A DATA-BASE NA EXECUÇÃO DA PENA
Paulo Roberto Fabris
O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa.
(Manoel Bandeira)
É do conhecimento ordinário que a data-base gerada na execução da
pena, tendo por suporte o título executivo penal, deflui como consequência
necessária para tornar exequível a individualização da sanção corporal
expiada, viabilizando a progressão de regime, passo necessário para
alcançar-se a decantada ressocialização do reeducando. 1
Assim, nos passos da praxe consuetudinária, a data-base inicial, que
coincide com o início do cumprimento da pena a que atado o sentenciado,
sofre alteração quando o mesmo obtém progressão de regime.
2
A partir de então o sentenciado passa a conviver com dois marcos
regulatórios: o primeiro, que computa a pena desde o início, servindo de
marco aos benefícios alusivos ao livramento, a comutação da pena, o
indulto, etc.; e o segundo, que passa a servir de baliza à nova progressão,
salvante a hipótese de estar alocado no regime aberto.
Entrementes, o foco da questão posta a desate 3 condiz com as
hipóteses autorizativas da alteração de data-base. Sob a exegese dos
textos legais, temos como inadmissível - verdadeira supercherie jurídica 4 sua alteração pelo cadastramento de nova pena, seja por fato anterior ou
posterior à data do início da execução, seja pela eclosão de falta grave no
curso
do
cumprimento.
Em
verdade,
a
única
hipótese
1
de
“Buscarei a ovelha perdida, reconduzirei a que se tinha tresmalhado, curarei a ferida e
tratarei da que está doente.” (Ezequiel: 34,16)
2
No rastilho do preconizado pelo artigo 112 da LEP.
3
Quid: o ponto difícil, o “o busílis”.
4
Supercherie: francesismo, indicativo de “excesso jurídico, engano, fraude, dolo, etc.”
1
alteração/supressão da data-base, isto se, e somente se, o reeducando
encontrar-se no gozo do regime semiaberto ou aberto, condiz com o
cadastramento de pena que torne incompatível seu cumprimento no regime
desfrutado. Em tal circunstância, não se altera a data-base, antes a
mesma é eclipsada, passando o cômputo à data do início da execução da
pena, na hipótese de ser surpreendido no regime semiaberto e migrar para
o fechado; ou, em sendo surpreendido no regime aberto e migrar para o
semiaberto, ser-lhe-á restabelecida a data-base anterior, que serviu de
parâmetro objetivo para a obtenção do aberto. Mais, isso de edificar-se
nova data-base de benefícios, diversa do início do cômputo da reprimenda
corporal, pelo aporte e adição de nova pena à carta de guia, encontrandose o reeducando no regime fechado, traduz, salvo melhor aviso dos
doutos, excesso na execução, em si insustentável à míngua de norma legal
a chancelar tal equação assimétrica. Sob essa clave, a violação ao direito
do reeducando 5 é incontendível, comportando o remédio heroico, writ of
habeas corpus,
6
para enjeitar tal vencilho, visto ser repetente o
constrangimento ilegal açulado.
No
particular
de
que
se
trata,
abre-se
divergência
com
o
posicionamento singrado pelo soado jurista Marco Antonio Bandeira
Scapini,
7
que porfia que a data-base somente é alterada com o
cadastramento de nova condenação, posterior ao início da execução da
pena, oferecendo como suporte legal o artigo 75, § 2º, do Código Penal e o
artigo
111,
parágrafo
único,
da
LEP.
Contudo,
realizando-se
o
esquadrinhamento do artigo 75, § 2º, do CP, temos que o mesmo somente
é aplicável na hipótese de o reeducando contar com trinta anos de pena e
5
“Qual diante do algoz o condenado, que já na vida a morte tem bebido.” (CAMÕES, c.
III, est. 40)
6
Consoante Eliézer Rosa (Novo dicionário de processo civil. Rio de Janeiro: Freitas
Bastos, 1986. p. 398) consigna no verbete extraditado do direito alienígena: writ of
habeas corpus (pro) conhecido como “the great writ” - o grande writ - é ação especial de
tutela da liberdade de locomoção, análoga a nossa ação de habeas corpus, que por
vezes funciona como recurso.
7
Prática de execução das penas privativas de liberdade. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2009. p. 59.
2
lhe sobrevir nova condenação; de conseguinte, representa exceção à regra
geral, sendo vedada, nesse comenos, a aplicação analógica para situações
diversas, máxime quando milita in malam parte; enquanto que o artigo 111,
parágrafo único, da LEP cinge-se à “determinação de regime”, em
ocorrendo adição (soma) de nova pena a ser incorporada à carta de guia,
pelo vezo aritmético e ou pelo vezo da unificação (concurso de crimes).
Quanto à data-base, o silêncio é constrangedor nos diplomas legais acima
referidos,
sendo
vedado
extraírem-se
ilações
que
venham
malferir/sacrificar o direito do reeducando na execução da pena, urdindose contra legem. Segundo princípio cardeal em Hermenêutica, ao aplicador
é defeso distinguir onde não o faz a Lei.
8
Reitera-se, a data-base possui como único préstimo servir de termo
a quo, para o fim de tornar factível - no que concerne ao requisito objetivo
- a progressão de regime; sua alteração, tendo como fator gerador o
reconhecimento de falta grave (v.g., fuga e fato novo); ou por ocasião do
aditamento de nova pena (seja essa anterior ou posterior ao início da
execução) constitui clamorosa ilegalidade, a merecer pronto repúdio dos
operadores do Direito, mormente do homo forensis,
9
haja vista que tal e
anojosa práxis - pasmem, respaldada por jurisprudência caudal 10 - afronta
a justiça 11 e escorja o reeducando, legando-lhe novo gravame para
implemento do requisito objetivo, postergando, sob tal sortilégio, de forma
desmesurada,
o
cômputo
à
nova
progressão.
Nesse
contexto,
a
metodologia aqui preconizada objetiva emendar o erro - vistoso e palpável
- que recai quando do redesenho da data-base na execução da pena,
requestando-se, nessa olada, o escrutínio de estar “a cavaleiro de
qualquer censura”, 12 ufania que rende ao tema fecho e mate.
8
Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.
Advogado, seja esse público ou particular.
10
“Como o martelo que tritura a rocha.” (Jeremias: 23,29.)
11
Ubi non est justitia, ibi non potest esse jus: onde não há justiça, não pode haver
direito.
12
Na feliz assertiva debitada a Pedro A. Pinto.
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