_______________________________________________ Por que não realizar exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca? 1 POR QUE NÃO REALIZAR EXERCÍCIOS RESISTIDOS EM PORTADORES DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA? Vitor Oliveira Carvalho1 Resumo: A insuficiência cardíaca é a via final comum de toda cardiopatia. Esta síndrome cursa com uma limitação funcional importante implicando em alta morbidade e mortalidade. Além do tratamento medicamentoso, a atividade física é parte obrigatória da terapêutica não-medicamentosa. Classicamente a realização dos exercícios é de forma aeróbia, porém os resistidos vêm tendo um papel importante no tratamento desta síndrome na medida que melhora a força, trofismo muscular, diminui risco de quedas na população mais idosa além de se mostrarem mais seguros. A prática deste tipo de exercício vem crescendo ao longo da publicação de novos trabalhos mais bem desenhados. A intenção deste artigo é comentar as alterações funcionais e os benefícios dos exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca. Palavras-chave: Insuficiência cardíaca, exercícios resistidos, reabilitação. Abstract: Heart failure is the common final way of all cardiopathy. This syndrome attends a course with an important functional limitation implying in high morbidade and mortality. Beyond the drug treatment, the physical activity plays an important hole in alternative care. Usually, the accomplishment of the exercises is of aerobic form, however the resisted ones is having an important place in the treatment of this syndrome by improving the force, muscles diameter, decreasing risk of falls in the oldest, beyond its safety. This exercise methodology is growing each day through welldrawn studies published. The aim of this article is to comment the functional alterations and the benefits of the resisted exercises in heart failure patients. Keywords: Heart failure, resistive exercises, rehabilitation. 1 Introdução A diminuição da capacidade física em pacientes com insuficiência cardíaca está primariamente relacionada à diminuição do débito cardíaco com conseqüente diminuição da oferta de oxigênio aos músculos, e freqüentemente apresentam sintomas de dispnéia e fadiga aos esforços. No entanto, estudos prévios demonstraram que não há correlação direta da capacidade de esforço Fisioterapeuta. Doutorando em Cardiologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP. E-mail: [email protected] _____________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Ano IV, n. 8, jun. 2006. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/revistafsa 1 _______________________________________________ Por que não realizar exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca? 2 com as variáveis hemodinâmicas de repouso e com o grau de disfunção do ventrículo esquerdo. (ANKER et al.,1997) A atividade física faz parte do tratamento desta síndrome. Apesar dos exercícios resistidos terem sido por muito tempo contestados, hoje é parte integrante de um programa de reabilitação cardiovascular. Discutiremos neste artigo as alterações funcionais e os benefícios dos exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca. 2 Desenvolvimento Na insuficiência cardíaca, a diminuição do débito cardíaco provoca uma redistribuição do fluxo sangüíneo mediada pelo sistema nervoso simpático e pela regulação vasomotora local, dependente de fatores químicos e metabólicos, com conseqüente vasoconstrição das arteríolas dos leitos muscular, esplâncnico e da pele, para que se mantenham as pressões nos leitos centrais. Essa diminuição do fluxo sangüíneo faz com que os músculos extraiam mais oxigênio e utilizem o metabolismo anaeróbio em maior proporção que o normal, em especial durante o exercício, atingindo rapidamente o limite de extração de O2 e limitando a tolerância ao esforço. Desta forma, nos pacientes com insuficiência cardíaca, o metabolismo anaeróbio inicia-se mais precocemente no exercício, com rápida depleção dos fosfatos de alta energia e acidose láctica precoce. (ANKER et al.,1997) Este mecanismo é o que provavelmente induz às modificações já conhecidas na distribuição das fibras musculares na insuficiência cardíaca, com aumento de fibras do tipo IIb, de contração rápida (que dependem mais do metabolismo anaeróbio), e diminuição das fibras do tipo I, de contração lenta (que contêm alta concentração de enzimas oxidativas mitocondriais). (DELAGAGARDELLE et al., 2005) O condicionamento físico reverteria parcialmente este processo, levando a aumento da capacidade oxidativa e mudança da estrutura da mitocôndria na musculatura esquelética. Estudo com biópsia do músculo vasto-lateral mostrou aumento da atividade da enzima succino-desidrogenase após período de treinamento (DREXLER et al.,1992) e em outro estudo aumento da atividade da citocromo c oxidase. (DUBACH et al.,1997) Uma variedade de alterações vasculares, neuro-hormonais e músculo-esqueléticas também contribuem para a menor tolerância ao exercício físico neste grupo de pacientes. (GIANNUZZI et al, 1993, 1997; ACSM, 1994) Entre estas alterações estão incluídas: hiperatividade do sistema nervoso simpático; alteração da função endotelial; diminuição da perfusão muscular; redução do conteúdo de enzimas oxidativas musculares; acidose metabólica precoce; modificação muscular estrutural e _____________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Ano IV, n. 8, jun. 2006. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/revistafsa _______________________________________________ Por que não realizar exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca? 3 funcional; e diminuição da complacência pulmonar. (GIANNUZZI et al, 1993, 1997; ACSM, 1994; FERRARI et al, 1998; FERRAZ, 2002) Em estudos sobre caquexia cardíaca, demonstrou-se que há em todos os pacientes portadores de insuficiência cardíaca uma hiperatividade do sistema neuro-hormonal, com aumento de adrenalina, nor-adrenalina, citocinas (fator de necrose tumoral e interleucinas), hormônio de crescimento e desequilíbrio da relação entre esteróides (cortisol, hormônio de ação catabólica e dehidroepiandrosterona de ação anabólica). Nos pacientes que desenvolvem caquexia cardíaca o aumento destas substâncias parece ser mais significativo que naqueles sem caquexia. Já as substâncias relacionadas à atividade anabólica, como a insulina, encontram-se aumentadas apenas naqueles pacientes com insuficiência cardíaca sem caquexia, e a dehidroepiandrosterona se encontra reduzida em pacientes com caquexia. (HAMBRECHT et al, 1997) Este desequilíbrio entre anabolismo/catabolismo é o que levaria à perda progressiva de massa muscular e gorduras, levando a atrofia da musculatura esquelética, assim como a aumento da taxa metabólica basal. O exercício físico tem sido indicado em algumas estratégias recentes de redução de custos com internações hospitalares para o tratamento da insuficiência cardíaca. (HAMMOND et al, 2000) Além de serem seguros, (HARRINGTON et al, 1997; HAMMOND et al, 2001) melhoraram a qualidade e sobrevida de portadores de insuficiência cardíaca. (KONSTAN et al, 1994; HULSMANN et al, 2004) O exercício resistido, contra resistência, de força ou mais popularmente conhecido como musculação sempre foi um mito quando se refere a pacientes depletados muscular e funcionalmente como na insuficiência cardíaca. Tem-se a idéia de que haveria uma sobrecarga cardíaca grande e conseqüentes malefícios ao coração. Hoje sabemos que os exercícios resistidos possuem um papel fundamental no programa de atividade física por aumentar a força e massa muscular. Tratando-se da população idosa, este papel é muito mais evidente na prevenção de quedas e melhora funcional. Para se trabalhar com populações especiais, deve-se adotar uma metodologia diferente às utilizadas na prática esportiva. Os portadores de insuficiência cardíaca devem-se realizar exercícios submáximos sempre. Para garantir o caráter submáximo guiamos os pesos pela escala de Borg e observando algumas variáveis clínicas. A prática deste tipo de exercício mostra-se mais segura do que os tradicionais exercícios aeróbios por impor uma sobrecarga cardiovascular muito menor. Em pacientes monitorizados com freqüencímetro, é nítido o pequeno aumento da freqüência cardíaca. No nosso serviço, usamos 3 séries de exercícios de 12, 10 e 8 repetições, com intensidade fácil, _____________________________________________________________________________________________ Diálogos & Ciência –- Revista Eletrônica da Faculdade de Tecnologia e Ciências. Ano IV, n. 8, jun. 2006. ISSN 1678-0493 http://www.ftc.br/revistafsa _______________________________________________ Por que não realizar exercícios resistidos em portadores de insuficiência cardíaca? 4 relativamente fácil e ligeiramente cansativo, respectivamente. (ACSM, 2002; SMART & Marwick, 2004) Deve-se observar para que o paciente não realize apnéia, sinal de esforço próximo do máximo, e que tenha a sensação no final de cada série de que poderia continuá-la de forma confortável. Entre as séries usamos de 1 a 2 minutos de descanso e evitamos a realização dos exercícios na posição supina por aumentar muito o retorno venoso. (ZANNAD; CHATI, 1994) A prática dos exercícios resistidos é fundamental e altamente recomendada junto à prática de exercícios aeróbios em um programa de reabilitação cardiovascular. Apesar disto, ainda necessitamos de uma quantidade maior de trabalhos científicos para melhor sedimentar esta metodologia de atividade física. Referências: ANKER SD, CHUA TP, PONIKOWSKI P et al. Hormonal changes and catabolic/anabolic imbalance in chronic heart failure and their importance for cardiac cachexia. Circulation, 96:526-34, 1997. DELAGAGARDELLE C, FEIEREISEN P. Strenght training for patients with chronic heart failure. EUR MED PHYS 2005;41:57-65. DREXLER H, RIEDE U, MÛNZEL T et al. Alterations of skeletal muscle in chronic Heart failure. Circulation, 85L1751-9, 1992. DUBACH P, MEYERS J, DZIEKAN G, GOEBBELS U, REINHART W, VOGT P, RATTI R, MULLER P, MIETTUNEN R, BUSER P. Circulation, 95:2060-2067, 1997. Exercise for patients with coronary artery disease. 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