RBTI / Artigo de revisão
Há Espaço para o CPIS no Manuseio da
Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica?
Is There a Place for CPIS in the Management of Mechanical Ventilator-Associated Pneumonia?
Ricardo Viégas Cremonese1, Túlio Frederico Tonietto1, Cassiano Teixeira2,
Flávio André Cardona Alves2, Roselaine Pinheiro de Oliveira2, José Hervê Diel Barth2,
Eubrando Silvestre Oliveira2, Sérgio Monteiro Fernando Brodt2, Nilton Brandão da Silva3
SUMMARY
BACKGROUND AND OBJECTIVES: The ventilator-associated pneumonia (VAP) has high prevalence and mortality, representing a very relevant issue in the daily practice of the critical care physician and in the literature. The objective of this
revision is to evaluate the literature evidence about the topic, producing an instrument to be used in the construction of
protocols in the ICU for the management of this disease.
METHODS: Literature review (PubMed and MedLine).
CONCLUSIONS: The difficulties in the diagnosis of this pathology has raised the necessity of clinical scores utilization, of
which the Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS) has a central importance. Since 1991, the time of its elaboration, the
score has been applied by many authors in a lot of different scenarios of the VAP (diagnosis, prognosis, starting and suspension of treatment and clinical course evolution), with modifications in its characteristics and variations in its understanding.
Key Words: CPIS, “Clinical Pulmonary Infection Score”, Intensive Care, Mechanical Ventilation, Pneumonia.
A
s Unidades de Tratamento Intensivo (UTI) compreendem 5% a 10% dos leitos hospitalares e são responsáveis por 20% a 25% de todas as infecções nosocomiais. As infecções respiratórias são as mais freqüentes
e apresentam maior risco de mortalidade (caso/fatalidade >
40%), consumindo 50% dos antibióticos destas unidades1.
O diagnóstico apropriado da pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM) ou Ventilator-Associated Pneumonia- VAP) é uma das tarefas mais difíceis para o médico intensivista, visto a falta de padronização diagnóstica validada e a
grande controvérsia após mais de uma década de publicações
sobre o tema. Nenhum critério clínico, radiológico ou microbiológico, isoladamente, é definitivo ou específico na PAVM.
Estudos têm demonstrado que o retardo no início da terapêutica antimicrobiana determina um mau prognóstico. Por
outro lado, o emprego indiscriminado e não criterioso dos
antimicrobianos empíricos de largo espectro aumenta o risco
de superinfecção por bactérias multiresistentes e fungos, que,
por si só, estão associados a piores desfechos2-6.
Tanto estratégias restritivas quanto permissivas de antibioticoterapia empírica apresentam riscos adicionais aos pacientes críticos7.
O diagnóstico da PAVM é particularmente difícil na concomitância de SDRA (Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto), visto a semelhança nos critérios clínicos de
identificação precoce. Andrews e col.8, estudando necropsias
de pacientes com SDRA, demonstraram 36% de falsos-negativos e 20% de falsos-positivos para o diagnóstico clínico de
PAVM. Outros autores também demonstraram a inespecifici-
dade dos diagnósticos baseados unicamente nos critérios clínicos para o reconhecimento da PAVM9,10. Em média, cerca
de 42% dos pacientes com febre e infiltrado pulmonar na UTI
apresentam PAVM11.
Em 1972, Johanson e col.12 desenvolveram um escore simples para o diagnóstico da PAVM. O aparecimento de um
novo infiltrado radiológico associado a dois dos três critérios, tais como leucocitose (> 12.000/mm3), febre (> 38,3 ºC)
e presença de escarro purulento, comparado a avaliação de
biópsias pulmonares, demonstraram sensibilidade de 69% e
especificidade de 75% para o diagnóstico de PAVM14. Estes
critérios de simples aplicação foram adotados universalmente
pelos autores e também pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention) para definições e vigilância epidemiológica e de pneumonia nosocomial em hospitais. No estudo
radiológico do tórax, a análise isolada de um infiltrado novo
no radiograma apresenta elevada sensibilidade, porém baixa
especificidade (67% de falso-positivos)13.
Outra grande dificuldade no diagnóstico de PAVM é a demonstração da etiologia. A complexidade do paciente crítico,
quanto aos diagnósticos diferenciais para o infiltrado pulmonar e a elevada prevalência de colonização do trato respiratório manipulado, torna a interpretação dos dados de coleta da
secreção respiratória muito inespecífica7. Assim como existe a dificuldade de valorização das amostras de escarro nas
infecções respiratórias comunitárias e hospitalares, devida a
necessidade de adequação das amostras para exame, muito
mais rigorosa deve ser a interpretação de amostras de aspirado traqueal e coletas seletivas das vias respiratórias distais. O
1. Médico Residente de Terapia Intensiva do Hospital Moinhos de Vento
2. Médico Intensivista do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento
3. Médico Supervisor do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento
* Recebido do Centro de Terapia Intensiva de Adultos do Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS
Apresentado em 07 de março de 2005 - Aceito para publicação em 11 de maio de 2005
Endereço para correspondência: Dr. Ricardo Viégas Cremonese - R. Tenente Coronel Fabrício Pillar, 179/403 - Bairro Mont’Serrat - 90450-040
Porto Alegre, RS - Fone: (51) 3314-3000 – 8118-9690 - E-mail: [email protected]
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lavado bronco-alveolar (LBA), embora comumente utilizado
como referência para o diagnóstico nos trabalhos apresentados na literatura1,15,16 não atinge o nível de probabilidade
intermediária quando comparado a um padrão-ouro mais
exigente, tais como a histopatologia e culturas teciduais de
pulmão. Entretanto, na PAVM, mesmo estas, não garantem
o diagnóstico definitivo, visto a irregularidade fisiopatológica
e a evolução errática desta pneumonia17.
O objetivo desta revisão é agrupar as evidências da literatura a respeito do assunto, como um instrumento de
auxílio na decisão de inclusão do CPIS nos protocolos de
manuseio desta doença nas Unidades de Terapia Intensiva
(UTI).
MÉTODO
Foram revisados os artigos mais relevantes sobre pneumonia associada à ventilação mecânica e escores de diagnóstico
publicados na língua inglesa entre os anos de 1970 e 2004. A
pesquisa foi realizada nos portais da PubMed / MedLine.
DESCRIÇÃO DO ESCORE CLÍNICO DE
INFECÇÃO PULMONAR (CPIS)
Pugin e col.17 visualizando estas dificuldades e procurando uma regra prática, desenvolveram o CPIS (Clinical Pulmonary Infection Score) em 1991 na tentativa de aumentar a
acurácia do diagnóstico clínico de pneumonia em pacientes
sob ventilação mecânica (VM) por SDRA e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). O escore foi validado em 40
amostras de LBA quantitativo e 29 mini-LBA de forma encoberta (Tabela 1). Os resultados revelaram 93% de sensibilidade e 96% de especificidade, quando utilizado um ponto
de corte de CPIS > 6 para diagnóstico de PAVM. De todas
as variáveis do escore, a relação PaO2/FiO2 e a quantidade
de secreção nas aspirações demonstraram o maior rendimento. O resultado das culturas do aspirado traqueal qualitativo
apresentou uma especificidade e um valor preditivo negativo
de apenas 48%, sendo incapaz de diferenciar colonização de
infecção18.
ACURÁCIA DO CPIS
Visando comparar o desempenho dos critérios clínicos de
Johanson e do CPIS, dois estudos são citados. No primeiro,
Fábregas e col.14 avaliaram 25 pacientes com biópsia pulmonar post-mortem. A coleta microbiológica foi realizada por
técnicas diversas - aspirado traqueal quantitativo (ATQ),
escovado brônquico protegido (EBP) e lavado bronco-alveolar (LBA). A acurácia obtida foi semelhante entre o CPIS
e os critérios de Johanson (sensibilidade: 77% vs. 69%; especificidade: 42% vs. 75%, respectivamente). Os principais responsáveis pela perda de especificidade do CPIS neste estudo
foram a valorização da secreção traqueal mucopurulenta e
da coloração do Gram. O ATQ (>105 UFC/mL) demonstrou
a melhor acurácia (sensibilidade de 69% e especificidade de
92%) entre os métodos diagnósticos. Os autores concluíram
que os parâmetros clínicos tinham uma acurácia aceitável no
diagnóstico de PAVM e que não havia diferença quanto ao
método de coleta microbiológica. Questiona-se a validade
externa deste estudo devido ao tamanho da amostra reduzido e avaliação do CPIS somente no dia do óbito, momento
de desfecho final do processo pneumônico, como também a
capacidade da biópsia de pulmão de constituir a referência
para o diagnóstico.
Papazian e col. obtiveram resultados superponíveis a Fábregas (sensibilidade de 72% e especificidade de 85%) e também não demonstraram superioridade do CPIS aos critérios
de Johanson8. Neste estudo, porém, a especificidade do CPIS
aumentou com a inclusão da avaliação microbiológica (especificidade = 95%). Contesta-se também a sua validade externa devido à amostra bacteriológica usada no cálculo do
escore ter sido coletada 48 a 72 horas antes da suspeita clínica
de PAVM.
APLICAÇÃO DO CPIS E ESCORES MODIFICADOS
A necessidade de uma amostra adequada das secreções
respiratórias é consenso entre os pesquisadores, porém a necessidade de utilização de técnicas invasivas de coleta ainda
é controversa20-25. As técnicas invasivas de coleta demons-
Tabela 1 - CPIS (Pugin e col.18)*
Parâmetros
0 ponto
1 ponto
2 pontos
Temperatura (°C)
≥ 36,5 e ≤ 38,4
≥ 38,5 e ≤ 38,9
≤ 36 ou ≥ 39
Leucócitos (células/mm3)
≥ 4.000 e ≤ 11.000
< 4.000 ou > 11.000
< 4.000 ou > 11.000
+ ≥ 500 bastões
Secreção traqueal § (24h)
< 14 + de aspirações
> 14 + de aspirações
≥ 14 + de aspirações com aspecto
purulento
Oxigenação (PaO2/FiO2)
> 240 ou SDRA
Radiograma do tórax
Sem infiltrado
Infiltrado difuso
Infiltrado localizado
Cultural do aspirado traqueal
semiquantitativo &
Ausência de crescimento ou cultivo
(0 ou 1+) de bactéria patogênica
Cultivo (2+ ou 3+) de
bactéria patogênica
Bactéria patogênica visualizada no Gram
(>1+) e cultivo de bactéria patogênica
(2+ ou 3+)
< 240
* Total de pontos = CPIS (varia de 0 a 12 pontos)
SDRA = Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto
PaO2/FiO2 = razão entre pressão arterial de oxigênio e fração inspirada de oxigênio
§ Em cada aspiração de secreções é atribuído, pela equipe de enfermagem, uma graduação de 0 a 4 + (cruzes). A soma das cruzes em 24 horas é utilizada para o cálculo
do escore
& A análise subjetiva é graduada em cruzes (+). Pode variar de zero até 3 cruzes
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tram custo-efetividade duvidosas e impossibilidade de serem
executadas em uma grande proporção das UTI. Ressalta-se
neste momento que o padrão-ouro para o diagnóstico microbiológico da PAVM não está definido e que qualquer um dos
métodos de coleta está sujeito a críticas26.
O temor da maioria dos intensivistas em não tratar pacientes com infiltrado pulmonar se ancora na alta mortalidade atribuível à PAVM (20% a 50%)15. Motivado pelo uso
desnecessário de antibióticos para casos suspeitos de PAVM e
consciente das dificuldades de se evitar o tratamento empírico
desnecessário, o grupo de Singh desenvolveu uma estratégia
de utilização do CPIS como ferramenta de suspensão ou redução do tempo de tratamento antimicrobiano (Tabela 2)26.
Os pacientes com CPIS inicial ≤ 6 (ainda sem confirmação microbiológica), teoricamente de menor risco para
PAVM, foram selecionados para terapia convencional a critério do médico assistente versus monoterapia experimental
com ciprofloxacina. Em 72 horas era realizada uma reavaliação do CPIS e, caso o mesmo se mantivesse abaixo de 6,
a ciprofloxacina era descontinuada; caso atingisse um valor
≥ 6, era mantido o tratamento por 10 a 21 dias26. A terapia
antimicrobiana foi usada em 90% (38/42) dos pacientes além
do 3º dia no grupo convencional e em 28% (11/39) no grupo
experimental (p = 0,0001). A mortalidade e a duração da internação na UTI não diferiu entre os grupos, entretanto, no
grupo da monoterapia, houve redução dos custos, menor risco de superinfecção e menor índice de resistência bacteriana.
Fartoukh e col.27 descreveram como um dos maiores problemas para aplicação do CPIS, o tempo de 48 a 72 horas
de espera pelo resultado dos culturais (Tabela 2). Seu grupo
examinou 79 episódios suspeitos de PAVM em 68 pacientes,
tomando o LBA como padrão-ouro para o diagnóstico. Foi
comparada a acurácia da impressão clínica dos intensivistas
a do CPIS modificado em dois momentos (pré e pós-teste microbiológico – no caso o Gram - obtido por AT semiquantitativo ou por cateter protegido às cegas - CPC). A estimativa
dos dados clínicos pré e pós-teste, comparado ao CPIS, teve
sensibilidade de 50% e 60% respectivamente e a especificidade de 59% igualmente para os dois testes. A incorporação
do Gram elevou a acurácia do CPIS para uma sensibilidade
pré e pós-teste de 82% e 80% e especificidade de 61% e 64%,
respectivamente. Não houve diferença quanto ao uso dos métodos diretos invasivos e encobertos de coleta.
Foi encontrado um baixo valor preditivo negativo para
um CPIS < 6 (probabilidade de 16% a 25% de existência de
PAVM neste grupo, com LBA como padrão-ouro), indo de
encontro aos achados de Singh e col.26, o que questiona a segurança da suspensão do antibiótico nestes casos. Os autores
descreveram a necessidade do acréscimo do Gram na interpretação inicial do CPIS, principalmente nos casos de probabilidade pré-teste intermediária. Mesmo assim, o escore não
permitiu a definição de quais pacientes deveriam receber tratamento empírico, objetivo principal desta pesquisa27.
Blot e col.28, verificaram em 91 casos de PAVM, a hipótese do uso associado de duas técnicas de coleta de material
microbiológico (CPC – alta especificidade e ATQ – alta sensibilidade). O achado bacteriano no CPC ou a ausência bacteriana no ATQ (coloração de Gram) permitiria uma acurácia
diagnóstica de PAVM de 92%. No entanto, a combinação
de CPC negativo e ATQ positivo não demonstrou acurácia
diagnóstica adequada para PAVM, havendo necessidade de
se aguardar o exame de cultura. Estimou-se que em 80% dos
casos, o Gram do ATQ isoladamente teria orientado a antibioticoterapia de forma desnecessária. Nesta condição de
baixa a moderada probabilidade de PAVM, a utilização do
CPIS, associada a estimativas de gravidade da infecção e piora ventilatória, poderia auxiliar na tomada de decisão28.
Luna e col.29 analisaram 63 pacientes em uso de antibióticos, com PAVM confirmada por cultura de LBA. O método
consistia na aplicação do CPIS modificado (Tabela 2), máximo de 10 pontos e exclusão da análise microbiológica), com
avaliação em três momentos: três dias antes do diagnóstico
de PAVM (PAVM -3), no dia do diagnóstico (PAVM), após 3,
5 e 7 dias do diagnóstico (PAVM +3, PAVM +5 e PAVM +7).
O CPIS aumentou significativamente no dia da PAVM comparado com o PAVM -3 (todos os casos de PAVM tinham um
CPIS > 5). Nos 31 sobreviventes houve diminuição significativa no CPIS a partir do PAVM +3 (valor < 6). O CPIS não
Tabela 2 - Modificações do CPIS
Autores
Modificações
Singh
e col.26
- O CPIS inicial é avaliado por 5 variáveis e o CPIS em 72h por 7 variáveis (incluindo o cultural e a progressão radiológica).
- Foi realizada análise qualitativa da secreção respiratória.
- Um escore > 6 (inicial ou em 72h) é considerado sugestivo de PAVM.
- Total de pontos inicial = 10
- Total de pontos em 72 horas = 14
Fartoukh
e col.27
- Foi simplificada a avaliação microbiológica (Gram ou cultural com o mesmo peso) entre negativa (0 ponto) versus positiva (2
pontos)
- Total de pontos = 12
Luna
e col.29
- Foi realizada análise qualitativa da secreção respiratória.
- Não foi atribuída pontuação à presença de formas jovens no leucograma.
- Não foi realizada a avaliação microbiológica da secreção respiratória.
- Total de pontos = 10
Flanagan
e col.35
- Foi utilizado um ponto de corte diferente na contagem de leucócitos totais (> 17.000 / mm3)
- Não foi atribuída pontuação à presença de células jovens no leucograma
- Não foi avaliação microbiológica da secreção respiratória
- Total de pontos = 10
Descrição das diferentes modificações do escore original do CPIS.
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melhorou naqueles que não receberam a terapia adequada e,
nos casos em que o escore piorou ou permaneceu inalterado,
a mortalidade foi de 67,7% (muito superior aos 34,4% daqueles com melhora do escore; p = 0,01). O parâmetro que melhor se correlacionou com a sobrevida foi o aumento da relação PaO2/FiO2 no PAVM +3, aumentando com o emprego da
terapia antimicrobiana adequada e retornando ao normal no
PAVM +7 de tratamento. O leucograma foi o pior parâmetro
do escore na evolução clínica. Os autores propuseram que
medidas seriadas do CPIS poderiam auxiliar a definir o prognóstico dos pacientes já no 3º dia da doença, favorecendo a
decisão sobre qual paciente poderia receber terapia antimicrobiana mais curta (7 dias).
Dennesen e col. analisaram a evolução dos parâmetros
clínicos por 14 dias, durante o tratamento de PAVM em 27
pacientes (diagnóstico firmado por LBA)30. Foram analisadas somente a temperatura axilar, o leucograma, a relação
PaO2/ FiO2 e os resultados de culturas semi-quantitativas do
aspirado traqueal. O parâmetro mais acurado foi o índice de
oxigenação, como já descrito por Pugin18 e Luna3. No sexto dia do tratamento houve uma regressão significativa dos
parâmetros, com exceção da erradicação bacteriana no aspirado traqueal. A colonização por bactérias Gram-negativas
persistiu no aspirado traqueal, principalmente por Pseudomonas aeruginosa (PA), e a recolonização por outro patógeno
a partir da segunda semana precedeu a reinfecção pulmonar
por este germe. Os autores sugeriram que o tratamento por
sete dias seria apropriado para a maioria dos pacientes, evitando superinfecção por germes multiresistentes e reduzindo
os custos. A reavaliação do aspirado semiquantitativo com o
objetivo de observar a resposta ao tratamento não foi recomendada pelos autores30.
Garrard e col.31, analisando o CPIS original diariamente
em 83 pacientes, demonstraram uma melhora progressiva do
CPIS ao longo de nove dias de tratamento. Montravers e col.
observaram uma diminuição significativa da temperatura e
melhora da relação PaO2/FiO2 no terceiro dia do tratamento,
acompanhada pela erradicação bacteriana na maioria dos
EBP repetidos naquele momento32.
Em um ensaio clínico aleatório, multicêntrico e duplamente encoberto, conduzido recentemente por Chastre e col.
foi comparado o tratamento de PAVM durante 8 dias contra
15 dias33. O estudo incluiu 401 pacientes com PAVM diagnosticada por LBA quantitativo e tratamento antimicrobiano
empírico inicial adequado. Não houve diferença no tempo de
VM, permanência na UTI, mortalidade em 60 dias ou número de disfunções orgânicas entre os grupos. No grupo tratado
por oito dias, houve maior número de recorrência de pacientes infectados por bacilos Gram-negativos não-fermentadores, sem piora de prognóstico dos mesmos.
Outro ensaio clínico aleatório realizado com 290 pacientes, analisou a eficácia e a segurança da descontinuação da
terapia antimicrobiana precoce baseada em critérios rigorosos34. O CPIS inicial no grupo intervenção foi semelhante ao
grupo controle (7,1 ± 0,9 vs. 7,2 ± 0,9; p = 0,2). Os pacientes
submetidos à terapia mais curta (6 ± 4,9 dias vs. 8 ± 5,6 dias;
p = 0,001) não diferiram em termos de mortalidade hospitalar, tempo de permanência na UTI, tempo de VM e incidência de reinfecção. O valor inicial do CPIS no momento
do diagnóstico se correlacionou com o tempo de duração da
132
terapêutica (r = 0,42; p < 0,001).
Flanagan e col.35 estudaram 34 casos de PAVM diagnosticadas em 145 pacientes, obtendo um dos melhores desempenhos do escore já descritos. O CPIS modificado (Tabela 2)
teve média de 7,6 ± 1,4 nos casos de PAVM e de 4,1 ± 1,8 nos
não-casos (p < 0,0001). Para todos os casos de PAVM um
CPIS > 6 traduziu uma sensibilidade de 85% e uma especificidade de 91% (valores preditivos positivo de 61%, e negativo de 96%). Não houve diferença na acurácia preditiva por
técnicas invasivas e não-invasivas de coleta microbiológica.
Os autores chamam a atenção para a análise quantitativa realizada aleatoriamente nos pacientes sem clínica sugestiva de
PAVM, a qual evidenciou um aumento progressivo da contagem bacteriana, sugerindo que o valor de corte utilizado
de >104 UFC/mL no LBA poderia traduzir somente colonização nos pacientes sob suporte ventilatório por mais de 10
dias35. Baseado nos dados do estudo, o CPIS demonstrou boa
predição de risco de infecção. Este bom desempenho do escore pode ser atribuído a ponto de corte de 7/10 pontos, o qual
elevaria a especificidade. Outro fator a ser considerado foi a
modificação do ponto de corte para a contagem leucocitária
(17.000/mm3). Contrariando os estudos já descritos, a não
pontuação para coleta de material microbiológico não afetou
a acurácia do escore.
Schurink e col.36 publicaram um dos mais importantes
artigos contrários ao emprego do CPIS em pacientes críticos
internados em UTI. O estudo aplicou os critérios do CPIS
original (Tabela 1), exceto pela exclusão da variável “aspiração de secreções”, portanto somando um total máximo de
10 pontos. Foram avaliados 99 LBA consecutivos (ponto de
corte >104 UFC/mL) em pacientes com suspeita de PAVM,
sendo diagnosticados 69 casos (69,6%) . Quando o CPIS > 5
foi usado como ponto de corte, a sensibilidade do escore foi
de 83% e a especificidade de 17%. A área sob a curva ROC foi
de apenas 0,55. O mau desempenho do escore foi confirmado
pela aplicação do CPIS original completo por dois intensivistas em 52 pacientes, com variabilidade inter-observador
muito elevada (kappa = 0,16). A baixa acurácia preditiva
do CPIS neste artigo pode ser atribuída à alta probabilidade
pré-teste para PAVM nesta população, ao pequeno tamanho
da amostra e à ausência de padrão-ouro pré-definido. Questiona-se se a exclusão das aspirações traqueais e o ponto de
corte escolhido não possam ter enfraquecido o poder diagnóstico do escore.
Em recente análise de uma coorte retrospectiva com 201
pacientes o CPIS modificado por Singh (Tabela 2) calculados
no 1º e 3º dias foi utilizado por outros pesquisadores com o
objetivo de analisar a sua habilidade em identificar os casos
de PAVM comprovada por LBA. O CPIS no 1º dia (total de
10 pontos) não diferiu entre o grupo com ou sem diagnóstico
de PAVM confirmado por LBA (6,4 ± 1,4 vs. 6,2 ± 1,6; p >
0,2, respectivamente). No 3º dia 138 de 201 pacientes (69%)
apresentavam um CPIS > 6 (total de 14 pontos), que determinaria um prolongamento da terapia antimicrobiana. No entanto, pelos achados broncoscópicos dos mesmos pacientes
apenas 88 (44%) foram considerados como tendo VAP (kappa = 0,33). Enquanto a sensibilidade do CPIS foi de 89%,
sua especificidade foi de apenas 47%, o que teria acarretado
um tratamento desnecessário em 60 (53%) pacientes dos 113
em que se excluiu PAVM. Os autores demonstraram que o
RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
RBTI / Artigo de revisão
poder discriminatório do escore no 1º dia foi nulo e questionaram a segurança, mais uma vez, de se guiar a terapêutica
no 3º dia baseada no escore, cuja maior conseqüência nesta
série seria a de tratar desnecessariamente 50% dos pacientes
sem pneumonia. O valor de corte do CPIS foi baixo (6/14)
podendo, em parte, explicar a baixa especificidade e alta sensibilidade. Pela curva ROC construída no estudo, valores entre 7 e 8 de um total de 14 pontos teriam acurácia próxima a
70%, sensibilidade de 75% e especificidade de 66%37.
CONSIDERAÇÕES FINAIS SOBRE A
UTILIZAÇÃO DO CPIS
Esta revisão demonstrou uma grande variabilidade no
delineamento dos estudos, um freqüente poder amostral reduzido e uma heterogeneidade de critérios aplicados às populações. Os diferentes momentos em que o CPIS foi utilizado
no curso da doença e a modificação dos critérios originais
do escore também confundem a interpretação dos dados. As
comparações entre os diferentes escores são inconclusivas e
sujeitas a erros de interpretação.
No contexto geral, parece pouco seguro aceitar o CPIS
como ferramenta de exclusão de PAVM. Não se deve retardar o início da antibioticoterapia baseados somente no escore, devido a sua baixa sensibilidade e baixo valor preditivo negativo demonstrado pelos estudos. O CPIS parece nos
auxiliar no seguimento terapêutico dos pacientes infectados,
visando à suspensão precoce do tratamento nos casos que a
PAVM não foi confirmada ou nos casos em que a resposta
antimicrobiana inicial foi satisfatória. Pelo já exposto ficou
clara a necessidade de se avaliar o escore sempre vinculado
a alguma informação microbiológica, desde que se empreguem coletas adequadas ou seletivas, além de utilizar pontos de corte elevados.
Deve-se observar que, caso o escore seja aplicado no dia
da suspeita da infecção, o número máximo de pontos disponíveis será 10, pois não estão disponíveis ainda os resultados
de cultura. Pelo fato do ponto de corte ser o mesmo (> 6), no
primeiro dia ou no seguimento do caso, a acurácia diagnóstica provavelmente será diferente. A utilização do resultado do
exame direto (Gram) no primeiro dia - como sexto item do
escore - poderia atenuar esta diferença preditiva.
Ainda é nítida a necessidade de se avaliar o desempenho
do escore nas diferentes situações clínicas como trauma,
DPOC, queimaduras graves, sepse abdominal com SDRA,
pancreatite e nos diferentes grupos de faixa etária ou associação de comorbidades. Estes pacientes geralmente cursam
constantemente com febre, leucocitose, infiltrado pulmonar
e secreção respiratória, fatores de confusão para o diagnóstico de PAVM, pois representam também os sinais de resposta
fisiológica inflamatória, não necessariamente de origem infecciosa. Salienta-se também que o escore teve seus índices
definidos arbitrariamente, sendo atribuídos pesos semelhantes para diferentes situações. A constituição adequada de um
escore de predição clínica necessita de um estudo com o objetivo de identificar o valor ponderal das variáveis preditivas
que o integram e sua validação em um segundo estudo de
aplicação do escore, utilizando outro grupo de pacientes (coorte de validação).
Mesmo com suas limitações, o CPIS representa um criVolume 17 - Número 2 - Abril/Junho 2005
tério clínico mais completo que o de Johanson e pode ser
adotado na rotina diária das UTI, de forma padronizada e
reprodutível, substituindo a impressão clínica individual, sabidamente inespecífica. É possível que a sua medida seriada
provavelmente possa auxiliar o intensivista a conduzir de forma mais segura a suspensão do antibiótico ou selecionar o
bom candidato para uma terapia antimicrobiana mais curta;
no entanto, no momento atual a literatura nos deixa indecisos a este respeito. Estudos com maior número de pacientes
e de melhor delineamento, em contextos clínicos bem definidos, são necessários para firmar a importância deste escore
no manuseio da PAVM.
RESUMO
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A pneumonia associada à ventilação mecânica apresenta alta prevalência e elevada
mortalidade. É um tema de alta relevância na prática diária do
intensivista e de grande espaço de discussão na literatura. O
objetivo desta revisão foi o de agrupar as evidências da literatura a respeito do assunto, como um instrumento de auxílio na
decisão de inclusão do CPIS nos protocolos de manuseio desta
doença nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI).
CONTEÚDO: Revisão da literatura, utilizando a base de
dados PubMed e a MedLine.
CONCLUSÕES: As dificuldades diagnósticas motivaram
a criação de escores clínicos, entre os quais destaca-se o Clinical Pulmonary Infection Score (CPIS). Desde a sua elaboração em 1991, este escore foi estudado por inúmeros autores
em diversos contextos relacionados à pneumonia associada à
ventilação mecânica - PAVM (diagnóstico, prognóstico, início
e suspensão do tratamento e seguimento clínico) - em geral sofrendo modificações arbitrárias e interpretações variadas.
Unitermos: CPIS, Pneumonia, Ventilação Mecânica, Terapia Intensiva
Abreviaturas:
CPIS - “Clinical Pulmonary Infection Score”
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
SDRA - Síndrome do Desconforto Respiratório do Adulto
CDC - Centers for Disease Control and Prevention
Cols.- colaboradores
PAVM – Pneumonia Associada à Ventilação Mecânica
VM - Ventilação Mecânica
DPOC - Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
LBA – Lavado Broncoalveolar
EBP – Escovado Brônquico Protegido
ATQ – Aspirado Traqueal Quantitativo
CPC - Cateter Protegido às Cegas
ROC – “Receiver Operating Characteristic Curve”
PA – Pseudomonas Aeruginosa
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RBTI - Revista Brasileira Terapia Intensiva
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