24 de Março de 2011
Direito & Justiça
Prisão especial ameaçada
LEGISLATIVO – Votação de projeto de lei que acaba com benefício para portadores de diplomas de nível
superior fica para semana que vem. Deutados não chegaram a acordo sobre proposta, que também cria
alternativas à prisão preventiva
Devido à falta de acordo entre os líderes partidários sobre os temas tratados no Projeto de Lei 4208/01,
a votação do projeto na Câmara dos Deputados, prevista para ontem, foi adiada. A proposta acaba com
a prisão especial para portadores de diplomas de nível superior, aumenta o teto da fiança penal e cria
alternativas à prisão preventiva. Depois de os deputados discutirem a matéria na tarde de ontem e não
chegarem a um acordo, o presidente da Câmara, Marco Maia, retirou o projeto de ofício da pauta e
transferiu sua votação para a próxima quarta-feira.
Os deputados precisam analisar o substitutivo do Senado para o texto, de autoria do Executivo. O texto
original foi preparado por uma comissão de juristas presidida pela professora da Universidade de São
Paulo (USP) Ada Pellegrini Grinover. O assunto que causou mais polêmica entre os parlamentares foi o
fim da prisão especial vinculada ao cargo, profissão ou nível de escolaridade. A proposta extingue o
benefício automático e determina que o juiz só pode conceder a regalia para garantir a integridade do
preso, em decisão fundamentada. Também revoga leis específicas que tratem de prisão especial para
algumas categorias.
Pelo projeto, vão perder o direito automático à prisão especial ministros, governadores, secretários
estaduais e prefeitos; parlamentares, deputados estaduais e distritais, e vereadores; cidadãos inscritos
no Livro de Mérito; oficiais das Forças Armadas e os militares dos estados, do Distrito Federal e dos
territórios; magistrados e ministros do Tribunal de Contas; integrantes do Ministério Público; quem tem
diploma de nível superior; ministros de confissão religiosa; cidadãos que já tiverem exercido
efetivamente a função de jurado; delegados de polícia e guardas-civis dos estados e territórios, ativos e
inativos; dirigentes sindicais e empregados no exercício de representação profissional ou no cargo de
administração sindical; pilotos de aeronaves mercantes; oficiais da marinha mercante; vigilantes de
estabelecimentos financeiros ou transporte de valores, por ato no exercício da função; professores do
ensino de 1º e 2º graus; integrantes de conselho tutelar e advogados.
DISCUSSÃO. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) apresentou pedido para que o dispositivo que altera as
regras da prisão especial seja retirado do texto. “Essa alteração foi colocada no texto pelo Senado e
merece uma discussão mais aprofundada”, defendeu. “Se o texto se limitasse a revogar a prisão
especial, tudo bem, mas a proposta permite que o juiz, a seu critério, conceda prisão especial e revogue
a prisão para determinadas profissões”, disse.
O deputado João Campos (PSDB-GO) defendeu a medida.“Hoje a prisão especial decorre do título, mas a
proposta define que seja em função do risco da pessoa. Alcança tanto autoridades quanto o cidadão
comum”, disse. Pelo PR, o deputado Lincoln Portela (MG), líder do partido, também sugeriu o
adiamento da votação da matéria.
Pela liderança do PMDB, o deputado Mendes Ribeiro Filho (RS), vice-líder do partido, anunciou que seu
partido tinha dificuldades em votar o projeto nesta semana. Ele não aceitou proposta do líder do PT,
deputado Paulo Teixeira (SP), de votar apenas os pontos de consenso. “Não há como eu explicar ao
cidadão que meu partido votou apenas essas partes e deixou a prisão especial de fora”, disse Mendes
Ribeiro. A ideia do líder petista era votar as mudanças nas medidas cautelares e deixar a prisão especial
para ser discutida posteriormente.
O PL 4208/01 cria nove medidas cautelares que poderão substituir a prisão preventiva. Atualmente,
para garantir a ordem pública ou o andamento processual, o juiz recorre à prisão do acusado. Se
aprovado o projeto, o magistrado poderá colocar o acusado sob monitoramento eletrônico, limitar a sua
comunicação com determinadas pessoas-chave da investigação e impedi-lo de frequentar determinados
lugares, entre outras medidas cautelares.A restrição à liberdade do acusado passará a ser a exceção,
cabível apenas quando nenhuma outra cautelar for eficaz ou em casos graves.
RIGIDEZ. Ao mesmo tempo em que cria novos mecanismos, a proposta impõe regras mais rígidas para a
prisão preventiva.Atualmente, ela pode ser decretada nos casos de crimes dolosos punidos com
reclusão. Pela proposta, passará a ser restrita aos crimes mais graves, que tenham pena máxima
superior a quatro anos de privação de liberdade, ou se houver reincidência.
Ao criar alternativas à prisão preventiva, o Projeto de Lei 4208/01, se aprovado, levará à diminuição no
número de presos provisórios, que já somam 44% da população carcerária. A avaliação é do secretário
de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, e da juíza criminal Renata Gil, vicepresidente da Secretaria de Direitos Humanos da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). “A
proposta vai ao encontro do princípio de não culpabilidade e da necessidade de esvaziamento de um
sistema carcerário sobrecarregado. Há uma mudança de paradigma, em que a prisão se torna uma
medida extrema adotada apenas para aqueles casos que exijam o isolamento do indivíduo”, analisou a
juíza Renata Gil.
No entanto, a proposta é contestada pelo advogado Jacinto Nelson de Miranda Coutinho, que participou
da Comissão de Juristas responsável pela elaboração da proposta do novo Código de Processo Penal (PL
8045/10, do Senado). Ele avalia que seria mais eficaz o esforço conjunto pela aprovação do novo código,
em vez de se investir em reformas pontuais que são “paliativas”.
O advogado e professor Mauro César Bullara Arjona, responsável pela área criminal do escritório
Salusse Marangoni Advogados, considera bem-vinda a criação de novas medidas cautelares.
“Aumenta o leque de possibilidades do juiz ao decretálas, uma vez que a prisão pura e simples nem
sempre é eficaz. Medidas como a proibição de frequentar determinados lugares podem ser mais úteis,
por exemplo, em delitos de menor gravidade, em que a prisão cautelar seria rigorosa demais.
Contudo, reformas pontuais são como colchas de retalhos. Não resolvem o problema, apenas algumas
de suas consequencias. Só a reforma integral do Código de Processo Penal, amplamente discutida com
os juristas, especialistas da área, é que poderá melhorar a eficácia do Judiciário e dos processos sem
ferirmos os direitos fundamentais garantidos na Constituição”, comenta.
Arjona também apoia o fim da prisão especial, lembrando que ela, desde a Carta de 88, é considerada
inconstitucional. O Projeto de Lei 4208/01, do Executivo, foi elaborado por uma comissão de juristas em
2001 e encaminhado ao Congresso com outras propostas, que fizeram parte de um pacote de reforma
do Código de Processo Penal. A norma foi incluída no 2º Pacto Republicano, assinado entre os Três
Poderes, que destacou as prioridades legislativas com vistas a tornar a Justiça mais célere.
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Prisão especial ameaçada - Salusse Marangoni Advogados