A SUMOC: a precursora do Banco Central do Brasil Autor: Rafael Ursulino de Mello1 Coautro e Orientador: Gilberto Brandão Marcon2 Em junho de 1945, finalmente no apagar as luzes do Estado Novo, a partir da proposta de Otávio Gouveia de Bulhões, é criada a Superintendência da moeda e do crédito – Sumoc(Decreto-Lei 7.293, de 2-2-1945) com a atividade primordial de exercer controle do mercado monetário e de planejar a organização de um futuro banco central no país. O Brasil precisava ter uma moeda estável. E para ter uma moeda estável, precisa ter pelo menos um inicio de banco central. A Superintendência da Moeda e do Crédito foi esse o inicio de banco central foi a primeira etapa.3 Sobre a origem da idéia, e de como aplicá-la com eficácia no âmbito nacional no ambiente econômico político Bulhões rememora que: O projeto de criação Sumoc resultou de uma tendência de controle monetário advinda de longa experiência. Resultou de conversões freqüentes entre os funcionários do Banco do Brasil, do Ministério da Fazenda e de empresários e, sobretudo, da orientação do professor Eugenio Gudin. O professor Gudin achava que na ocasião era importuno criar um banco central, mas que se podia fazer alguma coisa no caminhão da sua criação. Diante dessas ponderações todas foi que surgiu a idéia da Sumoc, tendo como objetivo principal combinar uma orientação monetária com uma orientação fiscal4 Um funcionário do Banco do Brasil da época pertencente ao grupo “sumoqueano”,5 sugere que a criação da Sumoc, exatamente nos últimos momentos da vida do Estado Novo, teve como objetivo esquivar de um Congresso que surgiria com a redemocratização do país e que poderia oferecer empecilho à sua criação. Em suas palavras, Acompanhei o Dr. Bulhões à Sumoc. E com grande habilidade, porque ele estava ciente de que, se tentasse arrancar do congresso uma lei, não sairia. Havia sempre oposições [...]De modo que foi um gesto de extrema habilidade; não apenas competência técnica, mas habilidade política do Dr. Bulhões (aproveitando que o 1 Aluno concluinte em 2012 do curso de Ciências Econômicas do UNIFAE. Professor e Economista formado pela UNICAMP, Especialista em Economia de Empresas pelas FAE, Mestre Interdisciplinar em Administração, Comunicação e Educação pela UNIMARCO, Doutorando em Educação pela UNIMEP. 3 Octávio Gouveia de Bulhões,op. Cit.,p.53. 4 Ibidem 5 Este grupo de grande unidade e coerência, possuía uma visão monetarista da economia. Era liderado por Octávio Gouveia de Bulhõese foi central para transformação da Sumocem Banco Central do Brasil. Para conhecimento mais detalhado dos ideais do grupo. 2 1 governo tinha poderes para baixar um decreto- lei) para vender o peixe dele, sem depender do Congresso. E fez muito bem, porque, se não tivesse feito aquilo, não teria saído nem Sumoc. Ele a Superintencia da Moeda e do Crédito com um embrião do banco central, como diz o próprio texto do decreto lei.6 Para Casimiro Ribeiro, as tensões entre a elite dos funcionários do Banco do Brasil, que era contra qualquer perda de suas atribuições, e os partidários da criação de um banco central vinham de longe. Essa discussão já existia na década de 40 e esquentou na década de 50. Casimiro menciona na questão das resistências terem ocorrido por parte de funcionários que tinham outras inserções institucionais, estarem transpondo para suas funções publicas, demandas políticas, clientelísticas, e corporativos.7 Ernane Galveias, com as experiências de antigo funcionário do Banco do Brasil, e que trabalhou, posteriormente, na Sumoc, chama atenção para o fato de tais relações conflituosas terem também origens geracionais. [...] certo conflito ideológico e de ciúmes profissionais que já se desenha dentro da própria Sumoc [...] entre os economistas mais jovens e os funcionários de carreira, propriamente ditos.8 Para melhor compreensão do papel a ser desempenhado pela Sumoc, é importante destacar que sua criação ocorreu logo depois do estabelecimento de um novo sistema financeiro internacional, por ocasião do final da Segunda Guerra Mundial. Assim sendo, passou a funcionar, como sublinhado por Pedro Malan, como Interlocutor técnico privilegiado com as instituições financeiras internacionais criadas em Bretton- Woods, nos Estados Unidos, em 1944, e destinadas a supervisionar, sob a hegemonia norte-americana, a ordem econômica internacional do pós-guerra. Assim é que, tão longo criada, foi a Sumoc feia representante do governo junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Baco Mundial, passando a manter relações estreitas com estas entidades e a adotar as medidas necessárias para dar cumprimento à Convenção de Breton- Woods, ratificada pelo governo brasileiro.9 O projeto de criação da Sumoc, além de prever que esse órgão deveria preparar o terreno para a constituição de um banco central independente, atribui-lhe as funções de assessoria, controle e fiscalização bancaria, assegurando o respeito as decisões do conselho da própria Sumoc. Esse conselho teve por sua vez, como principal atribuição, a responsabilidade de definir as políticas monetárias, interna e externa do país. 6 Casimiro Ribeiro. Depoimento I. Rio de Janeiro: Cpdoc/FGV, 1975-1979, PP. 11-2. Convém destacar o fato de que, pouco após a redemocratização do país, em 1947, a despeito da existência da Sumoc, parlamentares propõem projetos de criação de um banco central. Consideração sobre esses debates parlamentares serão realizadasmais adiante. 8 ErnanneGaveas. Depoimento 1989. Rio de Janeiro:Cpoc/Banco Central do Brasil,1990pp. 11-2 9 Pedro Malan. Superintendência da Moeda e do Credito .Dicionário histórico- biográfico brasileiro, 19301983. Cpdoc/FGV, Rio de Janeiro. Forense Universitária- Finep, 1984, p.3281. 7 2 A Sumoc tinha ainda as prerrogativas de requerer a emissão de papel- moeda ao Tesouro Nacional dentro dos limites fixados em legislação especifica; receber, com exclusividade, depósitos de bancos; orientar a política de cambio10e operações bancarias em geral; promover a compra e venda de títulos do governo federal em bolsa; e autorizar o redesconto de títulos e empréstimos a bancos nos termos da legislação que vigorasse. Apesar de tantas e tão importantes atribuições, a Sumoc, que era subordinada ao Ministério da Fazenda, não conseguiria controlar totalmente as atividades monetárias do país, dividindo seu exercício com o Banco do Brasil que, entre outras funções, atuava como órgãos executivos das decisões do Conselho da Sumoc, como banco dos bancos, como depositário das reservas internacionais, financiando, ainda, atividades produtivas, sobretudo as agrárias, função inadequada a uma instituição de controle monetário. O próprio Octavio Bulhões menciona que mesmo atribuições legalmente estabelecidas, como o recolhimento dos depósitos compulsórios, 11 não foram efetivamente exercidas pela Sumoc, tendo continuado nas mãos do Banco do Brasil. Esse recolhimento provocou, o descontentamento dos representantes dos bancos privados, que resistiam a se submeter a fiscalização mais severa. “A principal reação deveu-se ao fato de os bancos serem obrigados a fazer depósitos na Sumoc”.12 A Superintendência da Moeda e do Crédito na pratica agia como sombra do Banco do Brasil, partilhando encargos, sobretudo, com a Carteira de Cambio e Redesconto, que La funcionavam. Pedro Malan chama atenção ao fato da dependência e fragilidade que era submetida a Sumoc: Seu corpo técnico próprio era praticamente inexistente até 1950 (quando a Intstrução 34 criou a seção de estatística própria da Sumoc) e seu relatório anual de atividade s era apresentado como uma subseção do relatório anual do Banco do Brasil(isso ocorreria até 1955, quando foi publicado o primeiro relatório da Sumoc, independente da publicação do tradicional relatório do Banco do Brasil). Na 10 Cambio: Operação financeira que consiste em vender, trocar ou comprar valores em moedas ou papeis que representem moedas de outros países [...] as taxas de cambio são determinadas por uma conjunção de fatores intrínseca ao país, principalmente a política econômica vigente [...]. Os exportadores, ao receberem moeda estrangeira, vendem- na aos bancos e os bancos revendem essa moeda aos importadores para que paguem as mercadorias compradas. Essas transações são sempre reguladas pelo governo, que fixa os preços de compra e venda das moedas estrangeiras . Paulo Sandroni. Dicionário de economia. Rio de Janeiro: Record,2005, p.111. 11 Depósito compulsório constitui-se em mecanismos que tem pó objetivo reduzir os meios de pagamento de uma economia em determinadas situações. Com relação aos depósitos compulsórios, Casimiro Ribeiro chama a atenção que estes foram utilizados pela primeira vez no Brasilpor ocasião da criação do Sumoc. [...] nós sabemos que é um instrumento de controle monetário relativamenterecente e,como tal foi inventado nos Estados Unidos [...] foi com o entusiasmo dos relatórios americanos sobra a eficácia deste depósito que o Dr. Bulhões o incluiu no projeto do Decreto- Lei que redigiu para o governo, naquela época, criando a Sumoc, o embrião do Banco Central. Casimiro Ribeiro, op.cit. p.37. 12 Octávio Gouveia de Bulhões, op. Cit., p.90. 3 verdade, até o inicio da década de 1950, a Sumoc constitui, de fato, ainda que não se jure, apenas um órgão a mais no Banco do Brasil, absorvendo alguns encargos das Carteira de Câmbio e de Redesconto e, especialmente, da Caixa de Mobilização e fiscalização Bancaria13 Porém, apesar das limitações da Sumoc em desempenhar de maneira independente as funções de um banco central, controlando a emissão de papel-moeda e as atividades bancárias, várias inovações iam sendo por ela introduzidas na vida econômica do país. Uma delas foi a criação do Orçamento Monetário. A esse respeito, Casimiro recorda que: O orçamento monetário surgiu historicamente, como um exercício estatístico, no Departamento Econômico da Sumoc e, anteriormente, no Departamento de Estudos Monetários e Financeiros, criando em 1953 ou 1954 [...]. Na fase inicial antes de pensarmos em orçamento monetário, pensamos – e foiaí a contribuição muito importante do Kafka14 -, numa consolidação de contas das autoridades monetárias brasileiras. Não havendo o Banco Central, a autoridade monetária estava pulverizando em vários órgãos, não se tinha noção do conjunto, e o nosso primeiro trabalho importante [...], o trabalho mais sofisticado que fizemos foi justamente a consolidação das contas das autoridades monetárias [...]. Fizemos o orçamento monetário, que não foi aprovado como orçamento propriamente, mas como programa monetário.15 A nova aplicação do orçamento monetário contribuiu para aprimorar duas importantes dimensões da vida econômica do país. A primeira, e mais importante, para programar uma expansão, contração ou estabilidade; enfim, programar um comportamento quantitativo para os meios de pagamento em um período dado [...]. Em segundo lugar, para impor uma disciplina nas operações das instituições oficiais que lidam com grandes recursos, principalmente para o Banco do Brasil. 16 Posteriormente, com as reformas bancaria e monetária realizado pelo Governo Castelo Branco: resolvemos, com base na nossa experiência de muitos anos, colocar em texto de lei o orçamento monetário. A lei pela primeira vez mencionada o Orçamento Monetário como instrumento básico de quantificação de política e a obrigatoriedade de ser feito e aprovado periodicamente pelo Conselho Monetário Nacional. Como daí a um ano podíamos não mais estar em nossos lugares, era preciso ficar no princípio na lei. Então, a diferença é que passou a ser, não uma sugestão de técnica ao ministro da 17 Fazenda, mas um documento de vida legal. As contribuições atribuídas pelo Sumoc para os governos desenvolvimentistas adquiriram especial importância como formuladora de política cambial, o que se tornou um 13 Pedro Malan,op.cit. Alexandre Kafka, economista formado em Oxford, foi diretor- executivo do Brasil no Fundo Monetário Internacional entre os anos de 1966 e 1998. 15 Casimiro Ribeiro, op. cit., p.39. 16 Ibidem, p. 38. 17 Ibidem, p. 44. 14 4 dos principais recursos para o amadurecimento econômico e industrialização nacional em especial na década de 1950. Algumas de suas principais instruções, como a 70, a 113 e a 204, são relativas a política cambial. Mesmo com constrangimentos políticos e institucionais que limitavam suas atuações é nítida a evolução e aperfeiçoamentos técnicos utilizados à época nas transações cambiais. O Banco do Brasil comprava e vendia câmbio, mas não tinha nenhuma preocupação, nem sabia, pelas estatísticas, pelos indicadores, oque aquilo estava ou não produzindo em termos de expansão monetária. A mesma coisa fazia com a política de redesconto: se havia pressão para o redesconto, aumentava a taxa; se não havia, diminua a taxa. Quer dizer, era uma política monetária passiva, sem indicadores. A passagem dessas funções do Banco do Brasil para a Sumoc, e com o Conselho da Sumoc, é que começa realmente a mudar a estrutura do sistema. As decisões de política monetária e cambial já passaram a ser feitas no conselho da Sumoc. Embora tenham continuado no Banco do Brasil, a formulação da política se fazia no Sumoc, com a participação do Banco do Brasil, do presidente, do diretor de Câmbio, do diretor do Redesconto. Anteriormente, essa política não existia. Era o ministro da Fazenda, mas praticamente não tinha um colegiado ou um órgão formulador de política. A grande mudança da Sumoc foi essa: é que criou um órgão formulador da política monetária e cambial.18 Para melhor analise na evolução do e amadurecimento da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc) é preciso de uma analise com um foco mias canalizado na era de Eurico Gaspar Dutra, nesse período é notado a Sumoc, como modeladora da política cambial do país. A reorganização Nacional inicia-se no Governo Eurico Gaspar Dutra (1946- 1951): O governo Dutra veio com a redemocratização do país. Tendo sido, a um só tempo, ministro da Guerra de Vargas e chefe dos militares que lutavam na Itália contra os regimes ditatoriais, personificou a contradição que ajudou a elevar o país a democracia. Mesmo tendo ajudado a derrubar o Estado Novo, foi apoiado por Vargas à Presidência da Republica, saindo candidato pela coalizão do Partido Social Democrata (PSD) com o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), concorrendo e vencendo o também militar brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da União Democrática Nacional (UDN), e Yedo Fiúza, do Partido Comunista do Brasil (PCB).19. O país sai saía de um longo período autoritário e durante a primeira fase do novo governo foram instalados os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte, responsável pela elaboração da Constituição de 1946 que iria vigorar até o final do Governo João Goulart de 1964, quando uma série de Atos Institucionais promulgados pelo regime militar passou a desfigurar o seu perfil original. Na política interna, o novo governo adota comportamento conservador, proibindo as greves operarias e, tendo como cenário internacional a Guerra Fria, que dava seus primeiros 18 19 Ernane Galvêas , op. cit., PP. 25-6 Eduardo Raposo. Banco Central do Brasil. O LEVIATÃ IBÉRICO. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio. 2011 5 passos, declara em 1947, a ilegalidade do Partido Comunista Brasileiro, rompendo, em 1948, relações diplomáticas com a União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS). No governo Dutra a postura da política econômica aplicada pode ser dividida em duas etapas. 20 No período de 1946 a 1947, é aplicada uma postura de caráter liberal, com poucas intervenções do governo na dinâmica econômica do país, também houvera abertura a abertura comercial e financeira, a diminuição das taxas alfandegárias no país, mantendo a taxa de cambio em regime de flutuação. Era a ressaca do Estado Novo do governo forte, corporativo e intervencionista. As medidas tomadas nesse período desencadearam uma forte escassez de divisas no país e um conseqüente questionamento em sua capacidade de promover os interesses econômicos nacionais de então. Por conta de tais medidas o governo e apontado pela oposição de promover uma política de importação sem nenhum critério, apenas dilapidando as reservas cambiais nacionais. A postura do Estado após esse incidente foi de adotar medidas que passaram a atribuir ao Estado importância muito maior do que a que havia desfrutado nessa primeira etapa. O governo, no período de 1947 a 1951, se articula para um plano de ações orientado para os setores de saúde, alimentação, transporte e energia o plano Salte. A respeito desse plano os investimentos se tornaram possíveis graças apolítica de crédito do Banco do Brasil. O crédito real a indústria cresceu 38%, 19%, 28% e 5% nos anos de 1947, 1948, 1949 e 1950, respectivamente21.Quanto à política cambial, a repercussão dos crescentes déficits da balança comercial sobre as contas nacionais fez que o Governo Dutra reconsiderasse sua posição, adotando a partir de 1947, em que se aplicou métodos de prioridade essas consideradas pelo governo para a disponibilização de divisas para a importação. Esse método surgiu por meio do Departamento de Exportações e Importações (Cexim), do Banco do Brasil, contendo cinco categorias de importações correspondentes a diferentes prioridades para o desenvolvimento da economia nacional. Nessa política que valorizou a moeda nacional, coube a Sumoc fixar os preços de compra e venda de inúmeras moedas estrangeiras que participavam de nossas transações comerciais no exterior. As moedas estrangeiras advindas das exportações eram vendidas aos bancos, por sua vez, as revendiam aos importadores para que pudessem realizar suas atividades de comercio 20 Nesse período os ministros da fazenda foram Gastão da Costa Vidigal, que ocupou o posto de fevereiro a outubro de 1946, e Pedro Luiz Correia e Castro, que inicia em outubro e fica no cargo até junho de 1949. A diretoria da Sumoc foi ocupada por José Vieira Machado. 21 Ver política econômica externa e industrialização: 1946- 1951. In: M. dePaiva Abreu (org.). A ordem do progresso. Cem anos de Politica econômica replubicana, 1889- 1989. Rio de Janeiro: Campus, 1922,p.115. 6 com os outros países. As importações passaram a ser limitadas aos produtos considerados mais essenciais, graças a manutenção de um câmbio controlado fazendo com que os outros produtos fossem taxados com tarifas alfandegárias mais altas para valorizar a produção nacional, medidas que incentivavam a substituição dos produtos importados por aqueles de produtos nacionais. Com o controle no cambio o governo se protege aos perigos no desequilíbrio na balança de pagamento e de um possível processo inflacionário, e acaba criando condições para fomentar a industrialização do país. Tais operações cambiais se mostrariam fundamentais para o financiamento dos investimentos responsáveis pelo salto na industrialização que iria se verificar no país a partir da década de 50. Essa política perdurou até o ano de 1953, durante o Governo Vargas, quando novo desequilíbrio na balança comercial fez com que o Estado mudasse de estratégia. O inicio na década de 50 o país estava em uma grave crise que aprofundava e atualizava as contradições advindas dos processos de modernização da sociedade brasileira tal que realizado a partir dos anos de 1930. Apesar de ter se manifestado em diferentes setores da sociedade e do governo a crise se originava da mesma fonte e do mesmo hibridismo que já vinha caracterizado o desenvolvimento de nossas instituições, divididas entre uma vocação política de natureza corporativa preocupando- se sempre com os interesses da clientela que apoiava seu projeto de poder, e outra de caráter mais universalista, mais difusa, fragmentada com muitos polos subdivididos com pouca organização política. Vargas, que havia permanecido autocraticamente na Presidência da Republica por quinze anos consecutivos, tendo liderado o Golpe de Estado de 1937 e sido afastado em 1945 contra sua própria vontade, toma posse em 1951 num ambiente político que se tornava cada vez mais inquieto e adverso. Procurou então apaziguar os ânimos cada vez mais exaltados dos lideres das principais tendências políticas no país. Partiu com cargos e declarações de apoio aos nacionalistas, trabalhistas e conservadores e, também, para os representantes dos principais partidos políticos e estados da federação, em razão a suas capacidades de pressão dento do sistema corporativo. Apesar de todo seu esforço conciliatório, os conflitos se acirraram envolvendo as principais forças e tendências políticas do país, que passam a disputar de maneira cada vez mais intransigente, a exclusividade, as atenções e compromissos do governo. Assim ao aproximar-se dos conservadores, desagradava os nacionalistas e trabalhistas e, ao manifestarse favorável a estes desagradava os conservadores. 7 Com toda a crise no sistema político no cenário governamental, importantes iniciativas iam sendo tomadas na área econômica e institucional. Na Sumoc, desde o inicio do governo ocupada por Walter Moreira Salles, é organizada uma acessória técnica, núcleo original do que seria seu Departamento Econômico, e uma inspetoria de bancos.22É também criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) (Lei de 20-6-1952), como conseqüência dos estudos realizados pela comissão Mista Brasil- Estados Unidos, que acreditava ser necessária a existência de uma instituição na área federal para promover a economia nacional. Com duas árduas tarefas à frente a equipe econômica elaborava estratégias para desenvolvimento que se afiguravam contraditórias: promover a industrialização e ao mesmo tempo combater o processo inflacionário herdado do Governo Dutra. Com metas complexas a frente o cenário entre as forças monetárias também passa por um período conturbado porque o ministro da Fazenda e presidente do Banco do Brasil defendiam diferentes políticas creditícias, o ministro era a favor de uma política contracionista na área do crédito já o presidente do Banco do Brasil, aplicava uma política expansionista. Tamanha divergência que além de criar conflitos entre as instituições, tornava contraditório e sem rumo a política do governo a respeito do crédito. Octávio Gouveia de Bulhões via no conselho da Sumoc, criado ainda no Estado Novo, que as duas instituições e seus dirigentes poderiam se entender e unificar a política creditícia praticada pelo governo. [...] com a ideia do conselho, consegui que houvesse a coerência de atitude entre o Banco do Brasil e o Ministério da Fazenda. Houve um período, por exemplo, em que havia um conflito evidente entre o Banco do Brasil e o Ministério da Fazenda. O ministro Horácio Lafer e o presidente do Banco, Ricardo Jafet, se indispuseram em matéria de políticas, mas o simples fato de serem obrigados a deliberar, ou a discutir seus pontos de vista no Conselho com outros diretores do Banco e com funcionários 23 do Ministério, fez com que essa divergência fosse muito suavizada. Após o desgaste do Governo Vargas com a base e a oposição, em meado de 1953 é realizada uma ampla reforma ministerial para tentar recuperar o controle político. Na área econômica, com a substituição do Ministro da fazenda e presidente do Banco do Brasil entrando respectivamente Oswaldo Aranha e Marcos de Souza Dantas desaparecem os conflitos existentes em relação à política de crédito. Os novos gestores estavam engajados com metas anti-inflacionárias e de combate ao déficit publico. E a partir de então o Banco do 22 Durante o período do segundo Governo Vargas foram os seguintes os superintendentes da Sumoc: Wálter Moreira Salles, de fevereiro de 1951 a maio de 195; Egídio da Câmara Souza, de maio a setembro de 1952 e José Soares Maciel Filho, de setembro de 1952 a agosto de 1954 (Malan, op. cit.). 23 Octávio Gouveia de Bulhões. Depoimento. Cpdoc/FGV, cit, p. 95. 8 Brasil subordina-se ao Ministério da Fazenda, criando convergência de ações no combate ao desequilíbrio das contas publicas. A política cambial brasileira, ao longo de sua história, tem variado assiduamente, sendo objeto de acirradas disputas envolvendo o governo, instituições e grupos econômicos, portadores de reivindicações nem sempre conciliáveis. Como visto, durante o inicio do Governo Dutra, a política cambial foi menos intervencionista. Porém, em razão do aumento do déficits na balança comercial, o governo mudou sua postura, adotando, a partir de 1947, o chamado “sistema de licencia prévia”, que consistia e, examinar, caso a caso, os pedidos de importação e exportação, para só depois liberar as divisas requisitadas. O Banco do Brasil por meio de sua Carteira de Exportação e Importação (Cexim) e de seu órgão de Fiscalização Bancaria (Fibran), é que se encarregava dos exames dos pedidos, tendo utilizado essa prerrogativa para proteger e desenvolver a indústria nacional. Essa política cambial foi herdada e seguida por Vargas até 1952, quando a inflação agravada pelo temor de que a Guerra da Coreia se ampliasse, provocando o aumento dos preços em geral e de forma preocupante, aumentando também, o desequilíbrio no balanço de pagamentos24. No inicio do ano de 1953 foi criada a lei do câmbio livre ou lei do mercado livre, que por um lado, estimula investimentos em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento nacional (energia, transporte e comunicação) e, por outro, estimula as exportações dos produtos brasileiros com o estabelecimento de taxas especificas para determinados produtos de importação e exportação., e da desvalorização do cruzeiro25. Funcionário da Sumoc da época Ernane Galveias chama a atenção para a importância da nova lei: [...] fizemos uma revolução na área cambial. O ministro Horácio Laferpromoveu uma modificação ampla no sistema de cambio (a Lei do câmbio livre, n.º 1.807, de 7 de janeiro). É uma lei fundamental em matéria de sistema cambial no Brasil, porque criou o mercado de câmbio oficial, com regras bastante restritas. Em cima dessa lei vieram, depois, varias modificações, inclusive a famosa Resolução 70, que criou as categorias cambiais. 26 Em procura de melhorar o desempenho da economia nacional, em outubro de 1953 por intermédio da Sumoc, promulga sua célebre Instrução 70, que reformula novamente a política cambial do país. Lançado por Oswaldo Aranha e Souza Dantas a Instrução 70 da Sumoc aperfeiçoa a Lei do mercado Livre, com o propósito imediato de atenuar a crise na balança 24 Em 1952 a inflação foi de 11% e, em 1953 foi para 21%. Ipedata. A lei 1.807, de Janeiro de 1953, era bastante liberal no que se refere a remessa de lucros e dividendos para o exterior. 26 Ernane Galvêas, Depoimento, Rio de Janeiro: Cpdoc- Banco Central Brasil, 1989, p. 13. 25 9 comercial no país. Para tanto, extinguiu o câmbio subvencionado, criando, eu seu lugar, cinco diferentes taxas cambiais com diferentes ágios relativos à essencialidade do produto a ser importado, medida que procurava dificultar as importações, facilitar as exportações, protegendo a balança comercial e favorecendo o desenvolvimento da indústria nacional. O regime anterior de controle da balança comercial era objetivo de corrupção e segundo Bulhões a Introdução 70, O que sei é que ele [ ministro Oswaldo Aranha ] não queria mais o regime de licença porque alegava-se que havia corrupção. Para evitar isso, adotou esse sistema [...] No tempo Horácio Lafer, a Cexim controlava a muito as importações. Esse controle das importações foi muito bem exercido na época em que o Simões Lopes foi diretor da Cexim. Mas depois que ele deixou, começou a haver uma queda de prestigio da Cexim, começaram a duvidar da honestidade dos propósitos do controle, e foi daí que surgiu uma célebre frase do Glycon de Paiva, muito característica, muito precisa: “Criar dificuldades para vender facilidades”.Com isso a Cexim se desmoralizou muito, e então, quando o Oswaldo Aranha assumiu o Ministério da Fazenda, propôs essa modificação, que na verdade foi sugerida pelo Marco de Souza Dantas.27 A elaboração Instrução 70 contou com uma colaboração decisiva de Marcos de Souza Dantas, que “conhecia câmbio profundamente e montou um esquema baseado em estudos de taxas múltiplas”. Contudo apesar da Instituição ser um avanço progresso nacional, ainda era mal visto por parte de alguns estudiosos, que não achavam que o câmbio fixo seria a melhor ferramenta para proteger a competitividade dos produtos nacionais. Em palavra de Bulhões [...] não é por meio do câmbio que se pode fazer a defesa dos produtos nacionais. Os produtos nacionais são defendidos por meio da tarifa, por meio do Imposto de importação, e não por meio da taxa de câmbio. Porque a taxa de cãmbio, se for fixada em favor das empresas nacionais, acaba sendo prejudicial para as transferências de recursos. Acaba sendo prejudicial para a exportação. De modo eu é preferível usar outras armas, e não a arma cambial como defesa econômica. 28 A Instrução 70, apesar de ter produzido efeitos positivos sobre balança comercial, não conseguiu evitar o desgaste do governo Vargas, que já ia longe. O crédito, agora mais escasso, descontentava as classes produtoras. O comércio importador também se mostrava insatisfeito porque a Instrução 70 onerava as importações mediante uma sobretaxa que incidia sobre o câmbio. Por sua vez, parte da indústria nacional encontrava-se igualmente contrariada pelo fato de não ser mais protegida pelas cotas das importações e por não poder mais realizar compras no exterior pelo câmbio oficial. 27 28 Octávio Gouveia de Bulhões, op. Cit., pp. 102 e 103 Octávio Gouveia de Bulhões, op. cit., p. 101. 10 João Café Filho, ao assumir a Presidência da Republica (1954- 1955) herdou de Vargas, juntamente com a queda da principal força da exportação o cafée também um crescente processo inflacionário e um também o crescente desequilibrio no balanço de pagamentos. Para enfrentar tais adversidades, convocou um ministério composto, sobretudo, por membros anti-getulistas e udenistas comprometidos com a austeridade econômica. Para o Ministério da Fazenda foi empossado Eugênio Gudin, para o Banco do Brasil, Clemente Mariani e, para a Sumoc, Otávio Gouveia de Bulhões. Gudin procurou atacar o déficit público e sustar o processo inflacionário cortando despesas, contendo a política do crédito, criando alguns novos impostos, como o imposto único sobre energia elétrica, procurando também obter da comunidade financeira norte americana, um empréstimo para amenizar a situação cambial mais imediata. Procurou, ainda, eliminar os focos de pressão para expansão do crédito. A instrução 108 Sumoc, principal ferramenta para estabilizar a economia nesse período, transferiu do Banco do Brasil para a Superintendência o recolhimento dos depósitos dos bancos, eliminando, assim, a possibilidade de o Banco do Brasil realizar empréstimos com tais depósitos. Com riscos de iniciar uma recessão econômica por aplicar medidas restritivas na economia, Bulhões defende suas medidas afirmando que: [...] não havia muito perigo de recessão, porque ao mesmo tempo em que se fazia as restrições de credito – restrições selecionadas, não cortando inteiramente os investimentos, e sim os gastos supérfluos – lembro que Dr. Gudin baixou uma instrução permitindo a entrada de equipamentos. E essa entrada de equipamentos trouxe um grande alento ao desenvolvimento de varias indústrias.29 Em 17 de janeiro de 1955, foi criada a Instrução 113 permitindo que a Cacex30 emitisse licenças para importação de equipamentos industriais sem necessidade de imediato pagamento de divisas, posto que os equipamentos industriais sem necessidade de imediato pagamento de divisas, posto que os equipamentos entravam no país como investimento estrangeiro, que eram financiados com prazos mais dilatados. A instrução 113, da Sumoc, foi considerada “entreguista” pela esquerda nacionalista por ter criado as condições necessárias para a realização de investimentos estrangeiros no 29 Octávio Gouveia de Bulhões, op. cit.., p.109 A Cacex – Carteira de Comércio Exterior, do Banco do Brasil S.A. foi criada durante o segundo Governo Vargas, substituindo a Carteira de Exportação e Importação, também do Banco do Brasil. Entre outras atribuições, a Cacex emitia os licenciamentos para exportação e importação e o financiamento do comércio brasileiro. Foi extinta no Governo Collor de Mello, em 1990. 30 11 país, o que veio facilitar, a partir do Governo Juscelino Kubitschek, o financiamento da industria automobilística no Brasil. Fechando esse ciclo os anos do Governo Vargas (1951 – 1954) e Café Filho (1954 – 1955), o crescimento médio da economia brasileira foi expressivo, atingindo taxas levemente inferiores a 7% ao ano. No Governo Vargas, a taxa de inflação elevou-se em relação ao Governo Dutra, ficando ao nível médio de 17% ao ano. Os resultados comerciais do governo Vargas enfraqueceram- se significadamente, tendo sido verificado um déficit comercial de aproximadamente US$ 300 milhões no ano de 1952. O saldo médio da balança comercial dos dois governos foi de US$ 121 milhões, metade do verificado do governo Dutra. As reservas cambiais reduziram-se à metade, com nível médio de US$ 460 milhões, reduzindo-se, também, a divida interna, ficando a 2% do PIB, em média.31 Após,conturbado período em que não faltaram tentativas de impedir sua candidatura a posse, Kubitscheck inicia se governo em janeiro de 1956, tendo como vice- presidente João Goulart, PTB. No campo da economia o cenário também não era animador, pois Juscelino havia encontrado uma difícil situação nas contas públicas, um processo inflacionário em curso, déficits no Tesouro superprodução de café e desequilíbrio cambial. Mas na onde houve a falha de Vargas, Juscelino conseguiu compor-se com as forças políticas predominantes no país, cumprindo integralmente o mandato presidencial. O meio usado para conviver com a intricada política brasileira foi ter atendido as principais reivindicações dos tradicionais setores e corporações políticas nacionais, usando canais como o Parlamento e as burocracias ministeriais, o que lhe permitiu criar, sem maiores resistências, uma administração paralela, que sob sua liderança, realizou um ambicioso projeto de governo em um ambiente de estabilidade democrática. O Projeto de Metas em um desenvolvimento econômico nacional de grande escala como a implantação da indústria automobilística, vista com maus olhos pela esquerda nacionalista pela abertura de capital e tecnologias estrangeiras dentre eles japoneses, holandeses alemães, franceses e norte americanos e investimentos para construir um Distrito Federal – Brasília. E com grandes volumes de capital e investimentos em questão as tensões entre desenvolver economicamente o país e evitar a escala inflacionariam. O governo via suas 31 Fonte: Ipeadata e Banco Central. 12 metas, que exigiam vultosos investimentos econômicos, limitas e ameaçadas pelo avanço do endividamento e da inflação, que comprometiam o equilíbrio das contas públicas. Com esse ambiente de entrada maciça de capital estrangeiro e de industrialização, a questão cambial não podia deixar de voltar a cena. Nessa época, as tarefas as políticas cambial e monetária continuavam fragmentadas entre o Ministério da Fazenda, a Sumoc, o Banco do Brasil e o Tesouro Nacional. A proposta de se implantar o câmbio livre em substituição as sistema múltiplo que vigorava desde 1953 ainda no período Vargas, transformou-se em objeto de ampla discussão no interior do governo. Seus principais defensores foram Roberto Campos e Lucas Lopes, respectivamentediretor- superintendente e presidente do BNDE. Mas após vários embates políticos a proposta de implantação de cambio livre é rejeitada, permanecendo a mesma política cambial que vinha sendo usada para acelerar a industrialização do país. Em palavras de Bulhões: [...] vários economistas queriam que a taxa de câmbio fosse unificada, mas Alkimim então Ministro da Fazenda, sempre resistiu a isso, com receio de que mudada a taxa ocorresse um aumento de preços do papel e do trigo. Por isso ele resistiu a essa modificação[...]32 No início de 1958, José Maria Alkimin havia captado recursos do Eximbank e do Fundo Monetário Internacional,33 o que teve como contrapartida o compromisso do governo de realizar reformas de caráter anti-inflacionárias indicados pelo FMI. Com o afastamento de Alkimin do Ministério da Fazenda, em junho de 1958, ficou por conta de Lucas Lopes, que substituiu-o na responsabilidade de elaborar o Plano de Estabilização Monetária (PEM), que em última instância entrava em choque com a liberação de recursos para a execução do Plano de Metas. Apesar do esforço do governo com o Plano de Estabilização Monetária que passou a vigorar em 1959, não foi bem aceito pelo Fundo Monetário Internacional, que propõem o aprofundamento das medidas que haviam sido tomadas. Novas negociações são realizadas por Lucas Lopes, que procura incluir no Plano o câmbio livre para as importações brasileiras. Porem, com as negociações ainda não concluídas Juscelino confrontado com as exigências para concessão de créditos decide romper as relações com o Fundo Monetário Internacional, o que ocorre em junho de 1959. 32 Octávio Gouveia de Bulhões, op. cit., pag. 123. Foram US$ 200 milhões de Eximbank e de bancos privados norte- americanos, e maisUS$ 37,5 milhões no Fundo Monetário Internacional (cf. Abreu, 1990). 33 13 Por fim o Governo Juscelino Kubitschek foi marcado por forte escalada da inflação que, somente no seu governo atingiu o patamar médio dos 25,16% contrastando com os já altos 16,72% registrado na Gestão Vargas/Café Filho. Apesar de ter liderado um enorme e bem sucedido esforço de industrialização no país superior aos 6,70% verificados no período presidencial anterior.34 Nos curtos sete meses que Janio Quadros esteve a frente da Presidência da Republica, ocupou o ministério da Fazenda Clemente Mariani que por sua vez, convidou Octávio Gouveia de Bulhões para ocupar a direção da Sumoc. Visando equilibrar as contas públicas para posterior esforço em direção ao desenvolvimento nacional, várias novas medidas econômicas foram anunciadas. Entre as mais significativas, havia uma reforma cambial que foi implementada por meio das instruções 204, 205 e 208 da Sumoc. A instrução 204 revogou o sistema de taxas múltiplas que vigorava desde a Instrução 70, editada em 1953. A taxa de câmbio foi unificada e desvalorizada em 100% com o propósito de, reduzindo-se as importações, forçar a ocupação da capacidade produtiva instalada n o país. O paradoxo entre a estabilização monetária e o desenvolvimento nacional, que atormenta inúmeras equipes econômicas. Poderia ter sido evita no governo de Jânio segundo Bulhões. [...] Da seguinte maneira: na primeira fase do governo se procuraria combater a inflação, e só se cogitaria do desenvolvimento depois que a inflação estivesse controlada, ao menos em grande parte. Portanto, haveria dois períodos: um período de restrição, e depois um período de desenvolvimento. A idéia de estabilidade era o ponto de partida para o desenvolvimento. [...] Naquele momento, a principal causa da crise era cambial. Era uma taxa de câmbio fictícia, que aumentava as importações e dificultava as exportações, e mantinhas a divida lá fora. De modo que foi por aí que começou a atacar o problema no país.[...] mais cambial do que qualquer outra coisa, houve a preocupação de remover os obstáculos existentes no campo cambial. Este foi o motivo da insistência do presidente Jânio em estabelecer a Instrução 204, que trazia como orientação política afastar os empecilhos na área cambial. Este foi o 35 motivo de a 204 ter sido um dos primeiros atos do presidente. A Instrução 204 que favorecia o interesse dos exportadores e dos credores internacionais em detrimento dos grupos nacionais que haviam se endividado externamente na vigência da taxa anterior- produziu alguma impopularidade, sobretudo porque eliminava o 34 35 Fonte: Ipeadata e Banco Central Bulhões, Octavio Gouveia de Bulhões, op. cot., p. 130. 14 subsidio ao trigo, ao papel de imprensa e vários produtos importados, produzindo o aumento no custo de vida. A tentativa de acalmar os ânimos dos descontentes com a Instrução 204 que mostravam forte resistência, Bulhões tenta explicar que: [...] a instrução 204 não foi popular. Os estudantes estavam contra ela. Lembro que fui a São Paulo, para explicar na Faculdade Mackenzie o motivo da supressão dos subsídios, e tive uma certa surpresa em verificar que estavam todos hostis. Fiquei meio surpreso, pois não entendia porque podiam ser contra [...]. A reação foi um tanto amarga. Eles hostilizaram, fizeram um grande barulho. Já que tinham me convidado para explicar, eu disse que se fizessem tanto barulho não poderia explicar nada. Calaram-se um pouco, e comecei a falar. Mas senti que ao estavam preocupados com a explicação, tinham me convidado para mostrar que eram hostis. Saí de lá e até hoje não sei bem por que eram hostis.36 A idéia da Instrução era de aumentar as exportações para conseguir mais recursos para pagar os débitos internacionais, e também não ia contra os setores produtivos nacionais endividados, mas mesmo assim houve uma resistência muito grande. [...] porque com ela as exportações iriam aumentar. Aumentada as exportações, haveria mais recursos para pagar os débitos lá fora, e isso iria facilitar a vida de vários devedores aqui dentro do país. Havia vantagens claras para a exportação. Os exportadores teriam oportunidade de exportar, coisa que não tinham antes . E a importação ficava livre das restrições. Só se era isso. Deviam achar que as restrições à importação davam um grande amparo a produção nacional. Agora estabelecia-se a entrada ilimitada, mas com tarifa alfandegária. Mesmo assim, não havia motivos para uma repulsa tão grande37. Nesse inicio de governo de 1961 fica marcado como a abertura do comercio internacional e graças a Instrução 204 inicia-se o cambo livre, trazendo quase todas as importações para seu âmbito, o que viria, de fato, a ocorrer com a Instrução 208, junho de 1961. Mas com a saída de Jânio Quadros da presidência ainda em 1961, os projetos de tornar o a força da superintendência com um poder central sobre o programa de estabilização chamado “verdade cambial” foi interrompido logo no seu inicio. Em setembro de 1961, Goulart contemplava em seu programa de governo, entre várias reformas que pretendiam realizar, a reforma bancária que criaria um banco central, com funções normativas e executivas, e uma série de outros bancos especializados, tais como um 36 37 Octavio Gouveia Bulhões, op. cit., p. 133 Ibidem. 15 banco hipotecário, um banco rural, um banco de importação e exportação, um banco de investimento e um banco industrial.38 Porém, não era essa a prioridade de seu governo que, em meio à crise política, mostrava relutância em dedicar tempo e energia à criação de um banco central. A época era de crise, o que politizava parte significativa da sociedade, sobressaindo- se as oposições entre os grupos nacionalistas e internacionalistas, estatizantes e privatizantes, latifundiários e camponeses, militares e civis, legalistas e golpistas, estudantes e autoridades públicas, esquerda e direita, modernizadores, conservadores e tecnocratas. Eram conflitos que expressam a falta de consenso sobre as regras universais as contradições fundamentais de nossa formação. Uma questão central naquele momento de indefinição institucional e de acirramento das tensões políticas era saber qual deveria ser a soma de poderes do presidente da Republica e quais o caráter e a profundidade de reformas a serem por eles coordenadas. E diante suas fortes resistências à sua posse, foi concebido arranjo político com intuito de diminuir seus poderes presidencialistas, e que levou a aceitar o sistema parlamentarista de governo que teve como ministro Tancredo Neves, Brochado da Rocha e Hermes Lima, mas que voltou, após um plebiscito realizado em 6 de janeiro de 1963, ao sistema presidencialista. A partir de 1962, torna-se nítida a precariedade da situação econômica nacional. O Produto Interno Bruto (PIB), que havia crescido 8,6% em 1961, cai para 6,6% em 1962 e para 0,6% em 1963. As taxas de inflação, por sua vez, aumentam rapidamente. Em 1961, eram de 50,2%, em 1962 passam a 54,1%, subindo, em 1963, para 82%. Nesse clima confuso, as divergências entre Goulart e o gabinete presidido por Tancredo Neves levam sua renuncia coletiva em junho de 1962. Após a rejeição do nome de San Tiago Dantas pelo Congresso Nacional, é escolhido o nome de Brochado da Rocha, continuando Moreira Salles no Ministério da Fazenda, e Bulhões na Sumoc. Com Brochado Rocha a frente do governo ele convoca uma reunião com Casimiro Ribeiro entre outros para dar andamento na reforma bancária que o governo Goulart planejava: [...] Havia uma mesa de reuniões para discutir programas de reformas. Na parte de reforma bancaria, ele [Brochado da Rocha] me disse: “Ah! O senhor é da Sumoc? Muito bem. Estou preocupado com esse negócio de política monetária. O Cibilis tem aqui um plano. Leia aí Cibilis”. Cibilis era assessor do governo e estava assessorando também Brochado da Rocha. O Cibilis então despejou aquela sua catilinária, em que tudo começa com nacionalizar. [...] Depois o Brochado da Rocha me deu a palavra. Eu disse: “olha, ministro, eu discordo totalmente disso. Cibilis, 38 As reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária faziam parte das Reformas de Base do Governo Goulart. 16 você me desculpe, mas discordo totalmente. Em primeiro lugar, está colocado numa forma primaria. Este é o meu ramo. O senhor é professor de contabilidade e esta fazendo incursões na área econômica.Esta tudo errado, é primário e não resolve coisíssima nenhuma. Não é este o problema, não é por aí que se pega. Eu acho que deve ser feito o seguinte”, e comecei a falar. Perguntaram: “E o Banco Central, se pode fazer?”. Eu disse: “uma coisa mais simples possível. Com delegações de poderes o senhor faz isso. A reforma, o senhor faz com dez linhas. A delegação de poderes é genérica; o senhor tem que definir”. O Brochado da Rocha exclamou: “mas em dez linhas como? Como? Tem gente que se opõem ao Banco Central. Eu disse: “ É, eu já conheço isso há muitos anos. O senhor não precisa nem usar o termo Banco Central. O senhor faz delegação de poderes ao Executivo para, tendo em vista o decreto- lei que criou a Sumoc como um embrião do Banco Cental, prosseguir no desenvolvimento da estrutura da Sumoc para cumprir seus objetivos e, desde já, transferir a Carteira de Redesconto e o serviço de emissão de papelmoeda, ora na caixa de amortização, assumindo a responsabilidade, e, no tempo que for julgado necessário para a implementação, a custódia das reservas cambiais do país. Ministro, a instrução já esta lá; a autorização, a extinção de cata patente já esta lá. Com isso, depois, é só mudar o nome e chamar de Banco Central. O patrimônio próprio, que esta faltando, fica incorporado ao patrimônio atual da Carteira de Redesconto e da Caixa de Mobilização Bancária. É capaz de não dar 10 linhas”. O Dr. Brochado da Rocha disse: “Olhe, Cibilis o Dr. Casimiro tem razão[...]”. Ele me perguntou: “Mas quando é que o senhor me apresenta o trabalho?”Eu disse: “O senhor me dá uma secretaria, uma datilografa, uma sala e, em meia hora eu lhe dou as dez linhas que o senhor quer”. Eu estava com tudo na cabeça [...] Não foi mudada uma virgula da delegação de poderes para a reforma bancaria redigida por mim [...] Nos artigos que redigi, não mudaram uma virgula. Saiu ipsis litteris no Diario Oficial. O meu texto saiu como lei-delegada. Mas o azar é que saiu o Brochado da Rocha, mudou o parlamentarismo. Essas leis delegadas não saíram, não pegaram. 39 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, M. de P., Crescimento e modernização autoritária: 1930- 1945. In: M. de P. Abreu (org.). A ordem do progresso cem anos de política econômica republicana, 1889- 1989. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BULHÕES, O. G. de. Depoimento, 1989. Rio de Janeiro:Cpdoc/FGV, 1990. RAPOSO, E. 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