Discurso do Presidente da Autoridade da Concorrência
Seminário sobre Compliance e Defesa da Concorrência
28 de agosto de 2014
Minhas senhoras e meus senhores,
Começo por expressar o meu agradecimento ao CADE e ao CEDES (Centro de
Estudos de Direito Económico e Social), na pessoa dos seus presidentes,
Professor Vinícius Marques de Carvalho e Professor João Grandino Rodas, pelo
convite que me foi endereçado para participar neste seminário sobre
Compliance e a Defesa da Concorrência.
O tema deste Seminário, compliance e concorrência, é muito pertinente e atual
não apenas no Brasil, mas também em Portugal. Como todos saberão, Portugal
está num processo de recuperação económica, procurando ultrapassar uma
crise económica difícil. Essa recuperação económica depende em grande
medida da existência de mercados dinâmicos e competitivos, que exigem uma
atenção especial ao cumprimento das regras de concorrência.
A concorrência no mercado proporciona aos consumidores preços mais baixos,
melhor qualidade, inovação técnica e uma maior variedade de escolha nos bens
e serviços, o que maximiza o seu bem-estar.
Permitindo a entrada e manutenção de empresas eficientes no mercado e
afastando as menos eficientes, a concorrência promove, em termos gerais, a
produtividade e potencia o crescimento económico.
Um correto funcionamento do mercado é pois benéfico para os consumidores,
para as empresas e para a economia em geral.
A violação das regras da concorrência, pelo contrário, prejudica consumidores e
as empresas.
Com um cartel, por exemplo, os cidadãos ficam mais vulneráveis à crise ao
enfrentarem maiores preços.
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As próprias empresas que precisam de inputs para produzir são prejudicadas
quando os seus fornecedores se cartelizam, afetando também a
competitividade internacional das empresas.
O esforço exigido pela dinâmica da concorrência permite às empresas, com vista
à maximização dos seus lucros, alcançar maior produtividade, maior eficiência
económica e ganhos financeiros sustentados.
Quando a concorrência é eliminada ou limitada, as empresas perdem o
incentivo para inovar e para reduzir custos, tornando-se menos eficientes e
competitivas. Tal prejudica, no imediato, os consumidores, diminuindo o seu
bem-estar, mas é também nocivo, a médio prazo, para as próprias empresas,
que vão perdendo robustez para enfrentarem novos desafios.
Para além de uma questão económica, a concorrência é também uma questão
política e de cidadania. Cada vez há mais a consciência social de que não é
aceitável a fuga aos impostos ou a corrupção, porque prejudicam o bem
comum. Do mesmo modo, não pode aceitar-se que as empresas combinem
preços ou abusem do seu poder de mercado.
As próprias empresas começam a ter consciência disso. A International Chamber
of Commerce (ICC), no seu toolkit sobre Compliance, refere precisamente que
as empresas devem ter em conta as expetativas da sociedade em relação a
diferentes domínios como a corrupção, o ambiente, a saúde e a segurança, a
privacidade dos dados e a concorrência.
É fundamental que os agentes económicos e o Estado incorporem nas suas
opções e decisões uma cultura de concorrência, promovendo o mérito, a
eficiência e a inovação. Para isso é necessário que os cidadãos, as empresas e o
próprio Estado conheçam os benefícios da concorrência e os riscos e prejuízos
de violar as regras da concorrência.
O desafio é que as empresas cumpram as regras da concorrência e possam ser
proactivas nesse cumprimento, assumindo mecanismos internos de compliance.
As autoridades da concorrência podem e devem apoiar na promoção de
compliance e de uma cultura de concorrência, em várias dimensões de advocacy
e de enforcement.
É por isso com muito gosto e interesse que me encontro aqui, enquanto
presidente da Autoridade da Concorrência portuguesa, a refletir e debater
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sobre um tema tão importante como o do cumprimento das regras de
concorrência.
Nesta minha intervenção abordarei:
- O papel das empresas na promoção da concorrência e a importância
dos programas de compliance;
- O papel de uma autoridade de concorrência e a experiência portuguesa.
O papel das empresas na promoção da concorrência e a importância dos
programas de compliance
A promoção da concorrência, em especial como instrumento preventivo, não é,
nem deve ser, uma tarefa exclusiva das autoridades da concorrência. O
cumprimento das regras da concorrência está também nas mãos das empresas
e dos seus advogados.
Espera-se das empresas uma atitude proactiva, para compreender as vantagens
da concorrência, conhecer as regras aplicáveis e cumpri-las.
As empresas podem desenvolver um conjunto de procedimentos internos
destinados a garantir o cumprimento das regras de concorrência dentro da
empresa, de modo a prevenir, detetar e combater eventuais infrações.
Quando fui convidado para estar presente neste Seminário, contactei o Círculo
dos Advogados Portugueses de Direito da Concorrência (CAPDC) para obter
alguma informação sobre o trabalho de compliance desenvolvido pelos
advogados de concorrência em Portugal.
O CAPDC conseguiu obter resposta de 10 sociedades de advogados.
Naturalmente que a informação que me deram foi muito genérica, mas permitiu
saber qual o tipo de ações de compliance que são desenvolvidas, bem como
quais as circunstâncias que levam as empresas a contratar este tipo de serviços.
Em termos de ações de compliance, foram identificadas: ações de
formação/sensibilização sobre regras de concorrência; definição de
procedimentos internos (definição de comportamentos de risco e de normas
internas de deteção e de validação); orientações em caso de buscas (dawn raid);
simulações de buscas (dawn raids); e avaliação preventiva sistemática de tipos
de condutas restritivas (por parte de advogados internos e externos).
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O desenvolvimento deste tipo de ações é mais comum por parte de clientes
internacionais, com exceção da avaliação preventiva sistemática de tipos de
condutas restritivas que as empresas nacionais também desenvolvem com
frequência.
O principal benefício que as empresas colhem de um programa de compliance é
a redução do risco de infrações às regras da concorrência, tanto na prevenção
como na mitigação das consequências de violações que se verifiquem.
Muito embora o programa de compliance não iliba as empresas de infrações
que possam ter-se verificado, pode permitir detetar que tais infrações
ocorreram e evitar que a conduta ilegal permaneça. A previsão de mecanismos
de alerta para eventuais infrações, e de reporte das mesmas, é por isso
essencial.
Uma reação rápida à deteção de uma infração pode ser muito útil para as
empresas, para atenuar os efeitos sancionatórios que daí podem decorrer.
Desde logo para efeitos de acesso ao regime da clemência (leniência), no
âmbito do qual o momento de apresentação do pedido se reveste de grande
importância, mas também para a aplicação do procedimento de transação
(settlement). Neste tipo de procedimento, ao confessarem os factos e
reconhecerem a infração, as empresas podem beneficiar de uma redução de
coima.
Para além destas vantagens, o cumprimento das regras em geral, e a existência
de um efetivo programa de compliance em particular, projetam uma imagem de
ética e responsabilidade e geram confiança, o que pode valorizar a empresa no
mercado junto dos seus clientes, fornecedores e colaboradores (atuais e
potenciais) e pode facilitar o desenvolvimento da sua atividade.
Por tudo isto, estou certo que, apesar dos custos que implica em termos de
dedicação de recursos, a implementação de um programa de compliance,
ajustado à realidade de cada empresa, é um investimento que vale a pena.
Esse investimento é tão mais importante quanto maior o âmbito e a
complexidade da atividade das empresas. A elaboração de adequados
programas de compliance é particularmente relevante para empresas com uma
estrutura ou atividade internacionais que aumenta a sua exposição regulatória e
exige o conhecimento das regras aplicáveis em múltiplas jurisdições.
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Na Europa, a colaboração das autoridades da concorrência nacionais entre si e
com a Comissão Europeia é frequente e muito eficaz. A perseguição e punição
de infrações anticoncorrenciais, em especial cartéis, é cada vez mais intensa e
ultrapassa muitas vezes as próprias fronteiras europeias (por ex., um cidadão
italiano foi muito recentemente extraditado pelas autoridades alemãs para os
Estados Unidos, para ser julgado criminalmente por participação num cartel –
cartel das mangueiras marítimas ou marine hose cartel).
As empresas devem estar preparadas para enfrentar estes desafios,
conhecendo e cumprindo as regras da concorrência a um nível global e fazendoas refletir em programas de compliance adequados, flexíveis e eficazes.
Naturalmente, a forma e o conteúdo dos programas de compliance varia em
função do tipo de empresa em causa, da sua dimensão e do seu grau de
exposição ao risco, que é diferente de setor para setor e de empresa para
empresa. Temos consciência que empresas em setores que têm sido mais
escrutinados pela atividade da Autoridade da Concorrência (ex:
telecomunicações, farmacêutico, recentemente a banca) serão as que se
encontram mais avançadas em termos de elaboração de programa de
compliance.
Para o sucesso deste tipo de programas é, desde logo, crucial que haja um
compromisso inequívoco e firme por parte dos dirigentes das empresas,
operacionalizado através de medidas concretas como a difusão de informação e
de treino sobre as regras da concorrência ou a criação de mecanismos
específicos de deteção e reporte de infrações, bem como de reação rápida no
caso de deteção de infrações.
Os próprios programas de compliance devem estar sujeitos a controlo, auditoria
e avaliação, com vista à sua atualização e melhoria regular, para que seja eficaz
e permita uma gestão do risco bem-sucedida e o cumprimento das regras de
concorrência.
A eficácia de um programa de compliance mede-se, afinal de contas, pelos
resultados, não pelas intenções.
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O papel de uma autoridade de concorrência e a experiência portuguesa
Quanto ao papel das autoridades de concorrência, o primeiro objetivo de uma
política de concorrência, e de uma autoridade da concorrência, não deve ser
sancionar, mas dissuadir comportamentos anticoncorrenciais e defender um
contexto regulatório pro-concorrencial. Assim evitam-se os danos para o
mercado e para os consumidores.
Para conseguir essa prevenção, as autoridades de concorrência devem
promover uma dinâmica atividade de advocacy, dando a conhecer às empresas
os benefícios da concorrência e as regras da concorrência, mas igualmente
difundindo os custos do incumprimento, ou seja, dos riscos que as empresas
enfrentam.
Mas essa atividade de advocacy, para ser verdadeiramente eficaz, tem de ser
conjugada com um enforcement vigoroso.
A Autoridade da Concorrência portuguesa tem dedicado uma atenção especial à
atividade de advocacy, em particular no que respeita à difusão dos benefícios da
concorrência, ao fácil acesso às regras da concorrência e dos riscos resultantes
do incumprimento das regras aplicáveis, quer junto dos consumidores e das
empresas, quer do governo e outras entidades públicas.
A compreensão das regras é fundamental para o seu cumprimento.
Face à complexidade do direito da concorrência, em permanente evolução e
com forte carácter jurisprudencial, é dever das autoridades de concorrência
promover o acesso a informação rigorosa e completa sobre as regras de
concorrência em vigor e a forma como têm sido interpretadas e aplicadas, quer
pela Autoridade da Concorrência, quer pelos tribunais, mas fazê-lo de uma
forma acessível a todos.
Transparência, credibilidade, e informação de qualidade são, aqui, as palavras
de ordem.
Nesse sentido, a Autoridade elegeu como prioritária uma política de maior
transparência na divulgação pública de legislação, estudos, pareceres e prática
decisória. Diga-se a este respeito que a publicitação das decisões e das coimas
aplicadas é em si mesmo um importante fator dissuasor.
O cumprimento das regras de concorrência é ainda facilitado pela elaboração e
publicação de orientações. Ao nível das práticas restritivas da concorrência, por
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exemplo, a Autoridade emitiu orientações relativas à clemência (leniência), à
determinação da medida da coima e à instrução de processos.
A um nível mais académico e técnico, a Autoridade da Concorrência tem ainda
fomentado a divulgação do direito e da política de concorrência através de uma
publicação trimestral, que coordena em parceria com um instituto universitário,
a revista Concorrência & Regulação.
A atividade de advocacy de uma autoridade da concorrência não deve, no
entanto, cingir-se à disponibilização de informação. Deve também ser proactiva
na interação com os principais stakeholders na promoção de uma cultura de
concorrência e de prevenção.
O diálogo com a comunidade de concorrência, a comunidade empresarial, a
comunicação social e os consumidores, é essencial para a promoção de uma
cultura de concorrência. Desde logo através da participação em seminários,
colóquios e conferências.
Com vista à promoção do diálogo com a comunidade empresarial portuguesa, a
Autoridade da Concorrência irá lançar no próximo mês de Outubro um road
show, que consiste em oito sessões por todo o país de sensibilização dos
benefícios da concorrência e dos riscos do incumprimento, optando por uma
linguagem clara, acessível e adaptada à realidade dos empresários portugueses.
Organizado em parceria com associações empresariais nacionais e regionais,
esta campanha é a primeira deste género a ser organizada pela Autoridade da
Concorrência, e tem tido um acolhimento muito positivo por parte das
associações empresariais – elas próprias potenciais parceiras na promoção de
uma cultura de concorrência junto dos seus associados.
Sem descurar a importância da atividade de advocacy, a promoção de uma
cultura de concorrência exige também um enforcement eficaz e vigoroso.
Embora tenha como objetivo imediato a repressão e punição de infrações
anticoncorrenciais, a atividade sancionatória pode ter um importante efeito
dissuasor.
Foi também uma conclusão do CAPDC que a recetividade dos clientes a
propostas de assessoria em ações de compliance é determinada sobretudo pelo
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anúncio de investigações (pela Autoridade da Concorrência portuguesa e pela
Comissão Europeia) e pela perceção do risco da empresa/setor/mercado e, em
segundo plano, pelo anúncio de prioridades da AdC.
Ou seja, não bastará apenas uma atividade de advocacy para que as empresas
estejam recetivas a desenvolver mecanismos de compliance. As empresas
tomam em consideração os riscos que enfrentam, para além dos recursos que
têm disponíveis, e o risco será tanto maior, quanto mais eficaz for a atividade de
enforcement da Autoridade da Concorrência.
As empresas devem ter consciência de que, a longo prazo, é a concorrência, e
não a sua restrição, que torna as empresas eficientes e inovadoras e gera
crescimento sustentado.
Por outro lado, as sanções por condutas restritivas da concorrência podem ter
um impacto financeiro e reputacional sério para as empresas infratoras, mas
também para os respetivos dirigentes que, em Portugal, podem ser
responsabilizados a título individual. Em alguns países os dirigentes podem ser
punidos criminalmente.
Em Portugal, as coimas por práticas restritivas da concorrência podem atingir
10% do volume de negócios das empresas infratoras, o mesmo sucedendo em
muitos outros Estados Membros da União Europeia. Para a obtenção de um
efeito dissuasor efetivo, é importante que a aplicação de coimas de montante
suficientemente alto para criar nas empresas a convicção de que os custos
inerentes às infrações superam os eventuais benefícios decorrentes das
mesmas.
Para além das sanções aplicadas pelas autoridades da concorrência, também as
ações de indemnização privadas (private enforcement) podem ter
consequências bastante gravosas para as empresas. Na União Europeia, está
para muito breve a adoção de uma Diretiva que visa facilitar o recurso a ações
de indemnização por infrações anticoncorrenciais, aumentando o risco
financeiro para as empresas infratores.
Não deverão ser ignorados também os custos inerentes à defesa de uma
empresa sob investigação, ao longo de um processo que pode ser bastante
longo, desviando recursos importantes das empresas e podendo mesmo limitar
a sua produtividade.
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Tendo em vista, também, esse objetivo dissuasor, a Autoridade da Concorrência
elegeu como umas das suas prioridades para 2014, no âmbito da sua atividade
de enforcement, o reforço do combate aos cartéis.
No final de 2013, a Autoridade da Concorrência promoveu uma reestruturação
interna e uma das alterações introduzidas foi a criação de uma Unidade AntiCartel, procurando otimizar a sua organização e gerir de uma forma mais
eficiente os recursos disponíveis, canalizando-os para esta importante área da
sua atividade.
Uma preocupação central da Autoridade tem sido também o desenvolvimento
das suas técnicas de investigação, recolha e análise de prova, nomeadamente
através de instrumentos de busca informática (Forensic IT).
Por outro lado, está a desenvolver iniciativas para reforçar a sua capacidade de
atuação ex-officio, por exemplo no domínio da contratação pública.
Um outro importante foco da nossa atenção tem sido a dinamização do
programa de clemência (leniência) e o recurso ao mecanismo da transação
(settlements). A existência de um programa ativo de clemência (leniência) é, só
por si, um importante elemento dissuasor, uma vez que aumenta a
probabilidade de deteção e punição dos cartéis.
Em conclusão, creio estarmos todos conscientes de que a concorrência é
fundamental para uma economia mais competitiva, mais dinâmica e mais forte,
em benefício dos consumidores, mas também das próprias empresas e da
economia no seu todo. E sabemos também que os custos do incumprimento das
regras da concorrência podem ser elevados para todos.
O cumprimento das regras da concorrência é, pois, fundamental.
O empenho das autoridades da concorrência em geral e da Autoridade da
Concorrência em particular tem sido grande no sentido de prevenir e, sendo
caso disso, sancionar as infrações às regras de defesa da concorrência.
Mas o esforço das empresas é também imprescindível. O primeiro passo é
conhecer as regras e as consequências do seu incumprimento e evitá-lo. A etapa
seguinte é conseguir detetar e reagir a eventuais infrações. Para isso, a
implementação de adequados programas de compliance é, sem dúvida, da
maior importância.
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O nosso papel, o papel das autoridades da concorrência será aqui mais indireto
mas também relevante, devendo passar, sobretudo, por medidas de
informação, esclarecimento e encorajamento no cumprimento pelas empresas
das regras de concorrência, nomeadamente através de programas de
compliance. Em prol, sempre, da defesa da concorrência, na procura constante
de melhores condições para todos.
António Ferreira Gomes
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