendem exclusivamente aos “pequenos”. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 199 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior educação, analisando propostas curriculares específicas, interrogando manifestações/saberes, conforme oportunizam as investigações. Esta pesquisa objetivou: a) coletar informações acerca da estrutura e operacionalização do planejamento curricular; b) identificar significados revelados nas observações/inserção no processo; c) relacionar sentidos das práticas e perspectivas de elaboração dos textos curriculares. A avaliação do processo de construção dos referenciais curriculares consiste em ressaltar significados (interpretações) e sentidos (direção, horizonte), desde a reflexão do que contempla a legislação à ação coletiva e participativa dos docentes. Realizamos um breve histórico deste processo como exercício de memória, registro e considerações acerca da intervenção na construção do texto para a prática pedagógica na Educação Infantil de Niterói. 2 - EDUCAÇÃO INFANTIL EM NITERÓI: UM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO CURRICULAR Ano de 2009 Com base na Portaria 132/2008 que em seu Parágrafo 1º diz que “os Referenciais Curriculares e Didáticos (...) serão construídos de forma participativa pela comunidade escolar da Rede Municipal de Educação de Niterói, em especial pelos seus profissionais da educação” e por orientação da Superintendência de Desenvolvimento de Ensino, a Coordenação de Educação Infantil, entendendo que esta construção deveria ser feita em diálogo com a rede, promoveu durante o ano de 2009 encontros com representantes das Unidades Municipais de Educação Infantil, Unidades Escolares e Programa Criança na Creche 51. A mesma Portaria ressalta o estabelecimento de Diretrizes Curriculares e a construção de Referenciais Curriculares para todos os ciclos a partir de eixos – I- Linguagem, Identidade e Autonomia; II- Espaço, Tempo e Cidadania e III- Ciências, Tecnologias e Desenvolvimento Sustentável. Em maio de 2009 realizou-se um Seminário “Infância, cultura e currículo” com o objetivo de dar início ao processo de elaboração de uma proposta de trabalho para a construção do Referencial Curricular da Educação Infantil de Niterói. Estiveram presentes professores-pesquisadores da área a fim de estimular o debate de questões referentes ao tema a serem desenvolvidas em encontros posteriores. 50 Grifo nosso. O Programa Criança na Creche concentra a organização das creches comunitárias, filantrópicas e confessionais conveniadas à Prefeitura do Município de Niterói. As orientações pedagógicas desta “rede paralela” se fundamentam em dialógo com as mesmas desenvolvidas nas UMEIs (Unidades Municipais de Educação Infantil). 51 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 200 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Em junho, constituiu-se52, através de eleição, uma Comissão para articular a construção do Referencial Curricular de Educação Infantil de Niterói. A Comissão se voltou para a criação de estratégias de participação dos/das educadores das Unidades Municipais de Educação Infantil (UMEIs) e Creches Comunitárias na construção deste documento. Suas atribuições, segundo o documento: “Referenciais Curriculares da Educação Infantil em Niterói: trajetórias e desafios” eram: a) definir espaços para realização de encontros dos representantes das escolas; b) organizar cronograma de reuniões por “Eixos Temáticos” (Portaria 132/2008); c) coordenar os grupos de trabalho; d) sistematizar os registros recolhidos de cada encontro; e) listar os recursos materiais necessários para o desenvolvimento dos trabalhos e levantar custos, A partir deste momento, optou-se pela eleição de mediadores – representantes de UEIs (UMEIs e Creches Comunitárias) – os quais incumbiram-se de “fazer a ponte” entre as discussões inter-unidades travadas em encontros de mediadores e as equipes de educadores/educadoras das respectivas UMEIs e Creches Comunitárias. A Comissão da Educação Infantil organizou encontros com representantes das escolas. Nestes encontros foram discutidos, pelas Unidades e debatidos nos encontros de mediadores, temas como: “Concepção de Currículo na Educação Infantil, Relação adultocriança, Espaço e Tempo na Educação Infantil” etc. O resultado deste trabalho – as respostas de cerca de 40 UEIs – foi, então, tabulado pela Comissão de Educação Infantil e apresentado aos presentes no 2º Encontro de Mediadores. De acordo com os resultados tabulados sobre que questões devem ser abordadas no currículo da Educação Infantil53 destacaram-se: cuidar e educar; diferentes linguagens; letramento; identidade; cidadania; diversidade/pluralidade cultural; autonomia; interdisciplinaridade; natureza e sociedade; hábitos e atitude; conhecimento de si e do mundo; brincadeiras; valores; limites; sexualidade; saúde; ciência e tecnologia; artes; esportes; criticidade na educação infantil; musicalidade. Os itens destacados pelos profissionais como importantes para a composição de um currículo para a Educação Infantil revelam as demandas de um professorado que possui expectativas quanto à formação das crianças e, de certo modo, indica o perfil destes profissionais que respondem a diferentes formatos de formação docente bem como suas implicações na prática educativa. Este levantamento poderia nos servir, em caso de análise 52 A Comissão era composta por representantes das Unidades Municipais de Educação Infantil – professores, pedagogos, diretores – e representantes das Creches Comunitárias conveniadas através do Programa Criança na Creche. 53 Questões retiradas da tabulação realizada a partir do resultado obtido nas discussões com os profissionais. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 201 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior mais detalhada, tanto para pensarmos o currículo e a formação dos “pequenos” como a formação do docente que atua na educação infantil e as bases teóricas que fundamentam as práticas neste segmento da escolarização. Em meados do segundo semestre, a Fundação Municipal de Educação, sem consulta aos profissionais envolvidos no processo de construção curricular, contrata uma consultoria privada através da Fundação Darcy Ribeiro – FUNDAR – para assessorar o trabalho de construção curricular. Vale destacar que, no mesmo ano, um novo presidente era indicado pela Prefeitura para assumir a Fundação Municipal de Educação e esta iniciativa de contratação da FUNDAR deu-se a partir desta nova presidência. Em dezembro de 2009, foi promovida reunião de intercomissões com a professora representante da Fundação contratada e, “coincidentemente”, amiga pessoal do presidente da Fundação Municipal de Educação de Niterói. Na ocasião, a professora comprometeu-se com a sistematização de todo o material produzido ao longo do ano de 2009 e apresentação de um Documento Preliminar no início do ano seguinte (2010), a partir do qual seriam retomados os trabalhos. Ano de 2010: O Documento Preliminar foi entregue aos profissionais da rede municipal de educação em encontro promovido pela Fundação Municipal de Educação no início de fevereiro de 2010. O 1º Encontro de Mediadores de 2010, realizado em 29 de março teve como pauta a análise crítica do Documento Preliminar. Neste encontro foi evidente o prejuízo da discussão em função de diferentes fatores: a) não entrega do documento às Creches Comunitárias (que representavam mais de 50% do total de UEIs envolvidas); b) não realização da leitura do documento por parte dos representantes das UMEIs. Este último fator pode ser interpretado como resistência à imposição da contratação de uma Fundação para realizar trabalho que vinha se desenvolvendo de maneira organizada e coletiva por quem, de fato, estava envolvido com a ação curricular no interior das Unidades Infantis. Ainda que visivelmente desacreditados da possibilidade de continuidade das discussões e construções coletivas, após este encontro, as Unidades enviaram, por escrito, observações críticas a partir da leitura e discussão do Documento Preliminar com as ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 202 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior respectivas equipes. Foram apontadas como mais freqüentes nos documentos enviados pelas escolas, dentre outras, as seguintes questões: 1) Identificação de palavras/conceitos difusos no documento: 1.1) Discordância com a definição de “currículo Multicultural” tendo em vista as discussões realizadas ao longo do ano de 2009 bem como a falta de clareza, explicitação acerca do viés teórico-político do multiculturalismo, ali inscrito. 1.2) Questionamento quanto à palavra niteroidade e sua definição. 1.3) Discordância de termos presentes no documento quando o mesmo refere-se ao desenvolvimento da aprendizagem, orientando a prática pedagógica, tais como: “progressivamente, dosagem.” 1.4) Discordância quanto à inserção da definição da proposta como: Escola de Cidadania e Sucesso. 2) Discordância com a formatação em grades do currículo na educação infantil; 3) Não identificação de referenciais teóricos utilizados durante as discussões ao longo de 2009 no Documento Preliminar; 4) Não identificação das “classes de apoio” como integrante na realidade da rede e tampouco na legislação municipal colocada no documento; 5) Não reconhecimento da autoria dos profissionais da rede no documento preliminar; 6) Identificação de perspectiva de seriação contrapondo-se à realidade de ciclo infantil da rede municipal de Niterói; Em suma, o não reconhecimento dos estudos acumulados pelos profissionais da rede no Documento Preliminar e, portanto, a não autoria na produção do mesmo constituiu-se como consenso entre as Unidades. Não estão presentes no documento preliminar os textos e as discussões feitas no ano de 2009, pois acreditamos que antes de detalharmos os conteúdos a serem possivelmente trabalhados durante o ciclo da educação infantil, organizando-os através dos eixos, devemos mostrar como é a educação infantil ou com o que nos preocupamos nela [...] (UMEI Maria Luiza da Cunha Sampaio). É relevante destacar a inquietação e o pesar de todos os profissionais de educação desta unidade, no que concerne ao processo parcial de construção coletiva desta atual rede pública de educação, acerca do documento em questão, na medida em que inicialmente houve um tradicional e genuíno movimento no qual todos os profissionais foram legitimamente envolvidos em: estudos, discussões, registros, reuniões, revisões de registros e, sobretudo, significativas trocas entre profissionais da própria rede. Notamos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 203 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que a partir da decisão de contratar uma consultoria (...) as produções preliminares, assim como também no próprio documento preliminar, a ausência das marcas, reflexões e abordagens e resultantes dos estudos e posicionamentos do conjunto de profissionais da rede pública de Niterói (UMEI Nilo Neves). Outra questão a ser destacada é a alteração nas pautas em reuniões tanto da comissão como na de mediadores. Ambas sofreram alterações sem a devida consulta prévia dos integrantes – que já haviam estruturado os pontos de tais encontros – a fim de garantir a presença da professora contratada representante da FUNDAR para esclarecimentos sobre o conceito de multiculturalismo – termo polêmico presente no Documento Preliminar e impresso pela mesma como definição curricular da educação infantil de Niterói. Reforçando o destaque dos muitos pontos evidenciados pelas escolas, compreendemos que a síntese dos estudos e dos registros realizados ao longo de 2009 não estão representados como conteúdo construído coletivamente pelos educadores da rede de Niterói. Ademais, no que se refere à definição do currículo de Niterói como um currículo multicultural, o referido documento, em nossa opinião, peca ao assemelhar-se aos documentos oficiais que também proclamam as bem aventuranças do multiculturalismo e com isso fragmentam a luta dos oprimidos, trazendo à baila as formações culturais, étnicas, identitárias que apagam as estratificações econômicas e promovem políticas para escondê-las (UMEI Rosalina de Araújo Costa). Do mesmo modo, além da representação dos Eixos, o Documento Preliminar não condiz, com o recomendação legal da portaria 132/2008, criada pela própria Fundação Municipal de Educação, quando se refere ao processo de construção participativa do currículo em Niterói. O descrédito dos profissionais também estava caracterizado na presença dos poucos que ainda insistiam em reivindicar a construção do material a partir da sistematização fiel da prática docente dos profissionais da rede. A escolha entre o caminho da alienação e o caminho da emancipação, como nos diria Martínez Bonafé (2010) estava dada como o desafio final na disputa ideológica que demarcava os territórios habitados pelos profissionais e pela professora contratada pela Secretaria de Educação/Fundação Municipal de Educação. Percebe-se enfim, no documento final, a presença desta disputa em textos que se confundem entre conceitos, fundamentações, perspectivas e projeções. 3 - AS POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO INFANTIL ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 204 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Situando a escola pública brasileira num contexto permeado por políticas públicas de cunho neoliberal é possível localizar a educação infantil nesse lugar, compreendendo que a infância também está exposta às mesmas forças sociais que atingem os adultos. No cenário brasileiro, observa-se também a lógica mercadológica, competitiva, meritocrática e que põe a culpa dos fracassos nos indivíduos isolados, com a expansão das políticas de avaliação centralizadas, cujo maior expoente nos últimos tempos, em termos de Educação Básica, é o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). No que diz respeito à educação infantil em particular, o documento Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (2006) apresenta idéias que servem a essa lógica mercadológica. Embora num primeiro momento o documento afirme que a avaliação da educação infantil deva estar centrada muito mais nos processos educativos do que em produtos e que deva partir de uma concepção de criança como sujeito ativo, defende, por outro lado, que os investimentos em educação infantil são rentáveis porque está comprovado que as crianças que a frequentam, de um modo geral, não se tornam repetentes nos anos seguintes do ensino fundamental, causando menos prejuízos para os cofres públicos. Essas conclusões consideram os resultados de pesquisas realizadas em diferentes países e no próprio Brasil. Justificar o investimento na educação infantil por esse viés economicista, a partir do impacto financeiro da educação infantil sobre o ensino fundamental, é algo que se contrapõe radicalmente a nossa defesa desse tempo de escolarização como momento de vivência de experiências e valorização das culturas das crianças. De nosso ponto de vista, motivos de outra ordem é que devem justificar o incentivo à valorização da educação infantil, dentre os quais podemos citar, por exemplo, o pleno atendimento ao direito de todas as crianças de frequentar uma escola infantil de qualidade; a construção de um currículo para a educação infantil voltado para o favorecimento do desenvolvimento humano (dentro da perspectiva vygotskyana); a valorização e incorporação das ações tipicamente infantis como elemento significativo na prática pedagógica e a centralidade da linguagem como fator importante na constituição da criança/sujeito. Ainda em referência ao contexto brasileiro, além da presença da lógica mercadológica nas políticas educacionais de avaliações centralizadas, essa se faz presente também nas políticas curriculares para a educação infantil, a exemplo do que se pode observar no documento Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil - RCNEI (Brasil-Mec, 2003). Esse documento, de um lado, pode ser considerado um avanço em termos de propostas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 205 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior para a educação infantil, concepção de infância e educação, e por outro lado, tem sido criticado por alguns devido ao fato de desconsiderar boa parte do que já vinha sendo produzido em termos de reivindicações para a educação infantil. O documento distancia-se da realidade do cotidiano de trabalho e formação dos professores das creches e escolas infantis brasileiras e apresenta algumas contradições. Ao mesmo tempo em que defende a formação do cidadão, também orienta o trabalho pedagógico para a formação da criança como futuro trabalhador, que deverá estar pronto para ser inserido num mercado onde a competição e a excelência prevalecem. Com isso, aproxima-se, como alvo de crítica, das afirmações de Sarmento (2003) a respeito das idéias presentes na elaboração das políticas educacionais: [...] emergem [...] as idéias da ‘criança ao centro’, da ‘educação para a cidadania’ e da ‘participação educativa’ como referenciais da gestão da crise educacional [...] Não obstante, no mainstream das correntes políticoeducativas, esses conceitos ganham conteúdos semânticos diversos e pluralizados, podendo (crescentemente) ‘cidadania’ significar ‘disciplinação social’ [...] (SARMENTO, 2003, p 8). Autores como Cerisara (2005) e Kramer (2006) revelam aspectos contraditórios fundados em pareceres a respeito da versão preliminar do documento RCNEI. Kramer (2006, p. 8) afirma ainda que o Referencial “não soube como equacionar tensão entre universalismo e regionalismo, além de ter desconsiderado a especificidade da infância”. Com base nas reflexões que apresentamos até aqui, é importante ressaltar que se as políticas públicas para a educação de um modo geral (em todos os seus níveis de ensino) inserem-se nesse difícil contexto do capitalismo flexível, muito mais complexas parecem ser as questões desse gênero voltadas especificamente para a educação infantil, uma vez que no mundo todo, as políticas para a infância deparam-se com tensões envolvendo a relação família-Estado frente à responsabilidade perante a criança pequena, a conciliação entre trabalho dos pais e responsabilidade familiar [...] (HADDAD, 1998). No Brasil particularmente também é tempo de muitas tensões e mudanças para o campo, uma vez que estão em evidência mudanças legais que alteram o financiamento da educação infantil, a formação de professores, as relações entre educação infantil e ensino fundamental e muitas outras coisas (BARBOSA, 2005/2006, p. 46). 4 - REFERENCIAIS CURRICULARES: O documento “Referenciais Curriculares para a Rede Municipal de Ensino de Niterói: Educação Infantil. Uma Construção Coletiva” é o texto-base para análise do que vem sendo ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 206 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior implementado na referida rede, considerando os registros, as interpretações e a crítica respaldada na política educacional nas últimas duas décadas. Tomamo-lo para realizar a avaliação porque expressa a materialização dos significados, ponderação de necessidades e condições de realização, perspectivas de mudanças, alinhamento a certos modelos, interrogações de toda ordem, desafios e resultado de muitos esforços, especialmente da parte de quem realiza a educação. O texto-base compõe-se de referências à história recente da atuação dos educadores, coordenação e equipes da FME e da SME, assim como representantes das escolas municipais e creches comunitárias. Entre movimentos de discussão, sistematização e redação do material analisado são mencionados processos de disputa e decisão de que a história do currículo, em particular, e dos educadores, amplamente, são permeados. Nas entrelinhas do texto são compreendidas as intenções de fazer valer um e outro projeto. Reportar-se à história da Educação Infantil, sublinhando os avanços que no debate a respeito do novo texto da LDBEN, já no movimento pela “Constituição Cidadã” de 1988, aí incluídas as Conferências Brasileiras de Educação, é suporte seguro a todo relato que pretenda destacar a autoria, afirmações e reconhecimento da identidade profissional dos educadores quando não se pode subtrair tal característica. Assim é que no item 3, “Caminhos Trilhados”, são identificados fatos e situações que respaldam, se mantêm, se aprofundam como direitos das crianças e famílias. Os marcos que na Constituição Federal de 1988 estiveram apontados constituem ações políticas de reconhecimento das crianças como sujeitos de direito e consolidam avanços no conteúdo das reivindicações dos educadores e demais coletivos organizados. O passo seguinte na formulação do texto-base é a referência ao contexto educacional, mapeando as condições em que se estabelece a dimensão político-administrativa do currículo. Este âmbito de decisões evidencia quais são os determinantes exteriores ao currículo, em especial, o espaço escolar, sua história e construção presente, fundamentos para desenvolver as subjetividades. Refletindo sobre o que são os edifícios escolares, Escolano e Viñao Frago (2003), indicam as possibilidades de influência do contexto histórico-escolar, criado por formas passadas de implementar a educação, internalizadas as tradições, das improvisações para lidar com os espaços à escola-monumento. Essa história, sinteticamente, podemos contar. A rede municipal de ensino de Niterói passa a constituir-se como tal a partir da fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, quando esta cidade deixa de ser a capital. Antes, a rede pública estadual concentrou ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 207 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior importância e visibilidade na cidade e, pela proximidade da sede da Secretaria de Educação, nas formas de controle e zelo, durante os governos militares, em particular, cumpriu o papel de informar à população o âmbito de influência da educação pública nos grandes centros urbanos. Deste modo, a rede municipal passa por longo processo até estabelecer-se, sendo desigual seu crescimento em comparação com outros vários municípios. É nesta década que se promovem a ampliação do número de escolas e as iniciativas de adequar as propostas governamentais às condições e realizações que o corpo docente anunciava, devido à combinação da formação acadêmica, vínculos com a pesquisa e debate político, participação nas discussões devido a conquistas democráticas, concentração no conteúdo, códigos e efeitos do trabalho pedagógico, para realizar o direito à educação dos pequenos em espaços formais. As menções a aspectos da legislação pavimentaram caminhos para fazer vigorar o que o Governo Federal, desde Cardoso, determinou segundo a Lei de Diretrizes e Bases. Os fundamentos teóricos, frequentemente mencionados para chegar a concepções mais coerentes e adequadas ao pensamento progressista no campo da Educação Infantil, remetem a Philippe Áries, Jean Jacques Rousseau, Bernard Charlot, Jean Piaget, Vygotsky, Walter Benjamin, Solange Jobim, Sonia Kramer, destacando as críticas políticas para lidar com a educação de bebês e demais crianças, os conteúdos das prescrições curriculares desde o planejamento à avaliação. O texto enfatiza os passos da legislação A seleção de conteúdos do Referencial Curricular para a Educação Infantil é tomada de eixos que, em documentos divulgados anteriormente (Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Brasil, MEC, 2010), Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, MEC, 2009) e Portaria 132 (Fundação Municipal de Niterói, 2008), foram relacionados: Linguagens, Tempo e Espaço, Ciências e Desenvolvimento Sustentável. Os eixos curriculares referem-se às especificidades desta fase da educação e evidencia os desdobramentos que o atendimento a crianças com necessidades especiais exige. São visadas as diversas linguagens (LIBRAS), o sistema BRAILLE e propostas lingüísticas como a CAA – Comunicação Alternativa e Assistiva. As identidades plurais estão mencionadas e muitos autores Bakhtin, (2002), Guimarães (2009), Corsino (2009), Tiriba (2005), Borba considerados fundamentais para compreender as escolhas refletidas na diversidade cultural. Junto ao que se explicita como compreensão do conteúdo de cada eixo são ressaltados os pressupostos transversais, os objetivos e demais orientações para os profissionais, entre procedimentos e recursos de ensino-aprendizagem. Como currículo prescrito envolve o conjunto das decisões ou condicionamentos dos conteúdos e da prática ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 208 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que desde instâncias de decisão político-administrativa, regula o jogo do sistema curricular. Entre as funções das prescrições estão relacionados os marcos de uma cultura comum, as intenções de promover a igualdade de oportunidades, a organização dos saberes, as vias de controle sobre a prática, o controle de qualidade e a indicação de procedimentos e recursos determinantes da realização. Para os pressupostos transversais se voltam diferentes contribuições, detalhando os princípios, valores, significados, atividades, recursos que em meio a polêmicas e esforços para fazer valer concepções fecundas na Educação Infantil, são destacados: a) brincar: encontro de infâncias, b) educar, cuidando e cuidar educando, c) educação infantil: espaço e tempos para as crianças, d) múltiplas linguagens na vida, por que não na escola?, e) letramento: lendo e escrevendo o mundo, f) a arte de conviver: as dimensões da coletividade e a singularidade no trabalho com os pequenos, g) autonomia: a criança participando e escolhendo na educação infantil, h) sensibilidade e afetividade: por um diálogo aberto e sensível, i) diversidade cultural: compartilhando vivências e saberes, j) dimensão cidadã: a criança como sujeito de direitos. Os diversos textos que compõem os referenciais informam a variedade de contribuições dos sujeitos envolvidos e explicitam resistências às medidas de submissão das políticas educacionais a interesses heteronômicos por parte de organismos internacionais. Transformações se configuram no interior de uma sociedade globalizada, do capitalismo em sua etapa flexível, com uma hegemonia ainda mais abrangente. É justamente nesse contexto, que se inserem as políticas públicas educativas, as quais, conforme Sarmento (2005b), se dão a partir da deslocação do centro da agenda política educativa do eixo da inclusão e da igualdade social das crianças e jovens para objetivos associados à competitividade e à eficácia dos resultados. 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS: PROPOSIÇÕES PARA UM CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL É possível perceber, sem dúvida avanços nas políticas para a educação infantil que sofre há anos com a não dotação de verbas específicas, com a abertura e fechamento contínuo de departamentos e órgãos responsáveis por essa área, com a disparidade entre os avanços teóricos do campo e as políticas curriculares. Porém, mesmo que se tenha avançado ainda há muitos desafios por se resolver no que diz respeito à educação infantil. Além disso, como afirma Kramer (2006, p.2) ainda há a necessidade de promoção de estudos sobre a institucionalização da infância e sobre as concepções teóricas da infância, de modo a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 209 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior consolidar as contribuições da sociologia da infância, da antropologia e os estudos culturais sobre as crianças e as culturas infantis. Compreendemos, entretanto, que as análises e interpretações aqui apresentadas poderão contribuir para o desenvolvimento das reflexões a respeito da defesa que fazemos da incorporação das crianças como sujeitos no currículo da educação infantil. Temos observado que os profissionais da educação infantil, nos diversos espaços nas quais se inserem (escola, secretarias de educação, sindicatos, organizações, movimentos, grupos de pesquisa etc.), aproximam-se sobretudo das contribuições da Sociologia da Infância, do sócio-interacionismo (Vygotsky) e da filosofia da linguagem (Bakhthin). Em Niterói não tem sido diferente, os profissionais da educação infantil têm discutido questões importantes para a educação infantil baseados nesses referenciais. Propomos outros conteúdos, pautados em outros referenciais, partindo de algumas definições de criança, infância e educação infantil que se opõem ao ideal referendado pela lógica do capital. Tomamos como base para nossas reflexões e proposições aqui apresentadas a consideração da criança como ser social, produtor de cultura, tal como vem sendo apontado pelo campo Sociologia da Infância. Trata-se, portanto, de compreender a criança como produtora de culturas num processo em que sofre influências da sociedade e dos sujeitos de outras gerações com os quais convive e influencia-os. Ao produzir suas próprias culturas na interação com seus pares, com outras gerações e com o contexto sócio-histórico-cultural no qual se insere, as próprias crianças nos informam os caminhos que devemos seguir na construção de uma educação infantil de qualidade. São as pistas oferecidas por elas mesmas, aliadas a alguns referenciais teóricos, que fundamentam as proposições que apresentamos a seguir. É preciso, portanto, repensar a própria participação das crianças no dia-a-dia da escola de modo a garantir que as manifestações infantis sejam de fato consideradas no planejamento das atividades, na organização das brincadeiras, das linguagens, do tempo, do espaço, dos grupos. Se ainda predomina um currículo (entendido aqui como tudo aquilo que acontece no ambiente escolar) construído exclusivamente pelo adulto, no qual a participação da criança se reduz a uma mera adaptação, é urgente uma modificação nesse modelo, uma vez que as crianças normalmente não se limitam ao papel que lhes é imposto, mas terminam por resistir, indagar e modificar o que o adulto tenta impor. Nesse sentido, propomos a consideração da linguagem e das brincadeiras como elementos importantes na construção de matrizes, eixos, referenciais para a educação infantil, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 210 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior o que atenderia em grande medida à efetiva participação da criança e o respeito e consideração de sua voz. Da mesma forma, defendemos que o comportamento brincalhão da criança deve ser valorizado, integrando o cotidiano de trabalho pedagógico na educação infantil. Jogo e brincadeira devem ser, desse modo, conteúdos permanentes de um currículo para a educação infantil, uma vez que passam a ser tomados, em sua interatividade, como elementos das culturas da infância, sendo também condição da aprendizagem e, desde logo, da aprendizagem da sociabilidade (SARMENTO, 2003). Baseando-se na teoria de Vygotsky, a pesquisadora Borba (2007) revela que sendo a brincadeira uma atividade central na ação infantil, torna-se espaço fecundo para processos de aprendizagem e desenvolvimento da criança, uma vez que impulsiona o seu desenvolvimento, dado que ao realizar a brincadeira ela se comporta de forma mais avançada do que na vida cotidiana, exercendo papéis e desenvolvendo ações que mobilizam novos conhecimentos, habilidades [...] (p. 3). Para além das sugestões que já apresentamos até aqui de modo mais ou menos explícito, trazemos mais algumas de caráter teórico-prático, de acordo com os referenciais defendidos. São elas: Trabalhar a partir de projetos que partindo de temas escolhidos pelas crianças ou professores, apresente uma estrutura organizacional preocupada com o processo e não resultados. Focada na formação de crianças reflexivas e críticas, voltado para o desenvolvimento das estruturas mentais superiores (Vygotsky), por meio da pedagogia da pergunta (pergunta-ação-reflexãoresposta, Freire e Faundez, 1985), voltada também para o desenvolvimento da linguagem, por meio da interação discursiva (Bakhtin) e preocupada com a promoção da brincadeira. Nesse sentido, uma estrutura possível seria: elaboração de roteiro inicial (o que sei, o que quero saber, como saber planejamento ao qual sempre se volta); fontes de consulta diversas (livros, jornais, revistas, entrevistas, visitas, internet etc.); leitura de textos, imagens e músicas; produção coletiva de textos; discussão em grupos; exposição oral dos trabalhos na rodinha; comunicação dos trabalhos (entre agrupamentos, entre a escola e a família); registros do trabalho (quadros, textos, quadrinhos, desenhos, pinturas, maquetes etc.). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 211 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nesta perspectiva de projetos está implícito o entendimento da pesquisa como princípio educativo e o possível trabalho com diferentes naturezas de conhecimento, inclusive o científico. Essa estrutura organizacional, portanto, comporta outros conteúdos e procedimentos: A articulação entre pensamento e linguagem (Vygotsky) por meio de atividades interativas: gestos, dramatizações, brincadeiras, desenho, escrita, textos individuais e coletivos, rodas de conversa, planejamento coletivo com as crianças; O atendimento a uma perspectiva sócio-cultural para a educação infantil efetivada por meio do trabalho com diferentes linguagens; projetos e temas culturais (vida e obra de artistas, por exemplo), visando a socialização dos bens culturais, a apreciação crítica da cultura e contexto de vida dos sujeitos por meio de obras de arte e entendimento do povo-criança como produtor de cultura. Compreendendo-se que a dimensão política está presente nas práticas escolares e nas peculiaridades decorrentes dos estudos sobre as culturas da infância no cotidiano pedagógico, acreditamos que as análises e interpretações desenvolvidas nesta pesquisa possam favorecer o reconhecimento da possibilidade de implementação de outras políticas públicas referentes às formulações curriculares para a educação infantil, à formação continuada dos profissionais desse nível de ensino e aos sistemas de avaliações, as quais deverão pautar-se no entendimento de que as crianças devem ser vistas como cidadãos no tempo presente, membros de um grupo social, construtores de conhecimentos, culturas e identidades e na valorização da infância em si. Referências Bibliográficas: ARROYO, Miguel. Currículo, território em disputa. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2011. MARTÍNEZ BONAFÉ, Jaume. Aprender el oficio docente sistematizando la práctica. In: PÉREZ GÓMEZ, Ángel (Coord.). 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Utilizou-se, como forma de acessar a realidade estudada, a estratégia de visitas técnicas orientadas, sendo o Museu do Brinquedo o nosso campo de pesquisa. A questão principal do trabalho foi perceber de que maneiras os brinquedos e brincadeiras educam os sujeitos para uma dada sociedade. Para tanto, foram elaborados relatórios descritivos e analíticos dos espaços e objetos visitados no museu. A conclusão apontou que o museu, enquanto espaço concreto de se vivenciar memórias, é um contexto de expressão sócio-histórica e cultural de uma dada sociedade em um tempo e espaço específicos. Com relação aos brinquedos, as análises evidenciaram que eles traduzem o repertório de expectativas sobre os sujeitos, principalmente refletem a (re) produção de identidades requeridas por uma demanda social vigente. Palavras-chave: Educação; Museu; Brinquedos. Introdução O presente texto tem como objetivo compartilhar um trabalho acadêmico desenvolvido no terceiro período do curso de Pedagogia no primeiro semestre de 2011, que teve como eixo norteador as possibilidades de interação entre os museus e a educação formal e informal, tendo em vista a interdisciplinaridade de conhecimentos e as intencionalidades educativas apresentadas nesses espaços. Nesse cenário, destaca-se a colocação de Santos (2001), a qual nos lembra que O conceito de museu, para a grande maioria de professores e alunos, ainda permanece como “um local onde se guarda coisas antigas”, sendo que o patrimônio cultural é compreendido como algo que se esgota no passado, 54 Aluna do curso de Pedagogia. Aluna do curso de Pedagogia. 56 Professora Orientadora. 55 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 214 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior cabendo aos sujeitos sociais, contemplá-lo, de maneira passiva, sem nenhuma relação com a vida, no presente. Cultura, patrimônio e tradição são produtos dissociados do cotidiano do professor e da vida dos seus alunos. (SANTOS, 2001, p. 06) Em contrapartida, é importante frisar que o processo museológico e a educação, devem ser compreendidos como histórico-socialmente condicionadas e que assumem, em cada período histórico, características que são resultado das ações do homem, no mundo, fazendo com que possamos considerá-las como possibilidade e não como determinação. Desse modo, faz-se necessário contextualizá-los, situando-os no tempo e no espaço entendendo-os como ação social e cultural. Utilizou-se, como forma de acessar a realidade estudada, a estratégia de visitas técnicas orientadas, sendo o Museu do Brinquedo, situado em Belo Horizonte, Minas gerais, o nosso campo de pesquisa. A questão principal do trabalho foi perceber de que maneiras os brinquedos e brincadeiras educam os sujeitos para uma dada sociedade. Nesse sentido buscamos saber quais são as premissas sócio-históricas e culturais que permeiam a educabilidade das crianças por meio dos brinquedos. A investigação suscitou as seguintes indagações: i) Que tipos de diferenças existem entre os brinquedos de meninas e os brinquedos de meninos? ii) O que essas diferenças podem acarretar na formação das crianças? iii) O que os brinquedos antigos dizem a respeito do processo educativo de suas respectivas épocas? iv) De que maneiras os brinquedos podem contribuir, do ponto de vista pedagógico, para a construção da aprendizagem das crianças? Para tanto, foram elaborados relatórios descritivos e analíticos dos espaços e objetos visitados no museu, bem como foram analisadas as possibilidades de construção e aperfeiçoamento do conhecimento através da interação entre o museu e a escola. Contextualizando o Museu do Brinquedo O Museu dos Brinquedos existiu informalmente entre os nos de 1986 a 1999 sob a coordenação de Luiza de Azevedo Meyer. Com falecimento da referida coordenadora no ano de 2000, familiares deram prosseguimento e criaram o Instituto Cultural Luiza Azevedo Meyer. Em 2006 foi inaugurado o Museu do Brinquedo numa casa tombada pelo IPHAN (Instituto do ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 215 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que está localizada na Avenida Afonso Pena, 2564, Funcionários, Belo Horizontes, Minas Gerais. O museu dispõe de um numeroso acervo, são aproximadamente 5.000 peças de procedência nacional e internacional, que é composto de bonecas, carrinhos, móveis, fogões, trenzinhos, autoramas, velocípedes, livros infanto-juvenis, entre outros, dos quais, atualmente, estão em exposição 800 exemplares. Também existe o Museu dos Brinquedos Itinerante, que busca descentralizar as atividades realizadas na sede, ampliando para escolas, empresas, entre outros espaços e eventos. Nas escolas, por exemplo, os alunos são convidados pelo monitor a viajar no tempo e a aprender um pouco sobre brinquedos de diferentes épocas e culturas. Faz parte desse trabalho a construção de brinquedos pelas crianças, as quais aprendem a fabricar brinquedos de baixo custo e reciclado, além de divertirem com as antigas brincadeiras de rua (corrida de saco, queimada e outras). Museu e escola: espaços de reconstrução sócio-cultural Observou-se que, quando o museu e a escola interagem, como no trabalho do museu itinerante, o(a) aluno(a) é estimulado a compreender os objetos, fazer questionamentos, comparações, relação entre o antigo e o novo, entre culturas, desenvolver a análise crítica e a criatividade. Aos (às) alunos(as) é proporcionado a interação no museu com suas histórias e novidades, já trabalhando a educação intencional de maneira interdisciplinar em todas as áreas. Observou-se que o(a) aluno(a) consegue perceber que os brinquedos refletem a sociedade e suas modificações, que todo brinquedo traduz o mundo adulto para o olhar lúdico infantil. Pode-se perceber que cada brinquedo vai traduzir a intencionalidade da época, antes os brinquedos eram artesanais, frutos da relação do homem com a natureza e com o que já existiam a seu redor, com a descoberta de novas matérias e tecnologias, surgiram às fábricas de brinquedos e estes deixaram de ser apenas artesanais para serem manufaturados. Com isso, retrata o desenvolvimento econômico, o surgimento da indústria e especialização na produção de brinquedos. Percebemos que todas as ideias acima evidenciam a concepção de que a educação tem muito a crescer qualitativamente, agregando-se ao processo museológico. A educação é alimentada por histórias, pelos diversos conhecimentos produzidos e ensinados ao longo dos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 216 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior anos e por isso ela não deve se manter fechada, impenetrante, mas sim usar sua maneira formal agregada com as histórias e possibilidades de abertura do museu para formação de sujeitos sócio-culturais (DAYREL, 1996) críticos, reflexivos e produtores de suas próprias histórias de vida. Algumas descrições dos brinquedos Quebra-cabeça – Inventado em 1763 pelo inglês John Spilsbury que fazia mapas e gravuras. Ele criou um mapa dividido em peças de madeira para ajudar os professores a ensinar geografia. Na sala de aula, as crianças gostaram tanto que logo virou um passatempo divertido. Lego – Inventado por um marceneiro dinamarquês que deu esse nome juntando as primeiras sílaba das palavras LegGodt que significam “boa brincadeira”. O lego são tijolinhos que podem formar casas, carros e tudo que a imaginação pode formar, desenvolvendo na criança criatividade e coordenação motora. Barbie – Criada pela empresa americana Mattel, a Barbie é a mistura de Marilyn Monroe com Brigitte Bardot e seu diferencial era a possibilidade de trocar a roupa de uma boneca. Ela foi apresentada em uma época que acontecia a revolução feminista e a explosão do estilismo na França, expondo assim a concepção de que a mulher podia ser bela, elegante e ao mesmo tempo independente. Com o passar do tempo a Barbie agregou 80 profissões e seu parceiro, o boneco Ken, faz papel coadjuvante. Susi – Também criada pela Mattel a Susi ganhou um pouco mais de curvas e um armário que seguia as tendências da moda brasileira, a intenção era criar identidade com as mulheres do Brasil. Algumas intencionalidades educativas presentes nos brinquedos Com a valorização da criança a partir do século XX e, em conseqüência, das brincadeiras e dos brinquedos, observou-se que a cultura dos adultos foi continuamente sendo inserida nas atividades lúdicas vivenciadas pelas crianças, que de forma sutil, representa uma forma de educabilidade das crianças para serem os futuros adultos idealizados socialmente. Nas décadas de 50 a 70, as meninas eram educadas, prioritariamente, para serem donas de casa e mães perfeitas, seus brinquedos eram jogos de cozinha, fogões, bonecas, bebês e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 217 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior outros voltados para o lar, existia até uma boneca com slogan “Amélia, a dona de casa de verdade”. Já os meninos, com a evolução das indústrias automobilísticas, seus brinquedos eram voltados para o trabalho são pequenas réplicas de carros, bonecos de polícia, bombeiro, carrinhos de corrida e outros que se desenvolviam no ritmo da ação, aventura, aquele que pode ser livre. Na década de 80, com o acontecimento da Guerra Fria, Guerra do Vietnã e Guerra Japão Coréia, os brinquedos se referiam aos acontecimentos das mesmas para que os “soldados de amanhã” soubessem como e porque acontecem as guerras, até as bonecas eram tristes refletindo o que a guerra deixava para trás. Na década de 90 houve a explosão das tecnologias (robótica, caixas eletrônicos, indústrias) os brinquedos eram robôs para já estimular futuras pessoas interessadas na engenharia e mecatrônica. Nos dias de hoje, o assunto é corrida espacial e preservação ambiental, o primeiro já bem enraizado com brinquedos de espaçonaves, alienígenas, o desenho animado do momento é BEN10. O segundo são brinquedos ecológicos, filmes e até desenhos animados voltados para essa temática que precisa ser trabalhada com as crianças. Considerações Finais Percebemos que os brinquedos antigos exigiam maior esforço físico, agilidade e interação com o próximo. Hoje, com tantas tecnologias, algumas vezes os brinquedos criam na criança problema de interação social, pois são atividades mais individuais, o que também não deixa de refletir a sociedade capitalista que tem característica egoísta. Não podemos esquecer que o ato de brincar é muito importante para o desenvolvimento da criança, pois o lúdico atua como facilitador da aprendizagem e as brincadeiras em grupo ajudam na socialização, compreensão de regras, acordos e sentimentos. Brincando a criança descobre, experimenta, inventa, aprende, estimula a criatividade, curiosidade, autoconfiança e autonomia, proporcionando o desenvolvimento da linguagem e do pensamento. A conclusão apontou que o museu, enquanto espaço concreto de se vivenciar memórias, é um contexto de expressão sócio-histórica e cultural de uma dada sociedade em um tempo e espaço específicos. Com relação aos brinquedos, as análises evidenciaram que eles traduzem o repertório de expectativas sobre os sujeitos, principalmente refletem a (re) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 218 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior produção de identidades e subjetividades solicitadas por uma demanda social do que é ser menino e menina e futuros homens e mulheres. Referências bibliográficas DAYRELL, J. T. A escola como espaço sociocultural. In: DAYRELL, J. T. (Org.) Múltiplos olhares sobre a educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996. p. 136–161. SANTOS, Maria Célia T. MUSEU E EDUCAÇÃO: conceitos e métodos. Artigo extraído do texto produzido para aula inaugural – 2001, do Curso de Especialização em Museologia do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, proferida na abertura do Simpósio Internacional “Museu e Educação: conceitos e métodos”, realizado no período de 20 a 25 de agosto. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 219 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A PEDAGOGIA DOS JARDINS DE INFÂNCIA NO BRASIL: CONCEPÇÕES, EMBATES E POLÍTICAS PÚBLICAS HERCÍLIA MARIA FERNANDES Doutoranda em Educação PPGED / UFRN [email protected] RESUMO O trabalho analisa a Pedagogia dos Jardins de Infância no Brasil, modelo institucional amplamente debatido pelos intelectuais brasileiros para formar a criança nos princípios do “aprender fazendo”. Por meio do exame das concepções, dos embates e das políticas públicas voltadas à educação infantil, almeja-se compreender quais finalidades socioeducativas relacionavam-se às propostas pedagógicas dos Jardins de Infância tipo “modelo” anexos às Escolas Normais brasileiras, nos anos de 1960 a 1970. O interesse por essa investigação articula-se à pesquisa, então em andamento, realizada no Doutorado em Educação (PPGED/UFRN), cujo objeto: “O Jardim de Infância Modelo de Caicó-RN: fundamentos e práticas pedagógicas”, integra os estudos voltados à história social das instituições infantis. Nessa perspectiva, o trabalho investiga a expansão dos Jardins de Infância no Brasil, estabelecendo aproximações com as concepções e as políticas públicas pertinentes ao ideário socioeducacional da Escola Nova, tendo como ângulos de reflexão o pensamento expresso por Anísio Teixeira e Lourenço Filho em torno da educação pré-primária, bem como os “Manuais Pedagógicos” destinados, no século XX, à formação das professoras dos Jardins, dentre os quais se destacam os livros: “Vida e Educação no Jardim de Infância”, da educadora Heloísa Marinho, e “O que é Jardim de Infância”, de Nazira Abi-Sáber. PALAVRAS-CHAVE: Jardim de Infância Modelo. Educação pré-primária. Aprender fazendo. Manuais pedagógicos. THE PEDAGOGY OF THE KINDERGARTEN IN BRAZIL: CONCEPTIONS, CONFLICTS AND PUBLIC POLITICS ABSTRACT This study examines the pedagogy of Kindergartens in Brazil, the institutional model widely discussed by Brazilian intellectuals to form the child on the principles of "learning by doing". Through the examination of conceptions, struggles and public politics for early childhood education, which aims to understand social and educational purposes related to the pedagogical Kindergartens kind of "model" attached to the Normal Schools in Brazil in 1960 and 1970. Interest in this research is structured to research already underway, held at the Doctorate in Education (PPGED / UFRN), whose "The Kindergarten Model Caicó-RN: fundamentals and pedagogical practices", integrates the studies focused the social history of children's institutions. From this perspective, the paper investigates the expansion of ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 220 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Kindergartens in Brazil, establishing approaches to the concepts and politics pertaining to social and educational ideals of the New School, with the angle of reflection the thought expressed by Teixeira and Lourenco Filho around education pre-primary education, as well as "teaching manuals" for, in the twentieth century, training of teachers of gardens, among which stand out the books "Life and Education in Kindergarten", the educator Heloisa Marinho, and "The it is kindergarten”, of Nazira Abi-Saber. KEYWORDS: Kindergarten Model. Pre-primary education. Learning by doing. Teaching manuals. 1 INTRODUÇÃO A gênese dos “Jardins de Infância”, no Ocidente, remonta ao educador alemão Friedrich Froebel (1782-1852) que, a exemplo de Comenius (1592-1670), associara o desenvolvimento infantil à metáfora da “semente” ou “planta” que, exposta a situações adequadas de cultivo, desabrocha em plenitude a sua existência. Para Froebel, a infância consistia objeto de atencioso cuidado, assim como uma planta, deveria receber água, luz, crescer em solo rico, tal qual ocorre com a evolução de uma semente em um Jardim. Assim, influenciado por uma perspectiva mística, filosofia espiritualista e um ideal de liberdade, Froebel cria, em 1840, um Kindergarten, em tradução precisa “Jardim de crianças”. Lourenço Filho (1959), ao fazer uma interpretação da proposta pedagógica froebeliana, em o artigo Aspectos da Educação Pré-Primária, assegurara que: Froebel chamou à instituição, que concebeu e criou, Jardim de Crianças, nome que é a tradução precisa de Kindergarten, embora mais comumente digamos agora Jardim de Infância. Nessa expressão, que conjuga ou associa crianças e jardim, projetava-se tôda uma idéia revolucionária (LOURENÇO FILHO, 1959, p. 80, grifos do autor). A criança, segundo Froebel, traz, em si, a semente divina de tudo o que há de melhor no ser humano. A sua educação deveria, nesse sentido, ser guiada pela percepção sensorial por meio de processos de “interiorização e exteriorização” estimulados pelos cuidados educativos da “mulher-mãe-educadora” que, possuidora de faculdades mentais predeterminadas pelas competências maternais, zelaria pelo pleno crescimento e desenvolvimento da criança (ARCE, 2002; FERNANDES, 2008). A proposta pedagógica froebeliana incluía atividades de cooperação e jogos, entendidos como originários da atividade mental. Fundamentado na ideia de espontaneidade ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 221 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior infantil e convicto de que a aprendizagem da criança deveria ser norteada a partir das experiências sensoriais, Froebel prioriza os jogos e as brincadeiras. Para tanto, cria brinquedos, jogos e canções que nomeia de “dons” e “ocupações”, almejando contribuir para o desenvolvimento dos simbolismos infantis, permitindo as crianças demonstrarem os seus talentos (OLIVEIRA, 2008). O modelo froebeliano de educação para a primeira infância se expandiu amplamente no Ocidente, considerando que o educador fora um dos primeiros pedagogos a elaborar e desenvolver uma proposta pedagógica “concreta” de atividades às crianças (ARCE, 2002). Ademais, expandira os princípios filosóficos e educativos de sua pedagogia em publicações que foram amplamente difundidas na Europa e, posteriormente, nos Estados Unidos. No Brasil, as ideias froebelianas foram amplamente discutidas. O médico Menezes Vieira, um dos primeiros intelectuais a simpatizar com a pedagogia froebeliana, considerava que o Jardim deveria cumprir um papel de “moralização da cultura infantil, na perspectiva de educar para o controle da vida social” (KUHLMANN Jr., 2001, p. 16). Nesse sentido, por meio da influência educacional europeia e, posteriormente, norte-americana, a pedagogia dos Jardins de Infância alcança o Brasil e contribui para formar uma tradição pedagógica centrada na criança e nas atividades próprias da infância. Entretanto, esse processo de disseminação das ideias froebelianas e adoção deste modelo institucional, conforme se verá, se apresentou bastante complexo, envolvendo muitos debates e ações públicas voltadas à educação da criança em idade menor de 7 anos. Especialmente em torno das finalidades socioeducativas dos Jardins que, para alguns intelectuais brasileiros, correspondiam, inicialmente, à guarda e à assistência. Posteriormente, à socialização e ao desenvolvimento integral, portanto aos valores de uma “escola de educação” ancorados nos princípios do “aprender fazendo”. Dessa maneira, o artigo propõe refletir quais concepções, embates e políticas públicas se efetivaram, no Brasil, em torno do modelo institucional denominado Jardim de Infância; buscando compreender quais finalidades socioeducativas guiavam as propostas pedagógicas dos Jardins de Infância brasileiros, especialmente as dos Jardins tipo “modelo” anexos às Escolas Normais. Para tal feito, o trabalho realiza uma historiografia da expansão dos Jardins de Infância no Brasil, estabelecendo aproximações com as concepções e políticas públicas desenvolvidas em torno da Educação Infantil. Igualmente, examinam-se as concepções pertinentes ao ideário educacional Escolanovista, tendo como ângulos de reflexão o pensamento expresso por Anísio Teixeira e Lourenço Filho em torno da Educação Préprimária, bem como as publicações destinadas, no século XX, à formação das professoras dos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 222 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Jardins, como os “Manuais Pedagógicos”, dentre eles os livros Vida e educação no Jardim de Infância, da educadora Heloísa Marinho, e, O que é Jardim de Infância, de Nazira Abi-Sáber. Nessa perspectiva, o artigo consiste uma historiografia analítica, cuja fundamentação teórica repousa nos estudos voltados à história social das instituições infantis, destacando-se os trabalhos de Kuhlmann Jr. (1998, 2000, 2001, 2002; et. al.) e Leite Filho (1997, 2008). Além de referências pertinentes à compreensão do pensamento socioeducacional de Froebel, John Dewey, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Heloísa Marinho e Nazira Abi-Sáber. Com essas atitudes teórico-metodológicas, propõe-se situar a proposta educacional dos Jardins de Infância no conjunto das discussões e políticas educacionais encabeçadas pelo pensamento escolanovista brasileiro nos anos de 1950 aos fins da década de 1960, trazendo contribuições à pesquisa, então em andamento, no Doutorado em Educação, vinculado ao Programa de Pós-Graduação, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd / UFRN), sob a orientação da profª. Drª. Marta Maria de Araújo, cujo objeto de pesquisa consiste: “O Jardim de Infância Modelo de Caicó-RN: fundamentos e práticas pedagógicas (1956- 1971)”. 2 OS JARDINS DE INFÂNCIA E O CULTIVO DE UMA PEDAGOGIA INFANTIL Creches, Escolas Maternais e Jardins de Infância, segundo Kulhmann Jr. (2000), integram o conjunto de instituições modelares de uma sociedade civilizada, moderna e citadina, cujos ideais de progresso e desenvolvimento se propagam em todo Ocidente a partir do século XIX. No Brasil, o projeto social de construção de uma nação moderna, parte do ideário liberal presente no final do século XIX, reunia as condições para que fossem assimilados, pelas elites do país, os preceitos educacionais do Movimento das Escolas Novas, elaborados no centro das transformações sociais ocorridas na Europa e trazidos ao Brasil por influência norteamericana. O Jardim de Infância, modelo institucional voltado à educação da criança com idade de 4 a 6 anos, foi um desses “produtos estrangeiros” recebido com bastante entusiasmo por alguns setores sociais (OLIVEIRA, 2008). Porém, a sua aceitação, pelas elites brasileiras, não ocorreu de modo homogêneo. Muitos acreditavam que os Jardins de Infância se assemelhavam aos “asilos franceses”, entendidos como espaços de mera assistência e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 223 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior guarda das crianças. Na Primeira Exposição Pedagógica, ocorrida na cidade do Rio de Janeiro, em 1883, várias vozes se opuseram à proposta do Jardim de Infância, dentre elas destaca-se a do Conselheiro Junqueira que afirmara: [...] o jardim-de-infância não tem nada com instrução, é uma instituição de caridade para meninos desvalidos, que serve para que a mãe ou pai, sendo minimamente pobres, quando vão para o trabalho, entreguem seus filhos àqueles asilos (JUNGUEIRA, apud BASTOS, 2001, p. 63). Contrariamente, sob a influência do ideário escolanovista europeu, outros intelectuais defendiam que os Jardins de Infância traziam inúmeras vantagens para o desenvolvimento infantil. Para Oliveira (2008), a polêmica dos intelectuais girava, na realidade, em torno da responsabilidade do poder público perante o atendimento, considerando que os Jardins de Infância, originariamente, tinham objetivos de caridade e destinavam-se, portanto, aos mais pobres. Dentre os debates defensores dos Jardins destacam-se as intervenções do legislador baiano Rui Barbosa que, em Parecer de Reforma da Instrução Pública brasileira, em 1882, defendia o Jardim de Infância como a primeira etapa do ensino primário. Paralelamente as discussões, os primeiros Jardins de Infância são criados, no Brasil, por entidades privadas. Em 1875 é criado o primeiro Jardim de Infância, no Rio de Janeiro, pelo médico Menezes Vieira, que contara com a colaboração ativa de sua esposa, D. Carlota, o que demonstra “a tendência da época de redimensionar o papel da mulher, na extensão de sua ação da esfera familiar (privada) para a esfera escolar (pública)” (BASTOS, 2001, p. 33). Em 1877 surge o Jardim de Infância de São Paulo e, somente alguns anos depois, é que são criados os primeiros Jardins de Infância públicos vinculados às Escolas Normais. Em 1896, o Jardim de Infância da Escola Normal Caetano de Campos; em 1909 o Jardim de Infância Campos Sales; em 1910 o Jardim de Infância Marechal Hermes e, em 1922, o Jardim de Infância Barbara Otoni, sendo os três últimos no Rio de Janeiro (OLIVEIRA, 2008). Assim, diferentemente das Creches e Escolas Maternais, os Jardins de Infância expandiram-se, no Brasil, atrelados às instituições de formação docente e guiados por uma proposta pedagógica, consistindo propriamente “uma escola de educação”, cuja função educativa auxilia [...] o desenvolvimento físico dos meninos por meio de exercícios apropriados a sua idade, anima os primeiros esforços de sua inteligência, oferecendo-lhes alimento à curiosidade, pondo-lhes debaixo das vistas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 224 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior séries graduadas de objetos, para os quais a sua inteligência é atraída e que lhes proporcionam facilmente e sem fadiga conhecimentos elementares com que se enriquece de dia em dia sua memória (BASTOS, 2001, p.64, grifo nosso). Dessa maneira, a implantação dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais brasileiras, desde o final do século XIX, faz surgir uma série de publicações destinada à formação das professoras dentro do modelo froebeliano de educação para a primeira infância. Com a criação do Jardim de Infância anexo à Escola Normal Caetano Campos, em 1896, o então diretor Gabriel Prestes cria a “Revista do Jardim da infância”, cujo objetivo constitui “tornar conhecidos os processos [de Froebel] empregados em taes instituições de ensino e reunir elementos artísticos necessários à organização do ensino infantil pelo systema froebeliano”(PRESTES, apud MONARCHA, 2001, p. 96). A Revista do Jardim de Infância divulgava ações pedagógicas de cunho teórico e prático, traduzindo trabalhos sobre os Jardins de Infância nas experiências internacionais e da obra de Froebel. Todavia, apesar das traduções, os editores afirmavam não pretender uma “transplantação” das ideias froebelianas, mas uma “aclimação” em que fossem levadas em consideração os costumes, a índole e o temperamento do povo brasileiro (MONARCHA, 2001, p. 96). Na segunda metade do século XX, no entanto, a educação brasileira atravessa mudanças. O Movimento da Escola Nova inaugura uma proposta educacional renovadora, procurando atender às mudanças socioeconômicas e políticas que o país sofria após a Revolução de 1930. Nessa época ocorrem reivindicações por parte dos operários por melhores condições de trabalho; já as mulheres, que exerciam atividades extradomésticas, lutavam por locais onde pudessem deixar os seus filhos durante o horário de trabalho. No Estado Novo, período que compreende os anos de 1937 a 1945, as políticas públicas voltadas ao atendimento da criança, conforme Leite Filho (2008), assumem uma “centralidade na história do Brasil”. Na década de 1940, as atividades relativas à proteção à maternidade, à infância e à adolescência, anteriormente pertencentes ao Departamento Nacional de Saúde Pública, passaram a constituir o Departamento Nacional da Criança (DNCr), que fora encarregado de organizar, em todo o país, ações de proteção à maternidade, à infância e à adolescência. E, em 1946, é criada, pelo Governo Federal, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), que passou a executar as políticas sociais voltadas à infância e à família. Entre os anos de 1945 a 1964, a realidade nacional caracteriza-se por uma fase democrática e desenvolvimentista, de crescimento industrial e tecnológico. Em relação à ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 225 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Educação Infantil, destaca-se a expansão das Escolas Maternais e dos Jardins de Infância, principalmente nas grandes cidades, sob ideário educacional dos renovadores da educação propagados desde a década de 1930 com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (1932). Movimento encabeçado por Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo que propusera a transformação do sistema nacional de ensino com bases na reestrutura e reorganização escolar, bem como mudança de mentalidade do professorado sobre os fins e objetivos da educação (ARAÚJO, 2006, 2007). É nesse contexto de mudanças estruturais na organização da sociedade, especificamente em suas instituições, que surge, nas décadas de 1950 e 1960, a expansão dos Institutos de Educação e dos Jardins de Infância tipo “modelo” anexos às Escolas Normais. Nesse período, a Educação Infantil, então denominada de “Educação Pré-Primária”, deveria ser ministrada, conforme orientava a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 4.024, de 20 de dezembro de 1961, em “escolas maternais ou jardins de infância” (KRAMER, 1995). Os Institutos de Educação surgiram, no Brasil, idealizados pelos renovadores da Escola Nova. Foram instituições pensadas como local específico para a formação de professores e como laboratório para a construção de “uma ciência pedagógica” (NASCIMENTO, 2008). Correspondiam, portanto, a um modelo institucional onde, a priori, se ministraria o curso ginasial e os cursos próprios das Escolas Normais; cujas finalidades socioeducativas associavam-se a “prover a formação de pessoal para as escolas primárias; habilitar administradores escolares; desenvolver e propagar os conhecimentos e técnicas da educação infantil” (NASCIMENTO, 2008, p. 5). Na cidade de Natal, Rio Grande do Norte, a criação do Jardim de Infância Modelo atrela-se à implantação do Instituto de Educação, através da Lei n◦ 1.038, de 12 de dezembro de 1953. Em Caicó-RN, a criação do Jardim de Infância Modelo dar-se no início da década de 1960, com a fundação do “Centro Educacional de Formação do Magistério Primário”, conhecido, à época, como Instituto Regional de Educação. Sua implantação integra as reformas educacionais realizadas pelo Governo Dinarte Mariz e José Augusto Varela (19561961), no Rio Grande do Norte, que remonta à Lei n◦. 2.171 de 6 de dezembro de 1957, cuja elaboração e implementação contara com o assessoramento do professor Anísio Teixeira e dos técnicos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) (ARAÚJO, 2006). Nesse sentido, os Jardins de Infância tipo “modelo” integravam as ações do educador Anísio Teixeira que ocupava, de 1952 a 1963, o cargo de diretor do INEP, através do Centro Brasileiro de Pesquisas (CBPE) e os Centros Regionais de Pesquisas Educacionais ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 226 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior (CRPEs), órgãos por ele criados. O educador Lourenço Filho também compartilhava da crença do Jardim de Infância Modelo consistir um espaço apropriado de demonstração ou de aplicação das teorias pedagógicas discutidas na Escola Normal. Assim, os Jardins de Infância consistiam, a priori, laboratórios de aplicação à disposição das normalistas das Escolas Normais, onde as jovens educadoras podiam experienciar os princípios educativos preconizados pelos pedagogos da primeira infância, obtendo conhecimentos do desenvolvimento da percepção direta e experimental da criança, do manuseio com materiais concretos, dentre outros. Enfim, os Jardins de Infância consistiam campo de aplicação das teorias fundamentadas, especialmente, na Psicologia. Integrando as propostas educacionais escolanovistas, inúmeros manuais pedagógicos foram elaborados e difundidos, no período, a fim de formar as jovens professoras dos Jardins de Infância no espírito renovador de educação, destacando-se publicações que obtiveram o apoio direto de educadores reformistas, dentre eles o educador Lourenço Filho, bem como de órgãos vinculados ao governo e ao professor Anísio Teixeira, como o PABAEE e o INEP, que, segundo destacam Moreira (1997) e os autores Abreu e Eiterer (2008), constituíram instituições “campo” para formar as bases curriculares da educação no Brasil. 3 OS JARDINS DE INFÂNCIA NOS MANUAIS PEDAGÓGICOS ESCOLANOVISTAS No ideário dos renovadores da Escola Nova, a criança consiste o centro da tarefa educativa e a instituição infantil um lugar de experiências, de desenvolvimento emocional, social, linguístico, cognitivo, artístico, mediante estágios da vida que devem seguir a ordem natural do desenvolvimento humano (FERNANDES, 2008). Na visão de Anísio Teixeira, o Jardim de Infância, antes de consistir um local onde as crianças aprenderiam a ler, escrever e contar, se preparando para a educação primária, deveria consistir um espaço de desenvolvimento e socialização. Em conferência proferida, em 1954, ao Ministério de Educação, cujo texto integrara o livro Educação no Brasil, Anísio expõe os valores que deveriam guiar as práticas nos Jardins de Infância, destacando as suas finalidades socioeducativas: No jardim de infância, a criança não vai ‘aprender’, mas viver inteligentemente com outras crianças, sob a orientação de uma especialista em crianças na idade correspondente, para conquistar os hábitos de convivência, a capacidade de brincar em grupo, o domínio da linguagem oral e iniciar-se naquele comando emocional indispensável para se fazer uma ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 227 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior criatura humana entre outras criaturas humanas, isto é, da sociedade ou comunidade (TEIXEIRA, 1999, grifos nossos). As finalidades socioeducativas dos Jardins de Infância também para o educador Lourenço Filho não deveriam ser norteadas a partir de “regras fixas e cálculos”. Fundamentado no espírito froebeliano de espontaneidade infantil, o educador assegura que a evolução da criança requer observância espiritual dos seus estágios de desenvolvimento, constituindo tarefa da educação o cultivo de seres humanos conforme a “humildade de crer e esperar”: Com um jardim não podemos proceder como fazemos ao construir algo de inanimado, um objeto, uma casa, uma máquina, por exemplo, mediante regras fixas e cálculos abstratos. [...] Cultivar seres humanos como se cultivam plantas, reclama mais do que regras e cálculos abstratos, defrontando a vida mesma com os seus mistérios. Reclama mais que automatismo e rotina: compreensão humana, cuja base reside em certa humildade de crer e esperar (LOURENÇO FILHO, 1959, p. 80). A pesquisadora e educadora Heloísa Marinho, considerada por Leite Filho (1997) “educadora de educadoras infantis”, fora também uma das vozes atuantes que se erguera a favor da educação pré-primária no Brasil. Ao longo de sua trajetória profissional, no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, a educadora estabelecera inúmeras relações com o seleto grupo de reformadores da educação nacional. Autonomeava-se discípula do professor Lourenço Filho, com quem trabalhou diretamente, mas também de Anísio Teixeira e fez-se conhecer por Fernando de Azevedo (LEITE FILHO, 1997). Os trabalhos de Heloísa Marinho, segundo Leite Filho (1997), contribuíram para desenvolver um determinado pensamento sobre pedagogia infantil, especialmente sobre a pedagogia dos Jardins de Infância, cujos trabalhos revelam a direção froebeliana guiando o pensamento da educadora. Além da docência no Instituto de Educação, Heloísa Marinho tornara-se responsável pelo Curso de Especialização em Educação Pré-Primária, então criado pelo Instituto de Educação em 1949, destinado à formação das professoras dos Jardins de Infância da cidade do Rio de Janeiro, antiga Guanabara. Em 1952, Heloísa Marinho é nomeada Membro da Comissão, a convite do Departamento de Educação Primária da Secretaria Geral de Educação e Cultura da Prefeitura do Distrito Federal, para elaborar e publicar um “Programa Guia de Educação Pré-Primária” para o Rio de Janeiro, então Distrito Federal. O guia, produzido e publicado pela editora Noite, recebeu o nome de Vida e Educação no Jardim de Infância; tendo sido revisado, ampliado e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 228 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior republicado posteriormente, pela editora Conquista, como livro de Heloísa Marinho (LEITE FILHO, 2008). Em Vida e Educação no Jardim de Infância, obra que alcançou 3 edições entre os anos de 1952, 1960 e 1966, Heloísa Marinho toma emprestado o título da obra de John Dewey, então traduzida por Anísio Teixeira e prefaciada por Lourenço Filho, para evidenciar a direção filosófico-pedagógica de sua proposta educativa destinada aos Jardins de Infância do Rio de Janeiro; que fundamenta-se, basicamente, em duas bases: de um lado, as ideias de Froebel; e, de outro, as de John Dewey. A terceira edição da obra (1966) acompanha introdução elaborada por Lourenço Filho que destaca o seu valor para a formação dos professores da educação pré-primária, alegando que o livro por não perder-se em formas abstratas e terminologias somente acessíveis a especialistas pode ser lido e entendido pelo grande público. Assim, Vida e educação no Jardim de infância, de Heloísa Marinho, consiste um texto simples e claro, aborda temas atraentes sobre os objetivos, a organização e o funcionamento do Jardim de Infância. Heloísa Marinho compreendia que a educação da criança deveria seguir a ordem natural do desenvolvimento humano a fim de integrá-la à vida em sociedade. Nesse sentido, conforme elucida Leite Filho (2008), ao sintetizar as ideias de Froebel e Dewey em Vida e educação no Jardim de infância, Heloísa Marinho, por um lado, almeja assegurar o desenvolvimento natural da criança e, por outro, ajustá-la ao meio social. Em sua proposta pedagógica, o natural e a vida social da criança se apóiam e se solidarizam mutuamente, tendo em vista que “todos os aspectos desta aprendizagem natural se agrupam em situações de vida” (MARINHO, 1967, p. 31). Nesse sentido, a função socioeducativa do Jardim de Infância consistia em “proporcionar ambiente favorável à vida”. Para tanto, de modo semelhante ao pensamento expresso por Lourenço Filho (1959), a educadora alega que: “Não é possível traçar normas rígidas de um programa pré-escolar”; considerando que o “desenvolvimento é criador” e a “criança conquista seu mundo pela experiência própria” (MARINHO, 1967, p. 31). Todavia, para garantir o pleno desenvolvimento da criança no Jardim, a educadora infantil deveria assumir o papel de “orientadora” no processo educativo: acompanhar, valorizar e estimular as experiências e expressões espontâneas das crianças. Nesse aspecto, Heloísa Marinho expressa uma concepção de educador infantil como “especialista em ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 229 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento infantil”, tal qual Anísio Teixeira expressara em conferência realizada no ano de 1954: A educação da professora de Jardim de Infância não termina nunca. Ela ama as crianças. Qual mãe carinhosa, vive para o seu trabalho. A alegria das crianças é sua alegria. Certamente aproveita interesses e atividades para a orientação educativa adaptada à natureza de cada um. Na sua biblioteca figuram ao lado da psicologia infantil, livros de higiene, literatura, ciências e artes. Na leitura e em cursos de aperfeiçoamento aumenta seus conhecimentos para enriquecer seu programa e melhor cumprir sua grande missão de orientar a criança no sentido de ampliar a vida individual limitada, para uma vida mais ampla da comunidade e da natureza (MARINHO, 1967, p. 69). Ao eleger os valores e exigências que devem nortear as práticas pedagógicas das professoras nos Jardins de Infância, Heloísa Marinho propõe “um projeto coerente com as ideias mais amplas sobre educação, aprendizagem e a ação da professora” (LEITE FILHO, 2008, p. 183), onde se evidencia os princípios de “uma pedagogia ativa” em que o aluno “aprende fazendo” a partir de experiências com os objetos existentes na própria natureza: A criação de animais domésticos, o plantio de pequenas hortas ou jardins, desenvolvem hábitos de trabalho e noções de Ciências Naturais. Ao revolver a terra, plantar as sementes, regar os canteiros, aprende a criança a observar como as folhas verdes procuram o sol, e como se desdobram as pétalas das flores. Aprende a escutar o vento e a gostar da chuva: água que dá vida às plantas e dá vida à criança também (MARINHO, 1967, p. 97). Os princípios educativos do “aprender fazendo” foram amplamente defendidos por Anísio Teixeira ao traduzir e divulgar, no Brasil, as teorias educacionais do filósofo norteamericano John Dewey, adaptando-os à realidade brasileira. Para Dewey, a escola consistia um espaço de vivências, um laboratório da vida social, daí que o método de ensino e aprendizagem deveria priorizar “experiências”, que contribuiriam para redimensionar o pensamento, oportunizando a “reorganização das experiências”. Nas palavras de Teixeira (2010, p. 56, grifos do autor): “Aprender para a vida significa que a pessoa não somente poderá agir, mas agirá do novo modo aprendido, assim que a ocasião exija este saber apareça”. A “escola ativa”, então pensada por Dewey, objetiva oportunizar situações concretas de vida às crianças em que as aprendizagens se processem por meio de estímulos, esforços e associações contextualizados aos interesses e às necessidades da vida, individual e social, humana; tendo em vista que: “Para Dewey, o fim da educação não é a vida completa, mas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 230 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior vida progressiva, vida em constante ampliação, em constante ascensão” (TEIXEIRA, 2010, p. 65). Sendo a educação “a própria vida” e não “preparação para a vida”, os objetos de conhecimento deveriam favorecer, além de crescimento individual, a cooperação e o desenvolvimento coletivo, considerando que: “O que se aprende, ‘isoladamente’, de fato não se aprende. Tudo deve ser ensinado, tendo em vista o seu uso e sua função na vida” (TEIXEIRA, 2010, p. 60) Coerente com os ideais escolanovistas de seu tempo, Heloísa Marinho também defende, em Vida e educação no jardim de infância, que a escolha e organização das atividades no Jardim de Infância devem ser realizadas pela educadora em colaboração com as crianças, haja vista que: “Na educação pré-primária, a experiência direta com o mundo das coisas constitui a principal fonte de aprendizagem” (MARINHO, 1967, p. 103). Para Heloísa Marinho não consistia função do Jardim de Infância o desenvolvimento dos mesmos valores da educação primária, guiados especialmente em torno dos exercícios das letras e das contas. Antes disso, o desenvolvimento da linguagem oral e escrita deveria nascer das próprias “situações da vida” em que “a criança naturalmente aprende a falar e a pensar na ambiência afetiva da família”. Por isso, caberia a professora, orientadora e especialista em desenvolvimento infantil, “o estudo da evolução da linguagem”; pois, segundo a autora, a linguagem e o pensamento não constituem matérias a ser ensinadas, já que surgem “das vivências naturais” das crianças (MARINHO, 1967, p. 123). Outra obra de grande repercussão no ambiente educacional brasileiro, nos anos de 1960, foi o livro O que é jardim de infância, da professora Nazira Féres Abi-Sáber. O livro foi publicado em 1962 pela editora Nacional de Direito, com edição autorizada pelo Programa de Assistência Brasileiro-Americana de Ensino Elementar (PABAEE) e pelo INEP. O PABAEE foi um programa de assistência ao ensino primário que resultou de um acordo entre o Brasil e os Estados Unidos da América (EUA), durante a administração de Anísio Teixeira na direção do INEP. Tendo sido instalado no Centro Regional de Pesquisas Educacionais (CRPE) de Belo Horizonte, o PABAEE desenvolveu atividades no Instituto de Educação de 1956 a 1964. O objetivo central do Programa consistia em elevar a qualidade da educação brasileira a partir do aperfeiçoamento de professores. Nesse sentido, o PABAEE contribuíra para institucionalizar, no Brasil, uma direção metodológica de ensino, de currículo e organização escolar então relacionada “ao tecnicismo americano no aperfeiçoamento de professores da Escola Normal” (ABREU; EITERER, 2008, p. 94). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 231 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A dimensão educativa seguida pelo PABAEE centrava-se no “aprender fazendo”. Todavia, a sua ênfase educativa, de acordo com Abreu e Eiterer (2008), privilegiava mais “o como se faz” do que o “aprender”; centrando os esforços didáticos no desenvolvimento de processos metodológicos: “No PABAEE não há ênfase à fundamentação teórica, [...] mas há a crença na modernidade pedagógica como panacéia que solucionaria o problema da educação” (ABREU; EITERER, 2008, p.). Nesse sentido, em uma direção distinta às concepções apresentadas por Heloísa Marinho e demais escolanovistas, Nazira Abi-Sáber privilegia na obra O que é Jardim de Infância procedimentos metodológicos e organizacionais da prática docente, apresentando uma concepção de educação pré-primária como fase preparadora para o desenvolvimento das competências e habilidades necessárias à aprendizagem da criança na educação primária, especialmente no tocante à alfabetização. Para ela, o analfabetismo e a evasão, fenômenos do fracasso escolar brasileiro, reivindicavam modificações nas propostas pedagógicas dos Jardins de Infância. A preocupação central de Nazira relaciona-se, portanto, à aprendizagem da leitura e da escrita. A autora afirma que há a exigência na vida escolar do educando de um período de preparação especial, sem o qual a aprendizagem não será feita de maneira eficiente e proveitosa. Desse modo, o Jardim de Infância, proposto pela educadora, consistiria “a arrancada inicial que decide o sucesso ou fracasso da criança na escola primária”, tendo em vista que: “[...] a preparação adequada das crianças através de exercícios específicos, atividades físicas e intelectuais, aquisição de experiências sociais e ajuste emocional, é uma garantia de sucesso na futura aprendizagem” (ABI-SÁBER, 1965, p. 22). Paradoxalmente às concepções apresentadas, Nazira procura identificar o Jardim a que se refere. A partir de então, seus argumentos passam a ser coerentes com algumas ideias apresentadas por Heloísa Marinho e contraditórios com os seus próprios. Todavia, conforme Leite Filho (2008), a tensão entre uma pré-escola preparatória e outra que justifica a sua existência a partir de suas próprias especificidades, dentre elas a preparação para a vida social, pouco a pouco vai sendo desfeita com a adoção de referências escolanovistas estrangeiras que também consistem bases referenciais no livro de Heloísa Marinho, muito embora Nazira não explicite, claramente, quais sejam as suas fontes. O discurso da autora passa, então, a não dissociar a preparação para a escola da preparação para a vida, advertindo os leitores que: ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 232 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Temos muito receio de realçar a função preparatória do Jardim da Infância porque, afinal, o objetivo principal do Jardim é antes a vida em todos os seus múltiplos aspectos e feições. No Jardim, a criança não vai para aprender, para adquirir conhecimentos acadêmicos, mas, ao contrário, vai para se desenvolver, adquirir experiências, amadurecer, viver e conviver com os seus semelhantes. Neste ponto é que ocorrem os mais lamentáveis enganos. Alguns, não vendo resultados positivos, não sentindo o progresso das crianças de Jardim, que nem menos sabem escrever ou fazer continhas, menosprezam a educação e passam a julgá-la inútil. [...] Os pais, principalmente, se deixam levar pela ilusão de que os seus filhos precisam aprender qualquer coisa no Jardim: fazer umas cópias, ler um pouco, resolver continhas... para que não cheguem muito atrasados na escola primária (ABI-SÁBER, 1965, p. 23, grifos nossos). Para Nazira, a educação pré-primária deveria se basear nos interesses e nas necessidades das crianças, que se apresentam ávidas de explorar, experimentar e perguntar, exibindo as suas habilidades. A autora lembra, então, quais são os objetivos do Jardim de Infância, dos quais as professores deveriam cumprir, quais sejam: tornar felizes todas as crianças, levando-as a viver e conviver com as pessoas que as rodeiam dentro das normas e princípios cristãos de cooperação e compreensão; reconhecer que um programa de Jardim de Infância só poderá ser completo se incluir um grande número de atividades preparatórias que facilitem o trabalho da criança na sua aprendizagem futura; dar ensejo à atividade criadora e espontânea, através da expressão artística. Na delimitação dos objetivos reaparece, novamente, a tensão entre a função preparatória da educação pré-primária com os fins próprios da educação voltada à primeira infância, o que denota que “o jardim-de-infância de Nazira Féres Abi-sáber é marcado por uma visão que o entende, sobretudo, como escolar. A sua referência maior parece ser a escola primária” (LEITE FILHO, 2008, p. 210). 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as análises realizadas ao longo deste artigo, compreende-se que as propostas pedagógicas dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais, inicialmente, foram ancoradas nos ideais de liberdade e espontaneidade infantis defendidos por Froebel, posteriormente por John Dewey, e compartilhados por educadores escolanovistas brasileiros. Em um segundo momento, as suas finalidades socioeducativas foram imbuídas de uma postura compensatória de Educação Infantil (LEITE FILHO, 2008); tendo em vista que, nos anos de 1960, a diretriz curricular no Brasil fora amplamente influenciada pelo PABAEE, que ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 233 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior contribuíra para imprimir uma visão tecnicista de fazer pedagógico nas escolas brasileiras (MOREIRA, 1997). Privilegiando mais o “fazer” do que o “aprender”, o Programa apoiara a publicação de muitos livros, dentre eles os “Manuais Pedagógicos” destinados à formação das professoras do ensino pré-primário. Entretanto, esses materiais deixavam a desejar em termos das finalidades das ações recomendadas, apresentando lacunas de compreensão na fundamentação teórica. Consciente dessa problemática, Nazira Abi-Sáber certa vez desabafou e, simultaneamente, justificou as ausências teóricas em suas produções: “[...] eu escrevi alguns livros, se seu pudesse teria queimado em praça pública. Eles não têm fundamentação teórica, mas numa época em que não havia nada, eles valeram para a professora entrar em sala e não ficar perdida” (ABI-SABER, apud ABREU; EITERER, 2008, p. 99). Essa posição de Nazira, no entanto, é questionada por Leite Filho (2008). Apesar de a autora não explicitar, claramente, quais referências guiavam a elaboração desses manuais. Em suas produções, dentre elas a obra O que é Jardim de Infância, Nazira expande uma série de princípios teóricos que se associam às ideias de John Dewey e Decroly, especificamente sobre as “atividades livres e criadoras” das crianças, incluindo os seus “interesses” e “necessidades” quando em fase de ensino pré-primário. Seja de que modo for, as ações pedagógicas desenvolvidas pelas educadoras Heloísa Marinho e Nazira Abi-Sáber, apoiadas por órgãos vinculados ao Governo, dentre eles o INEP e o PABAEE, contribuíram para a organização curricular das instituições infantis brasileiras, sobretudo dos Jardins de Infância anexos às Escolas Normais, no século XX, tornando-as escolas de educação da infância e, simultaneamente, laboratórios de práticas pedagógicas. Além de escreverem manuais para as professoras pré-primárias, as autoras ministravam cursos de formação de jardineiras. Esses cursos preparatórios não eram exclusivos à formação das professoras da antiga Guanabara, hoje cidade do Rio de Janeiro, e às de Belo Horizonte. Contrariamente, por meio de bolsas fornecidas pelo INEP às Secretarias de Educação dos estados, muitas professoras brasileiras foram capacitadas dentro do espírito renovador de educação. No Rio Grande do Norte, por meio de acordos estabelecidos entre o governo de Dinarte Medeiros Mariz e o INEP, durante a gestão de Anísio Teixeira no órgão, várias professoras dos Jardins de Infância foram à cidade do Rio de Janeiro, bem como à capital mineira, se aperfeiçoar em Jardim de Infância. Em 1962 duas bolsas de estudo foram conferidas a professoras norte-riograndenses para se especializar no Instituto de Educação da ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 234 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior antiga Guanabara, na época sob a coordenação da professora Heloísa Marinho. E, em 1963, por oferecimento de bolsa do INEP/MEC, programa coordenado por Lia Campos, então diretora do Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais do RN (CEPE), foi enviada à capital mineira a professora “Nanci Gomes dos Santos” (VIEIRA, 2005). Do corpo docente de Caicó, conforme dados da pesquisa em andamento, fora enviada, à capital mineira, a professora “Maria Bernadete da Fonsêca” para se especializar no “Curso de Aperfeiçoamento de Professores e Diretores”, ministrado pela “Divisão de Aperfeiçoamento do Professor” (DAF), do Centro de Pesquisas Educacionais de Minas Gerais, oferecido no Instituto de Educação de Belo Horizonte. Embora o curso realizado pela professora Bernadete não se direcionar, exclusivamente, à formação em Jardim de Infância, a professora cursara a disciplina “Fundamentos da Educação Pré-Primária” que, à época, encontrava-se sob o ministério da professora Nazira Abi-Sáber. Esse intercâmbio cultural entre professoras do estado do Rio Grande do Norte e Especialistas em Educação Pré-Primária de Centros Avanços de Estudos e Pesquisas sobre a criança, a infância e a organização dos Jardins de Infância, pertinentes aos Institutos de Educação de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, remete a pesquisa a considerar que os fundamentos sociofilosóficos do Jardim de Infância Modelo de Caicó, bem como as especificidades de sua organização institucional, tiveram sustentação, nos anos de 1960 e 1970, nos ideais escolanovistas de educação pré-primária difundidos nos cursos e manuais pedagógicos voltados à formação das “mestras” dos Jardins de Infância. Realidade que remete à tese de que os Jardins de Infância Tipo Modelo anexos às Escolas Normais contribuíram para formar uma tradição pedagógica em educação infantil que tem como centros a delimitação de objetivos e a reorganização das ações educativas. REFERÊNCIAS ABI-SÁBER, Nazira Féres. O que é Jardim de Infância. 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Nessa direção, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) impuseram reestruturações nos Projetos Curriculares desses cursos, como a criação de estágio supervisionado nessa etapa. O presente trabalho objetiva analisar, da perspectiva de graduandos do Curso de Pedagogia da UERN, o papel do estágio supervisionado em educação infantil como instância de formação específica. Fundamentando a construção e análise dos dados na perspectiva sócio-histórica e no dialogismo bakhtiniano, constatamos que o estágio supervisionado, em que pese inerentes dificuldades, é componente curricular privilegiado de formação para a docência na infância, propiciando articulação – ainda que limitada e marcada por perspectivas empiristas, instrumentais e burocráticas – entre saberes teóricos e práticos. As instituições de ensino superior precisam enfrentar o desafio de efetivar o estágio numa perspectiva de práxis – diálogo entre teoria e prática – de produção de conhecimento, intencional, sistemático e significativo. Palavras-chave: Educação Infantil - Formação de Professores - Estágio Supervisionado. INTRODUÇÃO As mudanças transcorridas na sociedade, nas últimas décadas, de caráter econômico, político, cultural, científico e tecnológico, fizeram emergir novas exigências educacionais requerendo às instâncias formativas, tais como as universidades e cursos de formação – inicial e continuada – a preparação de um profissional habilitado a ajustar seus modos de ação às novas realidades da sociedade, do trabalho, do conhecimento, dos estudantes – nos diversos níveis – dos diversos universos culturais e dos meios tecnológicos. Para atender a tais demandas os sistemas de ensino têm buscado, por meio de instrumentos regulatórios, promover reestruturações nas estruturas curriculares dos cursos de formação, nomeadamente de nível superior, como é o caso da aprovação, em 2006, das novas 57 Professora no Curso de Pedagogia do Campus Avançado Professor João Ismar de Moura (CAJIM) da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 238 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia que introduzem, entre outras mudanças, a qualificação específica para o exercício da docência na educação infantil. Essas mudanças incorporam e refletem uma compreensão – produzida a partir de diversos campos científicos – da criança como sujeito concreto, ser em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, contemporâneo, que se apropria de e produz cultura, que é inteiro e capaz, porém dependente e vulnerável, marcado, tanto por características biológicas, como do contexto sócio-cultural em que vive, assim como da classe social, da etnia, do gênero (OliveiraFormosinho, 2002; Sarmento, 2007; Kramer, 2011). Essas características definem a função desse segmento, assim como do profissional que nele atua, como de educar-cuidar, de modo indissociável, de crianças de zero a cinco anos e onze meses, com finalidade pedagógicoeducativa de promover seu desenvolvimento integral em ação complementar à da família, tal como definido pela LDB (Lei 9394/1996). A partir dessa compreensão, a formação de professores para a Educação Infantil tem se convertido, nas últimas décadas, em tema de preocupações, investigações e teorizações, dado o caráter reconhecidamente específico de sua constituição, relativo às especificidades das crianças de zero a cinco anos (FORMOSINHO, 2002; OLIVEIRA; LOPES, 2011). Esses estudos afirmam a necessidade de uma formação específica e sólida para os profissionais que atuam junto às crianças pequenas (como têm sido identificadas as crianças da Educação Infantil) considerando-se as múltiplas facetas do trabalho demandado pelas crianças em suas necessidades e possibilidades. Tal importância tem sido reiterada, também, nos documentos oficiais pertinentes à área, tais como a Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), que definem, como diretrizes, a necessária e especial qualificação dos professores que atuam com as crianças, mediante formação inicial e continuada; os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2008) que definem a formação dos professores como um aspecto definidor da qualidade do trabalho das instituições e, finalmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009) que, em seus princípios, explicita o papel do professor junto às crianças, cuidando-as-educando-as, mediante a criação de condições – materiais, físicas, emocionais, intelectuais – para que elas possam se desenvolver de modo integral. O exercício desse papel demanda, por conseguinte, uma formação com caráter inicial de nível superior e, dentro desta, de experiências curriculares que preparem, minimamente, 58 Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 239 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior para o desempenho das funções próprias de modo a assegurar uma educação de qualidade para as crianças. Nesse sentido, mesmo concordando com Tardif (2002) que os saberes docentes são oriundos de múltiplas fontes, compreendemos, junto com Salles e Russeff (2003) que a formação inicial precisa garantir a apropriação de determinadas habilidades, mínimas e indispensáveis, regulamentadas e contextualizadas, para a inserção do neo-profissional na prática. Sendo assim, o estágio supervisionado enquanto componente curricular tem contribuído para a formação de professores que atuarão junto a crianças pequenas, para o atendimento de suas demandas enquanto pessoas em desenvolvimento - corporais, emocionais, cognitivas, linguísticas, pessoais e sociais? Foi esta a questão que orientou a construção de nosso trabalho. CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO A investigação assume os princípios da abordagem qualitativa, considerando a imprescindível inserção do investigador ao/no contexto real do objeto de pesquisa e de sua participação como co-construtor dos dados, em sua descrição e interpretação. Conforme os autores Bogdan e Biklen (1994), Mazzotti (2004), Lüdke e André (2005), Freitas (2007) para os pesquisadores qualitativos a apreensão do significado, pela interpretação dos fenômenos observados é a preocupação essencial. “O que esse tipo de pesquisa visa é a descoberta de novos conceitos, novas relações, novas formas de entendimento da realidade” (ANDRÉ, 1995, p. 30). Para a mesma autora, o estudo qualitativo é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada. Numa mesma e ampliada direção, Freitas (2007, p. 27) propõe que, “uma pesquisa qualitativa de orientação sócio-histórica” se caracteriza, entre outros, por aspectos tais como: “a fonte dos dados é o texto (contexto) onde o acontecimento emerge, focalizando o particular enquanto instância de uma totalidade social” [...], o que determina a busca de compreensão dos – e através de – sujeitos envolvidos – e de seu contexto. [...] em seu movimento em relações históricas e sociais. A estruturação do trabalho contempla, portanto, a análise da inter-relação dialética entre os dados empíricos e teóricos (KOSIK, 2002, p.44). Os dados foram construídos, tanto mediante a análise de documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia (2006), o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da IES (2008) e os ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 240 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1998), como também de pesquisa de campo que envolveu 10 alunos do 5º período do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN), Campus Avançado Professor João Ismar de Moura (CAJIM), localizado no município de Patu, RN, e reconhecido como centro de formação de professores da região. A consulta ao Projeto Pedagógico do referido curso visando analisar objetivos e estrutura do estágio no âmbito de sua organização curricular teve, como fundamento, tanto as proposições das já citadas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, como teorizações do campo da educação e da formação docente de caráter crítico. Juntamente a esses procedimentos, as significações construídas mediante entrevistas semi-estruturadas com dez graduandos que encontravam-se cursando o referido componente curricular, nos possibilitaram uma aproximação à realidade objetiva do curso de Pedagogia dessa instituição. Tomando como referência princípios da Análise do Discurso (ORLANDI, 1999) bem como princípios do dialogismo de M. Bakhtin (AMORIM, 2007; FREITAS, 2007) compreendemos que a linguagem não é transparente e que as significações que emergem nas/das enunciações dos sujeitos têm uma materialidade simbólica própria e significativa e uma espessura semântica, tecidas pelas/nas condições de produção dos discursos que compreendem os sujeitos, a situação, a memória, a linguagem. Nesse sentido, o texto tece-se (e tece a) na trama do contexto – mais imediato e mais amplo – histórico, social, econômico, político, cultural, ideológico, onde se produz a interação que o produz. Numa relação dialética entre memória e linguagem, os sujeitos, em relação, produzem sentidos e, com eles, se fazem, se dizem de e a si mesmos (e de) e à sua realidade. Tomando esses pressupostos como orientadores, consideramos as enunciações dos sujeitos e construímos, a partir de seu entrecruzamento com as teorizações assumidas (PIMENTA, 2001; IMBERNÓN, 2002; TARDIF, 2002, entre outros), eixos de análise, discussão e reflexão acerca do Estágio Supervisionado como contexto formativo de professores. ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: COMPONENTE CURRICULAR DO PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UERN/CAJIM As novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia (BRASIL, 2006) definem princípios, condições de ensino e de aprendizagem, bem como procedimentos que orientam os órgãos e instituições de ensino superior do país. Em seu art. 2º determina que o curso de Pedagogia aplica-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 241 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio na Modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de Serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos O Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, desenvolvido no Campus Avançado Professor João Ismar de Moura - CAJIM respaldou-se nestas orientações para efetuar uma re-estruturação em seu Projeto Pedagógico Curricular com o objetivo de “formar profissionais aptos a atuarem na docência da Educação Infantil, Anos Iniciais do Ensino Fundamental, Educação de Jovens e Adultos e na Gestão de processos educativos, em ambientes escolares e não escolares que impliquem o trabalho pedagógico” (PPC/PEDAGOGIA/UERN/CAJIM, 2008, p.8). Buscando ajustar-se aos princípios propostos com caráter mandatório, dada a natureza do documento citado, o Projeto Pedagógico para o Curso de Pedagogia do CAJIM/UERN passou a constituir-se de dois eixos formativos: 1) a educação como prática social, histórica e cultural e 2) a pesquisa e as práticas pedagógicas nos diferentes espaços educacionais. Com base nessa perspectiva, a organização curricular envolve cinco categorias de conhecimentos: Introdutórias, Fundamentos, Especialização, Aprofundamento e Aplicação Tecnológica. O Estágio Supervisionado, objeto de nosso estudo, está incluído na categoria de especialização (atuação no ensino) – compreende conhecimentos específicos à formação do professor e passíveis de mudanças mediante as condições concretas e demandas do(s) campo(s) de atuação profissional estabelecido(s) no programa formativo. De maneira específica, o projeto “centra-se na atuação do Ensino e na atuação da Gestão Educacional, cuja ênfase está atribuída à primeira” (PPC 2008, p.44). Na proposta formativa do PPC dessa instituição o Estágio Supervisionado é compreendido enquanto atividade teórico-prática, com finalidade instrumentalizadora da práxis, não se limitando à aplicação de técnicas aprendidas ou de conhecimentos adquiridos na formação acadêmica, mas envolvendo a produção crítica de conhecimentos pelos formandosestagiários. De acordo o Projeto Pedagógico do curso o estágio tem como objetivo geral: Contribuir para a formação de um profissional reflexivo, pesquisador, comprometido com o pensar/agir diante das problemáticas educacionais evidenciadas nos espaços escolares e não escolar lócus de ação profissional do futuro licenciado. O Estágio configura-se, assim, como um espaço de produção do conhecimento que favorece a pesquisa e a extensão através da ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 242 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior troca de experiência entre os envolvidos no processo e do aprimoramento progressivo do conhecimento sistematizado, a partir da confluência das diversas atividades curriculares, não se limitando assim, a transferência linear da teoria para a prática (PPC, 2008, p.63). No Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia do CAJIM/UERN o Estágio Supervisionado tem uma carga-horária de 300 horas que são distribuídas da seguinte forma: Estágio I, em Educação Infantil, com 165 h/a; Estágio II , nos anos iniciais do Ensino Fundamental, com 165 h/a e o Estágio III, vivenciado em contextos não-escolares, com 150 h/a. Essa carga horária tem como premissa possibilitar ao graduando acompanhar e vivenciar situações-ações do exercício da docência escolar que não acontecem de forma igualmente distribuída em cada um desses contextos, concentrando-se em situações, tais como: a elaboração do projeto pedagógico, a organização das turmas, do tempo e do espaço escolares; articulação entre as proposições teóricas e as questões práticas vivenciadas, visando à construção de um conhecimento significativo propiciado pela vivência orientada do movimentoação-reflexão-ação. No caso específico de nosso estudo o Estágio I (em Educação Infantil) envolve o estudo, a análise, a problematização, a reflexão e a elaboração de proposição de soluções às situações de ensinar, aprender e elaborar, executar e avaliar projetos de ensino, não apenas na sala de aula, mas, também, na escola e na sua relação com a comunidade. De acordo com o PPC do curso, sua estruturação deve se efetuar da seguinte forma: LOCAL ATIVIDADES/ CARGA-HORÁRIA Educação Infantil (Creche ou Pré-Escola Orientações/discussões teórico- metodológicas- 45h; Observação direta nas salas de aulas – 20h; Planejamento de ações pedagógicas para desenvolver na sala de aula– 20h; Aplicação do planejamento de 60 h, sendo no mínimo 40 h de trabalho na sala de aula, diretamente com os alunos, podendo 20h serem operacionalizadas com outros atores da escola e comunidade – 60h; Registro e sistematização da experiência -16h Avaliação e apresentação na escola campo de estágio, do plano de trabalho desenvolvido - 4h. Dados do PCC do Curso de Pedagogia do CAJIM/UERN, 2008 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 243 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Entendemos que o Estágio Supervisionado, talvez mais do que outros componentes curriculares do Curso de Pedagogia, envolve uma dimensão de mutualidade, em que os que ensinam e os que aprendem são sujeitos de um processo de formação, de construção e de (re)criação, de co-produção de conhecimentos não prontos, não dados, mas que se constroem a partir e mediante as condições reais em que encontram-se, a cada semestre, os formandos, os sujeitos do campo de estágio, o professor, bem como a própria situação e relações que dela demandam. Nessa perspectiva, pensamos que essa disciplina possibilita a apropriação de dimensões capazes de instrumentalizar formadores e formandos para a crítica e confronto de paradigmas, estimulando-os à observação e reflexão sobre as atuações dos variados segmentos, à percepção crítica do dia-a-dia da escola e à análise do real papel que a mesma exerce – ou pode/precisa exercer – no processo educativo dos discentes. Reconhecido pelo sistema de ensino como uma relação estabelecida entre um alunoaprendiz-estagiário e um docente “experiente” no campo de estágio com a mediação de um professor supervisor acadêmico, o estágio supervisionado pressupõe atividades pedagógicas efetivadas em um ambiente institucional de trabalho que pode oferecer situações contextualizadas de vivências próprias do exercício docente a ser assumido pelo futuro profissional. Nessa perspectiva, podemos pensar no estágio como a experimentação de condições em que o estagiário se torne autor de sua prática, mediado por outros mais experientes, atuando, como nos propõe Vygotsky (1998) em “zona de desenvolvimento proximal” de forma intencional, sistemática e institucional, com uma autonomia conquistada mediante o compartilhamento de ações norteadas por um projeto pedagógico previamente construído, juntamente com teorizações que ancoram a tomada de decisões e as intervenções, podendo, inclusive, contribuir para a reflexão e crítica desse projeto que o norteia inicialmente. Remetendo-nos, especificamente a analisar o lugar da Educação Infantil nas Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia (2006) quanto à vivência de atividade de estágio, verificamos que o art. 7º no inciso IV especifica ser uma das prioridades do estágio curricular assegurar aos graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências na Educação Infantil e nos anos iniciais, prioritariamente. Elas determinam, ainda, em seu art.5º inciso II que o egresso do curso de pedagogia deverá estar apto a compreender, cuidar e educar crianças de 0 a 5 anos, de forma a contribuir para o seu ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 244 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social. Essa compreensão encontra-se definida, também, na LDB (Lei nº 9394/96), em seu art. 29 e ainda nos Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (1998). Refletindo sobre essas proposições, inferimos que é necessário ao graduando, em seu processo de formação inicial para a atuação na Educação Infantil, vivenciar experiências que permitam construir um significado mais elaborado sobre a criança, suas semelhanças e singularidades como sujeito social e individual (STEARNS, 2006; SARMENTO, 2007), seus processos de aprendizagem e desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998; WALLON, 1995), o papel do meio sócio-cultural nesses processos e sobre a Educação Infantil, em suas diversas e históricas funções sociais (KRAMER, 1995; KUHLMANN JR, 1998) e em sua compreensão atual como espaço e tempo de aprendizagens e desenvolvimento mediante a apropriação e produção da cultura pelas crianças. As reflexões acerca de teorizações, consideradas como referências para a interpretação da vivência cotidiana da docência, precisam privilegiar concepções, compreendendo-as em seus processos de produção e difusão históricos, que avancem em relação a abordagens que privilegiam um ou outro aspecto do desenvolvimento integral da criança – físico, emocional, afetivo, cognitivo, social, cultural – o que tem, como conseqüência, modos de conceber e agir que compartimentalizam a criança e seu desenvolvimento pessoal e social. Acreditamos que a experiência do estágio pode e precisa organizar-se do modo a permitir uma reflexão mais sistematizada sobre esses aspectos, já que possibilita fazer relações entre os conhecimentos teóricos construídos e a interpretação, por meio desses conhecimentos, dos acontecimentos da/na prática. Com base nessa compreensão, nossa análise do Projeto Pedagógico da instituiçãocampo aponta o caráter restrito de componentes curriculares voltados, especificamente, para a Educação Infantil - apenas três: Concepções e Prática de Educação Infantil, Literatura e Infância e o Estágio Supervisionado I - Educação Infantil. Nesse sentido, embora reconhecendo que disciplinas-fundamentos como Psicologia Educacional, que enfocam processos de aprendizagem e desenvolvimento humano e, por conseguinte, da criança; Sociologia, Antropologia e História da Educação que, ao tematizarem processos constitutivos humanos e sociais podem focalizar a criança e a infância como temas, é necessário reconhecer também que nem sempre isso acontece, ou seja, nem sempre essas disciplinas privilegiam a criança e a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 245 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior infância como categorias de estudo, no sentido de ampliar a compreensão dos graduandos a esse respeito. Assim, junto às duas outras disciplinas citadas o Estágio Supervisionado em Educação Infantil assume lugar de destaque na formação do profissional para esta etapa. Que contribuição tem dado esse componente curricular aos formandos? O que eles próprios enunciam acerca dessa questão? O ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA EDUCAÇÃO INFANTIL COMO CONTEXTO FORMATIVO DE PROFESSORES: O QUE DIZEM OS ALUNOS ESTAGIÁRIOS As atividades que integram o estágio precisam permitir ao futuro licenciado um conhecimento mais consistente das situações de trabalho com as quais irá se defrontar e, em relação as quais deverá tomar decisões e agir no sentido de promover avanços nas aprendizagens e desenvolvimento das crianças de modo integral. Desse modo, inserindo o formando diretamente em unidades dos sistemas de ensino, busca-se criar condições em que ele possa experimentar e verificar (em si e no outro) a vivência de conhecimentos exigidos na prática profissional. Além disso, numa perspectiva de formação inicial como constituição em ação de um professor-pesquisador, o estágio pode contribuir para o desenvolvimento de uma atitude de investigação no contexto da prática educativa tomando-a em sua complexidade, como objeto de reflexão e ação. Tomando como objeto de estudo esta realidade e os discursos dos alunos estagiários sobre a importância do estágio supervisionado em educação infantil para a formação do professor, consideram que, para estes, o estágio assume uma significação de instância privilegiada que permite a articulação entre o estudo teórico e os saberes práticos: O estágio permite que o futuro professor tenha oportunidade de contextualizar a teoria estudada no curso com a prática que vai exercer. Nele, o futuro professor tem a oportunidade de conhecer o mundo no qual irá se inserir. Também foi importante porque pudemos ver como é uma rotina organizada na educação infantil, foi uma experiência válida para termos uma base de como é o funcionamento da educação infantil. Enfim, nele eu pude construir mais saberes com relação à educação infantil, observar o espaço, como as crianças interagem com as atividades, a importância de saber mais sobre a criança. (RAPUNZEL, 2011, P. 10 – Grifos nossos). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 246 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Caracterizo a importância do estágio como fase primordial para a formação, pois nos possibilitou o contato direto com a realidade antes só estudada nos textos teóricos. Nesta fase, o graduando se socializa com seu objeto de estudo – a profissão de professor, até então situado só no campo das hipóteses e intervém no processo ensino aprendizagem. O estágio, de maneira geral, nos permitiu por nossa prática em reflexão. Acredito que o grande aprendizado nesse estágio envolva produção de saberes referentes à prática enquanto facilitadora do processo de ensino-aprendizagem. (JOÃO, 2011, P.20). O estágio permitiu o primeiro contato com a docência, permitiu perceber se é nossa área de atuação ou não, para que possamos intensificar nossos estudos nessa área de atuação, é um momento de experiência; me senti um pouco perdida, nunca estive em uma sala de aula como professor; organizar e desenvolver uma rotina nesse segmento não é fácil. Precisamos estudar mais e praticar mais. De maneira positiva, vejo que o estágio permite refletir sobre nossos saberes e construir saberes também. (MARIA,2011, P.35. Grifos nossos) Essas enunciações nos remetem à ideia de Pimenta (2001) que define o estágio como uma atividade teórica preparadora à práxis transformadora do futuro professor. “Ele é uma atividade teórica do conhecimento dos professores [...] prepara para o exercício de uma profissão. Essa preparação é uma atividade teórica, ou seja, cognoscitiva” (PIMENTA, 2001, p.183). Podemos inferir que os alunos reconhecem o estágio como uma instância interlocutora da teoria-prática, além disso, consideram essa experiência como promotora da construção de saberes. Tardif (2002) menciona que os saberes vão sendo reorganizados e remodelados no e pelo trabalho, pelo compartilhamento de ideias com os pares, com os alunos, consigo mesmo e com a instituição escolar. Segundo ele, “o professor aprende progressivamente a dominar o seu ambiente de trabalho, ao mesmo tempo em que se insere nele e o interioriza por meio de regras de ação que se tornam parte integrante de sua consciência prática” (TARDIF, 2002, p.14). Concordando com Tardif (2002), compreendemos que a experiência de trabalho somada aos saberes pedagógicos, científicos e curriculares é uma fonte privilegiada do saber ensinar dos professores. Pensamos que o saber do professor não provém de uma fonte única, mas de várias fontes diferentes. Neste sentido, o estágio se torna um espaço privilegiado de construção de saber, contudo, não a única, mesmo na formação inicial. Retomamos que as outras disciplinas oferecidas no curso, concomitantemente, podem se articuladas, constituírem-se como fios condutores para desencadear o processo de formação do profissional docente na Educação Infantil ao focalizarem, de suas diferentes perspectivas, os ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 247 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior modos históricos de conceber a criança, a infância e a sua educação, propiciando a compreensão de sua especificidade. Nesse sentido, o Estágio Supervisionado pode constituir-se como instância em que esses fios diversos da formação começam a se entrelaçados. Mas, como essa ação reflexivaativa não se faz naturalmente no formando, o professor orientador, mais que o professor efetivo da turma onde se realiza o estágio, tem papel de mediador, de propiciador das condições de realização de tal reflexão propiciando o desencadeamento e compartilhamento de discussões, de constatações, de dúvidas. De uma maneira geral, percebemos que o estágio tem sido significado positivamente pelos licenciandos, consistindo, para os mesmos, como espaço para a articulação de saberes que influenciam na reflexão de sua atuação como futuro professor de crianças pequenas, considerando algumas de suas especificidades. Alguns descaram a importância (e a dificuldade) de terem vivenciado, observado, pensado, a organização do tempo – a rotina – o espaço e as atividades – considerando-se as crianças pequenas. De fato, esses aspectos constituem, entre outros, como a própria relação professor-crianças – não mencionadas por eles, algumas das mais expressivas especificidades do trabalho com essa faixa etária e suas demandas próprias. Merece destaque a não referência à relação adulto-criança, bem como à (in)definição acerca da organização dos “conteúdos” das atividades, das experiências propostas, aspecto muito presente em discussões na área na atualidade (ARCE, 2010). Como nos diz Bakhtin (1980) silêncios também enunciam sentidos e incitam a respostas – que podem ser outras questões. De que maneira o estágio tem contribuído (ou não) para que tais aspectos sejam pensados como questões da prática? Por outro lado, podemos também identificar, junto a considerações de âmbito mais geral, uma hipervalorizção da prática para a formação do professor, o que, por sua vez, pode apontar para indícios de um reducionismo na concepção das relações entre conhecimento prático e conhecimento teórico, ao lado de concepções que o definem como um contexto de produção de saberes, não apenas de reprodução, assim como de produção de conhecimentos e de emergência de reflexões, de necessidades referentes à profissão docente no âmbito da educação infantil. Tais contradições ou paradoxos nas formas de significação e nos sentidos que se revelam nas enunciações dos formandos podem ser, por sua vez, compreendidas como pertinentes e inerentes ao próprio movimento de constituição de conhecimento, reconhecido ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 248 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior como produção de sentidos a partir das significações que circulam nos espaços sócio-culturais, marcados, como nos diz Bakhtin (1980) pelas posições que os sujeitos ocupam nas relações e interações sociais onde tais significações se produzem e passam a circular e a serem valoradas, como bom, ruim, certo, errado... Como propõe Vygotsky (1998) a constituição de modos de funcionamento mental individual faz-se sempre como internalização – conversão – de modos intermentais compartilhados socialmente, não como reprodução ou cópia, mas, como singularização, devida às condições individuais-sociais de cada sujeito. Assim, em meio às “(in)verdades” que circulam nos meios educacionais em que se envolvem ao longo de suas vidas/histórias, os graduandos vão convertendo-as em seus modos de pensar, entrecortados por outros com os quais vai entrando em contato e, ao seu modo e em dado momento, se apropriando. Assim, suas significações são marcadas por esses vários discursos, por essas várias vozes, que ora privilegiam o caráter instrumental-prático das vivências no estágio, ora destacam a emergência de reflexões, de lacunas; ora de afirmação de certezas, de encontros, ora de constatação de dúvidas, de “perdição”. Seus dizeres nos apontam, inicialmente, que a formação inicial para a atuação docente na Educação Infantil não pode ser considerada do prisma de uma racionalidade técnica organizada pela tríade instrumentalização-aplicação-transformação, mas carece de reflexões sobre a contribuição que os estágios de prática de ensino (no nosso caso em Educação Infantil) podem trazer para a constituição dos saberes teórico-práticos enquanto modos de significação ação e construídos pelos licenciandos sobre a profissão docente. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES, A TÍTULO DE CONCLUSÃO As considerações que ora apresentamos não têm a pretensão de apresentar conclusões, mas de destacar alguns elementos já apontados no decorrer do texto, de forma a contribuir para a reflexão sobre a formação docente, a partir da investigação do estágio supervisionado em Educação Infantil no curso de pedagogia tomando o caso particular de nosso campo de estudo como parte de uma totalidade social e histórica. Concebemos que o caminho para oferta de uma melhor formação na prática dos estágios está relacionado à existência de uma maior integração na relação entre teoria e prática, o que demanda uma aproximação entre componentes curricularesa de caráter teórico e os que têm uma natureza mais prática enquanto elementos que se complementam e não como disciplinas isoladas, realizadas numa sequência pré-estabelecida e, muitas vezes, descontextualizada e desarticulada. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 249 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O Estágio Supervisionado configura-se como um dos momentos de formação do professor em sua etapa inicial. Não é o único e nem, para todos os formandos, o mais importante, entretanto, é fundamental, pois consiste – ou pode consistir – em uma instância de articulação, no contexto limitado da formação inicial, marcado por regulamentações, múltiplas demandas sociais e históricas, entre um lastro teórico básico, e suas implicações práticas – não dadas, mas por serem construídas no próprio fazer – que muda a cada situação de tempo, lugar e relações sociais. Dessa forma, sua inserção no percurso formativo do professor com vistas à sua atuação na Educação Infantil revela-se como fundamental, considerando-se os históricos malentendidos relativos ao “perfil” do professor desse segmento, que, por muito tempo foi – e ainda é - caracterizado por requisitos que privilegiam o senso comum, a não necessidade de conhecimento especializado-científico, a “boa vontade”, ou dons naturais. A produção das últimas duas décadas tem nos apontado, por outro lado, que esse profissional identifica-se e caracteriza-se como professor, por sua função essencialmente pedagógica, da qual faz parte uma dimensão de cuidado, acolhimento, proteção, afeto, animação. Assim, o curso de Pedagogia como um todo, e o Estágio Supervisionado em Educação Infantil, de modo especial, precisam propiciar situações aos formandos de iniciação na prática pedagógica com, se não todos, dado que é “estágio”, é primeira aproximação, com muitos dos desafios, riscos e encantos do fazer educar-cuidar cotidiano junto a crianças pequenas. Desse modo, como instância articuladora-consolidadora do processo de formação do futuro professor, o estágio pode efetivar o conceito de práxis (a indissociabilidade entre teoria e prática) desde que orientado para essa finalidade. Como lugar de produção do conhecimento é uma atividade que precisa ser intencional, planejada e fundamentada, superando a idéia de empirismo, prática pela prática, cumprimento de atividades e carga-horária. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES-MAZZOTTI, A. J. & GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais. São Paulo: Pioneira, 2004. AMORIM, Marília. A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação ética, estética e epistemológica. In FREITAS, Maria Teresa; SOUZA, Solange Jobim e; KRAMER, Sônia. Ciências humanas e pesquisa: leitura de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2007. – (Coleção questões da nossa época; v. 107) p.11-25. ANDRÉ, Marli Eliza D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 250 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ARCE; Alessandra; MARTINS, Lígia Márcia (Orgs.). 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Enfatiza a importância de espaços adequados para o desenvolvimento de crianças e é fundamental para discutir o que é necessário que um espaço infantil tenha para ser considerado de qualidade. As reflexões desenvolvidas permitem concluir que as crianças pequenas necessitam de um espaço físico bem organizado e estruturado de forma a lhe proporcionar descobertas, interações e, consequentemente, desenvolvimento. Palavras-chave: Educação Infantil. Espaço físico. Desenvolvimento. Abstract This article aims to provide support for the observation and evaluation of educational activities for young children based on criteria established in dialogues with authors in the field and experiences along the route of the graduate course in Education and moments as a teacher of Early Childhood Education . It is a clipping from the completion of course work called " 'What is this place?’: Analyzing the space of an educational institution of Early Childhood Education in the Municipality of Maceió”. "Emphasizes the importance of adequate spaces for the development of children and is essential to discuss what is necessary for a child space has to be considered quality. The reflections developed to the conclusion that young children need a physical space well organized and structured to provide your discoveries, interactions and, consequently, development. Keywords: Early Childhood Education. Physical space. development INTRODUÇÃO O espaço possibilita inúmeras descobertas e interações com o adulto e com as demais crianças, fornecendo instrumentos para se pensar o mundo de sua própria forma. Por acreditar que o espaço escolar é um importante objeto de estudo para educadores, busca-se ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 253 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior um aprofundamento teórico da utilização desse espaço como ferramenta pedagógica e compreensão de que sua falta influi no desenvolvimento da criança desde o início de sua vida escolar. É importante destacar que, neste trabalho, as denominações ambiente e espaço são consideradas sinônimos, mesmo tendo conhecimento de que alguns autores o consideram com características específicas e diferenciadoras. Diante disso, buscar-se-á neste artigo responder à seguinte questão: Que elementos são importantes na construção e manutenção do espaço físico escolar para o desenvolvimento de crianças pequenas? Inicialmente, serão estabelecidos alguns apontamentos históricos acerca do espaço físico na Educação Infantil, logo depois serão apresentados os critérios definidos para avaliação da qualidade do ambiente infantil e, finalmente, explicitadas as conclusões. Espaços Físicos Escolares para Crianças: Contribuições de Documentos Oficiais As instituições escolares têm recebido cada vez mais cedo crianças que precisam sentir-se acolhidas e seguras no ambientes em que estão inseridas. Esse fator tem feito com que o espaço seja uma das preocupações constantes quando nos referimos a Educação Infantil. Mas para isso precisou primeiramente o reconhecimento da Educação Infantil como uma etapa da Educação Básica perante a lei com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96). Ela vem como conseqüência à Constituição Federal de 1998 que definiu uma nova significação em relação à criança, que é a de criança como sujeito de direitos. Dentre as definições dessa lei, uma que merece destaque é a que define estabelece que trabalhadores (homens e mulheres) têm direito à assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os seis anos de idade em creches e pré – escolas (art. 7º / XXV). Define ainda que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de atendimento em creches e pré-escolas às crianças de 0 a 6 anos de idade(art. 208, inciso IV). A LDB regulamenta a Educação Infantil, definindo como primeira etapa de educação básica (art. 21/1) e que, tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, contemplando a ação da família e da comunidade. A LDB determina ainda que cada instituição do sistema escolar deverá ter um plano pedagógico elaborado pela própria instituição com a participação dos ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 254 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior educadores e estes devem ter uma formação mínima. E nesse projeto político pedagógico deve-se reconhecer a importância da utilização dos espaços como suporte de atividades pedagógicas significativas para a aprendizagem da criança. Para tal, tomamos como referência os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil (2006), documento do Ministério da Educação (MEC), que propõe a inclusão das necessidades e desejos daqueles que estarão inseridos nesse espaço, com uma participação efetiva durante sua constituição. Os ambientes a que se refere esse documento precisam proporcionar principalmente acessibilidade universal, ou seja, a garantia da autonomia a crianças e professores com necessidades especiais. Essa autonomia da criança não descarta as intervenções dos professores nesse espaço, pelo contrário ele aponta para uma parceria constante entre ambos os interessados com objetivo de pleno desenvolvimento. Esse espaço deve incorporar valores culturais de cada região, por isso não pode ser descrito como um modelo ideal, pois deve estar inserido antes disso numa proposta pedagógica com características da própria instituição, com sua identidade, seu caráter pessoal, contando com a interferência da criança ao chegar nesse novo espaço. Dessa forma, assegura os Parâmetros (2006, p.9) que “a criança pode e deve propor recriar e explorar o ambiente, modificando o que foi planejado”. Dessa forma, esse novo espaço em que a criança se insere aos poucos vai deixar de ser algo estranho e começará a reconhecê-lo a partir da familiarização que acolhe e assegura sua permanência de forma agradável e segura, podendo favorecer sua interação com os demais constituintes do mesmo ambiente. O professor tem um papel muito importante nesse processo, pois ele passa a ser esse mediador com coerência adequada a cada situação, assim como destacam os Parâmetros (2006, p.10): Acredita-se que ambientes variados podem favorecer diferentes tipos de interações e que o professor tem papel importante como organizador dos espaços onde ocorre o processo educacional. Tal trabalho baseia-se na escuta, diálogo e observação das necessidades e interesses expressivos pelas crianças, transformando-as em objetivos pedagógicos Esse ambiente deve privilegiar prioritariamente a aprendizagem da criança e cabe ao professor, tem um olhar perceptivo aguçado para entender e buscar estratégias que promovam as descobertas,proponham desafios, facilitando a interação com o ambiente em que estão inseridos, portanto um espaço lúdico, transformável e acessível. Dentre os documentos oficiais temos como referência os Indicadores de Qualidade na Educação Infantil (2009), que propõe espaços limpos, aconchegantes, bem iluminados, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 255 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior arejados, que transmitam acima de tudo segurança que dêem importância ao contato com a natureza e que dê espaço à brincadeira. Esse espaço deve ter um mobiliário planejado, pensando nas crianças que irão receber no que diz respeito à estrutura, acesso e conforto incentivando sempre a autonomia e o contato com materiais diversos como brinquedos adequados a idade de cada um e estímulos visuais com cores e formas variadas, mas sempre muito bem conservados. Esse espaço deve expor projetos educativos desenvolvidos pelas crianças, como forma de registro e divulgação das produções dos pequenos, materiais estes que podem ser desenhos, fotos, imagens expressivas estimulando as trocas e iniciativas por parte dos agentes envolvidos neste contexto. Outro documento oficial que aborda a importância do espaço físico para o desenvolvimento da criança é o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), lançado em 1998 pelo MEC. Em seu primeiro volume, na página 63, ficam estabelecidos os objetivos gerais da Educação Infantil e, dentre eles, estão: estabelecer vínculos afetivos e de troca com adultos e crianças,fortalecendo sua auto-estima e ampliando gradativamente suas possibilidades de comunicação e interação social; (...)observar e explorar o ambiente com atitude de curiosidade,percebendo-se cada vez mais como integrante, dependente e agente transformador do meio ambiente e valorizando atitudes que contribuam para sua conservação(BRASIL, 1998, v.1, p. 63) Ainda segundo este Referencial, é preciso perceber que o espaço físico e os materiais não são elementos passivos, mas sim como “componentes ativos do processo educacional que refletem a concepção de educação assumida pela instituição” (BRASIL, 1998, p. 67). Nesse contexto, o espaço será proporcionador de desenvolvimento e aprendizagem infantil, sendo versátil para atender às sugestões das crianças e dos professores a partir de suas práticas educativas, da realidade em que estão inseridos. Dessa forma, Os vários momentos do dia que demandam mais espaço livre para movimentação corporal ou ambientes para aconchego e/ou para maior concentração, ou ainda, atividades de cuidados implicam, também, planejar, organizar e mudar constantemente o espaço. Nas salas, a forma de organização pode comportar ambientes que permitem o desenvolvimento de atividades diversificadas e simultâneas, como, por exemplo, ambientes para jogos, artes, faz-de-conta, leitura etc. (BRASIL, 1998, p. 68) Com relação aos espaços externos, o Referencial estabelece que devem prever espaços em que a criança possa correr, brincar, escorregar, subir, descer, escalar, pendurar-se, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 256 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior escalar, esconder-se, brincar com água e demais atividades que lhe proporcionem liberdade de expressão e alegria sem que possa-lhe ser perigoso. Estabelecendo Critérios para Avaliação dos Espaços Físicos Escolares para Crianças Pequenas Considerando o que indica os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil: “O espaço destinado a esta faixa etária deve ser concebido como local voltado para cuidar e educar crianças pequenas, incentivando o seu pleno desenvolvimento”, (BRASIL, 2006, p. 11) torna-se importante esclarecer que a intenção de pensar em itens e atitudes essenciais para a constituição do espaço escolar infantil é fruto de uma preocupação em oferecer as condições necessárias para que esse desenvolvimento pleno aconteça. Os critérios que aqui serão apresentados resultam de estudos e observações realizados contando com a interlocução entre autores e advindo também da prática docente. Entretanto, não podem ser considerados como fim em si mesmos ou como os únicos capazes de serem considerados suficientes para atender a toda a complexidade de necessidades infantis. Foram escolhidos estes por servirem como pontos fundamentais na construção de um ambiente de aprendizagem constante. INCLUSÃO / ACESSIBILIDADE A educação inclusiva tem sido uma constante debatida e defendida principalmente na Educação Infantil, pois, a Educação Básica de modo geral da qual a Educação Infantil faz parte tem o dever de atender a crianças com necessidades educacionais especiais e o espaço em que essas crianças serão inseridas é um aspecto essencial ao se pensar em receber essa criança, os espaços das Instituições de Educação Infantil devem privilegiar a acessibilidade, com rampas, barras de apoio, dentre outras coisas. Nesse sentido de garantir a inclusão, deve ser pensada não apenas em crianças, mas nos demais agentes que compõem a comunidade educacional. É necessário garantir que as crianças com necessidades educativas especiais, não somente estar presente na escola, mas fazer parte efetivamente das atividades que ali estão sendo desenvolvidas e que possam interagir com esse espaço e tenham liberdade para serem ativas dentro da instituição. Que possam movimentar-se naquele ambiente é o que defendemos, pois assim estaremos contribuindo para a promoção da inclusão dessas crianças e isso servirá de base para que ela ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 257 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior tenha um desenvolvimento pleno e alcance os objetivos almejados ao longo do tempo. Essa acessibilidade está prevista nos Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil, neles temos: Ambientes planejados para assegurar acessibilidade universal, na qual autonomia e segurança são garantidas às pessoas com necessidades especiais, sejam elas crianças, professores, funcionários ou membros da comunidade. ( BRASIL, 2006, p.9) O ambiente seguro favorece a autonomia e conseqüentemente o desenvolvimento da criança ali inserida e faz com que as demais também se sintam a vontade a trocar experiências e explorar determinado lugar. VALORIZAÇÃO DA CULTURA LOCAL Os Parâmetros Básicos de Infra-Estrutura para Instituições de Educação Infantil afirmam que: “Cabe a cada sistema de ensino adequar as sugestões à sua comunidade na qual a instituição está ou será inserida, sempre flexibilizando as sugestões apresentadas” (BRASIL, 2006, p. 10). Isso significa dizer que toda comunidade escolar envolvida precisa ser ouvida participando das decisões a serem tomadas, deverão ter “voz e vez” Ao pensar nesse espaço devemos levar em consideração as preferências das crianças, que serão diferentes de acordo com as regionalidades em que estão inseridas. Nesse ponto acrescenta Craidy & Kaercher ( 2001,p. 73): “Os espaços educativos não podem ser todos iguais, o mundo é cheio de contrastes e de tensões, sendo importante que as crianças aprenderem a lidar com isso” . Portanto, conforme citado, as diferenças são importantes e as crianças aprenderão com ela para o processo de construção de identidade e de superação dos obstáculos, fazendo-a crescer com as situações de conflito. É imprescindível que o espaço da escola seja um local de divulgação e aceitação da cultura local, sabendo que nosso país e, sendo mais específica, a região Nordeste é portadora de uma diversidade cultural imensa, mas que infelizmente a maioria da população desconhece e muitas vezes os conhecedores não valorizam, portanto, mostra-se a importância da divulgação dessa cultura na instituição escolar, que é um local privilegiado pela diversidade de pessoas que dali fazem parte. INTERAÇÕES ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 258 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A interação entre as crianças é um fator preponderante para seu desenvolvimento motor, cognitivo, físico e social. Ao entrar em contato com o outro, elas terão acesso a inúmeras possibilidades de crescimento. Partindo desse pressuposto, é necessário afirmar que o espaço físico da instituição de Educação Infantil precisa estar estruturado de maneira a favorecer essas interações, essas descobertas, esse crescimento. Sendo assim, os objetos precisam estar bem dispostos e sua localização bem planejada para facilitar contatos e descobertas interessantes, tanto no que se refere ao outro como a si próprio. Pensamos assim que diversos aspectos da Instituição podem favorecer a interação, a exemplo do mobiliário que aparentemente “imóvel” precisa ser adaptado às crianças para que elas entrem em contato com os mesmos e adquiram novas experiências. Partindo para um universo mais amplo, como o da instituição por completo e não somente a sala, torna-se necessário reafirmar a importância de pensar o espaço na perspectiva infantil, pois muitos dos espaços são pensados e planejados visando atender aos adultos da comunidade escolar e não às crianças que serão as beneficiadas. Além disso, espaços em que as crianças sintam-se acolhidas, felizes, seguras e livres para descobertas e novos conhecimentos. Isso só será possível se ao pensar esse ambiente o foco não seja o adulto e suas intenções, mas que seja a criança com suas possibilidades e limitações. MOBILIÁRIO, VENTILAÇÃO, ILUMINAÇÃO E LIMPEZA O mobiliário das instituições da Educação Infantil é de certa forma muito particular, pois na maioria dos casos há uma grande preocupação em estruturar as salas de atividades e todo o espaço escolar numa preocupação em não machucar a criança, não cortar ou arranhar. Sem desconsiderar esses aspectos coloca-se aqui uma reflexão a respeito da disposição desses móveis principalmente no que diz respeito à sala de atividades que na maioria das vezes é onde acontece grande parte das atividades desenvolvidas com as crianças. É importante que as crianças possam ter contato com esse mobiliário e que em contrapartida ele exerça a sua função primordial que é um suporte de materiais que venham a ser utilizados pelos indivíduos envolvidos em determinado contexto. Esse mobiliário deve estar sempre num local visível às crianças e impreterivelmente acessível, para que elas possam conquistar uma autonomia que a leve a buscar o que lhe necessário com segurança, alcançando o objetivo de fazer uso de tal suporte, sempre mediado ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 259 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior e acompanhado por um adulto explicando todo esse processo. Isso poderá também aguçar a curiosidade da criança em relação a outros aspectos, trazendo novas descobertas, sendo interessante que o adulto, anteriormente, possa explicar o que tem, para que e como utilizar os materiais contidos nesse mobiliário. O mobiliário mais freqüente encontrado numa sala de atividades, por exemplo, são armários, mesas, cadeiras e estantes que em sua maioria não estão acessíveis à criança. A ventilação é outro aspecto importante principalmente para que a criança sinta-se confortável no local onde está. Baseando-se na realidade das escolas públicas municipais de Maceió, em sua maioria, possui ventilação de fontes artificiais feitas por ventiladores que nem sempre funcionam de forma adequada É importante ressaltar o quanto a ventilação natural torna-se um importante auxílio para evitar esses tipos de problema, além de propiciar à criança um contato maior com o natural, despertando o interesse em apreciar o que a natureza tem a nos oferecer, as crianças em geral se sentem muito bem quando as atividades são realizadas ao ar livre com contato com a natureza onde possam sentir seus elementos num espaço externo da sala de atividades, aqui se abre uma ressalva essencial em a criança perceber a natureza realmente, sentir, apreciar e poder usufruir dela em seu desenvolvimento dentro de seus limites e possibilidades, como nos mostra a experiência da Te – Arte em que se prioriza o aprender a respeitar a natureza e o corpo que está inserido naquela realidade, com os adultos participando, acompanhando e fazendo a mediação necessária durante todo processo da criança, assim como há uma grande valorização da diversidade cultural local, como mostra Buitoni (2006, p.40): Liberdade, sensação, brincar, expressar, experimentar, olhar, mexer. Ar livre. Degraus e árvores. Rampas e pontes. Limites, limite. Sessenta crianças num quintal/jardim/pomar conhecendo o mundo e se conhecendo. Conhecendo seu próprio corpo. Um espaço no qual o corpo é vivido, nas delicadezas, nas durezas, nas asperezas, nas sutilezas dos toques, dos sons, dos cheios, dos olhares, dos gostos (...) constroem cenários, enfeitam carros e mesas, fazem adereços e prendas, aprendem canções e danças. Teatro, pintura, desenho, histórias. Raízes do Brasil. Esse aspecto depende em parte da estrutura física da sala que deve contemplar em sua constituição física pontos de apoio que favoreçam essa ventilação natural. A iluminação dos espaços de instituições de Educação Infantil públicas geralmente também é artificial. Mas se pensarmos que um nível de ensino prioritariamente diurno, possibilita a utilização de uma iluminação o mais natural possível em que não precise estar ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 260 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sempre com uma infinidade de lâmpadas ligadas o tempo inteiro, o professor pode fazer uma observação do sol com pinturas, desenhos, lugares cada vez mais abertos em que a luz do dia possa adentrar os espaços da instituição e fazer com que essas crianças possam vivenciar uma realidade diferente da que estão habituadas: a experimentar, no mundo em que vivemos, percebendo com mais qualidade o que a natureza tem a nos oferecer. A limpeza do espaço é algo essencial ao bom andamento e manutenção higiênica do local em que estão sendo desenvolvidas as atividades com as crianças, pois a instituição se torna um referencial para ela. Conforme afirma Nicolau (2003, p.21) “Não basta um lugar limpo e arejado; devemos oferecer um lugar agradável e bonito, e materiais, apresentados de forma cuidadosa e atraente”. CONSIDERAÇÕES FINAIS Existe uma diversidade de aspectos que precisam ser avaliados na construção e manutenção de espaços físicos escolares para a educação infantil. Os currículos oficiais já demonstram a importância de se perceber e colocar em pauta discussões acerca de que ambientes estamos ofertando às nossas crianças. Ao observar, por exemplo os volumes dos Referencias Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, a preocupação com o aspecto espacial é visível e latente. O importante também é que as instituições de educação e cuidado infantis assim também como os profissionais que nelas trabalham reconheçam e iniciem ações visando proporcionar uma organização agradável de seus materiais, das pessoas, dos brinquedos, ou seja, de tudo aquilo que estará em contato com as crianças. Os critérios de avaliação aqui expostos são apenas indícios de algumas das características que devem estar presentes para uma melhor educação da criança, proporcionando-a melhores condições e oportunidades de desenvolvimento e crescimento. Outros estudos apresentam outras necessidades que devem ser atendidas na construção do ambiente e, assim, complementam as articulações que realizamos aqui. Portanto, espera-se que este curto texto ofereça possibilidades de mudanças dentro das instituições de Educação Infantil e que forneça subsídios para uma rica discussão acerca dessa necessária temática para a Educação. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 261 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior REFERÊNCIAS BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. _______, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica. Indicadores de Qualidade na Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009. _______, Ministério da Educação,Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Básicos de InfraEstrutura para Instituições de Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2006 _______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria da Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Introdução. Brasília: MEC/SEF, 1998. BUITONI, Dulcília Schroeder. De volta ao quintal mágico: a educação infantil na Te – Arte. São Paulo: Ágora, 2006. CRAIDY, Maria e Gládis, Elise P. da Silva KAERCHER (org.). Educação Infantil: pra que te quero?. Porto Alegre: Artmed, 2001 NICOLAU, Marieta L. M. A educação pré-escolar: fundamentos e didática. São Paulo: Ática, 2003. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 262 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior CONCEPÇÕES ACERCA DAS PROPOSTAS CURRICULARES VOLTADAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL: ASSUMINDO DESAFIOS Josefa Carolino de Souza - [email protected] Silvia Fernandes de Sousa - [email protected] Valéria Maria de Lima Borba - [email protected] RESUMO O presente estudo tem como objetivo mapear as propostas pedagógicas destinadas à educação das crianças pequenas. Os dados foram coletados em uma creche e uma pré-escola da rede municipal de educação na cidade de Cajazeiras, Paraíba. Trabalhou-se com 2 professores de creche e 3 professores ensinando em pré-escolar. Encontrou-se divergências entre os pressupostos teóricos que norteiam a este âmbito de ensino, e o que de fato vem ocorrendo no cotidiano das instituições destinadas para este fim; uma vez que se constatou que a maioria dos profissionais que atuam nas instituições pesquisadas, nem ao menos possuíam formação apropriada para a Educação Infantil, bem como possuíam concepções retrógradas acerca deste âmbito da educação; constituindo assim em verdadeiros desafios construir propostas pedagógicas realmente satisfatórias para as crianças. PALAVRAS CHAVE: Educação Infantil, Propostas pedagógica, Concepções de Professores ABSTRACT The present study aims to map the pedagogical proposals for education of young children, in view of human development as the construction process, with emphasis mainly interactionist vision in developing this knowledge. Data were collected in a nursery and a pre-school education in the municipal town of Cajazeiras, Paraiba. Worked with two teachers and three nursery teachers teaching in preschool. For such teachers were given a questionnaire with open questions answered in which the theme of early childhood education, were asked, then, that teachers expressing their opinions and ideas about how educators develop proposals aimed at early childhood education curriculum . Thus, we found differences between the theoretical assumptions that guide to this field of education, and what actually is happening in the daily life of institutions designed for this purpose, since it found that the majority of professionals working in the institutions surveyed, not even had proper training for kindergarten and had reactionary views on this area of education, thus providing real challenges in building educational proposals really suitable for children. KEY WORDS: Early Childhood Education, pedagogical proposal, Conceptions of Teachers ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 263 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior INTRODUÇÃO Para falarmos sobre das propostas pedagógicas voltadas para a Educação Infantil fazse necessário que tenhamos conhecimento da constituição de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da educação nº 9.394/1996 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, pois esses são prérequisitos essenciais para aprofundarmos o processo das propostas pedagógicas de ensino e aprendizagem na educação das crianças pequenas. Nesse sentido pode-se ressaltar que o currículo na educação infantil tem passado por várias transformações, pois, houve épocas que este assumia um enfoque do pensamento relacionado às influencias do poder político. Assim, o texto que se segue irá mostrar tais concepções acerca dessas propostas na educação infantil. Diante do exposto para que possamos ter uma idéia de como era vista a criança, fizemos uma retrospectiva histórica de como ocorria à educação das mesmas. Buscou-se explicação nas concepções dos pensadores Lev Vygotsky e o Francês Henri Wallon, enfatizando suas contribuições para o desenvolvimento da criança num processo sócio-histórico. Dando continuidade, ressaltamos em terceiro momento a LBD em que argumenta as leis sobre integração das crianças nas instituições de ensino, e as propostas curriculares pedagógicas da mesma. Pois, antigamente a educação das crianças era visto apenas direcionada a “família” e ao meio social em que esta convivia, no qual se tinha um pensamento tradicionalista da criança como ser em miniatura que se preparava para futuras experiências. Diferentemente da realidade atual, em que a criança é vista como ser dotado de sabedoria que precisa ser lapidada, através do processo de ensino e aprendizagem. Depois foram feitas as análises do estudo de campo realizado com educadores de uma creche e préescola, de modo que obtivemos um conhecimento mais adequado através de suas respostas escritas de como desenvolvem as propostas curriculares que a educação infantil oferece. Pois, é fundamental que o pesquisador busque “ir ao espaço onde o fenômeno ocorre - ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem documentadas. (GONSALVES, 2003, p.67) E por último as considerações finais em que colocamos os resultados alcançados ao realizarmos a pesquisa, bem como as conclusões acerca de todo estudo realizado em torno da problemática em questão. Nesta perspectiva, interessa-nos ressaltar que ao analisarmos este problema não queremos estabelecer conclusões, mas, sobretudo procurar melhores condições para ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 264 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior construção de propostas pedagógicas verdadeiramente significativas, que venham suprir as reais necessidades das crianças. Uma pequena incursão histórica sobre o trabalho em Creche e Pré-escolas: um olhar sobre a legislação e sobre o desenvolvimento das crianças pequenas Considerando que o ser humano está em constante processo de desenvolvimento, e que essa dinâmica de construção do conhecimento, está em constante evolução, sofrendo interferências tanto da época, quanto da realidade em que se está inserido é que viemos por meio dessa pesquisa realizar um levantamento acerca da construção das propostas pedagógicas voltadas para a educação infantil, enfatizando sua historicidade tendo em vista tomar conhecimento tanto da época em que surgiram quanto tentar fazer uma interligação com que o que encontramos hoje com relação a este âmbito de ensino. Nesse sentido, as creches originaram-se vinculada ao caráter de cuidado, tutela, destinada aos filhos das mães que trabalhavam fora; enquanto que a pré-escola originou-se com o aspecto educativo, voltada essencialmente para atender as famílias que usufruíam de um poder econômico mais favorável, e que buscavam na escola o caminho para a manutenção e melhoria do status quo de seus filhos. Culminando este processo, a própria Constituição de 1988 reflete o movimento recente de repensar as funções sociais da creche e da pré-escola. Ela reconhece a creche como uma instituição educativa, “um direito da criança, uma opção da família e um dever do Estado”. Tal concepção opõe-se à visão tradicional da creche como uma dádiva, como um favor prestado à criança, no caso à criança pobre e com funções apenas assistencialistas e de substituição da família. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a creche passa a ser vista como responsável, junto com a família pela promoção do desenvolvimento das crianças, ampliando suas experiências e conhecimentos. Sendo de responsabilidade dos municípios a organização, manutenção direta ou conveniamento e supervisão de creches públicas e particulares. Além disso, as empresas são obrigadas a manter creches para os dependentes de seus empregados ou a contribuir para que estes sejam atendidos em creches públicas ou privadas. A creche tem sido cada vez mais reivindicadas por um número crescente de famílias de diferentes camadas sociais. Daí a urgência em responder a questões envolvidas no ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 265 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento de crianças e de como promovê-lo, para garantir um atendimento de qualidade. Verifica-se então, que desde sua origem as instituições de Educação Infantil tem lidado com uma dicotomia entre o aspecto do cuidar e do educar. Entretanto, apesar dessa dicotomia estabelecida e reforçada pelas leis que regulamentam este nível de ensino é de fundamental importância levarmos em consideração sua natureza e especificidade ao tratar com crianças de 0 a 5 anos, que pressupõe um envolvimento e uma parceria com as várias instituições distintas, tendo em vista que se trata de uma educação multifacetada. Compreende-se que a prioridade nacional na área de educação é ampliar o acesso e a permanência dos alunos no ensino fundamental, para concretizar um dos direitos básicos de cidadania que é a posse de conhecimentos sistematizado. Todavia, o cuidado com a educação infantil deve ser pensado como estratégia para favorecer a formação de nossas crianças. Portanto, observa-se a necessidade de políticas públicas que procure efetivar a garantia do atendimento das reais necessidades das crianças, integrando ações voltadas tanto para o cuidado, quanto para o aspecto educativo, respeitando é claro as especificidades próprias de cada criança. No bojo dessa questão, e consciente da necessidade de se conhecer o indivíduo (criança) é que se evidencia a relevância de termos o conhecimento acercas das concepções de criança, e que também saibamos que tais concepções não se apresentam de forma simples e clara, muito pelo contrário, constituindo-se em uma construção histórica e social, em que existem diversas idéias do que seja ser criança, bem como do desenvolvimento infantil. Nesse sentido, e tendo em vista que vivemos em uma sociedade dividida em classes sociais divergentes e que, portanto, é impossível adotarmos a mesma concepção de criança para ambas as classes sociais, bem como nas diferentes épocas vividas anteriormente, em que temos conhecimento de que entendia-se a criança como um adulto em miniatura, que não adquiriu a linguagem do seu meio, crianças pobres desde cedo eram tidas como preguiçosas; e assim evidencia-se a variedade de concepções atribuída a infância ao longo do tempo. Todavia, faz-se necessário, compreender a criança tendo em vista o contexto social no qual está inserida, sabendo que esse olhar muda dependendo do contexto, mudando também a concepção de criança quanto o modo de educação destinada à elas. Assim, inicialmente a educação das crianças era apenas de responsabilidade das famílias do meio social a qual pertencia, e através dos adultos aprendiam o que era preciso para a sua sobrevivência. Contudo, as crianças das classes sociais mais favorecidas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 266 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior economicamente, se desenvolviam dentro de suas próprias casas, e eram tidas como criaturas divinas. Nesse sentido, evidencia-se que por muito tempo não existiu instituições destinadas para compartilhar com a família a responsabilidade para a educação das crianças pequenas. Assim, segundo Oliveira (2008, p.167) [...] dentro de uma visão tradicional, o ambiente privilegiado para a educação da criança pequena seria a família, que asseguraria a satisfação de suas necessidades de sobrevivência física, lhe daria um suporte emocional e o sentido de pertencer a um pequeno grupo social e lhe conferia uma identidade básica. Posteriormente ao surgimento dessas instituições, que deu-se basicamente com o advento da escola, no entanto, estavam voltadas essencialmente para o aspecto do cuidado, ainda não apresentando nenhum atributo educativo. Evidencia-se, portanto, a importância das instituições religiosa que dividiam a preocupação do cuidar, já que durante um período histórico eram essa instituições que pegavam os “filhos bastados da sociedade” para cuidar. Dessa forma, o trabalho junto às crianças nesta época eram de cunho assistencial-custodial. A preocupação era com alimentação, higiene e segurança física das crianças. Um trabalho voltado para educação, para o desenvolvimento intelectual e afetivo das mesmas não eram valorizado. Posteriormente, e com o advento do desenvolvimento industrial, as mulheres passam a exercer sua força de trabalho, o que deflagra a necessidade de um lugar para deixar seus filhos, seguro e cuidados. Depois com a LDB nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, verifica-se a importância dada a Educação Infantil ao ser implantada por esta lei, bem como especificando sua finalidade, no sentido de educar para promover o desenvolvimento integral da criança; como dever do Estado, em que se procurou estabelecer uma articulação entre direitos, deveres e liberdade de educar. Assim, fica estabelecido com a nova LDB que a Educação Infantil deveria ser oferecida em creches, para o atendimento às crianças até três anos de idade, e em pré-escolas para aquelas com idade equivalente a quatro e cinco anos. No entanto, sabendo que a Educação Infantil equivale à primeira etapa da Educação Básica, da qual fazem parte também o Ensino Fundamental e o Ensino Médio; é posto na Constituição Federal e na própria LDB que a questão da obrigatoriedade destina-se apenas ao Ensino Fundamental; assim fica evidente a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 267 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior dissociação entre direito e obrigação, haja visto que o Estado não omite a educação como direito humano fundamental, todavia não se apresenta como responsável para garantir as condições necessárias para a efetivação desse direito. Com relação aos aspectos legais recentes, o Plano Nacional de Educação (PNE) – 2011-2020, atualiza a discussão sobre a educação em geral e particularmente, sobre a Educação Infantil, abrindo a agenda para a próxima década e apresentando vinte metas a serem postas em prática. Dentre elas, a primeira se referente à Educação Infantil e pressupõe a universalização do atendimento escolar até 2016 das crianças de 4 e 5 anos, alem de aumentar, até 2020 essa oferta para 50% das crianças de até três anos. Essa meta se desdobra em nove estratégias que se refere às condições de como fazer para que esta meta seja efetivada. Todo esse período histórico suscita muitas questões sobre a educação de crianças pequena fazendo com que surja o interesse acadêmico por essa facção da sociedade. Nesse ínterim especialistas da área passam e apresentar novas e diferentes maneiras de conceber a infância, dando a devida importância a esse momento da vida do indivíduo. Evidencia-se, assim, uma preocupação nascedoura também com o aspecto educativo, tornando as instituições mais sistematizadas e preocupadas com o cuidar, mas também com o educar. Dessa forma, e Oliveira, (2008, p.167) esclarece que: A modificação de uma série de fatores ligados à inserção social das famílias, e particularmente, à entrada das mulheres no mercado de trabalho foi acompanhada pelo aparecimento de concepções que defendiam o cuidado e a educação de crianças pequenas em creches e pré-escolas como alternativas valiosas de promoção do desenvolvimento infantil. Nesta perspectiva, evidencia-se a necessidade de compreender a criança, bem como o modo como ela se desenvolve para que se construa uma proposta pedagógica definida, voltada para beneficiar as crianças proporcionando o que há de melhor no compromisso e competência de desenvolver o trabalho pedagógico partindo da realidade das crianças e a partir do que elas já conhecem, procurando introduzir instrumentos no sentido de ampliar o seu repertório de conhecimentos para que elas se apropriem da cultura padrão; levando em consideração o desenvolvimento também do aspecto crítico das crianças, lhe proporcionando compreender e refletir acerca da realidade que a cerca. Assim, tendo em vista a concepção de criança, como construção social, de acordo com a cultura que se está inserida, modifica-se também a concepção de criança, bem como a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 268 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior proposta pedagógica voltada para a Educação Infantil, considerando-a não como um modelo, mas como culturalmente determinadas. Nesse sentido, diferentes concepções tentam explicar como ocorre esse desenvolvimento, desde a que explica que o mesmo ocorre no interior do sujeito como de origem genética em que de acordo com Oliveira (2008, p.125): O desenvolvimento seria como desenrolar de um novelo em que estariam previamente inscritas as características de cada pessoa. Bastaria alimentar um processo de maturação e as aptidões individuais, em estado de prontidão, guiariam o comportamento do sujeito. Para outros é o meio em que a criança se desenvolve que vai influenciar no desenvolvimento do sujeito, sendo um ambiente indispensável no desenvolvimento da criança. Todavia tais concepções, de certa forma, pressupõe uma diminuição da ação do sujeito no seu próprio desenvolvimento, colocando o meio externo ou as condições biológicas como principais responsável pelo processo de desenvolvimento do sujeito. Assim sendo, Oliveira (2008, p.125) aponta que: “o homem tem plasticidade para adaptar-se a diferentes situações de existência, aprendendo novos comportamento, desde que lhe sejam dadas condições favoráveis.” E uma terceira corrente denominada interacionista, pressupõe a junção das duas concepções anteriores, pois ao mesmo tempo em que a criança é influenciada pelo meio, também interfere e influencia-o. Dessa forma a criança é vista como um ser ativo em seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. Tal participação ativa é influenciada muitas vezes pela intencionalidade pedagógica elaborada pelos professores, pois a medida em que estes são estimulados a construir novos significados, relacionando com outras experiências fora dela,atingindo uma diversidade de aquisições de conhecimentos e saberes. Diante disso para que se conheçam as significações de cada criança, o professor deve observar suas reações, de forma que estas percebam várias situações, conceitos e valores para que possam refletir sobre diversas questões de modo diferente e superando visões e idéias que antes eram restritas, tornando assim esquemas flexíveis, e dotando-as de significações. Nesse sentido Oliveiro (2008, p.126) coloca que: “ao construir seu meio, atribuindo-lhe a cada momento determinado significado, a criança é por ele construída; adota formas culturais de ação que transforma sua maneira de expressar-se, pensar, agir e sentir.” Outro aspecto de extrema importância no desenvolvimento humano, concebido como processo construtivo, se refere ao aspecto da reciprocidade, concebendo o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 269 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento humano como uma tarefa conjunta e recíproca, pois se baseia em processos de interações mútuas, em que a criança é vista como sujeito ativo de seu próprio processo de desenvolvimento, e neste processo não só a criança se desenvolve, mas também os adultos e as demais crianças que com ela convivem também tem a oportunidade de se desenvolver mutuamente nos processos de interações que acontecem no decorrer das relações. Pois segundo Machado (2007, p.29): “...é a vivência no meio humano, na atividade instrumental, na (e pela) interação com outros indivíduos que permitirá o desenvolvimento, na criança, de um novo e complexo sistema psicológico.” Assim, ao falarmos em desenvolvimento humano tido como processo de construção, podemos observar várias correntes que tentaram explicar tal processo. Dentre elas, a corrente denominada interacionista, que tem como representantes em pesquisa sobre o desenvolvimento infantil mais impactantes nas últimas décadas o russo Lev Vygotsky e o francês Henri Wallon, que desenvolveram suas reflexões a partir da perspectiva sóciohistórica. A partir da concepção atual de desenvolvimento da criança, percebe-se a importância da sua interação e da relação de reciprocidade entre o indivíduo e o meio que o circunda, ficando evidente que esse desenvolvimento se dá por meio da apropriação tanto da linguagem, o desenvolvimento da motricidade e da cognição, além da inserção cada vez mais atuante na sociedade, enfatizando, dessa forma, os aspectos bio-psico-social do desenvolvimento infantil. Tendo em vista que para o desenvolvimento do aspecto motor faz-se necessário o incentivo de atividades diversificadas, sempre com intencionalidade de que a criança manipule objetos de diferentes formas, cores, volumes, pesos, etc...; para que a criança consiga adquirir um repertório de conhecimentos no aspecto motor e posteriormente também se devem proporcionar situações de aprendizagem para que a criança adquira a linguagem do seu grupo, constituindo-se num processo sócio-histórico, isto é que sofre influências tanto do meio, quanto do tempo em que esse desenvolvimento ocorre. Portanto, podemos constatar que o desenvolvimento infantil se dá basicamente na socialização com o outro, pois desde o nascimento a criança vive e convive em situações de interação; sendo assim é importante que tenhamos conhecimento teórico acerca de como se dá esse desenvolvimento no intuito de desenvolver uma proposta pedagógica que favoreça essa interação na promoção de oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento, tendo em vista que atualmente muita coisa já mudou com relação ao atendimento às crianças pequenas, principalmente no tocante ao aspecto das leis que regem esse âmbito, todavia, ainda há muito ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 270 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que melhorar, essencialmente no sentido de se colocar em prática o que regem as leis considerando que a criança precisa se desenvolver integralmente; bem como o desenvolvimento de políticas públicas que visem suprir as reais necessidades das crianças em ações voltadas para a integração entre as funções de cuidar e educar. METODOLOGIA Este estudo teve como objetivo mapear das propostas pedagógicas destinadas à educação das crianças pequenas, tendo em vista o desenvolvimento humano como processo de construção, dando-se ênfase principalmente a visão interacionista para elaboração desse conhecimento. A coleta de dados aconteceu em uma creche e uma instituição de ensino da rede municipal de educação da cidade de Cajazeiras, Paraíba. Participaram do estudo 5 professores de Educação Infantil, sendo que 2 atuavam na creche e 3 atuavam na pré-escola fundamental. RESULTADOS E ANÁLISE DOS RESULTADOS Partindo para as análises dos questionários da escola, constatamos que da totalidade dos professores pesquisados na pré-escola e na creche percebeu-se que 2 tinha formação em Pedagogia; 1 tinha formação em Matemática, contudo, tinha o normal médio; 1 com formação em Letras e mais 1 em Geografia. Assim, pôde-se verificar que em sua maioria os professores pesquisado não tinha formação adequada para a função que estavam exercendo, muito embora se tratasse de pessoas concursadas da rede municipal, todavia para uma habilitação diferente da área da educação infantil. Talvez por essa questão notamos uma certa dificuldade no tocante ao preenchimento do questionário solicitado, haja visto que se tratava de questões referentes ao âmbito da educação infantil para a qual as mesmas não se mostraram preparadas, pois apresentaram um conhecimento superficial, coerente com a falta de formação na área específica, como podemos perceber por exemplo, quando perguntado sobre o que é ser criança nos dias atual? Assim, foi possível constatar também que a creche não possuía uma proposta pedagógica que norteasse o trabalho de atendimento à demanda da educação infantil na comunidade, devido a esse fato pôde-se perceber a inaptidão para o desenvolvimento das ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 271 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior atividades que enfatizassem o cuidar, mas também o educar; pois, segundo a educadoras A, a creche nem ao menos possuía um regimento interno do referido estabelecimento. Percebeu-se, assim, que, apesar da boa vontade para receber as crianças, a creche ainda funcionava sob a ideia assistencialista na qual a mesma, historicamente, se constituiu. Pois, a falta de um documento que norteasse e deixasse claro a diretriz de funcionamento, leva-nos a citar Lewis Caroll em Alice no País das Maravilhas, “se não há um lugar para chegar, qualquer caminho serve”. Então, na falta do regimento e de um Projeto Político Pedagógico, documentos essenciais para o funcionamento de um estabelecimento de ensino, fica difícil a implementação de qualquer direcionamento, como afirma Padilha (2003, p. 76) O projeto deve proporcionar a melhoria da organização administrativa, pedagógica e financeira da escola e também a modificação da coordenação dos serviços, sua própria estrutura formal e o estabelecimento de novas relações pessoais, interpessoais e institucionais. Dando continuidade as perguntas, indagamos acerca dos tipos de parcerias que a creche tinha, e notamos mais uma vez a insuficiência, também neste aspecto, uma vez que as educadoras disseram que não havia nenhuma ação voltada para a temática. E completou dizendo que a única parceria era voltada para a contribuição de professores e funcionários, e também a formação continuada desenvolvida pela Secretaria de Educação, na qual quinzenalmente os educadores se reúnem para a elaboração de um projeto de ação mensal. Diferentemente dos resultados obtidos anteriormente, na escola identificamos que os educadores pesquisados demonstraram ter uma visão mais ampla no tocante da concepção de criança, em que colocaram como uma fase de desenvolvimento, repleta de possibilidades. Nesse sentido foi perceptível também que a escola possui o Projeto Político Pedagógico em que foram traçados objetivos em sua elaboração. No entanto, vale destacar que o mesmo, segundo uma das educadoras em sua resposta relatou que o projeto foi dividido em partes entre os professores da instituição. Assim depois de desenvolvido as partes, estas foram entregues à coordenadora pedagógica da escola, na qual reelaborou e organizou o projeto de forma aperfeiçoada. Diante do exposto, podemos notar que o PPP da escola não foi elaborado de forma participativa e coletiva. Como argumenta Padilha (2008, p.76) “A construção do projeto da escola exige a definição de princípios, estratégias concretas e, principalmente, muito trabalho coletivo.” ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 272 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Foi perceptível também que ambas as educadoras questionadas demonstraram possuir o conhecimento de um repertório diversificado sobre os materiais necessários no espaço da educação infantil, que visem o desenvolvimento integral dos educandos. E quando questionadas acerca das parcerias que tem sido realizadas para o desenvolvimento de ações relacionadas às crianças, constatou-se que as parcerias apresentam-se essencialmente por meio das formações continuadas oferecidas pela Secretaria da Educação; assim como as parcerias estabelecidas entre família e escola, em que evidenciase iniciativas nesse sentido, porém ainda apresenta-se como um aspecto que necessita uma atenção e exigência permanente. Em relação ao questionamento sobre o que contempla o currículo da Educação Infantil, evidencia-se a ênfase dada pelas educadoras ao aspecto da formação ampla do sujeito, que visa o desenvolvimento integral dos educandos, uma formação sócio-cognitiva, atendendo aos aspectos físico, cognitivo, afetivo, e criativo. Dessa forma, evidencia-se que fazendo um paralelo entre os aspectos teóricos que norteiam o âmbito da educação infantil, e a realidade vivenciada nos espaços destinados às crianças pequenas, constatamos uma contrariedade imensa, principalmente no que diz respeito ao aspecto legislativo que respalda e regulamenta a educação infantil; haja vista que temos o conhecimento de uma variedade de leis que norteiam e fixam diretrizes curriculares destinadas a esse âmbito de ensino, todavia, quando recorremos ao que realmente se encontra na prática, evidencia-se uma enorme distância. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista as análises feitas anteriormente, pode-se constatar que construir propostas pedagógicas verdadeiramente significativas e pautadas na concepção de criança como sujeito ativo do seu processo de aprendizagem requer que tenhamos uma atitude permanente de investigador, de indivíduo que cria e recria o seu processo de ensino de acordo com a necessidade dos educandos. Nesse sentido, evidenciamos de suma relevância buscar rever como entendíamos a criança em tempos atrás, para que tenhamos um respaldo teórico sobre os sujeitos da pesquisa. E acima de tudo no intuito de realizar um paralelo com as concepções de infância da atualidade, na perspectiva de que estejamos ancorados teoricamente e também no aspecto legislativo acerca da temática posta. Assim, segundo Oliveira (2008, p. 169) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 273 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Planejar o currículo implica ouvir os profissionais em suas concepções e decisões, problematizar a visão deles sobre a creche e a pré-escola, evitando perspectivas fragmentadas e contraditórias, que refletem a influência das várias concepções educacionais que vivenciaram ou com que tiveram contato. No bojo dessa questão, evidenciou-se a necessidade de ouvir os profissionais da educação infantil no sentido de buscar subsídios para uma melhor compreensão de como se construir essa proposta pedagógica, fazendo com que os educadores tenham vez e voz para expressar-se e dar sua efetiva contribuição. Pode-se compreender que há uma necessidade real de se encarar o processo de elaboração das propostas pedagógicas, dando oportunidade para que os atores principais desse processo desempenhem sua função de maneira eficaz; diferentemente do que constatamos na prática das instituições pesquisadas. Neste sentido, o presente artigo atingiu os objetivos propostos, conseguindo a partir da problemática exposta, realizar reflexões acerca do processo de construção das propostas pedagógicas direcionadas à educação infantil, levando em consideração a concepção de criança, elaborada pelos professores e que esteja diretamente relacionada ao aspecto histórico da construção do conhecimento neste âmbito, bem como a importância dessas concepções para a elaboração de propostas realmente condizentes com as aspirações dos sujeitos envolvidos. Assim, buscou-se nesse estudo não apenas identificar falhas no cotidiano das creches e pré-escolas, mas também refletir sobre como está a atuação dos professores que trabalham com a clientela de crianças de 0 a 5 anos, percebendo-se que tornar-se professor(a) é um caminho que não começa com o curso de graduação em licenciatura nem muito menos se encerra com a finalização do mesmo. Tornar-se professor(a) começa no desejo e não termina mais. Todo dia é mais um dia para aprender e acrescentar aos já diversos aprendizados um ponto, uma vírgula, uma interrogação, uma lágrima, um sorriso, uma satisfação ou uma frustração. Isto faz parte dos diversos momentos que nos deparamos no caminhar do processo de formação docente do “ser professor”. Caminho que pressupõe autoconhecimento, que precisam se integrar em pólos que muitas vezes parecem impossíveis de se tocar. Caminhos que pressupõem desafios, superação, idas e voltas, erros e acertos, cognição e afeto, razão e emoção, pensamento e intuição (Ostetto, 2009). Dessa forma acredita-se que o educador deva possuir uma atitude de ousadia e interação para que seus alunos possam se desenvolver com eficiência na educação infantil, pois o sucesso exige a transformação da escola que é rica em estímulos provocantes e que ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 274 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior fornecem elementos que desafiem o sujeito a pensar e aprender interagindo cada vez mais como participante ativo no processo ensino aprendizagem. REFERÊNCIAS: GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas sobre iniciação à pesquisa cientifica. 3.ed. Campinas,SP. Editora Alínea, 2003. MACHADO, Maria Lúcia de A. Educação infantil e Sócio-Interacionismo. In: OLIVEIRA, Zilma, de Moraes Ramos de (Org). Educação infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 2007. OLIVEIRA, Zilma Ramos de. Educação infantil: fundamentos e métodos. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção Docência em Formação). OSTETTO, Luciana Esmeralda. O estágio curricular no processo de tornar-se professor. In: Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 3 ed. Campinas, SP: Papirus, 2009. PADILHA, Paulo Roberto. Planejamento dialógico: como construir o projeto-político pedagógico da escola. 4 ed. São Paulo: Cortez; Instituto Paulo Freire, 2003. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 275 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A CULTURA LITERÁRIA NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: RELATOS DE UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO Joselidia de Oliveira Marinho Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN [email protected] Conceição Aparecida Oliveira Lopes Secretaria Municipal de Educação – Natal/RN [email protected] O presente trabalho retrata resultados de uma formação de professores que objetivou a construção de uma cultura literária em espaços escolares da educação infantil, a partir de práticas leitoras. A inserção da literatura na educação infantil, propicia a construção de um sistema metafórico e simbólico, e faculta a linguagem e a expressão corporal, na busca pela representação dos enredos e imitação dos personagens. Considerando que o texto literário é uma rica fonte de possibilidades de aprendizagens para a criança, os bons modelos literários oferecem elementos para a compreensão da realidade, diálogo e aquisição de intimidade com o texto. Para despertar na criança uma relação prazerosa com o livro, se faz necessário uma mediação adequada, realizada por pessoas que tenham um elo prazeroso e divertido com a literatura e a leitura. Para os pequenos leitores, o livro é elemento de presença imprescindível. Da mesma forma que o brinquedo deve ser manipulado, tocado, sentido, cheirado, pela criança, tornando-se algo íntimo das crianças. A inserção de uma cultura literária no currículo da educação infantil oportuniza experiências comunicativas através de diferentes linguagens, instiga situações imaginárias, de fantasias, de encantamento, descobertas, contribuindo na formação dos leitores crianças e adultos. Palavras-chave: Literatura, Educação Infantil, Currículo, Possibilidades ABSTRACT LITERARY CULTURE IN THE EARLY CHILDHOOD EDUCATIO CURRICULUM: reports of a training proposal. This work shows results of a teacher training that aimed to construct a literary culture in school spaces of early childhood education, from reader practices. The inclusion of literature in early childhood education, provides the construction of a metaphorical and symbolic, and provides language and body language, the quest for representation and imitation of the characters storylines. Whereas the literary text is a rich source of learning opportunities for children, offer good models literary elements to understand the reality, dialogue and acquisition of intimacy with the text. To awaken in children a pleasant relationship with the book, it is necessary to mediate an appropriate place for people who have a pleasant and fun link with literature and reading. For younger readers, the book is essential element of presence. In the same way that the toy should be handled, touched, felt, smelled, for the child, becoming an intimate of children. The inclusion of a literary culture in the curriculum of early childhood education experiences nurture communication through different languages, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 276 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior encourages imaginary situations, fantasy, wonderment, discoveries, helping in the training of children and adult readers. Keywords: Literature, Early Childhood Education, Curriculum, Possibilities INTRODUÇÃO Uma proposta de trabalho com a literatura na educação infantil oportuniza, entre outros, o desenvolvimento do imaginário da criança e da função simbólica, a partir do momento que permite as crianças se colocarem no papel dos diferentes personagens. Na esfera imaginativa de uma situação do faz-de-conta, a criança aprende a separarse da ação real através de outra ação, fazendo escolhas e operando com situação que as levam a abstração. A literatura, especialmente os contos, propiciam a construção de um sistema metafórico e simbólico e, por isso, são considerados como um rico instrumento pedagógico. O jogo simbólico é essencial para a construção do pensamento da criança, e está associado a outros aspectos do desenvolvimento infantil, conforme afirma PIAGET (2009, p. 78): O jogo simbólico aparece mais ou menos ao mesmo tempo que a linguagem – independente dela, - desempenhando importante papel no pensamento das crianças, a título de fonte de representações individuais (ao mesmo tempo cognitivas e afetivas) e de esquematização representativa, igualmente, individual. Assim, o contato da criança com os textos literários, além de propiciar o desenvolvimento da função simbólica, faculta a linguagem e a expressão corporal, na busca pela representação dos enredos e imitação dos personagens. Oferece elementos que oportuniza a compreensão da realidade, segundo Yunes e Pondê (1989, p, 47): O discurso literário abre perspectivas para a percepção do mundo do ponto de vista da infância, traduzindo então suas emoções, seus sentimentos, suas condições existenciais em linguagem simbólica. O fascínio despertado pelo faz-de-conta, expõe os envolvidos ao prazer, a ludicidade presente nos textos literários. Instiga adentrar no universo lúdico, ultrapassando a simples ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 277 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ideia de diversão e entretenimento, contribuindo significativamente para o desenvolvimento do pensamento da criança. Considerando que um texto literário se configura em rica fonte de possibilidades de aprendizagens para a criança, através da fantasia, de forma convidativa e prazerosa, o contato da criança desde a mais tenra idade com bons modelos literários oportuniza o despertar da apreciação literária, aquisição de intimidade com o texto e estabelecimento de um diálogo com o que ouve ou com o que lê. Para despertar na criança uma relação prazerosa com o livro, se faz necessário uma mediação adequada, realizada por pessoas que tenham um elo prazeroso e divertido com a literatura e a leitura, conforme indica Kaercher (2001, p. 81): A importância que este objeto – o livro – tem em nossa cultura só será compreendida pela criança muito mais tarde, se o adulto for um contador de histórias competente (dando vida às histórias e personagens) e cativante (compartilhando suas emoções). Alguém que saiba construir com a criança a crença de que o livro é um “brinquedo” que pode divertir, emocionar, educar, auxiliar a organizar emoções (como o medo, a angústia, a alegria, o ciúme, o sentimento de perda, etc.). Na formação dos pequenos leitores, o livro é elemento de presença imprescindível. Da mesma forma que o brinquedo deve ser manipulado, tocado, sentido, cheirado, pela criança, os livros também devem se tornar algo íntimo das crianças, devem integrar o seu diaa-dia. Daí a necessidade da inserção da literatura nos currículos da Educação Infantil. A estimulação para a leitura deve se iniciar a partir do berçário,“ é importante para o bebê ouvir a voz amada e para a criança pequenina escutar uma narrativa curta, simples, repetitiva, cheia de humor e de calidez numa relação a dois” (ABRAMOVICH, 2008, p. 22). O caminho mais curto na formação do leitor, está na prática do adulto de tornar o livro presença constante na vida das crianças, na rotina da escola infantil, dando vida aos personagens na contação de histórias, de forma cativante, possibilitando a construção da ideia de que o livro assemelha-se ao brinquedo que diverte, emociona e educa. Para tanto, os professores precisam serem formados como leitores. É necessário, que o adulto tenha construído o seu percurso de leitor, leia pelo prazer que esta atividade proporciona, perceba a significatividade da literatura, pela sua arte e por seu caráter cênico e lúdico, e mergulhe nessa prática como fonte de descobertas e aprendizagens. Considerando que a literatura antecede a escola, muito embora sempre se atrele uma a outra (MERI, 2002), e a realidade complexa e mutável de ação do professor, o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 278 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior planejamento que se faz e o desenvolvimento da atividade, serão condutores das descobertas proporcionadas pelo texto. Nas instituições de Educação Infantil, a literatura deve ser um eixo curricular e atividade permanente na rotina escolar, uma vez que pode ser para as crianças, veículo de conhecimentos e formação leitora e escritora. As crianças percebem, incorporam e valorizam, a presença periódica, de um tempo reservado a literatura no seu cotidiano escolar, porque sabem que naquela hora outra realidade se instaura, através da voz do professor que adquire outro ritmo e entonação e as palavras passeiam pelo imaginário infantil. Em momentos de leitura, é necessário que os professores tenham uma atuação que leve as crianças a sentirem prazer em acompanhar a narração de um acontecimento e procurem na própria linguagem, pistas para compreender cada evento; descubram o encantamento vindos das palavras, sintam desejo em brincar com elas e sejam levados a iniciarem suas primeiras construções literárias, estimuladas pelo prazer que o jogo com as palavras e outros elementos da linguagem proporciona. Assim, oportuniza-se o ingresso da criança na cultura literária. A LINGUAGEM LITERÁRIA NUMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO PARA PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL Enquanto formadoras de professores, considerando que a melhoria do trabalho realizado com as crianças da educação infantil requer a presença de um conjunto variado, contínuo e cuidadosamente planejado de situações voltadas para a formação continuada de seus professores, é que pensamos e executamos a proposta subsequente. A compreensão de que a formação dos professores é um dos princípios para construção da qualidade da educação, e os espaços que atendem a Educação Infantil, devem, se caracterizar como ambientes possibilitadores da ampliação de experiências para as crianças e o seu desenvolvimento nas dimensões: afetiva, motora, cognitiva, social, imaginativa, lúdica, estética, criativa, expressiva, linguística, e que a linguagem literária deve ser privilegiada nesse contexto, justifica o investimento numa formação voltada para a valorização da literatura infantil. Antecedeu a formação, a seleção criteriosa e aquisição por parte da Secretaria Municipal de Educação de Natal-RN, de um acervo literário com 150 novos títulos de literatura infantil, de autores diversos, voltados para o público de 0 a 5 anos, que foram destinados para os Centros Municipais de Educação Infantil e escolas de Ensino Fundamental com turmas de Educação Infantil. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 279 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Com o acervo já disponibilizado, urgiu uma formação com vista a contribuir para que a leitura fizesse parte da rotina diária das crianças, objetivando aproximar as crianças da descoberta do prazer dos textos literários e inserção no mundo letrado. Isso, numa íntima relação entre imaginação, brincadeira e prazer, a partir do desenvolvimento de uma proposta de trabalho onde a criança fosse constantemente instigada a construir significados, possibilitando uma iniciação leitora nos primeiros anos escolares. Assim, lançamos o curso: Encontro com a Linguagem Literária na Educação Infantil: Prazeres, Descobertas e Encantamentos, destinado aos professores da educação infantil da Rede Municipal de Educação de Natal – RN, com uma carga horária de 50h/a, organizada através de: palestras, estudos presenciais, atividades vivenciais, construção de portfólios e espaço para socialização de experiências. Os objetivos da proposta visavam formar uma cultura literária nos espaços de educação infantil, a partir de práticas leitoras, por meio dos contos, das poesias, das músicas, a serem expressas através das linguagens: oral, musical, corporal e gráfica, nos momentos de rodas de leituras, recriações e dramatizações, possibilitando situações imaginárias, de fantasias, de encantamento, descobertas, contribuindo na formação dos leitores crianças e adultos. Nos encontros de formação presencial, a proposta metodológica foi organizada em momentos de socialização de experiências, fundamentação teórica, proposta de atividades, porém, sempre o primeiro momento era o de “degustação literária”, destinado à apreciação literária, oportunizando aos professores cursistas, o deleite do prazer de ouvir, sentir, viver, reviver muitas histórias, imaginar e sonhar a partir de um texto literário. Em cada encontro de formação, eram compartilhadas as atividades vivenciais propostas no encontro anterior, que foram realizadas pelas professoras, com seu grupo de crianças nas instituições de educação infantil, a partir de registros escritos, produções literárias das crianças e registro fotográfico. O papel do docente como mediador de leitura revela-se como o grande eixo norteador dessa proposta de formação, pois a convivência com leitores e criadores de textos instiga a criança a buscar a compreensão do sentido das ações de leitura e escrita (OLIVEIRA, 2005). A organização dos espaços da sala de aula, os materiais, os incentivos, as expectativas, veiculam determinadas formas conceber a leitura, a literatura e os processos de ensinar e aprender. Assim, na busca da construção de uma cultura literária na escola infantil, o professor ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 280 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desempenha papel ativo na proposição de atividades lúdicas, prazerosas e significativas às crianças. Os saberes teóricos constituídos nos estudos de Amarilha (1997), Meri (2002) Abramovch( 2008), Kaercher (2008), Maffioletti (2008), entre outros, fundamentaram e subsidiaram às discussões, entre os pares e no coletivo de educadores, com vistas a ampliação de conhecimentos, reflexão e redimensionamento das práticas pedagógicas. Constituiu-se também, como parte dessa formação, a elaboração de um portfólio, este entendido como documentação pedagógica, para tornarem visíveis as experiências formativas propostas durante o curso, em correlação às atividades realizadas pelas crianças, no cotidiano da escola infantil, oportunizando por meio do registro reflexivo, interpretar, acompanhar, rever e avaliar os processos educativos Conforme entende LINO (2007, p. 111 ): [...] registrar de diferentes formas (registros escritos, fotográficos, áudio, vídeo etc.) pelos professores e pelas crianças, constituindo material da documentação pedagógica. Esta constitui a base para a análise e interpretação das experiências e ações que a criança realiza a partir da qual se elabora a projeção educacional. CENAS DO VIVIDO: OS MOMENTOS E AS PRODUÇÕES LITERÁRIAS DAS CRIANÇAS O quadro que aqui se delineia, enfoca relatos dos projetos didáticos desenvolvidos com crianças da educação infantil, a partir das propostas de atividades vivenciais fomentadas durante o curso, que enfatizam o jogo poético, norteadas a partir dos textos literários “Os Dez Sacizinhos de Tatiana Belinky” e “É Sempre Era Uma Vez ... de Elias José”. Esses poemas trazem à tona a brincadeira com as palavras, lidam com toda a ludicidade verbal, são divertidos, tem musicalidade, novos jogos com rimas e outras possibilidades. Elementos dessa natureza, instigam a descoberta do encantamento presente nas poesias, a busca pela musicalidade poética. Os poemas convidam o leitor a jogar com os sons e sentidos das palavras, explorando-se a ludicidade poética. A linguagem apresenta-se em cena, dialoga com impressões, emoções, pensamentos, a partir das imagens que eclodem da mente do leitor. Nesse contexto de idéias foi proposto às professoras cursistas, como atividade vivencial, a ser realizada com o grupo de crianças, uma sequencia de atividades, que iniciava-se com a leitura compartilhada do poema, versão musical do poema, ilustração de cada estrofe do texto, dramatização, reconte (com novos personagens) e escrita de um livro coletivo com a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 281 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior nova versão. Ao final de todas as etapas vivenciais junto as crianças, caberia às professoras, a elaboração do registro escrito relatando cada um dos momentos. CENA 1: Registro da atividade vivencial Texto de referência: É Sempre Era Uma Vez de Elias José Professora Cecília – (crianças de 4 -5 anos) “Esta foi uma atividade surpreendente, pois a princípio, acreditava que as crianças iriam encontrar dificuldades na elaboração das rimas. Então, seguindo uma das valiosas orientações dos estudos de formação, decidi criar um ambiente de surpresa para despertar a curiosidade das crianças. Assim, disse as crianças que lhes contariam uma história muito legal e engraçada. Iniciei falando sobre o autor e li para eles outras produções de Elias José. Acrescentei a informação de que além da história que iriam conhecer, eles me ajudariam fazer um trabalho muito importante. Após a criação de toda uma expectativa, é chegado o momento de conhecer a história. Antes de realizar a leitura, disponibilizei gravuras de elementos presentes na história, que foram observados pelas crianças. Li a história algumas vezes sempre de forma diferente. Fiz a eles a proposta: vamos fazer uma história? Então comecei dizendo: Era uma vez uma....; esperei a sugestão das crianças que responderam: uma joaninha que... novamente esperei o complemento, eles disseram: que chupava balinha. Enfim, desta forma foi realizada toda a atividade em meio a risos, e uma certa perplexidade de minha parte ao ver o modo como as crianças colaboravam e gostavam da atividade que estávamos realizando. Decidi acrescentar duas estrofes finais utilizando os nomes das crianças, como forma de homenagear os pequenos autores da obra abaixo citada.” Profª Cecilia O texto produzido na sala de aula: Era uma vez a nossa história???????? Era uma vez um gatinho Tião, que rolava com sua bola no chão Era uma joaninha, que chupava balinha Era uma vez uma zebra, que gostava de laranja azeda Era uma vez um cachorrinho, que mordeu o dedo do vizinho Era uma vez um papagaio que caiu dentro do balaio Era uma vez um menino, que tocava alegre o sino Era uma vez um livrinho, que cabia no potinho Era uma vez uma televisão, que só ligava no dedão ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 282 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Era uma vez o Gabriel que pôs a sua idéia no papel Era uma vez a Aninha, que ajudou na historinha. Crianças do Nível IV CENA 2: Registro da atividade vivencial Texto de referência: Dez Sacizinhos de Tatiana Belinky Professora Clarice – (crianças de 3 - 4 anos) ”Na socialização da atividade vivencial, no encontro de formação, percebi durante relatos e produções de outros cursistas, que esta atividade pode ser realizada de diferentes formas, bem como, o interesse e o gosto pela literatura, em especial pela poesia, deverá partir do professor, para chegar mais facilmente á criança. Percebi, também, que a poesia ocupa pouco espaço na minha prática pedagógica, e que agora tenho o compromisso de ampliar esse espaço”. “Realizada a contação da história Os Dez Sacizinhos, que traz no seu enredo acontecimentos inusitados com os amigos lendários conhecidos pela maioria da criançada. A cada etapa desaparecem personagens numa simples distração de cada componente do grupo, tendo observado pela Cuca a grande “fada amadrinha”, que desfaz todo o sumiço dos sacis, agrupando-os novamente num momento de alegria e num espaço apropriado para novas travessuras. Firmou-se um diálogo com as crianças em relação às imagens, os sumiços dos sacis e os demais personagens presentes no enredo. Foi proposto novas formas de leitura do texto e a elaboração de uma outra versão, com outros personagens e numa nova ordenação, agora em ordem crescente. A saber, produziu-se o texto a seguir.” “Realizou-se em seguida os preparativos para a dramatização da nova versão: distribuição de personagens, confecção de figurinos e cenários, ensaios. A apresentação ocorreu para uma plateia formada pelos pais, professores, funcionários e crianças das outras turmas.” Profª Clarice O texto produzido coletivamente: HAVIA NUMA FLORESTA.... Havia numa floresta, muitos bichinhos elegantes, O primeiro que encontrei foi um macaco saltitante. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 283 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O macaco todo faceiro, Arrumou-se logo depois Com seu pulinhos mágico transformou- se em dois Os dois macaquinhos Que falaram com um inglês Vamos procurar bananas? Agora ficaram três Os três macaquinhos Juntos tiraram retrato Com a ajuda de um fhotoshop Transformaram-se em quatro Os quatro macaquinhos Comeram bananada com zinco. Zinco é um metal que brinco Escalabim, escalabim... agora são cinco Os cinco macaquinhos que visitaram o castelo de um rei Alucinados com tanta beleza Apareceu mais um e ficou seis Os seis macaquinhos do banquete do rei, comeram roquetes no croquete Ficando agora em sete Brincando todos afoitos De galho em galho saltando Extra...extra! agora temos oito Os oitos macaquinhos Com extravagância se movem Povoando sempre a floresta Transformaram-se em nove Os noves macaquinhos Voltaram ao castelo pra comer pastéis Os pasteis tinham bastante fermento e agora ficaram dez Agora na floresta há dez macaquinhos.......... Crianças do Nível III CONSIDERAÇÕES O trabalho que ora se apresenta, evidencia a importância da presença da literatura no currículo escolar, e a necessidade de formar uma cultura literária nos espaços de educação infantil, de forma a assegurar práticas pedagógicas cotidianas que instigue a formação do leitor. Nesse sentido, evidencia-se através dos relatos de experiências, que é possível formar uma cultura literária no contexto da escola infantil, a partir de uma proposta, onde o professor, se posicione como leitor, demonstre o gosto pela leitura, construa seu percurso literário, seja um apreciador de bons textos, pois assim, conseguirá ser um mediador de leitura ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 284 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior junto à criança, possibilitando a descoberta das riquezas presentes no texto literário, a ludicidade, o imaginário, viver e reviver histórias. Revela-se o quanto é importante investir na formação do professor, pra que desenvolvam diferentes competências profissionais, e que tenham uma atuação com vista a um trabalho de qualidade, onde as atividades valorizem e ampliem as experiências e o universo cultural dos diversos sujeitos envolvidos, agucem a curiosidade, a capacidade de pensar, de criar, de agir e a tomada de decisões, contribuindo significativamente com a formação cidadã da criança. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 5 ed. São Paulo: Scipione, 2008. AMARILHA, Marly. Estão Mortas as Fadas? Literatura Infantil e Prática Pedagógica. Própolis, RJ: Vozes, 1997. p. 25-38. BELINKY, Tatiana. Dez Sacizinhos. 5 ed. São Paulo: Paulinas, 2005. FILHO, Gabriel de Andrade Junqueira. Conversando, lendo e Escrevendo com as Crianças na Educação Infantil. In: CRAIDY, Carmem; KAERCHER, Gládis. Educação Infantil Pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2008. P. 135 – 152. KAERCHER, Gládis. 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Na segunda etapa realizamos a intervenção pedagógica a partir de ações práticas no cotidiano escolar com duração de três semanas, totalizando oitenta horas práticas. O Estágio Supervisionado teve como objetivos: discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança; conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a valorização da criança como um ser em desenvolvimento. É possível afirmarmos que o momento do Estágio nos oportunizou o encontro com a docência a partir da perspectiva de compreendermos a criança como um ser integral, considerando os aspectos afetivos, cognitivos e motores e nos oportunizou dinamizarmos as aulas a partir de atividades que fizessem sentido tanto para nós estagiárias, quanto para os alunos. Palavras-chave: Estágio Supervisionado; Educação Infantil; Prática docente. Introdução O presente trabalho tem por finalidade refletir e socializar o processo de desenvolvimento das atividades realizadas durante a prática de Estágio Supervisionado em Educação Infantil, realizada em uma Creche Filantrópica da cidade de Cajazeiras/PB. O Estágio foi dividido em duas etapas: a observação e a intervenção pedagógica. No primeiro momento realizamos a observação do ambiente escolar. Estivemos no papel de estagiárias e estudantes do Curso de Pedagogia, fazendo com que a relação teoriaprática fosse efetivada durante a formação do Pedagogo. A intervenção foi vivenciada a partir de planejamentos e ações práticas no cotidiano da sala de aula e teve duração de três semanas, junto às crianças do Maternal III. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 287 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O Estágio Supervisionado teve como objetivos: discutir conhecimentos referentes à Educação Infantil e seu impacto no cuidado com a criança; conhecer o cotidiano escolar da creche – campo de estágio; planejar atividades voltadas para o cuidar e o educar crianças na creche e desenvolver uma prática de ensino voltada para a valorização da criança como um ser em desenvolvimento. De acordo com a experiência adquirida no estágio, percebemos que os objetivos de observar, refletir e analisar a prática docente, as relações aluno/aluno e professor/aluno foram de grande valia para descobrirmos como é possível trabalhar na Educação Infantil, considerando que esta fase de escolaridade requer um cuidado específico (RCNEI, 1998). O Estágio ocorreu mediante a apreensão e os medos da estagiária e o desejo de aprender ainda mais sobre a prática docente, pois a partir da consideração da criança como um ser em desenvolvimento foi possível percebermos a necessidade de valorizar a brincadeira como ato de incentivo e permanência da criança na instituição escolar. As atividades realizadas a partir de aulas dinâmicas oportunizam as crianças uma maior interação e favorece o processo de ensino-aprendizagem, especialmente se considerarmos que este não é o momento da cópia de modelos pré-estabelecidos, mas uma reflexão acerca do que encontramos no ambiente escolar (PIMENTA, 2004). Procedimentos Metodológicos A proposta de irmos a Creche observarmos e realizarmos a intervenção pedagógica é requisito da Disciplina Estágio Supervisionado em Educação Infantil do Curso de Pedagogia, da Unidade Acadêmica de Educação, do Centro de Formação de professores, da Universidade Federal de Campina Grande. A carga horária da disciplina é de cento e cinqüenta horas distribuídas da seguinte maneira: setenta horas para estudos teóricos e oitenta horas para a prática. Considerando esta distribuição tivemos uma sequência de atividades que foram desenvolvidas e que podemos destacar como aspectos fundamentais de preparação do estagiário para a docência que foram: estudos de textos relacionados à importância do estágio nos cursos de formação docente; como observar, registar e avaliar o estágio supervisionado (OSTETTO, 2006) e a importância de pensarmos o planejamento, considerando alguns tópicos: relevância de conhecer o contexto e as principais necessidades para traçarmos um plano de ação. Em seguida tivemos a definição dos objetivos a serem alcançados e percebemos a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 288 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior necessidade de avaliarmos os planos constantemente, embora estes tenham sido organizados à medida em que estávamos em sala de aula. Após esta organização preliminar fomos a campo observar a escola e intervir na prática docente à medida que podíamos, pois foi imprescindível darmos continuidade as atividades realizadas pela professora titular, respeitando o cronograma, especialmente considerando que ficaríamos na escola apenas um mês. E assim realizamos o estágio a partir de jogos, brincadeiras e a consideração da criança com suas necessidades específicas. Discussão e análise Ao chegarmos à escola, não mais como simples observadora, mas como professora estagiária ficamos apreensivas e com receio de não dar certo, surgiram inúmeras dúvidas e questões internas como: será que eles vão me aceitar? Será que conseguiremos o respeito e a atenção em sala de aula? Os primeiros vinte minutos foram de desconforto, ansiedade e medo, mas foram desaparecendo à medida que o contato com as crianças era efetivado através da roda de conversa e explicando o que fazíamos ali, com isso os medos foram sendo minimizados e o encontro na sala de aula tomou o curso normal a partir da adaptação tanto nossa, quanto das crianças. Para iniciarmos a reflexão e análise do estágio dividiremos em três momentos: o da primeira semana – momento em que fomos tomadas pelo medo e angústia pelo novo, da segunda em que já estávamos mais seguras do processo educativo de crianças em fase inicial de escolaridade, embora com muitas restrições e da terceira semana, momento em que teríamos que finalizar o estágio com muitas ideias para serem, ainda, realizadas. Na primeira semana de estágio tivemos muita dificuldade, pois algumas crianças estavam dispersas e sem uma rotina definida, queriam apenas brincar com massa de modelar, com alguns brinquedos e desrespeitavam regras de convivência, pois batiam nos colegas e destruíam a decoração da sala. Com esse tipo de comportamento, veio a preocupação na forma de agir, pois era preciso considerar toda a dinâmica existente e as nossas limitações tanto por sermos estagiárias, quanto pelo pouco tempo que permaneceríamos naquela sala de aula. À medida que conhecíamos a turma vimos que era preciso mudar a dinâmica da aula e partir para uma metodologia que reeducasse as crianças a uma rotina diária, pois, de acordo com relatos, os alunos ficaram um mês sob os cuidados de uma professora substituta que os ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 289 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior deixava muito à vontade e assim ficaram dispersos e desobedientes. Então aos poucos percebemos a necessidade de encontrar estratégias para transformar aquele comportamento inadequado para a sala de aula em uma rotina de atividades que fossem vivenciadas de modo prazeroso. Esta preocupação foi um desafio para nós estagiárias, especialmente considerando ser este o primeiro contato com a docência. Os primeiros dias foram árduos, pois o estágio foi realizado com crianças indisciplinadas e oriundas de uma realidade difícil de trabalhar. Após este primeiro momento decidimos utilizar nas aulas histórias infantis, já conhecidas pelas crianças, contadas de forma lúdica e dinâmica, através de dramatizações com fantoches e em seguida questionamentos relacionados ao que ouviram e viram. Aos poucos ganhamos a confiança, a credibilidade e o respeito das crianças que, passaram a ouvir com atenção, a desenvolver as atividades com uma maior disciplina, passaram a participar das aulas ativamente e as agressões foram diminuídas em sala de aula, esta foi uma conquista diária que fez diferença em todo o processo. No dia 29 de abril foi o último dia da primeira semana e fizemos uma reflexão junto aos alunos sobre os acontecimentos e as aulas ministradas e vimos que, aos poucos, obtivemos sucesso, tanto considerando o conteúdo estudado com uma metodologia diferente da habitual, quanto em termos de comportamentos, mas era necessário considerar que ainda havia muito o que fazer. Notamos que as mudanças de professores que o Maternal III passou em pouco menos de dois meses trouxe traumas e desconfortos educacionais, tanto para as crianças, quanto para a estagiária e, posteriormente, à professora titular, pois no mesmo espaço geográfica existiam crianças sem muito entusiasmo para permanecer em sala de aula. Diante dos acontecimentos da primeira semana, fomos mais cautelosas com os planejamentos das aulas seguintes, pois a angústia crescia à medida que conhecíamos a realidade das crianças e o modelo de trabalho pedagógico que era realizado com elas. Buscamos orientações através de leituras, conversas entre as colegas também estagiárias e com professores da Educação Infantil, considerando nossas dúvidas sobre o que fazer para minimizar os problemas encontrados na sala de aula do maternal III e o pouco tempo que teríamos para realizar o estágio. Na segunda semana, embora estivéssemos mais seguras com relação ao planejamento foi, também, um tanto desestimulante, pois tudo o que havia sido trabalhado durante a semana anterior como: o respeito, os valores, a disciplina e noções básicas de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 290 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior relacionamento coletivo foram desconstruídos durante o final de semana. Um dos aspectos que merece ser mencionado é quanto à indisciplina e a agressividade de algumas crianças, pois ao retornarem à escola falavam palavras obscenas e tinha um aluno, em especial, que nos chamou a atenção porque batia nos colegas, derrubava as cadeiras, virava a mesa, estava violento e com um comportamento transtornado, este aluno fez com que repensássemos a forma de trabalhar com ele, partindo, inicialmente, da descoberta do porque aquele tipo de comportamento agressivo. Em uma das aulas a criança, considerada problemática, expressou sua vontade de escrever uma carta para sua mãe, aproveitamos o interesse do menino e entregamos lápis e papel incentivando-o a escrever. Este fez vários rabiscos e disse que havia escrito o quanto amava a mãe. Logo que nos deparamos com a carta percebemos que esta ação poderia evidenciar um pedido de atenção, de carinho e de escuta, pois logo após que sua carta foi entregue seu comportamento foi totalmente modificado e o aluno passou a ser mais carinhos e atencioso conosco e com a turma. Após a escrita da carta e de sua entrega, ficamos atentas para compreender o desejo do aluno em escrever e dizer a mãe que a amava, pois o contexto de violência e desrespeito em que vivia fazia com que sua mãe se afastasse cada vez mais do convívio com a criança. Assim, pudemos perceber a importância de conhecer o contexto em que o outro está inserido para só então entendermos algumas ações e assim utilizarmos de diferentes recursos teórico-práticos para que o processo ensino-aprendizagem faça sentido tanto para o professor, quanto para o aluno. Na última semana do estágio realizamos, a partir do tema gerador Família, uma discussão acerca dos diferentes tipos de famílias, os sentimentos e valores vivenciados, a sua composição e conversamos sobre o relacionamento familiar de cada um. As atividades foram realizadas a partir da consideração do hábito de escutar com atenção, da importância da oralidade, do reconhecimento de seus nomes e da identificação das letras utilizadas para escrever seus nomes. Os alunos à medida que eram considerados como pessoas importantes tornaram-se mais amorosos e respeitadores, facilitando o trabalho em sala de aula. A semana de observação e de intervenção, durante o Estágio Supervisionado, nos fez perceber que os medos e as incertezas existirão sempre que ocuparmos um lugar novo e na educação de crianças seremos sempre aprendizes da profissão. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 291 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Considerações Podemos afirmar que o Estágio Supervisionado nos trouxe a possibilidade de pensar a educação de crianças, em fase inicial de escolarização, de forma diferente, considerando, ainda, a especificidade que o professor de Educação Infantil tem que ter para cuidar, na forma básica e educar de forma completa. Assim foi possível observar e intervir de modo que, enquanto estudantes do Curso de Pedagogia seríamos capazes de fazer da sala de aula um bom lugar para permanecer e aprender de diferentes formas. Referências OSTETTO, Luciana Esmeralda. Observação, Registro, Documentação: Nomear e significar as experiências. In: Educação Infantil: Saberes e fazeres de professores. Campinas: Papirus, 2006. (Coleção Ágere) PIMENTA, Selma Garrido e LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência In: Coleção docência em formação. Série saberes pedagógicos. São Paulo: Cortez, 2004. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/ Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Volume I: Introdução; volume II: Formação pessoal e profissional; volume III: Conhecimento de mundo. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 292 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior LEITURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE PENSAM E FAZEM AS PROFESSORAS EM SUAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS? Kaliana da Silva Correia59 Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Resumo O trabalho traz um pouco da construção histórica sobre o avanço no plano legal da qualidade da educação das crianças pequenas, que ajudam/auxiliam no avanço das políticas e práticas curriculares. Sistematizamos teorizações e definições oficiais relativas ao ensino aprendizado da leitura no contexto da Educação Infantil respeitando-se as especificidades das crianças, e analisamos a partir das práticas pedagógicas das professoras o que pensam e fazem nessa etapa educativa. A investigação envolve os princípios da abordagem qualitativa de pesquisa e, como procedimentos metodológicos, estudo bibliográfico, análise documental, entrevista semi-estruturada e observação não-participante. Do estudo desenvolvido, sistematizamos e analisamos concepções e práticas de professoras sobre a leitura na Educação Infantil. Uma vez que na elaboração do currículo para a educação infantil tem de ser pensado: o que ensinar? Como ensinar? Todos que circulam no ambiente escolar são seres híbridos e plurais, não homogêneos. Assim, a leitura é concebida, em nosso estudo como prática sócio-cultural que envolve conceitos, procedimentos e atitudes relativas ao que se lê, para que se lê, como se lê, cujo aprendizado se dá pela interação entre aprendiz e textos escritos em práticas efetivas mediadas em contextos socioculturais. Palavras-chave: Prática pedagógica, Currículo, Educação Infantil, Leitura. READING IN EARLY CHILDHOOD EDUCATION: WHAT TO THINK AND MAKE THE TEACHERS IN THEIR EDUCATIONAL PRACTICES? Abstract The work brings a little of the historic building on the progress on the legal quality of the education of young children, to help / assist in the advancement of policies and curriculum practices. Systematized official definitions and theories related to teaching learning to read in the context of early childhood education respecting the specificities of children, and analyze teaching practices from the teachers what they think and do in this step educational. The investigation involves the principles of qualitative research and, as instruments, bibliographic, document analysis, semi-structured and non-participant observation. Developed the study, systematize and analyze concepts and practices of teachers about reading in kindergarten. Since the preparation of the curriculum for early childhood education must be thinking: what to teach? How to teach? All that circulate in the school environment are hybrids and plural, not homogeneous. Thus, reading is conceived in our study and socio-cultural practice that 59 Formada em Pedagogia pela UFRN. ([email protected]) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 293 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior involves concepts, procedures and attitudes related to what one reads, so that it reads as it reads, whom learning takes place by the interaction between learner and texts written in practices effective mediated in sociocultural contexts. Keywords: Practice teaching, Curriculum, Early Childhood Education, Reading. O presente trabalho sistematiza teorizações e definições oficiais relativas ao ensino aprendizado da leitura no contexto da Educação Infantil respeitando-se as especificidades das crianças, assim como analisar, a partir das práticas pedagógicas das professoras o que elas pensam e fazem nesse segmento educacional acerca dessa temática. Partindo da ideia de que a Educação infantil, conforme definida na legislação máxima da educação de nosso país (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9394/96), é a etapa inicial de Educação Básica com finalidade de educar-cuidar de crianças de 0 a 5 anos e 11 meses60, com a finalidade de promover seu desenvolvimento integral. Ancoradas na abordagem histórico-cultural, de L. S. Vygotsky (1998) consideramos que esse processo faz-se mediante a apropriação de práticas da cultura em situações de interação social e de mediação dos outros e da linguagem. Compreendemos que as crianças, de acordo com as teorizações contemporâneas, são sujeitos concretos, pessoas reais, marcadas por suas condições sociais de vida, mas, com algumas características pertinentes aos seres humanos desse ciclo de vida: vulnerabilidade e relativa dependência dos adultos, capacidade de aprender e se desenvolver, quando em condições sociais propícias, de produzir cultura, primordialmente fundada na ludicidade, e uma integralidade de seu ser como pessoa, desde que nasce, o que envolve seu corpo, sua cognição, sua emoção. Considerando essas especificidades da criança como pessoa em desenvolvimento, concreta e contemporânea, seu atendimento envolve, de modo indissociável, cuidado e educação. Desse modo, a organização das instituições de Educação Infantil envolve diferenciações em relação a outras etapas educativas de modo a respeitar essas especificidades. Assim, diante de algumas inquietações e vivências enquanto estudante/pesquisadora e como profissional na área surgiu à necessidade de sistematização e ampliação de conhecimentos acerca da leitura e seu aprendizado no contexto da Educação Infantil, percebendo ainda que, a leitura tem um papel de grande relevância social para o 60 Na LDB (Lei 9394/96) a faixa etária da Educação Infantil era definida como sendo de zero a seis anos. Com a instituição do Ensino Fundamental de nove anos (Lei 11.274/2006) as crianças de seis anos foram inseridas naquele segmento, ficando a Educação Infantil com a faixa etária de zero a cinco anos e onze meses. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 294 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento integral da criança, assim, consideramos fundamental se trabalhar com a criança desde muito cedo a questão da leitura considerando as suas particularidades/especificidades de crianças. Devido a algumas mudanças que vem ocorrendo no campo cientifico sobre o desenvolvimento da criança e o seu papel na sociedade, se configurou a invenção de programas educacionais que consolidassem esse desenvolvimento. Por outro lado, os autores Bernard Spodek e Patrícia Clark Brown reconhecem, que desde que houve atendimento em instituições educativas para a criança, existiu um “currículo” ou “modelo curricular” entendido como [...] uma representação ideal de premissas teóricas, políticas administrativas e componentes pedagógicas de um programa destinado a obter um determinado resultado educativo. Deriva de teorias que explicam como as crianças se desenvolvem e aprendem, de noções sobre a melhor forma de organizar os recursos e oportunidades de aprendizagem para as crianças e de juízos de valor acerca do que é importante que as crianças saibam (SPODEK; BROWN, 1998, p. 15). Dessa maneira, traremos de forma breve, uma reflexão sobre a trajetória para o ordenamento legal, como foi se configurando essa primeira etapa da Educação básica na sociedade. A Educação Infantil brasileira alcançou, nas últimas décadas, inquestionáveis avanços no plano legal. Podemos dizer que a criança brasileira passou a ser considerada como cidadã-sujeito de direitos, dentre estes, à educação, a partir da promulgação da Constituição Federal e de leis e com o estabelecimento de normas e diretrizes, com isso assegurou-se, pelo menos no papel, os direitos das crianças. Traremos, então, alguns documentos de caráter mandatório ou não, que ajudaram a concretizar os direitos das crianças ao cuidado e principalmente à educação. Citamos, a Constituição Federal do Brasil que foi instituída em 1988. Este é um documento que é o marco na/para construção dos direitos das crianças por levar em consideração a Educação Infantil como um dever do Estado, um direito da criança e uma opção da família. No dia 13 de julho de 1990 foi aprovada, através da Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este contempla a idéia de criança como sujeito de direitos (BRASIL, 1990 apud LEITE, 2001, p. 32) “[...] Direito ao afeto, direito de brincar, direito de querer, direito de não querer, direito de conhecer, direito de sonhar e de opinar”. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 295 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Na primeira metade da década de 1990, posteriormente a uma análise da situação atual da Educação Infantil no Brasil, a Comissão Nacional de Educação Infantil (CNEI)61. Elabora a Política Nacional de Educação Infantil. As diretrizes baseiam-se por sete princípios. No documento, Política Nacional de Educação Infantil, de 1994, refere-se às funções indissociáveis entre o educar e o cuidar. A criança é tida como um ser integral/completo, um sujeito social e histórico, um ser em constante transformação/desenvolvimento. A elaboração deste documento foi considerada um momento histórico para a área. O referido documento define que o currículo da educação infantil deve levar em conta, na sua concepção e administração, o grau de desenvolvimento da criança, a diversidade social e cultural das populações infantis e os conhecimentos que se pretendam universalizar (BRASIL, 1994, p. 15). A partir de estudos no campo científico, foi se compondo, de acordo com a história, um conhecimento sistematizado/organizado sobre a infância, a criança sua educação, bem como sobre o currículo e seus modos de construção. Sendo assim, é possível situar que A necessidade de se estabelecer um currículo para a Educação Infantil, no Brasil, surge no final da década de 70 e começo dos anos 80, inicialmente para a pré-escola e posteriormente também para a creche. Nesse período de tempo, acirram-se os debates sobre a função das instituições de educação infantil e inicia-se o delineamento de um projeto pedagógico para a área. É uma resposta à prática assistencialista, fruto das condições sócioeconômicas do país, que tem na marginalização da infância uma de suas mais sérias conseqüências [...] (BRASIL, 1996, p. 7). Diante disso, ainda hoje vemos nas escolas a tradicionalidade presente desde o modo de dar aulas até o currículo, que nesse caso é a maior instância no ensino-aprendizagem. O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente, o currículo. As teorias do currículo [...], buscam justificar porque ‘esses conhecimentos’ e não ‘aqueles’ devem ser selecionados (SILVA, 1999, p. 15). Estudos desenvolvidos por Kishimoto, Oliveira, Machado, Mello e Kramer acerca das funções de um currículo para a educação de crianças em creches e pré-escolas, encontram-se sintetizados no documento “Propostas Pedagógicas e Currículo em Educação Infantil” (BRASIL, 61 A Comissão foi intitulada pela Portaria 1.264/93. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 296 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 1996) e põe em evidência a necessidade de elaboração/preparação de propostas curriculares para a Educação Infantil no Brasil. O Ministério da Educação (MEC), no ano de 1998, publica o Referencial Curricular para a Educação Infantil (RCNEI), este documento não tem valor legal, ou seja, não é de caráter mandatório, mas é uma importante contribuição para o trabalho dos profissionais das crianças de zero a seis anos. O RCNEI apresenta-se em três volumes. Estes documentos possuem caráter instrumental e didático, que pretendem contribuir para o planejamento, desenvolvimento e avaliação de práticas educativas. A professora Regina Alcântara de Assis, conselheira do Conselho Nacional de Educação (CNE), no ano de 1998 aprova o parecer 022/98 sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)62. Este documento estabelece em sua doutrina princípios, fundamentos e procedimentos, que orientará as instituições de Educação Infantil do Brasil, em sua organização, articulação, desenvolvimento e avaliação na elaboração das propostas pedagógicas desta etapa educativa (LEITE FILHO, 2001). Conforme apresentado no parecer, as propostas pedagógicas das Instituições de Educação Infantil (IEI) devem ser orientados por: a) Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum; b) Princípios políticos dos direitos e deveres de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática; c) Princípios estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da diversidade de manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 1998 apud LEITE, 2001, p. 44). Autonomia; Criatividade e Ludicidade, apresentadas nos princípios acima, são palavras chaves, que não podem ser esquecidas pelos profissionais da Educação Infantil em nenhum momento, posto que elas embasam, e muito, o fazer pedagógico nesta etapa de ensino. A partir das metas definidas pelo Plano Nacional de Educação – PNE (BRASIL, 2001) são publicados pelo MEC alguns documentos (Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 2005), Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006), Parâmetros Básicos de infra-estrutura para instituições de educação infantil (BRASIL, 2006a); Indicadores de qualidade na educação infantil (BRASIL, 2009)) que visam orientar os Estados e Municípios no desenvolvimento de políticas públicas com vistas ao alcance da qualidade no atendimento às crianças pequenas. 62 O CNE, na Resolução CEB nº 1 de 7 de abril de 1999 institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 297 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Em 11 de novembro de 2009, o CNE aprova o parecer CNE/SEB 20/2009 que revisa as diretrizes curriculares nacionais para educação infantil e em 17 de dezembro de 2009, aprova a resolução nº 5 que fixa as diretrizes com caráter mandatório, substituindo a resolução de 1999. Após toda construção histórica sobre a publicação/divulgação/exposição de documentos de caráter mandatório e compulsório, que ajudam/auxiliam no avanço da qualidade da educação das crianças pequenas. Compreendemos que, a partir desse avanço no plano legal, a criança está se constituindo há alguns anos como um sujeito, indivíduo, único, com valor em si mesmo, são cidadãos como todo ser humano, independente de gênero, raça ou posição social. Sendo assim, dentro desses avanços, no âmbito das políticas e práticas curriculares, elencamos em nossa pesquisa pontos a serem discutidos sobre a leitura na educação infantil, analisando o que pensam e fazem as professoras em sua prática pedagógica. Em função disso, muito tem se discutido sobre a questão da inserção da linguagem escrita no contexto da Educação Infantil. No discurso do senso comum, como também em algumas teorizações, defende-se a idéia de que não se deve inserir a linguagem escrita no cotidiano das instituições de educação de crianças pequenas, pois, dessa forma, se estará antecipando práticas próprias do Ensino Fundamental, escolarizando precocemente as crianças e desrespeitando seu direito de ser criança, de brincar. Em contrapartida, defende-se a importância do trabalho com esse tipo de linguagem desde a mais tenra infância, pois esse é um modo de melhor prepará-la para as etapas posteriores de escolarização, situando-se a educação infantil com uma função preparatória. Para além desses dois discursos, situamos nosso trabalho na perspectiva de que a linguagem escrita é uma prática cultural, tão relevante em nossa sociedade, como outras formas de linguagem e também presente na vida de muitas crianças, embora em situações de interação e mediação desiguais, dependendo da classe social à qual a criança pertença. Desse modo, enquanto uma das principais linguagens que constituem as interações no mundo atual, sua apropriação pelas crianças torna-se relevante para seu desenvolvimento integral, como pessoa que é e vive a contemporaneidade. Fundamentadas em Vygotsky (1998) compreendemos que as instituições de Educação Infantil são espaços legítimos de inserção das crianças, desde bem pequenas, no mundo da leitura e da inserção da leitura no mundo das crianças. O autor, já no início do século XX, chamava nossa atenção para que o aprendizado da escrita, como uma nova forma de linguagem, fosse iniciado e desenvolvido na chamada pré-escola, apontando a necessidade de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 298 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior que seu ensino se fizesse com base nas necessidades das crianças, no que lhes fosse significativo seu dia a dia, destacando as situações de brincadeira como contextos primordiais de ensino-aprendizado da linguagem escrita, nas quais as crianças seriam conduzidas a precisarem escrever e ler, mesmo antes de o conseguirem de modo convencional. Nessas situações, iriam se apropriando das convenções próprias da escrita em sua natureza simbólica e socialmente funcional. Ou seja, o autor propôs que a escrita fosse inserida na Educação Infantil considerando-se as especificidades da criança. Outros autores, como Solé (2003) e Tezzari (2008), defendem que é possível e necessário que as crianças tenham acesso à linguagem escrita desde a Educação Infantil, porém, é necessário que consideremos as especificidades das crianças e que tal inserção nesse contexto se desenvolva como uma possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento e não como uma obrigatoriedade curricular. Na atualidade, defende-se, na Educação Infantil, que o trabalho contemple e propicie o desenvolvimento de múltiplas linguagens pelas crianças (EDWARDS; GANDINI; FORMAN, 1999), dentre elas, tal como propõe os documentos oficiais mais relevantes relativos à Educação Infantil, como o Referencial Curricular para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), os Parâmetros de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006) e, ainda, as Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), as linguagens musical, plástica, corporal, dramática, oral e também a escrita, proporcionando às crianças a apropriação de formas de internalizar o mundo, de expressá-lo e de construir suas identidades da forma mais rica possível. Nesse contexto, a leitura do texto escrito torna-se constitutiva de modos de conhecer o mundo, de ter acesso a outros modos de dizer a realidade circundante e de constituir a realidade interior, a identidade. Por sua vez, a leitura, ao ser tomada como objeto de conhecimento, complexa e envolve diversas faces, entre elas, a sociocultural, que diz respeito à sua funcionalidade social e aos seus múltiplos usos individuais presentes na vida das pessoas. Outra face inerente à leitura é seu caráter de conhecimento complexo e arbitrário, cuja apropriação implica mediação sistemática, intencional, pedagógica. Mas, considerando que o trabalho desenvolvido junto às crianças pelas professoras é orientado por suas concepções acerca da criança, da educação infantil, bem como do que pode/deve ou não ser ensinado-aprendido, assim como também de como se aprende, passamos a nos questionar acerca de que modo às professoras, em suas práticas pedagógicas, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 299 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior concebem a leitura na Educação Infantil tomando-a como objeto de conhecimento das crianças respeitando as suas especificidades? Para construirmos uma resposta para esta questão, o caminho percorrido na investigação foi realizado segundo os princípios da abordagem qualitativa de pesquisa que, segundo Lüdke e André (1986), privilegia mais os processos que os produtos; privilegia os significados que os sujeitos têm sobre o objeto em investigação; prioriza a obtenção dos dados através do contato direto com seus contextos de origem; é essencialmente descritiva e interpretativa/reflexiva. Considerando nossos objetivos e esses princípios metodológicos, desenvolvemos uma pesquisa do tipo exploratória – que visa à construção de uma primeira aproximação para sistematização do objeto (GIL, 2007). Como procedimentos metodológicos desenvolvemos um estudo bibliográfico (GIL, 2007). E para a construção dos dados empíricos desenvolvemos uma entrevista de tipo semi-estruturada, segundo as proposições de Lüdke e André (1986) com três professoras atuantes em um Centro Municipal de Educação Infantil localizado em Natal, RN, caracterizadas no quadro abaixo: PROFESSORAS/ IDADE Sexo Formação Tempo de trabalho no CMEI Turma que atua BRANCA DE NEVE (32 anos) Feminino CHAPEUZINHO VERMELHO (32 anos) Feminino Magistério e estudante de Pedagogia Graduação em Pedagogia 4 anos 3 anos Quase 3 anos Berçário II (16 crianças) Nível III (25 crianças) Nível IV (23 crianças) RAPUNZEL (43 anos) Feminino Magistério e Graduação em Pedagogia A partir da sistematização bibliográfica vimos que a criança passou a ter uma importância como nunca havia ocorrido antes, nos últimos três séculos, passando a ser pensada, estudada, e definida, a partir de estudos de várias ciências, como a psicologia, a sociologia, a antropologia, a história, como uma pessoa concreta, com especificidades constituídas por suas características biológicas, históricas e socioculturais que marcam seus modos de ser e estar no mundo, que precisam ser compreendidas e respeitadas pelas instituições e processos educativos (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2003). Estudos históricos ressaltam que “é preciso ver a criança como um sujeito social que interage com a história de hoje, presente no tempo e espaço, fazendo sua história e sendo transformada por ela [...]” (KUHLMANN JR, 2004, p. 43). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 300 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A educação das crianças, enquanto seres concretos, em desenvolvimento intenso, processo que resulta de interações e mediações sociais, tem função pedagógica, envolve, por causa das especificidades das crianças, o educar e o cuidar, de modo indissociável, o que envolve a inserção das crianças em práticas da cultura, em modos de ação e relação, em modos de agir, de pensar, de simbolizar, de raciocinar, de imaginar, de criar. Assim, as crianças, imersas na cultura, não apenas a consomem e reproduzem, mas produzem cultura. E as práticas das instituições, realizadas pelos profissionais professores que atuam junto às crianças precisam contemplar, tanto as singularidades das crianças, como das práticas da cultura que são tomadas como objeto das interações e das mediações. Considerando que as ações dos professores são orientadas por suas concepções acerca da Criança, da infância, da Educação Infantil, assim como do que pode e deve ser aprendido pelas crianças nos estabelecimentos de educação, buscamos analisar as concepções das professoras, enquanto sujeitos que organizam o cotidiano das instituições, selecionando, do universo da cultura, o que vai ser propiciado às crianças, qual o lugar/papel da leitura na Educação Infantil. A partir da análise desenvolvida, construímos eixos de sentido evidenciados nas enunciações das professoras. Assim, para elas, a leitura na Educação Infantil é: Essencial como abertura a novas aprendizagens e desenvolvimentos Ferramenta para a fluência da imaginação / criatividade / fantasia / linguagem Possibilita vivências de emoções, sentimentos, prazer, socialização Trocas entre crianças e educadores, formas de ver, refletir, compreender... Vejamos o que dizem as professoras sobre a leitura na Educação Infantil. Leitura? Meu Deus! Leitura na Educação Infantil e acho que na vida de todas as pessoas, de todo mundo e de qualquer faixa etária, acho que é uma coisa essencial, que precisa existir, ela abre as janelas de tudo, e em especial na Educação Infantil, porque é o momento em que eles estão mais abertos para se aprender e se a gente já não começar a ter nessas práticas de leitura, que na verdade vem de casa também, só que, como em casa, às vezes eles não têm acesso a livros, os pais, às vezes não são tão presentes, então, eu acho que aqui é onde a gente pode estar abrindo essas janelas, essas portas para eles estarem junto com a gente, né? Porque se a gente não tem prática de leitor eles também não vão crescer nesse ritmo. Então, o que a gente faz? A gente procura estar lendo. Através da leitura eles vão desenvolvendo a linguagem nos bebês, ampliando o repertório, os “maiorzinhos” vão ampliando, né? E muitos a gente acha que não tem em casa. Trazem o conhecimento também de casa, nê? Tem que ter também uma referência. Então, eu acho que é uma coisa importantíssima a gente praticar, e de todas as maneiras, a gente ler a história; a gente conta, a gente reconta, a gente brinca, acho que tudo isso entra no universo da leitura, né? Eu acho (Professora Branca de Neve). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 301 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A leitura na Educação Infantil deve ser uma ferramenta para a fluência da imaginação, criatividade e fantasia, pois a leitura possibilita um leque de descobertas e experiências que proporciona a criança aprender, compreender e ressignificar seus conhecimentos, emoções e sentimentos de modo prazeroso e lúdico (Professora Chapeuzinho Vermelho). A leitura tem um sentido muito amplo, está ligado às condições de trabalho em sala, no contexto. A leitura são vivências que as crianças trazem do seu próprio mundo e, com elas, existe uma troca com o educador partindo dos objetivos e proposta pedagógica. O educador deve ter um conceito de “leitura” para que não perca seus objetivos de vista, pois compete a ele mediar esse processo. Ler imagens, ler o mundo, o ambiente e aprender a contextualizar de forma adequada para a faixa etária da turma é parte de estratégias metodológicas provenientes de suas pesquisas, experiências como da própria formação com leituras. Só incentiva quem gosta de ler. E a leitura é a forma de ver, refletir, e compreender a realidade a nossa volta (Professora Rapunzel). Diante do posicionamento das professoras, podemos perceber que a professora Branca de Neve apresenta uma resposta bem coerente com as teorizações atuais acerca da função da Educação Infantil, bem como do que se encontra proposto nos documentos oficiais, pois se na Educação Infantil as crianças estão mais abertas para aprender, estão abertas para novas aprendizagens e desenvolvimentos, então, a inserção da leitura no cotidiano da Educação Infantil pode propiciar à criança começar a desenvolver conhecimentos básicos sobre a leitura, desde que respeite as especificidades da leitura e seu aprendizado (interaçãomediação-contextualização-significação) e da criança, tal como as descrevemos anteriormente. Acerca da leitura, Smolka (1989) afirma que: [...] Falo da atividade da leitura como forma de linguagem, originária na dinâmica das interações humanas [...] não como mero ‘hábito’ adquirido, mas como atividade inter e intrapsicológica, no sentido de que os processos e os efeitos desta atividade de linguagem transformam os indivíduos enquanto mediam a experiência. [...] Portanto, leitura como mediação, como memória e prática social (SMOLKA, 1989, p. 28). Do exposto, podemos perceber a necessidade do aprendizado da leitura como compreensão e de que a leitura precisa ocupar um espaço-tempo importante no tempo da escola, desde os primeiros anos na escola, desde a Educação Infantil, como afirma Veliago (1992). As concepções da Professora Chapeuzinho Vermelho também se aproximam de modo significativo, das proposições teóricas acerca da criança, da infância e da educação infantil. Ao afirmar que a leitura na Educação Infantil vai oportunizar o desenvolvimento imaginativo da criança, levando-as a fantasiar, brincar, criar..., corrobora o que Kramer (2006, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 302 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior p. 16) afirma: “[...] A cultura infantil é, pois, produção e criação. As crianças produzem cultura e são produzidas na cultura em que se inserem (em seu espaço) e que lhes é contemporânea (de seu tempo) [...]”. Dessa forma, é de fundamental importância considerar a singularidade da criança, levando em consideração os aspectos sociais e econômicos, que interferem nas condições destas, pois existe, em nossa sociedade, uma diversidade cultural bastante ampla. A autora ainda propõe que “[...] É preciso garantir que as crianças sejam atendidas nas suas necessidades (a de aprender e a de brincar), que o trabalho seja planejado e acompanhado por adultos na educação infantil [...]” (KRAMER, 2006, p. 20). Uma vez que ao estar inserida nas práticas da leitura a criança está aprendendo, interagindo, brincando, ressignificando conceitos, possibilitando vivências de emoções, sentimentos, prazer. Segundo Jolibert (1994, p. 15), “Ler é questionar algo escrito como tal a partir de uma expectativa real (necessidade de prazer), numa verdadeira situação de vida”. A professora Rapunzel, embora não tenha conseguido responder de forma objetiva, coloca que, por meio da leitura, pode se desenvolver a troca entre crianças e educadores, várias formas de ver, refletir, compreender... Desse modo, situações de ensino-aprendizagem precisam caracterizar-se, de modo essencial, pela mediação simbólica, através da linguagem oral, da brincadeira, do movimento, das expressões afetivas, entre outras possibilidades. Para Tezzari, [...] Na Educação Infantil, é necessário que haja tempo e espaço para ler, para falar sobre o que se leu, para discordar, para analisar por outro ângulo, para comparar o lido com o vivido, enfim, que haja interlocução a partir da leitura (TEZZARI, 2008, p. 106). Como propôs Vygotsky (1998) o aprendizado da leitura não precisa se fazer de forma mecânica, de forma dissociada das significações, da linguagem como prática. Praticar a leitura desde os primeiros anos de vida não significa realizar tarefas relacionadas à letras de modo descontextualizado e mecânico. Inserir a leitura no cotidiano das crianças na Educação Infantil significa, de modo essencial, desenvolver práticas significativas de leitura, em que esta tenha sentido e função para as crianças, vinculada, pois, à ludicidade, à imaginação, à criação, assim como à possibilidade de criar situações em que possam ser atendidas pelos adultos, que lhe apresentam textos escritos diversos que circulam em seu contexto sociocultural, desenvolver e exercer sua capacidade de aprender e produzir cultura lúdica, poderem vivenciar sua pessoa em sua globalidade, visto que a leitura, sobretudo a de literatura, possibilita à criança brincar, imaginar, sentir, conhecer, expressar-se. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 303 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A relevância do aprendizado da leitura para Geraldi (1996, p.70 apud CARVALHO, 1999, p. 198) Aprender a ler é, assim, ampliar a possibilidade de interlocução com as pessoas que jamais encontraremos frente a frente e, por interagirmos com elas, sermos capazes de compreender, criticar e avaliar seus modos de compreender o mundo, as coisas, as gentes e suas relações. Ao pensar/refletir a respeito da polêmica sobre a viabilidade de leitura por crianças pequenas na Educação Infantil, chegamos à conclusão de que tal processo é importantíssimo para a formação desse indivíduo (a criança), desde que sejam pensadas formas de introduzir a criança no mundo da leitura levando em consideração a ludicidade, especificidades e realidade do contexto em que cada criança está inserida, não podendo ser considerado como medida obrigatória. Essa é a compreensão do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (1998). Segundo esse documento, Entende-se que a criança é capaz de ler na medida em que a leitura é compreendida como um conjunto de ações que transcendem a simples decodificação de letras e sílabas. Quando a criança consegue inferir o que está escrito em determinado texto a partir de indícios fornecidos pelo contexto, diz-se que ela está lendo (BRASIL, 1998, v.3, p. 140). A leitura pode, portanto, ser concebida como uma prática sócio-cultural, atividade de decodificação-compreensão do texto escrito em contextos funcionais e significativos para o indivíduo e para o meio social e, desse modo, ser apresentada, explorada para e pelas crianças. Na prática cotidiana, portanto, os professores precisam promover situações significativas de inserção das crianças pequenas nas práticas de leitura para que possam desenvolver conhecimentos – conceitos iniciais, procedimentos e atitudes – básicos ao domínio dessa prática. Enquanto outro mais experiente na relação ensino-aprendizagem, o professor deve constituir uma ponte entre a cultura da criança e a cultura escrita, a cultura da leitura, dos textos escritos, em suas diversas funções e estruturas, seus diversos portadores e contextos, uma vez que quando se lê, se busca algo, a leitura é, por natureza, intencional, flexível, multiforme, e sempre se adapta ao que se busca. Pois, como ressalta Solé, Aprende-se a ler “lendo”; vendo outras pessoas lerem, prestando atenção às leituras que fazem, como fazem, para que fazem; em experimentações que inicialmente envolvem “erros” mas que aproximam-se, gradualmente, da leitura convencional (SOLÉ, 2003, p.72). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 304 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Conforme a autora (1998), o ensino inicial da leitura deve garantir a interação significativa e funcional da criança com a língua escrita, como meio de construir os conhecimentos necessários para poder abordar as diferentes etapas da sua aprendizagem. O momento da contação de histórias, apresenta-se como relevante e necessário ao contexto infantil, este se configura como singular na vida da criança, aguçando sua imaginação, a criatividade, oralidade, ao mesmo tempo vai se integrando em um universo imaginário. Compreendemos que todo processo de aprendizagem é mediado por outros da cultura e pela linguagem (VYGOTSKY, 1998) e que ler não é apenas decifrar palavras, mas vai além desse procedimento, é em momentos de leitura que o leitor realiza um trabalho interativo na construção do significado do texto, construindo, tanto os conceitos, como os procedimentos e as atitudes que são constitutivas do ato de ler. Do estudo então desenvolvido, percebemos a possibilidade e a importância de uma prática educativa que conceba a leitura como um ato significativo e prazeroso de constituição de sentidos a partir da relação leitor-texto, o que pode e precisa, de início, ser mediado em situações que possibilitem o contato direto das crianças com materiais e práticas intencionais de leitura, tal como realizamos no cotidiano. Dessa maneira estar-se-á contribuindo para uma sociedade onde todos sejam leitores, dominem procedimentos básicos à leitura e desenvolvam sentimentos/atitudes favoráveis ao seu desenvolvimento na vida pessoal e social. A escola concebida com um espaço de busca, construção, diálogo e confronto, prazer, desafio, conquista de espaço, descoberta de diferentes possibilidades de expressão e linguagens, aventura, organização cidadã, afirmação da dimensão ética e política de todo processo educativo. A Educação Infantil pode iniciar esse processo possibilitando que as crianças se “iniciem” na leitura como brincadeira e imaginação com as palavras escritas. Referências BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa em Educação: Uma introdução à teoria e aos métodos. 4 ed.Porto: Porto, 1994 BRASIL. Assembléia Legislativa. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069/90. Brasília: Centro Gráfico, 13 de julho de 1990. BRASIL. Assembléia Legislativa. Ministério da Educação e do Desporto (MEC). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Lei nº 9.394/96. Brasília: Centro Gráfico, 20 de dezembro de 1996. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 305 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009a. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto (MEC). 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As opções teóricometodológicas articulam os estudos com os cotidianos com a cartografia de alguns processos e relações capazes de resistir aos engessamentos que modelam a produção de subjetividades na educação. Conclui que os agenciamentos no desejo se lançam em formações coletivas, tentam fugir dos territórios individualizados que tomam as salas de aulas. Valoriza o DevirConversasDocentes, que surge nas redes de conversas e afetos como formação continuada, traçando linhas de afetos e de organização de territórios, desenhando alternativas para os professores a partir das experiências narradas e vividas por eles e, consequentemtne, outros modos de saber e de fazer políticas curriculares e paisagens coletivas. Palavras-chave: infância; redes de conversações; mapas curriculares; paisagens coletivas. ABSTRACT This study is a research Masters cut concluída1 held in a CMEI Vitória / ES. Discusses how the assemblages of desire for new curriculum policies and training can enhance the setting of new maps and new curriculum in Early Childhood Education Collective landscapes. Aims at understanding how the experiences described and experienced by teachers CMEI "Joy" can point to other ways of knowing and doing the school curriculum. It weaves a theoretical debate with Deleuze and Guattari (1992, 1994, 1995, 1996, 1998), Larrosa (2004), Rolnik (2007), Carvalho (2009a, 2009b, 2008). Options articulate the theoretical and methodological studies with the everyday with the mapping of some processes and relationships that can withstand the inflexibility that shape the production of subjectivities in education. It concludes that the assemblages in the desire to launch collective formations, trying to escape from the territories that make the individual classrooms. Values the DevirConversasDocentes, which comes in the networks of conversations and affections as training continued, drawing lines and affects the organization of territories, designing alternatives for teachers from the experiences described and experienced by them and consequentemtne, other ways of knowing and 63 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo e Professora do Município de Vitória/ES. Contato: [email protected] 64 Este trabalho é parte integrante da pesquisa de Mestrado em Educação: ”REDES DE CONVERSAS E AFETOS COMO POTENCIALIDADES PARA AS PRÁTICAS CURRICULARES E PARA A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA EDUCAÇÃO INFANTIL”. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 308 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior curriculum policy making and collective landscapes. Keywords: childhood; networks of conversations, curriculum maps, landscapes collective. INTRODUÇÃO Iniciamos esses escritos com intuito de problematizarcomo os agenciamentos do desejo de novas políticas curriculares e formativas podem potencializar a configuração de novos mapas curriculares e de novas paisagens coletivas na Educação Infantil. Objetiva compreender como as experiências narradas e vividas pelos professores do CMEI “Alegria” 65 podem apontar para outros modos de saber e de fazer o currículo escolar. A escrita deste texto só foi possível depois de várias idas e vindas aos dados produzidos durante a pesquisa realizada em 2010, e de revisitar alguns campos teóricos que foram se configurando como mapas conceituais deste estudo. Esses mapas conceituais foram se compondo pelas linhas de pensamento de Deleuze e Guattari (1992, 1994, 1995, 1996, 1998), Larrosa (2004), Rolnik (2007), Carvalho (2009a; 2009b; 2008) dentre outros autores que apresentaram várias possibilidades de cartografar algumas intensidades, alguns movimentos de potencialização de políticas para as práticas curriculares e para a constituição de atos coletivos no CMEI “Alegria”. Para Carvalho (2008, p. 129), a importância da cartografia no cotidiano escolar “implica acompanhar movimentos que vão transformando a cultura da escola, fortalecendo a criação coletiva e individual, ou seja, cartografar os “possíveis” do coletivo escolar em seu modo processual e relacional. Nas tentativas de acompanhar esses processos, o que se podia notar era que os contornos desses mapas conceituais a todo instante oscilavam entre a nitidez de suas linhas e o desmantelamento de seus traços. Mapas em constante elaboração, assim como os mapas de conhecimentos, linguagens e afetos do cotidiano escolar, sempre em fluxo, pedindo passagem, tentando ganhar matérias de expressão para dar sentido ao campo do desejo social (ROLNIK, 2007) de uma educação de qualidade e de valorização da vida. 65 Nome fictício para especificar o CENTRO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL (CMEI) em Vitória/ES. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 309 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A aproximação entre as linhas dos mapas conceituais e dos mapas da educação infantil não seria tão instigante sem a imanência de uma filosofia do concreto cotidiano (GALLO, 2000), que consegue levantar, na repetição do cotidiano escolar, diferentes práticas educativas, saberes, fazeres, poderes, afetos que movimentam o pensamento e as possibilidades de aprender. O que provoca é a capacidade que a filosofia do concreto cotidiano tem de mobilizar o pensamento para a valorização das relações entre os indivíduos e os processos educacionais criados e compartilhados entre eles. A potência da filosofia para a problematização das relações tecidas pela grupalidade do CMEI “Alegria”, para a compreensão das tentativas de criar ações políticas para o currículo e para a educação na infância, está em concebê-la, segundo Deleuze e Guattari (1992) como “arte de formar, de inventar”. Assim, este estudo baseou-se em compreender como as experiências narradas e vividas pelos professores do CMEI “Alegria” podem apontar para outros modos de saber e de fazer o currículo escolar pelas invenções e fabulações sobre o aprender na infância, sobre o fazer-se em meio ao coletivo escolar e sobre a educação infantil. Nesse sentido, as conversas docentes em meio aos diferentes sons e imagens dentro do CMEI foram auxiliando para a discussão sobre as páticas curriculares e sobre o surgimento de pontos de politização em meio aos fluxos coletivos na escola. – […] mas a escola é uma só e como a gente está discutindo, é tudo uma rede de conversação. A gente fica pensando no projeto. Ah, a gente vai apresentar o quê? O que vamos fazer aqui? Aí vem um e coloca uma carinha, outro coloca uma roupinha, ai que lindo! A criança, para aprender, tem que ter esse contato; é o lúdico, o colorido junto com o conhecimento (Professora Samara)66. – Na verdade é a troca que faz esse colorido. É pedir um arranjo, uma roupa, uma faixa emprestada para a colega (Pedagoga Sônia). Mas o que são redes de conversas ou conversações? Carvalho (2009a, p. 04) diz que são “a manifestação aberta da pluralidade e da polifonia, não determinada pela voz de uma pessoa”. Não é o Eu que está em foco nos encontros e nas conversas, mas as relações tecidas 66 Fragmento de conversas estabelecidas em 31/08/2010, durante os momentos de formação continuada com os professores do CMEI “Alegria”, com o intuito de que a grupalidade problematizasse o currículo e tecesse ações coletivas no decorrer da pesquisa. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 310 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior pela grupalidade, pela participação ativa e criativa, que se faz em meio a uma poética social, que articula assuntos e vozes de modo a possibilitar a constituição de multiplicidades partilhadas ou modos coletivos de agir. Esse pequeno fio de conversa é um pedaço da rede, que se entrelaça como um rizoma, que se conecta a tantos outros pontos de conflitos, de sugestões, de interesses, de conhecimentos, de alegria e de coletividade. O rizoma é para Deleuze e Guattari (1995) a possibilidade de “subtrair o único da multiplicidade a ser construída”. No pequeno fio de conversa entre as personagens escolares, o que realmente importa não é quem fala ou quem não fala (o único), mas a potência da conversa (a multiplicidade), os pontos de politização que se estabelecem nas relações de partilha dessas vozes. Esses pontos de politização ou a multiplicidade são o que a professora chama de pensar no projeto de ensino de forma a articular pessoas e o compartilhamento entre elas, para que as crianças possam aprender pelo que chama sua atenção, pelo colorido e pelo lúdico. Sendo sempre “quem fala e age, uma multiplicidade” (Deleuze in Foucault 1979), os rizomas são criados e se conectam constantemente pelas relações promovidas dentro do CMEI “Alegria”: “vem um e coloca uma carinha, outro coloca uma roupinha” e “pedir um arranjo, uma roupa, uma faixa emprestada para a colega”. Essas relações produzem diferentes formas e forças para as experiências curriculares, para a constituição do próprio currículo e, consequentemente, para os processos formativos dos docentes. A constituição do currículo escolar caminha junto com o movimento pelo qual o processo educativo se faz e, desse modo, a experiência curricular se configura como um processo propício para formações, tanto de maneira formalizada quanto pelos aspectos não formalizados. O enriquecimento desses processos de formação se dá não só pelas relações que experimentamos diariamente, nos encontros com os alunos, mas também por relações que se desenvolvem, principalmente com os outros docentes: planejamentos, conversas de corredor, de pátio, encontros na sala dos professores, nas reuniões pedagógico-administrativas e nos momentos formais de formação continuada. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 311 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior As experiências docentes como movimentos de ações coletivas permeiam um campo micropolítico de relações. Sendo a micropolítica, segundo Rolnik (2007, p. 11) “questões que envolvem os processos de subjetivação em sua relação com o político, o social e o cultural, através dos quais se configuram os contornos da realidade em seu momento contínuo de criação coletiva”. Esse campo micropolítico presente nas experiências, nas relações e nos processos de subjetivação docentes é permeado pelas segmentaridades dura e flexível. Sobre isso, Deleuze e Parnet (1998, p. 09) dizem que […] as coisas, as pessoas, são compostas de linhas bastante diversas, e que elas não sabem, necessariamente, sobre qual linha delas mesmas elas estão, nem onde fazer passar a linha que estão traçando: em suma, há toda uma geografia nas pessoas, com linhas duras, linhas flexíveis, linhas de fuga etc. Os contextos de criação coletiva nos processos formativos e curriculares na Educação Infantil, pelo viés das revoluções micropolíticas, vão se constituindo também em meio à organização molar, lançam-se principalmente a um mundo de segmentações finas, de afetos inconscientes e soltos à procura de outros modos de distribuições, e acabam operando de outro modo, compondo alguns campos de resistências. Para Deleuze e Guattari (1996, p. 94), uma das relevâncias da composição de campos micropolíticos está em percebê-los e em fazê-los atuar como algo que “Sempre vaza ou foge alguma coisa, que escapa às organizações binárias, ao aparelho de ressonância, à máquina de sobrecodificação: aquilo que se atribui a uma ‘evolução dos costumes’”. Assim, a tentativa de conhecer e acompanhar as relações que emergiam pelo viés da micropolítica no CMEI “Alegria”, desenhava-se durante o processo de pesquisa de campo, estipulando como um dos princípios compreender como as experiências narradas e vividas pelos professores podem potencializar as ações coletivas e apontar outros modos de “saber e de fazer” o currículo escolar. Nesse contexto, durante a estada em campo, no CMEI “Alegria”, fui tentando me inserir nas diversas redes de conversações que se teciam. Acompanhei durante seis meses a rotina da escola, seus espaçostempos, as vozes e os silenciamentos que tentavam equilibrar o funcionamento da escola. Estive presente em várias reuniões pedagógicas, em planejamentos de alguns professores, nas “sextas culturais”, em momentos de planejamento coletivo que ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 312 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aconteciam sem serem programados, e propus ao grupo, juntamente com a direção da escola, a criação de um espaçotempo para discussões, um momento para problematizar as práticas curriculares e criar novos modos coletivos de produzir o currículo junto com o turno vespertino. Resolvemos nos reunir durante uma hora por semana após o horário de trabalho, durante esses seis meses de pesquisa. Nesses momentos ouvimos, narramos, conhecemos o trabalho dos profissionais, tecemos conversas e sugestões de modificações para os processos curriculares e formativos que se desenvolviam no CMEI “Alegria”. É importante destacar que a elaboração de ações coletivas não ocorria somente nesse momento de formação continuada, que acabou se instituindo durante o período da pesquisa. Em todos outros momentos, era possível perceber, mesmo que de forma tímida, a emergência de pontos de politização entre os docentes. Fui em busca do que estava em meio à rotina de organização pedagógica do CMEI e às conversas formais e informais entre os atores escolares. Foi preciso compreender como os professores tentavam elaborar alternativas possíveis para os diversos obstáculos e desafios enfrentados cotidianamente, e como criavam possibilidades de atuação política. Assim, os desenhos dos mapas conceituais e dos mapas da educação infantil no CMEI “Alegria” foram dando indícios sobre alguns modos de subjetivação docente, sobre a produção do desejo de pensar outras alternativas para saber e fazer o currículo escolar e para os processos formativos que ocorrem nas escolas. O desejo segundo (Deleuze e Parnet,1998, apud Rolnik, 2007, p. 29) ; […] é o sistema de signos assignificantes com os quais se produz fluxos de inconsciente no campo social. Não há eclosão de desejo, seja qual for o lugar em que aconteça, pequena família ou escolinha de bairro, que não coloque em xeque as estruturas estabelecidas. O desejo é revolucionário, por que sempre quer mais conexões, mais agenciamentos. Conhecer como os professores agenciavam o desejo de novas alternativas possíveis para saber e fazer o currículo e os processos formativos se tornava fundamental para por em xeque as estruturas educacionais que segmentam o ensinar e o aprender, que segregam e limitam as experiências dentro das escolas. Entender quais linhas tentam agenciar o desejo de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 313 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior conhecimentos, de linguagens e de afetos é importante para que outras/novas conexões e agenciamentos possam surgir, já que o agenciamento de desejo, para Deleuze (1994, p. 04) “marca que o desejo jamais é uma determinação “natural”, nem “espontânea”. A relevância de conhecer as relações no campo micropolítico, as experiências do CMEI, está diretamente relacionada com a criação de novos mapas curriculares e de novas paisagens coletivas para a educação infantil, novos territórios existenciais. Está na possibilidade de se criar rizomas do ensinar e do aprender, retirando da educação os fatores que desqualificam a experiência humana, trazendo os pontos de politização para o processo educativo, que se transforma e se reelabora imanentemente em meio a essas microexperiências. A CARTOGRAFIA DE MAPAS CURRICULARES ATIVOS PELAS EXPERIÊNCIAS NARRADAS E VIVIDAS67 É importante perguntar: o que quer dizer desenhar/cartografar mapas curriculares ativos? Não seriam todos de alguma forma ativos? E nos desenhos desses mapas não estariam as experiências narradas e vividas pelos professores do CMEI “Alegria” consideradas como uma representação binária do certo/errado? A pertinência dessas questões está em alertar para os perigos de se utilizar uma falsa ideia de mapa ou de se construir imagens das experiências que circulam na escola tentando classificá-las dentro de uma lógica normalizadora, binária e excludente. Segundo Rolnik (2007), a cartografia de território, (em nosso caso, territórios de experiências docentes, de práticas educativas criadoras e criativas, de compartilhamento de saberes e fazeres, currículos ativos e de paisagens coletivas na escola), tem a ver com inteligibilidade, com criação de alternativas possíveis para a educação. A intenção da pesquisa foi exatamente tentar escapar das linhas que tentam aprisionar os olhares e pensamentos para o simples julgamento das práticas curriculares que ocorrem nas escolas. Dito de outro modo, o que se pretendeu foi, no meio da tensão entre a representação e fluxo de intensidade, perceber sentidos nesses movimentos de produção de realidade dentro das escolas. 67 Fragmento do diário de campo redigido em 08/06/2010, durante o turno vespertino, na sala do grupo IV integral (cria nças com 4 anos de idade). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 314 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para entrar nessa tensão entre representação da realidade e fluxo de intensidade das experiências dos professores, para compreender os sentidos do currículo e o desejo de formações políticas e coletivas no CMEI, foi preciso estar em campo de pesquisa como um cartógrafo. Segundo Rolnik (2007, p. 67) o que o cartógrafo quer é […] apreender o movimento que surge da tensão fecunda entre fluxo e representação: fluxo de intensidades escapando do plano de organização de territórios, desorientando suas cartografias, desestabilizando suas representações e, por sua vez, estancando o fluxo, canalizando as intensidades, dando-lhes sentido. Assim, falar sobre mapas, pensar nas diferentes maneiras de cartografar os traços que ajudam a desenhá-los dentro do contexto escolar, exige ultrapassar alguns conceitos que tentam fechar suas características apenas em representações do espaço geográfico, o espaço dos que aprendem e daqueles que não aprendem, espaço de teoria e o espaço da prática, o espaço da individualidade e da singularidade, ou seja representações em blocos segmentados. A concepção de mapa que permeou todos os momentos da pesquisa de campo esteve baseada nas possibilidades de compreender como se desenrolam os processos educativos dentro do CMEI “Alegria” e como as experiências docentes ajudam a elaborar mapas curriculares ativos e coletivos. Discutindo sobre a importância da construção dos mapas, Deleuze e Guattari (1995, p. 20) ajudam na elaboração das concepções de mapa e de seus desenhos dentro do cenário da pesquisa. O mapa é aberto, é conectável em todas as dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. Pode-se desenhá-lo numa parede, concebê-lo como uma obra de arte, construí-lo como uma ação política ou como uma meditação. Um dos fatores que impulsionava a pesquisa era a possibilidade de cartografar a formação de mapas curriculares ativos com base nas experimentações ancoradas no real, no dia-a-dia dos professores, de modo a tentar perceber movimentos desencadeadores de ações políticas, de currículos ativos, criativos, feitos pela grupalidade do CMEI, valorizando as diferenças e as diversas experiências em prol da elaboração de conhecimentos, linguagens e afetos que potencializem a vida de forma geral. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 315 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Foi preciso utilizar, assim como fala Rolnik (2007, p. 65), “tudo o que der língua para os movimentos do desejo, tudo o que servir para cunhar matéria de expressão e criar sentido”. Assim, foi interessante circular pelos corredores do CMEI, passar pelas salas; procurar algo que nem sabia o que era, mas que poderia servir como matéria de expressão para o desenho de mapas curriculares ativos. Então, a professora Fernanda68 me viu passando em frente a sua sala e me convidou para ver o trabalho que seus alunos estavam fazendo. Entrei e conversamos bastante enquanto ela dava orientações para as crianças, que pintavam. (Crianças do grupo 4 Integral pintando as tartarugas do Meio Ambiente) Essa professora sempre me convidava para entrar e conhecer seu trabalho, gostava muito de falar sobre o projeto “Meio Ambiente” que estava desenvolvendo com a turma, de mostrar as atividades, as produções e de falar das apresentações que havia feito. Nesse dia uma das falas da professora chamou atenção: Você sabe que sou contratada, né? Então, eu fico te chamando sempre na minha sala por que sinto falta de conversar com alguém, de falar o que estou trabalhando com as crianças. Eu gosto muito de trocar ideias, de perguntar aos colegas o que acham sobre o projeto, ver se eles já fizeram algo assim, para que eu possa aprender também. Tudo que eu puder ouvir e ver de diferente vai de alguma maneira me ajudar a pensar meu trabalho. Aqui, neste CMEI, eu já tentei me aproximar das colegas, mas todo mundo fica tão ocupado que nem dá tempo para gente conversar, por isso que eu fico doida quando te vejo aqui na escola. Também estou desenvolvendo uma parceria muito bacana com a estagiária. Nossa, ela é tão criativa e envolvida que nosso projeto tem ajudado muito as crianças. Queria que as colegas que já trabalharam com esta turminha vissem como eles estão ótimos. (Professora Fernanda) 68 Nome fictício criado para preservar a identidade da professora. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 316 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A narrativa da professora chama atenção pelo desejo que aponta, de compartilhar suas experiências, de tecer novos saberes e novos fazeres junto aos demais profissionais. Ela agencia esse desejo quando tece tentativas de estar e entrar em relação com outros colegas, quando entra em relação com os conhecimentos da estagiária, quando convida a pesquisadora para conversar sobre seu trabalho. Essa necessidade de fazer circular as experiências naquele espaçotempo não está associada à concepção moderna de que temos de nos tornar um sujeito de experiência. Larrosa (2004), ao criticar essa concepção, vai sugerir uma superação desses conceitos de experiência dos indivíduos. Somos estimulados e moldados a ser sujeitos da informação, da opinião, da falta de tempo e do trabalho e, com isso, o que realmente importa na experiência é esquecido, desvalorizado ou destruído. O autor vem dizer da importância de perceber na experiência o que nos passa, nos atravessa e nos toca. “O sujeito de experiência seria algo como um território de passagem, algo como uma superfície de sensibilidade na qual aquilo que passa afeta de algum modo, produz alguns afetos, inscreve umas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos” (p. 160). O desejo de experiência da professora, de narrar, de compartilhar, de conhecer e de experimentar coisas novas, configura os processos curriculares em territórios de passagem, no qual as respostas dadas pelos alunos em relação a seu trabalho inscrevem e mobilizam afetos, trazem marcas que não querem ficar somente presas nas paredes de sua sala. Quando a professora diz “queria que as colegas que já trabalharam com esta turminha vissem como eles estão ótimos”, os efeitos que as respostas das crianças promovem em suas experiências pedem passagem, querem fugir daquele espaço e seguir o fluxo, ganhar matéria de expressão em forma de compartilhamento. As alternativas criadas pela docente para não ter suas experiências baseadas apenas no excesso de informação, de opinião, de trabalho e na falta de tempo, ganham expressão quando ela agencia, de diferentes maneiras, uma possibilidade de intercambiamento de experiências no CMEI. Com isso, novas paisagens coletivas se formam, na busca por mostrar seu trabalho aos colegas, por ouvir os outros, quando convida a pesquisadora e relata seus desejos ou quando encontra nas experiências da estagiária novos caminhos para as práticas educativas, desencadeando ações rizomáticas, produtivas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 317 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Essas formações rizomáticas dentro dos CMEIs são de grande importância, pois, segundo Deleuze e Guattari (1995), ampliam as possibilidades de conexões linguísticas que favorecem a multiplicidade sem exaltar este ou aquele professor, e sim exaltando os processos educacionais criados coletivamente. O rizoma é a capacidade de produzir mapas, currículos ativos, conectáveis, múltiplos e que rompem com a experiências escolares estéreis. É importante vislumbrar os mapas curriculares e as paisagens coletivas como rizomas, pois, como Deleuze e Guattari (1995, p. 22) destacam, “o rizoma opera sobre o desejo por impulsões exteriores e produtivas”. Assim, os agenciamentos no desejo de compartilhar e de conhecer outras experiências dentro do CMEI se lançam em formações coletivas, vão traçando linhas mais flexíveis, que tentam fugir dos territórios demarcados, fechados e individualizados que acabam se tornando as salas de aulas. A flexibilidade que caracteriza as linhas das experiências que afeta e inscreve efeitos nas salas de aulas, nas crianças, na professora, na estagiária, é o que vai desenhando mapas curriculares ativos, com saberes, fazeres, poderes e afetos criados e sustentados pela grupalidade. CARTOGRAFIA DAS LINHAS CURRICULARES E COLETIVAS EM DEVIRCONVERSASDOCENTES O que é um DevirConversasDocentes? Por que falar sobre ele? O DevirConversasDocentes tem a ver com a vida que pulsa nos movimentos formativos e curriculares que se desenrolam na Educação Infantil. Mas não se trata de qualquer conversa ou de qualquer vida. O que está em questão são as potencialidades geradas nas redes de conversações criadas e sustentadas ativamente pelo coletivo escolar. Para Carvalho (2009a, p. 202), “[…] as redes de conversações expressam redes de subjetividades compartilhadas, envolvendo formas e forças de agenciamento de um corpo político de outra ordem ou natureza, como potência constituinte de ações e novas experimentações”. Nessas redes é possível perceber como a vida pulsa, o atravessamento das linhas que desenham os mapas curriculares, as paisagens coletivas e a vida educativa. A vida educativa que interessa é a que está em constante devir, em fuga. O devir e a fuga da modelização e do engessamento que as subjetividades são expostas são o que permite a criação de outras alternativas possíveis para a produção de novos modos de saber e fazer currículo escolar e, consequentemente, apontar ações coletivas nos CMEIs. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 318 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para Deleuze e Parnet (1998, p. 02-03), “[...] devires são geografia, são orientações, direções, entradas e saídas […]. Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele de justiça ou de verdade. Não há um termo de onde se parte, nem um ao qual se chega ou se deve chegar”. Assim, a pesquisa desejava o que estava em devir, desejava “mergulhar na geografia dos afetos” (ROLNIK, 2007), na geografia das redes de conversações que emergiam no CMEI “Alegria” não para representar, explicar ou revelar uma face oculta do currículo com novos modos de saber e fazer as práticas curriculares. O interesse foi de entender como esses processos emergiam, como constituíam territórios, desmantelavam outros e criavam novas formas de reterritorializar suas perspectivas. As redes de conversações que ajudavam a pulsar aquelas vidas eram pontes de linguagens que potencializavam a criação de mundos, ou seja, a construção de realidades sobre a Educação Infantil. Fui buscando entender pelo DevirConversasDocentes os agenciamentos do desejo de saber e fazer o currículo, e os processos formativos docentes, a partir de uma perspectiva coletiva, criativa e criadora. Os agenciamentos do desejo de saber e fazer o currículo e os processos formativos pelo viés coletivo e ativo só se faziam perceptíveis quando observados pelos traçados das “linhas dos afetos, da simulação e organização de territórios” (ROLNIK, 2007). Nesse sentido, algumas dessas linhas são notadas durante a rede de conversações estabelecidas em um de nossos momentos de formação continuada no dia 24/08/2010. O grupo estava reunido discutindo sobre o Projeto Político Pedagógico do CMEI, e vários assuntos estavam em pauta quando a diretora problematizou a utilização do brincar para o auxílio na aprendizagem dos alunos: Quando eu estava na sala de aula, tinha horas que eu reparava que as crianças não estavam mais interessadas no que eu estava falando, tinham perdido o interesse pela atividade. Aí, eu parava e colocava todo mundo para brincar, separava os grupinhos e deixava que eles brincassem por uma hora, depois retomava a atividade. Olha, dava pra ver como rendia muito mais. Hoje, como diretora, fico andando pelo CMEI e me perguntando como o brincar está ajudando no processo de aprendizagem das crianças. Agora que temos os dinamizadores de Educação Física e de Artes, muitas pessoas pensam que o brincar agora só pertence a eles. Mas, e nós, que estamos na sala de aula, que tempo temos destinado para o brincar? Como os brinquedos estão sendo utilizados para ajudar a despertar o interesse dos alunos pelos conhecimentos que nós oferecemos?”(Diretora) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 319 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior “Eu entendo e considero a importância do brincar, mas uma coisa me preocupa muito: o brincar deve estar colocado e muito bem colocado em nosso currículo, por que os pais não querem que eles só brinquem, acham que o brincar é só para as professoras ficarem a toa. Mas, no fundo no fundo, querem conteúdo, querem dever de casa. Sabe por que eu estou colocando isso? Quando nós vamos ler nossas avaliações para os pais, quando vamos ressaltar algo sobre as brincadeiras e as interações de seus filhos durante o brincar eles questionam o que é que isso tem a ver com a aprendizagem. Eles falam assim: ‘Mas, na hora do dever, ele faz direitinho?’” (Professora Fernanda). “Sei que, com esta rotina e fragmentação toda, sinto falta de ver as crianças brincarem. Sinto falta de ver as brincadeiras de roda, de amarelinha. Neste ano, quem aqui brincou de roda com seus alunos levanta a mão” (Diretora). Nesse momento, todas as professoras levantaram as mãos. “Às vezes essa falta que você sente pode ser explicada. Neste ano, levei minhas crianças lá para o pátio para brincar, cantamos “a linda rosa juvenil”, “periquito maracanã”, mas depois de um certo tempo as crianças já estavam enjoadas, cansadas. Eu penso que temos que considerar também que outras coisas chamam a atenção das crianças. Elas falam: “Ah, tia, agora chega, deixa a gente brincar de mãe e filha?”. Então, gente, eu mesma levo muito em consideração as coisas que as crianças querem. Faço um trabalho pedagógico, tento resgatar cantigas folclóricas, brincadeiras populares, mas tenho a noção que outras coisas estão interessando mais as crianças. Será que temos que desconsiderar que elas estão interessadas por brincar com jogos no computador, por exemplo? Acho que a escola precisa fazer uma comunicação entre seus interesses e os interesses dos alunos” (Professora Emanuele). O DevirConversasDocentes, traçado pelo grupo reunido em formação, permite cartografar uma linha dos afetos que a partir das intensidades provocadas pelo brincar agenciam outros modos de aprender, modos que interessam às crianças, e não apenas a professores e pais. Quando a diretora diz que deixava as crianças brincarem para depois retomar suas atividades e percebia que assim o rendimento de suas aulas era maior, pode associar ao fato de que o brincar na sala de aula agencia o desejo de aprender pelo viés dos afetos. De forma invisível e inconsciente, a linha dos afetos, segundo Rolnik (2007, p. 49) [...] é um fluxo que nasce “entre” os corpos: ora veloz, apressada, elétrica, ora lenta e lânguida (sua longitude); ora exuberante, viçosa, brilhante, ora cansada e esmaecida; ora desenvolta, enérgica, ora tímida e vacilante, ora fogosa, incandescente, ora apagada e fria; ora revoltada, trepidante, turbulenta, convulsiva, acidentada, ora estável, compassada, homogênea, lisa e até monótona... (sua latitude). Nesse fluxo das intensidades produzidas entre o encontro do corpo lúdico da brincadeira e do corpo pedagógico dos saberes escolares, as crianças e professoras vão criando ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 320 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior linhas de fugas para uma educação mais atrativa, prazerosa e agradável. Vão traçando linhas de fuga da dureza dos saberes escolares e dão passagem para os afetos que escapam e que potencializam a produção de conhecimentos, de linguagens e de novos afetos, configurando um novo território de ensinar e de aprender. Isso tem a ver com o que Rolnik (2007, p. 49-50) fala sobre o surgimento de novas atrações e repulsas; “afetos que não conseguem passar em nossa forma de expressão atual, aquela do território em que até então nos reconhecíamos”, desenham linhas de fuga, um DevirBrincarAprender que “operam imperceptivelmente; mutações irremediáveis” e, assim, criam um nova realidade para os processos educacionais. Em meio à linha dos afetos está a linha da simulação, que desenha o desejo de um novo modo de saber e fazer o currículo escolar por meio de sua dupla face. Suas faces se compõem pelos movimentos de territorialização e desterritorialização. Rolnik (2007, p. 50) ao problematizar a linha de simulação destaca uma característica importante: “Ela está sempre prestes a oscilar na direção do fluxo puro e desencantar a matéria, provocando desabamento de território”. Assim, quando a professora Fernanda ressalta a importância de ter bem definido no currículo da escola, os modos como o brincar é percebido pelos professores e como auxilia no processo de aprendizagem dos alunos, pode-se notar que a ambiguidade da linha de simulação traçada pelos agenciamentos sobre o brincar, gera uma angústia em professores e pais. A angústia apresentada na fala da professora – “Quando nós vamos ler nossas avaliações para os pais, quando vamos ressaltar algo sobre as brincadeiras e as interações de seus filhos durante o brincar eles questionam, o que é que isso tem a ver com a aprendizagem” – está relacionada com a preocupação de que o brincar seja algo mantido na Educação Infantil como algo que preserva a vida e que não a desagrega dos saberes da escola e que, esteja sempre em devir, se desterritorializando. E esta angústia tende a aumentar ainda mais, pois, há um outro lado que tensiona sua prática pedagógica e a linha de simulação criada pelo brincar. Quando a docente fala “os pais não querem que eles só brinquem, acham que o brincar é só para as professoras ficarem à toa, mas no fundo no fundo querem conteúdo, querem dever de casa”, o que se destaca é o medo da perda de credibilidade e de legitimidade de sua função professora, e com isso, a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 321 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior tendência é a fixação de práticas e saberes, como proposto por ela “o brincar deve estar colocado e muito bem colocado em nosso currículo”, como um modo de definir um território específico para o brincar dentro do currículo. A tensão vivida e relatada pela professora Fernanda, segundo Rolnik (2007, p. 51) “gera uma tentativa, sempre recomeçada, de abolição da ambiguidade. É isso que vai definir as diferentes estratégias do desejo. É em torno disso que se fazem todos os dramas, todas as narrativas, todas as personagens, todos os destinos, todo tipo de educação” (grifo nosso). As tentativas de se optar por uma das faces da linha de simulação dentro da escolas podem ser consideradas um fator de risco para a configuração de novos mapas curriculares e de paisagens coletivas, haja visto que os movimentos de territorialização e desterritorialização de práticas e dos agenciamentos de desejo de aprender, são responsáveis por desprender as máscaras obsoletas que já não dão passagem para a vontade de ensinar e aprender de professores e alunos, e também são responsáveis por captar as partículas soltas de afetos (como o brincar) e gerar novas máscaras para os processos educativos na infância. Com base nos movimentos incessantes de territorialização e desterritorialização, a professora Emanuele destaca uma linha de organização de novos territórios para o brincar e o aprender em suas aulas. Quando fala que tenta resgatar cantigas e brincadeiras populares, mas percebe que outros modos de brincar estão interessando às crianças, pode-se considerar que o “antigo” modo de brincar pode estar preso a uma máscara obsoleta: esses tipos de brincadeiras podem não estar dando passagem para os afetos dos alunos. O movimento das crianças apontado pela professora – “Ah, tia, agora chega, deixa a gente brincar de mãe e filha?”– faz pensar que esse novo fluxo da intensidade de aprender pelo brincar está provocando o desabamento de territórios fixos do brincar na escola, abrindo espaço a configuração de outros territórios. Assim, a professora percebe e reconhece a configuração de outros territórios para o brincar e, consequentemente, para o surgimento de outras práticas curriculares e formativas no CMEI. Ao indagar – “Será que temos que desconsiderar que elas estão interessadas por brincar com jogos no computador, por exemplo? Acho que a escola precisa fazer uma comunicação entre seus interesses e os interesses dos alunos” – a docente faz pensar que os territórios formados na Educação Infantil não são fixos e que se desmancham com o passar de novos afetos, com o movimento de atração e de repulsa dos corpos. Isso gera novas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 322 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior possibilidades de ensinar e de aprender, e dá relevância para o papel da escola em comunicar seus interesses com os interesses dos alunos. Para Rolnik (2007, p. 51) a organização desses territórios se faz importante porque […] cria roteiros de circulação de mundo: diretrizes de operacionalização para a consciência pilotar os afetos. Ela é finita, porque finita é a duração dos territórios e a funcionalidade de suas cartografias. Sempre escaparão afetos aos territórios e isso, mais cedo ou mais tarde, decreta seu fim. Nesse contexto, o DevirConversasDocentes, que surgiu nas redes de conversações, durante aquele momento de formação continuada, foi traçando os movimentos das linhas de afetos, de simulação e de organização de territórios, desenhando alternativas para que os professores formulem suas próprias questões sobre as práticas educativas que circulam no CMEI “Alegria”, a partir das experiências narradas e vividas por eles. Os movimentos dessas linhas foram cartografando outros modos de saber e de fazer o currículo escolar pela configuração de mapas curriculares ativos e pela elaboração de paisagens coletivas. CONSIDERAÇÕES FINAIS As discussões aqui estabelecidas basearam-se em tentativas de vislumbrar pelas experiências narradas e vividas pelos professores ações coletivas e outros modos de “saber e de fazer” o currículo escolar pelo viés da micropolítica no CMEI “Alegria”. Assim, o contexto da pesquisa foi tecendo debates sobre a elaboração de mapas curriculares ativos, que fogem aos binarismos “certo/errado”. Os momentos de formações (tanto formais quanto informais) buscaram compreender os agenciamentos no desejo de compartilhar e de conhecer outras experiências como formações coletivas e como possibilidades de problematizar os processos curriculares e formativos para a configuração das paisagens coletivas. Isto posto, as redes de converssações promovidas no CMEI “Alegria” indicavam várias possibilidades de se criar mapas curriculares ativos, de se criar pontos de politização para o currículo escolar e para a formação continuada de professores pelo DevirConversasDocentes, potencializando a simulação e organização de territórios existenciais micropolíticos para as práticas educativas a partir das experiências narradas e vividas pelos professores. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 323 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior REFERÊNCIAS CARVALHO, Janete Magalhães. Cartografia e cotidiano escolar. FERRAÇO, Carlos Eduardo; PEREZ, Carmen Lúcia Vidal; OLIVEIRA, Inês Barbosa de. Aprendizagens cotidianas com a pesquisa. Rio de Janeiro: DP&A, 2008. _______. O cotidiano escolar como comunidade de afetos. Rio de Janeiro: DP&A; Brasília, DF: CNPq, 2009a. DELEUZE, Gilles. Conversações, 1972-1990. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1992. _______. Crítica e clínica. Tradução: Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997. _______. Désir et plaisir. Magazine Littéraire. Paris, n.325, oct., 1994. _______; PARNET, Claire. Diálogos. Tradução: Eloísa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 1998. _______; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. 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ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 324 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior AS TICs E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL 69 DUARTE, Alzelir Maria70 SILVA, Lidiane Josefa da RESUMO Partindo do pressuposto de que as TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação) estão cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas, constituindo assim, uma importante fonte de conhecimento. Entretanto, sua inserção nas instituições de ensino, sobretudo nas de educação infantil, ainda enfrenta desafios que dificultam sua incorporação pedagógica. É nesse enfoque que esse artigo se firma ao discutir o papel do currículo enquanto conjunto determinante para a prática educativa em meio a essas tecnologias. Palavras-chave: Educação Infantil, currículo, TICs, aprendizagem. ABSTRACT Assuming that the ICT (Information and Comunication) are increasingly present in daily life, thus constituting an important source of knowledge. However, their inclusion in educational institutions, especially in early childhood education still faces challenges that hinder their incorporation into teaching. It is this approach that this Article is established to discuss the role of the curriculum together as a determinant of educational practice in the midst of these technologies. Keywords: Early childhood education, curriculum, ICT, learning. INTRODUÇÃO A relação entre adulto e criança traz para a educação um campo amplo de estudo. Nesta relação dentro da instituição educacional existem vários fatores que intervém no cotidiano e na forma como o currículo é abordado. Sendo assim, um dos fenômenos que a cada dia vem ganhando espaço e modificando o ambiente escolar são os aparatos tecnológicos. São instrumentos (computador, celular, TV e DVD, etc.) que ao invadirem o espaço escolar trazem desafios, primeiramente para o currículo e seguido de uma questão: adaptar-se para abordar as novas tecnologias ou ainda tentar fazer com que as tecnologias adaptem-se ao currículo escolar? Além dessa questão ainda existe outra, a qual nem sempre é 69 Trabalho orientado por Patrícia Gomes de Siqueira, professora substituta no curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco – CAA– Núcleo de Formação Docente (UFPE/CAA/NFD). E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 325 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior possível chegar a uma resposta. Afinal, como fica o currículo da EI (Educação Infantil) numa abordagem tecnológica da era da informação? Deve-se negligenciar o fato de que as crianças também têm acesso às tecnologias? Discuti-se o currículo nesta “instância educacional”? Quando se fala em “instância educacional infantil” entende-se que esta não seja uma categoria estática, mas, que de maneira particular a concepção de infância vem mudando historicamente e este é mais um momento decisivo para tal abordagem. Kenski (2007) chama a atenção quando diz: Desde pequena, a criança é educada em um determinado meio cultural familiar, onde adquire conhecimentos, hábitos, atitudes, habilidades e valores que definem a sua identidade social. A forma como se expressa oralmente, como se alimenta e se veste, como se comporta dentro e fora de casa são resultados do poder educacional da família e do meio em que vive. Da mesma forma, a escola também exerce o seu poder em relação aos conhecimentos e ao uso das tecnologias que farão a mediação entre professores, alunos e os conteúdos a serem aprendidos. (KENSKI, 2007, p. 19) Nessa perspectiva, os estudos sobre crianças em idade escolar apontam que a criança não é um ser isolado, nem independe da cultura para seu crescimento, mas que esses fatores vão nortear seu entendimento de como é constituída a sociedade e isto vai direcionar sua forma de agir nesta. A infância é uma fase de aprendizagens. Antes mesmo de se expressarem pela linguagem verbal, bebês e crianças são capazes de interagir a partir de outras linguagens, desde que acompanhada por parceiros mais experiente. Quando falamos em parceiros mais experientes entra em cena o papel do pedagogo na EI e o funcionamento das creches e pré-escolas como espaços que propiciam essa interação de educando e educador. De acordo com o RCNEI: A instituição deve criar um ambiente de acolhimento que dê segurança e confiança às crianças, garantindo oportunidades para que sejam capazes de (...) relacionar-se progressivamente com mais crianças, com seus professores e com demais profissionais da instituição, demonstrando suas necessidades e interesses. (1998, p.28) Essas crianças ao serem inseridas nas instituições de ensino já trazem aprendizagens diversas. A televisão é uma das mediadoras das informações adquiridas pelas crianças, uma 70 Graduandas em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE/CAA e bolsistas PET/MEC/SESu/DIFES; ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 326 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior vez que estas passam grande parte do seu tempo assistindo a desenhos animados, programas infantis, etc. Com isso, ao entrarem na escola já carregam consigo algumas percepções de mundo. “Independentemente do uso mais ou menos intensivo de equipamentos midiáticos nas salas de aula, professores e alunos têm contato durante todo o dia com as mais diversas mídias.” (KENSKI, 2007, p. 85) A INTERFERÊNCIA DAS TICs NA ORGANIZAÇÃO DO CURRÍCULO ESCOLAR Pensar o currículo na educação infantil é um desafio, pois ele não aborda diretamente conteúdos, mas o que acontece são campos de saberes que são articulados e que trazem para as crianças uma perspectiva de aprendizagens, principalmente quando se fala de novas tecnologias. Os avanços tecnológicos têm invadido nosso cotidiano e se expandido pela sociedade, provocando mudanças significativas, sobretudo no âmbito educacional. As chamadas TICs trazem para a escola e para os sujeitos, envolvidos nela, várias possibilidades e também um dilema: o de aderirem aos seus instrumentos ou de manter-se fora dessa nova era da informação. Constituindo assim, uma nova margem de excluídos, os marginalizados da sociedade da informação. Nesse sentido, as instituições de Educação Infantil, sejam elas, creches ou préescolas, tem se deparado com um desafio pela frente, o de fazer com que o currículo da EI traga para seu contexto essas novas descobertas do mundo globalizado. Além de permitir que esses recursos tecnológicos sejam inseridos no cotidiano escolar de forma abrangente e facilitador das informações e das aprendizagens sem trazer mais exclusão. Este é um desafio que o currículo como instrumento organizado, o qual visa a socialização de saberes adquiridos historicamente e transformador da realidade traz. Nas palavras de Matos Vilar, currículo é: “uma construção histórica e socialmente determinada; e se refere sempre a uma prática condicionadora do mesmo e da sua teorização. (VILAR apud KRAMER 1997, p. 12) A proposta do RCNEI e das DCNEI De acordo com o RCNEI – Referencial Curricular para Educação Infantil – elaborado pelo Ministério da Educação e do Desporto em 1996. Um dos objetivos pautados nesse documento no que diz respeito à influência das tecnologias, está o seguinte: orientar o trabalho do profissional de EI em seu fazer docente e só aborda as questões tecnológicas como ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 327 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior um meio de interação apenas fora do âmbito escolar, colocando seus instrumentos como interventores na construção da personalidade e identidade. Além do modelo familiar, as crianças podem constatar, por exemplo, que nas novelas ou desenhos veiculados pela televisão, homem e mulher são representados conforme visões presentes na sociedade. Essas visões podem influenciar a sua percepção quanto aos papéis desempenhados pelos sujeitos dos diferentes gêneros. (RCNEI, 1998, P.20) É observado que este é o único momento que as tecnologias são citadas, apesar de considerar importante na formação da personalidade das crianças. Este tema é negligenciado considerando que o único instrumento tecnológico que as crianças possam ter acesso é a televisão. E sua influência se daria apenas na questão da vivência com a sexualidade e sua compreensão sobre gênero. Já nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) a tecnologia é abordada nos aspectos relacionados ao conceito de currículo. Porém é preciso propor políticas que evidencie de forma significativa este tema. Quando pegamos, por exemplo, a brincadeira do faz de conta, é notável a presença de algum elemento tecnológico. Em geral, as crianças imitam os adultos no seu cotidiano; a conversa no celular, sendo esta a principal fonte de inspiração para essa brincadeira; fazer de qualquer caixa um computador e começar a escrever, fechar as mãos para fingir que é um microfone. São elementos presentes no cotidiano das crianças de idade pré-escolar ou nas creches sendo que as primeiras ainda são bem habilitadas para os jogos de computadores. Portanto, é fato que os instrumentos tecnológicos são atraentes para essa faixa etária em especial. Assim, falar de currículo de EI sem aborda este tema como mecanismo ativo na construção da identidade desses sujeitos, deixa claro a falta de atenção com essa área de relevante contribuição para uma educação de qualidade. Dentro dessa perspectiva, uma nova preocupação surge com a interferência dos meios de comunicação digital. As unidades de educação infantil dividem a atenção dos alunos com esses recursos tecnológicos. Cabe, então, ao professor converter essa invasão tecnológica a favor da educação. Nesse sentido, Almeida (2005) sinaliza que: O professor que associa a TIC aos métodos ativos de aprendizagem desenvolve a habilidade técnica relacionada ao domínio da tecnologia e, sobretudo, articula esse domínio com a prática pedagógica e com as teorias educacionais que auxiliem a refletir sobre a própria prática e a transformála, visando explorar as potencialidades pedagógicas da TIC em relação à ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 328 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aprendizagem e à consequente constituição de redes de conhecimentos. (ALMEIDA, 2005 p.72) É preciso, portanto, haver uma mediação entre o professor, o aluno e as tecnologias nesse processo interativo de aprendizagem que venha promover uma educação de qualidade. De acordo com a revista Educação e Sociedade (1997) “Um novo currículo é um convite, um desafio, uma aposta. Uma aposta porque, sendo parte de uma dada política pública, contém um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e de cultura.” A partir deste olhar é notável o quanto a criança tem um papel atuante quando se pensa num projeto educacional com elas e eles como sujeitos criadores de culturas e transformadores de mudanças na vida dos adultos que os rodeiam e observam. CONSIDERAÇÕES De fato não é novidade a invasão das tecnologias no contexto social. Elas estão aí ocupando espaços antes inimagináveis. Agora somos nós que temos que nos adequar as suas inovações. Por esse motivo as instituições de ensino, sobretudo, as infantis possuem o desafio de incorporá-las ao seu currículo desde já, uma vez que as crianças estão cada vez mais em contato com tais recursos. Para tanto, o uso das tecnologias na sala de aula deve ser muito bem programado pelo professor para que essa troca de informações entre objeto tecnológico e aprendiz se dê de forma a transformar informação em conhecimento. REFERÊNCIAS: ALMEIDA, Maria Elizabeth Bianconcini de. Tecnologias na escola In: Integração das Tecnologias na Educação. Secretaria de Educação à Distância. Brasília: Ministério da Educação, Seed, 2005. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil /Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. — Brasília: MEC/SEF, 1998. KENSKI, Vani Moreira. Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação. Campinas, SP: Papirus, 3 ed. 2007. KRAMER, Sonia; Educação e sociedade, ano XVIII, nº 60 dezembro / 97 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 329 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior PACHECO, José Augusto e PEREIRA, Nancy. Globalização e identidade no contexto da escola e do currículo. Cad. Pesqui. [online]. 2007, vol.37, n.131, pp. 371-398. ISSN 0100-1574. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 330 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ESTÁGIO EM EDUCAÇÃO INFANTIL E FORMAÇÃO DOCENTE: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Luciana Bento da Silva Graduanda do Curso e Pedagogia da UFCG/CFP [email protected] Resumo O presente trabalho apresenta análises das atividades desenvolvidas na disciplina Estágio em Educação Infantil do curso de Licenciatura Plena em Pedagogia da UFCG/CFP, o estágio em educação infantil é de suma importância para o desenvolvimento contínuo de formação docente. Consiste em um momento de articulação de todos os conhecimentos construídos no decorrer do curso com a realidade da sala de aula. Inicialmente foi observados aspectos da sala de aula de onde iria se realizar o estágio, dentre os quais a relação professor-aluno, a metodologia utilizada pela professora e o comportamento das crianças em sala de aula, bem como o espaço físico da instituição, os recursos didático-pedagógicos e humanos. Após as observações foi realizada a intervenção, num período de quinze dias, com o objetivo de concretizar os conhecimentos adquiridos como discente do curso de Pedagogia. Para o cumprimento do mesmo foram elaborados planos de aulas, os quais continham atividades lúdicas e interdisciplinares e música, pois a partir do diagnóstico da escola foi possível perceber que algumas crianças necessitavam que sua participação nas atividades fosse mais estimulada e que a música era o que mais as chamavam atenção. Esta experiência me promoveu várias reflexões e aprendizagens, dentre elas a confirmação de que não é possível uma prática docente competente e sólida se não houver conhecimentos teóricos consistentes. Palavras-chave: educação infantil, relação professor/aluno, música, e estágio. Neste texto encontram-se informações referentes ao diagnóstico que foi realizado no período de vinte e um a vinte e quatro do mês de março do ano de dois mil e onze, como também, as intervenções realizadas durante o período de vinte e cinco do mês de abril a treze de maio do ano de dois mil e onze. Enfatizando que, tanto o diagnóstico como a intervenção se deu no período da tarde. O estágio de observação e intervenção se realizou na Creche Municipal São José, localizada na Avenida Joca Claudino, nº 403, bairro Belo Vista, na cidade de Cajazeiras - PB. A mesma está situada dentro do Centro de Atenção Integral a Criança e ao Adolescente-CAIC. Nesses dias foram observados aspectos como a relação entre professor e aluno, a metodologia utilizada pela professora e o comportamento das crianças em sala de aula; bem ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 331 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior como o espaço físico da instituição, os recursos didático-pedagógicos e humanos, o planejamento e a avaliação educacional e o Projeto Político Pedagógico. Após as observações sucedeu-se a intervenção. Esta experiência oportunizou vivenciar que não é possível uma prática docente competente e sólida se não houver um bom conhecimento teórico, como afirma Pimenta: [...] o estágio, ao contrário do que se propugnava, não é atividade prática, mas teórica, instrumentalizada da práxis docente, entendida esta como atividade de transformação da realidade. Nesse sentido, o estágio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis [...]. (2004, p. 45). Nessa perspectiva, nota-se que a relação entre teoria e prática é indissociável, pois uma não existe uma sem a outra, para tanto se faz necessário que ambas se concretizem simultaneamente. Foi possível esta compreensão no momento em que sempre recorria às leituras obtendo embasamento teórico para validar a prática. A primeira semana de intervenção se deu de vinte e cinco a vinte e nove do mês de abril do ano de dois mil e onze, e na qual a turma estava recebendo a nova professora que foi observada durante toda a intervenção. Foi na verdade um período de adaptação entre os alunos à nova professora, o que possibilitou perceber a carência afetiva por parte da maioria dos alunos. Quanto à socialização se deu através de música, pois era o que as crianças mais gostavam de fazer. Entretanto, para que houvesse a participação dos alunos na realização das atividades escritas foi preciso mais acompanhamento e insistência para que os alunos pudessem realizá-la. A partir daí foi possível atingir o objetivo previsto com a maior parte da turma. No decorrer da semana dois alunos não quiseram participar das atividades. Possivelmente uma das causas se dava pelo fato de estarem acostumados a ficar apenas brincando no horário da tarde, por causa da frequente ausência da professora. Foi trabalhada a história de “João e Maria” durante a semana toda, sendo que a cada dia mudava-se a metodologia, o que atraia mais ainda a atenção da turma e, ao mesmo tempo, despertava-se o interesse das crianças em fazer parte das constantes rodas de conversas, bem como da contação de história e cantiga de roda. No final das aulas indagava-se junto aos alunos: ”O que vocês aprenderam hoje na aula?” Os mesmos respondiam que tinham aprendido sobre as respectivas letras, músicas, parte do corpo e outros. Isso demonstrava que a intervenção estava paulatinamente se ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 332 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior realizando de forma exitosa. Com relação aos conteúdos explorados em sala de aula foram enumerados os seguintes: nome próprio, conto, reconhecimento das letras do nome no conto, alfabeto maiúsculo e minúsculo, identificação de início e final nas palavras, sendo que os mesmos estavam relacionados à área de conhecimento da Linguagem Oral e Escrita; Cores primárias desenho e pintura referente à área de Artes Visuais; mapa do corpo humano, hábitos de higiene e noções de alto e baixo, sendo relacionado à Natureza e Sociedade. Numerais de zero a cinco e formas geométrica referente à área de conhecimento da Matemática, como também atividades recreativas relacionadas aos movimentos, tais como: pular com um pé só, saltar pequenos obstáculos, brincar de amarelinha e brincar de passar bola por baixo das pernas etc. No decorrer das aulas, percebeu-se que alguns alunos apresentaram dificuldades em determinados conteúdos, como identificar os conceitos de “início”, “meio” e “fim”. A partir daí foi-se trabalhando nessa perspectiva de modo interdisciplinar, que com bastante insistência começou-se a ver os primeiros resultados. Quanto ao aprendizado, cada aluno era acompanhado detalhadamente, observandoos. Foi a partir daí que eles iam se desenvolvendo mais nas habilidades orais e nas atividades que envolviam desenho e pintura do que na escrita. As crianças, a princípio, confundiam as letras com o símbolo, e os representavam por meio de desenhos, rabiscos e garatujas. Como explicam Victor Lowenfeld, Herbert Read e Rhoda Kelleg (Apud Ferraz, 2009, p. 100-101), em seus estudos na Teoria da Autoexpressividade a atividade gráfica torna-se um modo privilegiado de investigação, pois se trata de construção de linguagem expressiva e simbólica o qual é reforçado por Zagonel (2008, p. 18): [...] os alunos podem ter estimuladas todas as suas capacidades inteligentes, abrangendo uma ampla variedade de domínios, o que nos leva a pensar em uma educação que não privilegiem apenas o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático, mas o indivíduo no seu todo. Na segunda semana, que se deu de dois a seis de maio do corrente ano, ouve um maior progresso junto às crianças com relação ao processo de ensino e aprendizagem, visto que tendo a música como estratégia introdutória dos conteúdos, foi possível manter mais a atenção dos alunos e o interesse deles em participar nas aulas tanto teóricas quanto práticas. Ainda nesta mesma semana dei ênfase à expressão oral das crianças partindo de sondagem sobre o assunto da aula anterior, o reconhecimento da letra inicial do nome de cada um, bem como sobre o cotidiano deles. Foi possível observar que cada aluno tem um ritmo ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 333 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior diferente de aprender, sendo que uns tinham mais facilidade na realização das atividades escritas e orais, enquanto outros tinham dificuldades, até mesmo em manusear o lápis. Por isso foi necessário trabalhar tais dificuldades de forma individualizada, de acordo com a necessidade de cada aluno. Percebe-se que a cognição da criança é mais desenvolvida a partir do momento em que se exploram suas particularidades. Isto se concretiza proporcionando-se atividades que estejam relacionadas à sua realidade, de modo que cada aluno seja capaz de manifestar sua imaginação e expressividade através de atividades lúdicas. Nesta perspectiva, Vygotsky afirma que: “o bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento, ou seja, que se dirige às funções psicológicas que estão em vias de se completarem”. (Apud REGO, 1995, p. 107). A última semana se deu do dia nove a treze de maio do ano em curso. Durante esta semana foi possível verificar o progresso das crianças no tocante a interação, aprendizagem e socialização das mesmas com relação à realização das atividades que foram desenvolvidas no decorrer da intervenção. No que se refere à prática docente foram priorizadas atividades que desenvolvessem mais habilidades tanto individuais como coletiva, que envolvessem a leitura de texto, noções de boas maneiras, tais como: ouvir o outro, respeitar o espaço do outro, etc. Percebeu-se, a partir daí o quanto a turma se envolvia cada vez mais, sendo assim, é possível afirmar que aprender brincando, também é um significativo instrumento de aprendizagem, e os alunos demonstraram bem isso, no desenrolar da atividade. Nesta ótica A discussão de Vygotsky sobre o papel da imitação nos remete à questão da brincadeira e de sua importância no contexto escolar. [...], a brincadeira tem uma função significativa no processo de desenvolvimento infantil. Ela também é responsável por criar “uma zona de desenvolvimento proximal”, justamente porque, através da imitação realizada na brincadeira, a criança internaliza regras de conduta, valores, modos de agir e pensar em seu grupo social, que passam a orientar o seu próprio comportamento e desenvolvimento cognitivo. (Idem, p. 113). Nota-se que quando incluía atividades lúdicas para introduzir um determinado conteúdo, o mesmo tornava-se mais atrativo e prazeroso para os alunos. Considerações Finais Ao concluir a intervenção, percebi uma grande mudança nos alunos e em mim. Compreendi no exercício do estágio o que significava articular a prática tudo àquilo que se ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 334 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior aprende na teoria. Neste processo senti algumas dificuldades tais como: ansiedade em virtude do desejo de que todas as crianças se envolvessem da mesma forma nas atividades, de respeitar o tempo das crianças, de mediar o diálogo entre elas, de encaminhar a proposta considerando a dinâmica instituída também pelo grupo e não apenas a partir do que eu tinha planejado. A experiência me fez perceber também a importância do domínio dos conteúdos, pois por diversas vezes tive que retomar aos referenciais teóricos para compreender o que as crianças produziam e como deveríamos continuar o encaminhamento das atividades. Mas, apesar das dificuldades encontradas, fiquei muito satisfeita com o envolvimento e a produção das crianças no desenvolvimento da proposta. Constatei a importância da interação das crianças entre si e delas comigo na resolução coletiva das situações problemas. A partir das falas, ações e produções escritas das crianças pude perceber o desenvolvimento e o conhecimento da aprendizagem significativa. A experiência me revelou também a necessidade de continuar aprendendo e de refletir sobre o que fazer para aprender e ensinar na Educação Infantil. Neste período de intervenção tive a oportunidade de aprender para ensinar, aprender a conviver, bem como sobre a importância da reflexão para saber fazer, pois cada criança apresentava sempre uma nova descoberta a todo instante, que me levava a refletir no desenrolar das aulas. Com relação às atividades realizadas durante o estágio tais como: os encontros de orientações às tardes, as leituras, as orientações dadas pelas professoras, e o planejamento, penso que as aulas foram proveitosas, mas que devem ter início logo no começo do período para que a turma possa aproveitá-las mais. Quanto às leituras devem ter mais referências e discussão sobre as mesmas, bem como práticas interdisciplinares, com textos trabalhados em outras disciplinas para que haja mais interação. Já as orientações oferecidas pela professora todas foram de muito proveito, pois me propiciou uma aprendizagem significativa em todos os aspectos no decorrer do estágio. REFERÊNCIAS PIMENTA, Selma Garrido. Estágio: diferentes concepções. In: PIMENTA, Selma Garrido. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. (Coleção Docência e Formação. Série Saberes Pedagógicos). P. 33- 57. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 335 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior REGO, Teresa Cristina. Pressupostos filosóficos e implicações educacionais do pensamento Vygotskiano. In: REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 14. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. 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A Educação Popular, com seu caráter transformador do pensamento ingênuo em pensamento crítico e a Educação Infantil com sua característica formadora de novos cidadãos identificam-se como práticas educativas urgentes para a sociedade contemporânea que se encontra cada vez mais competitiva e individualista. Este artigo aponta para a necessidade urgente de acrescentar ao currículo da Educação Infantil, o desenvolvimento da inteligência afetiva apresentando a Educação Biocêntrica como um paradigma das ciências humanas, cujo enfoque teórico é o desenvolvimento da afetividade para a superação de toda forma de discriminação. Palavras-chave: educação - formação – transformação – alteridade – afetividade ABSTRACT This article presents partial results of an ongoing research in master's degree in education and aims to highlight the constituents of Popular Education in the practice of an education for the training of children, training of critical subjects and self-employed. Seeking to realize the importance of education to otherness to develop the sense of equality, justice, cooperation, compassion, respect and affection in the relationship established with the other. The Popular Education, with the advantage of transforming the naive thinking on critical thinking and Early Childhood Education with its characteristic forming new citizens identify themselves as urgent educational practices in today's society that is increasingly competitive and individualistic. This article points to the urgent need to add to the curriculum of early childhood education, the development of affective intelligence by presenting the Biocentric Education as a paradigm of the human sciences, whose theoretical approach is the development of affectivity to overcome all forms of discrimination. Keywords: education - training - processing - otherness - affectivity 71 Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Educação Biocêntrica; mestranda em educação – PPGE/UFPB. E-mail: [email protected] ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 337 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Este artigo busca mostrar as possibilidades concretas de construção de um currículo para a Educação Infantil a partir dos elementos constitutivos da Educação Popular, ampliando a discussão para apresentar o campo teórico da Educação Biocêntrica que encontra-se em pleno desenvolvimento e traz como princípio a afetividade, para ser vista como uma necessidade imprescindível. Sendo assim, este artigo apresenta a Educação Popular, a Educação Infantil e a Educação Biocêntrica como um triângulo equilátero que se completa com os três lados iguais e significativamente equilibrados. Educação Popular: educação transformadora A Educação Popular é entendida, como uma educação libertadora, por sua característica de revelar a realidade, possibilitando ao sujeito ampliar seu entendimento das coisas, sentindo-se capaz de questionar os acontecimentos. Nesse sentido, a Educação Popular é uma prática educativa direcionada à construção do sujeito consciente, crítico e autônomo. É uma pedagogia pautada no compromisso político popular e na ética do diálogo, cujos valores para emancipação humana são a igualdade, a justiça e a felicidade. A Educação Popular configura uma educação para a vida, preocupada com a formação humana. Segundo Paulo Freire, o papel da educação é levar o educando a refletir sobre seu papel na sociedade, repensar sua história e aprender a transformá-la agindo ativa, consciente e criticamente ao mesmo tempo em que aprende a ler e escrever. Assim, busca-se construir critérios para uma prática educativa voltada para o desenvolvimento infantil, proporcionando às crianças uma educação preocupada com a construção do conhecimento ao mesmo tempo em que desenvolvem a autonomia e sentimentos de alteridade, desenvolvendo a consciência ética e a afetividade. É um processo no qual a revelação da realidade parte do entendimento ingênuo, segundo Paulo Freire. Entendimento este, que é evoluído, portanto, não pode ser desprezado; é através da prática educativa que dele brota a criticidade. Esse é um dos princípios da educação popular: [...] criar uma nova epistemologia baseada no profundo respeito ao senso comum que trazem os setores populares em sua prática cotidiana, problematizando-o, tratando de descobrir a teoria presente na prática popular, teoria ainda não conhecida pelo povo, problematizando-a, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 338 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior incorporando-lhe um raciocínio mais rigoroso, científico e unitário. (GADOTTI, 2001, p.112) É através da prática educativa que essa proposta se concretiza, a educação promove a transformação da consciência ingênua em consciência crítica. Através da análise do próprio cotidiano, os sujeitos modificam sua maneira de pensar e tornam-se sujeitos autônomos e conscientes, participantes ativos e cidadãos críticos e construtores da sua própria história ao mesmo tempo em que aprendem a ler e escrever. Portanto, essa concepção de Educação Popular, segundo Gadotti: [...] evidencia o papel da educação na construção de um novo projeto histórico, fundamenta-se numa teoria do conhecimento que parte da prática concreta na construção do saber e o educando como sujeito do conhecimento e compreende a alfabetização não apenas como um processo lógico, intelectual, mas também como um processo profundamente afetivo e social. (2001, p.111) Sendo assim, a Educação Popular ultrapassa os limites de uma educação formal, possui uma dimensão abrangedora. Não se pode pensá-la apenas para a educação de adultos, uma vez que seus elementos constitutivos: ação transformadora, aprendizagem, compromisso político, construção do sujeito, crítica, cultura, democracia, diálogo, emancipação, liberdade, práxis, produção e apropriação do conhecimento, realidade, saberes (MELO NETO, 2008), podem, seguramente, ser aplicados na educação de crianças. A Educação Infantil de hoje tem um papel fundamental na formação das crianças no que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia, da afetividade, do respeito nas relações. As prioridades atuais da educação se referem à alfabetização dos sentimentos, ao desenvolvimento da consciência ética. Portanto, o papel da educação já não é mais o mesmo de anos atrás, é preciso trabalhar as emoções dos educandos, ensinar a viver a se relacionar com o outro, o outro diferente, o outro que incomoda, todos os outros que surgem em nossas vidas. O caráter formador da prática educativa considera o desenvolvimento ético do ser como fator imprescindível para que o caos não se expanda e que homens e mulheres se tornem cada dia mais humanos e mudem a história da existência no planeta Terra. Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 339 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética quanto mais fora dela. (FREIRE, 2004, p.33) E, considerando que a Educação Infantil tem um compromisso com o desenvolvimento humano e um dos elementos fundamentais da Educação Popular é a construção do sujeito, encontra-se nesse aspecto um ponto de interseção entre essas duas áreas da educação. Nesses processos educativos encontram-se outros pontos de cruzamento como: produção e apropriação do conhecimento através da valorização da vivência do educando e, principalmente, pelo estabelecimento de uma relação dialógica, uma vez que o diálogo é critério imprescindível na prática educativa; o desenvolvimento da autonomia e da criticidade através de uma prática questionadora e, primordialmente, a construção da aprendizagem como um processo que se preocupa com o pensar, o sentir e o agir com consciência. Uma educação que prioriza a construção do sujeito capaz do olhar para o outro e desenvolver um sentimento de compromisso, de justiça, de igualdade, de afeto, de respeito. É essa educação que a sociedade contemporânea necessita. Educação Infantil Popular O papel da educação básica é fundamentalmente educar pessoas com consciência ética. Formar cidadãos politizados, preparados para reivindicar por seus direitos sem desrespeitar os direitos do outro. Sujeitos críticos e autônomos, conscientes de seus papéis na sociedade e autores das suas próprias histórias de vida. Questionadores, pesquisadores da verdade encoberta, o que corresponde ao processo de conscientização. “Ser conscientizado tornou-se, para muitos, ter um esclarecimento científico da realidade. A noção de conscientização estaria atrelada a um ato de conhecimento, a uma aproximação crítica da realidade.” (GONSALVES, 2002, p.66). Formar pessoas inteligentes e felizes, capazes de estabelecer relações saudáveis, imbuídas de respeito e afeto pela vida do outro. Todas essas características compõem o currículo da Educação Básica, no entanto, não basta tomar conhecimento da realidade e buscar seus direitos, tornando-se sujeitos conscientes é preciso ir além dos aspectos cognitivos. Nessa perspectiva, o desenvolvimento da afetividade é um componente imprescindível para a formação de cidadãos conscientes. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 340 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Ninguém pode negar a importância da Educação Básica para a formação da cidadania e como forma de se preparar para o trabalho. Entretanto, muitos se perguntam para que servem esses anos de estudo. Por isso, saber distinguir o essencial do secundário é muito importante; saber distinguir o estrutural do conjuntural é decisivo. E saber aonde queremos chegar é crucial. Educar para quê? Com que mundo sonhamos? Como educar para um mundo possível? A Educação Básica é conseqüência de um longo processo de compreensão/realização do que é essencial, do que é permanente, e do que é transitório para que um cidadão exerça criticamente a sua cidadania e construa um projeto de vida, considerando as dimensões individual e coletiva, para viver em sociedade. (GADOTTI, 2007, p. 14). Sendo assim, a Educação Infantil é a base dessa proposta e precisa ser entendida como uma prioridade imprescindível. Uma educação libertadora na Educação Infantil só será possível se houver a conscientização das: [...] dimensões fundamentais do ser humano: a criatividade, a solidariedade, a imaginação, a própria liberdade! [...] A formação para a liberdade exige dedicação e método. Mas, ao mesmo tempo, flexibilidade e abertura para interagir construtiva e criticamente com o ambiente social.” (FLEURI, 2002, p. 25). Outro aspecto importante a ser considerado nesse processo, é o desenvolvimento da autonomia do indivíduo, o que caracteriza, fortemente, uma Educação Popular. “Ser autônomo é poder elaborar suas próprias leis, compreender as conexões que se realizam no interior do seu próprio pensamento.” (GONSALVES, 2002, p. 73). Nesse ponto, é preciso um alerta, ensinar para a autonomia sem uma orientação para alteridade pode formar crianças individualistas a partir do momento que aprendem a fazer sozinhas, rejeitam a cooperação, se negando a ajudar o outro; ou competitivas buscando fazer primeiro ou melhor que as outras; podendo ainda tomar decisões de não ajudar os colegas porque eles precisam aprender a fazer sozinhos. Enfim, será necessário direcionar um olhar criterioso para a formação dos conceitos, caso contrário não haverá uma educação para a vida. Esse cuidado com o bem coletivo deve se tornar matéria escolar, uma vez que o desenvolvimento da autonomia tem o sentido de cooperação e não o contrário. O objetivo principal é educar para autonomia e para alteridade e assim, construir aprendizagens para a vida. Aprendizagens que, de fato, preparam para a vida, são as que ultrapassam os conhecimentos conteudistas, desenvolvendo inteligências afetivas em que crianças aprendem a ser companheiras e altruístas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 341 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A ciência do respeito Promover a aquisição ou produção do conhecimento científico, buscando explicar uma realidade, significa antes de tudo, respeitar a vida. Tudo o que existe tem uma razão de ser e encontrar essas razões exige uma ação de respeito e cuidados para não destruir o equilíbrio da vida. Produzir conhecimento científico na escola, formando crianças, jovens ou adultos conscientes de sua participação na conservação do meio ambiente é uma necessidade urgente e compreende a construção do sujeito. A formação de sujeitos autônomos e críticos deve partir da consciência da totalidade, caso contrário estaremos formando pessoas individualistas, preocupadas apenas com o seu bem-estar e capazes de cometer atos de desrespeito com o outro a favor de si mesmos. “A responsabilidade maior que temos, acadêmicos e cientistas, é a de educar. Para entender e transformar o mundo. Para torná-lo mais justo e igualitário.” (CANDOTTI, 1999, p. 21-22). O papel da educação é o de ensinar como descobrir a verdade das coisas a partir da curiosidade e mudar a realidade buscando melhorar o mundo, ensinar que a transformação dessa realidade deve se dá em conjunto “envolvendo conhecimento (científico), inteligência, afetividade, subjetividade, desejo numa palavra: saber/sabor/sabedoria” (CALADO, 1998, p. 128). Essa construção ou transformação de mentalidade em relação ao conhecimento científico considera evidentemente, o respeito como componente fundamental. Respeitar a vida é uma questão cientifica e ética; a razão e a emoção são aspectos interdependentes e compõem a consciência da totalidade. O conhecimento da totalidade significa compreendermos que somos apenas uma parte que compõem o universo; o reconhecimento da responsabilidade pelo outro, por compreender que o todo é composto pelas interrelações entre todos os seres, e jamais será considerado todo se o olhar for direcionado às partes. Isto sabemos. todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família... Tudo o que acontece com a Terra, acontece com os filhos e filhas da Terra. O homem não tece a teia da vida; ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 342 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ele é apenas um fio. Tudo o que faz à teia, ele faz a si mesmo. (TED PERRY apud CAPRA, 2006, p. 9) Educação Biocêntrica e a prática educativa A Educação Biocêntrica é um novo paradigma das ciências humanas, é uma concepção educacional que privilegia “cultivar a afetividade para superar toda discriminação social, racial ou religiosa” (GONSALVES, 2009, p.75). Para Rolando Toro, criador desta teoria, é imprescindível resgatar o gosto de viver e o respeito à vida, assim como o desenvolvimento da afetividade e da consciência ética. A afetividade é uma afinidade que nos move em relação ao outro, é por meio dela que as relações tornam-se melhores. Para Toro (2008), a afetividade é a expressão da nossa identidade, a qual se define nas relações. Na escola, muito se vê e se ouve falar em violência entre os alunos, agressões físicas e morais, entre outras atitudes que já estamos nos acostumando a conviver; fora da escola a violência está sendo banalizada. É gritante a falta de cuidados entre si, crianças que estão construindo conceitos destrutivos a respeito da vida; adultos que não sabem amar. A educação tem o papel fundamental de preparar para a vida e não é apenas uma questão cognitiva, trata-se do desenvolvimento da afetividade e a escola é o espaço de unir a cognição com a afetividade para construir conhecimentos e valores, construir “a aproximação delicada à realidade do outro” (RESTREPO, 2001, p. 36). Dissociar a afetividade do cotidiano escolar é negar as relações de amizade e companheirismo; de conflitos e desavenças que acontecem na rotina da convivência. Ambientes dissociados da emoção afetiva gera competitividade e agressividade, o que dificulta, inclusive, a aprendizagem dos tão exigidos conteúdos escolares. A afetividade está profundamente enraizada na identidade de cada indivíduo. Os transtornos da auto-estima (sentimentos de inferioridade ou superioridade) impedem as expressões naturais da afetividade como o amor, o altruísmo, a amizade ou a maternidade. Os indivíduos cuja identidade está alterada não conseguem “identificar-se” com outro, e seu comportamento é defensivo, intolerante ou destrutivo (TORO, 2008, p.72). É partindo desse ponto de vista que a Educação Biocêntrica enfatiza a importância do desenvolvimento da inteligência afetiva que é a integração entre consciência e afetividade. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 343 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Não se despreza o desenvolvimento cognitivo, sugere-se a articulação deste com a consciência ética. Rolando Toro diz que a dissociação da inteligência e da afetividade prepara pessoas inteligentes capazes de articular ideias de destruição e espalhar o sofrimento sem nenhum pudor (TORO, 2008). Essa articulação entre inteligência e afetividade, descrita acima, compõe a consciência ética, associada à ternura, à empatia e ao sentido de justiça. A ética é uma atitude relacional que deve ser desenvolvida na infância através de uma educação que prioriza a valorização dos sentimentos e o estabelecimento do vínculo afetivo. A consciência ética, segundo Rolando Toro, se gera na infância e desaparece nas atitudes durante o processo de desenvolvimento humano: O organismo humano possui condições inatas para a expressão da consciência ética, mas durante seu desenvolvimento tende a desaparecer, devido à cultura egoísta. O individualismo anglo-saxão e a ansiedade do poder anulam totalmente a consciência ética. (TORO, 2008, p. 57). A ética é o que se pretende desenvolver nos estudantes de hoje, para que sejam pessoas felizes e preocupadas com o bem estar coletivo, pessoas capazes de articular ideias em prol da humanidade, capazes de realizar atos de respeito à natureza, de estabelecer laços duradouros de amizades e vincular-se de forma saudável com o outro. Aprendizagem e Educação Biocêntrica Quanto a aprendizagem, a Educação Biocêntrica considera que aprender é um exercício “da inteligência humana que se opera no campo da afetividade” (TORO apud GONSALVES; LIMA, 2006, p.19), portanto, a escola não pode separar as crianças de suas vivências e emoções, aprendizagem se dá quando nos envolvemos afetivamente com aquilo que queremos conhecer. Para Paulo Freire, ensinar e aprender se dá com alegria. Sendo assim, a Educação Biocêntrica aponta três níveis de aprendizagem: vivencial, visceral e cognitivo. Para Rolando Toro, esses níveis estão relacionados e podem influenciar-se entre si (TORO apud GONSALVES, 2009, p. 46). O nível cognitivo está relacionado às habilidades mentais que os seres humanos possuem para aprender. Está relacionado ao que Piaget descreveu em sua teoria do desenvolvimento cognitivo, em que apresentou suas ideias sobre o processo pelo qual os indivíduos constroem os conhecimentos, o processo de equilibração das estruturas cognitivas. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 344 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Nessa ideia, Piaget demonstra a importância da interação com o meio para a aquisição de aprendizagens, é um processo contínuo de adaptação: assimilação e acomodação, equilíbrio – desequilíbrio – reequilíbrio das estruturas cognitivas que se modificam a cada nova aprendizagem adquirida e dependem do desenvolvimento biológico do indivíduo. O nível vivencial está relacionado à necessidade do organismo de participar intensa e significativamente da construção do seu próprio conhecimento. O aluno não é espectador passivo, é construtor ativo. Para Toro, “é na vivência que se grava a experiência. Não é apenas a memória nem só a cognição” (apud GONSALVES, 2009, p. 47). O papel da escola é fazer vivenciar as matérias ao invés de apenas informar. Essa vivência, apontada também por outros autores, teóricos, estudiosos da educação, está relacionada com a importância da interação dos indivíduos diretamente com o objeto de estudo, com colegas mais experientes, com os professores. Desde que essa interação provoque novas aprendizagens. Vygostky, descreveu em sua teoria sociointeracionista a zona de desenvolvimento proximal, que consiste na distância entre o que a criança não é capaz de fazer sozinha e o que já consegue fazer com independência. Relatou que a interação de uma pessoa mais experiente com a criança em desenvolvimento é fundamental para a construção de novos conhecimentos. Essa pessoa mais experiente, atua como mediadora entre o sujeito que aprende e a nova aprendizagem. Já o nível visceral está relacionado à internalização da aprendizagem, a aprender com todos os sentidos, o corpo reage aos estímulos da aprendizagem, “facilitando as adaptações” (TORO in: FLORES, 2006, p. 180). A aprendizagem, nesse sentido, é um processo auto-organizativo em que “o indivíduo, frente aos estímulos, transforma-os ativamente, segundo as suas próprias exigências [...] o conhecimento não se organiza em função das exigências externas, e sim, de exigências internas, do próprio indivíduo.” (GONSALVES; LIMA, 2006, p.81). Educação Infantil e Currículo: uma proposta biocêntrica A educação vem sofrendo modificações ao longo da história, as propostas pedagógicas são criadas e recriadas à luz de diversas teorias educacionais, todas preocupadas ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 345 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior em como fazer a criança aprender mais e melhor, em como tornar o processo de ensino mais eficaz. Preocupações voltadas para o desenvolvimento cognitivo. Henri Wallon, foi um dos primeiros teóricos a pensar na pessoa completa (cognição e emoção) dentro desse processo. Assim, o valor da afetividade vem tomando espaço nas discussões sobre o ensino e a aprendizagem, no entanto, ainda apresenta-se muitas vezes no plano teórico. Portanto, Rolando Toro faz uma crítica à educação atual que se preocupa apenas com o cognitivo esquecendo-se da afetividade como prioridade, esquecendo de aprender a estar com o outro e respeitá-lo pela beleza de sua existência. Sendo assim, a prioridade atual é o desenvolvimento da inteligência afetiva e educar para alteridade, tanto para a educação de crianças como para a educação de adultos. Todos nós precisamos compreender o outro como participante da construção de nossa identidade e manter uma relação de igualdade, de compaixão, de afeto e respeito às diferenças. Para Lévinas (2010), isso significa um verdadeiro encontro com o outro, é preciso ir ao encontro daquele ou daquela que é e sempre será diferente. Nesse sentido, o outro é o próximo “O encontro com o Outrem é imediatamente minha responsabilidade por ele. A responsabilidade pelo próximo é, sem dúvida, o nome grave do que se chama amor do próximo” (LÉVINAS, 2010, p. 130). Essa relação de responsabilidade não é um peso, uma obrigação arbitrária, é uma atitude de afeto, de cuidado, de respeito pela vida do outro que me faz ser quem sou. Uma educação que prioriza estes aspectos da relação atinge as novas exigências da sociedade. Abre-se uma janela e a Pedagogia pode acenar a novas direções, afirmando a solidariedade, o afeto e a emoção como aspectos essenciais, ao lado da razão, para que se possa compreender e desenvolver as capacidades pelas quais homens e mulheres conhecem o mundo de forma mais significativa, descobrindo a si mesmos e aos outros. (GONSALVES, 1998, p. 225). Educar para alteridade é desenvolver a consciência ética, é uma construção ou mudança de valores direcionados à compreensão da totalidade. É urgente instalar no nosso meio a ideia integrativa, segundo Fritjof Capra (2006), que faz uma comparação da mudança de valores auto-afirmativos “expansão, competição, quantidade, dominação” para os valores integrativos “conservação, cooperação, qualidade, parceria” (p. 27). Os valores de auto-afirmação acarretam na dominação de uns sobre os outros, por isso a mudança dos mesmos encontra barreiras de resistência, esse tipo de relação constrói as hierarquias e as pessoas que vivem sob esse paradigma consideram “sua posição de hierarquia ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 346 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior como parte de sua identidade, e, desse modo, a mudança para um diferente sistema de valores gera neles medo existencial.” (CAPRA, 2006, p. 28). A mudança proposta é que crianças cresçam construindo outro pensamento, outros valores, assim, a hierarquia perde forças e o poder de um não será sobre os outros e sim a favor de todos, construído coletivamente. “A mudança de paradigma inclui, dessa maneira, uma mudança na organização social, uma mudança de hierarquias para redes.” (CAPRA, 2006, p. 28). Ao aprender a relacionar-se melhor com os colegas e professores, a dar melhores resposta a tudo o que acontece a nossa volta, o processo de ensino torna-se significativo para o aluno, ele começa a dar sentido ao ato de aprender. E dar sentido está intimamente relacionado às nossas escolhas, precisamos ensinar nossas crianças a fazerem suas escolherem. A aprendizagem, nesse sentido, é vista como um processo que necessita de uma vivência. Transformar a aula em uma vivência pedagógica significa oferecer ao aluno a possibilidade de aprender na sua corporeidade, mobilizando todos os seus sentidos para acolher, individual e singularmente, o que é proposto. O conhecimento não é matéria principal; o mais importante é a criação de momentos na escola em que o aluno possa aprender vivencialmente, para depois elaborar cognitivamente (GONSALVES, 2009, p. 116). O Paradigma Biocêntrico apresenta a necessidade de construir um currículo reconhecendo que o ambiente educativo é um espaço para ensinar com sentido, é levar as crianças a aprenderem cognitiva, visceral e vivencialmente, dando ênfase às relações interpessoais, para o estabelecimento de vínculos afetivos, respeitando e aceitando a diversidade cultural. Essa proposta é descrita num quadro explicativo abaixo: Aspectos do Ensino Paradigma Biocêntrico Ambiente Diversidade Cultural Espaço Coletivo Contexto Cooperação Práticas Acolhedoras Disposição harmônica dos móveis, cores, cultivo de jardins, etc. Criação de espaços coletivos para professores e alunos para trocas e diálogos Incentivo à diferentes formas de socialização e com-partilhamento de ideias ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 347 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Relações Horizontais, pessoais e afetivas Ênfase No vínculo Tempo Presente Meta Viver bem Epistemologia Biocêntrica Formas de saber Sensível e científica Conhecimento Construção e descoberta Níveis de aprendizagem Tipo de aprendizagem Cognitivo, vivencial e visceral Vital Função docente Criar situações de aprendizagem Alunos Construtores, transformadores Cuidados com as palavras e gestos Valorização das conquistas pessoais, práticas que desenvolvam a autoafirmação Aprender a celebrar as pequenas conquistas cotidianas. Exercitar no cotidiano a gentileza e a solidariedade Valorização de todas as formas de vida Valorização de todas as formas de conhecimento Incentivo à auto-reflexão a partir do conhecimento adquirido Criação de respostas metacognitivas e pro-ativas Criação de possibilidades Elaboração de novas estratégias metodológicas e de formas de acompanhamento da aprendizagem do aluno Afirmação da identidade a partir da alteridade (GONSALVES, 2009, p.82) Considerações Finais O que está proposto é colocar em prática vivências que priorizem a beleza de viver em comunhão com o outro, a urgência da educação é preparar pessoas capazes de amar o outro, e como dizia Paulo Freire, “amar sem medo de ser piegas”. De nada adiantará buscar novas propostas pedagógicas que se preocupam apenas com o cognitivo ou com melhores formas de ensinar se o ambiente não for favorecedor de aprendizagem. Para aprender é preciso estar feliz e para isso, o ambiente precisa ser acolhedor. Para Toro, “não há nenhum valor no ensino que não conecte com a vida” (apud GONSALVES, 2009, p. 45). O sentido de uma prática assim, é levar os educandos a vivenciarem os conteúdos, pensar na matemática e não apenas aprender mecânica e operacionalmente; aprender a poética das palavras e não apenas a gramática, ortografia e etc. As crianças não precisam aprender sobre a natureza antes de compreender que fazem parte dela. (TORO, apud GONSALVES, 2009). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 348 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Desta forma, a Educação Biocêntrica surge com uma prática urgente, ensinar e a aprender com sentido; nossas crianças precisam ser inteligentes e afetivas, autônomas com alteridade; precisam desenvolver a consciência ética e levar essas aprendizagens para além dos muros das escolas. Esse é o fundamento, uma escola que ensine a viver, vivendo, que priorize a afetividade sem desprezar a produção do conhecimento científico. REFERÊNCIAS CALADO, Alder Júlio Ferreira. Reproblematizando o(s) conceito(s) de Educação Popular. In: VORRABER, Marisa Costa (org.). Educação Popular Hoje. São Paulo: Edições Loyola, 1998. CANDOTTI, Ennio. Ciência na Educação Popular. Casa da Ciência. Rio de Janeiro, 1999. Disponível em: http://www.casadaciencia.ufrj.br/publicacoes/terraincagnito/cienciaepublico/artigos/art01_ci encianaeducacao.pdf. Acesso em 28 de março de 2011. CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma concepção científica dos sistemas vivos. Tradudizo por Newton Roberval Eichemberg. São Paulo: Cultrix, 2006. FLEURI, Reinaldo Matias. Sonho que se Sonha Junto É Realidade! Considerações em Torno da Construção da Escola Democrática e Popular. In: GONSALVES, Elisa Pereira (org). Educação e Grupos Populares: temas recorrentes. Campinas/SP: Alínea, 2002. FREIRE, Paulo. 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Tal opção se deu em virtude da importância do desenvolvimento da linguagem oral, tido como um elemento imprescindível na educação infantil, pois, ajuda a desenvolver a imaginação, o repertório vocabular, a criatividade, alarga também os conhecimentos sobre outros modos de falar de pessoas de outras culturas, o que pode servir também para que o professor estimule nas crianças o respeito à diversidade de falas e opiniões que elas têm dos seus pares e de outros indivíduos adultos de suas relações. Entretanto, neste nível de ensino, não se tem dado a devida importância a essa atividade didática. Tal fato foi percebido a partir de observações da rotina escolar em salas de aulas da educação infantil no campo de estágio curricular. Nestas observações constatou-se que o professor utiliza a fala dos alunos apenas para obter respostas à atividades pensadas por ele. Assim, concluímos por meio dessa vivência, que a oralidade deve ser instigada com mais empenho na sala de aula, através, por exemplo, da roda de conversa e contação de histórias, buscando sempre a participação e interação constantes das crianças. Para que os professores possam compreender e trabalhar com mais clareza com esses pequeninos atores, percebendo como eles vêm o mundo e as coisas que nele existe, a promoção de vivências de atividades que estimulem a oralidade infantil é indispensável. Portanto, o objetivo desse estudo foi o de Analisar as vivências de duas turmas de Educação Infantil, no sentido de verificar possíveis atividades que favoreçam o desenvolvimento da oralidade da criança. Palavras-Chave: Oralidade. Linguagem. Educação Infantil. 1 INTRODUÇÃO Esse estudo trata da oralidade dentro da sala de aula da educação infantil. O interesse por empreender tal temática surge a partir de observações feitas a uma escola de Educação Infantil. Nessa vivência pudemos perceber o descaso quase total dado a espaços e atividades onde se possa dar vez à expressividade da criança, instigando nela o 72 Graduanda de Pedagogia da UFPB, e-mail: [email protected] Graduanda de Pedagogia da UFPB/CE, e-mail: [email protected] 74 Profª. Ms. Márcia Paiva de Oliveira. Professora do Curso de Graduação em Pedagogia e Graduação em Psicopedagogia da UFPB/CE. [email protected] 73 ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 351 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior desenvolvimento de sua criatividade, da desenvoltura em falar em público e da educação do ouvir o outro. Portanto, esse artigo propõe discutir a importância de atividades como as rodas de conversa e a contação de historias para a promoção da oralidade das crianças que frequentam as creches e escolas de Educação Infantil. Inicialmente apresentaremos uma breve discussão acerca dos conceitos sobre linguagem, linguagem oral e educação infantil. Em seguida mostraremos algumas situações observadas na rotina da sala de aula. Apesar de ser senso comum nas escolas de EI e creches, bem como, na própria visão dos pais, que a criança só está lá para brincar, os documentos de orientações curriculares como os Referencias Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCNEI) enfatizam a importância do lúdico em todas as atividades realizadas, bem como a indissociabilidade do cuidar e do educar. Será que essa concepção é uma verdade no cotidiano da Educação Infantil? Ou acontece o contrário? Refletiremos parcialmente sobre esse assunto, baseados em vivência do estágio curricular. Sabemos que na educação infantil as brincadeiras, teoricamente, são de extrema importância. Porém, no contexto observado as mesmas não são mediadas pelo professor. Ele deixa acontecer o brincar pelo brincar, sem mediação e/ou intervenção. Outro fator observado no contexto da escola infantil campo de estágio/pesquisa, foi a forma como a criança é percebida, ou seja, como uma pessoa que não tem idéias, vontades e escolhas, contrariando, atualmente, todo a acervo existente sobre infância e documentos emitidos pelo MEC, como os RCNEIs. Participaram da pesquisa duas escolas, uma da rede pública municipal que chamamos de Y, e a outra da rede pública estadual a qual chamamos de X. A escola X fica num bairro de periferia e a escola Y num bairro considerado de classe média, ambas na cidade de João Pessoa. Optamos por investigar se a atividade da oralidade em sala de aula é oportunizada nos dois âmbitos ou se é uma questão de escolha pessoal do docente em trabalhar com esse instrumento didático riquíssimo em informação. Nas duas salas a turma é composta por 15 alunos, de idade entre 03 e 04 anos. As docentes não tinham formação superior, somente o curso pedagógico em nível médio. O tempo que tivemos para esse levantamento de dados foi de quatro semanas. Utilizamos no título do artigo a palavra LACUNAS, porque em contato com a vivência docente através do estágio curricular supervisionado, que esse tipo de atividade raramente acontece em sala de aula. Já o termo POSSIBILIDADES, o usamos devido as possibilidades de se ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 352 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior trabalhar a linguagem oral com as crianças, utilizando as rodas de conversa e a contação de historias. Constatamos no campo de estágio o poder fascinante da oralidade nas crianças, percebendo como esses pequenos veem o mundo ao seu redor, quando lhes é dada essa oportunidade, como fizemos ao realizarmos um momento de contação de historias e outro de roda de conversa. 2 LINGUAGEM O conceito de linguagem, segundo Marcushi (2006), é uma expressão que designa uma faculdade humana. Outro conceito de linguagem pensado por Jonh Dewey (apud Marcushi, 2006) diz que linguagem é, em primeiro lugar, comunicação com sentido entre Homem e Homem. Portanto, um instrumento específico, de que os homens se valem para se comunicar uns com os outros, trocando experiências, ou seja, transmitindo reciprocamente os seus pensamentos, idéias, desejos, conhecimentos, repulsas, etc. A fala é um ato tão corriqueiro da nossa rotina que acabamos não dando tanta importância a ela. Consideram-na uma função biológica inerente ao homem, assim como o caminhar. Porém, o desenvolvimento da linguagem não é um processo tão natural como o caminhar. Para a criança ter a sua linguagem desenvolvida necessita da mediação do adulto. Sabemos que em certo sentido todo individuo está predestinado a falar, porém isso se deve à circunstância de que ele nasceu no seio de uma sociedade que está disposta a fazê-lo adotar suas tradições. No entanto, se eliminarmos a Sociedade haverá razões para crermos que o individuo aprenderá a caminhar, desde que sobreviva. Entretanto, é igualmente certo que nunca aprenderá a falar, isto é, a comunicar idéias segundo o sistema tradicional de determinada Sociedade com sua língua. Para refletirmos o conceito de linguagem apontamos algumas indagações que nos inquietam no contexto da academia. Que tipo de linguagem está se desenvolvendo na sala de aula? Só o professor fala? Temos profissionais preparados para o ato de ouvir? Atualmente, no mundo em que vivemos, estamos muito apressados para fazer, para trabalhar, para ganhar dinheiro e assim, deixamos ações pequenas, porém decisiva à nossa vida, seja ela pessoal ou profissional, passar despercebido. Não ouvimos o outro e parece que estamos a economizar até as palavras. Mas, na lida com as crianças pequenas, oportunizar o desenvolvimento da linguagem é primordial, não só para o indivíduo em formação, mas também por trazer benefícios bastante satisfatórios para a sociedade em que vivem. Um desses acréscimos é devolver a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 353 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sociedade um indivíduo maduro e com habilidades sociais para comunicar-se com competência. 2.1 LINGUAGEM ORAL A linguagem oral mais que a escrita, tem o poder de fascinar. Quando a criança fala, expressa sentimentos, emoções, aquilo que acredita e o que já sabe, oferecendo um material precioso para o docente trabalhar o potencial do ser humano na perspectiva da totalidade. Henri Wallon (apud CARRARA, 2004), chamado de o Educador Integral, trata do intelectual de uma forma mais humanizada, propondo sempre considerar a pessoa no seu conjunto, a construção do eu dependente do outro. Na oralidade trabalham-se os preconceitos na sua diversidade, pode-se também trabalhar o respeito ao pensar diferente do colega, e ainda explorar temas como: A família e o meio ambiente. Então, como posso pensar que as atividades de oralidade devam ser excluídas do cotidiano escolar? Questionamento assim nos leva a refletir também as posturas pedagógicas que não dá o direito de fala ao aluno na sala de aula. Atividade do tipo roda de conversa, raramente encontra-se na proposta da educação infantil. Pais, professores, coordenadores e diretores estão cada vez mais empenhados em ensinar ao aluno da fase da Educação Infantil a reconhecer, por exemplo, as vogais, em detrimento do ensinar a usar a imaginação, recontando uma história. Tais posturas tendem a atrofiar desenvolvimento da oralidade. Bem como, torna a rotina escolar muito cansativa, tanto para o professor, devido a essa obrigação desordenada de ter que passar conteúdo o mais rápido possível, quanto para o aluno, que se encontra dentro de um contexto desfavorável ao desenvolvimento do seu potencial na perspectiva da oralidade, como também de outros segmentos importantes para a formação da socialização. Marcuschi (2004) afirma que ¨[...] a fala é uma atividade muito mais central do que a escrita no dia-a-dia da maioria das pessoas¨. Por isso, não se entende a impressionante ausência de abordagens do aspecto oral da língua em aulas na educação infantil, limitando a aprendizagem das crianças a meros conteúdos soltos, que pra os alunos não tem muito significado. Um estudo feito pela mestranda Dania Monteiro Vieira Costa - UFES (2006) mostra que o trabalho com a linguagem oral na educação infantil revela, dentre outros pontos, que a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 354 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior criança constrói o mundo através da interação com o outro por meio da linguagem. O que confirma a concepção teórica de Bakhtin (apud COSTA, 2005) quando diz que, ¨[...] a linguagem é construída nas relações sociais¨. Nesse sentido, esse contexto de troca propicia o trabalho com a linguagem oral que é bem mais produtivo, em contrapartida a mera reprodução de enunciados, como é muito comum na Educação Infantil. Um dos discursos feito pela educadora analisada na pesquisa é de: “Como isso pode ser desenvolvido se o professor, devido aos baixos salários, tem que trabalhar por vezes três expedientes?” “Não se tem tempo para debruçar-se no mundo da criança sobre esse ou aquele tema”. Outro dado considerável é que os profissionais da área não sabem como lidar com esse tipo de atividade, por que em sua maioria não são leitores. Como diz Dewey, a linguagem oral é, em primeiro lugar, comunicação com sentido entre homem e homem. Nessa perspectiva, os professores precisam compreender que quando se faz algo com significado, algo que faz parte do indivíduo, essa tarefa cria possibilidades. Portanto, não há desculpas para que as rodas de conversa e contação de histórias, por exemplo, não aconteçam no contexto da educação infantil. 3 EDUCAÇÃO INFANTIL A proposta para educação infantil, desde 1996 com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, no seu art. 29 diz: A educação infantil, primeira etapa da educação básica tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade. Posteriormente, essa faixa etária foi reduzida para até cinco anos, com a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos. De acordo com a referida Lei, a educação infantil deve ser oferecida em creches para as crianças de 0 a 3 anos, e em pré-escolas para as crianças de 04 e 05 anos. Porém ela não é obrigatória. Dessa forma, a implantação de Centros de Educação Infantil é facultativa e de responsabilidade dos municípios. A educação infantil não tem currículo formal, diferente dos demais níveis da educação embora nos dias atuais a escola tenha tentado incluir um currículo totalmente desfocado da proposta dos documentos referentes a esse nível de desenvolvimento da criança. Desde 1998 a EI segue o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 355 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior (RCNEI), um documento equivalente aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que embasam os demais segmentos da educação Básica. Segundo o documento dos Referenciais, o papel da educação infantil é o cuidar da criança em espaço formal, contemplando a alimentação, a limpeza e o lazer (brincar). Também é seu papel o educar, sempre respeitando o caráter lúdico das atividades, com ênfase no desenvolvimento integral da criança. Não cabe à educação infantil alfabetizar a criança, pois nessa fase ela não tem maturidade neural para isso, salvo os casos em que a alfabetização é espontânea, partindo da criança no seu processo de interação com o mundo alfabetizador. De acordo com as instruções dos Referenciais, na educação infantil devem ser trabalhados os seguintes eixos com as crianças: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática. Portanto, esse documento oficial enfatiza o desenvolvimento da linguagem oral nessa fase de ensino. A ênfase da educação infantil é estimular as diferentes áreas de desenvolvimento da criança, aguçar sua curiosidade, imaginação e percepção de si mesma e do outro. No entanto, para isso acontecer de fato, é imprescindível que a criança esteja feliz no espaço escolar. Se sinta solta para interagir e externar o seu pensamento através das linguagens. O objetivo da educação infantil é, portanto, o de desenvolver algumas capacidades latentes na criança, como: ampliar relações sociais na interação com outras crianças e adultos; conhecer seu próprio corpo; brincar e se expressar das mais variadas formas, utilizar diferentes linguagens para se comunicar, tais como as linguagens artísticas e principalmente a própria voz. Tudo isso dentro de um contexto lúdico e prazeroso à criança. 4 RODAS DE CONVERSA E CONTAÇÃO DE HISTORIAS A contação de historias e as rodas de conversas são exemplos de possibilidades existentes na educação infantil para estimular e desenvolver a linguagem oral das crianças, entendendo que na oralidade um dos elementos imprescindíveis para que haja comunicação é a linguagem. As rodas de conversa são espaços privilegiados e oportunizados pelo professor para que, a partir de um tema ou história escolhida, a criança diga o que sabe sobre o assunto. Serve como material precioso para descobrir como a criança se sente naquele momento, dentre outras sensações sentidas por elas. Na contação de historias, o aluno acende sua imaginação, criatividade e curiosidade. Por outro lado, o professor entra com sua mediação para ensinar ¨os conteúdos¨ reservados ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 356 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior por ele. Nisso, percebemos certa violência camuflada por parte dos educadores, em achar irrelevante o trabalhar da fala nesse nível do desenvolvimento humano, através dessas atividades (rodas de conversa e contação de histórias). Percebe-se esse fato com a observação da disponibilidade desse profissional em querer se colocar como um facilitador do diálogo, deixando de lado como a criança percebe e entende o mundo a seu redor. Vale salientar que consideramos esse tipo de postura como resultado dos processos formativos, tanto no aspecto institucional (curricular) quanto na pessoa. Nas nossas observações, verificamos como não é levado em conta o acervo de bibliografia acerca do tema oralidade na educação infantil. Será que o professor não sabe ou não quer lidar com essa atividade? Será que o aluno não se interessa por esse tipo de ação? Será que as politicas e projetos públicos apoiam as escolas? Quem será o vilão da história? O professor? O aluno? Ou o sistema? Tentamos averiguar através das falas e ações das docentes investigadas como esse processo de uso da linguagem oral se dá no cotidiano escolar da educação infantil. Veremos no próximo tópico, que vai explicitar algumas das situações observadas dentro da sala de aula, como o professor lida com a oralidade das crianças no contexto das creches e pré-escolas, tendo como exemplo o contexto da pesquisa. 5 ANÁLISE E DISCUSSÃO SOBRE OS ACHADOS DAS OBSERVAÇÕES Analisaremos aqui apenas três observações das muitas realizadas no campo de estágio/pesquisa. Essas nos pareceu adequadas para análise por retratar a realidade observada no cotidiano escolar das escolas que investigamos, especialmente no tocante ao desenvolvimento da linguagem oral das crianças. Na primeira visita a escola X fomos para sala de aula, onde observamos a seguinte situação: Uma criança falava “OH Tiaaaaa! Conta uma historia para nós?” E ela imediatamente retruca: “Vocês já vêm muita história nas suas casas não precisam ouvir mais nada, vamos para o que interessa! Leiam comigo A E I O U”. Como podemos observar, a educadora está mais preocupada em desenvolver o treino da fala, ao invés de buscar desenvolver a oralidade da criança, que nesse caso específico, clamava por esse momento de fantasia que estimula o pensamento e consequentemente a linguagem. Na segunda Observação realizada na escola Y, se deu da seguinte forma: Ao começar a aula a professora diz: “Boa tarde!” Logo em seguida fala: “Olhem para o quadro crianças. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 357 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Agora repitam comigo em voz alta, 1, 2, 3, 4, 5..., novamente! Vamos lá crianças prestem atenção que depois vou fazer uma tarefa sobre o assunto”. Percebemos com o cenário apresentado que essas crianças estão aquém deste processo inclusivo da linguagem oral, atrofiando consequentemente sua criatividade e autonomia. Na terceira Observação, em outra visita a escola Y, observamos o seguinte contexto: Ao chegar à sala de aula vimos que a professora arrumava as cadeiras de forma que os alunos ficavam separados. Isso nos chamou a atenção. Começando a aula de português com a atividade de leitura ela deslocava-se para um grupo e depois para o outro grupo, ficando os alunos totalmente dispersos e agitados. Dessa forma a interação dos alunos não acontecia, contrariando a proposta do Referencial Curricular para Educação Infantil que tem a preocupação em ampliar as relações sociais através da interação com o adulto e os colegas. 6 CONCLUSÃO No decorrer desse trabalho, tentamos enfatizar, mesclando as deficiências (lacunas) com recortes teóricos (possibilidades) a problemática referente à oralidade na sala de aula. Como pôde ser observado nos tópicos apresentados no texto, encontramos contribuições valiosas de teóricos, como Marcuschi (2004/2006), no que diz respeito à construção do ser social. Contudo se faz necessário levar em consideração que o desenvolvimento humano não ocorre por partes, mas em conjunto, concomitantemente através da troca de ideias e experiências, por meio da linguagem que é um dos instrumentos essenciais para que ocorra a comunicação. Outro fator é que o docente também é construído ao longo do tempo, da sociedade e pelas relações por ele estabelecidas. E Quando dizemos isso, é na perspectiva de que o professor deve estar de bem com a sua profissão e consigo mesmo, senão ele corre o risco de não proporcionar nenhum tipo de atividade que irá requerer tempo, atenção e muito trabalho, prejudicando o bom desenvolvimento dos apendentes. Entretanto, quando lançamos um olhar mais aguçado para a prática em sala de aula, a partir de toda essa teoria esplanada, verificamos a relevância do papel do docente como aquele que vai, ou pelo menos deve, propiciar de forma favorável o desenvolvimento de muitas habilidades na criança, entre ela a da oralidade, lançando mão dos instrumentos da comunicação (linguagem, oralidade) para que isso ocorra. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 358 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004. BRASIL. Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil – RCNEI. Brasília: MEC/SEF/ SEESP, 1999. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União de 23 de dezembro de 1996. CARRARA, Kester (organizador). Introdução à Psicologia da Educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004. COSTA, Dania Monteiro Vieira. TEXTO: O trabalho com a linguagem oral na educação infantil. UFES, 2005 MARCUSCHI, Luiz Antônio. Texto: Oralidade e escrita. São Paulo: Ática, 2004. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da conversação. São Paulo: Ática, 2006. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 359 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior LINGUAGEM E CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO INFANTIL Maria Aparecida Valentim Afonso Maria Claurênia Abreu de A. Silveira Resumo Este artigo enfoca o currículo, no que se refere ao desenvolvimento da linguagem oral e escrita, na Educação Infantil. Apresenta princípios curriculares para esse nível de ensino, direcionando a discussão para o desenvolvimento da linguagem no desenvolvimento da pessoa. A discussão está concentrada, especificamente, na interação adulto/criança, através de atividades com gêneros textuais orais, sem deixar de referir-se à leitura de livros de Literatura Infantil e à escrita. Nos acervos de parlendas, cantigas, adivinhas, poemas, histórias de vida, contos, o enfoque recai na ação de dizer/escutar, mais especificamente na contação de histórias. Palavras-chaves: Linguagem, currículo, educação infantil Abstract This study is focused on curriculum, regarding the development of the oral and writing language in Children’s Literature. It shows curriculum principles for this level of teaching, directing the discussion to the development of language during the person’s own development. The discussion is concentrated, specifically, on the adult/child interaction, beyond activities with oral textual genres, while referring to the reading of Children’s Literature and writing. In the collections of rimes, songs, guesses, life stories, tales, the focus is directed to the action of saying/listening, more specifically on the storytelling. Keywords: Language, curriculum, Early Childhood Education Introdução Este artigo enfoca o currículo, no que se refere ao desenvolvimento da linguagem oral e escrita, na Educação Infantil. Apresenta princípios curriculares para esse nível de ensino, direcionando a discussão para o desenvolvimento da linguagem no desenvolvimento da pessoa. A discussão está concentrada, especificamente, na interação adulto/criança, através de atividades com gêneros textuais orais, sem deixar de referir-se leitura de livros de Literatura Infantil e à escrita. Nos acervos de parlendas, cantigas, adivinhas, poemas, histórias de vida, contos, o enfoque recai na ação de dizer/escutar, mais especificamente na contação de histórias. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 360 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para tanto, retrata a história da educação infantil no Brasil e a partir dela os avanços e conquistas desse nível de ensino para as crianças, partindo da compreensão de que nas últimas décadas, a educação infantil, tem sido reconhecida e valorizada pela sociedade como uma etapa de ensino de grande importância para a educação, sendo um direito das crianças menores. A reflexão sobre a história da educação infantil no Brasil ajuda a compreender a evolução do currículo e da importância dada ao desenvolvimento da linguagem por parte das crianças. Nesse estudo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil- DCNEI (2009) e os Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil– RECNEI(1998) constituem documentos importantes para nossa análise, uma vez que suas orientações e regulamentações incidem diretamente sobre a organização do currículo. O texto inicia apresentando um recorte da história da educação infantil no Brasil, e em seguida, traz as leis que regulamentam a educação infantil com ênfase na Constituição (1988), na LDB 9394/96, as DCNEIsl (2009) e o RCNEI (1998), importante documento que organiza o currículo para essa etapa de ensino. Trazemos ainda a discussão sobre a Contação de histórias como uma expressão da linguagem, momento em que destacamos as narrativas de histórias como aspecto importante para a prática educativa dos professores, enfocando o uso de diversos gêneros textuais e da literatura infantil para a mediação da leitura por parte do professor. A educação infantil no Brasil: avanços e conquistas Durante muito tempo a educação infantil no Brasil viveu sob a influência e o comando de programas que tinham um cunho assistencialista e filantrópico cujo objetivo consistia em guardar as crianças e protegê-las, enquanto as mães trabalhavam. O processo de urbanização e industrialização do país, intensificado no início do século XX, desencadeou o acesso das mulheres ao mercado de trabalho demandando a criação de escolas nas quais as crianças pudessem ficar. Nessa época, as instituições infantis preocupavam-se com a alimentação, os cuidados com a higiene e o acesso das crianças as letras e números, fornecendo assim uma proximidade com o mundo letrado. Kramer (2006) destaca o caráter compensatório da educação proposta às crianças nesse momento, visando suprir as deficiências de saúde e nutrição. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 361 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Podemos perceber que a educação infantil passou por mudanças advindas das reivindicações sociais, das transformações econômicas e culturais que influenciaram sobremaneira as práticas desenvolvidas o seu interior. De práticas higienistas, filantrópicas, religiosas e com caráter assistencial e protetor até a valorização do desenvolvimento intelectual e afetivo das crianças. Kramer (2006) chama a atenção para a dicotomia vivida pela educação infantil, nesse processo de afirmação como etapa importante para a educação da criança e destaca que enquanto as instituições que atendiam as crianças das classes populares desenvolviam uma proposta na qual as crianças eram vistas como carentes e deficientes, as crianças das classes sociais mais abastadas recebiam uma educação diferenciada, que privilegiava a criatividade e a sociabilidade. Esse quadro, de exclusão e desrespeito às crianças das classes populares começa a mudar quando os movimentos de trabalhadores reivindicam uma educação infantil para todos e de qualidade. Nesse momento, iniciou-se o processo de regulamentação da educação infantil no país, com a criação de leis, programas e diretrizes que tinham como foco o cuidado e a educação da criança pequena. Educação infantil e linguagem na legislação brasileira A Constituição de 1988, reconhece a educação em creches e pré-escolas como um direito da criança e um dever do Estado, devendo ser oferecido pelos sistemas de ensino. A Constituição abre a discussão, sobre a importância da educação infantil, ao colocar a criança, como sujeito de direitos e centro do processo educativo. Em seu artigo 227 diz que: É dever da família e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência e opressão. Ao garantir à criança o direito à educação, a Constituição explica que o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade (...) (Constituição brasileira, artigo 208, 1988). Nesse artigo podemos verificar a valorização dessa etapa de ensino, que embora, ainda não obrigatória deve ser oferecida às crianças. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 362 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96, estabelece em seu “Artigo 21º. a educação escolar compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio”, essa inserção na educação básica, ajuda a valorizar essa etapa de ensino, colocando-a junto com o ensino fundamental e médio no mesmo patamar de importância. Essa inclusão repercute na gestão financeira, administrativa e pedagógica das instituições que passam a valorizar a educação infantil como etapa privilegiada para a formação da criança. Além disso, em seu artigo 26, garante essa modalidade de ensino ao expor que: “A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.” Em 1998, é publicado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RECNEI que constitui “um conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras” (BRASIL, 1998, p.13). Esse documento tem subsidiado as práticas dos professores na educação infantil, por meio de diretrizes referentes a objetivos, conteúdos, orientações didáticas de aspectos ligados ao currículo para essa etapa, que atendam as necessidades das crianças e a realidade na qual estão inseridas. Suas orientações ajudam a consolidar uma nova concepção de educação infantil e de criança expressas nos objetivos gerais para a educação infantil. Dentre os oito objetivos gerais do documento destacamos um que está diretamente ligado ao desenvolvimento da linguagem: utilizar as diferentes linguagens (corporal, musical, plástica, oral e escrita) ajustadas às diferentes intenções e situações de comunicação, de forma a compreender e ser compreendido, expressar suas idéias, sentimentos, necessidades e desejos e avançar no seu processo de construção de significados, enriquecendo cada vez mais sua capacidade expressiva (BRASIL, 1998, p. 63). Tais regulamentações promoveram mudanças no currículo da educação infantil, uma vez que junto a elas iniciou-se uma discussão sobre as novas concepções teóricas relativas a desenvolvimento, aprendizagem, cognição e linguagem que estavam presentes nos estudos de pesquisadores da área que agora se debruçavam sobre essa etapa de ensino. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 363 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Os avanços dos estudos sobre a linguagem e as novas abordagens sociais e culturais discutidas na contemporaneidade modificaram a maneira como as propostas pedagógicas para a educação infantil fossem pensadas. As novas configurações e arranjos sociais, a necessidade de trabalhar com temáticas mais amplas e inclusivas, a inserção de discussões culturais e de respeito à diversidade influenciaram as novas abordagens curriculares. Diante nesse cenário as DCNEIs (2009) são instituídas e nelas são propostas princípios, fundamentos e procedimentos para orientar as políticas públicas na área de elaboração, planejamento, execução e avaliação de propostas pedagógicas e curriculares. Em seu Art. 4º institui que: As propostas pedagógicas da Educação Infantil deverão considerar que a criança, centro do planejamento curricular, é sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. (BRASIL, 2009) A centralidade da criança como sujeito de direitos, deve ser observada pelos professores e gestores, ao elaborarem o planejamento de ensino e a proposta pedagógica das escolas, considerando as experiências vividas tanto na escola quanto fora dela pelas crianças. As práticas propostas devem dar relevância as atividades que possibilitem à criança desenvolver a linguagem em situações de narrativas de histórias pelos professores e em atividades de reconto pelas crianças, deixando-as criarem espontaneamente as narrativas com apoio em livros e imagens. A ideia que se divulga consiste na valorização da fala e das narrativas das crianças, compreendendo-as como momento de aprendizagem e produção de cultura. Essa ideia coloca no centro da discussão a necessidade de os professores ouvirem as crianças, devendo suas falas serem valorizadas, com previsão de momentos e rodas de conversas onde todos possam falar e ouvir, estabelecendo diálogos e conversas. As DCNEIS (2009) também destacam a relevância da linguagem, em seu “Artigo 8º, II - a indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural da criança”. Assim, a linguagem deve ser trabalhada e valorizada pelo professor considerando a sua contribuição para a formação mais ampla da criança, dando possibilidade de maior interação entre as crianças e os adultos. Devem ser previstas situações em que a linguagem possa ser exercitada e explorada pelas crianças e associadas as demais dimensões que vivenciam. Para tanto, a comunicação constitui um dos principais motivações para as crianças desenvolverem a linguagem e interagirem durante a educação infantil. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 364 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A relevância de atividades com a linguagem é reforçada também no Artigo 9º quando diz que: As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo experiências que: III - possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; As experiências oportunizadas às crianças na educação infantil, principalmente, aquelas que possibilitam a apreciação e interação com a língua oral e escrita, podem ajudar a estimular às crianças a ampliarem a linguagem, mas também descobrirem o prazer da leitura. Ao destacar as experiências de narrativas e o convívio com diversos suportes textuais no âmbito da brincadeira, percebemos a valorização da ludicidade junto as práticas de leitura. A contação de histórias, nessa perspectiva insere-se como atividade que proporciona a comunicação e a interação, entre a criança e o livro, as histórias e as ideias das outras crianças, através das conversas nas rodas de leitura. Além disso, a variedade de gêneros textuais na educação infantil propicia a brincadeira de forma ainda mais ampla ao permitir que as parlendas, adivinhas, trava-línguas, enigmas e histórias populares estejam presentes na sala de aula e motivem as conversas e as descobertas das crianças. A autora Fanny Abramovich (1991, p. 16) reitera essa ideia ao dizer que “é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas histórias. Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um bom leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e compreensão do mundo”. Tal afirmação leva-nos a pensar que a escuta de histórias ajuda a criança a formar um repertório de narrativas e construir referências de leituras e de comportamento de leitor, dando-lhe possibilidade de ler e compreender os textos em diferentes linguagens. Contação de histórias - uma expressão da linguagem O desenvolvimento da linguagem da criança envolve múltiplos fatores que se integram para que se amplie a sua capacidade de interagir, de comunicar-se, de falar e ser ouvida, de ouvir e compreender o que ouve. Nesse conjunto de possibilidades da presença da criança no seu meio e além dele estão, entre outras atividades de incentivo à comunicação, a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 365 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior contação de histórias. Betty Coelho (1990, p.13) concebe “a história como fonte de prazer para a criança, além da contribuição que oferece ao desenvolvimento infantil.” Contar e ouvir histórias constitui-se como uma atividade baseada na interação, qualificada por Paul Zumthor (2000) como performance, que define a troca entre quem fala e quem ouve. Essas trocas que se realizam entre quem fala e quem ouve, proporcionam uma ampliação dos saberes de ambas as partes. Zumthor (p. 37) afirma que a performance e o conhecimento daquilo que se transmite estão ligados, naquilo que a natureza da performance afeta o que é conhecido. A performance, de qualquer jeito, modifica o conhecimento. Ela não é simplesmente um meio de comunicação: comunicando ela o marca. Para a criança, em uma contação de histórias, muitas vezes, interessa tanto a convivência, a troca afetiva com quem conta, a possibilidade de recontar, do seu jeito o que ouviu, a intenção de ouvir de novo quanto o próprio texto que se revela sempre novo na voz do contador. A interação que se estabelece entre quem conta e quem ouve é o que constitui a performance. Em uma contação de histórias, alguns aspectos estão em evidência. No que se refere ao desenvolvimento de capacidades de expressão está a troca afetiva entre as pessoas envolvidas no processo. Contar histórias/ouvir histórias recupera a ideia de interação pois só se realiza quando os dois lados, quem conta e quem ouve a história, se integram na ação de contar. Por essa possibilidade de aproximar afetivamente as pessoas, contar histórias pode ser um caminho eficiente no desenvolvimento afetivo da criança. As formas do contar constituem modos de convivência, desde os primeiros anos da educação infantil. A afetividade marca presença nas trocas pessoais que se estabelecem desde a escolha, pelo contador, da história a ser contada, a preparação da contação, a vivência do contar/ouvir, conversar sobre a história contada/ouvida, perceber que aspectos da história são mencionados pelas crianças durante brincadeiras cotidianas. As personagens das histórias e suas características muitas vezes passam a fazer parte do universo textual das crianças. Quanto mais se envolve as crianças em performances nas quais são apresentadas a novos textos, ouvidos, vistos, revividos, mais oportunidades lhes são oferecidas de desenvolver as suas várias formas expressão, de linguagem. Antes de decodificar palavras, ler e escrever está ouvir, compreender e falar. Ao balbuciar, buscando ouvir a própria voz, repetir sons que ouve, compreender o sentido das palavras e articular sons específicos da língua, a criança interage a partir do que percebe como forma de expressão. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 366 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Desde que a criança nasce, iniciam-se os contatos com a linguagem, através da mãe ou das pessoas que dela cuidam. Do ato de falar com a criança, mesmo antes de nascer, e depois, a partir dos primeiros dias de convivência, tem início o seu processo de ambientação com o universo da linguagem. Quanto mais oportunidades de estar vivenciando coisas novas, mais a criança amplia sua capacidade de leituras do mundo que a cerca. Contar histórias, de formas variadas, enfocando temáticas que interessem a criança coloca-se, de forma privilegiada, entre as formas de mediação entre a criança e as formas do dizer. O currículo adequado à Educação Infantil, no que se refere à Linguagem oral e escrita, direciona as práticas do cotidiano com a criança ao que consta no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RECNEI (1998, p.117): A educação infantil, ao promover experiências significativas de aprendizagem da língua, por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita, se constitui em um dos espaços de ampliação das capacidades de comunicação e expressão e de acesso ao mundo letrado pelas crianças. Essa ampliação está relacionada ao desenvolvimento gradativo das capacidades associadas às quatro competências linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. Esse “trabalho com a linguagem oral”, além de incluir ações que contemplam o ouvir, também investem no falar da criança. Dizer para ela do que ela mesma fez ou fará, quando a mãe ou quem cuida da criança relata para ela: “bebê tomou banho, agora vai mamar...”, ou do que alguém fez para ou com ela: “Marina chegou da escola, já brincou, almoçou, tomou banho e agora vai dormir.” Estes são exemplos de recriação/reafirmação das histórias de vida da criança. Tais pequenos relatos preparam a criança para também contar de si mesma e do que ela vivencia. Desenvolver a linguagem na criança constitui um dos eixos básicos na educação infantil. Interagir com outras pessoas, organizar as informações, construir conhecimentos, desenvolver o pensamento são aspectos que devem ser desenvolvidos desde a infância. Falar com a criança e ouvi-la, criar caminhos de interação com variadas formas de expressividade, “promover experiências significativas de aprendizagem da língua por meio de um trabalho com a linguagem oral e escrita” constituem comportamentos em relação à criança que favorecem a ampliação da sua capacidade comunicativa. Esse posicionamento é reforçado no volume 3 do RECNEI (1998, p. 133), reafirmando que “o domínio da linguagem surge do seu uso em múltiplas circunstâncias, nas quais as crianças podem perceber a função social que ela exerce e assim desenvolver diferentes capacidades. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 367 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Envolver a criança em múltiplos eventos comunicativos favorece o seu desenvolvimento no que se refere à linguagem. Atividades em torno dos textos orais e escritos ampliam essa capacidade. Cantar para e com a criança, contar-lhe histórias, dizer e construir com ela e para ela parlendas, rimas, adivinhas, entre outros textos orais amplia não só o seu repertório de textos orais, mas também as suas formas de dizer e de se comunicar na língua e além dela. Além do reconhecimento desses textos, que fazem parte das manifestações culturais em que a criança está inserida, os gestos que acompanham brincadeiras orais colaboram no processo de desenvolvimento da criança, no que se refere a se perceber também como ser individual, que expressa essas práticas orais e gestuais. Quando se observa crianças brincando pode-se perceber modos diversos de a criança recriar com coerência as brincadeiras e as formas de dizer, de acordo com a sua percepção do que foi ouvido e vivenciado. No que se refere aos contextos que envolvem a contação de histórias, convivem as narrativas do cotidiano, histórias de vida da criança, da família que se constituem como fatos narrados que favorecem o desenvolvimento de uma consciência de pertença ao grupo social. O adulto traduz em palavras, para a criança, aquilo que ela vivenciou ou mesmo que é capaz de imaginar. Criar esses textos, contar para a criança a sua própria história e as da sua família amplia na criança o sentimento de fazer parte daquela família e a faz consciente do tempo histórico em que está inserida, incentivando-a a valorizar o(s) grupo(s) do(s) qual ou dos quais participa. Esse envolvimento com o contar, desde os primeiros dias da infância, começa a constituir-se como um sentimento que não diz respeito somente à infância, mas a todas as faixas etárias, como aponta Celso Sisto (2001, p. 29), quando reflete sobre essa espécie de encantamento que envolve as pessoas quando se envolvem em uma performance com ou como um(a) contador(a) de histórias. Quando abrimos os olhos, a vida se coloca à nossa frente. Inevitavelmente começamos a formar um repertório de histórias: a nossa história. Somos crianças e queremos o brinquedo, os bichos, outras crianças, o doce, a fantasia. Somos jovens e queremos a aventura, a ação, a prova, o desafio, o ato heroico, o primeiro amor, o riso. Somos adultos e queremos tudo. Somos velhos e queremos tudo de novo. A história de vida de cada um se fortalece através da ampliação da presença de eventos narrativos. Quando o adulto conta para uma criança, está aparelhando-a para o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 368 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior enfrentamento da vida, para o desenvolvimento das múltiplas formas de expressão, para a criação de um acervo de narrativas que ajudarão essa criança, no seu desenvolvimento, a entender melhor o mundo e a si mesma. Esse contar inclui o dizer e as suas formas de apresentação. De forma análoga a um contador tradicional, que deixa o conto surgir ao sabor da conversa, a criança percebe os acontecimentos da sua vida e pode recuperá-los através de narrativas. Quando os adultos atentam para a necessidade de ajudar a criança a recompor os fatos, transformá-los em narrativas e trocá-las com as crianças, muitas informações ricas em termos de possibilidades de buscar compreender porquês das relações sociais que as envolvem. Os conteúdos referentes à Linguagem oral e escrita, propostos no RECNEI (1998, p. 133) para a faixa etária de 0 a 3 anos, incluem o “uso da linguagem oral para conversar, comunicar-se, relatar suas vivências e expressar desejos, vontades, necessidades e sentimentos, nas diversas situações de interação presentes no cotidiano.” Criar situações de fala, onde a criança se expresse e possa exercitar o diálogo com o adulto e com outras crianças constituem a primeira instância da expressão verbal, que introduz as possibilidades que avanço nessa área, preparando o desenvolvimento do contar outras histórias. Os contos recriados para a infância quando ouvidos e internalizados pela criança, passam a visitar as ações do cotidiano. As personagens das narrativas são assimiladas à medida que a criança as recria nas brincadeiras, nas histórias que recria a partir da história ouvida com a qual a criança descobriu uma empatia. Os chamados Clássicos da Literatura, os contos de fadas, além desses, os contos populares constituem-se como ricos acervos que se referem a tempos de faz de conta e ao mesmo tempo são verossimilhantes aos fatos que a criança concebe como passíveis de ter ocorrido ou mesmo de ainda acontecer. O conto não só traz o enredo, a narrativa. Nele está inserida, entre outros aspectos, o gesto da personagem, o envolvimento cultural do conto e do próprio contar, que é reconhecida pelo grupo no qual a criança está inserida. Outras narrativas são divulgadas em diferentes suportes, entre eles o livro de literatura infantil. Este se mostra como fonte de leituras variadas, pela diversidade de possibilidades de leitura que um livro pode favorecer e pela multiplicidade de títulos e de tipos de livros que amplia as escolhas do adulto que se empenha em apresentar tantos textos à criança. Essa pesquisa de texto pelo adulto é defendida pelo RECNEI (p.133), quando reforça a obrigatoriedade de se garantir à criança a “participação em situações de leitura de diferentes gêneros feita pelos adultos, como contos, poemas, parlendas, trava-línguas, etc.”. além de ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 369 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior realizar com a criança a “observação e manuseio de materiais impressos, como livros, revistas, histórias em quadrinhos, etc”. Os contadores de histórias tradicionais buscavam a maior parte do seu repertório na escuta dos textos, nas performances de outros contadores. Hoje, a maior parte dos contadores constroem o seu repertório de narrativas a partir da leitura das histórias em material impresso. Na infância, os livros de literatura infantil se oferecem como fonte de textos que se adéquam a propostas de leitura desde a primeira infância. As bebetecas já são uma realidade. Acervos de publicações cujo público-alvo são os bebês já começam a ser organizadas pelos pais do bebê, como também por instituições que se dedicam ao cuidado com bebês. Livros de pano, de banho (alcochoados, com cobertura plástica), com páginas de cartão reforçado, em formato de móbile, além de outros formatos e cores chamativos e de cores vibrantes, utilizando materiais de diferentes texturas, constituem artifício para aproximar o leitor do livro cada vez mais cedo. Observe-se uma iniciativa para aproximar bebês dos livros de literatura, antecipando o tempo do contato da criança com o livro, não só para garantir que desde cedo a criança se envolva com os livros, mas também que, através da mediação realizada pelo adulto na aproximação do bebê com o texto, também aproxime a criança de tantas histórias que se integrarão à sua memória textual. No que concerne à intenção de envolver a criança com o livro, com o intuito de, nesse período considerado importante para iniciar o incentivo a múltiplas aprendizagens, a infância inicial, dar início ao processo de mediação de leitura de bebês de 0 a 3 anos, registra-se a experiência de Tussi e Rösing (2009) de mediação de leitura nessa faixa etária. Apoiando-se em estudos sobre o desenvolvimento neurológico do ser humano, defende-se que desde os primeiros meses de vida faz-se necessário envolver a criança com a leitura e apresentar a ela, também apoiando-se nos livros de literatura infantil, os textos falados, cantados, contados. Para Tussi e Rösing (2009, p. 51), o eixo principal é a mediação de leitura, envolvendo o adulto e o bebê: Usando como instrumento o livro de literatura na narrativa de histórias, pais e cuidadores proporcionam aos bebês uma gama variada de conhecimentos, entre os quais podem ser citados os históricos, geográficos, antropológicos, linguísticos, entre outros, assim como a compreensão de diferentes culturas oriundas de diferentes povos e distintos grupos sociais. As temáticas que movem os livros da chamada literatura infantil expõem possibilidades de recriar o que está retratado nas páginas como narrativas que serão ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 370 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior acompanhadas e complementadas pelas crianças com a sua própria visão do que está sendo mostrado, a partir das suas experiências de vida. Essas ações de ver e opinar sobre o que está sendo visto já se configuram como atos de leitura. Segundo o RECNEI (p. 140), em nota de pé de página, faz-se o seguinte adendo: “entende-se que a criança é capaz de ler na medida em que a leitura é compreendida como um conjunto de ações que transcende a simples decodificação de letras e sílabas. Quando a criança consegue inferir o que está sendo escrito em determinado texto a partir de indícios fornecidos pelo contexto, diz-se que ela está lendo”. O fato de mostrar o livro à criança e incentivá-la periodicamente a ler os livros, mediando o encontro do texto com o seu leitor, aproxima a criança do livro, visto aqui como fonte de narrativas e aspectos a serem ditos, referidos, repetidos, recontados. A leitura das palavras de um livro ilustrado que um adulto faz, para/com a criança incentiva a sua autonomia a partir da leitura das imagens do livro, favorecendo a conquista da leitura competente que se constrói também com o apoio dessas leituras literárias. Referências ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. 2. ed. São Paulo: Scipione, 1991. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. Vol.1,3. BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Dispõe sobre as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF: MEC, 1996. COELHO, Betty. Contar histórias – uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1990. KRAMER, Sonia. A política do pré-escolar no Brasil: a arte do disfarce. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2006. SISTO, Celso. Textos e pretextos sobre a arte de contar histórias. Chapecó: Argos, 2001. TUSSI, Rita de Cássia. RÖSING, Tania M. K. Programa Bebelendo - uma intervenção precoce de leitura. Ilustrações de Claudimir Marques. Sâo Paulo: Global, 2009. ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção, leitura. Tradução de Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: EDUC, 2000. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 371 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior ERA UMA VEZ... REFLEXÕES SOBRE LITERATURA, EDUCAÇÃO INFANTIL E CURRÍCULO Maria Betânia Barbosa da Silva Lima75 Rute Pereira Alves de Araújo76 RESUMO O trabalho que aqui apresentamos discute aspectos estruturais da política educacional infantil disposto na LDB, levando em consideração a criança enquanto cidadã de direitos sociais, atrelados aos direitos da criança somamos às contribuições da literatura infantil ao desenvolvimento infantil, questionando as políticas curriculares de formação do educador de crianças nesse contexto. Palavras-Chave: Educação infantil, literatura infantil, currículo, direito. ONCE UPON A TIME ... REFLECTIONS ON LITERATURE, CHILDREN'S EDUCATION AND CURRICULUM ABSTRACT The work which we are presenting here discusses structural aspects of the educational policy playground provisions in LDB, taking into account the child as a citizen of social rights, added the contributions of children literature to the child's development and reflecting the policies curriculum of training of the educator of children in this context. Key Words: Education of Childrens, Children's literature, curriculum, right. INTRODUÇÃO No mundo da criança a literatura apresenta-se como fundamental, por lhe possibilitar a ampliação do seu universo cultural e ajudá-la a compreender o que acontece ao seu redor. Dessa forma, se constitui elemento indispensável no contexto das instituições de Educação Infantil. Por compreender que a leitura é uma porta aberta para a inserção no mundo e compreensão do mesmo, é importante que a escola organize espaços e propicie à criança o contato com as várias práticas de leitura. 75 76 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação/PPGE, da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 372 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A leitura, através da literatura, deve ser apresentada e trabalhada com a criança de maneira lúdica, permitindo que ela interprete, crie e recrie um mundo de possibilidades que o texto literário oferece. Desse modo, a escola estará contribuindo com a formação de leitores desejosos de adentrarem cada vez mais no fantástico mundo da leitura literária. No entanto, boa parte dos educadores, ainda não encontraram na leitura literária essas possibilidades de usos e por diversos imperativos não a utilizam no contexto de suas salas de aula, como exemplo desses desencontros podemos citar a própria estrutura curricular que valoriza determinados conhecimentos em detrimento dos demais. Por essas razões questionamos e refletimos no presente artigo a literatura na Educação Infantil e as práticas curriculares de formação do educador nesse contexto. 1. LITERATURA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONSIDERAÇÕES INICIAIS Como um dos princípios legais, a Educação Infantil constitui-se nos dias atuais como um direito social da criança. Determinada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei N.º 9.394/96 como primeira etapa de Educação Básica, a Educação Infantil tem por objetivo, possibilitar o seu desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social em seus primeiros anos de vida. Ela tem um papel fundamental na formação do indivíduo, uma vez que pode proporcionar conhecimentos essenciais para o processo de aprendizagem ao longo da sua vida. No entanto, é essencial a organização pedagógica no sentido de possibilitar a criança, vivências significativas através das interações entre crianças/crianças e crianças/adultos, objetivando a ampliação do seu universo cultural. Sobre essa questão Nunes (2009, p.43) ressalta que: O espaço pedagógico é privilegiadamente um local facilitador de interações e de confrontos das crianças entre elas, produzindo a chamada cultura de pares. Também das crianças com adultos, quando junto experimentam a descoberta de ensinar e aprender, e dos adultos entre si, sejam eles, mães, pais, professores etc. que vivem o intenso desafio de perguntar o seu papel, revendo seus conhecimentos e suas experiências. Neste sentido o papel do professor é de extrema importância, uma vez que é por meio das ações sistemáticas e intencionais, que as crianças vão tendo a oportunidade de explorar as várias linguagens. Estas linguagens nas palavras de Nunes (op cit) São espaços de troca, de relações por excelência [...] as múltiplas linguagens são possibilidades de expressão de conhecimentos e pensamentos acerca ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 373 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior do mundo, das culturas; logo constituem processo importante na formação de identidades, sendo, portanto, um eixo privilegiado de trabalho. As instituições de Educação Infantil precisam ser ambientes culturais ricos de possibilidades para que as crianças possam se expressar de diferentes formas seja através do desenho, pintura, modelagem, movimentos corporais, música, literatura, etc. Dentre estas várias possibilidades de expressão, destacamos a Literatura por ela possibilitar a ampliação das condições de acesso as diferentes produções culturais. As crianças desde muito cedo escutam histórias seja em casa com as famílias ou na escola com os professores. É através da prática de ouvir e contar histórias que elas poderão cultivar o interesse e o prazer pelos livros. Para Kaecher (2001, p. 82) [...] quanto mais acentuarmos no dia-a-dia da Escola Infantil estes momentos, mais estaremos contribuindo para formar crianças que gostem de ler e vejam no livro, na leitura e na literatura uma fonte de prazer e divertimento. Corroborando com a autora supracitada, Abramovich (1997) ressalta o quanto é importante para a formação da criança a escuta de muitas histórias, porque esta escuta é o início da aprendizagem para ser leitor; e ser leitor é ter um caminho infinito de descoberta e de compreensão do mundo. Por meio das histórias, as crianças sentem, inventam, reinventam, opinam e criam soluções para os problemas que podem surgir durante as narrativas. Se estiverem vivenciando algum conflito, a literatura pode também auxiliá-las a encontrar formas de lidar com eles, além de permitir o desenvolvimento de habilidades relacionadas à linguagem oral e escrita. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI aponta que: Além da conversa constante, o canto, a música e a escuta de historias também propiciam o desenvolvimento da oralidade. A leitura pelo professor de textos escritos, em voz alta, em situações que permitem a atenção e a escuta das crianças, seja na sala de aula, no parque debaixo de uma árvore, antes de dormir, numa atividade especifica para tal fim etc., fornece as crianças um repertório rico em oralidade e em sua relação com a escrita. (BRASIL, 1998, v 2, p. 135) Através das histórias as crianças identificam objetos e personagens, criam histórias oralmente a partir das ilustrações dos livros, associam as figuras às ações, fazem o reconto, etc. Com essa dinâmica, vão desenvolvendo o interesse e o prazer pela leitura, vão conhecendo outros mundos, outras épocas, ampliando assim, seu universo cultural. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 374 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior É importante ressaltar que para a criança se tornar leitora e poder trilhar por este caminho de descobertas, o educador necessita ter conhecimento sobre a importância da literatura para o desenvolvimento dela, o que não ocorre, pois ainda é lacunar na formação dos Pedagogos conhecimentos referentes a literatura infantil e seu caráter estético. Assim, ao tratar de literatura infantil, se faz necessário observarmos sob que aspectos ela vem sendo considerada nas escolas. Será que a literatura infantil é subutilizada na formação dos alunos como leitores, sendo explorados apenas os conteúdos escolares dela extraídos? Se assim o for, a leitura de literatura infantil é inadequadamente escolarizada, salientando “leitura” como mera decifração de códigos, ou ato necessário à realização de tarefas escolares. Esse modo “mecanicista” de utilização da literatura infantil distancia o indivíduo do sentido de ler, pois como afirma Foucambert (1994, p. 5), “ler não é apenas passar os olhos por algo escrito, não é fazer a versão oral de um escrito”. Para o autor, ler é mobilizar tudo quanto se conhece e todos os recursos do ambiente para, assim, extrair da escrita parte de seus supostos segredos. O modo “mecanicista” de encarar a leitura e, conseqüentemente, a literatura infantil, é reforçado a partir das próprias “políticas públicas de formação em leitura”, que se restringem apenas ao envio de obras literárias às escolas, relegando, desse modo, questões cruciais como o preparo do professor em relação à formação para a leitura como prática social. Por outro lado, o recebimento de acervos literários pelas escolas públicas ocorre esporadicamente e o número de livros, muitas vezes, é restrito, o que não viabiliza a realização de um trabalho de leitura que envolva a escola como um todo. Dessa forma, estes aspectos caracterizariam o que, segundo Soares (2001), pode ser denominado de um “mau” uso da literatura na escola. A respeito desse uso da literatura na instituição escolar, Soares (2001, p. 25) ressalta que a escolarização da literatura ocorre inevitavelmente, pois a escola dela se apropria. Para a autora, é paradoxal a idéia de desescolarização da literatura na escola. Ela, inclusive, questiona: “como tornar não escolar algo que ocorre na escola, que se desenvolve na escola?”. Sob este prisma, a autora faz a distinção entre uma escolarização “adequada” da literatura, que seria aquela que conduz de forma eficaz ao desempenho de práticas de leitura no contexto social, bem como prioriza as atitudes e os valores correspondentes ao leitor que se quer formar, e uma escolarização “inadequada” da literatura, que seria aquela que, no lugar ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 375 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior de desenvolver o gosto e a proximidade com as práticas sociais de leitura, afasta e propaga resistência ou ojeriza à leitura. Sobre essa questão, Cademartori (1986, p. 18) aponta o inegável vínculo da literatura infantil com a educação, todavia ressalta que “sua natureza literária já a coloca além dos objetivos pedagógicos comprometidos com a legitimação das instituições, costumes e crenças que a geração adulta quer legar à infantil.” Conhecendo a ideologia da escola, “lugar de consagração do status quo” e sua tendência conservadora de fazer valer o já estabelecido, encontramos nessa característica pontos de divergência entre a escola e a literatura infantil, já que esta última possibilita à criança a reorganização dos conceitos e percepções do mundo, possibilitando, assim, um novo ordenamento de suas experiências existenciais, bem como melhor desenvolvimento do senso artístico (ibid.). No entanto, é necessário refletirmos que, para formar leitores, não basta oferecer livros. É necessário que se busquem respostas e meios alternativos de se resolver, ou pelo menos compreender questões acerca das concepções de sociedade, educação, linguagem, leitura e literatura que temos (MAGNANI, 2001). A esse respeito, Magnani (2001, p. 42-43) faz a seguinte explanação: Tratar de leitura e literatura é tratar de um fenômeno social que envolve as condições de emergência e utilização de determinados escritos, em determinadas épocas, é pensá-los do ponto de vista de seu funcionamento sócio-histórico, antes e para além de platônicos e redutores juízos de valor. A autora nos remete, a partir do exposto, a pensarmos com maior profundidade acerca da formação de leitores, considerando os fatores sociais e históricos que nela se fazem presentes. Para responder por esse processo de formação, se fazem necessários educadores e cidadãos que, além de mediar esta ação, interfiram quando preciso, não abdicando do papel histórico que, de acordo com Magnani (2001, p. 140), lhes foi conferido: o de primeiro se formarem como leitores para, posteriormente, poderem interferir de maneira crítica na formação qualitativa do gosto estético de outros leitores. Em suma, urge no momento que tenhamos uma política escolar capaz de “deselitizar” a leitura literária, tornando-a mais acessível à população como um todo, especialmente aos que estão à margem da sociedade. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 376 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Sobre a tradição brasileira, Lajolo (2002) nos faz ver que a literatura infantil e a escola mantiveram sempre uma relação de dependência mútua. De um lado está a escola, que se utiliza da literatura infantil para difundir, através de sua “força encantatória”, conceitos, comportamentos e atitudes que são inculcados em sua “clientela”. Do outro lado estão as literaturas infantis que têm na escola um depósito seguro, “quer como material de leitura obrigatória, quer como complemento de outras atividades pedagógicas, quer como prêmio aos melhores alunos.” (LAJOLO, 2002, p. 66). A partir do exposto, vemos que a leitura literária é inevitavelmente escolarizada, todavia, cabe-nos analisar a dinamicidade que envolve esse processo de leitura, tais como as relações extra, inter e intertextuais que, por muitas vezes, acabam ficando fora da escola, onde a leitura assume finalidades imediatistas e utilitaristas, tais como: ler para fazer exercícios de interpretação, responder fichas de leitura etc. (MAGNANI, 2001). Além das cobranças realizadas pela escola após a leitura literária, é válido salientar que estas leituras não ocorrem espontaneamente, uma vez que a escola determina os títulos a serem lidos, o espaço de tempo em que estes serão lidos, e exige trabalhos valendo notas, como prova da leitura realizada. O que faz do ato de ler uma tortura, um tédio, faz com que a leitura literária perca seu encanto, sua magia (PENNAC, 1993). Portanto, é necessário que se repense o trabalho escolar, as práticas avaliativas, as políticas curriculares, bem como o uso da leitura literária na escola, pois só a partir do momento em que se abandonarem os modelos imediatistas e repetitivos que se utilizam nas práticas escolares cotidianas é que será possível a conquista de práticas produtivas de conhecimento estético que se integrem à vida dos leitores/cidadãos que se pretende formar (PAULINO, 1999). Os livros de literatura infantil formam conhecimento a partir do momento em que tentam compreender a vida e o mundo através da arte, vinculando a fantasia, o sublime, o fantástico, o maravilhoso, o hilário, o inacreditável etc. Por não transmitirem informações objetivas como os livros didáticos, os livros de literatura dão margem a inúmeras e diferentes interpretações (AZEVEDO, 1999). Por isso, ela se constitui um mágico veículo de liberdade. Em suma, antes de qualquer coisa é preciso gostar de ler, para depois tentar despertar no outro o prazer e o gosto pela leitura. “Professores sem prazer não podem formar leitores desejantes”. (AMARILHA 2004, p.25) ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 377 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior 2. A FORMAÇÃO PEDAGÓGICA PARA O ENSINO DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL: COMO ENTENDER ESSE PROCESSO As questões ligadas à leitura, especificamente a literária, serviram e servem de palco para inúmeras discussões acadêmicas. Todavia no que tange à formação dos professores, para utilizarem as obras literárias em suas salas de aula, ainda há muito que se refletir; principalmente quando se percebe o uso inadequado dessas obras, sua subutilização e o pragmatismo a elas veiculados em contextos diversos que é constantemente vislumbrada em práticas metodológicas que impedem aos alunos o exercício de uma relação interativa de gosto e fruição com o livro literário, conforme refletimos no início desse trabalho. Regina Zilberman (1999), no texto: Leitura literária e outras leituras77, faz importantes reflexões sobre o modo como o ato de ler foi se configurando no cenário social desde os seus primórdios na Grécia antiga. Essa contextualização histórica nos permite atualizar as reflexões sobre o modo como a leitura literária é tratada nas escolas atualmente. De acordo com Zilberman (1999) Platão via a leitura como ato nocivo, pois poderia tornar os homens esquecidos, já que eles não mais cultivariam a memória, mas ficariam bitolados a leitura do registro escrito, tornando-se assim sábios imaginários ao invés de verdadeiros sábios. Além dessa concepção mais antiga, a autora discorre também, mediante as concepções do século XIX através do pensamento de Shopenhauer que pensa a leitura como ato fechado e passivo que impossibilita a quem lê se posicionar diante do lido. Para Shopenhauer, quando lemos a capacidade de pensar nos é em grande parte negada, pois, outra pessoa é que pensa por nós. Ao observarmos o contexto histórico brasileiro dos séculos XIX e XX, a autora nos remete às distintas concepções de “boa leitura” e “ler bem” que se configuraram no cenário brasileiro, perpassando pelos pensamentos de Abílio César Borges - pedagogo baiano, que atribui o “ler Bem” à leitura oral, bem como, por Maria Amália Vaz de Carvalho, cujo – “O saber ler” – está associado às formas de compreensão, fruto de uma educação aprimorada e cuidadosa. Já para João Kopke – do início do século – o livro de leitura é que se encarrega de ajudar a memorizar a linguagem oral mais elevada, sendo assim, desembocada no conhecimento da literatura, representado pelos modeladores de escritos brasileiros. 77 O texto integra uma coletânea de estudos realizados por pesquisadores brasileiros e estrangeiros que tematizam a leitura sob os pontos de vista histórico, literário e pedagógico. As discussões constituem uma contribuição importante para a compreensão e o aprofundamento do debate teórico sobre a leitura e a escrita. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 378 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para A. Joviano, a leitura de autores consagrados é o que aprimorará o gosto literário e resultará no bom uso da língua. (ZILBERMAN, 1999). Além dos aspectos acima elencados, retratos da situação histórica a que a leitura literária esteve arraigada, Regina Zilberman reflete um pouco sobre a Revolução de 30, pois dela advém a criação do Ministério da Educação, a nova regulamentação do Ensino primário e secundário. É a partir da Revolução de 30 que se fixam os objetivos da matéria que agora se chamaria “Português”, cuja competência principal do professor estaria em: [...] tirar o máximo proveito da leitura, ponto de partida de todo o ensino, não se esquecendo de que além de visar fins educativos, ela oferece um manancial de idéias que fecundam e disciplinam a inteligência, prevenindo maiores dificuldades nas aulas de redação e estilo (ZILBERMAN, 1999, p.77). Vemos que a principal meta do ensino da leitura, nesse período, é disciplinar e modelar, seguindo os vieses de uma educação que se constitui na maioria das vezes de forma autoritária que investe primordialmente na disciplina e talvez por essa razão escolarize inadequadamente o objeto estético já que nesse período a finalidade da leitura é educativa. No período acima abordado, bem como, nos anos 40 e 50, as leituras valorizadas na escola eram aquelas que constituíam o cânone e era utilizada no início da aprendizagem como ponte condutora a outras etapas de conhecimento. Nesse período da história a literatura é vista como pretexto para a realização do que era na época considerado “boa leitura”, ou seja, a realização oral dos textos. Sob esse prisma, o conhecimento literário estava fortemente imbricado a leitura e sua realização oral; sendo a leitura elemento fundamental na estruturação do ensino brasileiro da época. (ZILBERMAN, 1999). Já nas décadas de 60 e 70 a questão do hábito de ler entra em voga permanecendo, contudo, as concepções mais antigas referentes à noção de que a leitura constitui a base do ensino, desde que se concentre nas disciplinas relacionadas à aprendizagem da língua materna, e que os textos lidos são importantes apenas para a aprendizagem. (ZILBERMAN, 1999). Tais colocações nos permitem refletir se atualmente nas escolas a leitura literária vem sendo enfocada em seus aspectos lúdico, prazeroso e gratuito ou como permanece em décadas remotas de nossa história. Nesse sentido, cabe ressaltar que a escola ainda é o espaço por excelência do contato com o material impresso, especialmente com a literatura. Entretanto, muitas vezes, a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 379 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior escola abdica de seu papel na formação de leitores competentes socialmente e não aproveita a vontade de saber, de se informar, de estar por dentro dos acontecimentos, em suma, a curiosidade que faz parte da natureza humana, desde a mais tenra idade. Anne-Marie Chartier78 (1999), ao refletir sobre Os futuros professores e a leitura, nos alerta sobre a necessidade de que esses futuros professores, dentre outras competências e habilidades, incumbidos da responsabilidade de formar leitores, possam orientar seus alunos sobre as leituras que irão realizar, fazendo-os refletir desde a formação inicial sobre as suas maneiras de ler. Este processo, segundo a autora, ajudaria os próprios professores a definir as estratégias e percursos da leitura mais adequados ao processo de formação dos alunos. Delia Lerner (2002, p.28) aponta que o principal desafio a enfrentar no que se refere à formação de leitores, especificamente da leitura literária, seria o de “formar pessoas desejosas de embrenhar-se em outros mundos possíveis que a literatura nos oferece, dispostas a identificar-se com o semelhante ou a solidarizar-se com o diferente e capazes de apreciar a qualidade literária”. Segundo Lerner, o desafio de ordem maior seria o de: [...] formar praticantes da leitura e da escrita e não apenas sujeitos que passam a “decifrar” o sistema da escrita. É [...] formar leitores que saberão escolher o material escrito adequado para buscar a solução dos problemas que devem enfrentar e não alunos capazes apenas de oralizar um texto selecionado por outro. É formar seres humanos críticos capazes de ler entrelinhas e de assumir uma posição própria frente à mantida, explícita ou implicitamente, pelos autores dos textos com os quais interagem, em vez de persistir em formar indivíduos dependentes da letra do texto e da autoridade de outros. (LERNER, 2002, p.27-28, itálico meu). Lerner nos aponta uma questão que deveria servir de palco para reflexões e debates entre professores, referente à oralidade da leitura tão disseminada nas décadas de 40 e 50, (conforme aponta Zilberman - no início do trabalho) e ainda presente nos dias atuais, em contextos em que o desenvolvimento da oralidade e decodificação do texto escrito é recorrente e assume papel relevante em detrimento das inúmeras possibilidades que o texto, especificamente o literário, pode oferecer. Em se tratando da leitura literária, essa, por sua vez, pode favorecer uma relação de interação texto/leitor, além de muitos outros conhecimentos. 78 O texto de Ane-Marie Chartier consta de alguns dados importantes acerca do histórico e ritmo de leitura dos franceses, esse trabalho é fruto de uma pesquisa conduzida por Emanuel Fraisse e realizada por uma equipe do IUFM de Versalhes (Instituto Universitário de Formação de Mestres - órgão criado em 1989 e responsável pela formação de professores de todos os níveis). Os resultados dessa pesquisa se fazem importantes para os futuros e já professores, afim de que esses possam refletir mais estruturadamente acerca de suas próprias práticas de leitura. (CHARTIER, 1999). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 380 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Todavia, não se trata aqui de um conhecimento seco, puramente informativo, como acontece nas informações que obtemos através dos jornais, revistas, televisão, rádio e computador. Estamos falando aqui de uma literatura bem elaborada, que estimula o leitor a realizar mais leituras, que instiga a curiosidade, uma literatura artisticamente produzida, que desperte a imaginação do leitor; que o faz se encontrar socialmente ao conduzí-lo na busca do novo. Magnani (2001, p. 140) afirma ainda, que “a literatura mobiliza a imaginação, estimula a busca de alternativas”. Teremos, assim, uma formação em leitura diferenciada quando os professores descobrirem que, através da leitura literária, os alunos poderão realizar a leitura dos impasses e contradições sociais, partindo para a compreensão de que devemos ser co-autores não apenas dos fracassos, mas da luta constante pela construção e transformação da sociedade. Para Regina Zilberman, a leitura implica mais que mera decodificação – se tratando da leitura literária, mais que atividade de lazer – a leitura, é também atividade onde o senso de alteridade e aprendizagem se configura. Dessa forma: A leitura implica aprendizagem, se o texto foi aceito enquanto alteridade com a qual um sujeito dialoga e perante a qual se posiciona. A leitura implica aprendizagem, quando a subjetividade do leitor é acatada e quando o leitor, ele mesmo, aceita-se como o eu que perde e ganha identidade no confronto com o texto. (ZILBERMAN, 1999, p.85, itálicos meus). Através da leitura, o individuo poderá confrontar a si mesmo, refletindo sobre o seu estar no mundo, podendo mediante essa atitude, se perceber no mundo como sujeito de um processo do qual, em sintonia com o outro, ele tem as ferramentas para exercer seu protagonismo social. Pois, “[...] quanto mais leituras desafiadoras o indivíduo fizer, mais propenso a modificar seus próprios horizontes ele vai estar” (AGUIAR, 2001, p. 151), conseqüentemente, a partir da mudança individual poderá ocorrer a social. Em suma, partindo das colocações acima expostas, uma formação adequada para a leitura literária perpassa uma metodologia de ensino dinâmica e motivadora capaz de conduzir os alunos a compreenderem que, através do mundo imaginário e fantasioso da leitura, é possível se pensar na construção de uma nova sociedade que esteja aberta não apenas para alguns privilegiados, mas de forma primordial aos exilados da palavra (MAGNANI, 2001, p. 140). Mediante as discussões expostas e reconhecendo o papel de extrema relevância do professor no processo de formação de leitores, faz-se necessário que analisemos como se dá o ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 381 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior seu processo de formação. Será que o processo formativo dos professores, restringe-se exclusivamente aos espaços das instituições formadoras? Nóvoa (apud SILVA, 2001, p. 168) aponta que, além destes espaços, é aspecto relevante na formação docente a relação que os professores estabelecem com o saber, relacionamento este que ultrapassa as práticas institucionais, envolvendo as experiências acumuladas, as trocas de conhecimentos e partilhas que, aglutinadas, formam o cerne da identidade pessoal de cada professor. Nóvoa afirma ainda que a troca de experiências e a partilha de saberes consolidam espaços de formação mútua, nos quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente o papel de formador de formadores. A partir das colocações de Nóvoa, somos impelidos a refletir com mais minúcia a respeito de como se dá a formação dos professores de uma forma mais geral, em especial, no que se refere à formação de leitores da leitura literária. De acordo com Foucambert (1994, p.135), toda política de leitura começa com a formação dos próprios “formadores” (professores) para que estes sejam bons praticantes. Todavia, o desafio é a forma como vem sendo processada essa formação dos professores que, ao contrário do que muitos pensam, não se encerra nos espaços e/ou instituições formadoras, uma vez que é na formação permanente que o docente tem a oportunidade de pensar criticamente sobre sua prática, percebendo que a partir da prática de hoje ou de ontem é que se pode melhorar a próxima prática (FREIRE, 1996, p. 43-44). Nessa perspectiva, Freire propõe que o discurso teórico que é parte da reflexão docente, seja de tal modo concreto, que se confunda com a própria prática. A partir da proposição freiriana concebemos a importância de uma teoria que esteja intrinsecamente aliada à prática e que se preste à reflexão continuada do fazer docente, respeitando as suas peculiaridades, pois “ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.69). Embasados nessa reflexão, somos impelidos a pensar os estudos literários sob uma ótica diferenciada, em que a interação do leitor com o texto não se materializa apenas no confronto imaginário do leitor, somado a sua experiência de mundo, mas, também, no diálogo possibilitado entre os indivíduos leitores e suas experiência singulares. É nesse espaço dialógico que a experiência com o texto literário pode se tornar mais dinâmica e democrática. O desafio, suscitado nas colocações acima acerca da formação de leitores seria o “por onde começar? Como hierarquizar as urgências? Quais os textos básicos?”. Dentre os ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 382 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior pilares que fundamentam esse trabalho de pesquisa e os modos como podemos redimensionar os mecanismos de leitura em nosso contexto brasileiro; é oportuno refletir, sobre as leituras que os próprios professores realizam. Pois conforme aponta Burlamaque (2006): A missão do professor constitui-se em iniciar a criança no mundo das letras, incentivando o gosto pelo livro, o desenvolvimento do hábito da leitura. É ele quem vai indicar os livros aos alunos, oferecendo-lhes um repertório de títulos, em que possam movimentar-se segundo suas preferências e interesses, sem barrá-los e sem impor o seu gosto, mas, sobretudo, oferecendo-lhes fruição no ato de ler. (BURLAMAQUE, 2006, p.79-80) Todavia como começar um trabalho em sala de aula com o texto literário se a grande maioria dos formadores não são leitores de obras literárias? Como selecionar títulos e obras a serem lidas por seus alunos, se os próprios professores, responsáveis por essa formação, não são conhecedores dos títulos que poderiam ser trabalhados? Questões como essas devem ser pensadas para que a partir delas se tenha a possibilidade de hierarquizar as urgências e caminhar em busca de novas práticas, que postulem um novo campo na rotina da escola em que o texto literário não seja encarado como alienígena para professores e alunos. Roger Chartier (1999), baseando-se na realidade de leitores franceses, lembra que: [...] o paradoxo fundador de toda história da leitura, que deve postular a liberdade de uma prática da qual só podemos capturar as determinações. Construir comunidades de leitores como sendo interpretive comunites [...], observar como as formas materiais afetam os seus sentidos, localizar a diferença social nas práticas mais do que nas diferenças estatísticas, são muitas das vias possíveis para quem quer entender, como historiador, essa “produção silenciosa”, que é a “atividade leitora”. (CHARTIER, 1999, p. 27). A partir do pensamento de Roger Chartier, temos a possibilidade direcionadora de movimentar a escola, e porque não a sociedade, a partir de mecanismos tão intrínsecos ao ser humano quanto à necessidade de se fazer partícipe de uma comunidade, de inserir-se socialmente mediante atividades que podem se tornar comum entre os seus, como a “leitura”, por exemplo. Através das “comunidades de leitores”, observadas por Roger Chartier, no contexto francês, podemos pensar a leitura em nossa realidade como um ato de engajamento social, através do qual temos a possibilidade de refletir assuntos que constituíram a nossa história e hoje podem estar esquecidos. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 383 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Por intermédio da leitura passamos a estar em cadeia de comunicação com inúmeras outras pessoas que experimentaram do mesmo texto que lemos em contextos, tempo e espaços distintos, sentindo, vivendo, desfrutando e envolvendo-se com o lido de uma maneira que ao mesmo tempo em que é social é sublimemente individual. Sobre esse aspecto Roger Chartier nos lembra que: [...] a leitura não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com os outros. Eis porque deve-se voltar a atenção particularmente para as maneiras de ler que desapareceram em nosso mundo contemporâneo. (CHARTIER, 1999, p. 16). A leitura sugere assim, um espaço onde o indivíduo, num momento seu, num tempo roubado, invade outros mundos, se reveste dos mais diversos papéis descobrindo na leitura um modo novo de encarar a vida. Uma maneira de ser, pois conforme aponta Pennac (1993, p. 119), “a leitura não depende da organização do tempo social, ela é, como o amor uma maneira de ser”. Desse modo, a relação que o indivíduo leitor estabelece com o lido deve ser considerada em sua dupla dimensão: individual e social. É de caráter individual por designar a profundidade de reflexões típicas de cada sujeito, bem como dos modos como ele se relaciona com o objeto cultural que se lhes apresenta. Já numa perspectiva social essa relação se configura através das atitudes práticas assumidas pelo leitor no cotidiano, a leitura pode conduzir o leitor a refletir assuntos de caráter mais abrangentes referentes ao seu “estar no mundo”. Sobre o caráter de cunho mais individual da leitura X o livro, Roger Chartier (1999) nos conclama a refletir que: [...] a relação mística com o livro pode, também ser compreendida como uma trajetória onde se sucedem vários “momentos” da leitura: a instauração de uma alteridade que fundamenta a busca subjetiva, o desdobramento de um prazer, o suplício do corpo reagindo à “manducação” do texto, e, ao fim desse percurso, a interrupção da leitura, o abandono do livro, o absoluto desprendimento. (CHARTIER, 1999, p. 14). Já numa visão mais social Magnani (2001) faz a seguinte reflexão: Tratar de leitura e literatura é tratar de um fenômeno social que envolve as condições de emergência e utilização de determinados escritos, em determinadas épocas, é pensá-los do ponto de vista de seu funcionamento sócio-histórico, antes e para além de platônicos e redutores juízos de valor. (MAGNANI, 2001, p. 42- 43). ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 384 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A autora nos incita, a partir do exposto, a pensarmos com maior profundidade acerca da formação de leitores, considerando os fatores sociais e históricos que nela se fazem presentes. Para responder por esse processo de formação, fazem-se necessários educadores e cidadãos capazes de mediar esta ação, interferindo quando preciso, não abdicando assim, do papel histórico que, de acordo com Magnani (2001, p. 140), lhes foi conferido: o de primeiro se formarem como leitores para, posteriormente, poderem interferir de maneira crítica na formação qualitativa do gosto estético de outros leitores. Em suma, urge no momento que tenhamos uma política escolar capaz de “deselitizar” a leitura literária, tornando-a mais acessível à população como um todo, especialmente aos que estão à margem da sociedade. A leitura não é um ato isolado do indivíduo/leitor diante do escrito de outrem. Ela, a leitura implica não somente na decodificação dos sinais, mas, sobretudo “na compreensão do signo linguístico enquanto fenômeno social” (MAGNANI, 2001, p. 49). Dessa forma, ler não significa passividade diante do que nos é apresentado através de um escrito. Ler significa tomarmos um posicionamento crítico diante do mundo e da história, afinal é esta atitude que conta no jogo das interpretações. Todavia, se faz necessário que o leitor trate o texto, aqui especialmente o literário, como um processo social e, por isso, um lugar de conflitos, pois o texto escrito, como aponta Magnani (2001, p. 132), não é um todo transparente que dê ao leitor a interpretação do pensamento do autor. Tampouco, o autor de um livro, ao escrevê-lo, será em sua totalidade translúcido ao que pensa. Assim, enquanto fato social continuamente em processo, o texto, para existir como tal, precisa, além de ser escrito, editado e policopiado, ser lido, ou seja, utilizado. Dessa forma, o texto não existe a priori, pois está imbuído de um sentido social que o transcende (MAGNANI, op. cit.). CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir das considerações aqui expostas, reforçamos que a leitura literária é inevitavelmente escolarizada, no entanto, é pertinente que analisemos com maior clareza e rigor a dinamicidade, e pluralidade de concepções políticas que envolvem esse processo de leitura, tais como as relações extra, inter e intratextuais que, por muitas vezes acabam ficando fora da escola, onde a leitura assume finalidades imediatistas e utilitaristas, conforme já ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 385 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior refletimos nesse trabalho, bem como as concepções e posturas adotadas pelos próprios educadores, que não são de modo algum despretensiosas e neutras, mas carregam consigo intencionalidades políticas e ideológicas de formação. Pelos motivos acima retratados, percebemos a necessidade de uma nova metodologia e postura curricular no que concerne ao trabalho com o texto literário infantojuvenil na Educação Infantil. Acreditamos que o texto literário pode ser utilizado na sala de aula de forma diferenciada, considerando, portanto, o contexto social do leitor e a gama de experiências que ele é capaz de entrecruzar com o texto lido, alargando assim, o seu próprio horizonte de expectativas. Por esses motivos discutir leitura literária na educação infantil, é refletir o processo histórico e político que constitui a própria Educação Infantil, a leitura, a Literatura Infantil e substancialmente as políticas curriculares que permeiam esses processos. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: gostosuras e bobices. 2ª Ed. São Paulo: Scipione, 1991. AGUIAR, Vera Teixeira de (Coord.). Era uma vez... na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato Editorial, 2001. AMARILHA, Marly. 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ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 387 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior QUEM FORMA OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL? Maria Cristina Leandro de Paiva UFRN/Brasil Resumo O enfoque do trabalho está no formador de professores da educação infantil, enquanto profissional que exerce influência e intervém nos processos formativos dos docentes, além de possuir especificidades próprias ao seu saber-fazer. Constitui-se em um recorte de nossa pesquisa doutoral que teve como objetivo compreender os saberes docentes requeridos na prática das formadoras de professores da educação infantil da Secretaria Municipal de Educação de Natal/RN. Para coleta de dados, utilizamos o questionário e a entrevista coletiva. O Formador de Professores ao mesmo tempo em que pensa o processo de aprendizagem do seu aluno-adulto-professor, não pode perder de vista a aprendizagem do aluno-estudante desse professor adulto, uma vez que o processo de aprendizagem, desencadeado durante a formação, irá refletir na aprendizagem de sala de aula e, consequentemente, na construção e desenvolvimento do currículo escolar. Os achados apontaram que os formadores de professores na educação infantil precisam ter experiência na área, conhecimentos pedagógicos e teóricos que embasem suas atividades de formação. E ainda: A produção teórica sobre o sujeito formador de professores é escassa; Falta clareza quanto às especificidades em formar – professores-alunos-adultos-profissionais –, o que é diferente de alunos estudantes. PALAVRAS-CHAVE: Educação infantil, professores, formador de professores. The focus of the work is IN a teacher trainer in early childhood education, while professional wich influence and intervene in the formation processes of teachers, besides having its own specific know-how. It constitutes a cut of our doctoral research aimed to understand the knowledge required in the practice of teacher trainer of early childhood teachers from the Municipal Education Natal / RN. For data collection, we used questionnaire and news conference. The Teacher Trainer at the same time they think the learning process of their student-adult-teacher, can not lose sight of student learning that teacher-student adults, since the learning process, which occurs during training, will reflect on classroom learning and, consequently, construction and development of school curriculum. The findings indicated that teacher trainers in early childhood education must have experience in the area, pedagogical and theoretical knowledge on which to base their training activities. And again: The theoretical discussion on the subject teacher trainer is scarce; Lack of clarity on the specific form teacher-student-adult-professional - which is different from students students. KEYWORDS: Early childhood education, teacher, teacher trainer. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 388 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior O presente artigo, como um recorte de uma pesquisa mais ampla acerca dos saberes docentes das formadoras de professores da educação infantil, visa discutir a identidade e o perfil das formadoras de professores que atuam na educação infantil, perspectivando identificar as peculiaridades e singularidades dessa profissional no contexto da formação docente. A pesquisa trata das assessoras pedagógicas que compõem a equipe de Educação Infantil da Secretaria de Educação do Município de Natal/RN - SME, além da própria coordenadora do setor, diretoras, vice-diretoras e coordenadoras pedagógicas dos centros de educação infantil da rede municipal de ensino. Esse universo pode ser chamado de equipe pedagógica, e para Kramer (In: MACHADO, M.L. de A., 2002, p.124) “precisam se tornar equipes de formação dos profissionais das escolas”. No sentido de diferenciar o papel atribuído a essas profissionais e aos docentes que atuam diretamente em sala de aula, optamos por denominá-las Formadoras79 de professores, pois concordamos com Kramer sobre o papel atribuído a essas no campo pedagógico. A relevância do referido artigo, entre outros aspectos, estar em possibilitar reflexões sobre a figura do formador de professores que precisa ser visto como mediador na formação de professores, uma vez que ele intervém e é determinante tanto no processo formativo quanto em seus resultados, além de possuírem grande responsabilidade no processo formativo dos professores e nas práticas veiculadas nos cursos que implementam, apesar de se tratar pouco a esse respeito (PAIVA, 2004). Nesse sentido, o formador de professores deve possuir saberes docentes específicos e transversais à prática formativa. Tais saberes, embora incluam os saberes docentes da área de ensino em que atuam os formadores, extrapolam e apresentam algumas especificidades com relação àqueles, haja vista a grande responsabilidade do formador em mediar um trabalho formativo, perspectivando uma posterior transposição didática, visando ao sucesso escolar – dos alunos dos seus alunos. A figura seguinte demonstra o lugar que o formador ocupa na formação e, conseqüentemente, no processo educativo: 79 O uso do termo no feminino dar-se-á pelo fato do grupo ser formado eminentemente por mulheres. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 389 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior FORMADOR PROFESSOR ALUNO FIGURA 1: Função do formador e do professor no ensino e aprendizagem Pela figura acima, podemos perceber que o formador pensa o processo ensino e aprendizagem do professor e do aluno desse professor, enquanto o professor pensa tal processo com referência ao seu aluno. Seria uma dupla consideração: aluno como finalidade do processo educativo e professor como alvo da formação Nessa perspectiva, a formação de professores, precisa pensar, além de para que e como, em quem assumirá a função de formador; de outra feita, como nos alertam Altet, Perrenoud e Paquay (2003, p.09): Os melhores formadores não poderiam compensar a pobreza dos planos e dispositivos de formação, mas, inversamente, os currículos mais bem pensados e as didáticas profissionais mais sedutoras não terão nenhuma virtude se os formadores não estiverem “à altura”. Desvendar o perfil e a identidade das formadoras de professores é fator relevante para a estruturação da formação dos educadores infantis e da constituição de grupos de formadores que conectem o seu fazer e o fazer docente na educação de crianças. Metodologia Para retratar a face do ‘ser formadora’ no nosso campo de investigação, fizemos uso de três instrumentos a)registro individual da percepção da cada uma sobre si mesma – Como eu me vejo enquanto pessoa e profissional; b)questionário para caracterização do grupo e visão sobre a função exercida; c) entrevistas coletivas – falas relativas à função. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 390 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior A escolha pelo uso do questionário para as Formadoras se deu pelo fato de ser ele um instrumento que possibilita expressar-se através da escrita, induzindo a organização das idéias e pensamentos. Esse era nosso interesse: que as Formadoras expressassem, pela escrita, suas idéias, pensamentos, uma vez que escrever pressupõe sistematização, elaboração mental, além de evocar concepções e projeções sobre fatos e situações. Os quesitos do questionário foram inspirados numa pesquisa realizada por Lang (ALTET, M., PAQUAY, L.; PERRENOUD, P., 2003), na Bretanha, com formadores da formação inicial em exercício, sobre o olhar que estes lançam sobre si mesmos, sobre o ofício assumido e suas evoluções. Utilizamos a entrevista coletiva pelo fato desse instrumento possibilitar o diálogo com o grupo de forma que as idéias são expostas com uma maior intensidade, uma vez que uns podem escutar os outros – uma troca, em que o poder e a posição hierárquica do entrevistador parecem diminuir (KRAMER, 2002). Para Kramer (2002), as pessoas se sentem mais à vontade e colocam seus pontos de vista com maior naturalidade, uma vez que se estabelece um diálogo entre participantes, em que o facilitador/mediador se envolve intensamente, colocando-se como mais um no grupo, sem, contudo, sair do seu lugar de observador atento, estimulador, questionador, problematizador. Notas sobre o formador de professores Antes de adentrar no perfil da tripulação, consideramos pertinente registrar algumas notas sobre os formadores de professores, a partir de estudiosos como Marcelo Garcia, Nieto Cano e Hernández. Para Marcelo Garcia (1999), a proposta de desenvolvimento profissional do professor veiculada atualmente não pode acontecer no vazio; requer recursos materiais e humanos, tendo em vista a coordenação dos diferentes momentos formativos. Isso posto, há a necessária existência e utilidade de serviços de apoio externo que coordenem a iniciação, desenvolvimento e avaliação dos projetos de formação docente que possam melhorar qualitativamente o êxito escolar (HERNÁNDEZ, 1992; MARCELO GARCIA, 1999; NIETO CANO, 1992). Em alguns países – França, Irlanda do Norte, Inglaterra e Austrália –, os serviços de assessoria ao desenvolvimento profissional estão a cargo de agências oficiais, enquanto outros funcionam com agências interdependentes – Holanda –, centros de professores – Dinamarca – ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 391 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior e instâncias diversas – Espanha. No caso do Brasil, os assessores advêm de diferentes instâncias e não há, reconhecidamente, uma sistematização que designe a forma, a função e o lugar que eles ocupam no processo formativo. Para Louis (1989, p. 13 apud MARCELO GARCIA, 1999, p.223), o apoio externo pode ser definido como: “1) o processo de ajudar uma escola através de atividades de aperfeiçoamento; 2) a assessoria é feita por indivíduos cujo principal emprego é fora da escola”. Exercem também um perfil multifuncional na informação, disseminação, estabelecimento de redes, análises e investigação, planejamento, elaboração, desenvolvimento, formação e avaliação. Esta complexidade e riqueza de alternativas podem variar, total ou parcialmente, de acordo com a pessoa que assume este papel, com o lugar em que atua – sistema escolar – e as condições contextuais do processo de assessoria. Para Marcelo Garcia (1999), a política educativa, as características do sistema educacional, a autonomia das escolas e o grau de profissionalismo dos professores, exercem influência direta sobre os processos de assessoria. Igualmente, para Hernández (1992), as mudanças no quadro profissional do professor, que não aceita mais ser um executor de tarefas decididas por outros, mas busca quem lhe ajude a analisar e refletir sobre a sua prática, a planejar o currículo e introduzir inovações educacionais, têm gerado novas demandas para os assessores e professores universitários, o que acarreta o estabelecimento de outros modos de relações. Assim, estes podem tornar-se: a) burocráticos – homogeneidade entre as escolas, órgão central responsável pela iniciação e gestão do aperfeiçoamento dos professores, controle do sistema, professor como burocrata e autônomo apenas em relação à sua classe, estabilidade como sintoma, diretores vistos como intérpretes das normas estabelecidas, ou b) autônomos – preferência pela diversidade nas escolas, iniciativa do aperfeiçoamento feita pelos professores da escola, professor como artista que cria e improvisa e membro de uma coletividade, mudança como indício positivo, diretores como líderes instrucionais (LOUIS, 1989 apud MARCELO GARCIA, 1999). Dessa forma, a depender da política de formação implementada, a visão do professor acerca do formador pode se transformar em: 1) ‘cúmplices’ da política administrativa – respondem à implementação das normas e regulamentos administrativos; 2) sujeitos colaboradores – profissionais que podem ajudar os professores; respondem às necessidades das escolas (MARCELO GARCIA, 1999). O apoio do assessor externo deve estar condicionado aos princípios da formação e inovação curricular a partir da escola, em que o professor aprende na reflexão sistemática ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 392 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior sobre a prática, em um contexto cooperativo. Nesse sentido, os formadores não devem ser depositários de conhecimentos e trabalhar sobre a escola, mas com a escola, como subsidiários no que ela necessita. Um aspecto importante tratado por Nieto Cano (1992) e condizente com esse trabalho diz respeito ao assessor externo e interno da organização escolar. Os estudos que esse autor efetuou demonstraram que o assessor externo – formadores da secretaria no caso desse estudo – tem mais possibilidades de ser independente, de manter-se à margem da estrutura de poder e influência da escola, além de poder analisar imparcialmente seu funcionamento. Tal situação o faz um elemento catalizador e negociador de diferentes percepções da realidade, mas também exige a tarefa de estabelecer relações com os membros da escola, podendo ter que se confrontar com a hostilidade derivada de antigos fracassos e erros. Perrenoud (2002) identificou quatro obstáculos que podem ser enfrentados pelos formadores nesse caminho: 1) envolver todos os membros do corpo docente de uma instituição em um projeto de formação comum; 2) confrontar os conflitos, não-ditos, sombras cegas, mau humor que ocultam as reivindicações, geralmente à direção; 3) entrar na intimidade das pessoas que forma para conhecer sua situação e as práticas vigentes; 4) mudar a natureza do procedimento de formação. Por outro lado, o assessor interno – apoio pedagógico das escolas – situa-se numa situação privilegiada por ter maior probabilidade de ser aceito pelos seus membros, já que é uma figura familiar; conhece profundamente seu centro, sua cultura, as normas, toma parte da rede das relações interpessoais, fala a mesma linguagem do grupo, identifica-se normalmente com as aspirações, valores e necessidades dos seus pares. Algumas evidências sugerem que o êxito do assessor externo pode estar relacionado com a colaboração estreita do assessor interno que prolonga e reafirma suas atividades no centro escolar. Essa relação – assessor externo e interno – constitui uma estratégia crucial em projetos de inovação educacional. O grupo que constitui este trabalho, como já mencionado anteriormente, pode ser considerado como: formadoras externas à escola – assessoras da SME – e internas – apoio pedagógico das escolas, e é sobre o perfil desse grupo que iremos tratar agora. Formadoras de professores da educação infantil: quem são, o que fazem? Apresentaremos dados relativos ao eu pessoal e ao eu profissional, como dimensões que não se excluem, mas, ao contrário, articulam-se na constituição da identidade de cada ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 393 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior uma. De antemão, queremos esclarecer que o fato de termos destacado esses dois aspectos não significa que percebemos a pessoa em partes, mas compreendemos assim como pontua Nóvoa (1995a), que uma parte da pessoa é o profissional e uma parte do profissional é a pessoa, sendo impossível separar um do outro. Como pessoas humanas, somos indissociáveis e, ao falarmos de um determinado aspecto de nosso ser, não deixamos de suscitar outros, haja vista nos constituirmos enquanto sujeitos na relação com os outros sociais a partir de nossas idéias prévias, num processo evolutivo, como pontua Wallon (1995). Evidenciamos a força que emana dessas Formadoras, como a responsabilidade, a dedicação e a perseverança expressas nos enunciados. Assim, podemos dizer que se trata de um grupo que busca caminhos e não se acomoda diante das adversidades, unindo o que Oliveira-Formosinho (In: OLIVEIRA-FORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M., 2002) considera fundamental para sustentar a paixão de educar as crianças: saberes e afeto. O perfil do grupo expressa a preponderância dada, pelas Formadoras, a coletividade, na importância dada às trocas com os outros e na ajuda ao próximo. A busca pelo coletivo é a essência do humano que abstrai-se de si mesmo para colocar-se no lugar do outro, no ouvir, no envolver-se, no partilhar. É no cuidado com o outro que nos fazemos mais gente, que compreendemos e somos compreendidos. Essa característica, que deveria ser universal, sobrevive às adversidades da dominação e da individualidade. As Formadoras são do sexo feminino, no que se assemelha à condição das docentes que atuam na educação infantil. Nessa etapa da educação básica, a profissão tem sido marcada pela naturalização do feminino, ou seja, há um predomínio de mulheres atuando na docência. As explicações generalistas aproximam a função da profissional da infância com os cuidados maternos, além de perpassar uma hierarquia nas funções assumidas junto às crianças, como foi apontado em uma pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas: quanto mais diretamente exerce atividades ligadas às crianças, quanto menor o educando e mais próximo ao seu corpo, menos prestígio tem o profissional e menos exigente se torna sua formação (CAMPOS et al., 1983 apud CERISARA; ROCHA; SILVA FILHO, In: OLIVEIRAFORMOSINHO, J.; KISHIMOTO, T. M., 2002). Não nos é possível afirmar que a situação das Formadoras é a mesma dos profissionais que atuam na docência junto às crianças, mas que a hierarquia apontada na pesquisa referida acima, pode ser vislumbrada no contexto social. Assim, o quadro de mulheres formadoras na educação infantil nos deixa pistas sobre os vestígios da visão feminina na atuação junto a essa etapa da educação básica, o que pode ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 394 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior explicar o afastamento do sexo masculino no acompanhamento e formação as docentes da infância. Estas mulheres – Formadoras de professores – podem ser consideradas pessoas maduras, uma vez que seis formadoras encontram-se entre os 30 – 40 anos de idade, duas estão entre 41 – 50 anos e uma acima de 50 anos, portanto, no ápice de suas experiências de vida. Os dados sobre a formação mostram a importância que as formadoras dão a esse aspecto, uma vez que seis formadoras buscaram uma formação posterior à graduação, em nível de especialização. É importante registrar que das seis especialistas, apenas uma cursou especialização em educação infantil; as demais freqüentaram outros cursos: psicopedagogia, alfabetização, educação de adultos. As formadoras apenas com graduação80 explicam o fato pela falta de oportunidade e recursos para cursar uma especialização – os cursos oferecidos são pagos, além da oferta restrita de vagas no mestrado em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Dizem ainda que desejam dar continuidade à formação inicial, principalmente, se tiverem oportunidade de cursar uma pós-graduação na educação infantil. Os dados sobre tempo de experiência docente apontam que apenas uma formadora possui menos de 10 anos de atuação, o que demonstra, de acordo com os estudos de Huberman (In: Nóvoa,1995) sobre os ciclos de vida profissional dos professores, que o grupo encontra-se na fase de estabilização ou de compromisso, independência e pertença a um corpo profissional. O referido autor pontua, dentre outros fatores, que as pessoas, nesta fase, centram esforços na tentativa de desempenhar papéis mais lucrativos e responsabilidades de maior importância ou prestígio. É o que podemos perceber neste grupo, pelo afastamento da sala de aula para assumir funções educativas consideradas de prestígio: direção, vice-direção, coordenação e assessoria pedagógica. Em se tratando da atuação especifica na educação infantil, seja em função docente ou outras correlatas, como as citadas anteriormente, os dados se invertem e quatro formadoras estão na faixa das que têm menos de cinco anos de atuação nessa área, o que demonstra estarem na fase de exploração; sobrevivência – choque com o real/confrontação inicial com a complexidade da situação – e descoberta – entusiasmo inicial e responsabilidade (HUBERMAN, 1995). Assim também acontece com o tempo de experiência docente nessa etapa da educação básica, sendo que se encontramos três formadoras com menos de cinco ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 395 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior anos de experiência docente nessa faixa etária, há duas sem experiência alguma, ou seja, se o tempo de atuação na educação infantil pode ser considerado curto, na docência ainda é mais reduzido. Estes dados nos deixam indagações quanto à função mediadora do formador em fomentar a reflexão sobre a prática docente, se sua própria experiência na fase em que atua se encontra em processo de estabilização. É certo que há pessoas que se estabilizam cedo e também a experiência docente em outras áreas pode oferecer subsídios para sua atuação, de forma que, apesar de ser iniciante na área da educação infantil, não o é na docência. Entretanto, as especificidades da área e da atuação docente junto às crianças pequenas e suas famílias, requerem reflexões outras que apenas a experiência em contexto pode trazer. Por outro lado, o conhecimento experiencial só é útil, em termos pessoais e organizacionais, só se constitui em epistemologia, se refletido e analisado à luz de referenciais teóricos (OLIVEIRAFORMOSINHO, 2002; MARCELO GARCIA, 1999). Para Freire (2003b, p.145), “a prática precisa da teoria, a teoria precisa da prática, assim como o peixe precisa de água despoluída”. E como diz Kishimoto (2003), a complexidade do cotidiano escolar não pode ser explicada, apenas pelas teorias; há que se rever essa prática e atribuir à formação pedagógica um estatuto científico, de forma que o saber educativo seja reconhecido como área de saber específico, não genérico, e a formação profissional dos professores seja uma combinação entre o saber acadêmico e pedagógico (MARCELO GARCIA, 1999). Essa visão requer formadores com conhecimentos práticos/experienciais e teóricos que possibilitem uma formação em que a condução da prática adquira o mesmo valor que os referenciais teóricos. Por outro lado, há que se reconhecer que ninguém assume um novo papel já como veterano; as situações vivenciadas e as maneiras de interpretá-las vão dando sentido à função assumida, sendo que as experiências adquiridas no contexto exercem uma forte influência no desenvolvimento profissional, e como uma caminhada que decorre ao longo da vida, portanto dinâmica, pode não ser linear (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2002). A função formadora – construindo uma identidade 80 Das três Formadoras que tinham apenas graduação, atualmente, duas concluíram cursos de pós-graduação – especialização: uma em educação infantil e outra em motricidade. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 396 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Pesquisas sobre a identidade do professor afirmam que esse processo ocorre gradativamente de acordo com o tempo de atuação no magistério, bem como pela formação profissional. A identidade docente advém da significação social da profissão e da reafirmação das práticas culturais que permanecem significativas; passa por um processo de acomodação, desacomodação e reacomodação. Nesse sentido, a identidade transforma-se no contexto sócio-político-histórico, nas interações estabelecidas com os outros sociais. Este constructo passa necessariamente pela mobilização dos saberes da experiência, ou seja, é na prática que o docente, enquanto sujeito historicamente situado, ressignifica e constrói sua identidade (PIMENTA, 2002). É, pois, no bojo desse contexto que trazemos a reflexão sobre a função formadora – assessoria, como uma função em vias de consolidação. Nesse sentido, buscamos compreender como as colaboradoras desse estudo se percebem enquanto formadoras de professores. Verificamos que a referência ao papel de formadora de professores gera controvérsias entre as colaboradoras, pois embora atuem no acompanhamento pedagógico no âmbito da formação, três colaboradoras não se consideram como tal. Depreendemos que a negativa pode estar relacionada ao termo formar/formador e não ao papel assumido na função formativa. Aproveitamos o ensejo para explicitar que a perspectiva que assumimos relativa a formar, supera a modelagem e reciclagem, e se assemelha a um processo que proporciona parâmetros e reflexões. Formar é muito mais que treinar para o desempenho de tarefas; aproxima-se a uma arte de conduzir seres à reflexão crítica de suas realidades (FREIRE, 2003a). Como bem diz Kramer (2002a), a idéia de reciclagem sugere que os professores podem se descartar da história passada, da experiência vivida e começar tudo de novo; o que é impossível. Marcelo Garcia (1999), diz-nos que o conceito de formação é suscetível de múltiplas perspectivas e pode ser entendido por três ângulos: como uma função social de transmissão de saberes, de saber-fazer ou de saber ser; como um processo de desenvolvimento e de estruturação da pessoa e como instituição – estrutura organizacional de planejamento e desenvolvimento de ações formativas. Ainda salienta, ao analisar diversos conceitos de formação, que esta não se restringe meramente a aspectos técnicos e instrumentais, mas há um componente pessoal evidenciado nos valores, finalidades e metas da formação; o que não significa pensar em uma formação unicamente autônoma. A esse componente pessoal, o autor referido traz as idéias de Debesse (1982 apud MARCELO GARCIA, 1999) para distinguir: autoformação – participação independente do indivíduo que controla seu desenvolvimento e ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 397 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior resultados; heteroformação – uma formação que se organiza e se desenvolve por agentes externos; Interformação – ocorre como apoio ao trabalho da equipe e pode se dá entre os futuros professores ou entre professores atuantes em fase de atualização de conhecimentos. Podemos perceber que estamos tratando de uma perspectiva interformativa, tendo em vista mudanças pessoais e profissionais de um grupo de docentes em processo de desenvolvimento profissional e ampliação de conhecimentos. Trata-se de intercâmbios formativos em que há uma ação consciente entre formador e formando, portanto, não pode ser considerada como ‘treino’. Um fato importante a destacar é que as três colaboradoras que não se consideram formadoras e não justificaram a negativa, duas são coordenadoras pedagógicas dos centros infantis e uma é assessora técnica do setor de educação infantil, o que é preocupante, uma vez que o trabalho do coordenador pedagógico é fundamentalmente de formação continuada em serviço. As seis colaboradoras que se consideram formadoras de professores justificam esse papel pelo fato de buscarem apoiar e ajudar as educadoras infantis em estudos e discussão sobre a profissão, como nos diz Marina: “busco socializar o que sei e intervir no momento oportuno para que o outro se aproprie também do conhecimento”. E, ainda “temos produzido momentos interessantes de reflexão e reconstrução de conhecimento” (Rita). As falas se aproximam da visão de Altet (In: PERRENOUD, P. et al., 2001, p.32), para quem o formador é o “mediador que facilita a tomada de consciência e conhecimento, participando da análise das práticas, em uma estratégia de co-formação”. Nessa perspectiva, o formador se propõe a desempenhar o papel de guia e mediador entre iguais, o de amigo crítico que não prescreve soluções gerais para todos, mas ajuda a encontrá-las dando pistas para transpor obstáculos pessoais e institucionais e para ajudar a gerar um conhecimento compartilhado mediante uma reflexão crítica (IMBERNÓN, 2002, p.89). Esta vertente expande a compreensão sobre o formador de professores na formação continuada, abstraindo visões de que a função formativa é exercida, prioritariamente, por professores universitários, ou mesmo, que a docência formativa faz-se tão somente em cursos, encontros, seminários, outras formas que não envolvem o acompanhamento, o planejamento, enfim, a ação pedagógica cotidiana. ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 398 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior Para Adriana, “o professor, que está na escola, necessita se sentir apoiado, de um trabalho de referência”, que não pode se dá apenas em momentos pontuais, uma vez que a prática cotidiana é dinâmica, repleta de incertezas, dúvidas e contradições. Para Perrenoud (2002), é normal o formador ser considerado um referencial, pelas competências que lhe são exigidas na assunção da função. Na formação continuada, ainda não se tem uma precisão de quem deveria ser o sujeito formador de professores, uma vez que esta se encontra como uma função transitória, em busca de sua identidade. É fato que, quem a assume, chega, por vezes, a exercê-la por anos seguidos, quando até mesmo se afasta da sala de aula para integrar os quadros das Secretarias de Educação, assessorando os professores, acompanhando suas atividades e responsabilizando-se por sua formação, o que lhe confere status de formadores e lhe impõe requisitos diferenciados para tal função. Entretanto, na maioria das vezes, essas atividades são exercidas sem clareza das práticas que lhe são confiadas, como também do título que é outorgado ao sujeito formador, sendo reconhecido como professor, técnico, assessor, consultor, coordenador de grupo, apoio pedagógico, suporte pedagógico, entre outros, como é o caso das Formadoras dessa investigação. Nieto Cano (1992) afirma que a figura do assessor – formador – é relativamente nova no cenário educativo e não se dispõe de um corpo de conhecimentos suficientemente elaborado sobre suas funções e natureza. Na sua visão, encontramo-nos em uma fase exploratória. Há de se convir que seu texto data de 1992, portanto, sua preocupação já denunciava a necessidade de se investir em pesquisas nesse sentido, fato pouco explorado em nosso país, pelo menos em se tratando de formadores que atuam na formação continuada dos professores, fora dos quadros da universidade. Ainda ressalta que um foco de atenção que tem monopolizado boa parte da literatura tem sido a definição dos possíveis nomes recebidos pelos agentes de apoio externo. Na sua visão, esse panorama é bastante ambíguo e confuso, uma vez que são usados o mesmo termo para contextos de atividades diferentes, assim como determinadas denominações são suscetíveis a interpretações variadas, a depender do enfoque dado. Concretamente, em se tratando do seu país – Espanha, duas visões se impõem no contexto geral do apoio externo: especialista e generalista. O assessor especialista pode ser definido como um experto em determinado conteúdo que pode oferecer soluções particulares a problemas concretos em razão do seu conhecimento e habilidade naquele assunto. Tem sido descrito como fonte de conhecimento, habilidade e experiência que pode ser requisitado a ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 399 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior contribuir, pontualmente, na resolução de problemas curriculares e instrucionais, o que requer uma complexa formação técnica. O assessor generalista põe ênfase no trabalho do coletivo escolar e se propõe a ajudar os professores a perceber, compreender e atuar sobre os acontecimentos, tendo em vista melhorar a situação curricular e organizacional; sua atuação refere-se, primeiramente, às pessoas e aos grupos, mais que ao problema a resolver, já que as relações que se estabelecem são de caráter pessoal, comprometido e co-responsável. Por atender mais a escola como organização e sistema social, deve ser um experto em processos de planejamento educativo, dinâmicas de grupo e organizacionais, estratégias de diagnóstico, tomada de decisões e soluções de problemas, aprendizagem da pessoa adulta e desenvolvimento profissional cooperativo (NIETO CANO, 1992). Uma maior eficácia no trabalho desenvolvido pelo assessor se daria numa adequada combinação entre o papel do especialista e do generalista, de modo que a formação/assessoria poderia ser oferecida por pessoas que trabalham juntas e têm como propósito comum realizar uma assistência proveitosa ao esforço de inovação escolar (NIETO CANO, 1992). No Brasil, encontramos uma lacuna, em se tratando do formador, a começar pela designação do termo utilizado que, de acordo com o contexto da formação, recebe nomenclaturas diferentes, sendo denominado: professor formador, tutor e formador de professores. Fizemos uma leitura mais aguçada dos Referenciais para Formação de Professores (BRASIL,1999), buscando compreender em que momentos e com que sentido o termo estava sendo empregado. O professor formador é o professor experiente que assume atividades de formação sem abandonar a regência. Atua, prioritariamente, junto à formação inicial, recebendo estagiários em sua sala e professores iniciantes. Um conselheiro que pertence ao mesmo ofício de quem ele forma, um pouco mais à frente e com capacidade de formalizar e transmitir saberes e saber-fazer profissionais. (ALTET et al., 2003b, p.239). O Tutor assume a responsabilidade pelo acompanhamento de professores que participam de uma formação à distância. O Formador de Professores é responsável pela formação inicial e continuada dos docentes. Esses formadores selecionam e organizam o conteúdo dos Programas, como também assumem a tarefa de conduzir o trabalho. As três dimensões apontadas na levam-nos a perceber que o formador assume uma tarefa ligada ao ensino num patamar diferente do professor. Para Stella e Scarpa (2002, p.01), o formador é “um profissional que tem, na prática pedagógica, a matéria-prima de seu ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 400 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior trabalho, cujo objetivo é desenvolver a autonomia dos professores mediante a construção conjunta dos meios, da reflexão na e sobre sua ação para que se apropriem dos fundamentos do que fazem”. Esta premissa evocada pelas autoras supracitadas encontra um desafio crescente: fazer com que as Formadoras se percebam enquanto tal e com a responsabilidade que a função demanda, uma vez que essa assunção produz conflitos, como nos fala Isis: “ainda estou em conflito comigo mesma”. Ser formador é mediar a ação pedagógica de forma que o professor, como aprendiz, possa refletir sobre seus conceitos e prática, saindo de uma postura receptiva para a de construtor de conhecimento. Tal estratégia oportuniza aos professores refletirem sobre si mesmos, sobre os processos de sua formação e lhes permite se projetarem como profissionais. Esta visão nos leva a acreditar que “a formação dos professores não se dá especificamente e linearmente pela atuação pura e isolada (individual) da aquisição de saberes”, como nos diz Mariana; o que ratifica a importância daqueles que atuam no campo educativo – diretores, vice-diretores, coordenadores e assessores pedagógicos, contribuindo com a formação continuada dos professores. Ademais, a própria Mariana adverte: A uma coordenação não compete apenas assuntos de ordem administrativa e burocrática, é importante também o envolvimento com as questões técnico-pedagógicas que perpassam o trabalho desenvolvido nas IEI, este entendimento, com certeza, ajudará no planejamento, operacionalização dos programas e projetos de formação dos professores. Sua advertência nos informa das competências que cabem ao coordenador como responsável, além de outros aspectos, pela formação dos professores. Seu olhar necessariamente circunda o conjunto de situações de ordem administrativa e pedagógica que envolvem o ato pedagógico no qual a formação está inserida. Acrescentamos, entretanto, que mais do que envolver o administrativo ao pedagógico é ter a consciência que o norte do trabalho deve estar assentado nas diretrizes político-pedagógicas estabelecidas pelo sistema, de forma que qualquer ação esteja investida das concepções que a constituem. Pelo exposto, relativizamos o que dizem Showers, Joyce e Bennett (1987 apud MARCELO GARCIA, 1998, p.67), no resultado de suas pesquisas sobre desenvolvimento profissional que, entre outros pontos, destacam parecer “não importar onde e quando se realiza a atividade de formação, como também não interessa o papel do formador. O que influi ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 401 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior é o projeto do programa de formação”. Nossa discordância resulta, além das abordagens anteriores, do fato das próprias formadoras se sentirem responsáveis por esses programas, como diz Rita: “precisamos avançar na sistematização de um programa de formação com objetivos e estratégias definidas”. O formador é o elo central no planejamento, desenvolvimento e avaliação dos programas formativos, portanto, elemento primordial desse processo. Cabe a esse desvelar crenças subjacentes às práticas dos professores, de forma a poder intervir na construção de competências profissionais necessárias à docência, o que exige uma capacidade de análise das práticas de formação. Assim, embora algumas colaboradoras ainda não se reconheçam como formadoras de professores, as funções que exercem levam-nas a assumirem esse papel, mesmo sem a clareza necessária da prática que realizam, nem do termo com que podem ser reconhecidas. As discussões apontam que simbolicamente o formador existe, contudo não há um espaço profissional de discussão acerca dos seus interesses. É premente colocar-se na pauta de discussão, quando se trata da formação docente, a perspectiva dos formadores construírem uma identidade de formadores, uma vez que “em uma profissão humanista, que faz quem a exerce e aqueles a quem ela se destina correr riscos, a busca pela identidade é legítima” (PERRENOUD, 2002, p. 172). Para esse autor, um aspecto que pode auxiliar nesta construção, diz respeito ao trabalho conjunto/coletivo que visa reinventar a formação, tendo por base os limites das práticas pessoais de cada formador. O formador dá o norte, direciona, faz emergir o processo formativo que pode seguir caminhos opostos da racionalidade técnica ou da interatividade. Dessa maneira, como citado na introdução desse trabalho, os formadores precisam dominar conhecimentos relativos à sua atuação – prática formativa – e aqueles específicos da atuação profissional dos professores. Tais saberes precisam ser reconhecidos; de outra forma, a visão evasiva sobre esse tipo de função pode acarretar uma contradição entre o que os formadores levam à escola e o que os professores desejam receber. Um modelo de síntese – as considerações Indicarmos alguns aspectos referentes ao perfil do Formador de professores, tendo em vista contribuir para uma reflexão acerca da função que o mesmo deve exercer. Apontamos três eixos básicos que deveriam ser do domínio do Formador, para uma melhor estruturação e desenvolvimento do seu trabalho, quais sejam: ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 402 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior a) experiência docente – na perspectiva de que a experiência é fonte de conhecimento, para ser formador de professores se faz necessário ter, antes, experiência de forma direta – professora – ou indireta – supervisora pedagógica, orientadora, outros. As experiências das formadoras, pregressas a sua função, influem sobremaneira na sua forma de agir e de pensar. Nesse sentido, não basta ter conhecimentos na área que irá atuar – formação na educação infantil, é preciso antes de tudo o contato direto com o público infantil, de outra forma as mediações poderão se perder no vazio do discurso, sem a necessária articulação teoria e prática. b) conhecimento teórico – conhecimentos teóricos que deveriam ser do domínio do formador de professores da educação infantil para atuar de forma eficaz na formação, como: desenvolvimento e aprendizagem da criança, papel e função da educação infantil, leis e políticas que envolvem a área, currículo na educação infantil, tendências pedagógicas. Salientamos que estes conhecimentos são imprescindíveis e podem ser considerados básicos, mas não são suficientes para o sujeito se tornar formador de professores na educação infantil, sendo necessário buscar constantemente sua atualização profissional. c) competência técnica e compromisso político – características do formador como pessoa e profissional. Tais características estão relacionadas à capacidade do formador em ser simpático, dinâmico, envolver o grupo em projetos formativos, estabelecer vínculos positivos com as outras pessoas, problematizar situações sem discriminar, ofender ou menosprezar ninguém, ser um apaixonado pelo que faz e pela educação infantil, além da responsabilidade, estudo e pesquisa que sua função exige. Este aspecto ratifica a preponderância do cuidado como elemento da personificação humana, no respeito, zelo, atitude, atenção, enfim como um modo de ser que revela responsabilidade e preocupação consigo e com o outro. Estes eixos apontam que o assessor que faz parte da SME – Formador de professores, não pode ser um amador a compor uma equipe pedagógica de uma Secretaria de Educação sem um perfil adequado à demanda, pelo fato dos educadores não mais aceitarem que sua voz não seja ouvida e seus conhecimentos não sejam considerados, além da dinamicidade do conhecimento na contemporaneidade. A realidade atual requer um Formador que invista no seu saber-fazer consciente de seu papel de interventor no desenvolvimento profissional docente, no que necessita de um arsenal básico de conhecimentos – teóricos e experienciais – tendo em vista otimizar o desempenho de sua função. Um profissional que não se acomode diante das adversidades, ISSN 18089097 GT 01: POLÍTICAS DE CURRÍCULO E EDUCAÇÃO INFANTIL 403 V COLÓQUIO INTERNACIONAL DE POLÍTICAS E PRÁTICAS CURRICULARES Avaliação das Políticas Curriculares: da educação básica ao ensino superior mas as considere pertinentes à pluralidade de conhecimentos e interesses do mundo, possíveis de serem ultrapassadas. Referências ALMEIDA, L. R.; PLACO, V. M. N. de S. (Orgs.) O coordenador pedagógico e o espaço de mudança. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2003. ALTET, M.; PERRENOUD, P.; PAQUAY, L.. A Profissionalização dos Formadores de Professores. São Paulo: Artmed, 2003. p.233-252. BRASIIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. 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E ao mesmo tempo identificamos como encontros dessas políticas: a dimensão do cuidado, o caráter não disciplinar, a origem ambas surgem inicialmente como movimento social somente depois são incorporadas aos sistemas de ensino - e o eixo temático Natureza e Sociedade. O desafio que está posto para todas/os q