Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 857.566 - RS (2006/0119426-7)
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, "a", da
Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul que restou assim ementado:
"APELAÇÃO CÍVEL.
INFRAÇÃO DE TRÂNSITO.
AUTUAÇÃO EM FLAGRANTE DO CONDUTOR.
PAGAMENTO DA MULTA IMPUTADO AO PROPRIETÁRIO.
regularidade DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO.
Faz-se competente a Brigada Militar, através de seu batalhão
rodoviário, para a Fiscalização e Autuação de infração de Trânsito:
Deflagração de procedimentos administrativos de aplicação de penalidade de
trânsito, através da inicial autuação da infração, que encontra respaldo em
convênio assinado entre a corporação e os órgãos executivos e fiscalizadores
de trânsito. Incidência dos arts. 22 e 23, inciso III, ambos do CTB.
Havendo autuação em flagrante, o prazo para a defesa passa a
fluir da data da notificação pessoal operada no instante do fato. Autuação em
flagrante que recaí sobre o próprio demandante, responsável pela pontuação
infracional. Penalidade pecuniária sequer poderia ser objeto de impugnação
pelo autor, pois de responsabilidade do proprietário. Expedição de notificação
da autuação, em face do autor, no prazo de 30 dias estabelecido pelo art. 281,
§ único, II, do CTB que não se revela necessária.
SENTENÇA MANTIDA.
RECURSO DESPROVIDO."
Alega, em síntese, o recorrente, violação aos artigos 23, III, 281, caput, e
parágrafo único, II e 314, parágrafo único, todos da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito
Brasileiro - CTB), por não ter sido observado o procedimento administrativo nele
previsto.
Requer, ao final, seja dado integral provimento ao Recurso Especial, por
ter negado o Tribunal a quo vigência aos citados dispositivos.
Foram apresentadas contra-razões (fls. 187-191).
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O Recurso Especial foi admitido por meio de provimento de Agravo de
Instrumento (fl. 124 do apenso).
É o relatório.
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RECURSO ESPECIAL Nº 857.566 - RS (2006/0119426-7)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO HERMAN BENJAMIN (Relator):
Prequestionada a matéria relativa à interpretação dos dispositivos legais tidos por
violados (art. 23, III, art. 281, caput, e parágrafo único, II e art. 314, parágrafo único,
todos da Lei 9.503/97, Código de Trânsito Brasileiro - CTB), e presentes os demais
pressupostos de admissibilidade, conheço do Recurso Especial pela alínea "a" do
permissivo constitucional.
Pretende o recorrente, por meio desta via, a reforma do acórdão que
decidiu a Apelação interposta em Ação Anulatória julgada improcedente.
Ressalte-se que o acórdão ora impugnado decidiu que o procedimento
adotado pela autoridade administrativa não merece qualquer reparo. Dispõe, ainda, tal
decisum , que: "não se deslembre que havendo notificação no momento do
cometimento
da infração, não se poderia falar em afronta aos princípios
constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório em face
do condutor, autuado em flagrante, pois, contra o qual, passou a correr o prazo para
a produção de defesa prévia na data do fato, tendo sido pessoal sua notificação (art.
280, inciso VI, do CTB)".
Dessarte, o cerne da lide cinge-se à discussão sobre a incidência dos
artigos 23, III, 281, caput, e parágrafo único, II, e 314, parágrafo único, do CTB, à
hipótese do procedimento administrativo que deverá ser adotado para a imposição de
penalidade por infração de trânsito. Os dispositivos tidos por violados, assim
estabelecem:
Artigo 23, inciso III, da Lei 9.503/97:
"Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do
Distrito Federal:
(...)
III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme
convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou
executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes
credenciados" .
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Artigo 281, caput e parágrafo único, II, da Lei 9.503/97:
"Art. 281. A autoridade de trânsito, na esfera da competência
estabelecida neste Código e dentro de sua circunscrição, julgará a
consistência do auto de infração e aplicará a penalidade cabível.
parágrafo único. O auto de infração será arquivado e seu
registro julgado insubsistente:
(...)
II - se, no prazo máximo de trinta dias, não for expedida a
notificação da autuação."
Artigo 314, parágrafo único, da Lei 9.503/97:
"Art. 314. O CONTRAN tem o prazo de duzentos e quarenta
dias a partir da publicação deste Código para expedir as resoluções
necessárias à sua melhor execução, bem como revisar todas as resoluções
anteriores à sua publicação, dando prioridade àquelas que visam a diminuir o
número de acidentes e a assegurar a proteção de pedestres.
parágrafo único. As resoluções do CONTRAN, existentes até a
data de publicação deste Código, continuam em vigor naquilo em que não
conflitem com ele."
No que se refere à alegada violação ao art. 23, III, do CTB, não há como
prosperar, pois esta Corte tem o seguinte entendimento em relação ao tema:
"ADMINISTRATIVO.
INFRAÇÃO
DE
TRÂNSITO.
LEGITIMIDADE DA BRIGADA MILITAR PARA HOMOLOGAR AUTOS DE
INFRAÇÃO. EXIGÊNCIA DE SE FACULTAR AO SUPOSTO INFRATOR
DEFESA PRÉVIA À APLICAÇÃO DA PENALIDADE. ENTENDIMENTO
PREVALENTE NA 1ª SEÇÃO.
1. Em que pese detenha, por força do art. 23 do CTB,
legitimidade para aplicar penalidades em razão de cometimento de infração
de trânsito, à Brigada Militar não cabe a homologação dos respectivos autos
de infração (grifei).
2. Firmou-se, em ambas as Turmas da 1ª Seção desta Corte, o
entendimento segundo o qual há necessidade de dupla notificação do infrator
para legitimar a imposição de penalidade de trânsito: a primeira por ocasião
da lavratura do auto de infração (CTB, art. 280, VI), e a segunda quando do
julgamento da regularidade do auto de infração e da imposição da penalidade
(CTB, art. 281, caput).
3. Recurso especial a que se nega provimento." (REsp
655886/RS, Ministro Relator Teori Albino Zavascki, publicado no DJ de
29/11/2004).
Também não há que se falar em violação no que se refere aos artigos
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281, caput, e parágrafo único, II e 314, parágrafo único, do CTB, nem à Súmula
127/STJ, pois esta Corte vem decidindo que é indispensável a efetivação de duas
notificações no procedimento administrativo adotado para a imposição de multas de
trânsito: a) a primeira poderá ser feita pelo correio, quando for o caso de autuação à
distância ou por equipamento eletrônico, correspondendo à notificação relativa à
lavratura do auto de infração (art. 280, caput e inciso VI, do CTB), exceto nas
hipóteses de flagrante, quando a notificação do infrator se realiza em sua presença (art.
280, VI, § 3º c/c o art. 281, II, do CTB); b) a segunda deverá ocorrer após julgada a
subsistência do auto de infração, com a imposição da penalidade (art. 282, do CTB).
Esse entendimento encontra-se consubstanciado na Súmula 312/STJ: "No processo
administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações
da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração". Nesse sentido:
"PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. INFRAÇÃO DE
TRÂNSITO. PENALIDADE. PRÉVIA NOTIFICAÇÃO. AMPLA DEFESA E
CONTRADITÓRIO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 127/STJ. O
CÓDIGO DE TRÂNSITO IMPÔS MAIS DE UMA NOTIFICAÇÃO PARA
CONSOLIDAR A MULTA. AUSÊNCIA DE CONVALIDAÇÃO PELO
PAGAMENTO.
AFIRMAÇÃO
DAS
GARANTIAS
PÉTREAS
CONSTITUCIONAIS NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. SÚMULA
312/STJ. AUTO DE INFRAÇÃO EM FLAGRANTE. ASSINATURA DO
CONDUTOR.
1. Súmula 312/STJ:"No processo administrativo para
imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e
da aplicação da pena decorrente da infração".
2. Sobressai inequívoco do CTB (art. 280, caput) que à
lavratura do auto de infração segue-se a primeira notificação in faciem (art.
280, VI) ou, se detectada a falta à distância, mediante comunicação
documental (art. 281, parágrafo único, do CTB), ambas propiciadoras da
primeira defesa, cuja previsão resta encartada no artigo 314, parágrafo
único, do CTB em consonância com as Resoluções 568/80 e 829/92 (art. 2º e
1º, respectivamente, do CONTRAN).
3. Superada a fase acima e concluindo-se nesse estágio do
procedimento pela imputação da sanção, nova notificação deve ser expedida
para satisfação da contraprestação ao cometimento do ilícito administrativo
ou oferecimento de recurso (art. 282, do CTB). Nessa última hipótese, a
instância administrativa somente se encerra nos termos dos artigos 288 e 290,
do CTB.
4. Revelando-se procedente a imputação da penalidade, após
obedecido o devido processo legal, a autoridade administrativa recolherá, sob
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o pálio da legalidade, a famigerada multa pretendida abocanhar
açodadamente.
5. Todavia, a inobservância da dupla notificação exigida pelo
CTB não conduz à anulação de todo o procedimento administrativo, mas
apenas a partir do momento em que se efetivou o cerceamento de defesa.
Permanece, portanto, incólume o auto de infração, a fim de que seja expedida
a notificação aos autuados, assegurando a aplicação do devido processo
legal. Precedente da Corte: AGA 583.272/RS, Primeira Turma, Rel. Min. José
Delgado, DJ 27/09/2004.
6. A notificação endereçada ao proprietário do veículo ou ao
motorista infrator objetiva permitir o recolhimento da multa com o desconto
previsto no art. 284 do CTB. É pacífico o entendimento desta Corte de que a
penalidade de multa por infração de trânsito deverá ser precedida da devida
notificação do infrator, sob pena de ferimento aos princípios do contraditório
e da ampla defesa. O proprietário do veículo responde solidariamente com o
condutor do veículo. Em outras palavras, a responsabilidade do dono da coisa
é presumida, invertendo-se, em razão disso, o ônus da prova.
7. Ademais, é cediço na Corte que:
"Da análise dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro
que se referem ao processo administrativo, constata-se que, após a lavratura
do auto de infração, haverá indispensável duas notificações, ou seja, a
primeira quando da lavratura do auto de infração, se a autuação ocorrer em
flagrante, ou, por meio do correio, quando a autuação se dê à distância ou por
equipamentos eletrônicos. A segunda notificação deverá ocorrer após julgado
o auto de infração com a imposição da penalidade. Na espécie, ainda que a
infração de trânsito tenha sido cometida por condutor, autuado em flagrante,
que não o proprietário do veículo, deve-se considerar como notificação válida
sua assinatura no auto de infração. Com efeito, o Código de Trânsito
Brasileiro, em seu artigo 280, VI, determina que deverá constar do auto de
infração a assinatura do infrator, sem fazer qualquer distinção entre
proprietário ou condutor do veículo. Do exame dos artigos 281 e 282 do CTB,
conclui-se que somente se exige a notificação do proprietário em relação à
penalidade de multa, devido a sua responsabilidade por seu pagamento. Como
bem asseverou o ilustre Ministro Teori Albino Zavascki, quando do
julgamento do REsp 567.038/RS, "a defesa quanto à consistência do auto de
infração cabe ao condutor do veículo no momento da constatação da
irregularidade, pois é ele que conhece as circunstâncias em que o fato
ocorreu. Portanto, a notificação da autuação foi realizada no prazo fixado em
lei, vez que não se exige neste caso, também, a notificação do proprietário"
(DJ 01.07.2004). Diante do exposto, na hipótese, as duas notificações foram
realizadas em conformidade com os dispositivos do Código de Trânsito
Brasileiro, uma vez que a primeira ocorreu quando da autuação em flagrante
do condutor e a segunda foi enviada ao proprietário do veículo, responsável
pelo pagamento da multa. (...)" (REsp 689785/RS, Relator Ministro
FRANCIULLI NETTO, DJ de 02.05.2005).
8. Agravo Regimental Desprovido." (AgRg no REsp
832.334/RS, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJ de 18/09/2006).
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"PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO.
INFRAÇÃO DE TRÂNSITO. PENALIDADE. NECESSIDADE DE DUPLA
NOTIFICAÇÃO. RESOLUÇÃO N. 149 DO CONTRAN.
1. É necessária a dupla notificação do infrator para que seja
legítima a imposição de penalidade de trânsito. Com efeito, a existência de
Resolução do Contran que não se compatibiliza com esse entendimento não
tem o condão de alterar o tal entendimento.
2. Recurso especial provido." (REsp 828.780/DF, Relator
Ministro João Otávio de Noronha, publicado no DJ de 5/10/2006).
Ademais, o voto (fl. 154) embasador do acórdão proferido na Apelação,
pelo Tribunal a quo (que é a instância competente para analisar as provas e os fatos
aduzidos pelas partes) noticia que "o condutor do veículo (Diego Pieve Scherer,
conforme assinatura constante no AIT acostado) foi autuado em flagrante" . Logo
adiante, no mesmo decisum, encontra-se
"remetendo-se a notificação para o
pagamento da multa por infração de trânsito (fl. 39) ao proprietário do veículo,
consoante o certificado de registro e licenciamento acostado à fl.40 (Sidnei Carlos
Scherer)" . Restou caracterizada, assim, a dupla notificação preconizada pela legislação
de regência.
Por tudo isso, conheço do Recurso Especial e nego-lhe provimento.
É como voto.
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