Ensinagem: Revista Periódica da Faculdade de Belém
O PREÇO DO AÇAÍ NA IMPRENSA PARAENSE: DO ENQUADRAMENTO AO AGENDAMENTO
Ensinagem: Faculty of Belém Journal V. 3, n.2, Julho/Dezembro 2014, p. 87- 110
ISSN 2238-4871
O PREÇO DO AÇAÍ NA IMPRENSA PARAENSE: DO
ENQUADRAMENTO AO AGENDAMENTO
THE PRICE OF THE AÇAÍ PARAENSE PRESS: THE
FRAMEWORK TO SCHEDULE
EL PRECIO DEL AÇAÍ EN LA IMPRENSA PARAENSE: DEL
ENCUADRAMIENTO AL AGENDAMENTO
Danilo Miranda Caetano1
RESUMO
O artigo discute questões referentes aos processos de enquadramento e agendamento das notícias relacionadas ao preço do suco
do açaí na cidade de Belém. Apresenta pesquisa realizada com 62
trabalhadores da cadeia produtiva do açaí e demonstra a relação existente entre o tipo de cobertura jornalística promovida sobre assunto
e o entendimento dos trabalhadores sobre as causas e motivações das
variações no preço do produto.
Palavras chave: Agenda-Setting. Enquadramento. Açaí. Preço.
ABSTRACT
This article discusses issues related to framing processes and
1 Manuscript first received /Recebido em: 13/03/2014
04/06/2014
Manuscript accepted/Aprovado em:
Mestrando em Comunicação, Linguagens e Cultura pela Universidade da Amazônia.
Especialista em Jornalismo, Políticas Públicas e Cidadania pela Universidade da Amazônia,
2013. Especialista em Planejamento e Gestão Empresarial pela Universidade Católica de
Brasília, 2002. Graduado em Comunicação Social, habilitação em Publicidade e Propaganda
pela Universidade da Amazônia, 2000.
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scheduling of news related to the price of açaí juice in Belem. It
presents survey of 62 workers in the production chain of the açaí
juice and demonstrates the relationship between the type of promoted media coverage of subject and the workers’ understanding of the
causes and motivations of changes in the product price.
Keywords: Agenda-Setting. Framing. Açaí juice. Price.
RESUMEN
El artículo discute cuestiones referentes a los procesos de encuadramiento y agendamiento de las noticias relacionadas al precio
del jugo del “açaí” en la ciudad de Belém. Presenta pesquisa realizada
con 62 trabajadores de la cadena productiva del “açaí” y demuestra la
relación existente entre el tipo de cobertura periodística promovida
sobre asunto y el entendimiento de los trabajadores sobre las causas y
motivaciones de las variaciones en el precio do producto.
Palabras clave: Agenda-Setting. Encuadramento. Açaí. Precio.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem como objeto a cobertura jornalística realizada
pelos jornais O Liberal e Diário do Pará sobre os aspectos sociais,
políticos e econômicos da formação do preço do suco do açaí na cidade de Belém. Objetiva demonstrar a relação entre essa cobertura e a
visão dos 62 maquineiros¹ pesquisados entre os dias 2 e 30 de abril
de 2013.
Os dados levantados foram obtidos através do preenchimento
de questionários impressos, onde cabia ao pesquisador fazer as perguntas e marcar as repostas após a manifestação dos pesquisados. As
impressões orais ouvidas durante este processo também foram consideradas, mesmo não computadas do ponto de vista estatístico. Observações diárias, realizadas na “feira do açaí”, no mercado do Ver-o-Pe88
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so, em Belém, durante dois anos e meio, período compreendido entre
outubro de 2010 e abril de 2013, acompanhando um maquineiro
com mais de vinte anos de atividade no ramo, durante o processo de
negociação e compra do insumo, foram associadas à experiência na
venda do suco do açaí – o autor possui um ponto de venda do produto
– e se mostraram imprescindíveis para conhecer a “dinâmica da feira”
e para o entendimento de como o preço do suco do açaí se constrói ao
longo de sua cadeia de comercialização.
A escolha do material noticioso analisado, por sua vez, foi
baseada na importância dos dois jornais estudados e no fato de as
duas reportagens representarem uma síntese do conteúdo jornalístico
impresso, existente sobre o tema. Outras questões, relacionadas ao
tamanho e ao formato das matérias, localização dentro do caderno
de notícias e utilização de elementos característicos do jornalismo
impresso (infográficos, fotografias, gravuras e olhos), também foram
importantes durante o processo de escolha.
Para a delimitação do tema considerou-se o fato de o açaí, para
o paraense, não representar apenas o isotônico que patrocina eventos esportivos mundo afora e que é tomado por atletas e lutadores
em suas academias, ou somente o alimento fruto da palmeira Euterpe
oleracea², que é extraído dos caroços macerados pelas mãos dos ribeirinhos ou pelas máquinas batedeiras³ espalhadas pelos milhares de
“pontos de venda” dessa região. O açaí por essas “bandas” é também,
e principalmente, a cor da morena que anda pelas ruas e o símbolo
de distinção e força do caboclo amazônico. Múltiplas significações
difíceis de serem tratadas de uma única vez e que exigiram deste trabalho a priorização das implicações e relações políticas, econômicas e
comunicacionais da construção do discurso jornalístico sobre o preço
do suco do açaí na cidade de Belém.
O estudo inicia na apresentação e discussão dos conceitos relacionados ao Frame e Agenda-Setting, na visão de autores como Maxwell McCombs e Danilo Rothberg. Segue analisando as notícias
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selecionadas à luz desses referenciais teóricos e verifica se os seus conteúdos e discursos fazem, ou não, justiça aos conceitos de compreensão múltipla e geral do tema e principalmente se são reapropriados e
reutilizados pelos trabalhadores da cadeia produtiva do açaí em suas
relações comerciais e simbólicas.
2 A AGENDA E O QUADRO
Teorias e hipóteses mais contemporâneas, como as formatadas
pelos norte-americanos MacCombs e Shaw (1972), inspiradas pelos
insights de Walter Lippmann em seu livro Public Opinion de 1922,
revelam que é com o passar do tempo que os efeitos do conteúdo pautado acabam sendo incorporados como assunto relevante pelo público. A hipótese é de que a imprensa “pode, na maior parte das vezes,
não conseguir dizer às pessoas como pensar, mas tem, no entanto uma
capacidade espantosa para dizer aos seus próprios leitores sobre que
temas devem pensar qualquer coisa” (COHEN, 1963 apud WOLF,
2003, p. 145).
As pessoas tem tendência para incluir ou excluir
dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass
media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo.
Além disso, o público tende a atribuir àquilo que
esse conteúdo inclui uma importância que reflete
de perto a ênfase atribuída aos mass media aos
acontecimentos, aos problemas, às pessoas (SHAW,
1979 apud WOLF, 2003, p. 144).
Assim, a busca por orientação, fator essencialmente psicológico, pode ser estimulada pelo efeito de agendamento (SOUSA, 2006).
A opinião pública neste sentido é conduzida através de um processo premente guiado pela relevância e incerteza causadas por toda a
gama de acontecimentos que a circundam e que ajudam a explicar a
“saliência da agenda da mídia à agenda da sociedade” (McCOMBS,
2009, p. 90). Todavia, a hierarquização do conteúdo agendado parece
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decorrer muito mais em função de processos que passam desde as rotinas produtivas e pelos direcionamentos empresariais dos grupos de
comunicação, até critérios pessoais dos jornalistas e seus elementos
socioculturais precedentes, do que por motivações meramente manipulatórias.
E isso, mesmo considerando autores como Roberts (apud
WOLF, 2003, p. 145) que lembram que quando o receptor não consegue decodificar criticamente uma mensagem jornalística a imagem
que, através dela, ele passa a fazer do fato narrado acaba por ser manipulada, distorcida e estereotipada.
A hipótese do Agenda-Setting é realmente controversa. Não
pode ser considerada uma teoria acabada, pois se assim o fosse não
comportaria incrementos ou complementos capazes de contribuir
para o desenvolvimento de sua perspectiva teórica (HOHLFEDT,
2001). Em mais de 40 anos de pesquisas e uma grande quantidade de
trabalhos, quase sempre, a encontrar e demonstrar novas correlações e
novas aplicações dentro do aparato social contemporâneo, ainda provoca atração em uma parcela significativa dos estudiosos, o que acaba
contribuindo para um debate heterogêneo e nem sempre convergente. Wolf (2003) diz que o Agenda-Setting ainda é muito mais um
conjunto de temas e conhecimentos passiveis de serem organizados
do que um “modelo de pesquisa definido e estável”.
Existe, assim, uma clara percepção de que a hipótese do agenda-setting é permeada, de acordo com o autor estudado, por vários
conceitos complementares (Enquadramento, Gatekeeper, Newsmaking,
etc.) e que esta porosidade em sua epistemologia realça a necessidade
de se encontrar um modelo de pesquisa que siga caminhos e constantes previamente percorridos, gerando uma maior unidade, evitando
o descarte dos esforços em pesquisas realizados anteriormente como
ressalta Formiga (2006) em sua dissertação sobre o quadro evolutivo
da hipótese.
A questão do enquadramento ou frame, por outro lado, foi inEnsinagem, Belém/PA-Brasil, v. 3, n. 2, jul./dez. 2014, p. 87-110
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corporada dentro dos estudos das comunicações por Gaye Tuchman,
utilizando o conceito cunhado por Erving Goffman em seu estudo
Frame analysis4 (1974) e também a noção de sinais metacomunicativos5 de Gregory Bateson e tem se tornando cada vez mais utilizado na compreensão e na crítica sobre as maneiras como a realidade
é recortada, emoldurada e apresentada pelos mass media. Dentro do
jornalismo, alude aos processos produtivos e operacionais que acarretam a escolha de um determinado enfoque e a maneira pela qual
este tomará um lugar “mais propício ao florescimento de certas visões
dos fatos e processos políticos, e não outras” (ROTHBERG, 2010,
p. 55). Assemelha-se a moldura de uma imagem nos dizendo “toma
atenção àquilo que está dentro e não tomes atenção àquilo que está
fora” (BATESON, 1972 apud GONÇALVES, 2005, p. 158).
Para Porto (2004, p. 78) também citado no livro de Rothberg
(2010, p. 54) os enquadramentos são caracterizados por atividades
capazes de promover a escolha, edição, supressão, ênfase ou redução
de determinadas características da notícia a fim de privilegiar um determinado tipo de entendimento a outros. Já para Carvalho (2010) o
enquadramento no jornalismo não emoldura apenas a realidade, mas
ajuda a construí-la contribuindo com aspectos específicos e indissociáveis da sua própria gênese. Em outras palavras o enquadramento
seria um reflexo da própria instituição (jornalista e jornal) que o promove, carregando em si pedaços dela.
O autor reforça a necessidade da compreensão real da dimensão
do processo de enquadramento no jornalismo, excluindo qualquer
redução ou superestimação sociológica que possa vir a embaçar o seu
papel na construção da realidade.
Autores como Danilo Rothberg (2010) falam de cinco tipos
padrão de enquadramentos utilizados na construção de matérias sobre políticas públicas. São eles: jogo, estratégico, conflito, episódico e temático. Para este estudo importa apenas dois deles: os enquadramentos
episódicos e os temáticos. O primeiro por estar na base do problema
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da cobertura sobre o preço do açaí e o segundo por se caracterizar em
uma das soluções para a melhoria da cobertura sobre o tema.
No tipo episódico a construção do discurso se dá de maneira desconectada e sem encadeamentos prévios, capazes de construir
um percurso histórico até as conclusões ou indicações oferecidas pelo
conteúdo noticiado. Tipificação que opta por tratar a ocorrência jornalística como um fato isolado no espaço e no tempo, sem o devido
tratamento das questões mais complexas que perpassam o problema
descrito, privilegiando apenas questões superficiais. Iyengar (1991
apud ROTHBERG, 2010, p. 21) diz que “a exposição a notícias episódicas torna os espectadores menos suscetíveis a cobrar responsabilidades das autoridades públicas pela existência de um problema e,
também, a considerá-las responsáveis por minorá-lo”.
Os enquadramentos temáticos, por sua vez, são caracterizados
pela utilização de diferentes perspectivas, matizes e abordagens para
tratar um determinado tema e por elaborar um quadro complexo e
aprofundado sobre cada temática, considerando os resultados e suas
possíveis consequências para todos os atores envolvidos. Este tipo de
enquadramento possibilita aos jornalistas dar notoriedade a ideias
distintas ou mesmo divergentes sem ater-se apenas a discricionariedade dos elementos conflitantes, explicando os motivos da discordância e apresentando pontos de convergência que contribuam para
a elucidação do problema.
Rothberg (2010) diz ainda que estudos empíricos realizados
por Iyengar nos Estados Unidos demonstram clara relação entre os
tipos de enquadramentos realizados pelas notícias de TV e a atitude
do público perante os assuntos abordados. Essa constatação, mesmo
considerando o foco deste trabalho no jornalismo impresso, ajuda na
compreensão sobre como a construção das notícias pode definir parte
da realidade e também a maneira como ela é enfrentada.
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3 O AÇAÍ NOS JORNAIS
As duas matérias escolhidas como recortes para análise possuem tamanhos e formatos semelhantes e dispõem suas informações
utilizando recursos também similares. Ambas foram publicadas ocupando meia página do caderno de notícias e representam uma síntese
do material jornalístico normalmente publicado sobre o tema “preço
do açaí”.
A matéria “Reajustes nos preços do açaí continuam”, publicada no Diário do Pará em 19 de janeiro de 2013 no caderno Belém
A6, um sábado, ocupando meia página, logo de início, na retranca da
notícia (“Diz o Dieese”), apresenta o que parece ser a mais importante fonte sobre o preço do açaí para os jornais paraenses. É quase sempre o Dieese - Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos - e sua pesquisa mensal de preços em 25 pontos de
venda do suco do açaí em Belém, a instituição a apresentar os números sobre a variação e cotação do preço do produto na capital do Pará.
Impressiona a quantidade de notícias que trazem apenas este
instituto como fonte oficial sobre o assunto. Apenas nesta matéria,
além da referência na retranca, a palavra “Dieese” aparece outras cinco vezes ao longo do texto. A construção do discurso é toda baseada
em levantamentos estatísticos. Há referências aos dados do Dieese
na sub-retranca (“... Este ano, o Dieese/PA já constatou novos reajustes”) e também no sub-lead (“... A pesquisa é do Departamento de
Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese-PA)...”). Números e
percentuais estão por toda parte, inclusive no miolo da matéria: “De
novembro, até atualmente, os valores só crescem. Segundo o Dieese-PA, o açaí médio em dezembro de 2011 custava em média R$10,28;
iniciou 2012 a R$ 10,30; em novembro do ano passado foi comercializado em média a R$ 10,27 e no mês passado aumentou para R$
11,05. Hoje é possível encontrá-lo a R$ 14”.
No lide, parte primordial da notícia, fica claro por onde o texto
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seguiria: “Consumir açaí custou mais caro em 2012. Em alguns pontos, os reajustes chegaram a quase 9%. A maior alteração está no tipo
mais consumido, o açaí médio, que ficou cerca de 7,49% mais caro;
e o açaí papa , com 8,57% em média de reajuste”. O enquadramento
utilizado direciona o olhar do leitor sobre a questão da alta dos preços
do suco do açaí apenas para “dentro do ponto de venda”, uma vez que
é esse o locus da pesquisa realizada pelo Dieese. No caso da matéria
em questão isto ainda é reforçado pela apresentação segmentada dos
preços pelo “local de processamento” do produto - feiras, supermercados, etc.
A consequência lógica desta segmentação é o possível entendimento de que o preço varia conforme a vontade dos donos dos
“pontos” ou em função dos diferentes perfis de consumo dos estabelecimentos descritos. E não por um encadeamento estrutural de elementos. Discurso este que tem correspondência direta com a noção
de mercado como “Mito Inteligente” proposta por Bourdieu (2007) e
que atribui ao conceito de mercado toda e qualquer carga ideológica
e simbólica capaz de explicar magicamente fatos determinados por
lógicas muito mais complexas.
No cerramento do quadro utilizado pela matéria do Diário do
Pará, nenhum representante do executivo, da secretaria de agricultura, foi ouvido ou questionado sobre a existência de programas ou
ações de governo capazes de refrear os preços do produto. Por exemplo, se há políticas de distribuição de sementes para o cultivo do
açaí em terra firme6 e linhas de crédito especiais para o aumento da
produção e escoamento do fruto até os pontos de comercialização,
principalmente durante o inverno amazônico.
Dentre os elementos escolhidos para enquadrar o tema não há
citação sobre a inexistência de padronização nos cestos que transportam os caroços até os portos de Belém. Essa discussão quase sempre
é enquadrada como questão sanitária (se devem ser usados cestos de
plástico ou de cipó de arumã7) e ignora o fato de se constituir tam-
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bém um viés importante na construção do preço do açaí processado,
uma vez que o fruto que entra em Belém não passa por nenhum entreposto comercial e por isso não é pesado.
Não há fiscalização na entrada desses barcos nas feiras e os
grandes produtores e também os ribeirinhos sabem disso e por isso
não fazem questão alguma de padronizar o tamanho de seus cestos.
O tamanho reduzido de alguns deles, principalmente durante a entressafra, diminui a quantidade produzida e acaba pressionando os
preços ao consumidor final uma vez que os “maquineiros” trabalham
tentando compensar as perdas na produção.
O governo municipal, por outro lado, também não foi e geralmente não é ouvido sobre a existência de estudos para equipar as
feiras do açaí no Ver-o-peso e na Conceição com estrados de elevação
e lonas de cobertura para evitar o contato dos cestos com o solo e com
a água da chuva. Fatos que a despeito da óbvia e importantíssima
questão sanitária envolvida, também possui forte correlação com a
precificação do produto, já que as condições insalubres de comercialização do fruto aumentam sua perecividade e diminuem a sua
produtividade.
O processo de agendamento causado por conta desse tipo de
abordagem faz com que pesquisadores de instituições como EMBRAPA, UFRA e UFPA, não tenham seus trabalhos conhecidos e
discutidos pela sociedade. Jamais são procurados para falar sobre a
aplicação de técnicas ou mesmo inovações capazes de aumentar a produtividade dos açaizais paraenses.
Pesquisadores como Maria Jucirene M. Nascimento, economista e pesquisadora associada do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA – da Universidade Federal do Pará, simplesmente
são ignorados pelas matérias aqui analisadas. Ainda que facilmente
possam apontar problemas oriundos da relação perniciosa existente
entre os grandes produtores, seus atravessadores e a variação de preço
e de quantidade de açaí ofertada nos portos de comercialização em
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Belém. Justificativas comuns utilizadas na feira pelos comerciantes e
repetidas pelos veículos de comunicação seriam facilmente desconstruídas analisando o trabalho de Nascimento.
Comparando-se a entressafra de produção de frutos
de açaí com a de outros produtos do setor primário
da economia, pode-se afirmar que na entressafra do
açaí – final do verão de 1994 e início do inverno
de 1995 – ocorre uma não correspondência entre
o comportamento da quantidade ofertada e dos
preços, que difere em essência da correlação de
ambos na comercialização já observada e teorizada
para o caso de produtos agrícolas e pecuários, que
também experimentam o fenômeno da entressafra da
na produção (NASCIMENTO, 2000, p. 4).
Nas observações realizadas para este estudo também foram
percebidos acordos tácitos entre os “marreteiros”, produtores e atravessadores para manutenção de um preço único em toda a feira, além
de uma forte elevação de preço graduada dia após dia, capaz variar
em proporções impensáveis para qualquer segmento em um espaço
temporal tão pequeno.
Foi verificado, por exemplo, que no meio do mês fevereiro de
2013 os maquineiros pagavam cerca de R$ 25,00 pelo paneiro de
“14kg” de açaí. E apenas 20 dias depois, R$ 110,00 pelo mesmo
cesto. Passados outros quinze dias, já no mês de março, o preço do
paneiro havia caído para cerca de R$ 45,00. Essa alta volatilidade
demonstra um forte componente de especulação na construção do
preço do paneiro do açaí. Parece haver uma lógica equivocada e distorcida da clássica relação entre demanda e oferta, peremptoriamente
ignorada pelos meios de comunicação, especialmente pela matéria
analisada. Os atravessadores e marreteiros “comportam-se como se
vendessem um produto de origem industrial, com custo de produção
rigorosamente definido e contabilizado” (NASCIMENTO, 2000).
Com tantos elementos a explorar, a matéria analisada apresenta
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e recorta apenas a entressafra como principal elemento a justificar os
altos preços do suco do açaí. A primeira aparição dessa questão sazonal é na fala de um “maquineiro” que possivelmente há cinquenta
anos ofereça a mesma explicação, calcada talvez na ausência de uma
visão mais complexa e menos “agendada” do fato ou simplesmente pela falta de elementos discursivos capazes de fazê-lo expressar
verbalmente outros fatores. Note: “Estou há 50 anos no ramo e sei que
em janeiro acontece isso. É a entressafra e o preço eleva muito”. A segunda
aparição é na legenda da imagem que ilustra a matéria: “Entressafra
contribui para o aumento dos preços em janeiro”.
A entressafra e a exportação – a exportação será tratada mais
adiante - formam uma díade comumente responsabilizada nos jornais pelos aumentos no preço do suco do açaí. Ao tabular as respostas
da pesquisa com os maquineiros, verificou-se uma forte correlação
entre o tipo de enfoque dado pelos jornais e o entendimento dos trabalhadores sobre os principais fatores para a alta dos preços. Em um
cenário com cinco opções, em média cerca de 50% das respostas convergiam para a mesma ordem: em primeiro lugar a entressafra, em
segundo a exportação, terceiro os atravessadores e em quarto o poder
público, simbolizado na figura do governo, conforme demonstrado
na tabela 1:
Tabela 1 - Variáveis sobre preço mais citadas por posição (%)
Resultado geral para os 62 questionários respondidos.
POSIÇÃO
1º
2º
3º
4º
5º
Entressafra
Exportação
VARIÁVEIS Atravessador
Governo
Maquineiro
45%
21%
26%
8%
0%
24%
11%
19%
56%
13%
3%
11%
48%
10%
6%
21%
42%
2%
6%
26%
0%
6%
5%
23%
68%
Total
100% 100% 100% 100% 102%
Fonte: Pesquisa realizada entre os dias 02 e 30 de abril com 62 trabalhadores da
cadeia do açaí
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Considerando apenas as citações para as duas primeiras posições, a díade “entressafra / exportação”, variando apenas na ordem
em que aparecem, correspondem, também em média, por cerca de
70% das citações. Em situação idêntica o governo aparece apenas
com pouco mais de 10%.
Os trabalhadores não se veem como responsáveis pelo aumento dos preços, ainda que as relações indiretas entre a divulgação da
pesquisa do Dieese e o entendimento sobre a responsabilidade deles
pareça fazer algum sentido. Isso talvez seja explicado por questões
relacionadas à autopreservação ou pela aparição constante de fatores
mais significantes e catalisadores das atenções – entressafra e exportação – ou simplesmente porque a opinião pública pode prevalecer,
em alguns sentidos, sobre a cobertura noticiosa (COLLING, 2001).
É importante ressaltar que dentre os 62 pesquisados 38 deles
citaram em primeiro ou segundo lugares o “jornal” como o veículo
mais utilizado para se manterem informados. Fato determinante se
for lembrado que há referências de vários autores e pesquisadores
sobre o maior efeito de agenda promovido pelos meios impressos
em detrimento dos eletrônicos, principalmente os da televisão. McCombs (2009) ao falar sobre essa questão revela que “o noticiário de
televisão parece mais com a primeira página do jornal” e por isso
mais superficial que este.
Outro dado que chamou atenção e que pode indicar na direção
de um possível agendamento também dos consumidores e não apenas
dos trabalhadores, foi o relacionado aos assuntos publicados e mais
comentados pelos compradores nos pontos de venda. Foram oferecidas quatro opções para que os maquineiros ordenassem de acordo
com suas experiências no atendimento de seus clientes quais assuntos
eram os mais citados por eles na hora da compra do produto. Dentre
os pesquisados, 49% afirmaram ser o preço o primeiro assunto e 43%
indicaram na mesma posição o mal de chagas. Contudo, quando são
considerados os dois primeiros lugares juntos, a questão do preço do
açaí chega a 85%, contra 64% da doença de chagas. (ver tabela 2):
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Tabela 2 - Temas mais citados pelos clientes por posição (%)
Resultado geral para os 62 questionários respondidos.
POSIÇÃO
ASSUNTOS
1º
2º
3º
4º
Preço
49%
36%
13%
2%
Chagas
Falta
43%
7%
21%
33%
20%
41%
16%
20%
Benefícios
2%
10%
26%
62%
Total
100% 100%
100%
100%
Fonte: Pesquisa realizada entre os dias 02 e 30 de abril com 62 trabalhadores da
cadeia do açaí
É importante lembrar que a pesquisa foi realizada durante a
entressafra do ano de 2013, no mês de abril, período de forte alta
dos preços do suco do açaí. Fato que pode ter influenciado, decisivamente, as respostas dos entrevistados e que, por outro lado, ajuda na
conclusão de que pode haver realmente um efeito de agenda tanto no
público pesquisado, quanto nos consumidores em geral, uma vez que
foi exatamente entre os meses de janeiro e julho (período da entressafra) que foi encontrada a maioria das matérias relacionadas ao preço,
inclusive as duas analisadas neste estudo.
A segunda matéria, “Açaí tem aumento histórico de 25%” foi
publicada em uma terça-feira, em O Liberal, em 12 de junho de
2012, ocupando meia página do caderno “Poder”. A questão da exportação e a inserção de referências ao aumento do açaí in natura nas
feiras são as duas únicas e importantes diferenças entre este e o primeiro material. No mais, tal qual o outro, volta a trazer referências
à pesquisa de preços do Dieese e seus excessos numéricos. Um fato
que se repetiria outras seis vezes durante o decorrer do texto, a contar
daquela inserida logo na sub-retranca da notícia: “Foi o 5º aumento
consecutivo este ano, segundo o Dieese/PA”.
Sobre a exportação do fruto há um trecho da matéria onde encontramos referência a respeito: “Segundo o Dieese os valores alcan100
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çados pelo produto no mês passado batem um recorde histórico de
preço e se deve à entressafra do produto e a falta de uma política de
abastecimento interno, já que grande parte da produção 600 mil toneladas ao ano é exportada”.
Percebe-se que o discurso dos media oferece uma dupla responsabilidade pela alta dos preços: a entressafra e a exportação. Sendo a
última associada à responsabilidade do governo pela falta de uma política de abastecimento. Um ponto positivo, porém efêmero no texto.
De toda maneira, pesquisas junto aos órgãos oficiais (SAGRI,
MAPA e IBGE) sobre os números da exportação (para fora do país) e
importação (para outros estados brasileiros) da polpa do fruto do açaí,
apontam uma grande variação nos percentuais entre um instituto e
outro. Oscilam entre 15% e 35% de toda a produção do estado. O
que permite dizer, ao menos por estes números que, na pior das hipóteses, cerca de 65% da produção ainda é comercializada e consumida
no mercado local.
Alfredo Homma, economista da Embrapa Amazônia Oriental,
em documentário exibido pela TV Cultura no ano de 2007, diz que
houve um crescimento muito grande no consumo interno nas duas
últimas décadas e lembra que após a introdução de práticas como a
industrialização e o congelamento da polpa e também da melhoria
dos processos de beneficiamento do fruto, o suco do açaí, antes consumido basicamente durante a safra, também passou a ser procurado
nos outros meses do ano, aumentando a demanda interna em duas ou
três vezes.
O “pequeno detalhe” lembrado por Homma certamente se
constitui no dado mais importante pra quem deseja relacionar e avaliar o peso da entressafra e da exportação na construção do preço do
açaí. Observando o aumento da demanda interna durante o período
do inverno amazônico, fica mais fácil perceber que a entressafra e
a exportação começam a se constituir problemas para a questão do
preço suco do açaí a partir do momento em que, ano após ano, a
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atividade ficou relegada a um segundo plano pelo poder público. Parece que durante todo esse período foi mais fácil justificar a falta de
políticas públicas de incentivo à produção de açaizais em terra firme,
por exemplo, do que agendar e discutir verdadeiramente todos os
“gargalos” da atividade e não somente a construção dos “monstros
entressafra e exportação”. A preocupação, nesse sentido, é a de que
cada vez mais a realidade se construa de maneira incompleta sobre
o problema, perpetuando olhares poucos críticos sobre os maiores
responsáveis em minorá-los.
Ao mal tocar em questões políticas ligadas ao fato e às complexidades das escolhas envolvidas em determinada opção a ser adotada
ou rejeitada pela gestão pública, acentuam-se apenas os aspetos circunstanciais dos temas enfocados (ROTHBERG, 2010, p. 52). “A
perspectiva da responsabilidade social do jornalismo relaciona-se à
ideia de que a condição de existência primeira deste é o interesse
público” (LAGO, 2010, p. 165). Os jornais devem ter em mente,
assim, que boa parte da sociedade toma suas decisões e constrói seus
entendimentos através do conteúdo por eles veiculados e que qualquer descuido na produção da notícia pode acabar gerando impactos
relevantes para a vida de inúmeros indivíduos e mesmo da sociedade como um todo. O lugar privilegiado que o narrador jornalístico
(individual e institucional) ocupa entre as demais narrativas sociais,
aumenta a sua responsabilidade, uma vez que suas práticas são carregadas de valores, referências comportamentais e de modelos de identidades (ROSA, 2001, p.287).
Como exemplo é possível citar o resultado das respostas dos
maquineiros sobre o impacto nas vendas do suco do açaí, quando de
uma cobertura ostensiva sobre o tema do “Mal de Chagas” nos jornais
analisados. Através das respostas, percebe-se a centralidade que os
medias têm na construção da realidade e na mobilização social/política em temas fortemente agendados como este.
Em um universo de 62 entrevistados, 65% deles disseram ter
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suas vendas diminuídas em 50% ou mais; e apenas 13% responderam sentir pouco ou nenhum impacto. (Ver tabela 3):
Tabela 3 - As notícias sobre o Mal de Chagas prejudicam em quantos %
Resultado geral para os 62 questionários respondidos.
Índice
Até 10%
Até 25%
Até 50%
Mais de 50%
Total
Impacto
13%
22,5%
48,5%
16%
100,0%
Fonte: Pesquisa realizada entre os dias 02 e 30 de abril com 62 trabalhadores da
cadeia do açaí
Sob a ótica jornalística, uma série de matérias ajudaria na construção de uma visão mais complexa sobre a formatação do preço do
suco do açaí. Um trabalho que contasse, por exemplo, com a presença
de um jornalista alguns dias na “feira do açaí” acompanhando o processo de negociação, compra e venda do produto in natura para verificar alguns dos elementos especuladores envolvidos nessa trama. No
entanto é preciso considerar, por outro lado, que existem dificuldades
importantes e comuns ao processo de produção das notícias que passam desde as rotinas produtivas e direcionamentos empresariais dos
grupos de comunicação até por critérios pessoais dos jornalistas e
seus elementos socioculturais precedentes.
Ou seja, jornais, revistas e rádios tem uma
quantidade limitada de espaço e de tempo, pelo
que só uma fração das notícias do dia acaba por ser
publicada. É o processo de edição orientado pelos
valores – notícia que acaba por fazer com que a
atenção do público seja orientada e convocada para
certos assuntos considerados como sendo de maior
importância (CORREIA, 2011, p. 187).
Consideradas as dificuldades técnicas e funcionais, um esforço maior por parte dos veículos de comunicação tornaria mais fácil
observar que a questão da exportação, além da quantidade verdadeiramente significativa de produto retirado do mercado interno, pode
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estar contribuindo muito mais no status que conferiu ao produto
através de uma publicidade ostensiva de seus impactos, do que propriamente pelo desequilíbrio causado em sua balança comercial. A
divulgação a que foi submetido este fruto e seus benefícios, atraiu
agentes especulativos de toda ordem para dentro da sua cadeia produtiva elevando também as expectativas de ganho daqueles que já
atuavam no segmento. Uma espécie de “bolha” especulativa prestes
a estourar.
Os atravessadores, por exemplo, são agentes especulativos por
natureza (NASCIMENTO, 2000). Eles atuam entre produtores,
marreteiros e maquineiros leiloando e elevando os preços dos caroços
in natura, independentemente da época do ano.
O método de arrecadação do açaí pelo atravessador
é o seguinte: passam de casa em casa distribuindo
paneiros de três tamanhos diferentes, depois voltam
recolhendo os paneiros com frutos de açaí e pagando
os proprietários. Até aí tudo muito simples. Todavia,
o segundo atravessador ao chegar à casa de um
ribeirinho/proprietário de açaí e encontrar paneiros
lá deixados por outro atravessador oferece um
preço superior ao acertado antes entre o primeiro
atravessador e o proprietário. O ribeirinho cede
e o primeiro atravessador fica sem o produto...
Na próxima rodada é o próprio dono do açaí que
toma a iniciativa de colocar um preço superior ao
ofertado anteriormente pelo segundo atravessador. O
primeiro que chega aceita e o segundo eleva ainda
mais a sua oferta, resultando em novo aumento
de preço. E quando há um terceiro atravessador, o
preço passa assumir feições de inflação galopante
(NASCIMENTO, 2000, p. 12).
Todavia, algum nível de percepção sobre os equívocos cometidos pelos jornais na cobertura do tema foi auferido pela pesquisa.
Isso ficou claro quando os entrevistados responderam sobre como eles
gostariam que as notícias sobre o assunto fossem abordadas. A grande
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maioria, 73% dos entrevistados, disse querer que os jornais trouxessem conteúdos mais complexos e que abordassem todos os lados do
problema. Outros 18% colocaram o governo como pauta principal.
Neste ponto é preciso ressaltar a importância do papel do
mediador no entendimento correto dos temas existentes na agenda
pública. Pela sequencia do questionário aplicado os trabalhadores
já haviam respondido sobre a ordem de responsabilidade dos vários
agentes envolvidos na questão do preço do açaí. Naquele momento apenas cerca de 10% deles, em média, posicionavam o governo
como primeiro ou segundo colocados nessa hierarquia de responsabilidades. Porém, após lerem a questão sobre como gostariam que
as matérias abordassem o tema, observando a alternativa que dizia
“cobrando do governo medidas que regulem o mercado”, parecem ter
compreendido o papel importante do poder público nessa questão,
atribuindo, em média, 33% ao “governo” como a primeira ou segunda pauta para a abordagem dos jornais. Cerca de três vezes mais que
na questão anterior. (Ver tabela 4):
Tabela 4 - Tipos de matérias por posição (%)
Resultado geral para os 62 questionários respondidos
POSIÇÃO
1º
2º
3º
NOTÍCIAS
4º
Complexas
73%
14%
9%
3%
Governo
18%
49%
24%
10%
Atravessador
8%
32%
50%
8%
Maquineiro
0%
5%
17%
78%
Total
100%
100%
100%
100%
Fonte: Pesquisa realizada entre os dias 02 e 30 de abril com 62 trabalhadores da
cadeia do açaí
Ainda sobre a percepção dos trabalhadores, parece haver uma
acentuada preferência pelo jornal Diário do Pará sobre O Liberal
quando o assunto é quem trabalha melhor o tema açaí em suas páginas. 59% dos entrevistados apontaram o Diário do Pará e 34% o
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jornal O Liberal. Outros 7% não viam diferença entre os dois. A partir dessa questão foi solicitado que em uma única palavra definissem
o que achavam das notícias sobre o açaí nesses dois jornais. Cerca de
80%, em média, disseram considerá-las basicamente como regulares e péssimas, transparecendo um entendimento por parte desses
trabalhadores de que há algo errado na cobertura noticiosa sobre o
“preço do açaí”. E apesar do claro efeito de agenda provocado por
esses veículos, não há como negar que esses trabalhadores percebem
a ausência de elementos importantes no material jornalístico publicado. (Ver tabela 5):
Tabela 5 - Jornal preferido sobre açaí / Adjetivos sobre as notícias (%)
Resultado geral para os 62 questionários respondidos.
JORNAIS PREFERÊNCIA
ADJETIVOS
Péssimas Regular Boas
Ótimas
Total
Diário
59%
25%
47%
22%
6%
100%
Liberal
34%
48%
38%
10%
5%
100%
Ambos
7%
25%
0%
50%
25%
100%
Fonte: Pesquisa realizada entre os dias 02 e 30 de abril com 62 trabalhadores da
cadeia do açaí.
4 NOTAS CONCLUSIVAS
O tema açaí, apesar do seu inequívoco caráter de interesse
público (cerca de trezentas mil pessoas envolvidas em uma cadeia
produtiva que se constitui na quarta atividade econômica mais importante do estado do Pará8) não tem na cobertura noticiosa sobre o
seu preço um enquadramento que construa um caminho histórico ao
longo do tempo ou mesmo de cada ano. Aparece sempre de maneira
episódica e agendado como se fosse simples decorrência de fatores
naturais ou da dinâmica do mercado, fácil de ser explicado e sem
as devidas correlações e aprofundamentos. O tema não é tratado à
luz dos enquadramentos temáticos capazes de adentrar no coração do
problema.
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A relação direta que a cobertura jornalística tem na mobilização social, de setores ou grupos, pressionando governos e o aparato
público para implementação de políticas que apontem para o atendimento de determinada demanda não é nova nem tão pouco irrelevante. Dentro da própria cadeia produtiva do açaí é possível encontrar
como exemplo claro a questão da proliferação do Mal de Chagas advindo da falta de higiene e do trato sanitário correto do insumo. Ao
agendar essa questão a imprensa ajudou a modificar comportamentos
e colocou na ordem do dia dos governos estadual e municipal a aprovação de leis e procedimentos de controle e fiscalização sanitária da
atividade no estado.
Especialmente sobre a questão do preço do suco do açaí, os
mesmos meios de comunicação têm preferido adotar discursos estereotipados, marginalizando elementos imprescindíveis para o entendimento das questões principais que recaem sobre o assunto. Ao
enquadrarem o tema do preço do açaí partindo de suposições e referenciais excessivamente técnicos e óbvios, suprimindo construções
históricas mais humanas e experienciais, os jornais analisados, através
das matérias selecionadas, distanciam o olhar dos trabalhadores (e
porque não da sociedade também), dos elementos capazes de contribuir para a diminuição ou mesmo resolução dos problemas enfrentados pela atividade, agendando o tema de maneira superficial e
estereotipada.
Dessa forma, os dados levantados e os autores pesquisados ajudaram na conclusão de que há, sim, um processo de transferência de
agenda dos jornais para os trabalhadores da cadeia produtiva do suco
do açaí artesanal, que tem ajudado a perpetuar olhares equivocados e
estreitos sobre a temática estudada.
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NOTA
1 Nomenclatura utilizada pelos trabalhadores para diferenciar os que “batem” e processam o açaí nos pontos de venda daqueles que produzem o
fruto em suas propriedades – os produtores açaizeiros.
2 Nome científico da árvore que produz o fruto do açaí.
3 Máquinas utilizadas pelos maquineiros para processar o fruto e extrair o
suco do açaí.
4 Frame analysis constitui a obra teoricamente mais ambiciosa de Goffman;
sua proposta “é isolar algumas das estruturas (frameworks) básicas disponíveis em nossa sociedade para conferir sentido aos eventos e analisar as
vulnerabilidades especiais a que esses quadros de referência estão sujeitos”
(1974, p. 10).
5 O conceito de sinais metacomunicativos provém dos estudos etológicos
de Gregory Bateson (2002): são mensagens, explícitas ou não, que ajudam
o recipiente a compreender as intenções no quadro (frame). (NUNES, 2004,
p. 270).
6 Inserir dados do anuário de fruticultura sobre a distribuição de sementes
efetuada pela Sagri.
7 Da família das matantáceas; uma espécie de cana de colmo liso e reto, que
oferece superfícies planas, flexíveis e que suportam o corte em talas milimétricas, perfeitas para fabricação dos cestos que transportam o açaí.
8 PARÁ. Secretaria de Estado de Agricultura. A importância do açaí no
contexto econômico, social e ambiental do estado do Pará: 27ª Reunião ordinária da câmara setorial – MAPA. Brasília, DF, 2011.
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