Professor Hermano Melo Ciências Humanas e Suas Tecnologias HISTÓRIA nº 9 QUE TRAGÉDIA É ESSA QUE CAI SOBRE NÓS? No início, só existia Olorum. Depois, a paz entre Obatalá e Odudua confirmou a vida! Essa é a crença dos Kétu, dos Sabe, dos Oyó, dos Ebgá. De todos os povos africanos que falam a língua yorubá. O nascimento do mundo é explicado de forma parecida pelos Cabinda, pelos Benguela, pelos Caçanje e Muxicongo. Por todos os povos africanos que falam a língua banto, vindos do Congo e de Angola. Em toda a África existe a crença nos orixás, as entidades que comandam a natureza: eles estão na água do mar ou dos rios, nas pedras e conchas, nas árvores e matas. E acompanham tudo e todos: as pessoas, os bichos, as plantas e as aldeias. “— Axé para todos!” A energia da vida se espalhava por toda a comunidade, no seu culto à natureza, ao trabalho e na lembrança dos antepassados. “— Axé para todos!” Assim ficava mais firme a ligação entre o mundo real e o mundo sobrenatural, entre o corpo e o espírito, entre o masculino e o feminino. Na África havia diversas formas de sociedade. Algumas tribos tinham o seu rei considerado divino: eram os “reinos teocráticos”. Outras tinham uma organização parecida com a dos nativos brasileiros: eram as “comunidades tribais”. Como os nativos da América, os povos africanos às vezes entravam em conflitos: é que na luta pela sobrevivência, nem sempre o “axé” da harmonia era mais forte! Terminada uma guerra, os prisioneiros tinham que trabalhar no lugar dos que haviam morrido em combate. Tornavam-se escravos da comunidade que os capturava. Mas a vida que levavam era parecida com a vida dos homens livres da aldeia: trabalhavam lado a lado com eles, não podiam ser vendidos e sua maneira de ser era respeitada. Ao que tudo indica, a África foi o berço da humanidade. Há quase um milhão de anos o deserto do Saara não existia: ali havia uma grande floresta! E ali surgiram os primeiros grupos humanos. Cientistas descobriram os fósseis num país do lado oriental, banhado pelo Índico, chamado Quênia. Foi essa civilização milenar, com culturas tão diferentes, que sofreu um grande massacre a partir do século XV. Com a chegada dos comerciantes europeus, a África começou a perder aquilo que tinha de mais valioso: sua gente. Até o século passado, entre escravizados e mortos, o continente negro perdeu 10 milhões de pessoas! “Amontoados em porões escuros e abafados, milhares de negros eram forçados a atravessar o oceano, nos navios dos comerciantes.” Eram marcados a ferro no ombro, na coxa ou no peito e algemados até o navio distanciar-se da costa africana. Mal alimentados – arroz, um ou outro legume e farinha –, bebendo água salobra e fechados em porões escuros e sem ventilação, muitos não resistiam à terrível travessia. Por isso os navios negreiros eram também chamados de “tumbeiros”. Os brancos europeus, por seu lado, achavam tudo normal e necessário. Para eles, a África não Ciências Humanas e Suas Tecnologias passava de um “lugar onde eram caçados os homens negros”. Caçados na Guiné, em Angola, no Sudão, em Moçambique, em toda parte, durante mais de três séculos. Uma viagem de Angola a Pernambuco durava cerca de 15 dias. Até o Rio de Janeiro, 50 dias. Mas quando havia calmarias, a travessia podia durar meses. Embarcados à força, os africanos reagiam. Podiam então sentir na carne a violência brutal de seus opressores, como bem demonstra o relato de um tripulante de um navio negreiro: “Amarramos ontem os negros mais culpados, isto é, os autores da revolta, pelos quatro membros e, deitados de bruços em cima da ponte, fizemo-los açoitar. Depois cortamos suas nádegas, para que melhor sentissem suas faltas. Jogamos depois pólvora, suco de limão, salmoura e pimenta nas feridas, junto com outras drogas postas pelo cirurgião, para não dar gangrena.” Isto aconteceu no dia 25 de dezembro de 1738, exatamente no dia de Natal. Assim chegavam os africanos no Brasil: não mais como gente e sim como coisa, como mercadoria. No final do século XVIII, no Brasil, mais da metade da população era de negros escravizados. O caminho percorrido em séculos de exploração e morte não era controlado por Exu e sim pelo deus dos comerciantes brancos, o dinheiro. E Orunmilá, o mensageiro da paz, não tinha parte naquilo: as mulheres separadas do homens, as crianças dos pais, os irmãos das irmãs. Tudo bem distante da harmonia entre Odudua e Obatalá. Agostinho Neto, primeiro presidente de Angola, que se tornou uma república livre em 1975, relembrou em versos esta parte tão importante da história de seu povo: “O oceano separou-me de mim Enquanto me fui esquecendo nos séculos (...) João foi linchado 2 O irmão chicoteado nas costas nuas A mulher amordaçada E o filho continuou ignorante E do drama intenso Duma vida imensa e útil Resultou certeza: As minhas mãos colocaram pedras Nos alicerces do mundo Mereço o meu pedaço de pão”. Chico Alencar, Marcus Venício Ribeiro e Claudius Ceccon. Brasil Vivo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1987, vol. 1, p. 14-15. Exercícios 1. (Ufpe) O tráfico negreiro paralisou o crescimento da população na África. No século XVII, a população africana equivalia à da Europa e representava um quinto da população do globo. No século XX, representava menos da décima terceira parte da população mundial, segundo Maurice Halbwachs. Através do tráfico, o Brasil recebeu grandes contingentes de escravos africanos, que se distribuíram, no território, da seguinte forma: A) na produção do café, em São Paulo, desde o século XVII; a partir do século XVIII, na Bahia e em Pernambuco. B) os maiores contingentes de escravos africanos vieram para as áreas produtoras de açúcar, posteriormente para a região das minas e, só mais tarde, para São Paulo, na produção de café. C) para Minas, logo no início do século XVI; em seguida para o Espírito Santo, Pará e Alagoas, com a produção de açúcar e, por último, para Pernambuco e Bahia. D) na região algodoeira, onde o modo escravista de produção foi dominante e, em seguida, para a região da borracha. E) no Rio de Janeiro, com a vinda da família real e no Rio Grande do Sul, como mão de obra de uma agricultua do tipo familiar. FB NO ENEM Ciências Humanas e Suas Tecnologias 2. (Cesgranrio) Sobre a revitalização de formas compulsórias de trabalho nas áreas coloniais durante a Época Moderna – quando na Europa ocorria um movimento inverso da liberação de mão de obra – podemos afirmar que: I. a adoção do trabalho compulsório de escravos africanos insere-se na lógica do Antigo Sistema Colonial, pois o tráfico negreiro, controlado pela burguesia mercantil metropolitana, era uma atividade altamente lucrativa e contribuía para a acumulação primitiva de capital na metrópole. II. a grande disponibilidade de terras impediu a exploração de trabalhadores livres e assalariados, que poderiam ter acesso à terra e desenvolver uma economia de subsistência, o que seria contrário ao sentido da colonização e à organização de grandes propriedades produtoras de mercadorias para o comércio metropolitano. III. a adoção do trabalho escravo na Colônia se deveu à falta de dinheiro dos grandes proprietários de terra para pagar salários, pois, como vendiam seus produtos a baixos preços aos comerciantes metropolitanos, só podiam utilizar mão de obra que não exigisse nenhum investimento de capitais. Assinale a opção que contém a(s) afirmativa(s) correta(s). A) Apenas I. B) Apenas II. C) Apenas I e II. D) Apenas III. E) I, II e III. 3. “... Não castigar os excessos que eles [os escravos] cometem seria culpa não leve, porém estes [senhores] hão de averiguar antes, para não castigar inocentes, e se hão de ouvir os delatados e, convencidos, castigar-se-ão com açoites moderados ou com os meterem em uma corrente de ferro por mão própria e com instrumentos terríveis e chegar talvez aos pobres com fogo ou lacre ardente, ou marcá-los na cara, não seria para se sofrer entre os bárbaros, muito menos entre os cristãos católicos.” ANTONIL, André João. Cultura e Opulência do Brasil. 1711. Esse texto, escrito por um padre jesuíta em 1711, pode ser relacionado à: A) associação entre a escravidão e a moral cristã. B) condenação dos castigos aplicados aos escravos. C) oposição do clero católico à escravidão. D) regulamentação das relações entre senhores e escravos. E) implementação da Lei de Terras no Brasil. 4. (Uff) Nos últimos anos, estudos acerca da escravidão têm revelado uma sociedade onde os negros, mesmo submetidos a condições sub-humanas, foram sujeitos de sua própria história. Sobre a atitude rebelde dos cativos, assegura-se que: A) tarefas malfeitas e incompletas atestavam a veracidade dos argumentos sobre a ignorância dos escravos, o que impossibilitava a organização de movimentos rebeldes. B) a vigilância e fiscalização do feitor impediam a rebeldia, restringindo as alternativas de contestação à fuga e ao suicídio. FB NO ENEM 3 Ciências Humanas e Suas Tecnologias C) as revoltas raramente ocorriam, pois, considerados mercadorias, os escravos se reconheciam como coisas e não como humanos. D) a rebeldia negra apoiou-se, sobretudo, na manutenção, por parte dos cativos, de seus valores culturais. E) o levante dos malês, em 1835, tinha forte conteúdo étnico, o que explica a excepcionalidade desse motim ocorrido na Bahia. Anotações 5. Neste ano de 2012, comemoram-se os 316 anos da morte de Zumbi, o líder maior do Quilombo de Palmares. Segundo as historiadoras Elza Nadai e Joana Neves, “o século XVI foi marcado por uma guerra sem tréguas aos quilombos de Palmares”. Sobre a resistência negra à escravidão no Brasil, é correto afirmar que: A) a única vez em que os negros escravos se insurgiram contra a escravidão foi sob a liderança de Zumbi, que organizou a comunidade de Palmares. B) além das revoltas e dos quilombos, os escravos cometiam assassinatos, crimes, suicídios, mutilações e outras formas de resistir à condição de escravo. C) os quilombos, centros de resistência negra que se constituíam nos matos e nas florestas, não matinham qualquer contato com as populações das vilas e reproduziam fielmente a estrutura social das tribos da África. D) com exceção do quilombo de Palmares, a única forma de resistência encontrada pelos escravos foi o sincretismo religioso, em que conseguiam praticar sua religião ancestral. E) os quilombos ficavam em áreas urbanas, mantendo uma estrutura baseada no Plantation. FB no Enem – Nº 8 – Professor Fábio Coelho 1 2 3 4 5 D A C A E 57213/12 | 02/03/2012 / Dig.: Tarqui – Rev.: TSS 4 FB NO ENEM