Estratificação Educacional entre os Jovens no Brasil – Progressão Educacional e Origem Social nos Censos – 1960 a 2010 Murillo Marschner Alves de Brito (Doutorando do PPGS/USP e Bolsista CAPES no Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior – Pesquisador Visitante no Brazil Institute / King’s College London) Londres JULHO DE 2013 Estratificação Educacional entre os Jovens no Brasil – Progressão Educacional e Origem Social nos Censos – 1960 a 2010 Murillo Marschner Alves de Brito 1. Introdução A desigualdade de oportunidades educacionais (DOE) é mensurada pelo efeito das características socioeconômicas e culturais dos pais nos resultados educacionais dos filhos. Como é de amplo conhecimento a educação alcançada pelos indivíduos é o principal meio de mobilidade social nas sociedades modernas. Portanto, a diminuição da Doe é de fundamental importância para que haja aumento da mobilidade social. No Brasil há diversos estudos sobre este tema que, de um modo geral, revelam que este tipo de desigualdade praticamente não diminuiu ao longo dos anos no país. Embora tenha havido enorme expansão educacional de todos os níveis, os indivíduos crescendo em famílias com mais recursos socioeconômicos continuam mantendo as mesmas vantagens de progressão no sistema ao longo do tempo. Esta conclusão se baseia principalmente em dados sobre coortes de nascimento observadas em pesquisas amostrais que tenham informações retrospectivas sobre as famílias em que os indivíduos cresceram (principalmente educação e ocupação dos pais quando os indivíduos tinham em torno de 15 anos de idade). Para que se compreenda o efeito da origem sócioeconômica sobre as chances de progressão educacional dos indivíduos é necessário, portanto, que se tenha acesso a informações sobre as condições sócio-econômicas da família. No caso dos Censos esta informação está disponível para os indivíduos na condição de filhos, e o objetivo do presente capítulo, ao avançar nas análises usando os micro-dados dos Censos brasileiros de 1960, 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010 é avaliar a evolução do efeito da origem sócio-econômica na progressão educacional dos jovens brasileiros entre 12 e 25 anos. 2. Modelos de Progressão Educacional Uma maneira bastante usual de se mensurar a desigualdade de oportunidades educacionais na literatura sociológica sobre estratificação social é a análise da progressão educacional enquanto uma sequência de decisões (Mare, 1980, 1981). Nas décadas de 1980 e 1990, diversos estudos nacionais inspirados pelos modelos de progressão educacional foram produzidos culminando na coletânea produzida por Shavit e Blossfeld (1993), na qual são investigados comparativamente os fatores determinantes da estratificação educacional em 13 países através de análises altamente padronizadas (em termos de variáveis e tipos de dados utilizados. Naquele momento a questão principal debruçava-se sobre em que medida a relação entre características de origem sócio-econômica e as desigualdades de oportunidades educacionais (DOE) mudou ao longo do tempo, e o que explicaria esta mudança. Os casos nacionais investigados incluiam sociedades capitalistas ocidentais – EUA, ex-Alemanha Ocidental, Inglaterra e País de Gales, Itália, Suíça, Holanda e Suécia – sociedades capitalistas 2 não-ocidentais – Japão e Taiwan – e países de herança socialista – Polônia, Hungria e Tchecoslováquia – para os quais foram investigadas quatro transições educacionais principais: graduação no nível primário, entrada no secundário tendo completado o primário, graduação no nível secundário e entrada no nível pós-secundário tendo completado o secundário. Da coletânea de evidências empíricas internacionais, um padrão proeminente da associação entre origem social e progressão educacional, que já havia sido encontrados por Mare na investigação do caso americano, aparece de forma praticamente geral: o padrão de desigualdades persistentes, que supõe que as diferenças de classe na realização de transições tende a ser constante (ou mudar pouco) entre coortes mais antigas e mais jovens no século XX, a despeito da expansão educacional experimentada por todas as sociedades modernas. Ainda que as taxas de participação escolar tenham crescido para todas as classes de origem, em praticamente todos os níveis, as vantagens associadas a origens sócioeconômicas privilegiadas tenderam a permanecer constantes. A Holanda e a Suécia são contra-exemplos deste padrão geral, pois foram países onde a associação entre escolarização e origem social tendeu a diminuir entre coortes ao longo do século XX. O acúmulo de evidências empíricas internacionais elevou o estatuto teórico das duas proposições sobre a associação entre origem e alcance educacional, tornando-as referências para a análise da estratificação educacional a partir de então, por terem sido consideradas como de ampla possibilidade de generalização e teste. A partir daí, os pesquisadores interessados em explicar o processo de estratificação educacional passaram a elaborar modelos que buscassem explicar os padrões empíricos observados, em especial o padrão de desigualdades persistentes. Desde então o esforço de pesquisa investido na investigação dos determinantes de classe da estratificação educacional tem produzido diversas evidências empíricas que desafiam as suposições da desigualdade persistente e dos coeficientes declinantes. Entre estas contam-se a desigualdade maximamente mantida (Raftery e Hout, 1993) e a desigualdade efetivamente mantida (Lucas, 2001). A desigualdade maximamente mantida postula, em seus termos centrais, que mudanças na associação entre origem social e destino educacional tendem a ocorrer apenas em contextos nos quais as taxas de transição para determinados níveis educacionais atinjam níveis de saturação que impeçam, por um “efeito-teto”, seu aumento entre classes de origem sócioeconômica privilegiada. Este processo, se por um lado diminui as desigualdades de classe entre os níveis educacionais para os quais observa-se saturação do acesso para classes mais altas, desloca as desigualdades para os níveis educacionais mais altos, entre os quais não existe saturação das taxas de participação para nenhuma classe de origem. Neste sentido, uma diminuição uniforme nos custos da escolarização tende a manter constantes as desigualdades de classe, pois impactaria de maneira uniforme entre classes. Desde a 3 formalização de sua proposição, a desigualdade maximamente mantida é uma interpretação que foi aplicada à análise dos casos norte-americano (Hout, Raftery e Bell, 1993), francês (Vallet, 2004), israelense (Ayalon e Shavit, 2004), chinês (Wu, 2010), em comparações internacionais (Hout, 2006) e em análises do caso brasileiro (Costa Ribeiro, 2011; Montalvão, 2011). Do ponto de vista teórico, outros trabalhos avançaram discutindo seus principais pressupostos (Shavit e Blossfeld, 1993; Lucas, 2001; Shavit, Yaish, Bar-Haim; 2005). A desigualdade efetivamente mantida foi desenvolvida partindo-se principalmente da crítica à adoção de um modelo de progressão educacional baseado em uma estrutura dicotômica das decisões educacionais (Breen e Jonsson, 2000; Lucas, 2001). e propõe a aproximação da literatura sobre progressão à noção de segmentação curricular. A idéia de segmentação curricular seria especialmente pertinente por incorporar uma diversidade maior de caminhos possíveis para a análise da progressão educacional, que, se por um lado torna mais complexa sua análise, por outro lado coloca-se como uma representação mais precisa destas trajetórias. Com relação às investigações sobre as desigualdades de oportunidades educacionais que tomaram o caso brasileiro como objeto de estudo (Valle-Silva, 1986; Hasembalg e Valle-Silva, 2002; Fernandes, 2004; Torche, 2010; Ribeiro, 2011; Montalvão, 2011) muito se avançou no conhecimento sobre os principais padrões de evolução destas desigualdades. Consolidou-se a concepção de que são especialmente proeminentes as desigualdades entre indivíduos com origem social nos meios urbano e rural, e que a desigualdade de raça, em especial entre níveis educacionais mais altos é outro traço, colocando pretos e pardos em posição de desvantagem. A expansão do sistema educacional no país foi direcionada fundamentalmente aos níveis de progressão mais baixos, e diminuiu as desigualdades de classe no acesso a estes níveis, mas em grande medida deslocou-as para níveis mais altos de escolarização, sendo que chega-se hoje a demonstrar um aumento na associação entre origem social e realização de transições educacionais nestes níveis. Sob esta ótica, continua plausível avaliar a evolução da estratificação educacional no país como dentro do padrão de desigualdades persistentes, e a expansão do sistema em seus níveis mais baixos pode ser entendida nos termos da desigualdade maximamente mantida. O presente trabalho pretende-se como uma contribuição à discussão sobre estratificação educacional no Brasil e debruça-se sobre a investigação empírica da evolução da associação entre origem social e destino ocupacional dos jovens brasileiros entre 12 e 25 anos tal como nos evidenciam as informações dos Censos Demográficos entre 1960 e 2010. Em primeiro lugar, são apresentadas estatísticas descritivas sobre a evolução do nível de escolaridade da população jovem e sobre as chances de progressão destes jovens no sistema educacional brasileiro no período. Esta descrição informa sobre a evolução geral da acessibilidade do sistema educacional brasileiro, independente da origem social dos jovens. Em um segundo 4 momento são apresentadas a especificação do modelo de progressão educacional aplicado aos microdados dos Censos entre 1960 e 2010, e os principais resultados das análises sobre as probabilidades de progressão educacional dos jovens, controlando-se por diversas características de sua origem sócio-econômica. Por fim são apresentadas as principais conclusões extraídas destes resultados. 3. Transições Educacionais no Brasil – Definições Operacionais e Descrição A variável dependente de interesse deste estudo é a escolarização dos indivíduos, sendo que o interesse específico é investigar a associação entre origem social e destino educacional. Ainda que qualquer tipo de resposta que se elabore para o problema da associação entre origem social e destino educacional envolva, necessariamente, a incorporação de indicadores de classe de origem, é absolutamente necessário que se tenha uma definição clara sobre como medir a escolarização dos indivíduos A discussão na literatura pertinente sustenta de maneira robusta as vantagens da utilização do modelo de decisões seqüenciais para a avaliação da evolução das desigualdades educacionais e da estratificação educacional. Agregam-se às razões teoricamente justificadas algumas razões operacionais, referentes à forma como a escolaridade dos indivíduos foi captada nos Censos Demográficos. Como sabese, o sistema educacional brasileiro passou por reformas importantes no período analisado (as LDBs de 1961, 1971 e 1996), que impactaram sobre a estruturação normativa das carreiras educacionais, e por conseguinte, nas formas de captação da escolarização nos Censos. Ainda que tenham ocorrido transformações significativas nas orientações normativas da estruturação das trajetórias educacionais no país, é possível elaborar uma estrutura de transições educacionais que seja adequada para representar as carreiras educacionais no país desde a década de 1960 e aplicável a todos os levantamentos censitários desde então. Em sua versão mais detalhada esta estrutura conta com 7 transições. O quadro abaixo apresenta a versão mais detalhada desta estrutura, utilizada para a análise dos Censos de 1960 a 2010: 5 Grau Transição Descrição T1 T2 T3 T4 T5 T6 T7 Sem escolarização Fora do sistem a educacional Analfabeto/Nunca frequentou escola - - - - - - - Entrada no sistema educacional e completou 1ª, 2ª e 3ª séries (não inclui pré-escola, creche, classe de alfabetização e alfabetização de adultos) V - - - - - - Entrou no SE (T1) e completou os 4 primeiros anos do EB (T2) V V - - - - - Entrou no SE (T1), completou 4 anos EB (T2) e completou o Ensino Básico (até 8ª série) (T3) V V V - - - - T4 - Com pletou o EB e entrou no EM Entrou no SE (T1), completou 4 anos EB (T2), completou o Ensino Básico (até 8ª série) (T3), e entrou no EM (T4). V V V V - - - T5 - Com pletou o EM Entrou no SE (T1), completou 4 anos EB (T2), completou o Ensino Básico (até 8ª série) (T3), entrou no EM (T4) e completou o EM (T5). V V V V V - - T6 - Com pletou o EM e entrou na universidade Entrou no SE (T1), completou 4 anos EB (T2), completou o Ensino Básico (até 8ª série) (T3), entrou no EM (T4), completou o EM (T5) e entrou na universidade(T6). V V V V V V - Realizou T1 (entrada no SE), T2 (completou o Ensino Básico), T3 (Entrou no Ensino Médio), T4 (Completou o Ensino Médio), T5 (Entrou na Universidade) e T7 (Completou Ensino Universitário) V V V V V V V T1 - Entrou no SE Ensino Básico T2 - Com pletou 4 anos de estudo T3 - Com pletou o EB Ensino Médio Ensino Superior T7 - Com pletou o ES Um indivíduo que é analfabeto ou nunca freqüentou o sistema educacional não realizou nenhuma das transições definidas, portanto sua escolarização assume valor 0 para qualquer uma das transições. O indivíduo que completou o ensino superior, por outro lado, realizou todas as transições medidas pelo modelo considerado (ou seja, para este indivíduo, T 1=1, T2=1,..., T7=1). Os demais níveis de escolaridade encontram-se nas posições intermediárias. A primeira parte deste texto tem por objetivo apresentar algumas estatísticas descritivas a respeito da evolução da distribuição da escolarização na população baseada nesta estrutura de transições. Com isso, entende-se que seja possível descrever um cenário mais geral sobre as grandes tendências na evolução da variável dependente de interesse. A posição dos indivíduos em sua trajetória educacional depende, fundamentalmente, de sua idade. Determinados níveis educacionais não são acessíveis a indivíduos em determinadas faixas etárias, assim como pode se ter uma idéia aproximada da idade do indivíduo a partir de sua posição na trajetória educacional (caso ele ainda esteja no sistema educacional). O vínculo entre idade e progressão educacional é especialmente verdadeiro no início da trajetória educacional dos indivíduos, nos quais a dispersão idade-série tende a ser menor; e torna-se menos evidente na medida em que os indivíduos vão se tornando mais velhos e avançam (ou não) em seu processo de escolarização. Neste sentido, buscou-se estruturar a análise da evolução das transições educacionais aqui apresentada partindo da comparação entre categorias populacionais significativas do ponto de vista da evolução das trajetórias educacionais dos indivíduos. Para fins de exposição do intuito analítico da proposta, isto significa recortar algumas faixas etárias no espectro populacional a respeito das quais tenha-se determinadas expectativas específicas quanto à sua posição na trajetória educacional, expectativas estas que possam ser utilizadas como referências para avaliação dos resultados empíricos observados. As faixas etárias selecionadas foram as seguintes: 6 (1) População de 12 a 15 anos – com relação a esta população, a expectativa é de realização de T1 (entrada no sistema educacional) e T2 (completar 4 anos de estudo). Como níveis educacionais mais elevados não estão acessíveis a todos os indivíduos nesta faixa etária, as análises se reduzem a estas duas transições; (2) População entre 16 e 18 anos - considerou-se que todos os indivíduos nesta faixa etária já atingiram uma posição no ciclo de vida que os permite ter realizado T 1, T2 e T3 (completar 8 anos de estudo), portanto as análises se reduzem a estas transições; (3) População de 19 e 20 anos – nesta faixa etária, analisou-se as chances de realização de T1, T2 e T3, e mais as chances de realização de T4 (entrada no Ensino Médio), T5 (completar o Ensino Médio) e T6 (entrada na universidade); (4) População de 21 a 25 anos – para a população nesta faixa etária avaliou-se as chances de realização de todo o espectro de transições, que inclui, além das anteriormente descritas, a análise das chances de realização de T6 (entrada na universidade) e T7 (completar o ensino universitário; 4. Escolarização da População Jovem 4.1. Nível de Escolarização A comparação estrutura-se em recortes transversais da população na faixa etária de interesse, extraídos de cada uma das base de microdados dos Censos de 1960 a 2010. Assim, a análise da evolução dos indicadores compara a população entre 10 e 11 anos no Censo de 1960 a população entre 10 e 11 anos no Censo de 1970 e assim por diante - portanto, não trata-se exatamente da mesma população e nem da mesma coorte. Como o interesse é verificar o efeito dos recursos dos país e das famílias nas chances de progressão no sistema dos filhos (Doe) trabalhamos apenas com os indivíduos que ainda moravam em suas famílias de origem (com seus pais). Esse é um outro fator que limita as análises as faixas etárias descritas acima. Temos muita segurança de que a grande maioria das crianças ainda reside com seus pais, mas não podemos partir da mesma pressuposição para os jovens, principalmente a partir dos 19 anos de idade. Por este motivo temos mais confiança nos resultados que entramos para as primeiras transições educacionais, uma vez que são baseados em crianças e jovens que ainda moravam com os pais. Em outras palavras, para estas faixas etárias mais jovens os dados são mais completos e confiáveis. O painel de gráficos a seguir compara a distribuição da escolarização por faixas etárias entre os Censos de 1960 e 2010: 7 Gráfico 1 – Nível de Escolaridade da população – Faixas Etãrias de Interesse - 1960-2010 População de 12 a 15 anos População de 16 a 18 anos 100% 100% 90% 90% 80% 80% 70% 70% 60% 60% 50% 50% 40% 40% 30% 30% 20% 20% 10% 10% 0% 0% 1960 1970 1980 1991 2000 2010 1960 1970 População de 19 e 20 anos 1980 1991 2000 2010 População de 21 a 25 anos 100% 100% 90% 90% 80% 80% 70% 70% 60% 60% 50% 50% 40% 40% 30% 30% 20% 20% 10% 10% 0% 0% 1960 1970 1980 1991 2000 2010 1960 1970 Entrou no Sistema Educacional 4 anos de estudo completos ensino básico completo ensino medio completo ensino superior incompleto ensino superior completo 1980 1991 2000 2010 ensino médio incompleto Os gráficos demonstram avanços no nível de escolarização dos jovens para todas as faixas etárias analisadas entre 1960 e 2010. A proporção da população que entra no sistema educacional atinge praticamente a universalidade em 2000 e 2010, para todas as faixas etárias, o que não ocorria no início da série. Na população entre 12 e 15 anos quase 90% dos jovens entraram no sistema educacional haviam atingido 4 anos de estudo completos em 2010, ao passo que esta proporção era de pouco mais de 20% em 1960. O mesmo movimento entre 1960 e 2010 com relação a estes níveis educacionais (entrada no sistema e os primeiros 4 anos de estudo completos) é observável em todas as faixas etárias, demonstrando o processo de universalização do acesso ao sistema educacional, que consolida-se no período 2000-2010. Avanços significativos na proporção da população que alcança 8 anos de estudos completos (completa o Ensino Básico) também são observáveis para as faixas etárias acima dos 16 anos. Na população entre 16 e 18 anos em 1960, menos de 10% dos indivíduos completavam o Ensino Básico ao passo que quase 70% haviam o faziam em 2010. Os gráficos referentes às populações entre 19 e 20 e entre 21 e 25 anos permitem evidenciar que os ganhos em nível de 8 escolarização para os jovens brasileiros estenderam-se também à entrada e conclusão do Ensino Médio e à entrada e conclusão do Ensino Superior, ainda que em graus variados entre estes níveis. Os resultados para estas populações indicam que a proporção de indivíduos que entram no Ensino Médio uma vez completado o Ensino Básico praticamente acompanha os ganhos de escolarização na conclusão do Ensino Básico (especialmente entre os mais jovens, entre 19 e 20 anos), indicando que cada vez mais indivíduos que completam o Ensino Básico tendem a prosseguir no Ensino Médio. Por outro lado, a conclusão do Ensino Médio continua a interpor-se como uma barreira relevante à escolarização dos jovens – ainda que os ganhos em proporção de jovens que atinge este nível de escolaridade não deixem de ser expressivos. Por exemplo, entre os jovens de 19 e 20 anos em 1960 apenas 1,9% daqueles que entravam no Ensino Médio concluíam este nível educacional, enquanto esta proporção é de 46% em 2010. Entre os jovens de 21 a 25 anos a proporção sobe de 3,5% para 53,3%. A entrada e a conclusão do Ensino Superior, passível de análise aqui apenas para as faixas etárias a partir dos 19 anos, também demonstra ganhos em nível ao longo dos anos para a população analisada, ainda que o acesso ao ensino universitário demonstre-se restrito mesmo em 2010. Para a população entre 21 e 25 anos, por exemplo, passa-se de 0,7% da população que havia entrado na universidade6 e 0,3% que concluíam a universidade em 1960 para 21,6% e 7,3% em 2010. Para os níveis universitários de escolarização os principais ganhos se deram entre 2000 e 2010, principalmente com um movimento significativo de entrada dos indivíduos no Ensino Superior, em especial de indivíduos com mais de 21 anos, ainda que não tenha se refletido de maneira tão evidente na proporção de indivíduos que de fato completam este nível educacional. Os resultados descritivos sobre a distribuição da escolarização entre os jovens brasileiros apontam uma transformação significativa nos níveis de escolaridade desta população, que tenderam sempre a subir entre 1960 e 2010. No caso dos níveis elementares (entrada, completar 4 anos e completar 8 anos de estudo) observou-se no período a universalização do acesso aos dois primeiros níveis educacionais e avanços muito significativos na conclusão do Ensino Médio. Mesmo que muitas trajetórias educacionais de jovens no Brasil ainda terminem nestes níveis educacionais, também são observáveis avanços muito significativos com relação a patamares mais avançados das trajetórias educacionais em nível – como é o caso da entrada e da conclusão do Ensino Médio – e em proporção – para a entrada e a conclusão dos níveis superiores, que partem de proporções muito baixas da população no início do período para proporções significativamente mais altas em 2010. 9 4.2. Progressão Educacional As informações apresentadas até aqui dizem respeito à distribuição da população nas faixas etárias selecionadas entre os diversos níveis de escolarização. Mas pouco dizem sobre as chances de realização efetiva das transições, ou seja, dado que os indivíduos completam uma transição Tn, qual a proporção de indivíduos que realiza a transição Tn+1. Pode-se denominar a população que realizou Tn como população sob risco de realização de Tn+1, e a acessibilidade aos diversos níveis educacionais pode ser medida pela capacidade do sistema em transformar a população sob risco de Tn+1 em população que realiza de fato Tn+1. À relação entre o total da população apta a realizar Tn+1 e a população que de fato realiza esta transição pode ser medida através das taxas de transição condicionais, e estes são indicadores importantes sobre a capacidade do sistema educacional em absorver população entre os diversos níveis. Assim, a população que realizar Tn+1 é sempre decrescente com relação à população que realizou Tn, já que constitui-se em um sub-conjunto da mesma (somente os indivíduos que realizaram T1 estão aptos a realizar T2, por exemplo, e assim por diante). Dentro da estrutura de transições utilizadas contam-se 6 movimentos de transição educacional mensurados, que vão do movimento de T0 para T1 (entrada no sistema educacional) até de T6 para T7 (completar o Ensino Superior uma vez tendo entrado na universidade). O painel de gráficos a seguir apresenta as taxas de transição condicionais para todos os 6 movimentos de transição, e as linhas representam a evolução da taxa para cada uma das faixas etárias analisadas. Assim, observam-se as taxas de transição condicionada para as faixas etárias para as quais é pertinente pensar-se o movimento de transição em tela o que significa, por exemplo, que no movimento de T0 para T1 consideram-se todas as faixas etárias analisadas, ao passo que no movimento de T6 para T7 analisa-se apenas a população entre 21 e 25 anos. Painel 1 – Taxas de Transição Condicionais por Faixas Etárias e Movimentos de Transição – 1960 a 2010 T0 - T1 T1 - T2 1,000 1,000 0,800 0,800 0,600 0,600 0,400 0,400 0,200 0,200 0,000 0,000 1960 1970 1980 1991 2000 2010 1960 1970 1980 1991 2000 2010 10 T2 - T3 T3 - T4 1,000 1,000 0,800 0,800 0,600 0,600 0,400 0,400 0,200 0,200 0,000 0,000 1960 1970 1980 1991 2000 2010 1960 1970 1980 T4 - T5 1991 2000 2010 1991 2000 2010 T5 - T6 1,000 1,000 0,800 0,800 0,600 0,600 0,400 0,400 0,200 0,200 0,000 0,000 1960 1970 1980 1991 2000 2010 1991 2000 2010 1960 1970 1980 T6 - T7 1,000 0,800 0,600 0,400 0,200 0,000 1960 1970 1980 A análise das taxas de transição condicionais evidencia as diferenças na evolução dos parâmetros de progressão educacional dos jovens brasileiros entre os níveis básicos (até T 3) e os níveis intermediários (T4 e T5) e avançados (T6 e T7). As taxas de transição entre T0 e T1 atingem praticamente a universalidade em 2010 para as todas as faixas etárias, e seu comportamento crescente indica que o sistema educacional teve uma capacidade crescente de absorver os indivíduos desde 1960. A mesma tendência de capacidade crescente de absorção é observada nos movimentos de T1 para T2 e de T2 para T3. No primeiro caso, atinge-se quase a universalidade, como na transição de T0 para T1, o que indica continuidade na progressão educacional até os 4 anos de estudo em 2010 para praticamente a totalidade dos indivíduos que entraram no sistema. Completar o Ensino Básico uma vez que o indivíduo completou 4 anos de estudo (transição de T2 para T3) também se transformou, ao longo do período, em um 11 destino educacional muito freqüente, no qual enquadra-se mais de 70% da população nas faixas etárias analisadas. Ainda que as taxas de transição de T2 para T3 não atinjam os mesmos patamares dos movimentos de transição mais elementares, o gráfico demonstra uma evolução clara na capacidade do sistema educacional em absorver os indivíduos elegíveis a T 3 (ou seja, que completaram T2). Nos níveis intermediários e avançados da progressão educacional dos jovens observam-se tendências um pouco distintas. A transição condicionada de T3 para T4, que indica a entrada no Ensino Médio uma vez tendo completo o Ensino Básico, apresenta tendência de crescimento similar aos níveis básicos. Trata-se de um ganho de acessibilidade considerável, tendo-se em vista que cresce muito ao longo do período a população sob risco de realização de T 4 (tanto em nível quanto em proporção), ou seja, a população que consegue atingir T3. Mas é na transição de T4 para T5 (completar o Ensino Médio) que as tendências apontadas pela taxa de transição condicional se distinguem mais claramente do observado para os níveis básicos. O comportamento das taxas condicionais indica que a capacidade do sistema em transformar população elegível a T5 em população que realiza de fato T5 tendeu a manter-se constante entre 1960 e 2000, com uma pequena recuperação em 2010. Assim, observa-se que a proporção de pessoas que realiza este movimento tendeu a se manter constante – o que pode ser explicado pelo volume crescente de população elegível a esta transição aliado à incapacidade do sistema educacional em expandir vagas neste nível educacional no mesmo ritmo do crescimento da população elegível. Nos níveis educacionais superiores encontram-se as taxas de transição condicionadas mais baixas entre os jovens brasileiros no período. A transição de entrada na universidade uma vez tendo completado o Ensino Médio (de T5 para T6) era muito baixa em 1960 (na população de 19/20 anos apenas 12,9% dos que terminavam o EM entravam na universidade e na população entre 21 e 25 anos essa proporção era de 21,5%, sobe em 1970 e atinge seu ápice em 1980, quando aproximadamente 40% dos elegíveis nas faixas etárias analisadas realizavam a transição para T6. A partir de 1991 há uma queda na taxa de transição condicional para T6, com uma leve recuperação até 2010. Também neste caso observa-se que a evolução do sistema educacional não foi capaz de aumentar a taxa de transição condicional, ou seja, em 2010, aproximadamente a mesma proporção de jovens que completava o Ensino Médio em 1980 entra na universidade – ainda que tenha havido uma variação significativa no volume populacional elegível a T6, que sobe no período 1980-2010 (como vimos no Gráfico 1). Dentre todos os movimentos de transição, a taxa condicionada para o término do Ensino Superior uma vez tendo entrado na universidade (de T6 para T7) é o que apresenta o comportamento mais errático no período. Trata-se também do movimento de transição com as taxas condicionais mais baixas, o que indica que sempre foi comum entre os jovens brasileiros 12 (até 25 anos) que chegam à universidade não conseguirem completar este nível educacional (ou realizar T7). A única faixa etária selecionada para a qual é possível avaliar as taxas de transição de T6 para T7 (entre 21 e 25 anos) apresentam resultados que mostram uma diminuição nas chances de completar a universidade (uma vez tendo entrado) entre 1960 e 1980 – quando chega a apenas 19,6% do ingressantes concluindo a educação superior – e se recupera a partir de 1991 até 2010, ano no qual esta proporção atinge 35% do total de jovens entre 21 e 25 anos que entraram na universidade completando o ensino superior. A evolução das taxas de transição entre os jovens brasileiros demonstra que a capacidade de absorção do sistema educacional cresceu substancialmente entre 1960 e 2010 no que diz respeito aos níveis básicos de Ensino. Se em 1960 era bastante improvável que os jovens alcançassem 8 anos de estudo, em 2010 as chances de progressão educacional para T1, T2 e T3 são praticamente universais – praticamente todos os jovens que entram no sistema educacional atingem 8 anos de estudo. Com relação aos níveis intermediários,há ganhos importantes de acesso condicional à entrada no Ensino Médio (T4) mas ainda não é possível identificar movimentos da mesma magnitude na transição rumo a T 5 (completar o Ensino Médio) para a qual o sistema educacional brasileiro em 2010 mantém parâmetros de transição condicionada similares aos observados em 1980. Com relação aos níveis superiores, o nível de restrição ao acesso diminui no período 1960-2010, ainda que mantenha-se quase constante entre 1980 e 2010. Para este nível educacional, ao longo de praticamente todo o período (à exceção de 1960), as chances entre a população jovem de completar a universidade uma vez tendo entrado são menores do que as chances de entrar na universidade uma vez tendo terminado o ensino médio. 5.Desenho Empírico do Modelo de Progressão Educacional Entre o conjunto de variáveis utilizadas na estimação das probabilidades de progressão educacional contam-se: (a) classe de origem: a classe de origem do indivíduo é a variável-teste da estimação. Alguns estudos em estratificação educacional lançam mão de indicadores contínuos de status ocupacional (ISEI). Este é o caso de parte dos estudos que analisam o caso brasileiro na área (Fernandes, 2004; Torche, 2010; Ribeiro, 2011) e de parte dos mais relevantes estudos internacionais (Mare, 1981; Hout, Raftery e Bell, 1993; Lucas, 2001). Outros estudos utilizam o esquema EGP (Erikson, Goldthorpe, Portocarrero, 1979) de classificação de ocupações, ou alguma variação derivada, que em sua forma original distingue em 11 classes de categorias ocupacionais principais. A utilização do esquema EGP para a classificação da ocupação do pai (e ocasionalmente da mãe) pode ser encontrada diversos trabalhos sobre estratificação 13 educacional (Raftery e Hout, 1993; Breen e Jonsonn, 2000; Kesler, 2005; Breen, Luijkx, Muller e Pollack, 2009) e é o indicador de classe de origem utilizado nos exercícios reportados neste trabalho; (b) escolaridade dos pais: o total de anos de estudo completos dos pais são variáveis muito comumente utilizadas como indicadores da origem social dos indivíduos. A maior parte dos trabalhos utiliza o total de anos de estudo completos do pai e da mãe (Mare, 1981; Hout, Raftery e Bell, 1993; Lucas, 2001; Hout, 2006, para o caso brasileiro, Fernandes, 2004; Torche, 2010; Ribeiro, 2011). Valle-Silva e Hasembalg (2000) utilizam apenas a escolaridade da mãe, e em outros casos são utilizadas variáveis que sintetizam a escolarização de ambos os pais através da média (Ayalon e Shavit, 2004) ou do nível de escolaridade mais alto entre ambos (Kesler, 2005; Milesi, 2010; Roksa e Velez, 2010 e Karlson, 2011). No presente estudo será utilizada a escolaridade da mãe, operacionalizada através de variáveis dicotômicas para nível educacional completo ou incompleto. Independente da forma como é operacionalizada, o efeito da escolarização dos pais nestes estudos indica que quanto mais alta a escolaridade, maiores as chances de realização das transições nos níveis básicos; o efeito sobre as chances de transição em níveis educacionais mais altos é objeto de ampla discussão; (c) região do país: diferenças na oferta educacional justificam a inserção de variáveis indicadoras referentes a cada uma das regiões do país (Castro, 2000); variáveis indicadoras de região foram utilizadas na análise do caso brasileiro por Hasenbalg e Valle-Silva (2002) e Montalvão (2011), e em casos internacionais por Mare (1981) e Roksa e Velez (2010). Neste estudo o modelo estimado contará com variáveis indicadoras para cada região do país, com a região centro-oeste como categoria de referência. Na análise do caso brasileiro, os estudos indicam que a residência nas regiões norte e nordeste diminui as chances de realização das transições; (d) situação de residência: as diferenças na oferta educacional também justificam a inserção de uma variável de controle por tipo de região de residência. Resultados para os estudos brasileiros tem demonstrado efeito muito relevante de diminuição de chances de realização de transições para estudantes residentes em áreas rurais (Hasembalg e Valle-Silva, 2002; Montalvão, 2011). A origem (não necessariamente residência atual) em regiões urbanas ou rurais também é utilizada como indicador de origem social em estudos internacionais (Mare, 1981; Hout, Raftery e Bell, 1993; Lucas, 2001) e no estudo do caso brasileiro (Fernandes, 2004; Ribeiro, 2011) apresentando geralmente efeito de diminuição nas chances de realização de transições; (e) cor: cor/raça é uma dimensão muito presente (e relevante) em estudos sobre desigualdade educacional no Brasil, variando entre especificações dicotômicas que separam brancos e não- 14 brancos (Hasenbalg e Valle-Silva, 2002) e especificações que distinguem entre pardos, negros e brancos (Fernandes, 2004; Ribeiro, 2011; Montalvão, 2011). No caso da última, os resultados destes estudos vem demonstrando a pertinência da operacionalização da raça a partir da variável com três categorias, devido à diferenças significativas encontradas nas oportunidades educacionais de negros e pardos, e esta é a especificação desta variável a ser utilizada neste estudo. Raça / etnia é também uma variável comumente utilizada na análise de casos internacionais, em especial no caso norte-americano (Ayalon e Shavit, 2004; Lucas, 2001; Milesi, 2010); (f) sexo: virtualmente todos os estudos sobre transições educacionais utilizam o sexo como variável independente nas análises. Com a evolução da escolarização média das mulheres no Brasil (fenômeno observado também em outros países) ao ponto de atingirem escolaridade média mais alta do que os homens, acredita-se que mulheres apresentam chances mais alta de realização de transições; (g) renda familiar: a renda per capita domiciliar é usualmente utilizada como indicadora da condição econômica da família (ainda que tenham surgido críticas a respeito de sua pertinência enquanto tal, devido ao caráter transitório dos rendimentos, geralmente provenientes do trabalho). Estudos nacionais e internacionais que lançaram mão da utilização desta variável tem demonstrado efeitos positivos sobre as chances de transição tanto no Brasil quanto em outros países (Lucas, 2001; Hasembalg e Valle-Silva, 2002, Milesi, 2010; Montalvão, 2011; Roksa Velez, 2011) mas com efeitos que variam entre as transições e entre tipos de transição; (h) composição familiar: três indicadores sobre a composição familiar serão incorporados às estimações (1) a ausência de cônjuge, indicadora de famílias nas quais existem ou não cônjuge e pessoa de referência. Em estudos internacionais é utilizada como indicador de “broken family” (Mare, 1981; Lucas, 2001; Milesi, 2010; Lucas, Fucella e Berends, 2011). Em estudos brasileiros (Valle-Silva e Hasembalg, 2000; Ribeiro, 2011; Montalvão, 2011) o efeito observado é de diminuição nas chances de transição para estudantes oriundos de famílias na qual observa-se ausência de cônjuge; (2) uma variável que indica se o indivíduo é o filho mais velho (primogênito) e (3) uma variável sobre o número total de filhos na família. O modelo estimado conta com variáveis representativas de todas estas dimensões, à exceção do Censo de 1970, que não conta com a informaçao de raça do indivíduo. As chances de realizaçao de transiçoes estimadas controlam, portanto, as chances de realização de acordo com todas estas características. Nesta comunicação optou-se por reportar os resultados dos efeitos para três indicadores específicos inseridos na estimação, que referem-se à origem social dos jovens: escolaridade da mãe, renda per capita domiciliar e classe social da família. 15 6. Resultados Preliminares Os resultados aqui apresentados reportam os efeitos observados a partir da estimação do modelo logístico condicional para a progressão educacional de jovens entre 12 e 25 anos para três variáveis referentes à origem social destes jovens: a escolaridade da mãe, a renda per capita domiciliar e a classe social da família. O primeiro painel apresenta os resultados para a escolaridade da mãe: Painel 2 – Efeito Escolaridade da Mãe (Mãe com Ensino Médio Completo) – Razao de Chances de Realização das Transições por Movimento de Transição e Faixa Etária – 1960 a 2010 16 O indicador reportado, utilizado para a análise dos efeitos da escolaridade da mãe sobre as chances de progressão educacional, é “mãe com nível médio de escolaridade”. Os gráficos apresentam as razões de chances de realização das transições (de T0 para T1, de T1 para T2, e assim por diante) para indivíduos com mães que tenham no mínimo o ensino médio completo, em comparação aos demais. Cada linha representa uma das faixas etárias analisadas, e marcadores vazios nas linhas indicam ausência de efeito significativo do indicador de escolaridade da mãe sobre as chances de realização da transição em questão – ou seja, indicam que, para o modelo estimado no ano X para a faixa etária N, o efeito da escolaridade da mãe medido através do indicador escolhido não está significativamente associado às chances de progressão educacional. O fato de a mãe ter ao menos nível médio de ensino não está significativamente associado à progressão educacional em todos os nívei educacionais, para todas as faixas etárias analisadas em todos os anos. A inspeção dos dois primeiros gráficos do painel 1 deixa isso claro, apresentando o efeito da escolaridade da mãe sobre as chances de entrar no sistema educacional (de T0 para T1) e de completar quatro anos de estudo (de T1 para T2). Para a entrada no sistema educacional, o efeito escolaridade da mãe passa a ser significativo principalmente a partir de 1991 (ainda que seja significativo para crianças entre 12 e 15 anos em 1980), e o efeito sobre as chances de completar 4 anos de estudo é mais evidente a partir de 1980. A comparação entre os dois primeiros movimentos de transição também aponta como o efeito escolaridade da mãe tende à estabilidade no caso da entrada no sistema educacional entre todas as faixas etárias, ao passo que apresenta tendências diferentes entre mais jovens ( de 12 a 18 anos) e mais velhos (mais de 19 anos) para a realização da segunda transição: o efeito da escolaridade da mãe tende a ser maior entre os filhos em faixas etárias mais avançadas. A importância da escolaridade da mãe enquanto fator preditor das chances de progressão educacional dos filhos se demonstra de maneira mais robusta nos demais movimentos de 17 transição educacional. Todas as faixas etárias analisadas, elegíveis à graduação no Ensino Básico (completar 8 anos de estudos) tem suas chances de progressão significativamente associadas à escolaridade da mãe a partir de 1970. O efeito é crescente desde 1980 e, em 2010, os jovens das 3 faixa etárias analisadas cujas mães tem no mínimo nível médio completo tem entre 75 e 100% de chances a mais de conseguirem completar 8 anos de estudo do que jovens cujas mães não tem este nível de escolarização. A entrada no Ensino Médio também se apresenta condicionada ao nível educacional (a partir de 1980), ainda que seu impacto sobre as chances dos filhos de progredirem para a entrada no nível Médio de ensino seja mais baixo do que o impacto sobre as chances de completar o Ensino Básico. No movimento de transição para a graduação no Ensino Médio as evidências de associação entre escolaridade da mãe e progressão educacional dos filhos são também bastante robustas. A partir de 1970 o efeito positivo da escolaridade da mãe em nível médio sobre as chances de graduação dos filhos no Ensino Médio é significativo, com tendência de crescimento entre 2000 e 2010, em especial entre faixas etárias mais avançadas. Para as transições de nível superior (entrada e conclusão da universidade), para as quais apenas uma faixa etária observada é elegível, ainda que significativo na maior parte dos anos, o efeito da escolaridade da mãe é mais baixo. 18 Painel 3 – Efeito Renda (Renda per capita domiciliar) – Razao de Chances de Realização das Transições por Movimento de Transição e Faixa Etária – 1960 a 2010 19 Os gráficos do painel 2 reportam os resultados do indicador de renda utilizado na estimação, o LN da renda per capita domiciliar. Este é um dos indicadores que apresentou resultado mais robusto nas estimações, estando associado às chances de progressão em praticamente todos os níveis educacionais. Neste trabalho é utilizado como um indicador de renda corrente da família, para que tenha seu efeito comparado à classe social, utilizada como um indicador mais permanente da renda familiar potencial. Os resultados para as transições básicas indicam que o nível de renda familiar esteve desde 1960 associado às chances de entrada e de conclusão de 4 anos de estudos entre os jovens brasileiros, sendo que jovens de famílias mais ricas tem significativamente mais chances de prosseguir por estes dois níveis de suas trajetórias educacionais. No entanto este efeito vem diminuindo para as duas transições básicas desde 1980, o que indica ganhos de acessibilidade nestes níveis para jovens provenientes de famílias mais pobres.Para a conclusão de 8 anos de estudo, o efeito da renda é geralmente mais alto do que nas transições. Mas a partir da década de 1980 o efeito da renda familiar básicas sobre as chances de realização de T 3 passa a diminuir, indicando maior igualdade de acesso entre estratos de renda à conclusão do Ensino Básico. Movimento muito similar é observado nas chances de entrada no Ensino Médio, ainda que o efeito renda seja menor do que o observado para a progressão dos jovens até 8 anos de estudo. Tanto para a transição de conclusão do Ensino Básico como de entrada no Ensino Médio,o efeito da renda tende a ser mais alto quanto mais alta a faixa etária dos jovens, indicando que a progressão rumo a estes níveis mais altos de escolarização tende a ser mais dependente do nível de renda familiar quanto mais velhos os jovens. As chances de conclusão do Ensino Médio (transição de T4 para T5) estão crescentemente associadas à renda familiar entre 1960 e 1980. A partir da década de 1980 o efeito renda sobre a conclusão do Ensino Médio tende a decrescer – os patamares mais baixos observados em 1991 e 2010. A evolução do efeito da renda familiar sobre a conclusão do Ensino Médio é bastante similar ao observado para a conclusão do Ensino Básico, indicando que o efeito da renda é maior sobre os pontos da progressão educacional no qual os jovens obtém as credenciais.A entrada na universidade é uma exceção a este padrão. Trata-se do único movimento de transição para o qual o efeito da renda é crescente entre 1960 e 2010. Isto indica que a transição de entrada na universidade é o único ponto da trajetória educacional dos jovens brasileiro que experimenta, desde 1960, associação crescente entre renda domiciliar e chances de progressão. Os parâmetros estimados de associação entre renda e entrada na universidade são os mais altos entre todas as transições de 1991 em diante. A entrada na universidade é também o único movimento de progressão educacional fortemente correlacionado à renda que não implica a obtenção de uma credencial. A obtenção do título universitário, por outro lado, se fortemente associada aos níveis de renda no início da série 20 histórica, apresenta tendência decrescente ao fim do período. Nos níveis universitários, portanto, a desigualdade de oportunidades educacionais condicionada por renda opera de maneira mais clara na entrada do que na conclusão, diferente do observado para os demais níveis educacionais. O efeito da renda sobre a progressão educacional é robusto ao longo de todo o período analisado e até 1980 tendia a definir crescentemente as carreiras educacionais dos jovens – de maneira mais marcante nos níveis médios do que nos níveis básicos. A partir daí a desigualdade por renda na progressão educacional passa a cair nos níveis básicos ao passo que aumenta nos níveis universitários. Ao fim do período, a desigualdade de renda atua principalmente nas chances de entrada na universidade. Painel 4 – Efeito Classe (EGP Classes I e II – Higher and Lower Professionals) – Razao de Chances de Realização das Transições por Movimento de Transição e Faixa Etária – 1960 a 2010 21 Os efeitos da classe social são também robustos ao longo de toda a série histórica analisada, o que indica que desde 1960 as chances de progressão educacional entre os jovens brasileiros estão associadas à classe da família de origem. A variável indicadora de classe é derivada da combinação entre a ocupação do pai e da mãe, de acordo com a posição ocupacional. Ambas as ocupações de chefe e cônjuge foram classificadas de acordo com o esquema EGP (Erikson, Goldthorpe, Portocarrero, 1979). A variável cujos resultados são aqui reportados consiste na classe mais alta entre a ocupação da mãe e do pai, recodificada de forma a indicar pertencimento da família às classes I e II do esquema EGP de 11 classes. Tais classes são (I) trabalhadores não-manuais de alta qualificação e (II) trabalhadores não-manuais. Os gráficos no painel 3 apresentam o efeito, em razões de chances, do pertencimento da famílias às classes I e II sobre a progressão educacional em cada uma das transições. A tendência observada é bastante clara para as duas transições elementares: os diferenciais de classe nas chances de entrada no sistema educacional e de conclusão de 4 anos de estudo tendem a diminuir, especialmente a partir de 1970. A diminuição neste diferencial ocorre em todas as faixas etárias avaliadas, à exceção da transição T1 para jovens entre 12 e 15 anos, para a qual a classe social da família não tem efeito significativo sobre as chances de progressão na maior parte dos anos. A diminuição no efeito classe sobre as transições elementares é de tal monta que, se em 1970 um jovem de 16 a 18 anos com origem em uma 22 família de classe I ou II tinha 130% a mais de chances de entrar no sistema educacional do que outro jovem da mesma idade mas com origem familiar em outra classe, em 2010 este diferencial era de apenas 1,7%. A tendência de diminuição do efeito classe também é observável para a conclusao de 4 anos de estudo, para todas as faixas etárias, e para a conclusão do Ensino Básico. A comparação entre o efeito classe para as três prmeiras transições mostra que a barreira de classe era, no início do período, mais significativa na determinação das chances de entrada do sistema educacional. A partir da década de 1990, o efeito classe sobre as chances de entrada no sistema educacional decrescem significativamente – indicando diminuição na desigualdade de oportunidades educacionais – e se deslocando de forma a se mostrar mais proeminente nas transições subsequentes. A análise do efeito classe sobre as transições educacionais posteriores à conclusão de 8 anos de estudo apresentam tendência à estabilidade, indício de que o padrão de desigualdades persistentes pode ser pertinente à análise do caso brasileiro em relação à entrada e conclusão do Ensino Médio (T3 – T4 e T5 – T6) e à conclusão do Ensino Superior. A entrada no ensino superior, assim como ocorre no caso do efeito renda apresenta comportamento diferente – se por um lado a persistência do efeito é notável entre 1970 e 2000, nota-se inflexão considerável rumo a um aumento na associação entre classe e chances de progressão em 2010. Assim como no caso da renda domiciliar per capita, é notável a robustez da associação entre classe e progressão educacional entre jovens brasileiros nos últimos 50 anos de acordo com o que nos relatam os dados dos Censos Demográficos. No que diz respeito aos níveis básicos de Ensino (da entrada no sistema educacional até a conclusão de 8 anos de estudo), parte-se de uma enorme barreira de classe até mesmo no acesso ao sistema para um cenário bem menos agudo, mas no qual ainda barreiras de classe se sustentam. A partir da entrada no Ensino Médio, o efeito classe é marcado pela estabilidade, ã exceção da entrada na universidade, transição para a qual as informações do Censo 2010 evidenciam recrudescimento das desigualdades de classe. 7. Considerações Finais Nesta comunicação foram apresentados os primeiros resultados da exploração de estatísticas inferenciais a respeito da associação entre classe social e origem e chances de progressão educacional entre jovens brasileiros. Este primeiro exercício tem um caráter experimental e buscou também testar o caráter operacional da proposta de análise a partir dos dados Censitários. Por esta razão optou-se pela estimação do modelo básico de progressão educacional tal como proposto por Mare (1980, 1981) a partir da sequencia de modelos logit condicionais. Do ponto de vista operacional o exercício é bem sucedido e demonstra que é 23 possível empreender a análise comparativa proposta a partir da organização dos dados censitários tal como proposta anteriormente. Há com certeza ainda uma discussão sobre a adequação deste tipo de modelo para a análise empreendida e a incorporação de outros tipos de estimação para balizamento das principais tendências observadas, mas o exercício aqui apresentado significa a consolidação de um passo importante em termos de adequação operacional da análise. Os principais resultados descritivos evidenciam o processo de expansão da acessibilidade dos níveis educacionais básicos no país nos últimos 50 anos. As barreiras à entrada no sistema educacional e principalmente, à conclusão do Ensino Básico (8 anos de estudo), tão proeminentes nos anos 1960, 1970 e 1980, são gradualmente substituídas por barreiras que se interpõe à progressão educacional rumo à conclusão do Ensino Médio e à entrada na universidade, mais proeminentes a partir da década de 1990. A história recente das oportunidades educacionais no Brasil indica ganhos de acessibilidade muito proeminentes nos níveis básicos, e ganhos menos evidentes (e mesmo estabilidade em alguns casos) em acessibilidade aos demais níveis. Os resultados apresentados indicam que nos últimos 50 anos a origem social dos jovens tem modelado significativamente suas chances de progressão educacional no país, ainda que de maneira distinta dependendo do nível educacional considerado ou do período analisado. Com os ganhos em acessibilidade, os efeitos da origem social tendem a diminuir nos níveis básicos, indicando diminuição da desigualdade de oportunidades educacionais para estes níveis. Este é o caso das três primeiras transições na estrutura de progressão educacional brasileira, onde os ganhos em acessibilidade a partir da expansão educacional tenderam a diminuir os efeitos da origem social. No caso das demais transições a partir da entrada no Ensino Médio, a diminuição na desigualdade de oportunidades educacionais condicionada à origem social não é tão clara, e os níveis de desigualdade tenderam à estabilidade ao longo do período analisado. Os resultados a partir da análise dos efeitos da escolaridade da mãe, da renda per capita familiar e da classe social da família evidenciam que nos últimos 50 anos a origem social dos jovens brasileiros impacta na sua trajetória educacional. Se no passado estas barreiras à progressão educacional se interpunham aos jovens no início da trajetória educacional, à medida em que o tempo passa elas vão se deslocando rumo a pontos mais avançados da progressão no sistema. Hoje em dia o acesso ao sistema educacional até a conclusão dos primeiros 8 anos de estudo é muito menos condicionado à origem social dos jovens do que foi no passado. O mesmo não pode ser dito para os níveis de escolarização mais altos, para os quais o efeito da origem social sobre as chances de progressão entre jovens tendem historicamente à estabilidade ou mesmo apresentam tendências de recrudescimento das desigualdades de acesso. 24 Referências Bibliográficas AYALON, H.; SHAVIT, Y.; Educational Reforms and Inequalities in Israel. The MMI Hypothesis Revisited. In: Sociology of Education. vol. 77. 2004. BREEN, R.; JONSSON, J. O. Analyzing Educational Careers. A Multinomial Transition Model. In: American Sociological Review, vol 65 n. 5. 2000. BREEN, R.; LUIJKX, R.; MULLER, W.; POLLACK, R. Nonpersistent Inequality in Educational Attainment: Evidence from Eight European Countries. In: American Journal of Sociology. vol. 114 (5). 2009. CASTRO, M. H. G.; As Desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro. In. HENRIQUES, R.; (org.) Desigualdade e Pobreza no Brasil. IPEA. Rio de Janeiro. 2000. ERIKSON, R.; GOLDTHORPE, J.; PORTOCARRERO, L. Intergenerational Class Mobility in Three Western European Countries: England, France and Sweden. In: The British Journal of Sociology. Vol. 30 (4). 1979. FERNANDES, D. C.; Estratificação educacional, origem sócio-econômica e raça no Brasil. as barreiras da cor. In: Prêmio IPEA 40 Anos. Monografias Premiadas. Brasília. 2004. HASENBALG, C.; VALLE-SILVA, N.; Recursos familiares e transições educacionais. In: Cadernos de Saúde Pública. vol. 18. 2002. HOUT, M.; Maximally Maintened Inequality and Essentially Maintained Inequality Crossnational Comparisons. In: Sociological Theory and Methods. vol. 21 (2). 2006 HOUT, M.; RAFTERY, A. E.; BELL, E.; Making the grade. Educational Stratification in the United States, 1925-1989. In: SHAVIT, Y.; BLOSSFELD, H. P. (Ed.). Persistent Inequality. Changing Educational Attainment in Thirteen Countries. Westview. Boulder. 1993. KARLSON, K. B.; Multiple paths in educational transitions. A multinomial transition model with unobserved heterogeneity. In Research in Social Stratification and Mobility. n. 29. 2011. KESLER, C.; Educational Stratification and Social Change. In: European Sociological Review. n. 19 (5). 2005. LUCAS, S.; Effectively Maintained Inequality: Education Transitions, Track Mobility, and Social Background Effects. In American Journal of Sociology. Vol. 106 (6). 2001. LUCAS, S.; FUCELLA, P.; BERENDS, M.; A neo-classical education transitions approach: A corrected tale for three cohorts. In Research in Social Stratification and Mobility. n 29. 2011. MARE, R.; Social Background and School Continuation Decisions. In: Journal of the American Statistical Association. n 75. 1980. MARE, R.; Change and Stability in Educational Stratification. American Sociological Review, Vol. 46 (1). 1981. MILESI, C.; Do all roads lead to Rome? Effect of educational trajectories on educational transitions. In Research in Social Stratification and Mobility. n 28. 2010. MONTALVÃO, A.; Estratificação Educacional no Brasil no Século XXI. In: Dados, vol 54 (2). 2011. 25 RAFTERY, A.; HOUT, M.; Maximally Maintained Inequality: Expansion, Reform, and Opportunity in Irish Education, 1921-75. In: Sociology of Education. vol 66 (1). 1993. RIBEIRO, C. A. C.; Desigualdade de Oportunidades e Resultados Educacionais no Brasil. In: Dados. vol. 54 (1). 2011. ROKSA, J.; VELEZ, M. When studying schooling is not enough Incorporating employment in models of educational transitions. In: Research in Social Stratification and Mobility. n 28. 2010. SHAVIT, Y., BLOSSFELD, H. P.; Persistent Inequality. Changing Educational Attainment in Thirteen Countries. Westview. Boulder. 1993. SHAVIT, Y; YAISH, M.; BAR-HAIM, E.; The Persistence of Persistent Inequality. Mimeo. 2005 TORCHE, F.; Economic Crisis and Inequality of Educational Oportunity in Latin America. In: Sociology of Education. vol 83 (2). 2010. VALLE SILVA, N; Expansão Escolar e Estratificação Educacional no Brasil. In: VALLESILVA, N.; HASENBALG, C. (Org.); Origens e Destinos. 2003. VALLE SILVA, N.; SOUZA, A. M.; Um modelo para a análise da estratificação educacional no Brasil. In: Cadernos de pesquisa. n. 58. 1986. VALLET, L. A.; The Dynamics of Inequality of Educational Opportunity in France: Change in the Association Between Social Background and Educationin Thirteen Five-Year Birth Cohorts (1908-1972). Paper apresentado na reunião do comitê de pesquisa da ISA em Estratificação e Mobilidade Social. Neuchatel. Suiça. 2004. WU, X.; Economic Transition, School Expansion and Education Inequality in China, 19902000. In: Research in Social Stratification and Mobility. n. 28. 2010. 26