REPÚBLICA DE ANGOLA TRIBUNAL SUPREMO 1ª SECCÃO DA CÂMARA CRIMINAL PROC: 537 RÉU: AFONSO MAHENDA MATIAS ALBANO EVARISTO BINGO, E OUTROS ACÓRDÃO Acordam os Juízes da Câmara criminal do Tribunal Supremo: I.Relatório. Em requerimento de habeas corpus, subscrito pelo respectivo mandatário,os arguidos AFONSO MAHENDA MATIAS, ALBANO EVARISTO BINGO,DOMINGOS JOSÉ DA CRUZ, HENRIQUE LUATI BEIRÃO DA SILVA, HITLER JESSY CHIVONDE, JOSÉ GOMES HAT A, MANUEL BAPTISTA CHIN DE NITO ALVES, NELSON DIBANGO MENDES DOS SANTOS, OSVALDO SÉRGIO CORREIA CAHOLO e SED RICK DE CARVALHO, vêm solicitar, que seja declarada ilegal a sua prisão, por força do art.º 68º da Constituição da República de Angola e 365.º $ único, al.b), do C. P. Penal, ordenando-se a sua libertação imediata. Para tanto apresentaram as respectivas alegações e concluíram do modo que se transcreve: “1. O magistrado do M.ºP.ºdecidiu mal ao não conceder a liberdade provisória aos Arguidos,mediante termo de identidade e residência, pois a lei não autoriza a prisão (vide, a contrario sensu, os n.º 2 e 3 da lei da Prisão Preventiva); 2. O Magistrado do M.º P.º com o Despacho exarado fez tábua rasa às liberdades de expressão e informação (art.º 40.°) e de reunião e de manifestação (art.º 47º), consagradas e garantidas pela Constituição da República de Angola, limitando Inconstitucionalmente o exercício dos direitos, liberdade e garantia dos arguidos (art.º 58.° da CRA); 3. O Magistrado do M.º P.º ao limitar inconstitucionalmente o exercício dos direitos, liberdades e garantias e ao ordenar a prisão preventiva não autorizada por lei, agindo por mera prepotência, violou de forma gratuita, ostensiva e flagrante o direito à liberdade física e à segurança pessoal dos arguidos, igualmente consagradas na Constituição da República de Angola; 4. O Magistrado do M.º P.º com o Despacho exarado violou o art.º 10.º, n.º 3, alínea c) da lei n.º 18-A/95,de 17 de Julho, pelo facto de, devendo, não o ter fundamentado com factos objectivos que justificassem o seu receio de conceder a liberdade provisória aos Arguidos; 5. O Magistrado do M.º P.º com o seu Despacho exarado violou o princípio da presunção da inocência previsto no art. 67.°, n.º 2 da Constituição da República de Angola. 6. O magistrado do M.º P.º fazendo uma leitura inconstitucional dos arts. 40.°, 47.º da CRA e dos arts. 19.° e 20.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem e agindo do modo como o fez, actuou contra legem (abuso de autoridade)”. Os autos foram com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público que emitiu o parecer constante de folhas 30 e 31, no qual se pronuncia pela manutenção da prisão preventiva porquanto os arguidos estão indiciados pela prática de um crime que admite esta medida de coacçãoe ainda não foi ultrapassado qualquer prazo de prisão preventiva. 2. Conhecendo: Nos termos do artigo 68º da C.R.A: “1.Todos têm o direito à providência de habeas corpus contra o abuso de poder, em virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal competente …” A este respeito, considerando a similitude dos sistemas jurídicos e da Constituição, Gomes Canotilho, jVital Moreira referem "Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmenteprevista para a defesa dos direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito à liberdade” constituindo uma “garantia privilegiada” daquele direito (d. Constituição da República Portuguesa - Anotada, vol. I, Coimbra:Coimbra Editora, 20074, anotação ao art.º31º/ I, p. 508). Vemos assim que a nossa Constituição densifica o princípio fundamental de um sistema penal democrático, assente em princípios humanistas e ressocializadores da pena, e as medidas não detentivas da liberdade, seja em sede de medida de coacção, seja como pena de prisão tout court, é entendida como ultima ratio. Ou seja, só se justifica a aplicação da prisão preventiva nos casos especialmente previstos eem que estejam verificados qualquer dos seus fundamentos e a aplicação de uma pena de prisão se não houver alternativas face às necessidades de prevenção e reprovação. E, é neste sentido que este Tribunal Supremo olha para o sistema penal em vigor, tentando proceder a uma interpretação actaulista de legislação contrária a esta Lei fundamental, para assim garantir o respeito escrupuloso pelos princípios que dela emanam. Importante também, o artigo 315.º do c.P.P. onde se pode ler: “Pode usar-se da providência extraordinária do habeas corpus nos termos dos artigos seguintes, a favor de qualquer indivíduo que se encontre ilegalmente detido e ao qual não seja aplicado o art.º 312.º, por não ser da competência dos tribunais de comarca conhecer dos motivos da detenção, ou por haver sido ordenada por autoridade cuja competência territorial exceda a área da comarca ou por ter sido efectuada e mantida por ordem de autoridade judicial insuscetível de recurso. $ Único - Só pode haver lugar à providência referida neste artigo quando se trate de prisão efectiva e actual, ferida de ilegalidade porqualquer dos seguintes motivos: a) Ter sido efectuada ou ordenada por quem para tanto não tenha competência legal; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei não autoriza a prisão; c) Manter-se além dos prazos legais para a apresentação em juízo epara formação da culpa; d) Prolongar-se para além do tempo fixado por decisão judicial paraa duração da pena ou medida de segurança ou da suaprorrogação” Cabe assim, a este tribunal averiguar se existe uma ilegalidade clara na manutenção da prisão, dado que esta providência deve ser utilizada para "reagir a situações de excepcional gravidade”. Com efeito, o habeas corpus, tal como vem configurado no Código de Processo Penal, é uma providência extraordinária destinada a assegurar de forma especial o direito à liberdade constitucionalmente garantido, que tem carácter excepcional e usado apenas e exclusivamente para Obstar casos de detenção ou de prisão ilegais. Nessa medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões, que têm outros mecanismos de sindicância, sendo que os fundamentos, que sereconduzem todos à ilegalidade da prisão, actual à data da apreciação do respectivo pedido, designadamente: incompetência da entidade donde partiu a prisão; motivação imprópria; excesso de prazos. Quanto ao primeiro dos fundamentos, a incompetência da entidade quedeterminou a prisão destes arguidos, no caso, o Ministério Público, nostermos da Lei da prisão preventiva, n.º 18- A/92 de 17 de Julho, resulta inequívoco que o Ministério Público tem competência para aplicar esta medida de coacção, apesar de restringir um direito fundamental. Assim, não vemos que neste aspecto o pedido possa ser deferido, pelo menos, através deste pedido de habeas corpus que não é, nem pode ser,de acordo com a lei processual o meio adequado para vir impugnar dessa legitimidade. Outro dos fundamentos - A motivação imprópria - respeita aos factos subsumíveis a crimes que a Lei não admite prisão. Embora a clareza das alegações não ser a que se impõe, a pretensão formulada pelo requerente nestes autos pressupõe, a fim, o deferimento da sua pretensão, com base neste fundamento. Para tanto, alegam que os factos praticados pelos arguidos nãoconstituem crime porque o art.º 47.º da C.R.A. garante a todos os cidadãos a liberdade de reunião e de manifestações pacíficas e sem armas, sem necessidade de qualquer autorização nos termos da lei. Assim, concluem, os arguidos estavam no exercício legítimo de um direito, não lhes podendo ser imputada a prática de qualquer crime tendo o Ministério Público actuado com violação do principio da inocência e contra legem. Porém, salvo o devido respeito, quando a lei fala em motivação imprópria, quer apenas referir-se aos casos em que os hipotéticos crimes não admitem prisão, e também, por maioria de razão quando os factos não subsumem qualquer tipo legal de crime. Mas, nesta última hipótese, a ausência de conduta tipificada como crime tem de ser notória e evidente, à luz de um homem médio. Ora, os factos carreados para os autos pelos próprios arguidos, não permitem afirmar com a invocada evidência que o descrito comportamento não pode, pela sua natureza, integrar qualquer tipo legal, porque inexistente. O crime existe - a conduta dos arguidos pode ou não vir a ser punida. Estamos numa fase processual que precede a acusação e o titular da acção penal considerou haver indícios da prática de um crime de rebelião e atentado contra o Presidente da República, previstos e punidos pelos artigos 21º, nº1, 23º nº1, com referencia ao artº 28º todos da Lei 23/10 de 3 de Dezembro. Este ilícito comporta a possibilidade de ser aplicada a medida de prisão preventiva e, não podemos fazer afirmações gratuitas como seja, a de que o Ministério Público violou o principio da presunção da inocência, na medida em que todos devemos respeito à lei. Numa outra fase processual, como sejam, a instrução contraditória, se realizada, o despacho de pronúncia ou mesmo a audiência, discussão e julgamento, poder-sea concluir, como referimos supra e sublinhamos, de modo diferente. Porém, este não é o momento próprio para decidir dessa questão defundo, nem sequer, o pedido de habeas corpus é o meio próprio para o fazer. Os fundamentos são apenas os previstos no mencionado art.º 375º do C.P.P. e que se prendem sobretudo com a ilegalidade da prisão na perspectiva da protecção do direito à liberdade, constitucionalmente garantido, uma providência a decretar apenas nos casos de atentado ilegítimo à liberdade individual grave e rapidamente verificável que integrem as hipóteses de causas de ilegalidade da detenção ou da prisão, taxativamente indicadas nas disposições legais que sustentam o dispositivo constitucional. Entendemos pelas razões amplamente expostas que os arguidos fizeram uso deste mecanismo excepcional, mais no sentido( mas errado), de conseguirem uma absolvição que consideramos de prematura, porque impossível nesta fase processual, face aos normativos que regulam a tramitação processual na lei ordinária. E tanto assim é, que não invocam factos que possam integrar qualquer dos fundamentos que reclamam o habeas corpus, mas apenas, trazem à colação factos que podem e devem sustentar um pedido de instruçãocontraditória, ou a contestação em sede de julgamento. De igual modo, nas alegações desta providência os requerentes vêm invocar a falta de sustentação do perigo de perturbação da ordempública sustentada pelo M.P. para fundamentar a aplicação de medidade coacção tão severa. Ou seja, é manifesto que os recorrentes consideram que não se verificam os pressupostos que justificam, em casos excepcionais, a aplicação da prisão preventiva. Porém, também aqui incorrem num equivoco, porquanto, nem o habeas corpus é o mecanismo próprio para o fazer, nem dos despachos do Ministério Público cabe recurso, mas apenas reclamação hierárquica, que o mesmo é dizer, uma vez que a aplicação desta e de outras medidas de coacção são da competência do Ministério Público, do despacho que a determiná, não cabe recurso. Nessa conformidade, restaria aos requerentes, se discordantes quanto aos fundamentos que determinaram a prisão preventiva, apresentarem a referida reclamação, ou o uso de outro tipo de recurso. Este Tribunal Supremo, apesar de se pautar pelo escrupuloso respeito pelos Direitos fundamentals, deve obediência à Lei e à Constituição e, não pode aforar competências que lhe estão vedadas. Finalmente, apesar de não ter sido alegado o excesso de prisão preventiva, mas por ser de conhecimento oficioso, diremos ainda que também se não verifica, uma vez que os arguidos foram detidos no dia 23 de Junho do ano em curso e ainda não se mostram ultrapassados os 90 dias, prazo estipulado na al.c), do art.º 25.º da mencionada lei da prisão preventiva. 3. Decisão. Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal Supremo em : indeferir o pedido de Habeas Corpus formulado pelos arguidos. Notifique. Luanda 10 de Setembro de 2015 José Martinho Nunes Simão de Sousa Victor Joel Leaonardo