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Artigo: ‘A escravidão
permanecerá por
muito tempo como a
característica nacional
do Brasil’
Combater o trabalho escravo é criar um ambiente de
justiça social, onde todos tenham as mesmas
oportunidades
POR WAGNER MOURA
02/11/2015 6:00

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
Essa é a frase mais célebre do livro “Minha formação”, do
abolicionista brasileiro Joaquim Nabuco. Esse livro foi escrito no final
do século XIX, portanto pouco mais de uma década depois de abolida
a escravidão no Brasil. Em 1888, o Brasil foi o último país ocidental a
livrar­se oficialmente do trabalho forçado. A escravidão tornou­se
mesmo parte fundamental da alma do nosso país. Creio que mesmo
Nabuco, que se antecipou a Gilberto Freire nas reflexões sobre a
influência do trabalho escravo na cultura brasileira, talvez não
supusesse que no ano de 2015 suas palavras ainda fariam tanto
sentido.
A população negra brasileira ainda é a grande maioria nos bolsões de
pobreza e a sofrer violência policial. Recentemente, a Secretaria de
Segurança Pública do Rio de Janeiro resolveu impedir que ônibus
vindos das periferias da cidade chegassem às praias dos bairros
nobres, sob pretexto de evitar assaltos. Jovens negros eram, sem
qualquer justificativa, retirados dos ônibus. Ainda seguimos com
plantas de apartamentos com “quartos de empregada”, quartinhos
escuros e sem janelas perto da cozinha. As empregadas domésticas
brasileiras, em sua grande maioria mulheres negras, somente há
alguns anos foram incorporadas ao mundo das leis trabalhistas.
Muitas delas ainda moram nas casas de seus patrões, trabalhando da
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hora que acordam até a hora de dormir. A quantidade de pessoas
negras nas universidades é consideravelmente inferior à de brancos.
Homens e mulheres negras ganham salários menores do que os
brancos. As políticas afirmativas enfrentam grande resistência no
meio político e entre a classe alta brasileira, também em sua grande
maioria formados por brancos. A maior parte dos pobres de nosso
país tem a pele escura. Ou seja, a escravidão dos séculos XVIII e XIX
está evidentemente refletida na pobreza de afro­descendentes no
século XXI.
Mas essa é uma via de mão dupla, porque a pobreza é hoje a maior
responsável pela escravidão contemporânea. E, claro, a maioria dos
escravos contemporâneos no Brasil é formada por negros e mulatos.
Embora o país tenha avançado muito nos últimos anos no campo
social, continuamos com altos índices de pobreza e, especialmente, de
desigualdade. Para mim, não faz nenhum sentido ser a oitava
economia do mundo e septuagésimo nono em Índice de
Desenvolvimento Humano. Pobreza, sem dúvida, leva as pessoas a
uma situação de vulnerabilidade em relação ao trabalho escravo
contemporâneo. Ninguém se submete a uma condição degradante de
trabalho se tiver uma outra opção.
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Combater o trabalho escravo é, então, combater a pobreza e criar um
ambiente de justiça social, onde todos tenham as mesmas
oportunidades e erros históricos possam ser corrigidos. Claro que
combater a pobreza no mundo é uma tarefa complexa, que envolve
uma mudança gigante na ordem mundial. Mas enquanto a vacina
contra a pobreza e a desigualdade não fica pronta, existem muitos
remédios capazes de erradicar o trabalho escravo contemporâneo, seu
efeito colateral. São vários: fiscalização, responsabilidade social por
parte dos patrões, leis trabalhistas eficientes, punição exemplar aos
infratores, amparo às vítimas, entre outros. Na minha opinião, porém,
nenhum remédio é mais poderoso do que a informação. Porque é a
informação que vai fazer com que alguém deixe de achar normal haver
pessoas trabalhando em condições degradantes. Muitos trabalhadores
sequer sabem que são vítimas dessa prática. Muita gente de bem no
mundo inteiro sequer acredita que a escravidão ainda exista, pois
associa­a, com alguma razão, aos navios negreiros de um passado
distante.
Quando eu disse, com pesar, que a escravidão faz parte da cultura
brasileira, também posso dizer, com orgulho, que o Brasil é um dos
países líderes no combate a essa prática nefasta. Uma das ferramentas
mais importantes na luta contra a escravidão é a divulgação de uma
lista com os nomes de pessoas físicas e jurídicas que foram apanhadas
fazendo uso desse tipo degradante de mão de obra, a “lista suja do
trabalho escravo”, como é chamada. No entanto, esse extraordinário
instrumento, infelizmente, foi, há pouco tempo, suspenso pelo
Supremo Tribunal Federal brasileiro, que, por sua vez, respondeu a
pressões das forças interessadas na não divulgação da lista. Ninguém
vai a público dizer que é a favor do trabalho escravo, mas é
impressionante o lobby que existe a favor de sua manutenção. Vinte e
um milhões de pessoas são vítimas dessa prática no mundo, gerando
uma receita ilegal de US$ 150 bilhões por ano. A quem interessa a
suspensão da lista suja? A quem tem medo de ver seu nome publicado
nela, claro.
A definição brasileira de trabalho escravo é a mais avançada
do mundo! Aqui, qualquer pessoa que trabalhe em condição
degradante, em jornada exaustiva ou que trabalhe por dívida é
considerada vítima do trabalho escravo. Já há uma pressão forte no
Congresso (talvez o mais reacionário e conservador da História deste
país), por parte desses interesses organizados, para que a definição
brasileira seja mudada e para que seja considerado escravo apenas o
sujeito proibido, por força, de deixar seu local de trabalho. Se, de fato,
conseguirem mudá­la, estaremos dando mais um passo gigante para
trás, como fizemos com a aprovação do novo código florestal e com a
redução da maioridade penal. A quem interessa mudar a definição de
trabalho escravo brasileira que tanto gera elogios no mundo inteiro?
Aos que submetem os trabalhadores às condições compreendidas
nela, isso também está claro.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) está lançando uma
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campanha mundial chamada 50 for Freedom, que espera que, até
2018, líderes de 50 países ratifiquem seu novo protocolo, muito
específico na condenação à prática do trabalho forçado. Parece fácil,
mas não é. Até agora, só o Níger assinou. Que exemplo bonito seria se
o Brasil fosse o segundo país a fazê­lo! Encontrei a presidente Dilma
em Bogotá e obtive dela a garantia de que o Executivo fará a proposta
chegar ao Congresso o mais rápido possível e de que ela vetará
qualquer tentativa de mudança na definição brasileira de trabalho
análogo ao escravo. Serão ações como ratificar essa carta que farão o
Brasil seguir sua vocação progressista e se tornar exemplo no que se
refere à igualdade dos direitos civis, direitos humanos e
sustentabilidade. Esse, no final das contas, é o caminho que importa.
E livremos os brasileiros das próximas gerações da profecia de
Joaquim Nabuco.
*Wagner Moura é ator
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