JUIZ PAULO ZACARIAS DA SILVA Discurso do XIX FONAJE EM ARACAJU/SE Excelentíssima Senhora Dra. Marilza Maynard Salgado de Carvalho, Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe; Excelentíssimo Dr. Cláudio Dinart Deda Chagas, mui digno Corregedor Geral da Justiça do Estado de Sergipe; Excelentíssima senhora Conselheira do CNJ, Dra. Germana Moraes; Excelentíssima Sra. Representante do Governador do Estado de Sergipe; Excelentíssimo Sr. Dr. Fernando Clemente, meu grande amigo e Coordenador dos Juizados Especiais do Estado de Sergipe; Excelentíssimo Senhor Presidente da Associação dos Magistrados de Sergipe, meu amigo de luta associativa Francisco Alves Junior; Dando boas-vindas aos participantes deste Forum, gostaria de iniciar minha fala fazendo logo os agradecimentos, em nome de todos os participantes do XIX FONAJE. Agradecer primeiro ao Poder Judiciário do Estado de Sergipe, aqui representado pela ilustre Desembargadora Marilza Maynard Salgado de Carvalho, mui digna Presidente do TJ-SE, que ofereceu esta bela cidade de Aracaju como a capital brasileira dos Juizados Especiais, durante os próximos três dias; agradecer aos Juizes deste Estado que atuam no microsistema dos Juizados Especiais, aqui representados pelo colega Fernando Clemente, que foi o intérprete dos demais colegas e empolgou a todos nós quando ofertou esta cidade para sediar o XIX FORUM NACIONAL DOS JUIZADOS ESPECIAIS. Todos nós que já realizamos evento similar sabemos das dificuldades que existem para concretizar um projeto dessa envergadura. Todavia, somente o espírito trabalhador e empreendedor do povo sergipano seriam capazes de enfrentar tamanha missão, superando todos os obstáculos e hoje recepciona todos os juizes do Brasil com um largo sorriso nos lábios, mostrando a satisfação em ver plenamente coroada de êxito o fruto do amor pela causa da Justiça e da cidadania brasileira. Em nome de todos os Juizes brasileiros que atuam no microsistema dos Juizados Especiais, dos convidados e simpatizantes, nossos eternos agradecimentos. Minhas senhoras e meus senhores, A República Brasileira, desde a Constituição Democrática de 1946, albergou o princípio de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”(art. 5º, XXXV, CF/88). Esse dispositivo constitucional, de índole processual, é conhecido como direito de ação, direito de acesso à justiça, também chamado por muitos processualistas de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional. O objetivo desse direito de ação é justamente difundir a idéia de que todo homem, independentemente de raça, credo, condição econômica, posição política ou social, tem o direito de ser ouvido por um tribunal independente e imparcial, instituído por lei, para a defesa de seu patrimônio e de sua liberdade, ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ele. Esse direito tem sido espraiado não apenas em dispositivos constitucionais, mas também em pactos e convenções internacionais. Veja-se, a propósito, o que dispõem a esse respeito à Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela ONU (10.12.1948, art. 10), a Convenção Européia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ( Roma, 04.11.1950, art. 6º,I), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (16.12.1966, art. 14) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada em San José, Costa Rica(22.11.1969, art. 8, I). O conteúdo desse princípio constitucional consiste, exatamente, em colocar à disposição de todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País o direito público subjetivo de ação, para reprimir toda e qualquer ameaça ou lesão aos direitos, sob pena de se instalar no espírito da nacionalidade um clima de impunidade e a descrença dos cidadãos no regime democrático. Malgrado conste esse direito subjetivo em tão valiosos documentos, a realidade é que o Estado, ao longo do tempo, não se preocupou em colocar à disposição de todos os instrumentais necessários para o exercício pleno desse direito fundamental. Sabidamente, somente os economicamente mais bem aquinhoados é que podiam e tinham acesso pleno à jurisdição. Os economicamente debilitados não podiam exercer seus direitos em toda plenitude, por um conjunto de fatores, entre os principais, obviamente, a dificuldade econômica, o formalismo jurídico e a morosidade processual. Havia, assim, um ordenamento constitucional que se fundamentava formalmente na dignidade da pessoa humana mais que em matéria de legislação infraconstitucional tratava igualmente os desiguais. Era necessário, portanto, que o Estado, que atraiu para si o monopólio da justiça, criasse órgãos e procedimentos jurisdicionais diferenciados para permitir o acesso dos economicamente menos favorecidos à jurisdição, sob pena de deixá-los à margem da legalidade e entregues às relações de força, o que certamente conduziria a uma perigosa desestabilização social. Assim como existiam e ainda existem os sem terra, os sem teto, os sem saúde, os sem emprego, os sem segurança, etc., existiam, e ainda existem, os sem justiça e os sem jurisdição. Os que podiam, quando sofria qualquer ameaça ou lesão em seus direitos, recorriam ao Estado-Juiz para solucionar suas querelas. Os pobres, quando sofria qualquer ameaça ou lesão em seus direitos, não tinham para onde recorrer, suportavam a injustiça e os litígios ficavam sem solução. Havia, portanto, aquilo que o Professor Kazuo Watanabe cunhou de “litigiosidade contida”. Foi para minimizar esse quadro que surgiu em nosso País, na década de 80, a Lei n° 7.244/84, conhecida como “Lei das Pequenas Causas”, exatamente para atender às demandas do cidadão comum, combatendo o clima de impunidade e de insegurança que se instalou na república brasileira. Quando foram criados os Juizados de Pequenas Causas, o jurista Theotonio Negrão captou o espírito desses juizados e pontificou: “Para que o povo tenha confiança no Direito e na Justiça, é preciso que esta seja onipresente; que as pequenas violações de direito, tanto quanto as grandes, possam ser reparadas” (Juizado Especial de Pequenas Causas – Lei 7.244/84 – RT Legislação, nota preliminar). Pois bem. Pelo menos em nível de legislação infraconstitucional, aparentemente os pobres tinham sido atendidos. Acontece que a lei n° 7.244/84 se mostrou insuficiente para atender a todos os reclamos dos menos favorecidos, por razões as mais variadas, que, devido ao objetivo destas reflexões, não podemos agora analisá-las. O certo é que sobreveio uma nova ordem constitucional brasileira em 1988 e o nosso constituinte, ouvido os clamores das ruas, inseriu o disposto no art. 98, inciso I, no capítulo III, da CF, ordenando que os Estados criassem os Juizados especiais, providos por juízes togados e leigos, competentes para conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. Não imaginou o constituinte originário que estivesse, com o aludido dispositivo, provocando uma tremenda e benéfica revolução em prol dos jurisdicionados brasileiros, bem como para o estudo da ciência processual. Muito embora o legislador ordinário tenha cumprindo sua obrigação com sete anos de atraso, em 26 de setembro de 1995 editou a Lei nº 9.099, instituindo os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito Estadual. Depois, diante do comprovado e decantado sucesso dos Juizados Estaduais, sobreveio a Lei nº 10.259/01, que instituiu os Juizados Federais. Essas duas leis formam, na verdade, o “Estatuto dos Juizados Especiais”, na feliz expressão do jurista carioca Alexandre Freitas Câmara. Do ponto de vista do direito processual civil elas compõem, reunidas, um importante microssistema processual, distinto, portanto, do sistema criado pelo Código de Processo Civil, ainda que supletivamente tenha que a ele recorrer, em algumas hipóteses. Passados mais de dez (10) anos da edição da lei n° 9.099/95, podemos afirmar, com segurança, que a verdadeira reforma do Poder Judiciário ocorreu com a criação dos Juizados Especiais, vez que, sob o ponto de vista dos benefícios direcionados aos jurisdicionados, especialmente aqueles que viviam a margem da prestação dos serviços do Poder Judiciário, efetivamente o acesso à justiça é uma realidade concreta, apesar de alguns percalços de ordem estrutural e de mentalidade. Basta ver as estatísticas dos Tribunais brasileiros, tanto Estaduais como Federais, onde, em média, mais de 40% das demandas judiciais transitam nos Juizados Especiais, orientando-se pelos “critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade”. Assim que vieram a lume, especialmente à primeira lei, várias perplexidades surgiram entre os intérpretes do direito processual brasileiro. Para dirimir as primeiras controvérsias, já em dezembro de 1995, foi criada uma comissão de notáveis processualistas, denominada de “Comissão Nacional de Interpretação da Lei nº 9.099/95”, sob a Coordenação da Escola Nacional da Magistratura, composta dos seguintes juristas: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; Min. Luiz Carlos Fontes de Alencar; Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior; Dês. Weber Martins Batista; Desa. e hoje Ministra Fátima Nancy Andrighi, Dês. Sidnei Agostinho Beneti, Profª. Ada Pellegrini Grinover, Prof. Rogério Lauria Tucci e o Juiz Luiz Flávio Gomes. Essa comissão reuniu-se uma única vez e produziu quatorze “conclusões”, abrangendo aspectos cíveis e criminais da Lei nº 9.099/95. Só que as dúvidas e as divergências interpretativas continuaram espalhadas pelos operadores do microssistema em todo território nacional. Com a instalação dos juizados em praticamente todos os Estados da Federação, os Tribunais Estaduais instituíram a figura do “Juiz Coordenador”, que passou a ser receptáculo de todas as dúvidas e reclamações dos juizes estaduais que operavam no microssistema. Porém, a experiência demonstrou que cada Estado da Federação estava praticando e interpretando diferentemente os institutos criados pela Lei nº9.099/95, e, para dar um rumo seguro, trocar experiências e buscar a desejada uniformidade de procedimentos, foi organizado o I ENCONTRO NACIONAL DE COORDENADORES DE JUIZADOS ESPECIAIS, no período de 22 e 23 de maio de 1997, na cidade de Natal/RN. Desse encontro surgiu um Relatório Final, onde, entre outros pontos importantes, decidiu-se “1. Criar o Fórum Permanentes de Coordenadores de Juizados Especiais do Brasil, com o objetivo de manter intercâmbio constante para aperfeiçoamento da prestação jurisdicional dos Juizados Especiais”. Para presidir esse Fórum foi indicado o Dr. João Cabral da Silva, Juiz de Direito do Rio Grande do Norte, para exercer as funções de Coordenador do Fórum até a realização do próximo encontro. Foi deliberado que os Coordenadores se reuniriam duas vezes por ano, em capitais diferentes, a fim de dar continuidade aos estudos da Lei e a troca de experiências, e que se buscasse a almejada uniformidade de procedimentos. Para cumprir esse desiderato foram realizados os seguintes Encontros: II Encontro em dezembro/97-Cuiabá (MT), III Encontro em maio/98-Curitiba (PR), IV Encontro/novembro/98 no Rio de Janeiro(RJ), V Encontro em maio/99 em Salvador(BA), VI Encontro novembro/99 em Macapá(AP), VII Encontro em maio/2000 em Vila Velha(ES), VIII Encontro em novembro de 2000 em São Paulo (SP), IX Encontro em junho/2001 em Belo Horizonte, X Encontro em novembro 2001, em Rondônia(RR), XI Encontro em maio/2002 em Brasília(DF), XII Encontro em novembro de 2002 em Maceió(AL), XIII Encontro em junho/2003, em Campo Grande (MS), XIV Encontro em novembro de 2003, em São Luiz(MA), XV Encontro em maio de 2004, em Florianópolis(SC), XVI Encontro em novembro de 2004, no Rio de Janeiro(RJ), XVII Encontro em maio de 2005, em Curitiba (PR), XVIII em novembro de 2005, em Goiânia (GO), XIX Encontro em maio/2006, aqui em Aracaju (SE). A partir do Encontro de São Paulo, em novembro de 2000, o “Encontro de Coordenadores dos Juizados Especiais” passou a se denominar de “Fórum Nacional dos Juizados Especiais”, com a convocação não só dos Coordenadores mais de todos os magistrados que atuam no sistema dos Juizados Especiais. Aí está a história do FONAJE, que tem aqui em Aracaju a sua continuidade, com a realização deste XIX Encontro. Para fazer justiça à história, convém registrar que o FONAJE chegou até esta edição graças aos Presidentes João Cabral da Silva (RN), que foi o primeiro Presidente, Ricardo Cunha Chimenti(SP), Sueli Perreira Pini (AP), Carlos Alberto (MT) Sandra Silvestre(RR), Joaquim Domingues(RJ) e Denise Gruger Pereira(PR). O Fonaje já produziu, ao longo de seus dezenove encontros, 96 Enunciados Cíveis e 77 Enunciados Criminais, além de inúmeras recomendações aos TJs. Esses enunciados retratam o pensamento dos juizes que atuam no microsistema e servem de diretriz na aplicação da Lei nos casos concretos, sendo muitos deles acolhidos pelos Tribunais Superiores e comentados pelos processualistas. Os enunciados criminais, por exemplo, foram comentados pelo jurista Luiz Flávio Gomes, da Editora Revista dos Tribunais. Já os enunciados cíveis foram comentados pelo Juiz Erich Linhares, de Rondônia, pela Editora Juruá, em 2005. Ultimamente o FONAJE tem recebido um aporte muito valioso para o cumprimento de suas finalidades. Trata-se do Conselho Nacional de Justiça, órgão criado por força da Emenda Constitucional n° 45 e que instituiu em seu âmbito uma Comissão de Juizados Especiais, composta atualmente pelos Conselheiros Germana Moraes e Eduardo Lourenzoni. Essa comissão tem sido uma grande aliada do Fonaje, pois o Fonaje é convidado para participar de todos os encontros e seminários organizados pelo CNJ, tendo, inclusive, nos dias 10 e 11 de novembro de 2005, participado do I Encontro Nacional dos Juizados Especiais e Federais, onde se elaborou o diagnóstico qualitativo e quantitativo dos Juizados Especiais. Com a participação ativa do Fonaje, o CNJ chegou a estabelecer a visão e a missão dos Juizados Especiais, nos seguintes termos: VISÃO: “Ser um instrumento de pacificação social capaz de provocar a mudança de comportamento da sociedade, de forma a estimular o cumprimento voluntário das próprias obrigações e o respeito ao direito do próximo, contribuindo para a recuperação da imagem do Poder Judiciário e para o resgate da cidadania”. MISSÃO: “Garantir o amplo acesso, a celeridade e a efetividade da prestação jurisdicional nas causas de competência dos Juizados Especiais com simplicidade e informalidade”. Muito dos sonhos dos componentes do FONAJE é hoje objeto de recomendações do CNJ, consoante se vê na Recomendação nº 01/05 e o Pacto Social em Prol dos Juizados Especiais, assinado recentemente pela Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Ministra Ellen Gracie, com o Desembargador José Fernandes Filho, Presidente do Colégio de Presidentes dos Tribunais de Justiça, pelos conselheiros Eduardo Lorenzoni e Germana Morais e pelos Juizes Coordenadores dos Juizados Especiais Federais e Estaduais, reunidos em Brasília, na sede do CNJ, no dia 17 deste mês. Igualmente tem sido importante para a causa dos Juizados Especiais e do FONAJE a atuação do Ministério da Justiça, através da Secretaria da Reforma do Poder Judiciário, que patrocinou e apresentou na semana passada uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais –CEBEPEJ, onde exibiu os números de nove Estados da Federação, dando uma amostra de como andam as preocupações e os investimentos dos gestores do Judiciário brasileiro em implementar um mecanismo alternativo para a solução dos conflitos dos menos favorecidos. Todas essas iniciativas tiveram como inspiração as atividades desenvolvidas pelo FONAJE, que hoje vê muitas de suas propostas e preocupações sendo implementadas pelos órgãos do Poder Judiciário e do próprio Executivo Federal. Desculpem-me por me alongar nessas considerações, mas são registros que reputo importantíssimos para o conhecimento de todos que acudiram ao convite do Poder Judiciário Sergipano para participar deste evento, onde esperamos que os ideais dos que construíram e estão construindo o FONAJE seja uma realidade, e o Brasil continue sendo uma República democrática, que assegure a todos o exercício dos direitos sociais e individuais, mantendo a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremo de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, quer sejam elas grandes ou pequenas. Esse é o nosso sonho, porque um sonho que se sonha só, é somente um sonho, mas quando sonhamos juntos, os sonhos tornam-se realidades. Portanto, vamos sonhar juntos! Declaro abertos os trabalhos do XIX FONAJE!