CAPITAL SOCIAL EM DISCUSSÃO: QUAL TEM SIDO SUA ABORDAGEM NO ÂMBITO DOS PERIÓDICOS RELACIONADOS À GESTÃO PÚBLICA SOB A LUZ DOS ENFOQUES PARADIGMÁTICOS DA TEORIA ORGANIZACIONAL Autoria: Gustavo Leonardo Simão, Bruno Tavares RESUMO O capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões relacionadas a gestão pública. Contudo, distintas são as visões paradigmáticas do seu uso. Objetivou-se analisar sob quais enfoques tem sido empregado e quais as definições adotadas a respeito do conceito no âmbito das produções científicas relacionadas a administração pública no período de 2009 a 2012. Intentou-se também sumarizar as similaridades das distintas visões do conceito com os paradigmas organizacionais. Verificou-se com relação ao primeiro a predominância da sociologia econômica e do funcionalismo estrutural e que sobrepostos a teoria organizacional evidenciam a preponderância do funcionalismo e do interpretacionismo. 1 1. INTRODUÇÃO O termo capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões científicas nas pesquisas das ciências sociais aplicadas. Nesse sentido, as discussões relacionadas à implementação de políticas públicas, desenvolvimento local, redes sociais, questões inerentes ao contexto da gestão pública não ficam de fora. Contudo, os fundamentos teóricos do conceito de capital social ainda geram discussões, haja vista, não existir um consenso acerca de sua definição. Sendo assim Sholz (2003) defende que os atuais conceitos podem ser alocados em quatro grandes seguimentos, que podem ser classificados como paradigmas do capital social. Como Morgan (2005) já apontava que a teoria social de modo geral poderia ser analisada em termos de quatro amplas visões de mundo, onde cada uma dessas visões representaria uma posição metateórica sobre a natureza da sociedade. Tentou-se nesse ensaio verificar as similaridades dos paradigmas do conceito de capital social à luz dos paradigmas da teoria social, que particularmente foram mais trabalhados no âmbito das organizações. Este ensaio tem então por objetivo analisar sob quais enfoques tem sido empregado e quais as definições adotadas a respeito do conceito de capital social no âmbito das produções científicas da administração pública externalizadas nos periódicos de excelência da área, publicados entre 2009 a 2012. Além disso, buscar-se-á fazer uma amarração dos conceitos identificados com os paradigmas da teoria social, também analisados de forma particular como paradigmas da teoria organizacional. Para isso, estruturou-se esse artigo nessa breve introdução seguida de uma discussão acerca dos paradigmas de capital social e suas similaridades com os paradigmas da teoria organizacional, posteriormente teve-se uma explicitação acerca dos procedimentos metodológicos empregados. Finalmente, se discute as implicações dos resultados alcançados. 1. OS PARADIGMAS NO CONTEXTO DA TEORIA DAS ORGANIZAÇÕES O conceito de paradigma relacionado ao estudo das organizações foi inicialmente trabalhado por Burrell & Morgan (1979). Segundo esses autores, os paradigmas são como visões de mundo partilhadas por uma dada comunidade de cientistas. Segundo Morgan (2005, p. 60) em termos de análise das organizações poderiam ser sumarizados quatro amplos quadros de referência (ver Figura 1) ao qual representam as posições metateóricas sobre a natureza dos estudos relacionados às organizações de forma particular e também aos estudos da teoria social de forma geral. 2 SOCIOLOGIA DA MUDANÇA RADICAL PARADIGMA DO ESTRUTURALISMO PARADIGMA DO HUMANISMO RADICAL RADICAL Características: enfatiza a mudança estrutural da sociedade. Defendendo o fato de que a mudança radical deve ocorrer na natureza e na estrutura da sociedade contemporânea. Focaliza a análise das estruturas de poder e de classe. Correntes nas ciências sociais e nos estudos organizacionais: teorias críticas inspiradas no marxismo e no estruturalismo. SUBJETIVIDADE Correntes nas ciências sociais e nos estudos organizacionais: teorias críticas Metáfora: Arena política inspiradas no anarquismo, no acionalismo, na dialética e na psicossociologia. Metáfora: Prisão psíquica PARADIGMA INTERPRETATIVO PARADIGMA FUNCIONALISTA OBJETIVIDADE Características: busca desenvolver uma sociologia da mudança radical. Enfatiza os fenômenos da alienação e da falsa consciência, buscando a emancipação humana. Vê a criação da realidade influenciada por processos psíquicos e sociais. Dá grade importância à consciência humana, vendo o indivíduo como sujeito da história. Características: explica o mundo social da mesma forma que o natural, buscando produzir conhecimento científico útil. Enfatiza a manutenção do status quo: equilíbrio, integração social, ordem, estabilidade. Para o paradigma funcionalista a sociedade tem existência concreta. Predomina neste paradigma uma concepção sistêmica e sincrônica do mundo social orientada para Correntes nas ciências sociais e nos consecução de objetivos. estudos organizacionais: fenomenologia, hermenêutica, Correntes nas ciências sociais e nos etnometodologia e interacionismo estudos organizacionais: administração clássica, burocracia e teoria de sistemas. simbólico. Características: busca compreender o mundo como ele é. Coloca ênfase na compreensão da realidade social, de forma a entender a sua natureza, considerando a subjetividade. Para este paradigma, o mundo social é criado pelos indivíduos e por isso é importante entender a essência da subjetividade. Metáfora: Texto, jogos de linguagem. Metáfora: Máquina, organismo, cultura. SOCIOLOGIA DA REGULAÇÃO Figura 1 – Paradigmas e suas características no contexto de análise organizacional Fonte: BURREL, G. & MORGAN, G. Sociological Paradigms and Organizational Analysis. 1. ed. Londres, 1979; MORGAN, G. Paradigmas, metáforas e resolução de quebra-cabeças na teoria das organizações. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n.1, São Paulo, 2005. Segundo Andion (2012) tais formulações fazem referência à natureza da ciência (objetiva ou subjetiva); a realidade social (regulação ou mudança social) e à natureza humana (determinista ou não determinista). Dessas formulações especificas que são elucidadas as diversas correntes de pensamento presentes na teoria dos estudos organizacionais, quais 3 sejam: o funcionalismo, o interpretativismo, o humanismo radical e por fim mais não menos importante o estruturalista radical. O paradigma funcionalista, localizado na parte inferior (sociologia da regulação) do lado direito (objetividade) da Figura-1, é o paradigma hegemônico até hoje no campo dos estudos organizacionais (CALDAS, 2005). Segundo Burrel & Morgan (1979, p. 26), este paradigma é caracterizado por uma preocupação para fornecer explicações sobre o status quo, a ordem social, consenso, integração social, com uma precisa satisfação na realidade. Sendo que todas essas preocupações são abordadas em uma concepção que tende a ser realista, determinista, positivista e nomotética. Em suma, o funcionalismo pauta-se por uma ordem estabelecida num quadro institucionalizado e no processo social de estabilidade, controle e equilíbrio (BERTERO, 1975). Mesmo com a hegemonia do funcionalismo, Vergara & Caldas (2005) ressaltam que o paradigma interpretativista vem crescendo desde o final da década de 1970 no campo dos estudos organizacional. Este paradigma segundo Novais & Gil (2009, p. 139) parte do princípio de que a realidade social não existe em termos concretos, e sim como um produto das experiências intersubjetivas das pessoas. Onde as mesmas constroem e mantêm simbolicamente a realidade. Pressupõe-se que o mundo social é criado pelos indivíduos, assim os fenômenos sociais tem por referência a visão do participante e não do observador. Quanto ao paradigma humanista radical este, da mesma forma que o paradigma interpretativista, também enfatiza a realidade socialmente construída. Contudo, nas palavras de Morgan (2005), essa perspectiva é baseada na visão de que o processo de criação da realidade pode ser influenciado por processos físicos e sociais que canalizam, restringem e controlam a mente dos seres humanos. Ou seja, parte-se do pensamento de que a consciência do homem é dominada pelas superestruturas com as quais ele interage de maneira a aliená-los em relação às potencialidades inerentes à sua verdadeira natureza de serem humanos. Seu quadro de referência tem, portanto, uma perspectiva nominalista, anti-positivista, voluntarista e ideográfica, pautando-se por exaurir ou transcender todas as limitações existentes nos arranjos sociais (BURREL & MORGAN, 1979). Por fim, o paradigma estruturalista radical está focado na visão de sociedade como uma força potencialmente dominante. Todavia, diferentemente do humanista radical tem por visão uma concepção materialista do mundo social, definido por estruturas sólidas, concretas e ontologicamente reais (MORGAN, 2005). Conforme se percebe na Figura-1, cada segmento paradigmático possui características que lhes atribuem suas diferentes distinções, que iram, pois, configurar as correntes dos estudos organizacionais. Além disso, Morgan (2005) faz alusão ao conceito de metáforas como importante instrumento à compreensão dos estudos organizacionais, que apesar da sua importância ao entendimento das organizações não serão objeto de análise e discussão no presente estudo. 2. OS MÚLTIPLOS CONCEITOS DE CAPITAL SOCIAL: UMA VISÃO PARADIGMÁTICA 4 O termo capital social tem cada vez mais estado presente no arcabouço das discussões científicas nas pesquisas das ciências sociais aplicadas, notavelmente no contexto das discussões acerca da implementação de políticas públicas. Todavia, sua utilização tem sido empregada para descrever desde conceitos da vida social que perpassam a organização informal, confiança, cultura, apoio social, troca social, recursos sociais, contratos relacionais de imersão, redes sociais e redes interfirmas. Diante da amplitude de formas as quais o termo referência, inúmeras são as definições teóricas para o mesmo (ver Figura 2). Desse ponto, relembra-se as afirmações de Hirsch & Levin (1999), onde se postula que conceitos em que as áreas acadêmicas não chegam a um consenso teórico devido a grande “empolgação emergente” são classificados como conceitos guarda-chuva. Nesse sentido, alguns autores já alertam para possíveis problemas de aplicação do conceito diante dos vários usos que o mesmo vem tendo, a esse respeito Hean et al. (2002) ressalta que o acúmulo de literatura sobre capital social começou a obscurecer a compreensão do conceito, inclusive sendo usado por vezes com definições contraditórias. Coleman Bourdieu Lin Granovetter Putnam Fukuyama Definições de Capital Social Refere-se a uma variedade de entidades que têm duas características em comum: todas consistem em algum aspecto de uma estrutura social e facilitam certas ações de indivíduos que estão nesta estrutura. Além disso, defende o capital social como meio para a aquisição de outras formas de capital, tais como o humano e o físico. (1988) È o agregado dos recursos reais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede durável de relações mais ou menos socializadas de conhecimento mútuo e de reconhecimento. Em que a participação nessa rede fornece aos membros uma “credencial” que lhes dá direito a um crédito junto a seus pares (1986). Recurso incorporado numa estrutura social e que é acessível ou pode ser mobilizado mediante uma ação intencional (2001). Existe uma sociabilidade intragrupal que através dos laços fortes e de um “fechamento” das relações sociais, caracterizaria o capital social. Este constituirá um recurso essencial para a ação coletiva local (1985). Diz respeito a características da organização social, tais como a confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando assim as ações coordenadas. O capital social é composto por normas sociais e de estruturas que garantem que as pessoas evitem comportamentos de maximização da utilidade em detrimento dos objetivos coletivos (2006). Define o conceito como a simples existência de certo conjunto de valores informais ou normas partilhadas entre os membros de um grupo ou comunidade que permita a cooperação entre eles (2002). Figura 2 – Quadro conceitual com as principiais definições de capital social Como se observa na Figura-2 existem métodos analíticos e diferentes epistemologias teóricas com relação ao entendimento do termo capital social. Com relação a essa amplitude de definições, por vezes, apontando para uma ambiguidade teórica, Sholz (2003) assinala para o que se poderia chamar de paradigmas do capital social, conforme se observa na Figura-3. 5 Nível de observação Micro Coesão Social Desigualdades sociais Macro Utilitarismo racional Funcionalismo estrutural Autor: Coleman Pergunta central: status obtido Ênfase: ação com propósito Origem teorizada: escolha Conceitos-chave: fechamento, multiplexidade Unidade de obser.: individual Autor: Putnam, Fukuyama Pergunta central: cooperação Ênfase: aspectos cognitivos Origem teorizada: normas Conceitos-chave: confiança Unidade de obser.: sociedades nacionais Sociologia econômica Perspectiva do conflito Autor: Lin, Granovetter Pergunta central: tomada de decisão Ênfase: aspectos estruturais Origem teorizada: redes Conceitos-chave: troca social Unidade de obser.: redes sociais Autor: Bourdieu Pergunta central: reprodução social Ênfase: poder simbólico Origem teorizada: encobertamento Conceitos-chave: habitus e campo Unidade de obser.: frações de classe social Figura 3 – Paradigmas teóricos do capital social Fonte: SCHOLZ, C. Approaches to Social Capital: The Emergence and Transformation of a Concept. In: Annual meeting of the American Sociological Association, 2003; MISOCZKY, M. C. Abordagem de redes no estudo de movimentos sociais: entre o modelo e a metáfora. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, 2009. O campo de análise denominado de utilitarismo racional é marcado pela visão teorizada por Coleman com fortes bases na teoria da escolha racional. Nesse sentido, compreendendo uma dimensão da estrutura social, o capital social se transforma em um recurso que facilita aos atores atingirem seus objetivos, independentemente dos valores que orientem esses objetivos, sejam tais valores moralmente bons ou maus (SERAFIM & ANDION, 2010). Ou seja, nesse paradigma os indivíduos são pautados para a realização de ações que visem a sua comodidade e bem estar individuais. No tocante ao paradigma da sociologia econômica o capital social, evidenciado principalmente pelas abordagens de Lin e Granovetter, é pautado pela teoria das redes sociais, enquanto o primeiro faz alusão a três dimensões das relações sociais (interna, intermediária e externa). O segundo aborda a questão dos laços fortes (relações mais próximas) e os laços fracos (conexões sociais mais distantes) relacionados ao capital social. Ambos reconhecem a possibilidade da ação social ser pautada pelos benefícios econômicos individuais, contudo, a ação econômica é uma ação social. Nas palavras de Misoczky (2009), os autores desse segmento teórico são caracterizados por um esforço para artificialmente reconectar relações rompidas, tais como: mercado e sociedade, ação individual e ação social, economia e política. O funcionalismo estrutural, no qual se encontram as definições de Putnam e Fukuyama, é marcado principalmente pela visão de que o valor evidenciado na confiança, informações e 6 normas são gerados pela organização social, ou seja, de forma que todos esses valores são conseguidos através da integração social. A teoria de Putnam tem por tese central que um bom funcionamento da economia de uma dada região, inclusive com um alto nível de integração política é resultado da capacidade desta região em acumular capital social (Siisiainen, 2000). Com boa ligação às práticas positivistas, Putnam desenvolve métodos empíricos para a mensuração e verificação de como o capital social é mais presente em determinada região, tais como, o nível de engajamento cívico de dada localidade, evidenciado pelo número de associações presentes, número de moradores com assiduidade na leitura de jornais, etc. Por fim, tem-se o paradigma da perspective do conflito, marcado pela visão de Bourdieu, onde o capital social está envolvido na reprodução das desigualdades sociais. Segundo Scholz (2003, p. 6), a percepção de Bourdieu é que a obtenção de status através da mobilização de recursos sociais, tais como a confiança e solidariedade gera um poder simbólico, dentre os quais se encontra o capital social. Esse poder simbólico se estende apenas a grupos socialmente homogêneos interessados em manter seus próprios privilégios. 3. A IMBRICAÇÃO DA VISÃO EPISTEMOLÓGICA PARADIGMÁTICA DE CAPITAL SOCIAL NO ÂMBITO DOS PARADIGMAS DA TEORIA ORGANIZACIONAL Da analise dos paradigmas predominantes na teoria das organizações proposto por Burrel & Morgan (1979) e das abordagens de capital social descritos por Sholz (2003) propõe-se uma incursão analítica na qual os domínios epistemológicos dos paradigmas do capital social possam ser analisados à luz dos modelos teóricos (paradigmas) que envolvem a teoria organizacional. Assim sendo, essa sobreposição resulta na Figura-4. 7 Subjetivo/Micro Campo de visão da teoria organizacional: Paradigma humanista radical Campo de visão da teoria organizacional: Paradigma estruturalista radical Campo de visão teórico do capital social: Perspectiva do utilitarismo racional Campo de visão teórico do capital social: Perspectiva do conflito 2° quadrante 1° quadrante Campo de visão da teoria organizacional: Paradigma interpretacionista Campo de visão da teoria organizacional: Paradigma funcionalista Campo de visão teórico do capital social: Perspectiva da sociologia econômica Campo de visão teórico do capital social: Funcionalismo estrutural 3° quadrante 4° quadrante Objetivo/Macro Desigualdades sociais/ Mudança radical Coesão social/ Regulação Figura 4 – Sobreposição dos paradigmas do capital social à luz dos paradigmas da teoria organizacional No primeiro quadrante, compara-se a visão conflituosa de Bourdieu, onde o autor utilizase do conceito de campo para referir-se ao espaço em que se manifestam relações de poder, descritas através do conceito de poder simbólico. Isto significa segundo Sibele & Franco (2005, p. 43), que os campos estruturam-se a partir de uma distribuição desigual de um quantum social que determina a posição ocupada por um agente específico. Esse quantum é denominado de capital social. Os agentes que tem um quantum de capital social reconhecido pelo grupo auferem os benefícios relativos às posições dominantes, enquanto aqueles que ingressaram recentemente em determinado campo, ou seja, que possuem um volume pequeno de capital social ocupam posições inferiores do campoi. Dessa perspectiva, se percebe a estreita ligação da perspectiva do conflito com a abordagem organizacional do paradigma estruturalista radical, onde há o interesse em analisar a estrutura dentro da sociedade e particularmente a maneira de suas interações. Segundo Burrel & Morgan (1979), os escritores dentro deste paradigma tendem a ver a sociedade como compostas de elementos que se opõem em contradições uns com os outros, ou seja, foca-se essencialmente na natureza conflitual dos acontecimentos sociais e do processo de mudanças que esta gera. Assim, analises relacionada com a autoridade e formas de poder são frequentes nessa vertente. Com relação ao segundo quadrante, a visão humanista radical é relacionada ao paradigma de capital social tido sendo de uma visão utilitarista racional. Como na abordagem proposta 8 por Coleman tem-se por hipótese central a escolha racional do individuo, ou seja, aquela em que lhe proporcionará maiores ganhos. Coadunando com essa ideia a abordagem do humanismo radical tem por objetivo explicar a necessidade da sociedade em destruir ou de transcender as limitações impostas aos indivíduos pelos arranjos sociais existentes, infere-se que ambos são similares. No tocante ao terceiro quadrante, tem-se a abordagem advinda da sociologia econômica. Marcada principalmente pela noção dos laços fortes (relações próximas e de confiança), laços fracos e redes relacionadas ao capital social, propostas por Lin. Nesse sentido, a sobreposição do paradigma interpretacionista é válida pelo fato de que como os valores da confiança, reciprocidade, reputação tem grande ligação com pensamentos cognitivos do agente que ora interpreta tais valores. Nesse sentido, Lin, (2001, p. 20) afirma que “ser reconhecido e assegurado pela própria dignidade como indivíduo e membro de um grupo social que partilha interesses similares e recursos não apenas oferece apoio emocional, mas também o reconhecimento público de sua pretensão a certos recursos”. Conforme se percebe as noções de reconhecimento, reputação, confiança e reciprocidade estão diretamente relacionados sociais construídos a partir da interpretação valorativa, tanto dentro quando fora dos grupos sociais que favorecem o surgimento do capital social, segundo a visão de Lin. Diante desses aspectos, a teoria interpretacionista dos paradigmas organizacionais pressupõe, conforme ressalta Vergara e Caldas (2005, p. 68), a compreensão do mundo social a partir do ponto de vista das pessoas envolvidas nos processos sociais, pode-se inferir, portanto, que existem pontos de convergência quanto à essência de ambos os paradigmas. Por fim, porém não menos importante, há no quarto quadrante a conjugação do paradigma funcionalista advindo da teoria organizacional com a perspectiva do funcionalismo estrutural de capital social. Essa abordagem no âmbito do capital social é marcada principalmente pelo trabalho de Putnam e Fukuyama, em que ao analisar o desenvolvimento de duas regiões da Itália, indica aspectos empíricos que favorecem a manifestação de capital social. Além disso, desenvolve formas prescritivas aos quais as sociedades deveriam seguir para sua evolução, em nível de desenvolvimento. Visão bastante parecida com o funcionalismo no campo da teoria organizacional onde se tem o predomínio dos aspectos positivistas, da ordem social, da necessidade de satisfação, além do aspecto determinístico. 4.1- Analise teórica acerca das publicações de administração pública: uma abordagem paradigmática capital social/teoria organizacional Como se percebe há cerca de quatro grandes vertentes com relação a conceituação de capital social. Essas vertentes são em alguns pontos conflitantes entre si, como exemplo Ducci & Teixeira (2011, p. 973), ressaltam que para Putnam (2000), o capital social é um conjunto de recursos possuído pelo grupo, enquanto para Bourdieu (1986), é uma consequência das relações sociais, que é percebida pelos envolvidos in abstracto, sendo passível de ser transformado por eles em outra forma de capital. Já na visão de Prates (2009), tanto as visões de Fukuyama (2002), Bourdieu (1986) e Putnam (1996) não agregam nada mais, em termos heurísticos a conceitos já disponíveis na literatura sociológica. Para ele a única exceção é a visão de Coleman (1990), haja vista, que 9 esse se refere ao fenômeno especifico dos recursos que emergem da sociabilidade dentro de um grupo ou comunidade, introduzindo a noção de fechamento dentro do grupo. Existem, portanto, nas afirmações de Sachs & Lages (2001), a continuação de um conceito extremamente vago, um conceito passe-partout. Ou seja, que pode passar por tudo, dependendo das fontes teóricas empregadas para sua explicação. Nesse contexto, onde foram sobrepostos os paradigmas teóricos organizacionais com as principais proposições conceituais de capital social. É relevante verificar qual tem sido a abordagem paradigmática dominante nas publicações científicas que retratam o conceito de capital social na esfera da administração pública. A relevância do levantamento se deve justamente ao fato de que o conceito tem sido destaque nas discussões acerca da formulação de políticas públicas. Além disso, levantar a forma como tem sido definido é essencial para se entender os resultados esperados e mesmo para delimitar o campo de utilização do termo para novas investidas científicas na esfera pública. 4.1.1 – Procedimentos metodológicos O levantamento teve por método a realização de uma revisão integrativa junto aos artigos científicos dos periódicos de maior relevância no âmbito da administração pública, situados na base Qualis da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Segundo Botelho et al. (2011, p. 128) uma revisão integrativa é utilizada como método para o desenvolvimento de uma revisão da literatura sendo útil, na medida em que, possibilita a síntese e análise do conhecimento científico já produzido sobre o tema investigado. Destarte, foram selecionados a principio sete periódicos voltados à administração/gestão pública com fatores de estratificação entre A1 e B3. No entanto, depois de realizado o levantamento dos trabalhos publicados no espaço temporal delimitado (2009 a 2012) verificou-se que apenas cinco periódicos, continham trabalhos que de alguma forma utilizaram a conceituação de capital social, estes estavam classificados no extrato entre A2 e B3. Ressalta-se que a abordagem de capital social deveria ser discorrida pelos autores dos trabalhos científicos, haja vista que, uma mera alusão ao termo não foi levada em consideração para fins de analise. Ao abordar o termo foi observada a essência teórica dominante no artigo, levando-se em conta as quatro abordagens principais (Bourdieu, Coleman, Putnam e Lin). Deve ser ressaltado que quando da utilização de teóricos mais contemporâneos, foram delimitadas os traços aproximativos junto aos teóricos clássicos que foram considerados nesse trabalho. Os periódicos selecionados e o respectivo número de artigos encontrados foram: Revista de Administração Pública (RAP) - 3 artigos, Cadernos EBAPE - 8 artigos, Cadernos Gestão Pública e Cidadania - 3 artigos, Revista Planejamento e Políticas Públicas - 1 artigos e Revista Gestão Pública: práticas e desafios - 1 artigo. 4. RESULTADOS CONCLUSÕES E SUAS IMPLICAÇÕES 10 Com relação a predominância de abordagens teóricas nos estudos que tratam sobre capital social no âmbito da esfera pública, notou-se nos artigos analisados a predominância de dois dos paradigmas relacionados ao conceito. O paradigma da sociologia econômica presente principalmente nas abordagens de Lin, e o paradigma do funcionalismo estrutural cujo principal teórico é Putnam. Sendo assim, infere-se no âmbito das pesquisas publicadas em periódicos voltados a análise da esfera da gestão pública, que o capital social perpassa temas das áreas microambientais tais como as estruturas de suporte as redes e a troca social, evidenciadas pelo paradigma da sociologia econômica. E também ao paradigma do funcionalismo estrutural (macroambiental), segundo o qual o capital social é marcado pela cooperação, fruto de aspectos cognitivos institucionalizados (normatizados) das sociedades nacionais, ou em outras palavras, de determinada comunidade. Aspectos que na visão de Putnam, são frutos de um esclarecimento cultural e um nível alto de cooperação da comunidade local, proporcionado por instituições culturais consolidadas. Destaca-se, por outro lado, a confirmação do uso ambíguo e conflituoso do termo, visto que não se tem claro junto aos autores dos trabalhos analisados, as tendências paradigmáticas de cada um dos teóricos clássicos do capital social, na medida em que por vezes estes são elencados como se o conceito de capital social por eles defendidos estivesse em um mesmo patamar ideológico, diferindo-se apenas em relação a contextualização temporal. Ou seja, não há uma visão de que a conceituação de capital social não se trata de uma externação daquele que foi pioneiro em seu uso e seus predecessores, existem diferenças epistemológicas relevantes entre os teóricos clássicos que devem ser consideradas de acordo com os objetivos a serem analisados. Conquanto a sobreposição dos paradigmas do capital social à teoria organizacional percebe-se, à luz dessa última, que são similares as posições dominantes nos trabalhos científicos com os paradigmas funcionalistas e ao paradigma interpretacionista. Como visto anteriormente a abordagem de Putnam e Fukuyama (paradigma da sociologia econômica) tem predominância nas questões relacionadas diretamente ao funcionalismo organizacional, quais sejam, a ênfase nos padrões, por vezes passíveis de uma análise empírica, que levam uma dada comunidade ao desenvolvimento, ao equilíbrio e à ordem. Em relação a similaridades das abordagens interpretacionistas com as visões de Lin e Granovetter (sociologia econômica) há de se destacar, que os pressupostos de capital social são assimilados notavelmente a partir do que Granovetter (1985) chamou de “laços fortes”. Ao abordar o conceito de laços fortes, referindo-se àquelas relações mantidas com agentes mais próximos, onde o individuo interpreta as mesmas como condições merecedoras de geração de confiança, é que se gera o capital social. Assim, a partir da realidade de aspectos relacionados a ação racional e ao utilitarismo (sociologia econômica), onde é o individuo que percebe o valor da ação que devera ser retribuída futuramente, sendo assim o ponto referencial de construção do conceito de capital social, diretamente relacionado a interpretação da visão de mundo dos agentes da ação contida na abordagem interpretacionista. Enfim, a realização desta análise teórico-empírica é fruto de um esforço de reflexão para elucidar comparativamente quais são os enfoques paradigmáticos de capital social relacionados à teoria organizacional, concebíveis de serem aplicados nos trabalhos científicos que abordam o conceito no âmbito dos temas relacionados a esfera da gestão pública. Como em todo esforço reflexivo alguns pontos podem ter sido relegados em detrimento do objetivo central, esta suposição teórica nesse sentido, não esgota a discussão sobre o assunto, que 11 como se pode perceber é bastante controversa e divergente, o que gera inúmeros campos de discussões a novos levantamentos futuros. Referências: . ANDIONI, Carolina. Por uma nova interpretação das mudanças de paradigma na administração pública. Cadernos EBAPE.BR, v. 10, n. 1, p. 1-19, mar. 2012. BERTERO, Carlos Osmar. Influências sociológicas em teoria organizacional. Revista de Administração de Empresas, v.15, n. 6, p. 27-37, nov./dez., 1975. BOURDIEU, Pierre. The forms of capital. In: RICHARDSON, J. (Ed.). Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood Press, p.214-258, 1986. BURRELL, Gibson; MORGAN, Garreth. Sociological Paradigms and Organizational Analysis. 1. ed. Londres: Heinemann, 1979. 427p. CAZELLI, Sibele; FRANCO, Creso. 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