SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................9
2. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO À LUZ DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA CELERIDADE PROCESSUAL E DA SEGURANÇA
JURÍDICA .................................................................................................................13
3. O USO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO COMO MECANISMO DE
ACELERAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL ............................................................19
3.1 A UTILIZAÇÃO DA INFORMÁTICA PELO PODER JUDICIÁRIO ........................20
4. PROCESSO ELETRÔNICO – LEI 11.419/2006 ...................................................26
4.1 PROCESSO ELETRÔNICO: PROCESSO OU PROCEDIMENTO? ....................26
4.2 DOCUMENTO ELETRÔNICO .............................................................................28
4.2.1 Conceito de documento eletrônico ...................................................................29
4.3 MECANISMOS DE SEGURANÇA PARA O PROCESSO ELETRÔNICO............33
4.3.1 Criptografia.......................................................................................................36
4.3.2 Assinatura eletrônica/digital.............................................................................42
4.3.3 Certificação dos documentos eletrônicos .........................................................46
4.4 ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS..............................................................52
4.4.1 A prática dos atos processuais X Inteligência Artificial.....................................55
4.4.2 Prazo para prática dos atos processuais eletrônicos .......................................57
4.4.3 Comunicação dos atos processuais.................................................................60
4.4 VIDEOCONFERÊNCIA.......................................................................................71
5. ASPECTOS RELEVANTES ACERCA DO PROCESSO ELETRÔNICO .............78
5.1 PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS X DIREITO À
INTIMIDADE DO JURISDICIONADO ........................................................................78
5.2 INCLUSÃO DIGITAL............................................................................................80
5.3 A NECESSIDADE DE PADRONIZAÇÃO E UNIFICAÇÃO DOS SISTEMAS
JUDICIAIS .................................................................................................................81
5.4CONSERVAÇÃO DOS AUTOS............................................................................83
6. CONCLUSÃO .......................................................................................................86
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .........................................................................91
9
1. INTRODUÇÃO
A criação da internet estabeleceu um novo marco histórico para
humanidade, o uso do ‘ciberespaço’ produziu uma revolução nas mais diversas
áreas permitindo aos conectados a rede mundial estabelecer um convívio sem
fronteiras, possibilitando vencer os limites do tempo e do espaço.
Nesta perspectiva o ‘mundo real’ passou a utilizar-se cada vez mais do
‘mundo virtual’ para concretizar suas relações jurídicas, sociais ou até mesmo
cometer atos ilícitos de natureza civil e penal.
A cultura digital que atingiu de forma massificada a sociedade pós-moderna
fortalece o brocardo popularmente conhecido – ‘tempo é dinheiro’ – e desperdiça-lo
é algo inconcebível.
Portanto, exigir da sociedade contemporânea, que faz parte da aldeia
global, que processa velozmente inesgotáveis informações e constrói suas
percepções de conhecimento e tempo com base no clicar de um mouse, paciência
para resoluções de conflitos judiciais é semear o descrédito na Justiça.
Sob este prisma, o processo judicial não coaduna com a natureza
inquietante do homem pós-moderno, que não se vê afastado de seus aparatos
tecnológicos na resolução de suas tarefas cotidianas.
Por outro lado - o processo atualmente concebido - como instrumento de
efetividade do direito material necessita de determinada duração para alcançar seu
amadurecimento e fornecer a adequada e justa prestação jurisdicional, sem,
contudo, sacrificar as liberdades individuais dos cidadãos e, isto, com máxima
otimização do tempo.
Assim, embora com base em valores distintos, há na atualidade um ponto
de convergência entre os doutrinadores e a população em geral “há excessiva
demora na tramitação do processo judicial.”1
A morosidade resulta na maioria das vezes na ineficácia ou inutilidade do
próprio provimento. São diversos os exemplos em que atos processuais acabam
dilatando a duração do processo e, por conseqüência, trazendo prejuízos
irreparáveis. Um exemplo clássico são as cartas precatórias ou rogatórias que levam
1
TUCCI, José Rogério Cruz e. Tempo do Processo. Uma análise empírica das
repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: RT, 1997, p. 16.
10
anos para serem cumpridas. Tais fatores poderiam, sem dúvida, serem minimizados
facilmente pelo uso mecanismos tecnológicos.
Ao longo de décadas se buscou mecanismos que contribuíssem para
celeridade processual com o fito de dar efetividade na prestação jurisdicional. Desta
luta muitos institutos legais surgiram como, a exemplo, as Leis 9.099/1995 e
10.259/2001 dos Juizados Especiais que prevêem ritos processuais mais céleres.
Ainda se destaca como um grande avanço na busca da efetividade da Justiça as
tutelas de urgências e os ritos de cognição sumária.
Portanto é factível conceber que o uso de recursos computacionais, aliados
aos instrumentos legais supramencionados e, ao conceito contemporâneo de
processo, possa propiciar maior agilidade no trâmite das demandas judiciais,
todavia, não se deve descuidar do fato que a celeridade processual não pode ir de
encontro com a segurança jurídica, princípio que assegura ao jurisdicionado a
garantia de um Devido Processo Legal.
É bem verdade, que o Judiciário não ficou alheio à utilização dos
mecanismos tecnológicos, muitas facilidades foram alcançadas, no entanto, ainda é
tímido o uso dos recursos da informática no âmbito da Justiça, não se compara nem
de longe ao uso em outros setores da sociedade.
Deve-se destacar que embora a tecnologia seja uma realidade social
inserida nos mais diversos setores, há ainda aspectos polêmicos envolvendo sua
utilização no hábito judicial, haja vista os diversos fatores jurídicos e extra-jurídicos
que envolvem o tema. Em relação a este último, vê-se que aspectos relacionados à
falta de orçamento público para implantação de sistemas, obtenção de tecnologia,
maquinários, treinamento adequado dos servidores, bem como a própria resistência
cultural no meio jurídico da substituição dos autos de papel por autos eletrônicos se
mostram barreiras a serem superadas.
Ressalta-se que a Emenda Constitucional de n.º 45 introduziu o inciso
LXXVIII ao art. 5º CF/88, assegurando a todos a “razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, concretizando no rol pétreo
dos direitos e garantias fundamentais o dever do Estado em promover a justiça de
forma rápida e eficaz.
11
Neste contexto, a Lei
n.° 11.419/2006 que dispõe sobre o processo
eletrônico trouxe um novo paradigma buscando incluir definitivamente o Poder
Judiciário na era digital.
Nesta seara a implementação do Processo Eletrônico no ordenamento
jurídico brasileiro se mostra tema relevante à atuação Ministerial sob duas óticas
distintas – primeiramente porque como guardião da Constituição Federal e dos
princípios fundamentais nela elencados – tem o dever legal de zelar pelo Estado
Democrático de Direito, portanto, a implantação dos sistemas de informatização no
Judiciário desperta interesse do Ministério Público a medida que se deve avaliar seu
uso para adequada prestação jurisdicional, fiscalizando para que não haja qualquer
violação de direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Por outro lado - o Ministério Público - como órgão oficiante junto à Justiça
tem interesse em compreender o funcionamento do processo eletrônico suas
implicações no âmbito da instituição e sua real contribuição como mecanismo de
agilidade na tramitação dos processos de sua titularidade.
Assim, o presente trabalho inaugura com uma breve análise da atuação do
Ministério Público sob a luz dos princípios constitucionais da celeridade processual e
segurança jurídica na busca da promoção do interesse da sociedade para em
seguida considerar os aspectos que envolvem a implementação do processo
eletrônico do ordenamento jurídico brasileiro.
Deste modo, avalia primeiramente o uso da tecnologia da informação como
mecanismo de aceleração do processo judicial, buscando com isso obter subsídios
para adentrar na análise específica do processo eletrônico.
Após,
trata
da
segurança
e
implantação
do
processo
eletrônico
considerando a Lei n.º 11.419/2006, trazendo a baila pontos de maior pertinência
como os atos processuais eletrônicos, conceito de documento eletrônico, com a
análise dos mecanismos de segurança para transmissão dos dados (a criptografia,
assinatura digital e certificação digital) a comunicação dos atos processuais e o uso
da videoconferência.
Por fim, são debatidos em linhas gerais aspectos críticos relacionados à
necessidade de harmonização entre o princípio da publicidade dos atos processuais
12
e a proteção à intimidade dos jurisdicionados, a importância da padronização e
unificação dos sistemas judiciais, da inclusão digital e conservação dos autos.
Encerra-se o estudo proposto com análise do processo eletrônico como
instrumento de celeridade e efetividade a prestação jurisdicional do Estado,
apontando os pontos divergentes em relação ao tema.
13
2. A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO À LUZ DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DA CELERIDADE PROCESSUAL E DA SEGURANÇA
JURÍDICA
A questão tempo e processo é tormentosa, porque importa na necessidade
de avaliar o ponto de equilíbrio entre a celeridade processual e o regular
desenvolvimento do processo que exige como garantia de um devido processo legal
a observância dos princípios da ampla defesa e do contraditório.
Asseveram em sua obra Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:
A doutrina processual civil e os operadores do direito estão obrigados a ler as normas
infraconstitucionais à luz das garantias de justiça contidas na Constituição Federal,
procurando extrair das normas processuais um resultado que confira ao processo máximo
de efetividade, desde, é claro, que não seja pago o preço do direito de defesa. É com esse
espírito que o doutrinador deve demonstrar quais são as tutelas que devem ser efetivadas
para que os direitos sejam realizados, e que a estrutura técnica do processo está em
2
condições de presta-las.
Todavia, são constantes no Poder Judiciário situações em que a dilação
indevida leva a intempestividade da tutela jurisdicional, o que de certa maneira
acarreta ineficiência do serviço judiciário e por conseqüência promove descrédito na
Justiça pelos cidadãos.
Frisa-se que o problema do acesso à Justiça deve ser analisado - como
preconiza Capelletti – por três ondas: a) a primeira onda: assistência judiciária para
os pobres; b) a segunda onda: representação dos interesses difusos; e, c) a terceira
onda: do acesso à representação em juízo a uma nova concepção mais ampla de
acesso à Justiça. Um novo enfoque de acesso à Justiça.3
Neste viés, tem-se que a idéia de rapidez na prestação jurisdicional
encontra-se consubstanciada na idéia concebida na terceira onda de acesso à
Justiça por Capelletti, na qual se vislumbra o uso de um conjunto de mecanismos
pessoais, procedimentais, institucionais e materiais para a efetividade da prestação
jurisdicional pelo Estado.
2
MARINONI, Luiz Guilerme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de
conhecimento. 5. ed.São Paulo: RT, 2006. p.33.
3
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do
Processo Eletrônico. A informatização Judicial no Brasil. Rio de Janeiro: Forense. 2007. p.21.
14
Nesta perspectiva, Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, esclarece:” É claro que
não basta apenas abrir a porta de entrada do Poder Judiciário, mas prestar
jurisdição tanto quanto possível eficiente, efetiva e justa, mediante um processo sem
dilações ou formalismos excessivos.”4
Como explica Rui Portanova: “É indispensável que se diga logo que ainda
não se logrou pôr em pratica um sistema processual efetivamente econômico e
pleno que desse resposta adequada à pressa de nosso tempo.”5
Portanto a busca da celeridade processual norteia outros princípios
constitucionais e coaduna com a idéia de acesso a Justiça.
Ressalta-se que o processo judicial é instrumento para satisfação do direito
material, concluindo que foi sobre está ótica que o legislador brasileiro consagrou no
inciso XXXV do artigo 5º o princípio do Acesso à Justiça.
Deste modo o acesso à Justiça não se satisfaz inclusivamente com a
garantia da análise da pretensão do jurisdicionado pelo Poder Judiciário. É
primordial que a duração do processo se mostre razoável propiciando a
concretização do direito material, devendo os atos processuais serem realizados
“mediante procedimento célere, no momento oportuno – omnia tempus habent -,
conciliando-se a presteza com a segurança.”6
À luz da atual legislação brasileira não basta, pois, que se assegure o acesso aos tribunais,
e, consequentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta
regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias
resguardadas ao consumidor da justiça (due processo of law), em um breve prazo de
tempo, isto é, dentro de um tempo justo, para a consecução do escopo que lhe é
7
reservado.
O Ministério Público como órgão atuante na defesa do interesse do cidadão8
se debate com a lamentável realidade da demora do processo causada por diversos
fatores, ora de ordem da própria formalidade processual, ora pela falta de recursos
materiais e pessoais aliado ao excesso de processos em tramitação.
4
OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. O processo civil na perspectiva dos direitos
fundamentais. In:______. Processo e Constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p.13.
5
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4 ed. Porto Alegre: Do Advogado, 2001.
p. 172.
6
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo..., p. 143.
7
Ibidem, p. 145.
8
Art. 127 da Constituição Federal Brasileira.
15
Como explica IndrusiaK,
Muitas vezes a demora é decorrente do rito processual que a lei estabeleceu, ao invés de
simplesmente estabelecer a celeridade processual na Constituição, o legislador deveria ter
mudado os ritos processuais. Nós podemos identificar dentro das regras do processo vários
instrumentos que são absolutamente anacrônicos e que contribuem para prejudicar a
9
celeridade.
Por outro lado como órgão encarregado constitucionalmente de defender,
preservar a ordem e o equilíbrio jurídico, bem como o regime democrático o
Ministério Público tem a obrigação de zelar pela razoável duração do processo na
dicção do inciso LXXVII, art. 5º da Carta Magna, promovendo o respeito à cidadania
e auxiliando no cumprimento de uma garantia constitucional-fundamental, do direito
ao acesso à Justiça.10
A doutrina antes mesmo da emenda n.º 45 inserir no artigo 5º o inciso
LXXVII - que preceitua: “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são
assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação.” - amplamente consagrava como direito fundamental do cidadão
a razoável duração do processo tendo como base legislativa a Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, assinada em São José, Costa Rica, em 22 de
novembro de 1969 e incorporada no ordenamento jurídico pátrio em 09 de novembro
de 1992, assinalando que tal direito era corolário do Devido Processo Legal.11
Daí, porque, com razão defendeu José Rogério Cruz e Tucci em sua obra:
(...) a despeito da garantia do devido processo legal pressupor, como já ressaltado, o
rápido desfecho do litígio ou da persecutio criminis, encontra aplicação em nosso sistema
jurídico, dada evidente compatibilidade de regramentos, o disposto no art. 8º, I, do referido
Pacto: ‘toda pessoa tem direito de ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um
12
prazo razoável.’
O princípio da celeridade inserido pela emenda n.º 45 no inciso LXXVII do
artigo 5º da Constituição Federal, no entanto, reforçou expressamente ao
9
ROMAIS, Célio. Princípio da Celeridade em
www.mp.rs.gov.br, Acesso em: fevereiro de 2009.
10
Art. 129, inciso II da Constituição Federal Brasileira.
11
TUCCI, José Rogério Cruz.Tempo..., p. 66/67.
12
Idem.
Discussão.
Disponível
em:
16
jurisdicionado o direito fundamental da razoável duração do processo. Como ensina
Alexandre de Moraes:
A EC nº 45/04 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e
administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de
sua tramitação. Essas previsões – razoável duração do processo e celeridade processual -,
em nosso entender, já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração
do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à
13
Administração Pública. (CF, art. 37, caput).
No entanto, Aury Lopes Jr. esclarece que o comando constitucional não
define qual o prazo razoável para tramitação processual, explica o autor:
Em síntese, o art. 5°, LXXVIII, da Constituição – incluído pela Emenda Constitucional n. 45
– adotou a doutrina do não prazo, fazendo como que exista uma indefinição de critérios e
conceitos. Nessa vagueza, cremos que quatro deverão ser os referenciais adotados pelos
Tribunais brasileiros, a exemplo do que já acontece nos TEDH e na CADH: - complexidade
do caso; - atividade processual do interessado (imputado), que obviamente não poderá se
beneficiar de sua própria demora; a conduta das autoridades judiciárias como um todo
(polícia, Ministério Público, juízes, servidores, etc.); princípio da proporcionalidade. Ainda
não é o modelo mais adequado, mas enquanto não se tem claros limites temporais por
14
parte da legislação interna, já representa uma grande evolução.
Contudo, não de pode olvidar que se trata de norma de eficácia plena15 por
força do que dispõe o art. 5º, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal:
Art. 5º (...)
§ 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a
República Federativa do Brasil seja parte.
13
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2005.p. 94.
LOPES Jr, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal. (Fundamentos da
Instrumentalidade Constitucional). 4 ed. Rio de Janeiro, Lumen Júris, 2006.p.115/116.
15
“aquelas que, desde a entrada em vigor da Constituição, produzem, ou têm possibilidade
de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações,
que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular” MORAES, Alexandre de.Op.
cit.p.41.
14
17
Contudo a marcha processual é indispensável para a obtenção de uma
cognição segura que possibilite ao juízo declarar a existência ou não direito
pretendido pelo autor da ação16 o que, sem dúvida, demanda tempo.Todavia, devese conciliar o segurança jurídica com celeridade afim de que se promova uma
duração razoável do processo para que se alcance uma tutela jurisdicional oportuna
e efetiva.17
Aduz Aury Lopes Jr.:
Os principais fundamentos de uma célere tramitação do processo, sem atropelo das
garantias fundamentais, é claro, estão calcados no respeito à dignidade do acusado, no
interesse probatório, no interesse coletivo no correto funcionamento das instituições, e na
própria confiança na capacidade da Justiça de resolver os assuntos que a ela são levados,
18
no prazo legalmente considerado como adequado e razoável.
Neste cenário, o Ministério Público em sua atuação - seja como custos
leges ou atuando como parte - deve ser pautada pela harmonização do princípio da
celeridade processual e da segurança Justiça, zelando para que todo jurisdicionado
tenha o direito a um julgamento célere, sem dilações indevidas, não se confundindo
com a decisão precipitada.19
Neste sentido, a lição de Nunes Bretas:
Celeridade (...) não significa precipitação. Corrigir a dilação do processo não é atropelar a
liturgia sagrada de certos ritos procedimentais. A formalística do processo, consoante
repisado, não constitui um entrave à justiça, mas sim uma garantia do cidadão. Não é dado
ao legislador amputar a segurança jurídica do processo sob o pretexto evasivo de se
20
acelerar a prestação jurisdicional.
Ainda, deve esclarecer que se trata de um conjunto de problemas que
circundam a intempestividade da tutela jurisdicional,21como aponta José Rogério
16
WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. Campinas: Bookseller, 2000. p. 59.
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo..., p.27.
18
LOPES Jr, Aury.Introdução..., p. 225-226.
19
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo..., p.28.
20
BRETAS, Adriano Sérgio Nunes. O Excesso de Prazo no Processo Penal. Curitiba: JM,
17
2006.
21
“Aspecto que não podem ser negligenciado é a organização judiciária, certo é que por mais
perfeitas que sejam as leis materiais e processuais, será sempre falha a tutela jurisdicional dos
direitos, se inexistirem juizes preparados para aplicá-las e uma infra-estrutura material e pessoal para
lhes dar o apoio necessário.” WATANABE, Kazuo. Op. cit., p. 29
18
Cruz e Tucci: a) fatores institucionais; b) fatores de ordem técnica e subjetiva e ; c)
fatores derivados da insuficiência material. 22
Contudo, frisa-se que o estudo proposto ocupa-se em avaliar os fatores
derivados da insuficiência material considerando especificamente - como meio para
erradicar ou, pelo menos, minimizar os efeitos nocivos da demora - a informatização
do judiciário.
Isto porque, como explica Fernando Botelho Neto:
Pode-se dizer que, aproximadamente, dois terços do tempo total de tramitação das ações
de rito ordinário dos processos judiciais brasileiros seja consumido com o chamado “tempo
inútil” do processo, representado pela somatória de micro-períodos destinados a juntadas
(de petições e documentos, em papel), de carimbações, encadernamentos, vistas a
partes/advogados, membros do Ministério Público, alojamento físico do processo em
escaninhos e movimentações também físicas de andamento, com idas-e-vindas a
23
gabinetes, escritórios e residências de juízes, promotores de justiça, e advogados.
Cabe lembrar que a razoável duração do processo depende de conjunto de
esforços que envolvem toda administração da Justiça, operadores do Direito,
legislativo e a própria sociedade.
Neste contexto ensina Almeida Filho,
Sempre defendemos a tese de edição de um Processo Eletrônico, com garantia dos
direitos fundamentais. (...) Desafogar o Judiciário e proporcionar processos mais ágeis
implica, necessariamente, em condições de acesso à população mais carente - as que
talvez mais necessitem de apoio do Estado para dirimir seus conflitos. Dentro desta teoria,
o Processo Eletrônico se encontra inserido no pretendido com a Emenda Constitucional
24
45/2004.Somente nos resta trabalhar para que o Processo Eletrônico seja Efetivo.
Assim se mostra de suma importância que o Ministério Público como
instituição permanente e essencial á função jurisdicional do Estado, para a tutela dos
direitos e deveres das partes litigantes ou dos sujeitos processuais, em sua atuação,
trabalhe ativamente para implementação de mecanismos que auxiliem no alcance
da tão sonhada celeridade processual.
22
TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo..., p.99.
BOTELHO NETO, Fernando. O Processo eletrônico escrutinado. Disponível em:
www.amgis.com.br. Acesso em: 10 Fev. 2009.
24
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Op. cit.p.60.
23
19
3. O USO DA TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO COMO MECANISMO DE
ACELERAÇÃO DO PROCESSO JUDICIAL
O advento da Internet inaugurou uma nova era no tocante à propagação da
informação. No espaço cibernético as fronteiras do desconhecido se rompem. No
‘mundo virtual’ não há governo, não há limites de tempo ou território. O poder não é
hierarquizado e as regras são estabelecidas pelos seus usuários a partir de valores
individuais.
Neste prumo, é oportuna a lição trazida por Ricardo L. Lorenzetti:
É um espaço do anonimato, um ‘não-lugar’ pela despersonalização que representa, no qual
o individuo ingressa sem que a sua história individual e características interessem, e no
qual prolifera o simulacro das identidades. É um “não-lugar-global” no sentido de sua
25
transnacionalidade e atemporalidade, já que parece indiferente à história e ao futuro.
Porém ressalta Almeida Filho, a idéia de Estado não se modifica pela
virtualização das comunicações, mas estamos diante de grandes problemas a serem
enfrentados especialmente no que diz respeito à aplicação da lei processual no
espaço.26
Assim, os conflitos que surgem com a nova concepção de sociedade de
informação tecnológica só poderão ser efetivamente pacificados a partir de uma
ousada modificação legislativa no tocante a implantação do processo eletrônico.
É visível que a tecnologia avança mais rapidamente que a própria
construção do direito posto. Surgem situações inusitadas que desafiam o poder
jurisdicional do Estado.
Portanto para que o Poder Judiciário – na era da sociedade de informação
tecnológica – não se torne obsoleto e ineficaz é imprescindível sua reformulação
enfrentando questões de direito processual e material.
Não cabe, contudo, no presente estudo abordar a questão da aplicação do
direito em casos envolvendo conflitos decorrentes do uso das novas tecnologias nas
relações sociais, mas por em debate a utilização dos aparatos tecnológicos para
25
LORENZETTI, Ricardo L.Comércio Eletrônico.[trad.]: MENKE, Fabiano de. São Paulo:
RT. 2004. p.31
26
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Op. cit.p.8/13.
20
promover uma Justiça econômica e de qualidade que acompanhe a tendência da
sociedade pós-moderna.
3.1 A UTILIZAÇÃO DA INFORMÁTICA PELO PODER JUDICIÁRIO
O processo judicial na sua estrutura tradicional depende de um ambiente
físico apto a promover a comunicação entre as partes, criando uma burocratização
que envolve a prestação do serviço judiciário pautado por princípios e normas legais.
Por sua vez, os atos processuais praticados pelas partes são documentados
em um suporte físico – o papel.
Como preconiza Fernando Botelho Neto:
Nesse cenário, coube, finalmente, ao papel vegetal a função de matriz documentativa da
formalidade forense-judiciária, pois não só pedidos, manifestações, provas, decisões,
pareceres, mas, ainda, protocolos, certidões, enfim, os atos formais-estatais de
documentação, foram submetidos a rígido princípio de formalização, que fez com que todo
o processo, e a sua estrutura (em papel), espalhasse, pelos espaços físicos dos foros
27
brasileiros, milhões de cadernos processuais.
Esta realidade histórica do uso do papel como suporte para armazenar
informações ultrapassa séculos e ainda é amplamente utilizada no século XXI, em
que pese os avanços tecnológicos permitirem que as informações sejam
armazenadas por outros meios.
Existe por parte do Poder Judiciário certa resistência cultural em relação à
aceitação de outros mecanismos para eternizar os atos processuais. Isto porque,
ainda, é questionável pelos operadores do Direito questões envolvendo segurança
dos dados armazenados e o próprio medo do desconhecido.
Como explica Almeida Filho:
Entendemos a repulsa à informática e justificamos: muitos articulista, talvez para
valorizarem seus conhecimentos, se apegam demais a termos próprios da informática. Há
um tecnicismo exacerbado ao tratar do Direito Eletrônico, adotando-se uma terminologia
que não nos é afeita. (...) a idéia que passa, em primeiro lugar, nestas pessoas que têm
28
aversão à informática, é a de que o processo eletrônico não é seguro.
27
28
BOTELHO NETO, Fernando. Op. cit.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.Op. cit. p.5.
21
No mesmo sentido, De Lucca:
Anoto, inicialmente, que o meio jurisprudencial, pela natureza mesma das funções que
exerce – extremamente voltadas à segurança e à certeza do direito das pessoas -, tende a
ser naturalmente conservador e, portanto, pouco permeável as novidades tecnológicas que
possam apresentar qualquer possibilidade de dúvida quanto à fidedignidade dos dados que
29
fornecem.
Contudo, a ruptura com o tradicionalismo se faz cogente para adequação da
administração judiciária à realidade social, mais que a subutilização do computador
como máquina de escrever os operadores do direito precisam fazer uso da inovação
tecnológica para promover uma justiça econômica, célere e efetiva.30
Ressalta-se que “o processo encadernado em papel tornou-se um ícone,
um monumento, um símbolo nacional monumental, oneroso, pesado – em todos os
sentidos – da crescente demanda nacional por Justiça.”31
Frisa-se que consideráveis somas do erário são gastas para manter a
mega-estrutura decorrente do uso do papel e dos instrumentos usados na confecção
física dos processos, como prédios (para arquivos) e pessoal.32
Todavia, não se pode conceber um atropelo as garantias fundamentais das
partes na ânsia por uma rápida solução dos conflitos.
Como bem explica Nunes Bretas ao tratar do processo penal:
O processo penal, longe de ser mordaça que emudece o direito, é porta-voz pelo qual o
direito se pronuncia. A obediência às formalidades processuais nada mais é do que uma
proteção dos direitos individuais frente ao arbítrio estatal. Ademais, o formalismo
processual já foi – não é mais – muito mais rígido do que é hoje. Atualmente, vigora
princípios como, v.g, o da Instrumentalidade das formas, que atenuam os rigores da forma
processual.
Portanto o Poder Judiciário ao utilizar-se de meios eletrônicos para
realização
de
atos
processuais
deve
pautar-se
sempre
pelas
garantias
constitucionais elegidas na Carta Magna. Ademais a implantação do processo
29
LUCCA, Newton De.Títulos e Contratos Eletrônicos: o advento da Informática e suas
conseqüências para a pesquisa jurídica. [coord.] In: LUCCA, Newton De; SIMÃO FILHO, Adalberto.
Direito & Internet. Aspectos Jurídicos Relevantes. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005.
p. 113.
30
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Direito e Informática.Rio de Janeiro: Forense,
2002. p. 153.
31
BOTELHO NETO, Fernando.Op. cit.
32
MATSUURA, Lílian. Lei do processo eletrônico força modernização do Judiciário. Disponível
em: www.conjur.com.br. Acesso em: 12 Mar. 2009.
22
eletrônico não transmuta as características especificas do processo penal, civil ou
trabalhista.
Importa esclarecer, que o legislador brasileiro juntamente com judiciário não
ficaram alheios aos avanços tecnológicos e, ainda que, de forma tímida se
aventuraram na era da informática.
O uso da internet para consulta online dos andamentos processuais, bem
como para obtenção de acórdãos e jurisprudência é amplamente disponibilizado
pelos Tribunais brasileiros.
Ressalta-se que este tipo de serviço é bastante positivo e foi, seguramente,
um avanço para melhora na prestação das atividades desempenhadas pelo
judiciário. Porém, como explica Marcacini, “essas facilidades correspondem apenas
ao que se poderia considerar uma primeira etapa da construção de uma Justiça
online. Neste primeiro momento, vê-se apenas a substituição dos mecanismos de
controle de andamento por registros informatizados pela rede de computadores.”33
Num breve histórico pode-se apontar que a primeira norma que incorporou
novas tecnologias ao processo foi a Lei n.º 7.244/84 que estabelecia o uso da fita
magnética ou equivalente para gravação dos atos realizados em audiência de
instrução e julgamento nos juizados de pequenas causas. A referida lei foi revogada
pela Lei n.º 9099/95, porém a regra legal foi mantida nos artigos art. 13 § 3º e art.
65 § 3º.34
Também importante advento legislativo que contribuiu para a incorporação
das novas tecnologias ao processo foi a Lei n.º 8.245 de locações de 1991, “ao
estabelecer que citação poderia ser realizada por meio do fax. Desde que autorizado
pelo contrato por escrito.”35
Contudo, cabe a ressalva de Marcacini que o uso desta nova forma de
citação foi raro na prática forense.36
Em 1999 entrou em vigor a Lei n.º 9800/99 que permitiu a transmissão de
peças processuais por meio do fac-simile ou outro mecanismo similar. A referida lei
embora tenha significado um importante passo para a informatização não dispensa o
33
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Direito..., p.155.
Ibidem., p.157.
35
LUCCA, Newton De.Op. cit.,p. 154.
36
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Op. cit., p.158.
34
23
tradicional papel, na medida em que, conforme dispõe o artigo 2º, exige a exibição
dos originais no prazo de cinco dias. 37
Importante pontuar que “o anacronismo jurisprudencial não admitiu o e-mail
como similar ao fax
e, mais que isto, o Superior Tribunal de Justiça procurou
minimizar os efeitos que a referida lei possuía.” 38
Contudo, vale esclarecer que o e-mail desde que certificado digitalmente de
acordo com as normas da ICP-Brasil terá o mesmo efeito que o documento original,
conforme estabelece o § do artigo 10 da medida provisória 2.200-2. 9.39
Portanto, outro avanço legislativo de suma importância foi a promulgação da
Medida Provisória n.º 2.200-2 que instituiu o ICP-Brasil que tem como finalidade a
certificação de assinaturas digitais,40 para garantir validade, autenticidade e
integridade aos documentos eletrônicos.41
Na reforma recente de 2006 do Código de Processo Civil a Lei n.º 11.280/06
já assinalava para implantação do processo eletrônico quando acrescentou o
parágrafo único ao artigo 154, estabelecendo que “os tribunais, no âmbito da
respectiva jurisdição, poderão disciplinar a prática e a comunicação oficial dos atos
processuais por meios eletrônicos, atendidos os requisitos de autenticidade,
integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de Chaves
Pública Brasileira –ICP-Brasil.42
Como explica Ataíde Junior:,“A norma do art. 154, parágrafo único do CPC,
vem para consagrar essas iniciativas: a virtualização do processo. (...) Nota-se que a
regra permite a utilização dos meios eletrônicos não apenas para comunicação de
atos processuais, mas também para a sua prática.”43
Pondera-se que a iniciativa pioneira de um processo eletrônico ocorreu
antes mesmo das reformas atuais do Código de Processo Civil e da Lei n.º
11489/2006 no âmbito da Justiça Federal, com advento da Lei n.º 10.259 que
instituiu os Juizados Especiais Federais. Na Justiça Federal da Região Sul (4ª
37
Ibidem p. 159.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.Op. cit.5.
39
LUCCA, Newton De.Op. cit.p. 154.
40
MENKE, Fabiano. Assinatura Eletrônica no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2005.
38
p.35.
41
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.op. cit.164.
ATAÍDE JUNIOR, Vicente De. As Novas Reformas do Processo Civil. Curitiba: Juruá,
2006. p. 100.
43
Idem
42
24
Região), o sistema de autos virtuais foi batizado como e-proc e garante, por
intermédio de diversas portarias do Tribunal Regional Federal da 4ª região um
processo totalmente eletrônico nas causas até sessenta salários mínimos.44
Com o surgimento da Lei n.º 11.419/2006 os aspectos do processo judicial
que reclamam um conjunto de mudança para cumprimento do ditame constitucional
de uma duração razoável do processo apresenta-se como esclarece Botelho Neto,
uma alternativa de ordem estrutural, para a busca eficiente da redução do ‘tempo inútil’ na
tramitação do processo; uma solução, a médio e longo prazo, para redução da burocracia
judiciária e dos custos diretos e indiretos que a envolvem, na medida em que, resultando
em diminuição da ocupação de espaços e pessoas para formatação e tramitação física das
demandas,
menores
se
tornarão
as
necessidades
futuras
de
alojamento/armazenamento/guarda de feitos e reposição de grandes contingentes no
45
serviço público judiciário.
No entanto vozes contrárias na doutrina alertam que “nem tudo é virtuoso
no processo virtual”46. Para Alexandre Vidigal de Oliveira o processo eletrônico
embora resolva o problema da lenta tramitação processual não resolve o grave
problema da demora no julgar.47 Fundamenta, sua crítica o jurista:”Cerca de 43
milhões de processos aguardam julgamento no país, mesmo estando os
magistrados brasileiros entre os mais produtivos do mundo.(Bird, dez/07). O mal
maior do Judiciário não está, assim, na morosidade do tramita, e sim no atraso em
se julgar dentre outras razões, pela excessiva carga de trabalho dos juízes”.48
Outro ponto abordado pelo magistrado é o fato que os autos eletrônicos não
proporcionam ao operador do direito uma percepção do conjunto dos fatos
armazenados nos autos.
(...) sem as distinções físicas do papel, onde as páginas, em imagens, aparecem isoladas
de todo – impossibilitam selecionar a informação desejada apenas vendo-se. Tudo é
aparentemente igual. A falta de subinformações, como oferecidas pelo papel, afunila as
opções do cérebro em distinguir o que é o quê, exigindo como atalho o recurso da leitura.
Para se identificar uma informação interessada, de regra, é necessário ler; apenas o ver já
não leva a lugar algum. E a leitura constante, permanente, como única fonte de informação,
44
ATAÍDE JUNIOR, Vicente De. As Novas Reformas do Processo Civil. Curitiba: Juruá,
2006. p.99.
45
BOTELHO NETO, Fernando.Op. Cit.
OLIVEIRA, Alexandre Vidigal. Justiça Virtual, morosidade real.Gazeta do Povo. Curitiba.
25 de mar. 2008.Opinião. p.10.
47
Idem
48
Idem
46
25
do acesso e do conteúdo, fundindo sinalização e caminho em uma coisa só, é tarefa
49
exaustiva a comprometer, no dia-a-dia, a disposição mental do corpo para produzir.
Aspecto também criticado pela doutrina é o fato que a Lei n.º 11.419/2006
fruto do PL n.º 5.828/2001 já nasceu ultrapassada é acrescentou pouco, vez que o
parágrafo único do artigo 154 do Código de Processo Civil já possibilitava que
qualquer ato processual fosse praticado por meios eletrônicos, bastando a
regulamentação do aludido parágrafo pelos Tribunais.50
Contudo, em que pese às críticas ao processo eletrônico, muitos
operadores do Direito já sustentavam, antes mesmo das reformas processuais
acima destacada, a necessidade de modernização da administração da Justiça
adequando a prestação jurisdicional as expectativas de uma sociedade pósmoderna.
Neste diapasão Ellen Gracie Northfleet discorreu ao tratar da utilização do
fax pelo Judiciário - anterior à edição da Lei n.º 9.800/99:
O apego ao formato-papel e às formas tradicionais de apresentação das petições e
arrazoados não nos deve impedir de vislumbrar as potencialidades de emprego das novas
tecnologias. No limiar do terceiro milênio devemos, também nós do Poder Judiciário, estar
prontos para utilizar formas novas de transmissão e arquivamento de dados, muitos
diversas dos antigos cadernos processuais, recheados de carimbos, certidões e
assinaturas, em nome de uma segurança que, embora desejável, não pode constituir
obstáculo a celeridade e a eficiência. Teremos, certamente, a oportunidade, ainda em
nosso final de século, de assistir ao ingresso dos pleitos em Juízo mediante simples
transferência de arquivos eletrônicos, desde os escritórios de advocacia; à consulta dos
‘autos’ processuais em telas de computador; ao confronto entre as peças produzidas pelas
partes e os elementos de prova através de um ‘clic’ de mouse ou de um comando de voz;
ao arquivamento de enormes massas de informações em CDs e à sua pesquisa mediante a
utilização de recursos de busca aleatória e hipertexto. Toda essa tecnologia já é disponível
e ingressa na nossa vida diária para reduzir a repetição de esforços e tarefas efetivamente
criativas. Vista desta perspectiva, a discussão sobre o uso de uma máquina já quase
obsoleta como é o fac-simile, parece nem se justificar. Ela, todavia serve para testar nossa
capacidade de adaptação ao novo, sem que percamos de vista o permanente anseio de
51
fazer melhor justiça.
É, em suma, o texto ‘messiânico’ da Ministra demonstra a necessidade
fundamental da implantação do processo eletrônico “como uma alternativa, de
49
OLIVEIRA, Alexandre Vidigal. Op.cit.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.Op. cit.130.
51
NORTHFLEET, Ellen Gracie. A utilização do faz pelo Judiciário. In: Revista Forense, n.º
335, Jul/Set 1996. apud MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Direito e Informática.Rio de Janeiro:
Forense, 2002. p. 153.
50
26
ordem estrutural, para a busca eficiente da redução do ‘tempo inútil’ na tramitação
do processo; uma solução, a médio e longo prazo, para redução da burocracia
judiciária e dos custos diretos e indiretos que a envolvem.”52
Diante deste quadro evolutivo tecnológico que, inevitavelmente, está
atingindo o Poder Judiciário se faz necessário a análise dos aspectos relevantes
juridicamente que envolve a implantação do processo eletrônico no judiciário
brasileiro que propõe a substituição progressiva do papel pelos recursos inovadores
de tecnologia da informação na busca pela celeridade processual.
4. PROCESSO ELETRÔNICO – LEI 11.419/2006
4.1 PROCESSO ELETRÔNICO: PROCESSO OU PROCEDIMENTO?
O processo eletrônico nos moldes disposto no § 1º do artigo 1º da Lei n.º
11.419/2006 é aplicável indistintamente, aos processos civil, penal e trabalhista, bem
como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição.
Assim no dizer de Almeida Filho se entendermos o processo eletrônico
como sendo um processo teremos um processo sobre outro processo.
Melhor explicitando, “Quando afirmamos termos um processo sobre outro
processo estamos nos referindo à coexistência de dois modelos processuais: o dito
convencional ou físico, como alguns preferem e o eletrônico.” 53
Porém como conceitua Arenhart e Marinoni “processo é um instrumento
pelo qual o Estado exerce a jurisdição.”54 Já o procedimento é a forma pela qual o
processo se desenvolve.
Neste viés alerta Almeida Filho que a pretensão inserida no Pacote
Republicano, quanto à informatização judicial no Brasil não trata de processo
eletrônico, mas de procedimento eletrônico.55
52
BOTELHO NETO, Fernando. Op. Cit.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.op. cit. p.148.
54
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de
Conhecimento. 5 ed., São Paulo: RT, 2006. p. 72.
55
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.op. cit. p.148.
53
27
E ressalta, “Se estivermos tratando de processo, a competência para
legislar é exclusiva da União. Mas, em se tratando de procedimento, a legislação é
concorrente e, com isto, poderemos reviver, ainda que de forma branda, os Códigos
de Processo estaduais.”56
Esclarece Almeida Filho a despeito de seu posicionamento:
pela especialidade do procedimento eletrônico, ele pode ser adotado, repita-se em
qualquer procedimento, mesmo naqueles em que o princípio da oralidade é mais ampliado
como nos Juizados Especiais e no rito sumário. (...) A idéia de dois procedimentos para um
mesmo tipo de processo não acarretará qualquer problema para o perfeito desenvolvimento
da sistemática processual. Contrariamente, agilizará a entrega da prestação jurisdicional.
(...) O futuro será o do processo eletrônico, mas, por enquanto, somente temos
57
procedimento.
Importa, reconhecer que diante da legislação vigente o que está sendo
implementado, a priori, no judiciário brasileiro é a prática de atos processuais por
intermédio de meios eletrônicos, bem como a digitalização dos autos de papel que
passam a ter um novo suporte de armazenamento.58
Neste prumo é o conteúdo disposto no manual do usurário do sistema de
Petição Eletrônica implantado pelo STJ:
O E-PET visa facilitar o processo de entrega e protocolamento de petições, bem como a
prática de atos processuais por meio eletrônico, com certificação digital e
acompanhamento direto pelos interessados. Tem ainda como objetivo garantir a validade
jurídica dessas petições quando homologadas no Superior Tribunal de Justiça, bem como
disseminar e popularizar a tecnologia de certificação digital. O E-PET visa facilitar o
processo de entrega e protocolamento de petições, bem como a prática de atos
processuais por meio eletrônico, com certificação digital e acompanhamento direto pelos
interessados. Tem ainda como objetivo garantir a validade jurídica dessas petições
quando homologadas no Superior Tribunal de Justiça, bem como disseminar e
59
popularizar a tecnologia de certificação digital.
Portanto, cumpre esclarecer que o processo eletrônico concebido pela Lei
n.º 11.419/2006 não serve isoladamente para dirimir conflitos decorrentes de
situações fáticas que envolvam o uso de mecanismos tecnológicos. Como explica
Carla Rodrigues Araújo de Castro:“Procedimento é rito a ser seguido na apuração
de uma infração penal.Não há em nossa legislação norma processual especifica
56
Idem
Idem
58
E-PET sistema de peticionamento eletrônico do STF. P.2. Disponível em: www.stj.gov.br
Acesso em: 12. mar. 2009.
59
Idem
57
28
para os crimes de informática, devendo ser aplicadas as existentes no CPP e nas
Leis especiais.”60
Frisa-se, porém que o processo eletrônico pela dicção apresentada no § 1º
do artigo 1º da Lei n.º 11.419/2006 pode ser adotado para tramitação de qualquer
tipo de demanda, independentemente de seu objeto o que não se pode afirmar é ser
o processo eletrônico instrumento exclusivo do direito eletrônico.61
Ressalvada as considerações doutrinárias trazidas a lume, o que se deve
garantir na informatização judicial é a autenticidade, integridade e validade do ato
processual praticado por meio eletrônico, bem como resguardar princípios e os
direitos fundamentais do jurisdicionado. Neste contexto necessário compreender as
técnicas empregadas para garantir que os registros transmitidos eletronicamente
possam viajar no ambiente virtual de forma segura.
4.2 DOCUMENTO ELETRÔNICO
Não há como olvidar que as relações jurídicas provenientes de uso de
equipamentos tecnológicos são cada dia mais comuns. Realizam-se os mais
variados negócios jurídicos com o uso destes mecanismos. A substituição dos meios
tradicionais é crescente e rápida.
“A cultura escrita, típica de nossa civilização, vai, cada vez mais, cedendo
espaço a um novo mundo no qual predomina a cibernética em lugar da grafia, que
há não muito tempo consistia no primordial meio de disseminação das informações.”
62
Neste contexto, observa Giannantonio :
El uso cada vez más extendido de los elaboradores en la vida social y, em particular, la
difusión de las trasferencias electrónicas de fondos hace que cada día cualquiera de
nosotros se halle en la situación de tener que utilizar documentos provenientes de un
sistema de elaboración eletrónica: certificados electorales o de estado civil emitidos por
60
CASTRO, Carla Rodrigues Araújo. Crimes de Informática e seus Aspectos
Processuais. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2006, p. 109.
61
“ a nossa idéia, pois é a de criação de uma quarta jurisdição especial” ALMEIDA FILHO,
José Carlos de Araújo.op. cit.p 67.
62
TUCCI, José Rogério Cruz.Eficácia Probatória dos Contratos Celebrados.[Coord.] In:
LUCCA, Newton de.;SIMÃO FILHO, Adalberto. Direito & Internet. Aspectos Jurídicos Relevantes.
2 ed..São Paulo:Quartier Latin do Brasil, 2005.p.312.
29
sistemas registrales automatizados, certificados de conservación inmobiliaria o del catastro,
tickets emitidos por cajas automáticas, tabulados que contienen sumarios jurisprudenciales
63
u outra documentación.
Por sua vez, é forçoso reconhecer que muito embora a tecnologia faça parte
do cotidiano de grande parcela da sociedade e tenha transformado sensivelmente o
cotidiano social e negocial seu funcionamento e pouco compreendido, bem como os
riscos relacionados a seu uso principalmente no que tange a transmissão eletrônica
de dados.
Portanto, no atual cenário jurídico processual que se inicia com a
substituição progressiva do papel pelos recursos inovadores de tecnologia da
informação importante tecer considerações a acerca do documento eletrônico, vez
que o processo eletrônico tem como suporte e conteúdo para prática dos atos
processuais o meio eletrônico.
4.2.1 Conceito de documento eletrônico
A Lei do Processo Eletrônico acrescentou ao artigo 169 do Código de
Processo Civil - que trata da forma prática dos atos processuais - dois novos
parágrafos em consonância com o uso da tecnologia para sua realização:
Art. 169: os atos e termos do processo serão datilografados ou escritos com tinta escura e
indelével, assinando-os as pessoas que neles intervieram. Quando estas não puderem ou
não quiserem firmá-los, o escrivão certificará, nos autos, a ocorrência.
(...)
§ 2º Quando se tratar de processo totalmente eletrônico, os atos processuais praticados na
presença do juiz poderão ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em
arquivo eletrônico inviolável, na forma da lei, mediante registro em termo que será assinado
digitalmente pelo juiz e pelo escrivão ou chave da secretária, bem como pelos advogados
das partes.
§ 3º No caso do § 2º deste artigo, eventuais contradições na transcrição deverão ser
suscitadas oralmente no momento da realização do ato, sob pena de preclusão, devendo o
juiz decidir de plano, registrando-se a alegação no termo.
63
GIANNANTONIO, Ettore.El Valor Jurídico Del Documento Electrónico. [Coord. BIELSA.
Rafael A.; [dir.] ALTAMARK, Daniel Ricardo. In:Informática Y Derecho.A portes de Doctrina
Internacional. V. 1 Buenos Aires: 1991.p. 93.
30
Frisa-se que transcrição de um ato gera um documento, no caso do
processo digital esse documento será eletrônico em razão da forma empregada
para sua produção e armazenamento, conforme disposto no § 2º do artigo 169 CPC.
Contudo, a Lei de Processo Eletrônico embora autorize a produção e
armazenamento dos atos processuais por meios eletrônicos não define o que venha
ser documento eletrônico, ficando a critério da doutrina pacificar um conceito que
acompanhe a evolução tecnológica.
Preconiza Moacyr Amaral Santos que documento “é a coisa representativa
de um fato e destinada a fixá-lo de modo permanente e idôneo, reproduzindo-o em
juízo”64
Como se vê, o conceito tradicional de documento acima apresentado esta
consubstanciado na idéia carneluttiana65, vez que entende documento como sendo
uma coisa (res). Para Augusto Taveres Rosa Marcacini
um conceito atual de documento, para abranger também o documento eletrônico, deve
privilegiar o pensamento ou fato que se quer perpetuar, e não a coisa em que estes se
materializam. Isso porque o documento eletrônico é totalmente dissociado do meio em que
foi originalmente armazenado. Um texto, gravado inicialmente no disco rígido do
computador do seu criador, não está preso a ele, Assumindo a forma de uma seqüência de
bits, o documento eletrônico não é outra coisa que não a seqüência mesma,
independentemente do meio onde foi gravado. Assim, o arquivo eletrônico em que está
este texto poderá ser transferido para outros meios, sejam disquetes, CDs, ou discos rígidos
66
de outros computadores, mas o documento eletrônico continuará sendo o mesmo.
Assim, considerando tratar-se da representação de um fato que se pode
exprimir sob diversos meios (escrito, fonográfico, plástico, etc) e tendo em vista que
no ambiente eletrônico os registros acham-se desvinculado de meio físico esclarece
Marcacini:
dadas suas características peculiares, mostra-se possível propor mais de uma classificação
– além das que já são estabelecidas pela doutrina- para distinguir o documento entre
documento físico e documento eletrônico. O documento físico bem pode continuar a ser
64
SANTOS, Moacyr Amaral.Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Ed. 14.V.
2.São Paulo: Saraiva, 1991. p. 385.
65
Ao tratar de prova documental como a maioria da doutrina Ovídio Baptista da Silva cita a
lição CARNELUTTI que define documento como sendo “ uma coisa que doce, isto é, que tem em si a
virtude de fazer conhecer. “ SILVA, Ovídio A. Baptista da.Curso de Processo Cível. Rio de Janeiro,
2003.p.378.
66
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito...., p.65.
31
definido como uma coisa representativa de um fato (Moacyr Amaral Santos). Se o
documento, em sentido lato, é o registro de um fato, o documento físico é o registro de um
fato inscrito em meio físico e a ele inseparavelmente ligado. Já o documento eletrônico, (...)
não se prende ao meio físico em que está gravado, revestindo-se de autonomia em relação
67
a ele.
Deste modo, conceitua o autor documento eletrônico como “uma seqüência
de bits que, traduzida por meio de um determinado programa de computador, seja
representativa de um fato”.68
Nota-se que parte da doutrina entende que o conceito de documento
eletrônico deve desvincular-se do aspecto de materialidade. Deste modo os
conceitos tradicionais de documento não são suficientes para abrange-lo em toda
sua plenitude. Neste sentido, leciona Lorenzetti que “a documentação é a forma que
adota essa declaração que pode ser: a) ‘corporal’ como se diz na linguagem dos
códigos, fazendo referência ao mundo dos átomos: coisas em geral, papel, fitas; b)
‘não corporal’ ou ‘imaterial’, ou eletrônica ou digital, fazendo menção ao mundo dos
bits”.69
Queiroz e França criticam esta posição. Segundo os juristas,
o documento apenas está representado por uma outra tecnologia, inteiramente nova (e
talvez por isso, tão ‘assustadora’), mas continua disponível, acessível e inteligível. A
desmaterialização nada mais é do que a substituição do suporte clássico pelo magnético. A
digitalização não transforma o documento em algo ‘imaterial’ o que, em direito, tem
70
significado próprio sendo, por isso, inconveniente o uso indiscriminado da expressão.
Segundo ensina Newton De Lucca,
não existe, na verdade, diferença ontológica entre a noção tradicional de documento e a
nova noção de documento eletrônico. Este último, com efeito, também será o meio real de
representação de um fato, não o sendo, porém, de forma gráfica. A diferença residirá,
portanto, tão somente no suporte do meio real utilizado, não mais representado pelo papel e
71
sim por disquetes, disco rígido ou discos magnéticos etc.
67
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito...., p.66.
Idem.
69
LORENZETTI, Ricardo L.Op.cit., p.128.
70
QUEIROZ, Regis Magalhães Soares e FRANÇA, Henrique de Azevedo. Assinatura
Digital e a Cadeira de Autoridades Certificadoras.[Coord.] In: LUCCA, Newton de.;SIMÃO FILHO,
Adalberto. Direito & Internet. Aspectos Jurídicos Relevantes. 2 ed..São Paulo:Quartier Latin do
Brasil, 2005.p.421.
71
LUCCA, Newton De.Op. cit.p. 89.
68
32
Assim, define documento eletrônico como sendo “qualquer objeto capaz de
propiciar a outro objeto (suporte representativo), condições de obter a representação
de um fato presente ou passado”. 72
Todavia, não se deve olvidar que o conteúdo do documento eletrônico é
independente de seu suporte. Em decorrência disto surgem conseqüências jurídicas
relacionadas a seus elementos que devem ser levadas em conta para validade,
integridade
e
autenticidade.
Uma
destas
conseqüências
está
relacionada
diretamente com o conceito de documento original e cópia. Neste diapasão leciona
Marcacini:
o conceito de documento original ou de vias de um mesmo documento, são inexistentes no
meio eletrônico. O documento eletrônico é a seqüência de bits e, onde quer que esteja
gravado, em qualquer quantidade de cópias, mas desde que sejam reproduzidas
exatamente a mesma seqüência, teremos sempre o mesmo documento. Dado o fato de
que o documento eletrônico pode ser copiado infinitas vezes, mantendo-se exatamente
igual a matriz, é impossível falar-se em original, em cópia, ou em número de vias do
73
documento eletrônico.
Contudo, vale lembrar que um documento eletrônico
pode ser reproduzido em meio físico, e vice-versa, neste caso é possível falar-se em original
e cópia. Se o documento foi original a mesma seqüência de bits, qualquer que seja o meio
em que esteja armazenada; mas podemos falar em cópia de documento eletrônico, quando
esta seqüência de bits, traduzida pelo programa de computador, for impressa sobre papel.
Nesse caso, o papel é a cópia, e o arquivo eletrônico com assinatura criptográfica é o
original. (...) Por outro lado, um documento originalmente lavrado em papel pode ser
introduzido no computador, por meio de um scanner, seja para fins de armazenamento e
recuperação rápida, seja para transmissão. Aqui, existe um original em papel, do qual o
74
documento eletrônico é apenas a cópia.
Outra conseqüência prática que advém do conteúdo do documento
eletrônico não estar vinculado ao suporte é “que não estando presos aos meios em
que foram gravados, os documentos eletrônicos são prontamente alteráveis, sem
deixar qualquer vestígio físico.”75 Assim, textos, imagens ou sons, são facilmente
modificados pelos próprios programas de computador que os produziram ou por
outros programas que permitam editá-los.
72
Idem.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito....,p.68.
74
Idem.
75
Ibidem., p.85.
73
33
Em decorrência do exposto infere-se que para existência e validade do
processo eletrônico os atos processuais deverão ser revestidos de autenticidade,
integridade e segurança. Na lição de Almeida Filho, “à inexistência de assinatura
digital na petição, assim como à falta de autenticidade dos documentos, nos termos
da Medida Provisória n.º 2.200-2/2001, pode-se afirmar que inexiste um pressuposto
processual de existência e, assim, conduzir à extinção do processo sem resolução
de mérito, nos termos do art. 267, I, do CPC.”76 E conclui o Autor:
Em princípio admite-se não haver mais um pressuposto processual, mas podemos admitir
que há uma ampliação do instituto. A partir do momento em que há processamento
eletrônico e mesmo na transmissão dos atos processuais nos termos do § único do Art. 154
do CPC, há necessidade adoção da infra-estrutura de chaves públicas. (...) Não podemos
adotar o princípio da instrumentalidade das formas, admitindo-se o ato como válido, porque
trata-se de requisito intrínseco e cuja nulidade, à forma sua ausência, deve ser de imediato
77
decretada.
Neste contexto, relevante avaliar os mecanismos tecnológicos que
garantem aos documentos eletrônicos a) autenticidade que consiste na possibilidade
de identificar, com elevado grau de certeza, a autoria da manifestação de vontade
representada no documento digital a mesma segurança do papel ou de outro
registro material e a; b) integridade que fornece a certeza que o documento
eletrônico não foi adulterado no caminho entre o emitente e o receptor ou por uma
dessas partes e, em caso de haver adulteração, que essa seja identificável.78
4.3 MECANISMOS DE SEGURANÇA PARA O PROCESSO ELETRÔNICO
Observa-se que a maior dificuldade para implementação do processo
eletrônico no ordenamento jurídico reside no fato que os registros eletrônicos são
facilmente alteráveis sem deixar vestígios físicos. Outro aspecto tormentoso
relacionado o uso do suporte eletrônico é a atribuição de autoria.
Assim com o fito de conceder eficácia aos documentos eletrônicos o art. 11º
da Lei 11.419/2006, prevê:
76
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.op. cit.158.
Idem.
78
QUEIROZ, Regis Magalhães Soares; FRANÇA, Herinque de Azevedo. Op. cit, p;426.
77
34
Art. 11º os documentos eletrônicos produzidos eletronicamente e juntados aos processos
eletrônicos com garantia da origem e de seu signatário, na forma estabelecidas nesta lei,
serão considerados originais para todos os efeitos legais.
§ 1º Os extratos digitais e os documentos digitalizados e juntados aos autos pelos órgãos
da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias,
pelas autoridades policiais, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos e
privados têm a mesma força probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e
fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.
§2º A argüição de falsidade do documento original será processada eletronicamente na
forma da lei processual em vigor.
§ 3º Os originais dos documentos digitalizado, mencionados no § 2º deste artigo, deverão
ser preservados pelo seu detento até o trânsito em julgado da sentença ou, quando
admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória.
Cabe observar que o processo eletrônico será formado pelos atos
processuais eletrônicos propriamente ditos (v.g, audiência, citações, intimações,
despachos, etc); por documentos digitalizados que são originariamente produzido
em papel e escanneados pelas partes (procuração, prova documental, certidões,
escrituras, etc.) e documentos originalmente eletrônicos (v.g. contratos firmados
eletronicamente, prova documental eletrônica: fotografia digital).
Assim, como já mencionado os documentos digitalizados são a cópia de
documentos produzidos em um suporte de papel, sendo que no caso de qualquer
alegação de falsidade material ou divergência de conteúdo com a cópia eletrônica
será necessário a apresentação do documento original, que no caso, é o papel.79
Em relação aos documentos eletrônicos produzidos fora do processo que
são juntados aos autos para comprovação de determinado fato - como a exemplo email, contratos eletrônicos, fotos digitais - a exigência de assinatura eletrônica e
certificação digital não pode ser considerada como pressuposto para validade e
existência da demanda. Isto porque se trata ato jurídico puro distinto do ato
processual. Como ensina Almeida Filho:
O ato processual tem por objetivo adquirir, extinguir ou modificar direitos processuais. (...) o
ato processual é espécie de ato jurídico e é praticado em razão de uma relação processual.
A processualidade do ato não se deve ao seu cumprimento no processo, mas por criar
efeitos no processo. (...) A distinção se faz oportuna, porque, no processo eletrônico, os
atos processuais deverão ser revestidos de autenticidade, integridade e segurança uma
80
vez que deverão ser praticados com a adoção da infra-estrutura de chaves publicas.
79
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Duas óticas acerca da informatização dos processos
judiciais. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 16 mar. 2009.
80
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.op. cit.165/166.
35
Neste
viés
tem-se
que
documentos
eletrônicos
que
comprovam
determinada relação jurídica poderão ser inseridos no processo independentemente
de estarem certificados digitalmente pela ICP-Brasil. Isto em razão que a legislação
brasileira estabelece no artigo 332 do CPC que “ todos os meios legais, bem como
os moralmente legítimos, ainda que não especificados (...) são hábeis a provar a
verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa”.
Ademais, a Lei Civil no art. 225 deixa claro que “as reproduções fotográficas
cinematográficas, os registros
fonográficos
e,
em
geral quaisquer outras
reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena
destes, se à parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão.”
Assim nada impede que a parte utilize para comprovar um fato de uma foto
digital81, e-mail, uma gravação, porém a sua eficácia probatória poderá ser
questionada pela simples impugnação da parte contrária, em decorrência destes
meios eletrônicos terem como características volaticidade, alterabilidade e fácil
falsificação.
Frisa-se, porém que o documento eletrônico juntado ao processo para
comprovação dos fatos alegados na demanda poderá manter sua força probante
desde que comprovada sua autoria e integridade pelo uso de mecanismo de
segurança (criptografia, assinatura digital, certificação eletrônica, ainda que não
emitida pela ICP-Brasil), nos moldes no disposto no § 2º do art. 10º da Medida
Provisória 2.200/2001.
Já no caso dos atos processuais praticados por meio eletrônico (v.g citação,
intimação, oitiva de testemunhas, petição) o documento eletrônico será o original,
sendo que nele próprio poderão ser verificadas a autenticidade e integridade da
declarações emitidas. A impressão em papel dessa modalidade de documento é que
se torna cópia dele. Nestes casos como afirma Almeida Filho: “inexistência de
81
Esta fotografia, embora não deixe de ser ontologicamente considerada como tal, não é
obtida pelo mesmo método da fotografia tradicional, mas por mecanismo outro, inovação da
modernidade. Aqui, então, não se pode pensar em aplicar o comando que determina a exibição do
negativo. Esta fotografia estará submetida à regra que rege sua eficácia provatória (art.383),
dispensado-se, de forma absoluta, que venha a ser acompanhada de negativo (porque inexiste). Em
caso de dúvida sobre a conformidade desta fotografia com a realidade verificada competirá ao
magistrado servir-se de qualquer prova para analisar eventuais fraudes, cabendo o ônus da prova da
adequação àquele que pretende servi-se da prova em juízo (na falta de outra disposição, que crie
presunção em favor desta especifica fotografia). O exame pericial, por técnicos de informática, pode
ser, de regra, o único caminho para bem investigar a prova. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART,
Sérgio Cruz.Comentários..., p. 157.
36
assinatura digital na petição inicial, assim como à falta de autenticidade dos
documentos, nos termos da Medida Provisória n.º 2.200-2/2001, pode-se afirmar que
inexiste um pressuposto processual de existência, e assim, conduzir à extinção do
processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 267, I do CPC”.82
Em suma, vê-se que a obrigatoriedade trazida no parágrafo único do art.
154 do Código de Processo Civil – quanto ao atendimento dos requisitos de
autenticidade, integridade, validade jurídica e integridade interoperabilidade da infraestrutura de chaves públicas brasileira – ICP Brasil - aplica-se exclusivamente as
práticas dos atos processuais.
Ou seja, os atos processuais eletrônicos para sua existência e validade
obrigatoriamente deverão ser praticados com a adoção da infra-estrutura de chaves
públicas - ICP-Brasil, conforme dispõe a alínea ‘a’, inciso III, § 2º do art. 1º da Lei
11.419/2006.
Deste modo, importante proceder à verificação do uso de certos
instrumentos tecnológicos que possibilitem gerar documentos eletrônicos que
cumpram todos os requisitos de um documento tradicional. Permitindo, com isto,
trazer a tais documentos a mesma segurança do papel ou de outro registro material.
Assim, para solucionar a falta de integridade e autenticidade dos registros
eletrônicos, analisar-se-á a possibilidade do uso da criptografia assimétrica da
assinatura digital e da certificação digital para contornar a insegurança do ambiente
virtual.
4.3.1 Criptografia
A criptografia é uma técnica de escrever em cifra ou em código. “Desde a
Antigüidade83, já se tinha conhecimento da criptografia, na qual era utilizada a
substituição ou a troca dos símbolos com o objetivo de confundir um possível
interceptor das mensagens.”84
82
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.Op. cit.158.
“A criptografia simétrica é bastante antiga, havendo registros de que já era conhecida
na época das guerras helênicas, na Mesopotâmia e no Egito”. MENKE, Fabiano.Op. Cit. p. 44.
84
COPALO, Edilane Del Rio.ICP-Brasil.Impresa investigativa: Sensacionalismo e
Criminalidade. Brasília. DF. N.º 20. Revista CEJ, p. 58/73. março, 2003. p.63
83
37
“Em Roma antiga, Julio César utilizava um método para cifrar sua
correspondência, pelo qual cada letra do texto era substituída pela terceira letra
subseqüente no alfabeto.” 85
Observa-se que uso da criptografia se originou das necessidades militares e,
em virtude disto, até hoje, seu uso é fortemente regulamentado em diversos países.
Segundo Marcacini, o primeiro livro impresso a abordar o tema foi de autoria
do alemão Johannes Trithemius, publicado em 1510, com o título de Poligrafia. O
referido autor é considerado o pai da moderna criptografia. 86
Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que a técnica da criptografia passou
a ser utilizada por meio de máquinas. Porém, com advento e desenvolvimento dos
computadores, potencializou-se a capacidade de criptografar.
Nesta seara preconiza Marcacini que
com recursos matemáticos aliados ao poder computacional, foram desenvolvidos algoritmos
que dificultam imensamente que os dados encriptados com uma determinada chave de
codificação possam ser decriptados sem seguir a correta política previamente definida por
esse algoritmo. O esforço computacional e o tempo que devem ser despedidos para
quebrar um algoritmo ou para descobrir qual a chave que pode decriptar a informação não
compensam a utilização desses métodos, tornando, assim, a criptografia um meio seguro
87
de confidencializar a informação.
A criptografia nos dias atuais é amplamente empregada. São exemplos
corriqueiros de seu uso as técnicas criptográficas utilizadas nas transações
bancárias realizadas por cartão de crédito e débito, ou por via da internet (homebanking), bem como as técnicas de segurança usadas por algumas TVs por
assinatura, com o fito de codificar o sinal de modo que apenas os assinantes que
possuam o aparelho decodificador tenham acesso aos canais.
Todavia, cabe ressaltar que a segurança de um sistema criptográfico está
ligada ao binômio tempo/custo para a decifração. “Em princípio, todo algoritmo
criptográfico pode ser decifrado, mas o custo e o tempo para fazê-lo tornam a
empreitada impraticável.”88
85
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.11.
Idem.
87
Idem.
88
QUEIROZ, Regis Magalhães Soares e FRANÇA, Henrique de Azevedo.Op. cit., p.426
86
38
Por fim, destaca-se que são dois os sistemas existentes de criptografia:
criptografia simétrica e criptografia assimétrica. As técnicas deferem, principalmente,
no tocante ao aspecto segurança, como será abordado nos tópicos seguintes.
4.3.1.1 Criptografia Simétrica
A criptografia simétrica é considerada uma técnica tradicional de criptografar.
Consiste no uso de uma única chave para cifrar e para decifrar a mensagem. Assim,
para explicar o funcionamento deste sistema de modo bastante simples, pode-se
tomar o exemplo da escrita cifrada de Júlio César anteriormente mencionada. “O
método empregado por Julio César era do Alfabeto cifrado, de acordo com o qual
cada letra da mensagem era substituída pela terceira letra subseqüente do Alfabeto.
Assim, o texto original “veni, vidi, vici” [sic], cifrado, ficava assim: ‘YHQL, YLGL,
YLFL,’” 89
Entretanto, é bom esclarecer que os métodos modernos de criptografia
simétrica, embora em essência correspondam com o exemplo acima dado, são
infinitamente mais complexos e seguros, em virtude dos avanços tecnológicos. 90
Assevera-se que o referido método é usado rotineiramente para assegurar o
sigilo dos próprios dados, ou seja, para evitar o acesso indevido às informações
pessoais e sigilosas. “O usuário encripta seus arquivos utilizando uma dada chave e
depois, quando quiser acessá-los, ele próprio os decifra utilizando a mesma
chave”.91 Pode, ainda, ser utilizada para o envio de mensagens com segurança
entre dois interlocutores.
Contudo, em decorrência da criptografia simétrica utilizar-se de uma mesma
senha, seja para cifrar, seja para decifrar a mensagem, sua aplicação,
evidentemente, torna-se limitada. Primeiro, porque depende que o emissor e o
receptor tenham combinado, anteriormente e de modo seguro, qual será a senha
utilizada.
89
MENKE, Fabiano.Op. cit., p.45
“Com recursos matemáticos aliados ao poder computacional, foram desenvolvidos
algoritmos que dificultam imensamente que os dados encriptados com uma determinada chave de
codificação possam ser decriptados sem seguir a correta política previamente definida por esse
algoritmo”. COPALO, Edilane Del Rio.Op. cit., p.61.
90
91
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito...,p.21.
39
Outra limitação surge da dificuldade de comunicação entre vários usuários,
pois demandaria, para garantia da confidencialidade e da autoria da mensagem, que
o emissor combinasse com cada um de seus receptores uma senha diversa. Assim,
num universo de 1000 usuários (receptores), o emissor precisaria de 999 chaves
diferentes.92
Em virtude da criptografia simétrica padecer das limitações acima
suscitadas, a doutrina entende que seu uso não possibilita um nível de segurança e
confiabilidade suficiente para atribuir autenticidade e integridade aos documentos
eletrônicos. Neste sentido leciona Marcacini ao tratar da criptografia simétrica,
este sistema não permite demonstrar para outra pessoa que a mensagem efetivamente
provém do suposto emissor, e isto por uma razão bastante simples: o próprio receptor
também poderia ter encriptado a mensagem, vez que também conhece a senha. Disto se
extrai que a criptografia convencional não permite a criação de assinaturas digitais, nem
permite que o documento eletrônico cifrado, por si só, possa servir como prova de
93
manifestação de vontade.
Nota-se, porém, que por intermédio do uso da criptografia assimétrica,
exposta a seguir, é possível superar as limitações da criptografia convencional
(simétrica).
4.3.1.2 Criptografia Assimétrica
O conceito de Criptografia assimétrica, também chamada de criptografia de
chave pública, foi desenvolvido pelos pesquisadores Whitfield Diffie, Martin Hellman
e Ralph Merkle, da Universidade de Stanford, Estados Unidos, no ano de 1976.94
A nova tecnologia criptográfica (assimétrica), ao contrário da convencional,
utiliza-se de duas chaves: uma chave privada e uma chave pública.
A criptografia assimétrica como bem explicam Queiroz e França funciona da
seguinte maneira:
a partir de complexos métodos matemáticos, são gerados dois códigos, ou melhor, duas
chaves diferentes. Uma das chaves ficará em poder do proprietário do sistema, que terá
92
93
94
MENKE, Fabiano.Op.cit., p.45.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.23.
MENKE, Fabiano. Op.cit., p.46.
40
exclusividade no seu uso. Esta será a chave privada. A outra poderá ser distribuída a todos,
aqueles com quem o proprietário precisa manter uma comunicação segura ou identificada.
Essa será a chave pública. Essas chaves são inseridas em pequenos programas de
computador, que integram os editores de correio eletrônico normais e são postas em
95
funcionamento mediante um simples clique do “mouse” no ícone respectivo.
A nova técnica criptográfica visa solucionar os pontos fracos da criptografia
simétrica, mencionados no tópico anterior.
Assevera-se que “a chave pública pode ser dada ao conhecimento de todos
(é comum, na rede, deixar a chave pública disponível para download), enquanto a
chave privada deve ser guardada (...) pelo titular”. 96
Assim, de posse da chave pública, que foi disponibilizada em rede, qualquer
pessoa poderá cifrar uma mensagem para o titular da chave privada. Terceiros que,
porventura,
interceptem
a
mensagem
não
conseguirão
decifrá-la,
mesmo
conhecendo a chave pública que foi utilizada para codificação, pois, como visto
acima, a mensagem encriptada com a chave pública não pode ser decifrada com a
mesma que a gerou. Só a chave privada de propriedade de um único titular poderá,
decodificar esta mensagem. 97
Deste modo, resolve-se o problema relacionado ao compartilhamento da
chave existente no sistema criptográfico simétrico, ou seja, todos podem utilizar a
mesma chave pública, já que, com ela, não será possível abrir a mensagem.
Portanto, por existirem duas chaves diferentes para emissor e receptor,
evita-se que haja uma prévia combinação da senha, como ocorre no uso da chave
simétrica, o que confere, por sua vez, maior segurança quanto autenticidade e
integridade do documento. Ademais, não será necessário uma chave pública para
cada destinatário diferente. Neste sentido, esclarece Menke, ao diferenciar
criptografia simétrica de assimétrica:
Diferentemente da criptografia simétrica, que utiliza a mesma chave tanto para a cifração
quanto para a decifração da mensagem, a diversidade das chaves permite a comunicação
com um universo ilimitado, e, fundamentalmente, que não se tenha que conhecer
previamente o interlocutor e com ele ter contato prévio, algo bastante necessário numa
98
sociedade como a da atualidade, que tem por característica marcante a impessoalidade.
95
QUEIROZ, Regis Magalhães Soares e FRANÇA, Henrique de Azevedo. op.cit., p.426.
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.28.
97
Idem.
98
MENKE, Fabiano.op.cit., p.47.
96
41
Assim, este método vem sendo amplamente utilizado por empresas e
bancos em suas páginas na internet. Exemplo clássico de seu uso são os homebanking disponíveis nas world wide web.
Entretanto, cabe ressaltar que a garantia da segurança da criptografia
assimétrica basicamente, está relacionada com a consistência do algoritmo e o
tamanho da chave.
Desta forma, quanto ao primeiro aspecto, é importante que o algoritmo
empregado seja de conhecimento da comunidade científica e de todos, para ser
testado, pois quanto mais submetido a testes, maior a segurança do sistema
criptográfico.
Já em relação ao tamanho da chave utilizada pelo algoritmo, alerta
Marcacini, que chaves assimétricas de apenas 512 bits não são consideradas
seguras99.Deste modo, os sistemas criptográficos devem acompanhar a evolução do
poder de processamento dos computadores. Por fim, deve-se, também procurar
proteger a chave privada100. Para garantir a segurança do sistema, uma sugestão,
dada pelos especialistas, é antes de armazenar a chave privada, cifrá-la com
criptografia simétrica forte, de modo que só possa ser acessada digitando-se uma
“frase-senha”.
Por fim, importa dizer que a criptografia assimétrica, com um nível
segurança bastante superior a criptografia simétrica, tem o inconveniente de ser
mais pesada por demandar maiores recursos computacionais. Assim é comum o uso
misto de ambas as técnicas criptográficas
101
. “Este modo de operar combina a
maior rapidez da criptografia simétrica com a facilidade e segurança propiciadas
pela criptografia assimétrica”. 102
99
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.op.cit., p.47.
“hoje considera-se que a melhor maneira par realizar um ataque bem sucedido a um
programa como PGP caminharia no sentido de tentar se apropriar da chave privada do usuário, que
fica normalmente armazenada em um arquivo em disco”. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Op.cit.,
p.48.
101
“A mensagem é cifrada convencionalmente, utilizando-se uma chave aleatoriamente
gerada pelo programa (a chamada “chave de sessão”, ou session Key), a ser utilizada naquela única
vez. Na seqüência, esta “chave de sessão é cifrada com a chave pública do destinatário (ou com as
chaves de cada um dos vários destinatários, se for o caso). Assim feito, a mensagem cifrada a ser
enviada é composta de dois “blocos”: um primeiro, com a mensagem cifrada convencionalmente, e
outro com a chave secreta do primeiro “bloco”, extraindo a chave que abrirá a mensagem cifrada no
primeiro “bloco”.MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.29.
102
Idem.
100
42
Cabe lembrar que a criptografia assimétrica pode ser utilizada para criar as
chamadas assinaturas digitais, “de modo a identificar o signatário e a tornar
inalterável o conteúdo do documento assinado”. 103
4.3.2 Assinatura eletrônica/digital
Determinam os art. 2º e art. 8º da Lei do Processo Eletrônico:
Art. 2º: O envio de petições, de recursos e a prática de atos processuais em geral por meio
eletrônico serão admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta
Lei, sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme disciplinado
pelos órgãos respectivos.
Art. 8º Os órgãos do Poder Judiciário poderão desenvolver sistemas eletrônicos de
processamento de ações judiciais por meio de autos total ou parcialmente digitais,
utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes
internas e externas.
Parágrafo único: Todos os atos processuais do processo eletrônico serão assinados
eletronicamente na forma estabelecida em lei.
Nítido que a assinatura eletrônica passa a ter papel importante, uma vez
que possibilita vincular o documento eletrônico ao autor e por conseqüência
acomodar-se às exigências da legislação vigente a respeito do processo eletrônico.
Segundo leciona Menke, assinatura eletrônica é um gênero que se inclui em
um sem-número de métodos de comprovação de autoria, empregados no meio
virtual, a exemplo certas técnicas biométricas, a qual o signatário assina
manualmente, utilizando uma caneta especial, ou em uma tela de computador ou em
uma planilha digital. Já assinatura digital, “desta feita, consiste em espécie do
gênero assinatura eletrônica, e representa um dos meios de associação de um
individuo a uma declaração de vontade veiculada eletronicamente dentre os diversos
existentes”. Afirma assim, o autor, que a “palavra “assinatura digital” refere-se
exclusivamente
assimétrica”.
ao
procedimento
de
autenticação
baseado
na
criptografia
104
Já Marcacini, após alertar que a assinatura digital não se confunde com a
imagem digitalizada de uma assinatura manual, nem tão pouco com uma senha de
103
104
QUEIROZ, Regis Magalhães Soares e FRANÇA, Henrique de Azevedo.Op.cit., p.434.
MENKE, Fabiano. op.cit., p.42.
43
acesso, afirma que “a assinatura digital é o resultado de uma operação matemática,
utilizando algoritmos de criptografia assimétrica”. 105
Observa-se que parte da doutrina vincula o termo assinatura digital à
criptografia assimétrica. No entanto, isto pode vir a ser um problema, uma vez que a
tecnologia é dinâmica.
Neste sentido, pondera Lorenzetti: “ As leis devem embasar-se em princípios
gerais e regras indeterminadas, que não exibam dependência extrema das
tecnologias, mais ainda no atual estágio rudimentar e experimental”.106 Completa o
autor “que nada impede que, num futuro não muito distante, exista outro meio
melhor e, neste caso, haverá assinatura digital sem criptografia, caindo em desuso
as leis elaboradas com base nesta tecnológica”. 107
Deste modo, salienta-se que a assinatura eletrônica não corresponde à
chave assimétrica, ou seja, esta última é apenas um mecanismo utilizado para criar
a aquela. Hoje é considerado o método mais seguro, contudo, nada impede que
surjam instrumentos mais avançados e seguros, capazes de dar autenticidade aos
documentos eletrônicos. 108
Tem-se,
assim,
que
a
expressão
‘assinatura
eletrônica’
seria
tecnologicamente neutra por deixar em aberto as técnicas a serem adotadas,
enquanto que a expressão ‘assinatura digital’, espécie do gênero assinatura
eletrônica, estaria de antemão elegendo a criptografia assimétrica.
Importante pontuar que o legislador brasileiro ao criar a Lei que instituiu o
Processo Eletrônico foi feliz ao eleger o termo ‘assinatura eletrônica’, possibilitando
que a lei amolde-se aos avanços tecnológicos. Assim, caso superada a criptografia
por outro meio mais seguro de garantir autenticidade e integridade dos documentos
eletrônicos a lei não será afetada.
Portanto, em decorrência da tecnologia hoje disponibilizar como método
mais seguro para assinar a criptografia assimétrica cabe explicar de forma
simplificada a produção da assinatura digital por intermédio desta técnica. Até
105
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.32.
LORENZETTI, Ricardo L.op.cit., p.104.
107
Ibidem., p.102.
108
“Esta relação entre assinatura e criptografia é um erro do ponto de vista legislativo.A
assinatura eletrônica encontrará muitas técnicas e, na medida em que estas forem mudando, cairão
as leis que baseam numa assimilação tão dura e rígida, desconhecendo a relatividade histórica
destes processos.” LORENZETTI, Ricardo L.Op.cit., p.102.
106
44
porque a Medida Provisória n.º 2.200/2001, que instituiu ICP-BRASIL (sistema de
certificação eletrônica) , faz menção direta, ao tratar da assinatura digital, ao uso da
criptografia assimétrica, como será oportunamente abordado.
A assinatura digital, diferentemente do simples uso da criptografia
assimétrica para enviar mensagens sigilosas a alguém (onde a mensagem é cifrada
com a chave pública do destinatário, de modo que somente ele, possuidor da chave
privada correspondente, poderá decodifica-la”), “é produzida cifrando a mensagem
com a própria chave privada, o que só pode ser decifrado com a chave pública.
Portanto, somente quem detém a chave privada poderia tê-lo feito”. 109
Ainda, importa ressaltar que, em virtude do sistema criptográfico demandar
elevados recursos computacionais para criar a assinatura digital, utiliza-se a hash
function ou “função digestora”110, a qual não encripta a mensagem, mas cria um
resumo da mensagem (message digest). Em seguida, este resumo é criptografado
com a chave privada do “signatário”. O resultado é a assinatura digital, que nada
mais é que um “número de controle”. Realizada qualquer mudança na mensagem ou
no arquivo alterar-se-á o resultado da “função digestora”, o que, por sua vez, tornará
invalida a assinatura digital.111
Cabe, ainda, promover um comparativo entre os conceitos e regras
preexistentes aplicadas à autenticidade e à assinatura dos documentos tradicionais
com o instituto ora examinado, a fim de averiguar os pontos convergentes e os
divergentes existentes entre ambos.
Lorenzetti critica duramente o uso da analogia direta entre a assinatura
convencional e a assinatura eletrônica. Segundo ele, o único elo de ligação existente
109
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.32.
“Para melhor visualizar este processo, e compreender a atuação da hash function,
tomarei como exemplo o nosso conhecido número de CPF, representado por nove dígitos, mais dois
dígitos de controle.Supondo que todos conheçam o significado destes dois dígitos de controle
existentes no número do CPF, e devem também saber que seus valores são obtidos mediante uma
operação matemática aplicada aos primeiros nove algarismos.Este controle serve para se fazer uma
verificação da correção do CPF dado. Uma mera inversão da posição de qualquer dos nove primeiros
algarismos resultará em um diferente número de controle e indicará que o CPF em questão foi
incorretamente escrito ou digitado. Com a “função digestora”, ocorre algo parecido: a partir da
mensagem, utilizada como única variável, a Hash function produz uma espécie de “número de
controle”.(...) Qualquer mudança no texto, ou no arquivo eletrônico, mesmo insignificante, alterará seu
resultado”. MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.34.
111
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.32/37.
110
45
entre a assinatura eletrônica e assinatura convencional é o objetivo que ambas
buscam, qual seja, reconhecer a autoria de determinado documento.112
Como se vê, a assinatura eletrônica tem como objetivo indicar com
segurança a autoria proveniente de um registro eletrônico, não diferindo, neste
aspecto, do conceito de assinatura convencional. Porém, para alcançar sua
finalidade, traça caminho diametralmente oposto. Neste sentido, pondera Marcacini:
A assinatura manuscrita de uma pessoa, em todos os documentos que ela assinar, manterá
sempre traços e características semelhantes, e é justamente isso que permite conferir a sua
autenticidade. Já as assinaturas eletrônicas são sempre diferentes para cada documento
assinado. É isto que faz com que uma assinatura digital não possa ser reutilizada para
outros documentos. O ponto em comum entre todas as assinaturas eletrônicas, de uma
mesma pessoa é o fato de que foram geradas a partir de uma única chave privada e
poderão ser conferidas com o uso da mesma chave pública, mas as assinaturas eletrônicas,
113
em si, não são nunca iguais, para documentos diferentes.
Outra diferença provém do fato de que uma assinatura tradicional está ligada
fisicamente ao documento de regra114, deve estar no mesmo pedaço de papel, logo
após o final do texto. Já a assinatura digital tem uma relação lógico-matemática com
o documento eletrônico.
Diante disto, pondera-se, para que seja atribuída eficácia aos documentos
eletrônicos, que o conceito de assinatura deve abranger não só a forma escrita mais
“qualquer método ou símbolo usado por uma parte com intenção de vincular-se ou
autenticar um documento”.115 Deste modo, a assinatura digital possibilitaria a
adaptação do documento eletrônico ao disposto no artigo 371, inciso I, do Código
Processo Civil, que diz: “Reputa-se autor do documento particular: I – Aquele que
fez e assinou”.
Por fim, importa salientar que, para agregar mais segurança às
comunicações virtuais, é necessário o uso de outro elemento que forneça certeza
112
“ Na assinatura eletrônica existe a intenção de reconhecer a autoria, porém, não
necessariamente, mediante o nome e o sobrenome e sem a escrita de mão própria. Portanto, a
noção de assinatura é uma analogia que se utiliza para tornar uma idéia mais compreensível, mas
não é igual se pretende usar este conceito vinculado à cultura escrita. Mais ainda, a assinatura digital
não foi pensada com base na assinatura tradicional nem tampouco sobre um ordenamento jurídico
determinado , o que lhe dá um tempero maior de heterodoxia”. LORENZETTI, Ricardo L.Op.cit.,
p.115.
113
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.37.
114
“É válido, porém, apor a assinatura em outro local do documento (por exemplo, a sua
margem) (...)”. MARINONI, Luiz Guilherme; Sérgio Cruz Arenhart.Comentários..., p.70.
115
LORENZETTI, Ricardo L.Op.cit., p.102.
46
quanto à autoria, pois uma pessoa pode gerar em seu computador quantos pares de
chave desejar, fornecendo nomes alheios, reais ou imaginários, inexistindo qualquer
vínculo que as ligue à pessoa do usuário. Portanto, o recurso técnico disponível
capaz de dar presunção de autoria é a chamada certificação digital.
4.3.3 Certificação dos documentos eletrônicos
Como se extrai da leitura do art. 1º, § 2º, inciso III alínea ‘a’ e ‘b’ da Lei
11.419/2006 as formas de identificação inequívoca do signatário que produziu o
documento eletrônico se dá no processo eletrônico através da assinatura digital
baseada em certificação digital emitida por Autoridade Certificadora credenciada e
mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário.
Art. 1º (...)
III – assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade
Certificadora credenciada, na forma da lei especifica;
b)
Mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos
respectivos;
Como anteriormente esposado a assinatura eletrônica é gênero e engloba
técnicas diversas para identificação do autor do documento eletrônico enquanto que
a assinatura digital está intimamente ligada à idéia de criptografia assimétrica.
No caso em exame a lei ao eleger a assinatura digital faz menção que para
validade da mesma está deve ser certificada digitalmente nos moldes da lei
especifica, o que remete a adoção do ICP-Brasil por força do disposto no parágrafo
único do art. 154 do CPC.
Todavia, a polêmica reside na alínea ‘b’ que também prevê como modo de
obtenção de assinatura eletrônica o cadastro de usuário no Poder Judiciário,
conforme regulamentação de cada Tribunal.
Por seu turno o artigo 2º da aludida lei dispõe que “o envio de petições de
recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão
admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei,
sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos respectivos.”
47
Estes dispositivos vêm sofrendo duras críticas pela doutrina, primeiro
porque trazem a obrigatoriedade de um credenciamento prévio no Poder Judiciário
dos operadores do direito, o que para Marcacini dificulta o pleno exercício da
advocacia vez que o profissional tenha que se ‘credenciar’ junto aos vários órgãos
do Poder Judiciário nacional. O mesmo se aplica aos membros do Ministério Público,
cujo credenciamento junto ao Judiciário também se faria obrigatório. 116
Outro aspecto criticado é que “na medida em que um Tribunal credencia um
advogado para exercer sua atividade por meio eletrônico, assume, para si,
responsabilidade que não lhe cabe, a de controlar quem pode advogar.”117
É oportuno ressaltar que Ordem dos Advogados criou sua própria infraestrutura de chave pública, denominada ICP-OAB, que, por sua vez, não se
encontra dentro da ICP-Brasil.118
Para complicar a situação “a OAB Brasil em declaração acerca de Práticas
de Certificação da AC-Raiz fez a seguinte afirmação:
Na forma dos artigos 44, §2º, e 54, inciso X, da Lei nº 8.906/94, “o uso da sigla 'OAB' é
privativo da Ordem dos Advogados do Brasil”, competindo ao Conselho Federal “dispor
sobre a identificação dos inscritos na OAB e sobre os respectivos símbolos privativos”. E,
de acordo com o artigo 58, incisos VII e VIII, da mesma Lei, é da competência privativa
Conselho Seccional “decidir os pedidos de inscrição nos quadros de advogados e
estagiários” e “manter cadastro de seus inscritos”. E, ainda, conforme artigo 44, §1º, “a
OAB não mantém com órgão da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou
hierárquico.Por força das normas legais supra citadas, a expedição de certificados
eletrônicos que atribuam a uma pessoa a qualidade de advogado, ou de inscrito nos
quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, é tarefa privativa desta entidade, não
119
podendo ser desempenhada por qualquer outro ente, público ou privado.
Porém, apresentado brevemente alguns pontos nevrálgicos que certamente
serão vastamente discutidos pela classe jurídica, se faz importante compreender
neste momento inicial da implementação do processo eletrônico, o que venha a ser
certificação digital e sua importância para conferir aos atos judiciais eletrônicos
segurança jurídica.
116
mar. 2009.
117
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa. Duas..., Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 16
Idem.
ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo.Op. cit.160.
119
OAB, Infraestrutura de Chave Pública. Disponível em: http://cert.oab.org.br. Acesso em:
12. mar. 2009.
118
48
Como primeira observação, tem-se que a certificação digital não se
confunde com a assinatura digital.
As chaves, públicas e privadas, são números gerados aleatoriamente pelo computador e
com elas são realizadas as operações de cifrado e decifrado, independentemente destas
chaves estarem ou não certificadas por outrem. O certificado é um dado a mais, a ser
agregado à chave pública, uma vez que esta chave pública venha a ser assinada chave
privada do ente certificante. Não é com o certificado que se produz assinaturas: estas são
geradas com a chave pública. O certificado serve, neste processo, apenas para incrementar
120
a confiança que se deposita na chave pública que é utilizada na conferência.
Então, como se pode ver, a certificação digital “tem por função básica a de
possibilitar a comprovação da identidade do signatário de um documento
eletrônico”.121
A utilização da certificação digital tem importância, como já mencionado, à
medida que só se pode ter certeza de que um documento eletrônico provém da
pessoa indicada se a chave pública utilizada na conferência for realmente dela, e
não de um terceiro que se faz passar por ela. Assim, o uso da certificação digital
torna-se um mecanismo eficaz para fornecer certeza quanto à autoria, quando as
partes não se conhecem ou queiram o documento emitido tenha valor probatório
perante terceiros.122
Ressalta-se, contudo, que a certificação digital não é o único meio de conferir
autenticidade ao documento eletrônico. Outros recursos técnicos podem ser
utilizados, como a exemplo, o usuário poderá comparecer no tabelião e lavrar uma
escritura pública que conste o número de identificação da chave (fingerprint)123.
A certificação digital pode ser realizada por um ente particular (físico ou
jurídico) ou público, contudo, os efeitos jurídicos destas certificações dependerá de
diversos fatores, principalmente da atribuição legal.
120
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.55/56.
Ibidem. p.37.
122
“Em negócios envolvendo pessoas desconhecidas, como ter certeza da titularidade da
assinatura digital? Surge, então, a função da autoridade certificadora, que irá reconhecer a
autenticidade da chave publica”.COPALO, Edilane Del Rio.Op.cit., p.63.
123
“Fingerprint significa literalmente, impressão digital. A expressão fingerprint é utilizada
pelo PGP e pelos certificados X.509 para designar uma espécie de resumo de Chave
pública.Consiste em um longo número , de 128 bits que teria trinta e nove algarismos em base
decimal.), escrito em base hexadecimal. Dado o tamanho deste número, a fingerprint é
estatisticamente única”.MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.55).
121
49
Marcacini traz três modos de certificação: Certificações privadas, certificação
pública e certificação realizada por cartórios extrajudiciais. A primeira é proveniente
de
uma
relação
contratual,
sendo
regida
pelas
normas
estabelecidas
contratualmente; a segunda compete ao próprio governo que estabelece sua própria
infra-instrutura de chaves públicas, definindo as finalidades e os efeitos que
documentos eletrônicos poderão produzir; e a última em decorrência do caráter
público do ente certificante, a expedição de um “certificado de autenticidade” irá
conferir presunção de autenticidade às chaves públicas que certificar. 124
Há na doutrina certa divergência quanto à concessão do serviço de
certificação a particulares. A maior crítica é feita no sentido de que “a fé pública não
poder ser atribuída sem critérios, sob pena de provocar um colapso no sistema
judicial do país. A presunção de autenticidade atribuída aos atos notariais,
pressupõe que “aquilo vale”, assim como cédula de identidade ou passaporte”. 125
Em sentido contrário, Menke afirma que certificação digital não se confunde
com os serviços prestados pelos tabeliães. A autoridade certificadora não autentica
quaisquer fatos e nem formaliza a vontade das partes, da mesma forma, não
reconhece firma virtuais. Elas têm como atividades principais a atribuição de um
certificado digital ao interessado, precedida pela identificação deste. Concluiu o
autor que
mais apropriada seria a comparação entre atividade das autoridades de registro vinculadas
às autoridades certificadoras com a dos Departamentos de Identificação das Secretárias de
Justiça e de Segurança Pública dos Estados no que toca à expedição das carteiras de
identidade. Isso porque ambos identificam previamente os interessados, ato este que
embasará a emissão de um documento que servirá para comprovar a sua identidade para
os mais diversos fins. A diferença é que o certificado digital vai mais além, pois a sua
utilização, em conjunto com a assinatura digital, possibilita, com razoável segurança,
126
agregar os atributos de autoria e de integridade do documento assinado digitalmente.
A Medida Provisória n.º 2.200, de 29/06/2001, que instituiu o ICP-Brasil, o
qual tem como finalidade a certificação de assinaturas digitais, não deixou esta
tarefa a cargo apenas dos tabeliães e abriu a possibilidade de que entes particulares
pudessem desempenhar esta função desde que preencham os requisitos
124
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.101.
VOLPI, Neto Ângelo.Identificação em documentos eletrônicos. Disponível em:
www.volpi.com.br. Acesso em: 28 out. de 2008.
126
MENKE, Fabiano. Op.cit., p.114/115.
125
50
estabelecidos pela própria MP n.º 2.200.127 Entretanto, criou uma infra-estrutura de
Raiz, de forma hierárquica, que possibilita um controle das certificações por um ente
Estatal.
Assim, verifica-se que o Brasil adotou a política legislativa de intervenção
estatal, de controle e supervisão da atividade dos prestadores de serviços de
certificação, designando uma autarquia federal como responsável por tais
atribuições.
Contudo, a Medida Provisória “não coíbe o desempenho da função
certificação por outros entes, que não a ICP-Brasil. O mercado tem liberdade para
escolher a entidade certificadora que melhor lhe convier. “ 128
No entanto, como ensina Almeida Filho, “em todos os casos relativos ao
Processo Eletrônico, concluímos ser necessária a adoção de assinatura digital,
obtida através dos certificados digitais válidos expedidos pela ICP-Brasil.” 129
O sistema de certificação adotado pelo Brasil como já mencionado acima, “é
baseado numa Autoridade Certificadora-Raiz – com informações de todas as outras
certificadoras e o certificado de nível mais alto, contendo a chave pública
correspondente à chave privada da AC Raiz, utilizada para assinar o seu próprio
certificado, os certificados das Acs de nível imediatamente subseqüente ao seu e
sua lista de Certificados Revogados.” 130
O Judiciário possui uma AC, denominada AC-Jus que se encontra instalada
na ICP-Brasil.131
Assevera-se que, para garantir segurança do ato de certificação, a MP n.º
2.200 criou certas regras, como a identificação do titular da chave privada, que deve
ser obrigatoriamente realizada mediante sua presença física perante a respectiva
autoridade de registro, conforme estabelece o artigo 7º daquele diploma.
Consagrou, ainda, a MP 2.200/01, o princípio da interoperacionalidade (§ 2º
do art. 10), “um conceito indispensável à expansão do sistema, porquanto, viabiliza a
127
“Os requisitos para credenciamento as AC estão dispostos num conjunto de resoluções
do Comitê Gestor da ICP-Brasil”. São eles: “ 1) habilitação jurídica; 2) regularidade fiscal; 3)
qualificação econômico-financeira; 4) qualificação técnica”. MENKE, Fabiano.Op.cit., p.111.
128
“Os documentos eletrônicos não-certificados pela ICP-Brasil terão valor probatório
somente entre as partes, não fazendo prova perante terceiros”.COPALO, Edilane Del Rio.Op. cit.,
p.63.
129
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 162.
130
COPALO, Edilane Del Rio.Op.cit., p.64.
131
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. P. 162.
51
comunicação entre usuários de diferentes sistemas de certificação eletrônica,
independente da origem e qualidade dos respectivos fornecedores de software e
hardware”. 132
Por fim, cabe salientar que a Certificação digital não se confunde com o
serviço prestado pelos cartórios extrajudiciais de ata notarial para constatação do
conteúdo de um site na Internet. O uso da Ata notarial eletrônica foi regulamentado
pelo Tribunal do Paraná pelo ofício circular n.º 217/2004 : “A ata notarial é a
certificação de fatos jurídicos, por constatação pessoal do tabelião ou seu substituto
legal, cujo objeto não comporte a lavratura de escritura pública. Pode ser lavrada ata
notarial, entre outros exemplos, para captura de imagens e de conteúdo de sites de
internet, vistorias em pessoas, objetos e lugares e narração de situações fáticas com
o intuito de prevenir direitos e responsabilidades”.133
Nota-se que “a ata notarial é a certificação de fatos jurídicos feita pelo
tabelião de notas, a requerimento das partes. É considerada, genericamente como o
documento mais antigo lavrado no Brasil, quando Caminha descreveu o que aqui
encontrou, com a fé lhe outorgada como escrivão da frota”. Observa-se, assim, que
a ata notarial eletrônica é apenas uma adaptação jurídica à modernidade. Tem como
finalidade apenas de atestar o conteúdo, de determinada página na internet no
momento em que esta for examinada pelo notário, ou seja, a prova só terá validade
em relação a uma data e hora específica.
Outra prática, que vem sendo realizada pelos Cartórios, é a autenticação de
cópias eletrônicas (scanneada). Isso permite que a cópia de um documento físico
seja transmitido eletronicamente. Esta prática é perfeitamente válida, tendo em vista
o disposto no art. 384 do CPC.
Interessante observar que o legislador no § 3º do artigo 11 da Lei do
Processo eletrônico prevê que os documentos digitalizados deverão ser preservados
pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença ou quando admitida, até o
final do prazo para interposição de ação rescisória.
132
O referido princípio encontra ligação com a necessidade de preservação da certificação
digital.QUEIROZ, Regis Magalhães Soares; FRANÇA, Henrique de Azevedo.Op.cit., p.434.
133
Ata notarial capítulo 11, seção 10 do Código de normas da corregedoria. Texto retirado:
VOLPI, Neto Ângelo.Tribunal do Paraná regulamenta ata notarial eletrônica. Disponível em:
www.volpi.com.br, Acesso em: 28 out. 2008.
52
Melhor seria que a sistemática adotada previsse a possibilidade do escrivão
certificar por ata notarial que o documento digitalizado (cópia eletrônica) confere com
o documento original (em papel) e dispensar a guarda do documento.
Até porque a lei não tratou da revisão criminal, em que o correto seria
estabelecer que documentos de processos penais fossem preservados por prazo
indeterminado. Neste caso a adoção da ata notarial possibilitaria que os documentos
fossem escanneados sem a necessidade de guarda dos documentos originais. (em
papel).
4.4 ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS
A sistemática processual decorre da prática ordenada de um conjunto de
atos. Cada ato processual tem sua função que busca gerar um efeito dentro do
processo.
Salienta-se que cada processo (civil, penal, trabalho, etc) elege atos
processuais de acordo com os seus objetivos específicos com o fito de traçar um
caminho que, observado os ditames de um devido processo legal, permita que o juiz
exerça sua função jurisdicional.
Assim, como explica Botelho Neto “para que o processo judicial – de
qualquer natureza – possa se estruturar com valor legal (definido na Lei
n.º
11.419/2006), impõe-se observância de princípios e, fundamentalmente, de ritos,
definidos em lei.”134
Deste modo, os atos processuais eletrônicos apenas correspondem uma
forma diferenciada da prática de atos processuais judiciais já previstos em lei, seja
no processo civil, penal ou trabalho, isto porque possibilita que o ato processual seja
realizado por meio eletrônico. Como ensina Almeida Filho,
O ato processual gerado no Processo Eletrônico será um ato processual eletrônico e com
contornos especiais, tendo em vista a ficção jurídica que se criará para cada um deles. A
intimação, por exemplo, como forma de comunicação do ato processual – e que não deixa
de ser um ato processual – no Processo Eletrônico, ainda que de forma virtual, será
135
considerada pessoal, por força do art. 5º, parágrafo 1º.
134
135
BOTELHO NETO, Fernando. Op. Cit.
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 221.
53
Salienta-se que a prática dos atos processuais judiciais de qualquer
natureza por meios eletrônicos corresponde à aplicação do principio da
instrumentalidade das formas preceituado nos artigos 154 e artigo 244 do Código de
Processo Civil.
Portanto, assenta razão a doutrina quando criticada a terminologia “
processo eletrônico’ empregada pelo legislador brasileiro, vez que não se criou um
novo processo apenas estabeleceu-se, neste primeiro momento, regras do uso dos
meios eletrônicos para tramitação dos processos legais existentes.
Outro aspecto importante quanto à prática dos atos processuais por meio
eletrônico é que a Lei do Processo Eletrônico no artigo 2º instituiu a obrigatoriedade
do uso da assinatura eletrônica. Estabelece a norma: “O envio de petições, de
recursos e a prática de atos processuais em geral por meio eletrônico serão
admitidos mediante uso de assinatura eletrônica, na forma do art. 1º desta Lei,
sendo obrigatório o credenciamento prévio no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos respectivos.”
Contudo, alerta Alexandre Atheniense: “a Lei n.º 11.419/06 tornou
obrigatória a assinatura digital nos atos processuais praticados por meio eletrônico,
prevendo duas alternativas de assinatura eletrônica, seja baseada em certificado
digital ou mediante cadastro por login e senha de usuário cadastrado no Poder
Judiciário conforme disciplinado pelos respectivos órgãos. (art.1º,§2º, inc.III, ‘a’ e
‘b’).”136
Deste modo, verifica-se que o dispositivo legal prevê duas formas
diferenciadas de assinatura eletrônica para o encaminhamento de petições,
comunicações e prática de atos processuais: a) assinatura digital baseada em
certificado digital emitido por Autoridade Certificadora credenciada, na forma de lei
específica e; b) mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme
disciplinado pelos órgãos respectivos.
Frisa-se, contudo, que a alternativa prevista na alínea ‘b’ da Lei do
Processo Eletrônico fere o disposto no parágrafo único do artigo 154 do Código de
Processo Civil, vez que a lei processual estabelece que para prática dos atos
processuais por meios eletrônicos se faz obrigatório atender os requisitos de
136
ATHENIENSE, Alexandre. As controvérsias do peticionamento eletrônico após a
Lei 11419/2006. Disponível em www.ambitojuridico.com.br. Acesso em 24 mar. 2009.
54
autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infra-Estrutura de
Chaves Públicas Brasileira –ICP-Brasil.
Sobre este aspecto legal leciona Almeida Filho,
Admitimos que os atos processuais praticados por meio eletrônico, se não preencherem os
requisitos da Lei 11.419/2006, devem ser considerados inexistente, sob pena de violarmos
a segurança necessária na tramitação de dados. E, mais: a adoção da Medida Provisória
n.º 2.200/2001 deve ser adotada na íntegra, não se podendo admitir qualquer outra ICP a
não ser a ICP-Brasil. Exemplo de ato inexistente seria a juntada de petição sem assinatura
137
eletrônica. (...)
Assim a aplicabilidade do disposto no artigo 1º, § 2º, inciso III alínea ‘a’ e ‘b’,
bem como o artigo 2º da Lei do Processo Eletrônico vem sendo debatido pela
doutrina. Isto porque,
a modalidade de protocolo de petições valendo-se da autenticação do requerente apenas
em senhas e sem o uso da certificação digital para garantir a integridade na transmissão
dos dados, irá representar a possibilidade de sérias vulnerabilidades, pois não haverão
meios capazes de aferição se os dados que foram enviados por meio eletrônico tenham
sido interceptados e alterados sem deixar algum indício de fraude.Ou seja, desde que a
petição que venha a trafegar online sem o uso da criptografia está sujeita a ser modificada
138
sem deixar vestígios que alguma alteração foi efetuada.
Outra questão tormentosa, relacionada com o peticionamento eletrônico na
Lei n.º 11.419/06, decorre da necessidade de credenciamento prévio dos
requerentes. Como explica Alexandre Atheniense,
Esta exigência, que nunca existiu anteriormente, impõe um ônus desnecessário ao usuário
do certificado digital que poderia ser identificado pelo sistema a ser adotado pelo Tribunal
sendo desnecessário que esta pessoa tivesse que memorizar inúmeras senhas referentes
ao número correspondente dos Tribunais que milita.Além disso, quem deverá efetuar o
cadastro de cada grupo de usuários que atua na Justiça deverá ser sempre a entidade de
classe que os representa. Desta forma, os advogados deveriam ser cadastrados pela OAB,
os procuradores de Ministério Público e os magistrados e jurisdicionados pelo Tribunal. A
centralização do cadastramento para acesso a Justiça Eletrônica apenas no Poder
Judiciário é temerária, pois, não há garantia que o acesso será mantido gratuito
futuramente. Suspeito que no momento em que o tráfego de usuários online aumente
consideravelmente e demande o aporte de investimentos de estrutura, o valor deste
desembolso seja repassado aos atores processuais que dependerão desta senha para ter
acesso a acesso a Justiça Eletrônica. Este é um sério risco que não se afigura no atual
139
modelo de gestão da Justiça Brasileira.
137
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 225.
ATHENIENSE, Alexandre. Op. cit.
139
Idem.
138
55
Deste modo, ante ao exposto acima, independente da falha legislativa cabe o alerta - para haja um real beneficio a celeridade processual – que os
Tribunais, OAB, Ministério Público e outros entes atuantes na Justiça unam esforços
e adotem sistemas padronizados e unificados para prática dos atos processuais,
bem como seja estabelecido o uso da certificação digital para garantia da
autenticidade e integridade dos dados enviados pela rende mundial de
computadores varrendo qualquer possibilidade de retrocesso.
4.4.1 A prática dos atos processuais X Inteligência Artificial
Os atos processuais podem ser divididos em atos do Juiz, atos dos
auxiliares da justiça e atos das partes.
Situação que se mostra delicada quanto à possibilidade do uso da
tecnologia para prática dos atos processuais é a substituição da mão-de-obra
pessoal por computadores.
Esta preocupação da máquina substituindo o homem é fator histórico que
acompanha a sociedade tecnológica. Os avanços científicos sempre buscaram a
redução de esforços braçais é até mesmo intelectuais, com o fito de agilizar as
tarefas diárias e propiciar aceleração nos mais diversos setores da sociedade.
Como explica Paul Virilio,
Toda a história das ciências e das técnicas da espécie humana é ligada à lei do menor
esforço. Ou seja, o homem é submisso ao peso, ao esforço e ao cansaço. E todas as
ciências e as técnicas desenvolvem unicamente meios de evitar o cansaço, e de realizar
um menor esforço. Por exemplo , se nós domamos o cavalo é para economizar o cansaço
de andar a pé. Isto é evidente. (...) Quando se inventa o trem se trata também de poupar
um cansaço, pois se locomover a cavalo durante um dia inteiro é cansativo, enquanto que
tomar o trem é bem menos cansativo, pode-se mesmo dormir dentro dele durante um
longa viagem. (...) Quando se está diante de uma escada e de um elevador, os jovens, os
velhos, as mulheres, os fascistas, os esquerdistas, os gênios, os que ganharam o prêmio
140
Nobel, os idiotas, todos enfim, tomam o elevador. E isto é terrível!
140
VIRILIO, Paul. Os motores da História. [org]: ARAÚJO, Hermetes Reis. Tecnociência e
Cultura: ensaios sobre o tempo presente. São Paulo: Estação Liberdade, 1998. p. 136.
56
Obviamente que a tecnologia gera conforto reduz custos promove
economia, porém, tem seu lado obscuro, merecendo cautela sua utilização na
ciência do Direito.
Neste viés defende Almeida Filho ao tratar da inserção da informatização
judicial do Brasil :
É importante destacar que a participação humana jamais poderá ser substituída pelas
máquinas. A informatização proporcionará distribuição, movimentação e documentação
eletrônicas.(...) Mas é certo que esta movimentação informatizada não prescindirá da
participação dos auxiliares da justiça, que deverão certificar os atos praticados pelas
partes, como, por exemplo, a tempestividade do envio da peça processual, bem assim
questões envolvendo custas e certidões. A existência do processo em sistemas
informáticos não significa que a conclusão será imediata, tão logo protocolada uma petição.
Os auxiliares continuarão a exercer as suas funções como delimitadas nos respectivos
141
códigos, somente que com o plus da certificação eletrônica.
Em posição vanguardista Botelho Neto, sustenta a implantação do
‘processo eletrônico inteligente’ que consiste no emprego da inteligência artificial
para automação de determinadas tarefas humanas.142
Neste viés explica o jurista como seria a aplicação dos sistemas
computacionais inteligentes no processo eletrônico:
Essas plataformas lógicas asseguram, em seu conjunto, amigável (facilitada) gestão, isto é,
programação diretamente realizada por agentes administrativos do poder, e ainda por
magistrados, advogados, e membros do Ministério Público, dos ritos e etapas a serem
cumpridos em cada processo; esses, uma vez acionada a etapa anterior, causam a
subseqüente, independentemente de protocolos, certificações, ou interferências humanas
de qualquer natureza. Assim, o processo irá se formando, passo a passo, mediante não
mais de várias, mas de única interferência, pré-programada (autorizada), de cada ator
admitido ao feito, e todos os atos e conteúdos serão tramitados e armazenados (em banco
eletrônico de dados) por ações comandadas por software inteligente.A resultante será a
formatação eletrônica automatizada de todas as etapas e peças processuais – inclusive
com o final registro documental-eletrônico das provas de interesse das partes (que, por sua
vez, poderão adotar formatos inovadores, como os de fotos e filmes – e respectivos
formatos técnicos, como jpeg, bitmap, mpeg etc – que tornarão dispensáveis, ou reduzidos
em número e mesmo em relevância, os próprios testemunhos judiciais).A segurança da
tramitação e a intangibilidade dos registros documentais eletrônicos serão alcançadas, por
sua vez, com o emprego de recursos criptográficos de última geração: criptografia de
tráfego e de armazenamento.Em suma, todo o fluxo processual será gerenciado não mais
por pessoas, mas pela ação computacional automaticamente realizada e pré-definida pelos
respectivos usuários, com respeito à prescrição legal.Os atos eletrônicos serão praticados
com estrita observância deste rito-fluxo automático pré-estabelecido (vista, conclusão,
141
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 225.
“A inteligência artificial (IA) é considerada a área de pesquisa da Ciência da
Computação dedicada a buscar métodos ou dispositivos computacionais que possuam ou simulem a
capacidade humana de resolver problemas, pensar ou, de forma ampla, ser inteligente”. BOTELHO
NETO, Fernando. Op. Cit.
142
57
publicação – a última, de forma instantânea, em diário oficial eletrônico), e, ao final, gerarse-ão arquivos eletrônicos, contendo a íntegra das peças (petições, documentos, decisões)
gravadas/armazenadas com garantia de imutabilidade (através da criptografia/assinatura
eletrônica).Finalmente, os arquivos eletrônicos assim gerados poderão ser consultados,
pela internet, a partir de qualquer ponto do planeta, por partes, procuradores, e membros
143
do Ministério Público.
Por certo que Lei n.º 11.419/2006 possibilita que vários dos aspectos
apontados por Botelho Neto sejam implementados no judiciário no tocante a prática
dos atos processuais eletrônicos sem ferir, obviamente, as garantias constitucionais
da ampla defesa e do contraditório.
Contudo, cabe o alerta que a busca pela celeridade processual não pode
infligir em uma robotização do Poder Judiciário a ponto de que as decisões judiciais
passem a ser realizadas por sistemas lógicos matemáticos. É sempre bom lembrar
que a ciência jurídica não está calcada na lógica pura mais no dever ser, não
dispensando a avaliação humana do caso concreto.144
4.4.2 Prazo para prática dos atos processuais eletrônicos
A lei processual ao definir os prazos para realização dos atos processuais
teve como parâmetro a perspectiva de uma estrutura laborativa presencial. O art.
172 do CPC estabelece:
Art. 172. “Os atos processuais realizar-se-ão em dias úteis, das 6(seis) às 20 (vinte) horas.”
(...)
§ 3º Quando o ato tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição esta
deverá ser apresentada no protocolo, dentro do horário de expediente, nos termos da lei de
organização judiciária local.
Nitidamente a idéia do legislador ao estabelecer o prazo foi fixar horários
compatíveis com atividade laboral dos servidores judiciais, vez que a prática do ato
dependia sempre da imediata intervenção presencial destes. Como a exemplo o
protocolo de petição.
143
144
Idem.
LUCCA, Newton De. Op. cit. p.51.
58
Ocorre que o Processo Eletrônico possibilita que grande parte dos atos
processuais sejam praticados sem a interferência do servidor judiciário, utilizando
exclusivamente do sistema computacional.
Assim, possibilitou que os prazos para realização dos atos processuais por
meio eletrônico fossem ampliados. Prevê o artigo 3º da Lei do Processo Eletrônico:
Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora do
seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo eletrônico.
Parágrafo único: Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual,
serão consideradas tempestivas as transmitidas até 24 (vinte quatro) horas dos seu último
dia.
Contudo, para Almeida Filho a aludida norma apresenta pontos vulneráveis
e preocupantes para a prática forense. A primeira problemática apresenta diz
respeito ao protocolo eletrônico. Questiona o doutrinador: “Qual serão a hora e dia a
serem computados para a realização do ato processual? Aqueles constantes do
sistema do remetente ou do destinatário? 145
Nesta mesma seara alerta Antonio Carlos Parreira, como “se sabe é muito
fácil modificar a data e o horário no relógio interno dos computadores.”146 Assim
explica o jurista,
Tenho para mim que a tendência dos Tribunais será de interpretar como realizado o ato
processual no momento do recebimento no sistema eletrônico do Poder Judiciário, e não
do envio como diz a lei, até porque o § 2º do art. 10 estabelece a prorrogação do prazo
para a pratica de ato processual, para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema
147
quando o sistema do Poder Judiciário estiver indisponível por motivo técnico.
Ressalta, porém ALMEIDA FILHO que “o maior problema na redação do art.
3º
diz
respeito
ao
seu
parágrafo
único,
que
contém
contornos
de
inconstitucionalidade.”148
Explica o Autor: “pela redação do parágrafo único se vê que não estamos
diante de eventualidade, mas de verdadeira prática do ato processual até o último
segundo do dia de seu vencimento. (...) Neste sentido, quem se utiliza do Processo
145
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 213.
PARREIRA, Antonio Carlos. Breves anotações sobre a lei do processo
eletrônico.Disponivel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em: 16 mar. 2009.
147
Idem
148
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 215.
146
59
Eletrônico possui uma diferenciação, ferindo princípios de igualdade e isonomia, e
em assim sendo, violando-se de forma literal o art. 5º, caput, da Constituição.”149
Ademais, esclarece o autor que em matéria de organização judiciária dos
Estados a competência legislativa é dos Tribunais de Justiça, nos termos do art.
125, parágrafo primeiro, da Constituição da República. Portanto, não poderia a Lei
de Processo Eletrônico ter fixado prazo de recebimento das petições eletrônicas.150
Data vênia, a crítica doutrinaria acima esposada, o fato é que a Lei n.º
11.419/2006 criou um horário de expediente forense online que deve ser observado
pelos Tribunais ao disciplinar o procedimento do peticionamento eletrônico.
Porém, forçoso reconhecer que a norma em fomento já causa situações de
divergências jurisprudências nos Tribunais, como exemplifica dois acórdãos
recentes dos Tribunais Regionais do Trabalho 2º e 3º Região, colecionados por
Alexandre Atheniense, em seu artigo “As controvérsias do peticionamento eletrônico
após a Lei 11.419/2006”.
O TRT 2º Região ao analisar o envio de petição por meio eletrônico, após o
horário determinado no regimento interno, entendeu pela intempestividade do
recurso:
a petição de embargos de declaração foi enviada a Corte pelo Sistema de Peticionamento
Eletrônico (Internet) em 10/09/2007, último dia do prazo para a sua interposição, às 23:22
hs., portanto, após o encerramento do expediente regulamentar (art. 276 do Regimento
Interno do TRT da 2ª Região então em vigor), pelo que afiguram-se intempestivos os
151
embargos declaratórios.
Por outro lado a Relatora da 8ª Turma do TRT 3º Região apresentou
posição diametralmente oposta:
Havendo legislação ordinária a tratar especificamente da matéria, não prevalece a
Instrução Normativa nº 28, do TST, nem a antiga Instrução Normativa nº 3/2006, deste
TRT, anteriormente editadas para regularizar o sistema integrado de protocolização e fluxo
de documentos eletrônicos da Justiça do Trabalho” - pontua. A relatora citou ainda os
artigos 8° e 10º, § 1°, que dispõem sobre a informatização dos processos judiciais: “Quando
o ato processual tiver que ser praticado em determinado prazo, por meio de petição
152
eletrônica, serão considerados tempestivos os efetivados até as 24 horas do último dia.
149
Idem.
Idem.
151
Acórdão n.º 20070930060.apud, ATHENIENSE, Alexandre.Op. cit.
152
Acórdão n.º 02683200613803008. apud, ATHENIENSE, Alexandre.Op. cit.
150
60
Como esclarece Alexandre Atheniense, os Tribunais ainda vacilam quanto à
adoção da nova lei diante da prévia regulamentação existente. Vários órgãos do
Poder Judiciário vem disciplinando o procedimento do peticionamento eletrônico,
dentre os quais o TST com a Instrução Normativa nº 30/2007, o STJ com a
Resolução n. 2 e n. 9 de 2007 e o STF com a recente Resolução nº 350, de 29 de
novembro deste ano.153
Destaca-se,
ainda,
em
relação
ao
computo
do
prazo
para a prática dos atos processuais eletrônicos o disposto no § 3º artigo 4º da Lei
n.º 11.419/2006, gera certa insegurança interpretativa.
Para Almeida Filho o parágrafo 3º, em vez de considerar publicado o ato no
dia em que o Diário Oficial eletrônico foi disponibilizado, criou um ficcionismo
prorrogando por um dia o prazo.154 Reza a Lei:
Art. 4º (...)
§ 3º Considera-se como data da publicação o primeiro dia útil seguinte ao da
disponibilização da informação no Diário ad Justiça eletrônico.
§ 4º Os prazos processuais terão inicio no primeiro dia útil que seguir ao considerado como
data da publicação.
(...)
Por sua vez, pontua o Autor que no parágrafo 4º, a contagem do prazo
processual se dá da mesma forma que no processo ordinário. Assim esclarece que
“diante desta ficção, circulando o Diário Oficial eletrônico em uma quinta-feira, por
exemplo, a data de publicação somente será considerada a partir de sexta-feira. Por
força do parágrafo 4º, então, o dies a quo será uma segunda-feira.”155
4.4.3 Comunicação dos atos processuais
Como já preceituado no decorrer do trabalho a qualidade mais apreciada da
tecnologia é a ruptura das distâncias e fronteiras, propiciada pelo uso da Internet,
que traz como conseqüência, a redução do tempo gasto para obter e disseminar
informações.
153
Idem..
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 280.
155
Ibidem p. 280/281
154
61
Obviamente que comunicação virtual não apresenta apenas pontos
positivos, é possível vislumbrar diversas situações em que seu uso provoca
violações a direitos fundamentais como, a exemplo, aspectos relacionados à
intimidade e a privacidade dos indivíduos, que serão oportunamente abordados.
Porém, na há como negar que as novidades tecnológicas relacionadas à
comunicação virtual mostram-se de extrema utilidade para promover a celeridade
Processual.
Isto porque, como explica Aury Lopes Jr. e Gustavo H. Badaró, a demora na
prestação jurisdicional não decorre dos prazos fixados em lei, necessário para
obtenção de cognição, mas em razão da ausência de mecanismos que impeçam os
‘tempos mortos’, os quais, sem dúvida, remontam a fatores decorrentes da espera
dos autos em cartório para o cumprimento de citações, intimações, carta precatória
entre outros aspectos burocráticos, relacionados na maioria das vezes a
comunicação dos atos processuais as partes. 156
Neste aspecto, pode-se afirmar que o avanço mais significativo trazido pela
Lei 11.419/2006 foi a possibilidade da comunicação dos atos processuais por meios
eletrônicos, o que certamente coaduna com os ditames de um processo célere e
eficaz.
4.4.3.1 Diário da Justiça Eletrônico: intimação eletrônica
Nos moldes do artigo 234 do CPC, intimação "é o ato pelo qual se dá
ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer
alguma coisa".
A Lei do Processo Eletrônico, por sua vez, a regulamentar a intimação
eletrônica promoveu uma alteração no Código de Processo Civil, adicionando um
parágrafo único ao seu art. 237. Deste modo o Código passa a admitir a
156
LOPES JUNIOR, Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito ao Processo Penal no
Prazo Razoável. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2006. p. 71.
62
possibilidade da utilização dos meios eletrônicos para dar ciência a alguém dos atos
e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.157
Deste modo, como ensina Demócrito Reinaldo Filho, “além desse retoque
na lei processual civil, o legislador disciplinou no corpo da própria Lei n.º
11.419/2006 a regulamentação do procedimento das intimações eletrônicas, que
podem ser realizadas mediante Diário da Justiça eletrônico ou através do sistema da
‘auto-intimação’.”158
Assim tem-se que a intimação eletrônica trazida pela Lei n.º 11.419/2006 foi
concebida por duas formas distintas: a) a intimação por Diário Online; (art. 4º) e; b)
‘auto-intimação’ (art. 5º).
Cabe Ressaltar que o Tribunal Regional Federal da 4º Região,
anteriormente ao advento da Lei n.º 11.419/06, com base na redação do parágrafo
único do art. 154 do CPC, instituiu o Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4a.
Região, como meio oficial de publicação dos atos judiciais e administrativos da
Justiça Federal de primeira e segunda instâncias. “A Resolução que instituiu o Diário
Eletrônico da Justiça Federal da 4a. Região estabeleceu que as publicações
passariam a ser feitas exclusivamente por meio eletrônico, dispensada a forma
impressa de publicação (Diário de Justiça da União).”159
A Lei do Processo Eletrônico além de promover a reforma na Lei
processual, inserindo o parágrafo único no art,. 237 do CPC, prevê em seu artigo 4º
a criação de um Diário de Justiça eletrônico, como o fito de disponibilizar através da
rede mundial de computadores a publicação de atos judiciais e administrativos
próprios e dos órgãos a ele subordinados, bem como comunicações em geral.
Para implantação de um Diário de Justiça Eletrônico a norma exige que os
sítios e o conteúdo das publicações que divulgarem o Diário Eletrônico sejam
assinados digitalmente com base em certificação emitida pela ICP-Brasil. (§ 2º do
art. 4º), sendo que as publicações dele constantes serão consideradas oficiais,
157
Art. 237 (...)Parágrafo único. As intimações podem ser feitas de forma eletrônica,
conforme regulado em lei própria."
158
REINALDO FILHO,Demócrito. Comunicação eletrônica de atos processuais na Lei
nº 11.419/06. Disponível em: www. jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em: 16 mar. 2009.
159
REINALDO FILHO,Demócrito.Op. cit.
63
substituído e dispensando quaisquer outras publicações, salvo aquelas relativas a
intimação ou vista pessoal exigida por lei. 160
Como já tratado, a certificação digital atesta que o documento publicado no
Diário da Justiça Eletrônico é fidedigno. Com ela, fica garantida a segurança dos
dados eletrônicos, no que diz respeito tanto à autenticidade (se foi mesmo o Tribunal
que emitiu o documento) quanto à integridade (se o conteúdo do documento em
questão confere com o que o Tribunal emitiu). Vinculada ao documento eletrônico,
ela se torna inválida caso qualquer mínima alteração seja feita.
Importante esclarecer que os atos publicados no Diário Eletrônico devem ter
ser disponibilizados a todos sem necessidade de cadastramento, em nome do
princípio da publicidade.
Cumpre esclarecer que o Diário de Justiça na forma eletrônica se mostra de
suma importância para obtenção da celeridade processual, sendo apontada pela
doutrina uma série de vantagens em relação à forma convencional impressa: a)
diversos formas de consulta são disponibilizadas nos sites (nome das partes, do
advogado, do órgão julgador, número do processo entre outras possibilidades; b) a
possibilidade de visualizar o inteiro teor do documento, disponibilizado em um link
específico, desde que o processo não tramite em Segredo de Justiça; c) a consulta
e bem mais rápida e abrangente que na impressa tradicional.161
Frisa a doutrina que “a partir do momento em que se cria o Diário da
Justiça de forma eletrônica, os sistemas informatizados dos Tribunais deverão estar
em compasso com as informações prestadas pelos sítios e não poderá haver o
entendimento de que se trata apenas de caráter consultivo.”162
Assim, tem-se que o art. 4º trata das intimações realizadas por meio da
imprensa em mídia eletrônica, sendo que esta intimação não pode ser considerada
pessoal. Ademais, as publicações realizadas no Diário Eletrônico abrangem os autos
que tramitam no suporte de papel e não somente os que tramitam eletronicamente.
Porém a regra descrita no artigo 5º da Lei n.º 11.419/2006 prevê uma outra
modalidade de intimação – a intimação pessoal fictícia -, vez que “a partir do
160
PARREIRA, Antonio Carlos. Op. cit.
REINALDO FILHO,Demócrito.Op. cit.
162
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 231.
161
64
momento em que a parte aderir o termo constante nos sítios dos Tribunais, a
simples entrada certificará a prática do ato processual.”163
Melhor explicando, o artigo 5o., segundo o qual "as intimações serão feitas
por meio eletrônico em portal próprio aos que se cadastrarem na forma do art. 2o.
desta Lei, dispensando-se a publicação no órgão oficial, inclusive eletrônico",
permite que as intimações realizadas por essa fórmula dispensem qualquer outra
forma de comunicação, “seja a realizada por publicação em órgão oficial impresso
ou em Diário da Justiça eletrônico, ou mesmo qualquer forma de intimação pessoal
convencional (como as realizadas por carta postal, na presença do intimando em
cartório ou por meio oficial de justiça), vez que têm a mesma força e valor de uma
intimação pessoal (§ 6o. do art. 5o.).”164
Importante esclarecer que o artigo 5º exige que o cadastro, para fins de
intimações, obedeçam os mesmos requisitos de eficiência e segurança adotados
para os sistemas de transmissão de petições e recursos (art. 2o.), com a adoção do
uso de assinatura eletrônica, descrita no inc. III do § 2o. do art. 3o., alíneas ‘a’ e ‘b’.
Quanto ao momento da intimação pessoal fictícia tem que tais intimações
somente serão consideradas realizadas no dia em que a pessoa a ser intimada
realizar a consulta eletrônica ao teor da intimação, certificando-se nos autos a sua
realização.( § 1º do art. 5º).
Neste diapasão, o prazo começa a correr do primeiro dia útil após a
consulta que corresponde à intimação (art. 184 § 2o, do CPC). Se o acesso ao
sistema de comunicação eletrônica for realizado em dia não útil, "a intimação será
considerada como realizada no primeiro dia útil seguinte" (§ 2o. do art. 5o).
Ponto relevante é o preconizado pelo § 3º do art. 5º que estabelece: “a
consulta (...) deverá ser feita em ate 10 (dez) dias corridos contados da data do
envio da intimação, sob pena de considerar-se a intimação automaticamente
realizadas na data do término desse prazo.”
Neste prumo, ensina Demócrito Reinaldo Filho:
Trata-se de uma hipótese legal de "ciência presumida ou ficta", indispensável para a
funcionalidade do sistema de comunicação eletrônica de atos processuais. Não fosse
dessa maneira, a conclusão do ato de intimação ficaria ao bel prazer do intimando. A razão
163
164
Ibidem p. 235
REINALDO FILHO,Demócrito.Op.cit.
65
lógica dessa ciência presumida decorre da circunstância de que, no ato de cadastramento,
as partes se comprometem, mediante adesão, a cumprir as normas referentes ao acesso.
Por isso, considera-se efetivada a comunicação eletrônica do ato processual (inclusive
o
citação, art. 6 .) pelo simples decurso do prazo de 10 dias da inserção da informação no
sistema informático do tribunal, ainda que o acesso não seja realizado pela parte
165
interessada.
Em nome da garantia da segurança e da eficácia dos atos judiciais, a Lei do
Processo Eletrônico no § 5º do art. 5º possibilitou que o Juiz, nos casos urgentes,
quando possa causar prejuízo a qualquer das partes, ou quando houver tentativa de
violação ao próprio sistema eletrônico, determine a realização do ato processual por
outro meio que não o eletrônico.
Por derradeiro, ainda, no tocante a intimação eletrônica, determina o § 6º do
art. 5º que a comunicação eletrônica que é feita diretamente ao interessado,
mediante acesso exclusivo em portal próprio do Tribunal é considerada como
intimação pessoal para todos efeitos legais, inclusive para a Fazenda Pública.
Todavia, como Assevera Demócrito Reinaldo Filho:
A intimação feita através de cadastro e acesso em área específica de site(apropriada para
serviço de comunicação eletrônica) adquire, por força de lei, atributo de intimação pessoal,
o
o
mas para que o comando normativo do § 6 . do art. 5 . possa ter aplicação, é
imprescindível o cadastro do procurador do órgão da Administração Pública no sistema
informático do tribunal.O acesso do Procurador em área exclusiva do site pode
proporcionar o efeito da intimação pessoal bem como da vista pessoal dos autos,
dependendo do sistema eletrônico ser desenhado para permitir ou não pelo usuário
cadastrado o conhecimento das demais peças do processo. Se o acesso ao sistema de
"auto-intimação" abranger a disponibilização somente do próprio ato de intimação (cópia do
ato decisório do magistrado, do mandado ou edital), o efeito será o da intimação pessoal.
Mas se o acesso proporciona também a observação de todos os demais atos e termos do
processo (petições, contestação e réplica, acompanhados da documentação pertinente), aí
o
o 166
se considera também que o Procurador teve vista pessoal dos autos (art. 9 ., par. 1 .).
4.4.3.2 Citação – por meio eletrônico
A citação é ato fundamental para formação da relação triangular do
processo, autor – juiz – réu.
165
166
Idem.
Idem.
66
Nesta seara, leciona Almeida Filho:’’A citação é a ato mais importante no
processo, porque sem a sua existência não se forma a relação jurídico-processual. A
inexistência de citação, podemos afirmar existir direito a ação, postulação, formação
do processo, mas um impedimento em se prosseguir, porque a parte não foi
chamada ao feito.” 167
Necessário esclarecer que a citação não se confunde com a intimação. A
citação é ato inicial que completa a formação da relação jurídica processual,
integrando o sujeito passivo ao feito. Já os demais atos de comunicação são
denominados intimações.168
Deste modo, por sua importância, os códigos de processo civil, penal e
trabalho prevêem a citação pessoal do réu, vez que “a citação válida torna prevento
o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz
incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.”169
Diante dos aspectos doutrinários apontados, tem-se que o uso da citação
por via eletrônica, não vem sendo bem recepcionado pela doutrina e jurisprudência,
muitas vezes decorrentes do temor tecnológico dos operadores do direito que
desconhecem os mecanismos de segurança aptos a garantir a prática e validade do
ato citatório eletrônico.
A Lei n.º 11.419/2006 acrescentou o inciso IV ao art. 221 do Código de
Processo Civil, criando assim, dentre as modalidades de citação já existente: a) por
correio, (inciso I); b) por Oficial de Justiça (inciso II); c) por edital (inciso III); a
realizada por meio eletrônico. (inciso IV).
Infere-se do exame da norma que o legislador buscou inserir no
ordenamento jurídico mais uma forma de citação fictícia, possibilitando com isso
disponibilizar a parte requerente maiores chances de formalizar a relação
processual.
Neste contexto, tem-se que a citação eletrônica prevista no inciso IV do art.
221 do CPC é aplicável tanto no processo eletrônico como no processo tradicional,
sendo que para sua prática se faz necessário que a parte Autora informe ao juízo o
endereço eletrônico da parte ré.
167
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 244.
Ibidem. P. 237.
169
Art. 219 do CPC.
168
67
Assevera-se, contudo, que para segurança do envio e validade do ato
citatório, por meio eletrônico, é obrigatório, por força da lei, o uso da Infra-Estrutura
de Chaves Públicas Brasileira –ICP-Brasil. (Parágrafo único, art. 154 CPC).
Ao abordar o tema Almeida Filho, faz os seguintes questionamentos
acerca da possibilidade de promover a citação por meio eletrônico: “E se a parte
autora informa ao juízo um endereço eletrônico fraudulento? Ou se a parte, que
possuía um endereço eletrônico conhecido, por algum motivo o modifica?”170
Deste modo, o autor se manifesta temeroso quanto a aplicação da lei no
tocante a realização da citação eletrônica e, conclui:
Citação por meio eletrônico ainda é prática não aconselhada e felizmente o texto ressalva
que a mesma poderá assim proceder. Não se trata de norma de direito cogente. Ocorrendo
a citação nos termos as legislações específicas, nada impede que haja uma digitalização
com autenticação eletrônica e a certificação nos autos de sua juntada. Neste primeiro
171
momento é o que mais de seguro se pode pensar.
Contudo, para Bernardo Montalvão Varjão de Azevedo, a citação por e-mail
poderia ser compara a por edital, sendo uma modalidade fictícia, e, portanto, seu
uso ficaria subordinado a impossibilidade de promover a citação do réu por outro
meio. Esclarece o Autor:
Ciente de que a citação-edital é uma presunção legal e que representa, a rigor, uma
flexibilização um tanto quanto perigosa do direito do réu de ser comunicado sobre os fatos
que lhe estão sendo imputados em juízo, o que acaba por relativizar, de certa forma, o
princípio constitucional da ampla defesa (CR, artigo 5º, LV), pensamos ser viável a
172
proposta que sustenta outra forma de citação ficta, qual seja, a citação por e-mail.
No entanto, vê-se que a Lei do Processo Eletrônico disciplinou a citação
eletrônica em seu art. 6o., nos seguintes termos:"Observadas as formas e as
cautelas do art. 5o desta Lei, as citações, inclusive da Fazenda Pública, excetuadas
as dos Direitos Processuais Criminal e Infracional, poderão ser feitas por meio
eletrônico, desde que a íntegra dos autos seja acessível ao citando".
170
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 237.
Ibidem p.245/246
172
Bernardo Montalvão Varjão.Citação por e-mail no processo penal: proposta a ser
pensada. Disponível em:www.monografias.com.br. Acesso em: 16 mar. 2009.
171
68
Deste modo, Demócrito Reinaldo Filho, ao comentar o aludido artigo,
entende que o legislador adotou o sistema da "auto-comunicação" como padrão
único do procedimento da citação eletrônica.173
Neste viés, esclarece o Autor:
o
O art. 5 . da Lei 11.419/06, como se sabe, instituiu um método de comunicação eletrônica
que permite que as partes tomem ciência dos atos e termos processuais em "portal próprio"
dos tribunais que adotarem o processo eletrônico (total ou parcial). A citação eletrônica,
portanto, diferentemente da simples intimação (eletrônica), só pode ser realizada
observando-se esse modelo da "auto-comunicação", em que as partes (e seus advogados)
tomam a iniciativa de consultar periodicamente os comunicados judiciais em área própria
174
do site do tribunal.
Em que pese o entendimento esposado, não parece ter sido esta a intenção
do legislador. Cumpre asseverar que, se a interpretação jurisprudencial assentar-se
nesse sentido - que a citação por via eletrônica disposta no inciso IV do artigo 221
pressupõe prévio cadastro dos usuários - certamente estará se perdendo uma
grande possibilidade de agilização processual, visto que serão poucos os réus que
terão interesse em aderir ao sistema dos Tribunais para serem citados.
4.4.3.3 Cartas rogatória, de ordem e precatória por via eletrônica
Inegável que uma parcela significativa da lentidão do Poder Judiciário pode
ser atribuída ao cumprimento dos atos judiciais por cartas. Isto porque, o ato judicial
requisitado fora dos limites da comarca é burocrático, consumindo tempo valioso
para resolução do conflito.
Não é incomum, na esfera penal, em razão da morosidade no cumprimento
da carta judicial (precatória, rogatória ou ordem) que ao final da persecução criminal
se obtenha um prestação jurisdicional inútil em razão da prescrição.
Deste modo, importante ganho na busca da celeridade processual se
mostra a possibilidade de realização, por meios eletrônicos, dos atos processuais
173
174
REINALDO FILHO,Demócrito.Op. cit.
Idem.
69
requisitados por carta175, visto que com o uso da tecnologia, principalmente da
Internet é possível o cumprimento do ato judicial de forma online ou através de
videoconferência.
A Lei do Processo Eletrônico em seu art. 7º estabelece que "as cartas
precatórias, rogatórias, de ordem e, de um modo geral, todas as comunicações
oficiais que transitem entre órgãos do Poder Judiciário, bem como entre os deste e
os dos demais Poderes, serão feitas preferentemente por meio eletrônico".
Além disso, o legislador ao alterar o parágrafo 3o. do art. 202 do CPC,
possibilitou o envio das cartas judiciais por meio eletrônico.176
Nota-se que os dispositivos legais acima elencados não fizeram menção
expressa em relação ao uso da videoconferência para realização dos atos judiciais
requisitados nas cartas. Contudo, considerando que a prática dos atos processuais
por meio eletrônico, não corresponde necessariamente a mensagens escritas, nada
obsta que esta transmissão de dados ocorra através de videoconferência.
Destarte, tanto pode ato judicial ser transcrito a mão, em máquina de
escrever ou em computador, quanto pode fazê-lo em audiência gravada in loco, ou
ser transmitido remotamente por vídeo-link. O meio utilizado não desnatura nem
contamina o ato.177
A comentar a respeito do tema, Almeida Filho sugere:
Tendo em vista a previsão do texto legal, que permite a transmissão por meio eletrônico
dos atos processuais, e sabedores que somos que as precatórias possuem alto custo e,
ainda, são extremamente morosas, além de encaminha-las ao juízo de outra Comarca por
meio eletrônico, para atos de citação etc., podemos admitir um sistema de cooperação para
a oitiva de testemunhas. Através do sistema de videoconferência ambos os juízes podem
realizar o procedimento de oitiva de testemunhas, com a possibilidade dos advogados
178
fazerem suas perguntas.
175
Existem três tipos de carta para requisição de cumprimento de ordem judicial: a carta de
ordem, quando é dirigida a um juiz subordinado ao tribunal remetente; a carta rogatória, quando
dirigida a uma autoridade estrangeira; e a carta precatória, para todos os demais casos, ou seja,
quando enviada por um juiz para outro com o qual não tenha subordinação na hierarquia judiciária,
desde que dentro do território nacional (art. 201 do CPC). REINALDO FILHO,Demócrito.
Comunicação eletrônica de atos processuais na Lei nº 11.419/06. Disponível em: www.
jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em: 16 mar.2009.
176
o
“Art. 202: (...) § 3 A carta de ordem, carta precatória ou carta rogatória pode ser
expedida por meio eletrônico, situação em que a assinatura do juiz deverá ser eletrônica, na forma da
lei." Código de Processo Civil.
177
ARAS, Vladimir. Videoconferência no Processo Penal. Disponível em: www.
jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em 16. mar.2009.
178
ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo.Op. cit. p. 237.
70
Por certo, que as cartas judiciais poderão pela dicção legal serem
instrumentalizadas por meio eletrônico e transmitidas ao juízo deprecado para seu
cumprimento. Todavia, também abre-se a possibilidade do cumprimento online a
partir de um sistema de cooperação judiciária.
Neste contexto, esclarece Demócrito Reinaldo Filho:
A implantação de sistemas para envio e recebimento de cartas judiciais pelo meio
eletrônico vai pressupor o estabelecimento de acordos entre os diversos órgãos do Poder
Judiciário Nacional, para adoção de procedimentos uniformizados e plataformas que
possibilitem a interoperabilidade entre os diversos sistemas e, especificamente no que se
refere à carta rogatória, o Brasil terá que assinar acordos e tratados internacionais com
outros países, em que fiquem estabelecidos os procedimentos para o cumprimento dessas
cartas eletrônicas.
No âmbito penal, recentemente foi aprovada a Lei n.º 11.900/2009 que
alterou e acrescentou, entre outras mudanças, novos dispositivos ao Código de
Processo Penal, regulamentando o uso do sistema de videoconferência para o
interrogatório do réu preso (§ 2º do art. 185) e para outros atos processuais (§ 8º do
art. 185), bem como prevê o uso do mecanismo para oitiva de testemunhas não
residentes na comarca ( § 3º do art. 222).
Frisa-se que o uso da videoconferência para oitiva se mostra medida
salutar, vez que possibilita contato direito das partes, testemunhas entre outros
sujeitos processuais com juiz que julgará a ação, promovendo maior amplitude de
defesa.
Neste sentido, manifestou-se Vladimir Aras, ao discutir o uso da
Videoconferência no processo penal:
De fato, adotando-se o sistema às inteiras, não serão mais necessárias cartas precatórias
ou rogatórias ou cartas de ordem para interrogatório de denunciados ou ouvida de vítimas,
testemunhas e peritos. O próprio juiz da causa ouvirá diretamente o acusado, onde quer
que ele esteja, encarcerado ou solto, no País ou no exterior. Vale dizer: todos os atos
processuais serão praticados pelo juiz natural da causa, o único competente para julgar o
179
réu. (grifo do Autor).
Todavia, o uso da teleconferência para realização do interrogatório é ponto
controvertido ainda na doutrina, em que pese a entrada em vigor da novel Lei n.º
11.900/2009. Deste modo, diante da relevância do tema sua abordagem será
179
ARAS, Vladimir. Op. Cit.
71
realizada em tópico específico, onde será traçado um panorama do uso da
videoconferência para a realização de atos processuais.
4.4 VIDEOCONFERÊNCIA
A videoconferência passou a ser comumente utilizada pela sociedade,
mormente por organizações empresariais. Esse tipo de solução garante economia,
eficiência e praticidade, em qualquer evento que necessite da participação de
indivíduos que se encontram em localidades diversas, inclusive através do browser
de internet, de forma interativa e ágil, dando maior objetividade a comunicação.
O uso desta tecnologia, aos poucos foi sendo introduzido no Poder
Judiciário Brasileiro, porém cercada de resistência por parte da doutrina.
Promovendo um retrospecto acerca do tema tem-se que os primeiros
interrogatórios on-line do país ocorreram em 27/08/1996 na cidade de Campinas/SP,
realizados pelo Juiz de Direito Luiz Flávio Gomes.180
Outro vanguardista em relação a matéria foi o Tribunal Regional Federal da
4ª Região - com base na previsão dos arts. 8º § 2º e 14 § 3º da Lei 10.259/01 regulamentou o interrogatório de réus por videoconferência; adotou a realização de
sessões por meio de videoconferência, bem como disponibilizou a opção de
sustentações orais perante o Tribunal via on-line.
Ainda,
implantou
junto
a
Turma
Nacional
de
Uniformização
de
Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais, sessões virtuais, assegurando-se o
princípio da ampla publicidade. Assim, “cada um dos membros da Turma pode
participar das reuniões sem necessidade de deslocamento, permitindo-se também a
realização de sustentações orais a partir das sedes dos Tribunais Regionais
Federais em cinco capitais do Brasil.” 181
180
GOMES, Rodrigo Carneiro. A videoconferência ou interrogatório “on line”, seus
contornos legais e a renovação do processo penal célere e eficaz. O Estado do Paraná, Curitiba,
1 abr. de 2007. Direito e Justiça, p.7.
181
ARAS, Vladimir. Op. cit.
72
Observa-se, ainda, que a Lei Estadual paulista n.º 11.819/2005182 e a Lei
fluminense n.º 4.554/2005 admitem o sistema de videoconferência, para oitiva de
testemunhas.
Por fim, como já mencionado a recente Lei n.º 11.900/2009 alterou o Código
de Processo Penal, autorizando o uso do sistema de videoconferência para o
interrogatório do réu preso (§ 2º do art. 185) e para outros atos processuais (§ 8º do
art. 185), bem como estabeleceu o uso do mecanismo para oitiva de testemunhas
não residentes na comarca ( § 3º do art. 222).
Traçado este breve histórico quanto a aplicação do sistema de
videoconferência no Judiciário Brasileiro, pode-se observar que este mecanismo
tecnológico pode ser utilizado para o cumprimento de diversos atos processuais.
Neste sentido, importante reconhecer a classificação trazida por Vladimir
Arais:
a)o teleinterrogatório, para tomada de declarações do indiciado ou suspeito, na fase
policial, ou do acusado, na fase judicial; b)o teledepoimento, para a tomada de declarações
de vítimas, testemunhas e peritos; c)o telerreconhecimento, para a realização de
reconhecimento do suspeito ou do acusado, à distância, ato que hoje já se faz com o uso
de meras fotografias; d)a telessustentação, ou a sustentação oral a distância, perante
tribunais, por advogados, defensores e membros do Ministério Público; e)o
telecomparecimento, mediante o qual as partes ou seus advogados e os membros do
Ministério Público acompanham os atos processuais à distância, neles intervindo quando
necessário; f)a telessessão, ou a reunião virtual de juízes integrantes de tribunais, turmas
recursais ou turmas de uniformização de jurisprudência; g)a telejustificação, em atos nos
quais seja necessário o comparecimento do réu perante o juízo, como em casos de
183
sursisprocessual e penal, fiança, liberdade provisória, etc.
Diante da classificação acima proposta, vê-se que a videoconferência abre
um leque de opções para sua aplicação no âmbito do processo judicial. Contudo, a
sua utilização tem suscitado debates acalorados, principalmente no tocante ao a
teleinterrogatório, “tendo em vista a necessidade de assegurar os preceitos
182
“o STF (no HC 90.900-SP, rel. Min. Menezes Direito) reconheceu a inconstitucionalidade
da lei paulista (Lei 11.819/2005) sobre videoconferência (nove votos a um). A decisão do Supremo foi
muito acertada (do ponto de vista formal) porque, de fato, lei estadual não pode cuidar de tema
processual. Não se pode confundir processo com procedimento. Sobre processo (o interrogatório e
as audiências são inequivocamente atos processuais) somente a União pode legislar.” GOMES, Luiz
Flávio.Videoconferência: Comentários à Lei n° 11.900, de 8 de janeiro de 2009. Disponível em
http://www.lfg.com.br. 12 de janeiro de 2009.
183
ARAS, Vladimir. Op. cit.
73
constitucionais que garantem aos acusados a ampla defesa e o due process of
law.”184
Neste viés preconiza Rodrigo Carneiro Gomes:
Em prol do uso de sistemas informatizados para interrogatório à distância pesam fortes
argumentos como coibição de fugas e resgate de presos no transporte com escolta policial
no trajeto presídio-forúm-presídio, economia para os cofres públicos, realocação de
policiais em sua funções primordiais de patrulhamento (...) Critica-se, por outro lado, a falta
de contado físico entre réu e juiz e invoca-se o Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos e a Convenção Americana dos Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa
185
Rica), pois seria direito do réu preso ser conduzido, pessoalmente à presença de um juiz.
No entanto, hoje já temos previsão legal que autoriza o interrogatório do réu
por videoconferência.Todavia, a lei processual penal estabeleceu limites para prática
do ato, como ensina Luiz Flavio Gomes ao comentar o novo § 2º do artigo 185 do
CPP186:
A realização de qualquer ato processual por videoconferência é excepcional. Em regra o
ato deve ser realizado com a presença física do réu no local do próprio ato (ou no presídio
ou no fórum). Essa é a regra. Excepcionalmente o ato pode ser realizado por
videoconferência. Quando? Quando o juiz fundamentar a sua necessidade. É preciso
explicar os motivos da decisão (os seus porquês). (...) a decisão tem motivação vinculada,
porque a lei elencou as hipóteses de cabimento do ato. O juiz (para a realização da
videoconferência) pode agir de ofício ou a requerimento das partes. Pode ser utilizado o
sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico semelhante. Correta essa
previsão legal porque são incontáveis os avanços tecnológicos. Todas as modernas
187
tecnologias futuras poderão ser utilizadas.
Deste modo, somente nas hipóteses taxativas previstas na Lei nº
11.900/2009 será possível uso da videoconferência no âmbito penal, quais sejam:
Art. 185 (....)
§ 1º (...)
§ 2º (...)
I - prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso
integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o
deslocamento;
II - viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante
dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstância
pessoal;
184
Idem.
GOMES, Rodrigo Carneiro.Op. cit.
186
GOMES, Luiz Flávio.Op. cit.
185
74
III - impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja
possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste
Código;
IV - responder à gravíssima questão de ordem pública.
Cumpre
ressaltar
que
para
a
realização
do
interrogatório
por
videoconferência se faz necessário, primeiramente o juiz vislumbrar uma das
hipóteses taxativas previstas no dispositivo legal e por decisão fundamentada
determinar o ato. Em seguida, a partes deverão ser intimadas com 10 (dez) dias de
antecedência (§ 3º do art. 185 do CPP), “a violação dessa regra gera nulidade
relativa. Comprovado o prejuízo, anula-se o ato.”188
A lei ainda dispõe que “antes do interrogatório por videoconferência, o preso
poderá acompanhar, pelo mesmo sistema tecnológico, a realização de todos os atos
da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531
deste Código”. ( § 4º do art. 185 do CPP).
Ao comentar a lei ensina Luiz Flávio Gomes:
O Código de Processo Penal foi reformado recentemente (Lei 11.690/2008, Lei
11.719/2008) para contemplar (nos seus procedimentos) a chamada "audiência única"
(onde todas as provas orais são colhidas). O interrogatório, nesse caso, passou a ser o
último ato processual. O § 4º ora comentado garante a participação do réu nos atos
anteriores ao interrogatório (oitiva das testemunhas arroladas pela acusação, testemunhas
arroladas pela defesa etc.). A lei fala em "o preso poderá acompanhar". Querendo, tem o
direito líquido e certo de acompanhar os atos precedentes ao interrogatório. Nisso reside o
direito de estar presente (remotamente) no ato. Há duas formas de presença física: direta
189
ou remota. Em ambas está garantida a presença do réu (right to be present).
O legislador ao acrescentar os § 5º e § 6 ao art 185 do CPP demonstrou
especial cuidado com as garantias do devido processo legal, em relação a
realização do interrogatório via videoconferência. Preceitua a Lei:
§ 5 º Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de
entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica
também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o
defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e
entre este e o preso.
§ 6° A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais
por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada
causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
188
189
GOMES, Luiz Flávio.Op. cit.
Idem.
75
Vê-se que além da entrevista prévia a audiência, a lei exige no caso de
interrogatório on-line uma linha telefônica exclusiva que assegura a comunicação
entre o preso e seu advogado durante o ato, desta comunicação ninguém pode
tomar parte. “É um ato reservado, sigiloso. Faz parte das prerrogativas dos
advogados. No momento das reperguntas, sobretudo, é muito importante a
comunicação entre o preso e seu advogado (ou entre o defensor e o advogado).”190
Ainda, para maior garantia dos ditames constitucionais da ampla defesa e
do contraditório, no momento do teleinterrogatório, entende Luiz Flavio Gomes que o
legislador exigiu a presença de duas pessoas distintas para defesa do réu:
O defensor está presente no presídio. O advogado (ou outro defensor) está no fórum. Isso
pode parecer exagero, mas não é. São dois locais distintos: a lisura do ato não pode ser
maculada. Quanto mais fiscalização melhor. Quanto mais atuação efetiva da defesa, mais
se cumpre a constituição. Caso o réu tenha dois advogados contratados, nada impede que
um deles esteja no presídio e o outro no fórum. As combinações possíveis então são:
191
defensor e advogado, defensor e defensor e advogado e advogado.
Oportuno, esclarecer que com a reforma processual penal passam há
existirem “três maneiras se fazer o interrogatório do réu: (a) por videoconferência, (b)
presencial no presídio ou (c) presencial no fórum. Não sendo possível fazer o
interrogatório pelas duas primeiras formas, adota-se a terceira (a mais tradicional),
que exige a requisição do preso e seu transporte até o fórum.”192 (§ 7º art. 185 do
CPP).
Assevera-se que a videoconferência tem ampla possibilidade de uso para
realização dos atos processuais, como já mencionado, e não se encontra afeta com
exclusividade ao processo penal. O legislador não ficou alheio a possibilidade de
seu uso envolvendo outros atos. Deste modo, inseriu o § 8º ao art. 185 CPP, que
determina a aplicação do “disposto nos §§ 2°, 3°, 4° e 5° na realização de outros
atos processuais que dependam da participação de pessoa que esteja presa, como
acareação, reconhecimento de pessoas e coisas, e inquirição de testemunha ou
tomada de declarações do ofendido.”
Ainda estabeleceu no § 9° que “na hipótese do § 8° deste artigo, fica
garantido o acompanhamento do ato processual pelo acusado e seu defensor."
190
Idem.
Idem.
192
Idem.
191
76
Infere-se, assim que os ganhos com a implantação do sistema de
videoconferência são significativos para todos, “juízes, advogados, membros do
Ministério Público, vítimas, testemunhas e peritos e mesmo de acusados que não
residam no foro onde deverá ocorrer o ato de instrução processual, redundando em
economia de recursos financeiros, públicos e privados.”193
Ademais, o sistema de teleaudiência, não prejudica nenhum direito do réu,
por vezes acarreta maior amplitude defesa como nos casos de carta precatória, em
que o réu passa a ser inquirido pelo próprio juiz que irá sentencia-lo. 194
Outro aspecto a ser esclarecido é que “a videoconferência é um
instrumento, e não o objeto da prova processual penal”195. Também não se confunde
com o sistema audiovisual que permite a colheita da prova oral durante audiência,
seja esta realizada no mesmo recinto, ou através de videoconferência. Hoje vários
Tribunais já se utilizam do sistema de gravação de audiência o que sem duvida
contribuem para economia de tempo na realização do ato.
Seguramente as novas disposições legais que tratam do uso da
videoconferência pelo Poder Judiciário, não se mostrarão suficientes para finalizar
os embates doutrinários, mormente no âmbito da prática do interrogatório on-line.
Neste sentido se posiciona Rômulo de Andrade Moreira,
Apesar da previsão legal (o que parece satisfará os Ministros do Supremo Tribunal
Federal), ainda entendemos, realmente, não ser o interrogatório o ato processual mais
adequado para se utilizar os meios tecnológicos postos à nossa disposição e tão
necessários à agilização da Justiça criminal. A tecnologia e os avanços da pósmodernidade, evidentemente, trouxeram indiscutíveis benefícios ao nosso cotidiano e
devemos utilizá-los de molde a proporcionar a tão almejada eficiência da Justiça, mas com
196
certa dose de critério e atentos ao princípio do devido processo legal.
Contudo, com bem pontua Vladimir Aras,
193
ARAS, Vladimir. Op. cit.
É falsa a idéia de que a audiência criminal por vídeo-link prejudica o direito à ampla
defesa. Quando utilizado corretamente e com os equipamentos mais avançados, o sistema de
videoconferência contribui para preservar o princípio da imediação e em alguns casos representa a
única possibilidade viável de "comparecimento" (presença eletrônica) do acusado perante o seu
julgador. Idem.
195
Idem.
196
MOREIRA. Rômulo de Andrade. A nova Lei do interrogatório por videoconferência.
Disponível em: www.jus2.uol.com.br/doutrina/. Acesso em: 26 mar.2009.
194
77
É hora de olhar para frente e não repetir erros do passado. Registra a crônica forense a
polêmica que se deu nos anos 1920, quando começaram a ser adquiridas as primeiras
máquinas datilográficas para uso judicial no Brasil. Conta-se que alguns juristas de então
eram contrários a esses singelos aparelhos de escrever, que hoje caíram em desuso. Os
doutores da época, ciosos de princípios jurídicos só por eles vislumbrados, alertavam para
o risco da redação de sentenças com máquinas deste tipo, porque, alegavam, com elas
não havia segurança da autoria dos atos judiciais. Felizmente, ninguém deu ouvidos a
esses senhores da lei e hoje já podemos usar computadores.(grifo do autor).
Assevera-se, no entanto que a complexidade do tema merece uma análise
mais profunda, que debruce em um debate literário não só no âmbito jurídico mais
também no filosófico e sociológico, que supere as visões ingênuas do uso da
informática. Todavia, em razão da delimitação do tema, não será possível no
presente trabalho trazer a baila todas estas questões.
No entanto, considerando que em relação ao uso da videoconferência se
assenta a questão da desumanização na prática do ato, cabe um breve comentário
que esta característica não restringe ao direito penal, mas faz parte de uma
mudança de comportamental que afeta toda a sociedade pós-moderna. Neste viés a
lição de Paul Virilio:
(...) nós entramos no fim do hic et nunc. Podemos estar aqui e lá, podemos agir em outro
lugar, de uma maneira total, instantânea, e não simplesmente por uma mensagem. A
realidade virtual permite isto, ou seja, a teleoperação, o teleoperador. (...) Portanto, a
derrota dos fatos é a derrota do hic et nunc, do aqui e agora concreto, que se refere ao
estar junto concretamente, sem intervalo de espaço e de tempo. Nessa entrevista, agora,
nós estamos no mesmo lugar, juntos no tempo e no espaço locais: existe, portanto, um
fato. Mas quando se tem a deslocalização e a destemporalização do tempo e do espaço
locais, quando entramos no tempo do mundial, ingressamos no virtual. Ou seja, o atual
cessa em proveito da virtualidade. Existe aí uma revolução filosófica, um paradoxo
filosófico, que se reduz numa frase que utilizamos frequentemente no teletrabalho, na
teleconferência: “se reunir á distância” é um paradoxo total que implica a derrota do factual.
Neste momento nós estamos aqui, no factual, e por isso eu posso, por exemplo, sentir o
perfume de vocês, nós podemos brigar e até mesmo dar e receber tapas.E isto é bom! No
tempo mundial vocês não podem me bater, somente me enviar injurias. Existe portanto a
derrota do factual em proveito do virtual. E assim, o começo de uma comunidade virtual
que destrói a comunidade real, que começa a desdobrá-la, tal como quando se coloca um
cartaz sobre um outro cartaz. Antes existia somente uma cartaz que era a realidade. Agora,
197
sobre esta, pode-se colocar uma realidade virtual.
Portanto a averiguação quanto aos aspectos relacionados a interferência
positiva ou negativa da tecnologia digital na esfera da social e individual transcende
a órbita da ciência jurídica, merecendo um debate multidisciplinar árduo e vasto.
197
VIRILIO, Paul. Op. cit. p. 131/132.
78
Resta salientar que o uso dos aparatos tecnológicos, por si só, não
resolverá o problema da morosidade do judiciário. Ademais, como anunciado “nem
tudo é virtuoso no processo virtual”198, sempre haverá riscos e problemas técnicos,
operacionais e culturais que devem ser avaliados no momento da implantação de
qualquer sistema computacional. Assim, importa antes de qualquer adoção
tecnológica averiguar o custo x benefício de seu uso pelo Poder Judiciário, sempre
primando pelo acesso à justiça dos jurisdicionados, com todas as garantias do
devido processo legal.
5. ASPECTOS RELEVANTES ACERCA DO PROCESSO ELETRÔNICO
Além dos tópicos examinados em relação à temática proposta se faz mister,
abordar resumidamente alguns pontos importantes concernentes a implantação do
processo eletrônico, são eles: a) Publicidade dos atos processuais eletrônicos x
Direito à intimidade do jurisdicionado; b) inclusão digital; c) a necessidade de
padronização e unificação dos sistemas judiciais e; d) conservação dos autos
eletrônicos.
5.1 PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS ELETRÔNICOS X DIREITO À
INTIMIDADE DO JURISDICIONADO
A proteção à intimidade se contrapõe ao principio da publicidade são
princípios competitivos entre si que depende de um adequado juízo de ponderação
para se harmonizarem.
Por sua vez, uma das características do processo eletrônico é a máxima
publicidade dos atos judiciais. Importante frisar que, salvo exceções legais, o
processo é público, portanto, em nome do principio da publicidade, a informação
processual e o conteúdo dos atos processuais podem e devem ser amplamente
divulgados. “O que é necessário defender é a integridade e autenticidade dos atos
198
OLIVEIRA, Alexandre Vidigal. Op.cit.
79
processuais. “199. Assim, para que a publicidade dos atos possa ser garantida sem
qualquer risco de violação, se faz obrigatório a assinatura e certificação digital na
divulgação dos atos processuais. (parágrafo único, art. 8º da Lei 11.409/2006).
Contudo, Almeida Filho, faz um alerta, vez que a publicidade excessiva dos
atos processuais, antes mesmo do processo eletrônico, já preocupava. Como
explica o Autor:
A preocupação, em verdade, diz respeito à possibilidade que as pessoas têm, nos dias de
hoje, de consultarem a Internet e, com isto, vasculharem a vida íntima do cidadão. Se uma
destas pessoas solicitar emprego em uma empresa, poderá o empregador fazer uma busca
na Internet, por exemplo, e identificar se ele possui ações cíveis, como uma execução, de
Direito de Família etc. Sendo o direito de ação garantido a todos, pode até mesmo ocorrer
a possibilidade de ajuizamento de demanda totalmente inapropriada. Ainda que no futuro
seja julgado improcedente pedido infundado e o abuso de Direito Processual seja
devidamente repugnado pelo Judiciário, a parte em questão já se encontra em prejuízo
200
moral e material, porque não almejou um emprego ou mesmo uma promoção.
Neste viés, se faz importante, para sopesar os princípios em análise, a
aplicação da proporcionalidade e razoabilidade, garantindo que a virtualização do
processo cumpra o disposto no art. 93, inciso IX da CF, porém, com certas garantias
de segurança e respeito à intimidade e à vida privada dos jurisdicionados.
A publicação dos atos processuais na rede mundial de computadores não
pode servir a prática de abusos contra a dignidade humana. É sempre bom lembrar
que A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 11, incisos II e III) dispõe
que “ninguém pode ser sujeito a ingerência arbitrárias ou abusivas em sua vida
privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem a
ataques ilegais à sua honra ou reputação.”201
Por derradeiro, cumpre informar que O Conselho Nacional de Justiça
decidiu recentemente que o acesso aos autos digitais deve ficar restrito às partes e
respectivos advogados. A justificativa para tal posicionamento encontra respaldo no
§ 6º do art. 11 da Lei do Processo Eletrônico que dispõe: “Os documentos
digitalizados juntados em processo eletrônico somente estão disponíveis para
199
MARCACINI, Augusto Tavares; COSTA, Marcos da.Op. Cit.
No caso das consultas pelo nome de empregado (reclamante) na Justiça do Trabalho, a
página apresenta o seguinte alerta: “atendendo recomendação do Presidente do TST, Ministro
Francisco Fausto, fica extinta a possibilidade de consulta a andamento processual por meio do nome
do trabalhador (reclamante) nesta página.” ALMEIDA FILHO, José Carlos Araújo. Op. cit.p. 110.
201
LORENZETTI, Ricardo L. Op. Cit. p. 87.
200
80
acesso por meio da rede externa para suas respectivas partes processuais e para o
Ministério Público, respeitado o disposto em lei para as situações de sigilo e de
segredo de justiça.” 202
5.2 INCLUSÃO DIGITAL
Dentre os muitos problemas a serem enfrentados pelo Judiciário em relação
a implantação do processo eletrônico, destaca-se a exclusão digital.
Os recursos tecnológicos não estão disponíveis a todos os cidadãos, uma
grande parcela sociedade nunca teve contato com um computador e sequer
acessou a Internet.
Neste sentido esclarece Giovani Spagnolo:
Num mundo onde a velocidade da transformação e mudanças tecnológicas ocorrem de
forma fenomenal, excluídos sociais ficam cada vez mais distantes da informação e do
conhecimento. Paises subdesenvolvidos ficam cada vez mais distantes de países que
dominam as tecnologias da informação. Se o combate à exclusão digital for ignorado, no
futuro o mundo poderá estar divido entre os ‘ricos em informação e os ‘pobres em
203
informação’. Neste momento, poderá ser tarde demais para tentar a reversão do quadro.
Portanto,
mesmo
vislumbrando
a
possibilidade
dos
mecanismos
tecnológicos promoverem uma maior celeridade processual, não se pode fechar os
olhos para o fato que a implantação das rotinas processuais pelo meio eletrônico
merece cautela para que não haja o risco de isolar determinados grupos que podem
enfrentar naturais dificuldades para acostumar ao novo processo eletrônico.
Poderá neste sentido, Alexandre Atheniense:
Estou me referindo àquelas pessoas em localidades de menor poder aquisitivo que não tem
condições financeiras de se aparelhar imediatamente ou aquelas que por natural
202
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. QUESTÃO DE ORDEM.
DIREITO DE VISTA DOS PROCESSOS DIGITAIS. INCIDÊNCIA DA RESTRIÇÃO DO ART. 11, § 6º,
DA LEI Nº 11.419/2006. Nos processos digitais, o acesso à íntegra dos autos é limitado às partes,
constituindo mais uma exceção à regra geral de liberdade de acesso dos advogados aos processos,
independentemente de procuração. Questão de ordem resolvida no sentido da edição de enunciado
administrativo para uniformizar o orientação de acesso restrito dos autos eletrônicos às partes
cadastradas e seus respectivos advogados." Procedimento de Controle Administrativo n.
2007.1000000393-2, Rel. Cons. Antônio Umberto de Souza Junior. Disponível em : www.cnj.gov.br
Acesso em: 20 mar. 2009.
203
SPAGNOLO, Giovani. Ações concretas de Inclusão digital. Disponível em:
www.softwarelivre.org. Acesso em: 16.03/2009.
81
dificuldade pelejam com o manuseio do computador. É importante que este projeto de
implantação seja empreendido com a preocupação de não causar o apartheid digital destas
pessoas. Em outras palavras, é preciso que se tomem medidas para que o tempo de
aprendizado do manuseio destas soluções seja razoável e que as pessoas possam buscar
soluções para investir em uma estrutura de informatização mínima capaz de operar nesta
204
nova realidade.
Cabe, ressaltar que no âmbito do Juizado Especial Federal tem-se
constatado que os maiores beneficiados com o processo eletrônico é a parcela mais
pobre da população. Como explica Marcos Mairton da Silva,
Implantados inicialmente com competência restrita apenas as causas de Direito
Previdenciário, os JEF, especialmente os instalados em cidade do interior, receberam um
grande fluxo de demandas movidas por pessoas de baixa renda, tais como pleitos de
aposentadoria e auxilio-doença de trabalhadores rurais, e pedidos de benefícios
assistenciais com base na Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. O resultado disso é o
paradoxo de a face mais moderna do Poder Judiciário brasileiro servir exatamente àqueles
que têm menos acessos aos recursos tecnológicos. Se, em um primeiro momento, isso
gerou a preocupação de como essas pessoas reagiriam sendo partes em um processo que
não existe fisicamente, hoje já não há qualquer dúvida de que tal fato não gerou qualquer
problema relevante. Aquelas pessoas humildes comparecem à audiência, prestam o seu
depoimento, ouvem a sentença, manifestam sua ciência do seu teor e saem com plena
convicção de que tudo está documentado nos computadores da justiça.Ao invés de
resistência às novas tecnologias, o que se tem visto é uma adaptação tranqüila, reveladora
205
de democratização da Justiça e inclusão digital.
Assevera-se, porém que cabe a comunidade jurídica unir-se para dirimir as
dificuldades que inevitavelmente precisaram ser enfrentadas para uma adequada
implantação do processo eletrônico, buscando soluções conjuntas que beneficiem a
inclusão digital de todos os atores processuais.
5.3 A NECESSIDADE DE PADRONIZAÇÃO E UNIFICAÇÃO DOS SISTEMAS
JUDICIAIS
Outro grande desafio a ser enfrentado pelo Poder Judiciário na implantação
do Processo Eletrônico está relacionado à comunicação e troca de dados entre os
sistemas dos diversos Tribunais. A questão denominada de ‘interoperabilidade entre
204
ATHENIENSE, Alexandre. Informatização da Justiça exige Cautela para evitar
Apartheid. Disponível em: www.conjur.com.br. Acesso em: 16 mar.2009.
205
SILVA, Marcos Mairton da Silva.Tecnologia da Informação e Processo Eletrônico na
Justiça Brasileira: considerações sobre um dos principais instrumentos da informatização do Poder
Judiciário brasileiro. Fortaleza, 2008. 59 f. MBA - Escola de Direito o Rio de Janeiro da Fundação
GetúlioVargas.
82
sistemas’ foi disciplinada na Lei do Processo Eletrônico de forma tímida. O art.14 da
Lei 11.419/2006, estabelece que “Os sistemas a serem desenvolvidos pelos órgãos
do Poder Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas com código aberto,
acessíveis, ininterruptamente por meio de rede mundial de computadores
priorizando-se a sua padronização.”
Vê-se que o legislador não criou a obrigatoriedade de sistemas
padronizados e compatíveis entre si. Porém no § 2 º do art 12 da Lei 11.419/2006
prevê a troca de dados entre os sistemas, ao dispor que “Os autos de processos
eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instancia superior que não
disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na
forma do arts. 166 a 168 da Lei n.º 5.689, de 11 de janeiro de 1973 – Código de
Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a
juizado especial. “
A leitura da norma legal leva a interpretação de que se o juízo de destino os
autos disponha de sistema compatível com o do juízo remetente, a remessa deverá
ser feita de forma eletrônica.
Contudo, para que haja a interoperabilidade dos sistemas se faz necessário
que os sistemas tenham capacidade “para trocar informações entre si, e isso
depende da estrutura do armazenamento dos dados, softwares utilizados em seu
desenvolvimento, etc.”206
Ocorre que a implantação do processo eletrônico está sendo realizada pelos
Tribunais sem observar a necessidade unificação dos sistemas, cada Tribunal vem
desenvolvendo seus próprios programas e regulamentando o processo eletrônico
com peculiaridades no âmbito interno que impedem o envio do processo por meio
eletrônico a outro Tribunal.
Neste viés Marcacini, chama atenção para as dificuldades que a falta de
padronização sistêmica causará a prática dos atos processuais por meio eletrônico.
(...) É preciso ainda reiterar que o Poder Judiciário é formado por 57 Tribunais. Teremos
ainda que enfrentar o risco, bastante plausível, de que cada um desses tribunais, amparado
na sua independência administrativa pretenda desenvolver seu próprio programa. Um
advogado em São Paulo, por exemplo, que tenha atuação perante a Justiça comum, seria
206
SILVA, Marcos Mairton da Silva.Tecnologia da Informação e Processo Eletrônico na
Justiça Brasileira: considerações sobre um dos principais instrumentos da informatização do Poder
Judiciário brasileiro. Fortaleza, 2008. 70 f. MBA - Escola de Direito o Rio de Janeiro da Fundação
GetúlioVargas.
83
obrigado a instalar seis sistemas de ‘comunicação’: um do Tribunal de Justiça, um para o 1º
Tribunal de Alçada Civil, um para o 2º Tribunal de Alçada Civil, um para o Tribunal de
Alçada Criminal, um para o Supremo Tribunal Federal, e outro, para o Superior Tribunal de
Justiça. Se atuar também junto à Justiça Federal, terá ainda outro, do Tribunal Regional
Federal da 3º Região. Se militar junta à Justiça do Trabalhista, terá ainda mais dois, um
para cada um dos Tribunais Regionais do Trabalho do Estado, e mais um do Tribunal
Superior do Trabalho. E se eventualmente desenvolver sua advocacia perante outro
Estado, terá igualmente que instalar sistemas correspondentes a quantos Tribunais ele
207
tiver. Multiplique-se isso pelos 25 Estados brasileiros, mais o Distrito Federal.
Denota-se, portanto, que se faz necessária à adoção de um sistema padrão
de processo eletrônico para Justiça brasileira. Neste sentido manifestou-se Sérgio
Tejada, “até o momento houve a necessidade de existirem vários sistemas, até para
que fossem feitos testes e se pudesse escolher as melhoras iniciativas. Mas agora
não existe argumento para permanecer neste caminho.”208
Por certo que estas dificuldades na implantação do processo eletrônico
eram esperadas. É importante lembrar que se trata de uma criação de uma solução
sistêmica que tem como escopo atender as necessidades da Justiça baseado em
um programa de computador, que, sempre estará sujeito a uma remodelação, uma
nova versão, que permita adequação as novas tecnologias e as necessidades dos
usuários.
5.4 CONSERVAÇÃO DOS AUTOS
Outro problema relevante condicionado à acessibilidade dos autos virtuais é
a sua conservação, pois os dados armazenados por via eletrônica devem sempre
estar acessíveis para consulta, inclusive após longo período, mesmo que evolua o
meio tecnológico de leitura da informação.
Neste prumo leciona Marinoni e Arenhart:
Porém, quando se pensa em termos de documentos armazenados em meios informáticos,
a questão muda de tom, e a ‘linguagem’ utilizada para o registro da informação passa
assumir problemática posição. É que a ‘linguagem de computação’, hoje utilizada para o
armazenamento de certa informação, poderá não corresponder àquela que será utilizada
207
MARCACINI, Augusto Tavares; COSTA, Marcos da. Duas óticas da informatização dos
processos judiciais. Disponível em: www.jus2.uol.com.br/doutrina. Acesso em: 12 mar. 2009.
208
Disponível em : www.cnj.gov.br Acesso em:20 mai 2008.
84
daqui a dez anos, o que pode fazer com que o dado guardado no presente momento torne209
se ilegível com o passar do tempo.
A Lei do Processo Eletrônico dispõe no art. 12 § 1º que “os autos de
processo eletrônicos deverão ser protegidos através de sistemas de segurança de
acesso e armazenados em meio que garanta a preservação e integridade dos
dados, sendo dispensada a formação de autos suplementares.”
É bem verdade que o armazenamento dos autos em mídia digital propicia
diversas vantagens como redução de espaços físicos, economia com pessoal,
redução do uso do papel e tinta para impressão, entre outras.
Todavia, se mostra surpreendente, na atualidade, a rapidez que os aparatos
tecnológicos são superados por outros aparatos tecnológicos mais avançados,
chegando-se ao ponto em que o raciocínio humano muitas vezes não consegue
compreender integralmente o funcionamento das novas ferramentas para poder
delas utilizar-se de maneira satisfatória.
Esta aceleração do conhecimento tecnológico é visualizada na estatística
apresenta por Lorenzetti, que diz:“já se comparou o tempo que vai desde
descobrimento de uma tecnologia até a sua massiva difusão, com os seguintes
resultados aproximados: 112 anos para a fotografia, 56 para telefone, 35 para o
rádio, 15 para o radar, 12 para a televisão, cinco para o transistor, três para o
circuito integrado.”210
Por seu turno a evolução da informática se mostra frenética, a cada dia
surge um novo equipamento que fornece mais quantidade de ‘memória’ mais
recursos áudio/visuais, mais ‘ferramentas’ e aplicativos que fornecem agilidade e
segurança no manuseio das informações.
Portanto, a superação tecnológica das mídias usadas como suporte para o
armazenamento dos atos processuais eletrônicos (CD, DVD, banco de dados), bem
como os programas, softwares e equipamentos usados para a realização e
transmissão de dados é de extrema relevância, vez que afeta diretamente a
conservação dos autos eletrônicos.
209
210
MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários..., p. 157.
LORENZETTI, Ricardo l. Op. cit. p. 32.
85
Deste modo, se faz cogente à adoção pelos Tribunais de mecanismos
técnicos/administrativos que possibilitem a constante atualização tecnológica dos
suportes utilizados para a guarda dos arquivos eletrônicos, bem como dos
programas para sua leitura, possibilitando que as informações armazenadas não se
percam no tempo, em razão da incompatibilidade tecnológica.
86
6. CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como escopo analisar de forma sistemática, com
base nos princípios constitucionais norteadores do Devido Processo Legal e na Lei
n.º 11.419/2006, o uso do processo judicial eletrônico como instrumento para
celeridade da prestação jurisdicional do Estado.
Primeiramente foi objeto de exame a atuação do Ministério Público à luz dos
princípios constitucionais da celeridade processual e segurança jurídica. A partir
desta análise foi possível averiguar a necessidade de equilíbrio entre o princípio da
celeridade processual consagrado no art. 5º, inciso XXXV da Carta Magna aos
demais direitos e garantias do processo judicial, propiciando acesso à Justiça de
forma célere e eficaz.
Ainda, no mesmo tópico averiguou-se que o combate à morosidade do
processo depende de ações conjuntas de todo o corpo estatal, sendo função do
Ministério Público como órgão encarregado constitucionalmente da defesa e
preservação da ordem e equilíbrio jurídico, atuar diligentemente na efetivação que
todo o jurisdicionado tenha o Direito a um julgamento célere, sem dilações
indevidas.
Após, realizou-se um breve estudo do uso da tecnologia da informação
como instrumento de aceleração do processo judicial. Nesta oportunidade, avaliouse, também, a influência dos avanços tecnológicos no ordenamento jurídico, bem
como os desafios enfrentados pelo Poder Judiciário com as demandas provenientes
do uso das novas tecnologias, levando em conta principalmente questões
envolvendo o ‘ciberespaço’ que rompem com os conceitos jurídicos tradicionais de
tempo e lugar.
Superada esta questão foi apresentada uma breve retrospectiva da
utilização dos aparatos tecnológicos pelo Poder Judiciário, promovendo uma
reflexão acerca da resistência por parte dos operadores do direito no uso da
tecnologia, mormente no que tange a substituição do papel por outra forma de
suporte, no caso os bits, para eternizar os atos processuais.
Verificou-se que muito deste conservadorismo decorre do tecnicismo
exacerbado do Direito eletrônico que dificulta a compreensão a respeito da matéria e
87
gera insegurança quanto à confiabilidade dos atos processuais praticados por meio
eletrônico. Todavia, constatou-se que a ruptura com o tradicionalismo se faz cogente
para adequação da administração da Justiça a realidade da atual sociedade da
informação.
Em seguida, adentrou-se ao exame dos aspectos relevantes da Lei n.º
11.419/2006 que instituiu o Processo Eletrônico no Judiciário Brasileiro, sendo
discutido se a lei em fomento trás normas de caráter processual ou procedimental.
Deste estudo coube reconhecer que está sendo, a priori, implementado no
ordenamento jurídico brasileiro a prática de atos processuais por intermédio dos
meios eletrônicos e a possibilidade de digitalização dos autos de papel que passam
a ter um novo suporte de armazenamento.
Ainda, tendo em vista que o processo eletrônico tem como suporte e
conteúdo para prática dos atos processuais o meio eletrônico, foram tecidas
considerações a respeito do documento eletrônico. Desta análise, averiguou-se que
um conceito para abranger o documento eletrônico “deve privilegiar o pensamento
ou fato que se quer perpetuar, e não a coisa em que estes se materializam. Isso
porque o documento eletrônico é totalmente dissociado do meio em que foi
originalmente armazenado.” 211
Observou-se, também, em relação ao Processo Eletrônico que a maior
dificuldade para sua implementação reside no fato que os registros eletrônicos
podem ser facilmente alteráveis sem deixar vestígios físicos.
Deste modo, tendo em vista que os pressupostos de validade e existência
do Processo Eletrônico, dependem da autenticidade, integridade e segurança dos
atos processuais, foi promovida uma análise
dos principais instrumentos
tecnológicos (criptografia, assinatura eletrônica e certificação Digital) aptos a garantir
aos atos judiciais - produzidos eletronicamente - a mesma segurança dos atos
documentados em papel.
Assim inferiu-se que a Lei nº 11.419/2006 adotou como mecanismo de
segurança para prática dos atos processuais a assinatura eletrônica, prevendo duas
formas de identificação inequívoca do signatário, através da assinatura digital
211
MARCACINI, Augusto Tavares Rosa.Direito..., p.65.
88
baseada em certificação digital emitida por Autoridade Certificadora credenciada e
mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário.212
Por seu turno, concluiu que em todos os casos relativos à prática dos atos
processuais se faz necessário à adoção de assinatura eletrônica, obtida através dos
certificados digitais válidos expedidos pela ICP-Brasil.
Numa rápida análise se avaliou os riscos do uso de sistemas
computacionais inteligentes para realização de determinados atos processuais, sem
a necessidade de interferência humana. Desta ponderação concluiu-se que a razão
de implantar o processo Eletrônico é reduzir a burocratização que envolve a prática
dos atos processuais. Assim, respeitadas as garantias constitucionais, mostra-se
perfeitamente possível o uso da inteligência artificial para a realização de atos
processuais, sem cunho decisório.
Quanto ao prazo para prática dos atos processuais eletrônicos a Lei n.º
11.419/2006 criou um horário de expediente forense on-line que deve ser observado
pelos Tribunais ao disciplinar o procedimento do peticionamento eletrônico. 213
Já em relação ao computo do prazo dos atos publicados no Diário eletrônico
a Lei do Processo Eletrônico acabou por criar um ficcionismo prorrogando por um
dia o prazo. Assim, os prazos processuais terão inicio no primeiro dia útil seguinte ao
da disponibilização da informação no Diário da Justiça Eletrônico. (§ 3º do art. 4º).
No tocante a comunicação dos atos processuais verificou-se que a Lei do
Processo Eletrônico instituiu duas formas distintas de intimação: a) a intimação por
Diário on-line; e a b) ‘Auto intimação’ (art. 5º).
Já a citação, por via eletrônica, instituída pela Lei n.º 11.419/2006, não foi
bem aceita pela doutrina recaindo severas criticas sobre o tema, sendo que o ponto
mais vulnerável sustentado pela doutrina reside na falta de certeza quanto ao
212
Art. 1º (...)
III – assinatura eletrônica as seguintes formas de identificação inequívoca do signatário:
a) assinatura digital baseada em certificado digital emitido por Autoridade
Certificadora credenciada, na forma da lei especifica;
b)
Mediante cadastro de usuário no Poder Judiciário, conforme disciplinado pelos órgãos
respectivos;
213
Art. 3º Consideram-se realizados os atos processuais por meio eletrônico no dia e hora
do seu envio ao sistema do Poder Judiciário, do que deverá ser fornecido protocolo
eletrônico.
Parágrafo único: Quando a petição eletrônica for enviada para atender prazo processual,
serão consideradas tempestivas as transmitidas até 24 (vinte quatro) horas dos seu último
dia.
89
recebimento do ato citatório. Outro aspecto trazido pela doutrina é o entendimento
que a citação por meio eletrônico somente será possível com prévio cadastro do réu
junto ao Poder Judiciário.
Ganho significativo para promoção da celeridade processual consistiu na
constatação da possibilidade de realização e cumprimento das cartas precatórias,
rogatórias e de ordem por meio eletrônico. (art. 7º da Lei 11.419/2006).
Frisa-se, que embora a Lei do Processo Eletrônico não tenha disciplinado a
possibilidade de realizar os atos dispostos nas cartas judiciais por Videoconferência
nada impede que esta prática seja adotada pelos Tribunais, tendo em vista o
disposto no parágrafo único do art. 154 do CPC.
Contudo em relação ao interrogatório on-line um adendo merece ser feito. A
recente Lei n.º 11.900/2008 acrescentou ao art. 185 do Código de Processo Penal
dispositivos que disciplinaram a matéria, sendo averiguado que a prática do ato, via
videoconferência, somente será possível nas hipóteses taxativamente elencadas na
aludida norma.
Por derradeiro, apreciou-se pontualmente, dado a relevância tema, os
seguintes tópicos: a) Publicidade dos atos processuais eletrônicos x Direito à
intimidade do jurisdicionado; b) inclusão digital; c) a necessidade de padronização e
unificação dos sistemas judiciais e; d) conservação dos autos eletrônicos.
Constatou-se que o princípio da publicidade, inerente a prática dos atos
processuais, é significativamente ampliando no caso do Processo Eletrônico, em
decorrência da possibilidade do tráfego de dados via rede mundial de computadores.
Em contra partida, o Direito à Intimidade do jurisdicionado passa sofrer um forte
impacto, podendo ocorrer sérios abusos a dignidade humana. Deste modo, concluiuse que importante se faz a ponderação dos princípios em jogo para evitar violações
à privacidade dos jurisdicionados, porém, sem coibir a necessária publicidade dos
atos.
A inclusão digital se mostrou ponto preocupante para a implantação do
Processo Eletrônico. Vislumbrou-se, em relação ao tema, a necessidade de esforços
conjuntos dos poderes estatais para promoção de medidas eficazes ao combate à
exclusão digital. Destacou-se que a (in) disponibilidade dos recursos digitais tem
intima ligação com o poder aquisitivo das pessoas.
90
Outro aspecto tormentoso envolvendo a implantação do Processo Eletrônico
é a falta de interoperabilidade entre os sistemas dos Tribunais. Este fato gera
diversos problemas operacionais, vez que impossibilita a troca de dados pelos
diversos órgãos da Justiça comprometendo a celeridade processual.
Por fim, foi levantada questão preocupante em relação à conservação dos
autos eletrônicos, considerando falta de perenidade dos mecanismos tecnológicos
utilizados para o armazenamento dos dados eletrônicos (CD, DVD, entre outros) e
dos instrumentos para sua leitura (equipamento, programas, software), em razão da
rapidez que estes se tornam obsoletos.
Assim, à luz do exposto, foi possível concluir que o uso do processo judicial
eletrônico como instrumento para celeridade da prestação jurisdicional dependerá
primeiramente de um agir por parte do Poder Judiciário, bem como um engajamento
dos operadores do Direito (juizes, promotores, advogados e servidores públicos) em
cobrar e efetivar políticas públicas necessárias para o sucesso da implantação do
processo digital.
Resta salientar que ainda há muitas questões relacionadas à matéria que se
encontram em aberto e precisam ser pacificadas. Contudo, não há como negar que
já foram dados os primeiros passos para incluir de vez o Poder Judiciário na era
digital, sendo, quiçá, ponto positivo na busca da tão sonhada celeridade processual.
91
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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.........................................................