O Poder Judiciário e o fisco na era digital
O que muda na realidade das empresas com o Poder Judiciário e o
fisco brasileiros mais digitais? E o que as empresas devem fazer
para atender a essa nova realidade, cada vez mais eletrônica e de
menos papel e burocracia? Será que elas estão preparadas para
essa comunicação em tempo real com as autoridades? Ou será que
o apego ao papel é tamanho que nos sentimos inseguros sem ele?
Qual o investimento necessário para atender as normas já em vigor
que exigem a gestão eletrônica contábil e financeira, bem como do
próprio jurídico? Será que esse pode ser um fator impeditivo para
pequenas empresas?
Um dos primeiros requisitos que observamos é a exigência de uso de
um certificado digital com base na ICP-Brasil - que, em princípio, por
toda sua característica de aumento de blindagem jurídica, nãorepúdio e inversão de ônus da prova, já deveria há muito tempo ter
sido adotada maciçamente pelas empresas. Isso ainda não ocorreu,
talvez porque não seja obrigatória para tudo. O certificado digital, no
entanto, é uma opção para que se obtenha mais informações pelo
site da Receita Federal do Brasil, evitando a necessidade de se
deslocar a uma de suas unidades e facilitando a retirada de
certidões, motivos esses que já provocaram um alto índice de
adesão ao sistema de contadores e departamentos financeiros.
A falta de uma cultura de uso da certificação digital ainda leva à sua
pouca aceitação de uma forma geral. Imagine-se o desafio de um
pequeno comércio ou varejo, ou mesmo de um correspondente
bancário, diante da exigência de um certificado digital. Quando muito,
os bancos conseguem exigir o uso de um token. Mas se a
certificação digital se tornasse obrigatória por lei, todos passariam a
usá-la. E talvez isso venha a ocorrer nos próximos anos, diante de
toda a virtualização das relações com autoridades - com o "e-Gov",
que abrange inclusive o incentivo ao uso do pregão eletrônico, entre
outros.
Uma outra questão relevante em termos de requisitos técnicos para
uma empresa operar de forma on-line com as instituições públicas é
o uso de um sistema de solução fiscal integrado com um ERP. A
exceção de grandes empresas, muitas não possuem esse tipo de
estrutura ainda bem implementada, o que pode determinar a
ocorrência de uma série de incidentes, inclusive de exteriorização de
dados equivocados ao fisco, por conta das exigências do Sistema
Público de Escrituração Digital (Sped) em curso atualmente, que
inclui a Nota Fiscal Eletrônica.
Iniciado em 22 de janeiro de 2007, o Sped foi implementado pelo
Decreto nº 6.022 como parte do Programa de Aceleração de
Crescimento (PAC) do governo federal para estabelecer medidas de
aperfeiçoamento do sistema tributário e remoção de obstáculos
burocráticos ao crescimento econômico. São três os elementos que o
compõe: a Escrituração Contábil Digital (ECD), instituída pela
Instrução Normativa nº 787, de 2007, da Receita Federal do Brasil,
que prevê o envio de informações contábeis (razão, balancetes
diários, balanços, fichas de lançamento e auxiliares e outros) por
meio digital, visando à substituição dos livros físicos e sua eventual
extinção; a Escrituração Fiscal Digital (EFD), um arquivo digital com
informações referentes às operações, prestações de serviços e
apuração de impostos do contribuinte, contendo os livros fiscais de
registro de entradas, registro de saídas, registro de inventário,
registro de apuração do IPI e registro de apuração do ICMS; e a Nota
Fiscal Eletrônica (NF-e), que já é uma realidade no Brasil desde o
Ajuste SINIEF nº 7, de 2005, e hoje regulada pelo Ato Cotepe nº 14 e
pelo Protocolo ICMS nº 10, ambos de 2007.
Já a Lei nº 11.419, de 2006, é o marco regulatório da informatização
judicial, pois abrange todas as fases e atividades para a implantação
do processo judicial informatizado em todo país, em todos os graus e
orgãos do Poder Judiciário no Brasil, adotando como princípio a
validade de todo e qualquer ato processual realizado por meio
eletrônico. O artigo 11 da legislação estabelece que "os documentos
produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos
com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecida
nesta lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais".
Mesmo no âmbito da administração pública, temos já a digitalização
do processo do Tribunal de Contas da União (TCU), iniciado pela
Portaria nº 189, de 2007, que aprova a realização do projeto
processo eletrônico administrativo - "Segedam Sem Papel" - e
designa seu gestor.
Estamos preparados para isso? Ou vamos insistir em imprimir emails para guardar em arquivos de papel e depois termos que
digitalizar para juntar em um processo judicial eletrônico? Seria
melhor já arquivar todos esses documentos diretamente em meio
eletrônico, mas para isso precisamos de uma boa solução de gestão
eletrônica de documentos (GED) e de arquivo de e-mails para não
apenas guardá-los, mas conseguir encontrá-los.
Estamos a caminho de uma sociedade sem papel, mas não sem
documentos, como já previsto pelo próprio Código de Processo Civil
brasileiro. A sociedade digital está muito melhor documentada, com
mais controles e com mais transparência. Só precisamos agora
quebrar o paradigma cultural e atualizar nossos usos e costumes
para atender toda essa nova realidade empresarial e governamental.
Essas normas já estão em vigor, mas é preciso saber se as
empresas estão preparadas, em conformidade com as novas regras.
Os prazos já estão correndo!
Patricia Peck Pinheiro- Advogada especialista em direito digital, sócia
fundadora do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados e autora do
livro "Direito Digital" e do áudio-livro "Tudo o que você precisa ouvir
sobre Direito Digital" pela Editora Saraiva. Artigo publicado no jornal
Valor Econômico em 14/07/09.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor
Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser
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