VAMOS FALAR DE SAÚDE MENTAL? NOTÍCIAS DO 7º ENCONTRO EM 12/05/2012 DENISE CARDOSO CARDELLINI1 A organização do 7º encontro de Saúde Mental no Sedes ocorreu ainda afetada pelos acontecimentos nas ruas de São Paulo, no começo do ano. O recrudescimento na política anti-drogas, parte visível do emaranharado complexo de forças, deixava de lado outros aspectos sociais e culturais envolvidos, reduzindo as ações à dispersão dos usuários pela cidade. A mídia ressaltava, como resultados, algumas internações, mas a política adotada está longe de resolver as questões cruciais, que continuam presentes. O que vemos em jogo são as estratégias que o coletivo de Saúde Mental, nos encontros anteriores, já evidenciava e discutia. Iniciamos o encontro (12/05) com a apresentação do vídeo Projeto Nova Luz (http:// vimeo.com /32848727) realizado pelo Museo de los Desplazados/ Left Hand Rotation. Um vídeo impactante, que nos mostra o que está além do crack : as disputas políticas e o processo de gentrificação (intervenção urbana em que a especulação imobiliária retira os moradores de baixa renda para dar lugar a investimentos voltados para projetos socialmente excludentes). A partir da provocação do vídeo, abrimos para pensar e discutir a continuidade deste espaço de debate, resgatando caminhos, denunciando, reafirmando planos que havíamos traçado e ainda não realizado, como o Observatório, mas sobretudo com a perspectiva de ter uma rede viva e atuante no Sedes. O grupo presente era heterogêneo, com profissionais psi tanto de instituições públicas como privadas e de outras áreas de atuação: educação, serviço social, etc. Este grupo participou com muito entusiasmo e dele brotaram muitas falas indignadas pelo que estava acontecendo em alguns equipamentos na cidade, enquanto outros participantes procuravam se situar e enfatizar a importância de espaços para discussões das práticas. Eram lançadas perguntas - “O que podemos fazer de concreto?” e “Será que as internações compulsórias que se iniciaram no Rio de Janeiro podem também estar relacionadas ao processo de gentrificação?” -, ao mesmo tempo em que as falas se articulavam em questões macro-políticas: “Os planos econômicos brasileiros ditam a saúde”, “A lógica da cidade é a especulação imobiliária”, e ”Como a cidade enlouquece” (Matéria da revista Carta Capital). Das questões gerais, a discussão entre os participantes focou-se sobre a cidade em que vivemos, os locais degradados, alguns transformados, como a Praça Roosevelt - a partir da mobilização popular fortalecida pelos participantes de um teatro -; a necessidade de abertura para o entorno, pois se pensa em entretenimento, mas voltado para lugares fechados; enfim, um território vivo, como preconizava Milton Santos. Aparece a política higienista - tem que parecer “bonito” -, mas as contradições surgem, uma vez que agora não existe apenas uma, mas sim várias cracolândias, a primeira se espalhou e os usuários pedem socorro, como colocou uma profissional que trabalha com moradores de rua. Além disso, há a proposta da retirada de moradores antigos da região da Luz, quando se sabe que 57% dos empregos estão no centro. Falou-se da Virada Cultural - porquê restringir só àqueles momentos o desfrutar do centro, a beleza de juntar pessoas para atividades artísticas? Comentou-se a importância de se contemplar a diversidade humana com a recuperação da humanidade e da cidadania. Uma educadora considera importante ter um olhar social para com as crianças, ao invés de ficar na escola, só atenta aos diagnósticos. Passamos das questões gerais para as questões específicas, o eixo fundamental Clínica e Política, a organização de um campo de saber e sua politização, pois faltam políticas públicas, portanto devemos evitar a fragmentação das nossas ações, buscando articulação entre os diversos serviços de atendimento à população e outros movimentos. Ficamos sabendo de outros eventos e compartilhamos as informações: Movimento anti-manicomial, Feira solidária, Políticas de Saúde Mental e Juventude, Nas Fronteiras Psi-Jurídicas e Seminários na Faculdade de Saúde Pública. Ao longo das discussões, se reafirma a importância da troca das experiências entre os profissionais, acolhendo as suas singularidades e, através das práticas, discutindo também as políticas públicas. O que está acontecendo no CAPS de Guarulhos nos mostra que, em um determinado momento, apoiado na Reforma Psiquiátrica, instituiu-se o Acompanhamento Terapêutico, mas este, no momento atual, está sendo barrado pela própria política pública. Em alguns lugares, os terceirizados não querem AT’s. Também o CAPS Brasilândia passa por dificuldades, é o último CAPS a ser terceirizado pelas OSs. Em uma fala temos: “Não adianta ser contra a internação, se não há dispositivos de retaguarda”; contudo, em outra fala encontramos: “Não ocorre desassistência nos casos de usuários que não são internados”. Após o intervalo, no segundo tempo, tratamos de medidas resolutivas e encaminhamentos: dar continuidade ao geo-referenciamento e, quando possível, instituir o Observatório, fortalecer a rede e pensar ações articuladas a outros movimentos. Mais ainda, construir dispositivos que permaneçam, discutir a terceirização, fazer uma leitura atualizada do que está acontecendo na rede de Saúde Mental de São Paulo, promover o exame e ação sobre os ataques aos princípios essenciais da Reforma Psiquiátrica e uma leitura atualizada do que está acontecendo em outros países neste campo, incluindo a linguagem farmacológica. Hoje, temos, em São Paulo, uma Câmara Técnica que não protege em nada os trabalhadores de Saúde Mental e deve ser interrogada em suas atribuições. Surgiram propostas de que os departamentos, a Clínica do Sedes e os usuários desta Clínica pensassem na realização de jornadas, feiras culturais e encontros. Quanto à revitalização das comunicações virtuais, percebemos que alguns participantes deste coletivo conseguiram informações sobre o 7º encontro através do Facebook, por isso propusemos o incremento na utilização dos recursos digitais disponíveis como a publicação dos novos encontros no Twitter do Sedes. Na riqueza do encontro, foram sugeridas as leituras dos livros: Loucos Pela Vida: A Trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil, de Paulo Amarante e História da Psiquiatria no Brasil, de Jurandir Freire Costa. Ficou como proposta para o próximo encontro (30/06): a discussão da experiência de AT no CAPS de Guarulhos, trazendo as questões institucionais e refletindo sobre a construção de políticas públicas. Por fim, recuperar a potência deste espaço de debate para, a partir da transversalidade dos temas, pensar e produzir conhecimento sobre as questões cotidianas e gerais dos trabalhadores de Saúde Mental 2 na atualidade, retomando a história do Sedes, que abrigou em janeiro de 1979 o I Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental. São Paulo, 03 de junho de 2012 1 2 Psicanalista. Membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae. A Ata do encontro foi realizada por Camila Vieira (Comissão Impermanente). Artigo originalmente publicado no Boletim Online 21- Jornal de membros, alunos e ex-alunos do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, junho 2012.