MONTEIRO LOBATO A tarde ia morrendo. Não tardou que Pedrinho visse brilhar no céu, por entre uma nesga aberta na copa das árvores, a primeira estrelinha. Que coisa impressionante era a noite! Até aquele momento Pedrinho ainda não havia prestado atenção nisso. Noite em casa não é noite, Acende-se o lampião, fecha-se a porta da rua – e que é da noite? Mas ali, oh, ali a noite o era de verdade – das imensas, das completamente escuras, apenas com aqueles vaga-lumes parados no céu que os homens chamam estrelas... Tinham de esperar a meia-noite, porque só a essa hora é que os duendes da floresta saem de suas tocas. Para matar o tempo, o saci começou a explicar a Pedrinho o que era a vida na natureza. - Você nunca poderá fazer idéia da vida encantada que temos por aqui – disse êle. - Ora, ora! - exclamou o menino. - Não há o que os homens não saibam. Vovó tem lá uma História Natural que conta tudo. O saci riu-se e tirou uma baforada do pitinho. - Tudo? Ah,ah,ah!... Livros como esse não contam nem isca do que é, e estão cheios de invenções ou erros. Basta dizer que para cada inseto seria preciso um livro inteiro só para contar alguma coisa da vidinha deles. E quantos insetos existem? Milhões... Enquanto isso, Pedrinho desdobrava o jornal e lia os enormes títulos e subtítulos da guerra. - Novo bombeiro de Londres, vovó. Centenas de aviões voaram sobre a cidade. Um colosso de bombas. Quarteirões inteiros destruídos. Inúmeros incêndios. Mortos à beça. O rosto de Dona Benta sombreou. Sempre que punha o pensamento na guerra ficava tão triste que Narizinho corria a sentar-se em seu colo para animá-la. - Não fique assim, vovó. A coisa foi em Londres, muito longe daqui. - Não há tal, minha filha. A humanidade forma um corpo só. Cada país é um membro desse corpo, como cada dedo, cada unha, cada mão, cada braço ou perna faz parte do nosso corpo. Uma bomba que cai numa casa de Londres e mata uma vovó de lá, como eu, e fere netinha como você ou, deixa aleijado um Pedrinho de lá, me dói tanto como se caísse aqui.