Retrocessos no combate ao trabalho escravo
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01/04/2015 - 05:00
Retrocessos no combate ao trabalho escravo
Por Luís Antônio Camargo de Melo
Não há um conceito de "escravo". Sabe-se que é a exploração que ultrapassa a divisa entre a dignidade e a indignidade do
ser humano. No entanto, tal divisa não é concreta, de modo que trabalho escravo é lugar-comum, e lugares-comuns não se
definem. O sentido será variado, mas todos sabemos do que se trata.
Sabe como se identifica a ocorrência de trabalho escravo? Quando flagramos situações de labor que fazem o estômago
embrulhar; que fazem sentir a dor do outro em sua plenitude; situações desumanizantes de indivíduos brutalizados,
violados. Portanto, razões de ordem humanitária e também econômica motivaram a alteração do artigo 243 da
Constituição de 1988 pela Emenda Constitucional nº 81, aprovada em 5 de junho de 2014.
Entretanto, se por um lado festejamos esse avanço, por outro nos preocupamos com a tentativa de redefinição do trabalho
escravo contemporâneo por meio do Projeto de Lei do Senado nº 432, de 2013 que regulamentará a PEC nº 81/2014.
Nesse sentido, a adoção de um conceito restritivo, que exclua as formas degradantes de labor, será obsoleto e ultrapassado.
Na verdade, a definição de trabalho escravo contemporâneo já está suficientemente clara no artigo 149 do Código Penal,
pois compreende o cerceamento de liberdade, o labor degradante, a jornada exaustiva ou outras figuras assemelhadas ao
trabalho forçado.
Nos preocupamos com a tentativa de redefinição do trabalho escravo contemporâneo por meio do PLS
nº 432
O PLS nº 432/2013 define o trabalho escravo em contornos confinados na Idade Média: trabalho escravo seria aquele em
que o trabalhador não possui liberdade para ir e vir. Ora, sabemos que trabalho escravo é muito mais do que isso. É
escravo o trabalho que flerta com a morte por exaustão, em cujos alojamentos não há sanitário nem água encanada, sendo
necessário recorrer-se à água de poços onde animais também se hidratam.
O recrudescimento do conceito de trabalho escravo vai na contramão do cenário internacional e lança alguns setores
econômicos em uma espiral catastrófica em matéria de direitos sociais, pois é sabido que a exploração de trabalho escravo
chega a gerar uma vantagem econômica mensal de cerca de R$ 3 mil por trabalhador explorado comparativamente a um
empregador que cumpre a legislação. Retroceder o conceito de trabalho escravo nivelará nossa economia por baixo.
O Brasil vem sendo festejado em todo o mundo pelas boas práticas no enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo.
Cabe ao Congresso Nacional rechaçar toda e qualquer medida tendente a amenizar a punição dos infratores, garantindo
aos trabalhadores mercantilizados ampla e irrestrita proteção. Afinal, nas palavras de Dom Murilo S. R. Krieger, em
publicação veiculada na imprensa nos últimos dias, a "vocação humana é uma vocação à fraternidade". Imbuído deste viés
e ciente da missão que lhe foi conferida pela Constituição Federal, o Ministério Público do Trabalho mantém-se na
vanguarda do enfrentamento ao trabalho escravo contemporâneo.
Medidas simples e preventivas podem contribuir para a erradicação do ciclo de exploração. Empresas com
responsabilidade socioeconômica que recorrem ao Cadastro de Empregadores Flagrados por Exploração de Trabalho
Escravo para definir ou contratar parceiros. Trata-se de um ato espontâneo da iniciativa privada, eis que o cadastro em
questão é destinado à administração pública, a fim de que órgãos públicos não contratem ou emprestem verbas a
empregadores ali arrolados.
Também o citado Cadastro, internacionalmente apontado como uma das mais eficazes ferramentas de combate ao
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trabalho escravo, corre riscos, haja vista ações judiciais que de tempos em tempos têm sido ajuizadas, questionando-lhe a
constitucionalidade. Acaso invalidado o Cadastro voltaremos aos tempos sombrios da erradicação do trabalho escravo pela
simples negação de sua ocorrência.
Felizmente a liminar concedida pelo STF, que suspendeu, em dezembro de 2014, a publicação da chamada "lista suja" pelo
Ministério do Trabalho e Emprego até o julgamento final da ADI nº 5209, ajuizada pela Associação Brasileira de
Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), não impediu a divulgação dos nomes das empresas autuadas pela prática de
trabalho análogo à de escravo entre dezembro de 2012 e dezembro de 2014. A chamada "lista alternativa", encaminhada
pelo MTE à ONG Repórter Brasil, com base na Lei de Acesso à Informação, pode e deve ser utilizada pelos bancos privados
e principalmente públicos para o corte de benefícios e créditos às empresas infratoras.
Absurdo concluir que a referida medida liminar justifique o empréstimo de dinheiro público pelo BNDES e Caixa
Econômica Federal para as empresas constantes do Cadastro do MTE, pois, mesmo suspensa a sua publicação, ela existe e
não pode ser olvidada pelos segmentos da sociedade comprometidos com a defesa dos direitos humanos.
Luís Antônio Camargo de Melo é procurador-geral do trabalho e professor de direito do trabalho do
Centro Universitário IESB
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e
nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em
decorrência do uso dessas informações
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