Por que África? Para uma introdução das relações internacionais do PT com o continente Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores – Brasil – www.pt.org.br Iole Iliada Lopes – Secretária de Relações Internacionais do PT Coordenação e revisão: Beluce Bellucci Revisão: Luiz Carlos Fabbri Diagramação: Sandra Luiz Alves Equipe da Secretaria: Edma Valquer ([email protected]); Fábio El-Khouri ([email protected]); Terra Budini ([email protected]); Wilma dos Reis ([email protected]); Valter Pomar – Membro da Direção Nacional e Secretário Executivo do Foro de São Paulo (pomar.valter @gmail.com). PARTIDO DOS TRABALHADORES – Integrantes da CEN para o biênio 2010/2014 Comissão Executiva Nacional (CEN) – (Direito a voto e voz) Rui Falcão – Presidente; José Guimarães – Vice-presidente; Fátima Bezerra – Vicepresidente; Elói Pietá – Secretário Geral; João Vaccari Neto – Secretário de Finanças; Paulo Frateschi – Secretária de Organização; André Vargas – Secretário de Comunicação; Renato Simões – Secretário de Movimentos Populares; Jorge Coelho – Secretário de Mobilização; Carlos Henrique Árabe – Secretário de Formação Política; Geraldo Magela – Secretário de Assuntos Institucionais; Iole Ilíada Lopes – Secretária de Relações Internacionais; Humberto Costa – Líder do PT no Senado; Paulo Teixeira – Líder do PT na Câmara; Maria do Carmo Lara – Vogal; Benedita da Silva – Vogal; Mariene Pantoja – Vogal; Arlete Sampaio – Vogal; Virgílio Guimarães – Vogal; Fátima Cleide – Vogal Membros observadores da CEN – (Direito a voz e sem direito a voto) João Felício – Secretário Sindical Nacional; Valdemir Rodrigues Pascoal – Secretário Nacional da Juventude; Edmilson Souza – Secretário Nacional de Cultura; Júlio Barbosa – Secretário Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento; Laisy Moliére – Secretária Nacional de Mulheres; Cida Abreu – Secretária Nacional de Combate ao Racismo; Elvino Bohn Gass – Secretário Nacional Agrário São Paulo – Rua Silveira Martins, no 132, Centro, CEP 01019-000 São Paulo-SP, Brasil. E-mail: [email protected] – Tel. (+5511) 3243-1377 Fax (+5511) 3243-1359. Brasília – SCS Quadra 2 – Bloco C – no 256 – Edifício Toufic CEP 70302-000 – Brasília-DF, Brasil. Tel. (+5561) 3213-1373/1423 Fax (+5561) 3213-1397 Índice Apresentação ........................................................... 5 A África e o PT: breve histórico e propostas de atuação política................................. 7 As macro-regiões do continente africano ............................ 19 A diversidade histórica, política e cultural da África ............. 28 Economia, conflitos e migrações como temas de reflexão ... 33 Notas ................................................................................. 38 Referências bibliográficas .................................................... 39 Anexos ................................................................... 41 Os autores.............................................................. 51 Por que África? 4 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Apresentação A história da relação entre Brasil e África remonta à alvorada da constituição da modernidade capitalista e da formação de um sistema econômico de caráter global. Tão antiga, no entanto, ela foi confiscada por nossos modelos culturais e educacionais eurocêntricos – os mesmos que tornaram, por muito tempo, esse Continente de muitas geografias e muitas sociedades quase invisível para o povo brasileiro, revelando-o apenas sob o manto do preconceito e dos estereótipos. Só em 2003, a partir da luta dos negros e negras do país, aprovou-se a lei que determina a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares. Tal lei não foi o único avanço nos últimos anos, no que se refere a esse necessário desvelar da África para o Brasil. As políticas implementadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva visando ampliar as relações políticas e econômicas com os países africanos contribuíram para colocar aquele Continente em evidência, dessa vez como espaço de possibilidades e oportunidades. No que se refere especificamente ao Partido dos Trabalhadores, a resolução aprovada no 3o Congresso, e que foi reafirmada pelo 4º Congresso, ressaltou a importância da ampliação das alianças e relações Sul-Sul, com vistas a diminuir a dependência dessas nações com referência aos países centrais e democratizar os organismos econômicos e políticos internacionais. Nessa direção, o PT estabeleceu, como uma das prioridades de sua política internacional, “o fortaleci5 Por que África? mento das relações com o continente africano, baseadas na cooperação e em nossos laços históricos e culturais”. Esse é o contexto que emoldura a presente contribuição da Secretaria de Relações Internacionais a esse debate, elaborada por Beluce Bellucci e Luiz Carlos Fabbri, dois membros de nosso Coletivo que, mais que estudar a África, encontraram ali, em tempos tristes da história brasileira, um abrigo e um espaço para o exercício da política. Esperamos que os olhares de Bellucci e Fabbri possam nos ajudar a fazer essa travessia do Atlântico Sul, nos tornando mais próximos do Continente Africano e de toda sua complexidade e diversidade histórica, política e cultural. Iole Iliada Secretária de Relações Internacionais do PT 6 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri A África e o PT: breve histórico e propostas de atuação política Beluce Bellucci — Luiz Carlos Fabbri A história do PT tem sido marcada por ações no plano internacional, ancoradas numa visão internacionalista e voltadas para a construção de um amplo leque de relações com partidos e organizações políticas progressistas de todo o mundo. De modo geral, essas relações se plasmaram por meio de reflexões conjuntas com parceiros internacionais sobre as mudanças políticas profundas que começaram a ocorrer no mundo pós-guerra fria, e a consequente necessidade de intercambiar experiências e propostas de estratégias de luta contra as novas formas de hegemonia e em favor de sociedades mais justas e igualitárias e um novo modelo de socialismo. Nos anos de formação do PT, basicamente ao longo da década de 1980, as relações internacionais tiveram um veio predominantemente europeu e latino-americano, com um forte componente de solidariedade. Progressivamente, com o sucesso obtido nas eleições presidenciais de 1989 e a conquista ulterior de várias prefeituras, as relações internacionais foram-se concentrando na América Latina, com destaque para a criação do Foro de São Paulo em 1990. De igual modo, cresceram as relações com o Partido Comunista da China e com um diversificado arco de organizações de outros países, assim como associações e correntes políticas internacionais. No entanto, poucos contatos ocorreram ao longo desse período com a África, com exceção da África do Sul, em parte pela dificuldade em compreender e incorporar as mudanças políticas que ocorri7 Por que África? am no continente e, em parte, pela perda de ímpeto dos movimentos progressistas que haviam comandado as independências africanas, o qual coincide com os anos de formação do PT e se acentua ao longo da década de 1990. Hoje, a situação mudou radicalmente. A política externa do governo Lula deu uma grande prioridade à relação com países africanos, ampliando o comércio externo, que alcançou US$ 9 bilhões em 2009, estabelecendo alianças em torno de temas de interesse comum, desenvolvendo a cooperação com inúmeros países, particularmente os de expressão portuguesa, e apoiando posições e demandas africanas junto às instâncias internacionais. As relações do Brasil com a África cresceram de tal maneira nos últimos anos que, segundo dados do Itamaraty, o país possui hoje relações diplomáticas com todos os 52 países africanos, dos quais 21 dispõem de embaixadas ou delegações no Brasil e 8 se encontram à espera de designação de embaixadores, num total de 29 representações permanentes. Por sua vez, são 35 as representações brasileiras na África, incluindo embaixadas e alguns consulados. Paralelamente às relações de cunho estatal, outros atores estão cada vez mais entrando em cena, como governos subnacionais, grandes empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil, tais como universidades, confissões religiosas, organizações não governamentais e outras, com a consequente disseminação de informações sobre a realidade africana e a gestação de novos interesses no seio da sociedade brasileira. No próprio Partido, o interesse é crescente, como o demonstram várias atividades da Secretaria de Relações Internacionais, o incentivo ao desenvolvimento de relações com organizações políticas e governos locais e a própria decisão de realizar um ciclo de seminários sobre África. 8 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Cabe, contudo, indagar-se sobre as razões para este ciclo de seminários que propomos, ou seja, por quê África para o PT, como organização política e como Partido com ampla atuação governamental. A seguir, enumeramos e especificamos algumas razões que justificam o crescente interesse do PT pela África e a necessidade de seu estudo. 1) “Nada do que é humano deve deixar-nos indiferentes”. No caso da África, trata-se de uma dimensão da humanidade que tem tudo a ver conosco. Em primeiro lugar, pela própria composição racial da sociedade brasileira, formada por grande e crescente contingente de afrodescendentes. Devido à diferença nas taxas de fecundidade entre população branca e não branca, projeta-se que ¾ da população brasileira estará constituída por negros e pardos em 2050. Além disso, a formação histórica do Brasil e da África teve um caráter combinado, resultante do compartilhamento do espaço econômico do Atlântico Sul nos albores do mercantilismo, o qual era uma espécie de Mare Nostrum, interligando suas faixas costeiras. Como consequência, há uma forte identidade humana e cultural com a África, que tende a crescer, num mundo que se globaliza, acelerando os intercâmbios de informação e os processos de comunicação e cooperação. O conhecimento sobre a África nos ajuda como Partido a atuar, principalmente no plano cultural, combatendo as visões elitistas e eurocêntricas presentes na sociedade brasileira, reforçando a nossa identidade histórica e conjugando-a à emancipação social da imensa maioria de excluídos brasileiros, quase todos afrodescendentes. A identidade histórica e cultural do Brasil que queremos construir tem uma imbricação forte com a humanidade africana do nosso povo. 9 Por que África? 2) Orientar e fundamentar as relações internacionais com a África e globalmente. Este ciclo de seminários representa uma primeira contribuição para melhor assentar as nossas relações políticas com a África. Seus temas foram escolhidos com a perspectiva de gerar e propagar um conhecimento transformador sobre a história e os desafios africanos na atualidade. O que se pretende com isso é criar alicerces capazes de tornar as relações do PT com a África plenas de conteúdos concretos e de possibilidades de discernimento sobre temas e estratégias políticas em curso no continente. Com efeito, e a experiência do Foro de São Paulo o confirma, nenhuma construção política é possível se houver excessivo apego a governos ou instituições vigentes e desinteresse ou incompreensão sobre alternativas políticas emergentes e novas pautas de mudanças, tanto no que se refere a países como a processos de associação e integração mais amplos. O conhecimento sobre África que este seminário quer estimular poderá assim aproximar-nos deste continente e orientar as nossas relações e as nossas escolhas para níveis de entendimento equivalentes aos que fundam hoje nossas relações políticas com organizações européias ou latino-americanas. 3) Avaliar as estratégias e propostas de organizações e movimentos populares africanos, do ponto de vista de seu caráter, efetividade e viabilidade. Diversamente do que ocorria no campo dos partidos de esquerda no passado, que se inseriam em estratégias revolucionárias previamente existentes, com reduzidos graus de liberdade, o PT nunca se filiou a correntes ou doutrinas comandadas no plano internacional. É, portanto, parte importante de sua forma de atuar e de sua experiência formar uma opinião própria sobre cada uma das organi10 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri zações políticas que preconizam transformações sociais, com genuíno interesse pela história de cada uma, suas visões de mundo e suas propostas. O conhecimento das Áfricas, de suas vicissitudes e desafios, mas também de suas potencialidades, favorece posicionamentos mais bem informados não somente sobre o caráter dessas forças políticas, mas também sobre a efetividade de suas estratégias num contexto internacional que se abre cada vez mais para o multilateralismo, no quadro de um debilitamento das formas hegemônicas do poder mundial. 4) Estabelecer relações políticas informadas e construtivas, incluindo formas de colaboração e apoio. Evidentemente que uma visão de conjunto sobre as forças e as tendências políticas que apontam no sentido de mudanças progressistas na África constitui somente um primeiro passo, necessário para a construção de relações políticas, a busca de parcerias e mesmo a criação de foros e mecanismos de discussão e convergência. Há todo um conjunto de relações políticas que poderão ser estabelecidas, em que o PT, melhor informado com respeito à África, poderá prestar apoio concreto e, ao mesmo tempo, cooperar, inclusive no aprofundamento sobre os grandes temas da África, de suas regiões e países, para os quais este Seminário somente pretende contribuir. Nesse sentido, a experiência de trabalho acumulada pelo Foro de São Paulo constitui sem dúvida um capital para o PT e também para a esquerda latino-americana de uma maneira geral, que, como é sabido, vai muito além das reuniões regulares, e abarca a identificação de temas comuns, o debate aprofundado e multifacético sobre os desafios políticos de atualidade, a ajuda mútua e a realização de ações coletivas. 11 Por que África? 5) Estabelecer relações políticas com atores decisivos. Com o crescente fracasso do neoliberalismo em todo o mundo, a fraca legitimidade de alguns governos africanos e um novo ciclo de lutas populares que se avizinha, estão surgindo cada vez mais movimentos em prol de mudanças políticas que possuem características novas, distintas das que haviam marcado os processos de descolonização e de emancipação política no passado recente. Algumas vezes essas mudanças ocorrerão com o beneplácito de partidos atualmente no poder, alguns nascidos de movimentos de libertação nacional. Porém, cada vez mais, serão novas organizações e novos atores políticos e suas bases de apoio, alguns já emergindo ou em construção, que tenderão a protagonizar mudanças políticas no futuro. Questões programáticas de reestruturação e reforma do Estado, de novas prioridades econômicas, de promoção de um desenvolvimento mais inclusivo e de valorização cultural farão parte das novas pautas. O estreitamento das relações político-partidárias com esses atores poderá ser um veículo de entendimento dessas lutas, de transmissão de experiências, de aprendizado comum e, certamente, de apoio a transformações progressistas. Não se tratará de maneira nenhuma de exportar modelos e, menos ainda, de impor caminhos e teorias. Deverá haver, ao contrário, um intercâmbio permanente de pontos de vista e propostas, que requerem informação e conhecimento das realidades africanas de nossa parte e, por outro lado, humildade e inteligência para traduzir nossas idéias e experiências em situações concretas bastante diversas, e cooperar, mediante o diálogo e a aprendizagem conjunta. 6) Favorecer e dar suporte de conhecimento às lutas contra o racismo e pela igualdade racial no Brasil. A iniciativa de publicar a presente série de textos e de realizar 12 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri seminários sobre África ocorre sob os auspícios da Secretaria de Relações Internacionais, em colaboração com a Secretaria Nacional de Combate ao Racismo. Embora o foco seja o continente africano, serão exploradas, sempre que pertinente, as relações históricas do Brasil com os temas que serão abordados. Com efeito, conhecer África na perspectiva do aprimoramento de uma política africana do PT e de sua aplicação prática, não é uma questão alheia ao racismo incrustado na sociedade brasileira. Em primeiro lugar, significa compreender que o racismo é um fenômeno cujas dimensões espaço-temporais transcendem nosso país, ligadas que estão à espoliação colonial da África e à urdidura de um sistema escravocrata, que esteve na base da acumulação primitiva do capital e da expansão mercantil do capitalismo, e que emergiu a partir do século XV Em segundo lugar, significa assumir plenamente nossa condição de país formado majoritariamente por afrodescendentes, resultante da forma conjugada como se produziu a incorporação ao capitalismo da África e do Brasil (e outros países do continente americano). Ou seja, que genética e história foram momentos de uma mesma dinâmica, ainda que isso não seja evidente para todos. Uma política africana do PT deve possibilitar assim uma práxis mais lúcida, tanto do ponto de vista nacional como de nossas relações externas. Finalmente, um maior conhecimento sobre os determinantes do racismo nos permitirá superar equívocos e preconceitos contra a África real, que acabam por segmentar a unidade das forças políticas no Brasil, necessária aos processos de transformação. A luta por uma visão política profundamente anti-racista e igualitária não carece de concessões a uma África idílica ou abstrata e a um africanismo escorado puramente na paixão. 13 Por que África? 7) Contribuir para a formação política dos militantes num dos temas mais relevantes da atualidade. A formação política sobre África, além de ser objeto de uma demanda cada vez mais significativa em nosso meio, traduz a necessidade de melhorar a nossa intervenção em temas de crescente atualidade. A proximidade do continente africano, com quase um bilhão de pessoas, nos coloca perante a responsabilidade de conhecê-lo para tentar compreender as transformações por que está passando, adotando posições respeitosas e progressistas, que nos diferenciem das posturas de cunho imperial e neocolonial que continuam a marcar a submissão de nossas elites ao mundo exterior. Uma política africana de esquerda para o Brasil requer um direcionamento político que projete uma nova forma de convivência e autêntica cooperação, capaz de representar um marco, não somente com respeito à África, mas que vá também ao encontro da enorme e ramificada diáspora africana em todo o mundo. 8) Acompanhar e avaliar criticamente as ações governamentais com respeito à África. A profusão das iniciativas do governo federal dirigidas a países africanos e ao continente como um todo, no quadro de um estreitamento de relações diplomáticas e econômicas, bem como a multiplicação de ações de cooperação de entes subnacionais, colocamnos hoje num novo patamar de responsabilidade partidária. Os diferentes níveis de governo e o próprio Estado brasileiro passaram a conduzir variadas ações, generosas, porém muitas vezes ingênuas; genuínas, mas abrindo caminho algumas vezes a interesses imediatistas; sinceras, embora podendo contribuir a perpetuar ou renovar formas de exploração e dominação a que o continente tem sido submetido. 14 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri É preciso, por isso, formar-se um juízo crítico informado dessas ações governamentais, evitando que morra na fonte o impulso cordial de favorecer o desenvolvimento e as mudanças sociais nos países africanos. A nossa relação com África não pode ser somente incremental com respeito a tudo o que já se faz, agregando “mais do mesmo” ao que já é feito pelos países do Norte há décadas, com resultados irrisórios. As relações que construamos deverão materializar uma comunhão estratégica e apontar no sentido de parcerias para o desenvolvimento, com ações de longo prazo e duradouras. 9) Participar da construção da política africana do PT. A ação prática com respeito à África tem antecedido a reflexão e a formulação de estratégias políticas. A própria diplomacia brasileira opera na África com base em diretrizes gerais, inspiradas numa visão prospectiva do Brasil, porém com sérias lacunas de conhecimento e com pouco ou nenhum descortínio frente ao significado das lutas históricas de emancipação no continente. A construção de uma política africana representa uma necessidade prática para definir em termos concretos ações e programas que contribuam efetivamente para transformações sociais no continente, indo além dos discursos voluntaristas e autocomplacentes. O PT deverá tornar-se capaz, estudando e compreendendo a África, de avançar nesse terreno, fazendo participar um número maior de seus quadros, aprofundando a discussão política e influenciando a ação governamental. 10) Entender a dimensão transformadora das relações com a África na política externa brasileira. A inserção subordinada do Brasil, que se encontra na própria gênese da nação e que determinou um campo de prioridades alinhadas 15 Por que África? com os interesses das grandes potências, materializou-se historicamente na política externa brasileira em visões de mundo, padrões comportamentais e práticas diplomáticas incompatíveis com um projeto político de democratização da ordem internacional. Embora isso esteja mudando com os novos rumos da política externa, com efeitos significativos entre as novas gerações de diplomatas, a relação do Estado com o outro e com o excluído coloca com muita ênfase a necessidade de uma reestruturação da política externa, transformando em profundidade seus parâmetros e seu modus operandi. Naturalmente que isso não poderá ocorrer exclusivamente por meio de uma autoreforma da diplomacia brasileira, exigindo uma liderança informada e comprometida, capaz de inserir a política externa nas aspirações e no protagonismo do povo brasileiro. As relações com a África têm maior potencialidade transformadora, porque exprimem de maneira mais cabal o outro e o excluído. Embora, por exemplo, a Ásia também represente para nós a alteridade, nela não predomina a exclusão. Por sua vez, a América Latina com regiões de grande exclusão, está muito mais próxima, regra geral, de nossa formação sociocultural: é mais o nós que o outro. 11) Avaliar as ações de política externa com base numa visão própria do continente africano vis à vis os interesses e a ação do governo brasileiro. O impulso inicial da retomada de uma política vigorosa para a África no âmbito do governo Lula, apesar de sua positividade, reflete de certa forma os interesses econômicos em jogo, as alianças que se estabelecem com diversos atores, muitas vezes poderosos e com outro lastro histórico, bem como as fraquezas institucionais e operacionais de um aparelho de cooperação ainda incipiente. O PT deve tornar-se capaz de acompanhar este processo, de ma16 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri neira informada e crítica, colocando-se a si próprio como ator, intervindo e propondo e, sobretudo, avaliando a coerência entre os objetivos de nossa política externa e os objetivos programáticos de nosso governo, no que diz respeito ao desenvolvimento autônomo, à redução da desigualdade social e a melhoria das condições de vida, que devem valer tanto para o povo brasileiro como para os povos africanos. 12) Fundar e apreciar as ações de cooperação para o desenvolvimento num conhecimento aprofundado dos dilemas e dos desafios africanos vis à vis os ensinamentos e experiências brasileiras. A experiência internacional de cooperação para o desenvolvimento, particularmente com a África, que se desenvolve e estrutura a partir dos anos 1960, está marcada por grandes impasses e fracassos rotundos, com os quais é necessário aprender. Seu estudo, aliás, deve fazer parte de nosso Seminário sobre África, porque não faz sentido ignorar as análises críticas e as inúmeras propostas alternativas elaboradas por forças de esquerda e progressistas do mundo desenvolvido, com base nas políticas e estratégias de cooperação seguidas em seus países. A pouca experiência brasileira não pode servir de subterfúgio ao desconhecimento dos erros cometidos pelos que já percorrem essas vias há muito tempo. As ações de cooperação com a África situam-se basicamente no marco da cooperação prestada, na linguagem utilizada pelo Itamaraty. Neste âmbito, considera-se acertadamente que governos e instituições brasileiras, bem como organizações não governamentais e empresas, são portadores de conhecimentos e experiências de grande valia para a África, o que representa uma vantagem comparativa brasileira para o crescimento da cooperação. Na realidade, porém, a sua adequação às condições africanas exige grande domínio não só das condições em que estes ensinamentos foram gerados, como co17 Por que África? nhecimentos reais sobre cada país africano com o qual se coopera e uma clara orientação política sobre os desafios colocados para um desenvolvimento que beneficie realmente a população mais pobre e excluída do continente. As mesmas opções políticas referendadas pelo povo brasileiro com respeito aos seus governos devem servir de moldura para nossa ação na África. As ações de cooperação de maior sucesso dependem em grande medida de uma complexa engenharia em que a base de conhecimentos sobre a África, mas também o reconhecimento da necessidade de adaptar e gerar novos conhecimentos numa perspectiva libertadora possui peso decisivo. 13) Contribuir para a formulação de uma política de promoção do desenvolvimento dos países africanos, com base em princípios e métodos de planejamento e avaliação de projetos e programas, sempre em estreita ligação com as contrapartes africanas. A magnitude dos problemas e desafios africanos não se compadece de iniciativas pontuais, nascidas muitas vezes de vontades mal elaboradas ou miméticas de governantes ou de ofertas de cooperação, com pouca articulação com o exame das necessidades reais ou com a especificação de objetivos de desenvolvimento. Este é talvez o maior ensinamento dos erros cometidos no passado pelos atores da cooperação, qual seja a da realização de projetos isolados, decididos em nível superior. Com efeito, as demandas de cooperação devem ser trabalhadas com base em estudos setoriais, fazendo colaborar instituições brasileiras e africanas, gerando novos conhecimentos e propostas estratégicas que possibilitem estabelecer planos com metas de curto, médio e longo prazos e, subseqüentemente, projetos cuja formulação resulte de elaborações sucessivas e aperfeiçoamentos ao longo de todo o 18 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri processo. Esta mesma moldura permite acompanhar a evolução das ações de cooperação, organizar um monitoramento conjunto do seu avanço e avaliá-las periodicamente com vista a introduzir correções e mudanças de rumo. 14) Ampliar as possibilidades de cooperação com diversa instâncias federativas e atores sociais e institucionais. Finalmente, o conhecimento mais aprofundado da África, envolvendo militantes e quadros do PT que atuam em organizações e movimentos sociais e nas instituições públicas dos três níveis da federação, possibilita ampliar a participação, diversificando os atores, potenciando os saberes e as oportunidades e criando as condições para uma democratização das relações com a África, mediante um acercamento, uma crescente vizinhança e novas formas de sociabilidade com a base social, ou seja incorporando essas relações ao nosso projeto político. ] As macro-regiões do continente africano O estudo sobre África deve partir de uma visão de conjunto do continente africano, que nos permita compreender a sua amplitude e diversidade, que sirva como marco geral para a compreensão e o aprofundamento dos temas específicos que nos interessam. A África é um continente com mais 30 milhões de km2 e quase um bilhão de habitantes. O deserto do Saara divide geograficamente o continente em duas grandes e distintas partes. A África do Norte, islamizada e de ocupação predominantemente árabe, com processo histórico mais homogêneo e relacionado ao Mediterrâneo, econômica e politicamente. E a África sul-saariana, também conhecida como subsaariana ou África negra. Na parte Sul-saariana1 as diversi19 Por que África? dades históricas, étnicas, culturais, econômicas, lingüísticas são enormes, embora boa parte da população tenha origem banta. Podemos, ainda, dividir o continente africano2 segundo as relações históricas de integração regional em: África do Norte, África Ocidental, África Central, África Austral, África Oriental e África Índica. Em cada uma dessas regiões o Brasil vem se relacionando de forma diferenciada. Na África do Norte as prioridades têm-se concentrado na Argélia. Na faixa atlântica, as prioridades são a Nigéria, a África do Sul e, recentemente, Angola, enquanto na costa oriental, Moçambique tem sido objeto de atenção crescente. Tudo, entretanto, num vai e vem de intenções e ações pontuais. Com o governo Lula as políticas se modificaram e poderão, se continuadas e aprofundadas, abrir espaço para relações mais amplas, menos seletivas e mais duradouras, enfocando dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, superando as considerações de afinidades históricas e de interesses comerciais de curto prazo. Mapa 1 - As macrorregiões da África 20 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri África do Norte A África do Norte, devido à predominância árabe e aos fatores históricos e linguísticos, é, muitas vezes, separada do resto do continente e agrupada ao estudo do Oriente Médio. Apresenta duas sub-regiões: a leste, o machrech, que inclui a Líbia e o Egito. A oeste, o magrebe (onde o sol se põe), que compreende a Tunísia, a Argélia, o Marrocos, e o Saara Ocidental. Este é ocupado pelo Marrocos desde 1975, com a saída da Espanha, e enquanto não se realiza o plebiscito pelas Nações Unidas para definir o status de país independente ou incorporado ao Marrocos, o povo sarauí luta pela sua própria independência. Embora a África do Norte dispute a primazia geopolítica e econômica com a África Austral, no momento, ela apresenta vários indicadores de desenvolvimento econômico-social e posição estratégica (compartilha a bacia do Mediterrâneo com a Europa e o Oriente Médio) que a colocam em primeiro lugar do ranking africano. Seus cinco países estão entre os sete países africanos com maior PIB, grau de industrialização e escolaridade. Com mais de 150 milhões de habitantes, a região apresenta uma população de árabes e muçulmanos maior que o Oriente Médio. É a região mais homogênea do continente: de modo geral, uma só religião, o Islã, uma só língua, o árabe, e alguns propõem uma só nação, a árabe. O perfil político é marcado pela presença de Estados antigos, alguns milenares, que permaneceram com a sua própria estrutura representativa durante a colonização, a exemplo do Egito e do Marrocos. Já a Argélia só obteve coesão nacional a partir da guerra de independência (1954-1962). Os países desta região foram os primeiros da África a obter a independência: o Egito em 1922; a Líbia em 1951; Tunísia e Marrocos em 1956 e Argélia em 1962. Quanto à colonização, a França dominou no magrebe. Houve colonização inglesa no Egito e italiana na Líbia. Argélia, Líbia e 21 Por que África? Egito são grandes exportadores de petróleo. As classes dominantes são antigas, como a mercantil e a fundiária, ou são apoiadas pelo Estado, como a industrial, de formação recente. Do ponto de vista das relações internacionais, todos os cinco países da região estão entre os quinze mais influentes do continente. África Ocidental A África Ocidental é composta por 16 países: Benin, BurkinaFaso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, GuinéBissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra Leoa e Togo. Três países, Burkina-Faso, Mali e Níger, não têm saída para o mar, e junto com a Mauritânia e o Chade (da África Central), compõem a faixa do Sael, com períodos de seca intensos e recorrentes e avançado processo de desertificação, sendo por isso uma das regiões mais problemáticas da África. Do século X ao século XVI, importantes reinos e impérios se formaram. O reino de Gana, os impérios Mali e Songhai, as cidades-estados Hauçás e Iorubás, na atual Nigéria, tiveram seu apogeu. Foi área pioneira e de intenso tráfico de escravos para as Américas. Foram colônias inglesas: Serra Leoa, Gana, Gâmbia e Nigéria. Ao contrário do que aconteceu com as colônias de povoamento europeu na África Austral e Oriental, a Inglaterra praticou na região uma colonização de exploração, sem a expulsão dos camponeses de suas terras e com pequena, mas decisiva, presença do poder metropolitano. Cabo Verde e Guiné Bissau foram colônias portuguesas. Benin, Burquina-Fasso, Costa do Marfim, Guiné, Mali, Mauritânia, Níger, Senegal e Togo foram colônias francesas. A Libéria foi formada por escravos libertos dos Estados Unidos da América, em meados do século XIX, não tendo conhecido a colonização. 22 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Excetuando a Nigéria, maior produtor africano de petróleo, a região conta com pouca produção mineral, embora os diamantes de Serra Leoa tenham influência nos conflitos da região. No aspecto sociocultural, nota-se o peso político das classes mercantis oriundas da escravidão e uma presença marcante do islamismo, majoritário em alguns países. África Central A África Central é constituída por dez países: Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Congo (Brazzaville), República Democrática do Congo (ex-Zaire), Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda, e São Tomé e Príncipe. A região Congo-Angola é de onde veio o maior número de africanos escravizados ao Brasil e a influência do reino do Congo foi fundamental para a formação da nação brasileira. Portugal colonizou as desabitadas Ilhas de São Tomé e Príncipe. A República Democrática do Congo (ex-Zaire) foi propriedade pessoal do rei Leopoldo da Bélgica, sendo depois de duas décadas entregue ao Estado Belga. O Camarões foi colônia alemã até a Primeira Guerra Mundial, sendo depois entregue à tutela da França e da Inglaterra pela Liga das Nações. O mesmo aconteceu com Burundi e Ruanda que foram colônias alemãs até a primeira guerra e depois passaram para a Bélgica. A Guiné-Equatorial foi a única colônia espanhola na África sulsaariana. Os quatro países restantes – República Centro-Africana, Chade, Congo e Gabão - integraram a África Equatorial Francesa, com capital em Brazzaville, atual República do Congo. Congo (ex-Zaire), Gabão e Camarões são ricos em minérios e petróleo. Situada em grande parte em zona equatorial, a região apresenta fraca densidade demográfica. No domínio das relações inter23 Por que África? nacionais, a República Democrática do Congo, apesar das dificuldades internas de integração, há décadas em crise, é o país com maior importância geopolítica da região, por suas riquezas minerais, além de ser o mais extenso e populoso. Todos os países desta região tiveram a independência no início da década de 1960, com exceção de São Tomé e Príncipe, em 1975. África Oriental A África Oriental apresenta relações ancestrais com o mundo árabe e a região índica, e divide-se em duas sub-regiões: o Chifre da África e a Centro-oriental. O Chifre da África é formado por cinco países: Etiópia, Eritréia (independente da Etiópia em 1993), Djibuti (ex-colônia francesa), Somália, colonizada em partes separadas pela Itália e pela Inglaterra, e Sudão, administrado no tempo colonial por condomínio anglo-egípcio e desmembrado recentemente para formar o novo Estado do Sudão do Sul. É no Sudão que se localiza a região de Darfur, palco de conflitos no início do século XXI. Tem uma comunidade árabe e muçulmana ao norte, e outra, cristã ou animista, no sul. A região guarda importância estratégica, pelo petróleo e proximidade com o Oriente Médio. A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora não faça mais parte dos 15 maiores PIB africanos por conseqüência de sua decadência econômica. Foi sede da Organização da Unidade Africana (OUA) e é sede da sua sucessora, a União Africana. Tem o poder simbólico de Estado Milenar. A antiga Abissínia, expandiu-se às custas dos seus vizinhos, e nunca foi colônia de nenhuma potência, embora tenha sofrido ocupação militar italiana entre 1936 e 1941. A população se divide entre cristãos ortodoxos, muçulmanos e uma pequena minoria de judeus. 24 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri A África Centro-Oriental é formada pelas ex-colônias inglesas de Uganda, Quênia e Tanzânia (união da antiga Tanganica com a ilha de Zanzibar) que, no período colonial, integravam a África Oriental Britânica e até a Primeira Guerra Mundial a África Oriental Alemã. Região de cruzamento de povos árabes e asiáticos, formou a cultura suaíli, cuja língua mistura o banto e o árabe. No campo das relações internacionais, foi a primeira região do continente a propor a integração econômica, ainda na década de 1960, com a criação do Mercado Comum da África Oriental, o Kenutan, formado pelos três países citados, que, entretanto, foi mal sucedido. Com o deslocamento político e econômico da Tanzânia para a África Austral, o Quênia consolidou posição de pólo econômico mais importante. Sem recursos minerais expressivos, como os restantes países da região, o Quênia tem excelente agricultura, turismo ecológico e a sua capital, Nairóbi, é a sede mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – Habitat. No início do século XXI vem enfrentando problemas de governabilidade. África Austral Atualmente, a África Austral é região-chave do continente. Apresenta alta integração em termos de capital, mercadorias e pessoas, sem paralelos em outras regiões da África. Contém uma das maiores reservas minerais do mundo, alguns ainda estratégicos e indispensáveis à Europa e aos Estados Unidos. A fachada atlântica lhe confere proximidade e boa potencialidade de cooperação com o Cone Sul da América Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com o Oriente Médio e com importantes países asiáticos, com quem têm longa história de comércio e influência mútua. Onze países a compõem: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambi25 Por que África? que, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Seis não têm saída para o mar, circunstância que exige maior integração. A Tanzânia é situada na África Oriental, contudo, por razões políticas e econômicas, ela se australizou, e hoje faz parte de todos os organismos integrativos da região. Do mesmo modo que a Angola e a Zâmbia, que são países histórica e culturalmente pertencentes à África Central. É a região do continente com a mais antiga e maior ocupação européia, iniciada em 1652, na região do Cabo. Foi a única colônia de povoamento europeu na África antes da Revolução Industrial, embora não estivesse vinculada a nenhum Estado da Europa. A integração colonial começou com a Inglaterra se apossando das colônias bôeres (majoritariamente de população holandesa) do Cabo e Natal (1902), e de toda a União Sul-Africana, posteriormente República da África do Sul. Finalmente, agregou a Rodésia do Sul, atual Zimbábue, depois a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e a Niassalândia (atual Malaui). A Namíbia era uma colônia alemã (Sudoeste Africano) que, após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, foi entregue por mandato à África do Sul, que ilegalmente a incorporou. A outra colônia alemã, a Tanganica, foi entregue à Inglaterra, também por mandato, e constitui hoje a Tanzânia (após fusão com Zanzibar). Angola e Moçambique tiveram colonização portuguesa, mas mantiveram-se sob dependência econômica inglesa durante muito tempo, assim como Portugal. Os enclaves de Botsuana, Lesoto e Suazilândia foram protetorados britânicos na época das guerras entre bôeres, zulus e ingleses. As independências aconteceram na década de 1960, porém Angola e Moçambique apenas em 1975. A Namíbia se tornou independente da África do Sul em 1990. O processo contemporâneo de maior impacto na região foi o des26 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri mantelamento político do apartheid na África do Sul e a realização em 1994 das primeiras eleições livres e gerais, do qual saiu vitorioso o ANC (Congresso Nacional Africano), sob a condução de Nelson Mandela. Desde então o ANC domina a arena política, mas as desigualdades sociais ainda representam um grande desafio. No campo econômico a SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral – agrega 14 países. Nove países tem o inglês como língua oficial e dois o português. A religião cristã é a predominante, e a região abriga o maior contingente de população de origem européia da África. África do Oceano Índico A África Índica é constituída pelas ilhas de Madagascar, Maurício, Reunião (esta integrada à França) e os arquipélagos de Comores e Seicheles. O Oceano Índico é espaço privilegiado de passagem entre o Ocidente e o Extremo Oriente. Por isso teve sempre um papel estratégico. Lugar de mistura de raças e civilizações, o Índico tornou-se, nas últimas décadas do século XX, um espaço de enfrentamento entre as grandes potências, sobretudo depois que as bases navais passaram a ter primazia sobre as terrestres. Madagascar foi ocupada pelos franceses no final do XIX. As ilhas Comores, Maurício e Seicheles são habitadas por povos de origem diversa – árabes, africanos, indianos e europeus – que deram origem a culturas-sínteses, crioulas, diferenciadas entre si. A República Maurícia é grande produtora de açúcar e de confecções de alta tecnologia. É considerado um “novo país industrializado” da África, e se distingue por sua estabilidade política. *** De maneira geral, as fronteiras atuais dos países africanos foram estabelecidas no processo de ocupação colonial da África, que teve início em meados do século XIX, e durou até a Primeira Guerra 27 Por que África? Mundial. Elas obedeceram aos princípios estabelecidos na Conferência de Berlim (1894-95) entre as potências coloniais, e agruparam diferentes nações e etnias, ao mesmo tempo em que as dividiram e separaram. Após a Segunda Guerra Mundial, em função das mudanças no sistema capitalista e como resultado das lutas anticoloniais, a grande maioria das colônias alcançou a independência no início dos anos 1960. A exceção foram as colônias portuguesas, cuja independência se deu em meados dos anos 1970, depois de mais de uma década de luta armada. A OUA (Organização da Unidade Africana), constituída em 1961, decidiu manter as fronteiras estabelecidas pelos colonialistas no processo de ocupação. A língua oficial na maioria dos países recém independentes foi a língua do colonizador, utilizada como fator de integração nacional. Exceções são a Somália, que manteve seu único idioma anterior, o somali, e a Eritréia, com o tigrino. A Etiópia, nunca colonizada, mantém o amárico. ] A diversidade histórica, política e cultural da África Neste ponto, também de maneira ampla e abrangente, procuramos estabelecer um quadro de referência interpretativo, histórico e teórico, sobre a realidade africana e os seus desafios como um todo, que nos servirá como guia geral para o estudo sucessivo dos temas específicos que formarão parte do Seminário sobre África. Tomando como referência o modo de inserção do continente no sistema capitalista internacional, é possível visualizar cinco períodos distintos: 1. Tradicional ou pré-capitalista: dos primórdios até meados do século XV. Predominam as dinâmicas próprias, comunitárias, com escassas relações com o exterior do continente. 2. Mercantil-escravocrata: do século XV até fins do século XIX. A inserção à economia mundo se dá sob a forma de exploração e subjugação, com o predomínio do tráfico de escravos. 28 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri 3. Colonização: do final do século XIX até o imediato pós-II Guerra Mundial. Inclusão do continente na divisão internacional do trabalho mediante um papel periférico e subordinado, que tornar-se-á o ponto de partida do subdesenvolvimento africano. 4. Descolonização: da Segunda Guerra Mundial até os anos 1960, início dos anos 1970. Emergência dos Estados africanos independentes e dos projetos de emancipação, num quadro de manutenção de relações de dependência. 5. Independente: das independências até o presente. Apesar dos esforços e da diferenciação entre países, prevalecem a elevada desigualdade, o relativo subdesenvolvimento, a sucessão de conflitos e as migrações forçadas no interior do continente. A reflexão sobre África, conduzida por alguns de seus maiores intérpretes, permite estabelecer algumas linhas mestras, essenciais para o entendimento do continente: A realidade dos países africanos é extremamente diferenciada e complexa. A África combina ainda hoje diferenças extremas entre características próprias de sociedades modernas e padrões tradicionais de cultura e de organização social, que resultam tanto do choque causado pelo colonialismo sobre as sociedades tradicionais como da forma subordinada da inserção do continente no sistema capitalista. Não é possível compreender a África em profundidade ignorando essa complexidade das sociedades africanas atuais. Como assinala Ki-Zerbo, a civilização africana jamais poderá florescer à margem da diferenciação e da complexidade social que existem na atualidade. Não podemos nos iludir com os empreendimentos de alto padrão tecnológico em alguns países, principalmente nos setores de exploração de recursos naturais, ou com a aparência de racionalidade ociden29 Por que África? tal dos Estados em formação, ou com o usufruto de bens e serviços avançados nas áreas de comunicação ou eletrônica, ou ainda com demandas simplesmente miméticas no domínio da cooperação para o desenvolvimento, por exemplo. O substrato cultural diferenciado está sempre presente e se mostra como um incontornável “guia de um caminho espiritual sem desenraizamento” (Ki-Zerbo, 1991), sem o qual não haverá soluções efetivas aos problemas ou sustentabilidade nos processos de mudança. Por trás da modernidade africana há sempre processos de adaptação e hibridação. Parte da complexidade social africana está na hibridação e mestiçagem dos elementos que a compõe. A África jamais se submeteu integralmente àquilo que lhe era estrangeiro. Ao contrário, mostrou-se capaz de apropriar-se do que vinha de fora, como as religiões ou as ideologias políticas, porém sempre digerindo-as e africanizando-as. Por isso, a sua modernidade nunca segue completamente os cânones ocidentais, e as suas instituições e comportamentos, mesmo de suas elites, por mais que se aproximem de padrões modernos, representam sempre remodelações e particularizações do modelo inicial, o que possibilita conservar, em grande medida, o patrimônio sociocultural das sociedades africanas. Por outro lado, essa hibridação complexa faculta aos africanos a capacidade de utilizar elementos arcaicos e modernos, de maneira indistinta ou sucessiva, buscando tirar sempre o melhor proveito para si próprios, e ancorando a sua modernidade, por paradoxal que isso possa parecer, em sua própria cultura tradicional. É algo assim como interrogar os ancestrais e pesquisar pela internet, a um só tempo, em busca de respostas para os problemas que enfrenta. Essa lógica eclética, além de completamente irracional de um ponto 30 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri de vista ocidental, poderia mesmo ser considerada antiética deste ponto de vista, quando envolve a negociação de benefícios pessoais perante as instituições, com base num quadro de valores e formas tradicionais de exercício do poder. O Estado é imprescindível para a transformação das sociedades africanas. O Estado na África repousa tanto sobre fundamentos autóctones como sobre um processo de reapropriação das instituições de origem colonial, inclusive sob o manto das formas mais exógenas, traduzindo porém um dos componentes mais marcantes e irreversíveis de sua modernidade atual. Longe de representar uma obra acabada, ele funciona como um rizoma de laços pessoais e comunitários, que assegura a centralização política por meio de relações de amizade, de parentesco, de alianças diversas. Nesse sentido, ele não é diferente do II Império no Brasil, que embora fosse burocrático e autoritário, não suprimia os poderes locais, mas procurava apoiar-se neles, tornando-os intermediários, e pondo em prática transações variadas, incluindo a atribuição de títulos nobiliárquicos, de modo a manter o equilíbrio entre forças concorrentes e poder político. Em conseqüência, os problemas e os desafios africanos são principalmente de ordem política e cultural e condicionam a economia. A luta pela democracia e a forte crítica ao Estado clientelista e às elites rentistas estão se acentuando e multiplicando nos últimos anos, exigindo que o Estado assuma um novo papel estratégico, e que seja dotado de um quadro institucional favorável. As brutais assimetrias internacionais, resultantes da inadequação de modelos importados, exigem mudanças tanto no plano internacional como nos marcos 31 Por que África? do Estado em cada país, tendo em conta as trajetórias específicas e os requerimentos de cada sociedade (Hugon, 2006). As formas de ação e interação políticas têm dimensões tipicamente africanas. A proeminência do comunitário e de suas prescrições sobre o indivíduo se exprime, como uma tendência profunda, mesmo em relação ao poder político, através de uma multiplicidade de redes. Neste contexto, a sucessão de eleições multipartidárias, por exemplo, não significa necessariamente democratização, mesmo quando possibilitam conter conflitos exacerbados. Por outro lado, a onipresença das identidades comunitárias traz um imperativo permanente de intercâmbio, que precisa ser assumido por todos. Isso faz com que os partidos sejam muitas vezes reconduzidos porque são mais capazes de distribuir benefícios, resistindo, por exemplo, a medidas de austeridade fiscal. Ou mesmo de manter relações personalizadas que alimentam a necessária confiança, utilizando-se do poder e da riqueza para favorecer e redistribuir benesses em favor de suas clientelas, o que não é sempre percebido como abuso de poder ou corrupção. Em suma, as relações costumam ser personalizadas, verticais, e fundadas em trocas recíprocas, no seio de um ambiente comunitário ou de grupo, recorrentemente sob a égide de um grande chefe. O que mantém a coesão social é a capacidade de exercer um modo de governo que mantenha esse entrelaçamento social e o mundo de significações e imaginários sociais que o acompanha. A própria lógica capitalista fica com freqüência comprometida, na medida em que a busca do lucro pode ser contida ou suplantada pela necessidade de retribuir de imediato, com pompa e generosidade, fazendo da ostentação da riqueza uma parte integrante de mecanismos de representação, em benefício da comunidade, sendo, por32 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri tanto, fator de legitimidade política, segundo Chabal e Daloz (1999). Este comportamento revela uma primazia do curto sobre o longo prazo, que restringe as margens de manobra dos dirigentes, obrigando-os a tomar em conta as demandas clientelistas e nepotistas que sustentam a vontade dos atores e, portanto, a própria legitimidade, pelo menos enquanto não houver um desenvolvimento econômico expressivo e duradouro. Esta é a forma particular de modernidade africana. ] Economia, conflitos e migrações como temas de reflexão Finalmente, na parte final desta introdução geral ao estudo sobre África, apresentamos de maneira sintética alguns dados sobre a atualidade do continente, os quais se complementam com um conjunto de tabelas e mapas colocados em anexo. O quadro econômico atual A África está muito longe de ser homogênea do ponto de vista econômico. Tomando em conta as bases produtivas, os produtos exportados e o lugar ocupado por estes na economia, podemos identificar três grandes tipos de dinâmicas: Países de economia pré-industrial: especializados nas culturas de exportação, suas estruturas não mudaram desde a época colonial; padecem de grandes vulnerabilidades externas e de incapacidade crônica de acumulação (países do Sael, Chifre da África); para estes países a cooperação externa tem sido imprescindível. Países rentistas: dispõem de recursos minerais ou petróleo, o que faz com que suas dinâmicas econômicas fiquem condicionadas à evolução e à repartição das receitas de exportação; apresentam elevado dualismo, com presença de multinacionais, e sofrem pressões derivadas da segurança no aprovisionamento dos países centrais. 33 Por que África? Países em via de industrialização: são pólos regionais, com acesso ao crédito e ao investimento externo e uma dinâmica de acumulação semi-industrial, com frequência dependente de exportações. Predominam na África, contudo, as economias de renda e uma baixa capacidade de acumulação. A maioria dos países africanos encontra-se ainda sob o domínio do capital mercantil, cuja valorização se dá principalmente pelo intercâmbio comercial e não pela produção. É o que alguns autores chamam de “especialização empobrecedora”. Nos tempos atuais e de maneira crescente, o interesse pela África vem se concentrando em seus recursos naturais, que geram cobiça e competição entre as potências e as grandes empresas multinacionais. O capital natural da África representa 26% do capital total contra 2 a 3% no caso dos países mais desenvolvidos. Suas terras agricultáveis estão sendo adquiridas em grande escala por nacionais de países desenvolvidos, bem como de países emergentes ou produtores de petróleo, bem como pela própria África do Sul, tendo em vista assegurar o abastecimento alimentar e a produção de biocombustíveis. De 30 milhões de hectares adquiridos ou alugados em três anos em todo o mundo, mais de 2,5 se concentraram em cinco países africanos (Etiópia, Madagascar, Mali, Moçambique e Sudão). O principal comprador é a China, que já adquiriu 29 milhões de hectares na África. A Bacia do Congo comporta a segunda maior floresta do mundo, reserva de biodiversidade, conferindo à região um caráter estratégico. O mundo desenvolvido e países emergentes, como a China e a Índia, dependem das reservas mineiras e petroleiras africanas para o crescimento e diversificação de suas economias. Cerca de 10% das reservas de hidrocarbonetos se encontram na África e contém em geral petróleo de boa qualidade. Além da Argélia, Angola e Nigéria, outros países estão se tornando produtores. 34 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Contudo, em termos gerais, a produtividade da economia africana praticamente estagnou nas décadas de 1980 e 1990, quando o continente foi-se tornando cada vez mais marginal nos fluxos econômicos e financeiros mundiais. Com 12% da população mundial, a África representa hoje 1,5% do PIB mundial, 2% do comércio mundial e menos que 3% dos investimentos diretos estrangeiros. Sua participação no comércio mundial caiu de 6% em 1970 para 3% em 2010. "Cerca de 1/3 da população vivendo em situação de extrema pobreza (menos de U$1/dia, ou menos de 1/4 de salário mínimo mensal no Brasil) encontra-se na África, proporcionalmente três vezes mais pessoas nessa condição que a média mundial." O crescimento econômico retomou no início do século XXI: metade dos países africanos cresceu mais que 5% entre 2000 e 2008. Vários fatores explicam este sucesso: alta dos preços das matérias primas, aumento da ajuda pública ao desenvolvimento, redução dos encargos dos países mais endividados, melhoria da gestão financeira e o impacto das relações com a China. No entanto, não mudou o quadro de especializações das economias, nem se reduziu a pobreza. Contudo, os efeitos da presente crise econômica mundial fizeram com que as taxas de crescimento se reduzissem a 1,6% em média, devido à queda dos investimentos, dos empréstimos bancários, das transferências de emigrantes, à diminuição nos preços e volumes exportados, mas também à redução dos montantes alocados à cooperação para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os déficits externo e público se agravaram. Os efeitos da crise foram mais fortes na África do Sul e nos países exportadores de petróleo e produtos mineiros. No entanto, a situação tende a melhorar em 2010: o Banco Mundial prevê um crescimento médio de 4,3% das economias africanas. Não obstante não 35 Por que África? haja ainda dados precisos, certamente o desemprego e a pobreza continuarão a aumentar. Diferentemente do que ocorria no passado, as organizações internacionais têm recomendado políticas anticíclicas expansionistas, com investimentos principalmente em infraestruturas e nas áreas sociais, mesmo que produzam déficits orçamentários “moderados”. No longo prazo, preconizam uma mudança na estrutura dos investimentos em setores de uso intensivo de mão de obra e no capital humano, reforçando a educação, a pesquisa, procurando aumentar a produtividade da economia. Ao mesmo tempo, recomendam atender às populações vulneráveis, tendo em vista manter a estabilidade política. No contexto atual, o papel de países emergentes, e da China em particular, tem-se revelado crucial para a retomada do crescimento e das exportações africanas. Panorama dos conflitos Os conflitos africanos são, sem dúvida, uma das principais causas do subdesenvolvimento no continente, revelando claramente um círculo vicioso entre conflito e pobreza, cada um realimentando o outro de forma potencialmente crescente. Ao longo dos anos 1980 e 1990, 31 dos 43 Estados da África Sulsaariana viveram conflitos, envolvendo quase sempre confrontos civis. Mesmo com o fim da Guerra Fria, persistiram rivalidades entre as grandes potências e o apoio a facções em disputa, cada vez mais envolvendo recursos estratégicos ou políticas de controle do tráfico de drogas e do contrabando. Nos últimos anos houve uma redução da intensidade dos conflitos, que se concentraram mais no Corno da África (Somália, Eritréia e Etiópia) e na África Central (República Democrática do Congo, Chade e Sudão). Na maior parte dos casos, esses conflitos se devem 36 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri à concentração do poder nas mãos de governos, à ausência de poderes legislativos e judiciários independentes ou outros contrapoderes, à grande debilidade de partidos ou organizações políticas com identidade programática e à fraqueza da sociedade civil. Ademais, há um perigoso recrudescimento de golpes de Estado, devido principalmente a situações de perenização e abuso do poder, inclusive com recurso a mudanças constitucionais, à ausência de canais políticos de expressão e às lutas entre grupos das forças armadas, às vezes com contornos étnicos. Embora as ditaduras unipessoais tenham praticamente desaparecido, o multipartidarismo mostrouse com frequência uma farsa, salvo raras exceções (África do Sul, Gana, Botsuana), e a maior parte dos presidentes ou clãs políticos procuram manter-se no poder a todo custo. Há também um risco de envolvimento crescente de multinacionais que exploram recursos estratégicos em zonas de não direito, inclusive originárias do Brasil e de outros países emergentes, e sua interpenetração com milícias locais, muitas vezes ligadas ao crime organizado, e grupos privados de segurança. A maldição da “doença holandesa” é real nos países mais ricos da África, e os conflitos podem torná-la irreversível e incurável. Migrações Embora o número de migrantes internacionais africanos tenha passado de 9,2 a 19,3 milhões, mais que duplicando entre 1960 e 2000, a sua porcentagem com respeito ao total mundial caiu de 12,4% a 10,2%, e bastante mais em relação à população africana total, reduzindo-se de 3,2 a 1,9%. Diferentemente do que propaga, a política racista adotada pela União Européia, com a chamada Diretriz do Retorno, apenas 3% dos africanos vive fora de seus países de origem e menos de 1% vive na Europa. 37 Por que África? Totalmente distinta é a situação dos deslocados internos na África: enquanto que em 2010 havia cerca de 11,8 milhões africanos que haviam migrado a outros continentes, 13,2 milhões haviam se deslocado a outros países dentro do próprio continente africano. Há uma enorme quantidade de africanos que se deslocam no interior das fronteiras de seus próprios países, em conseqüência de violência e conflito. Segundo dados de 2009, de 26 milhões de pessoas em todo o mundo que se deslocaram por essas razões, há 4,9 milhões dentro do Sudão e 1,4 da República Democrática do Congo. Outras razões de migrações internas são as de caráter ambiental, em conseqüência de desastres naturais ou processos de degradação resultantes da ação humana. Também ocorrem migrações devidas à rápida urbanização na África: em 2050 a população urbana na África, hoje preponderantemente rural deverá atingir a incrível marca de 60%, segundo estimativas das Nações Unidas. De modo geral, as migrações internas são muito maiores que as externas: há 740 milhões no mundo, quase quatro vezes maior que o número de migrantes internacionais. Cabe assinalar que o maior número de migrantes no mundo de hoje não é de africanos, mas de latino-americanos. ] Notas 1 Trata-se de um neologismo empregado por Eduardo Devés-Valdés em seu livro O pensamento africano Sul-saariano, Educam/Clacso, 2008, com o propósito de remover a conotação de inferioridade que trás a expressão Sub-saariana, e que o adotamos. 2 Baseado em O continente africano. Perfil histórico e abordagem geopolítica das suas macroregiões, de José Maria Nunes Pereira, 2003. 38 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri ] Referências bibliográficas Banco Mundial (1994). O ajustamento na África. Reformas, resultados e rumo a seguir. Washington D.C. Banque Mondiale (2000). L´Afrique peut-elle revendiquer sa place dans le 21ème siècle? Washington D.C. BAYARD, Jean-François (1989). L´Etat en Afrique. La politique du ventre. Paris :Fayard. CHABAL, P. et DALOZ, alli (1999). L´Afrique est mal partie. Du désordre comme instrument politique. Paris : Economica. 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Washington D.C. 39 Por que África? 40 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri ANEXOS 41 Por que África? 42 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Quadro 1 – África - Dados Gerais (*) Sob ocupação marroquina, aguardando referendo da ONU. Elaborado por Bellucci, B. em 2009. População estimada 2002. 43 Por que África? Quadro 2. PIB 2008 Rank País 1 África do Sul $ 703,709 2 Egito $ 423,464 3 Argélia $ 298,448 4 Nigéria $ 216,245 5 Marrocos $ 198,785 6 Sudão $ 129,447 7 Tunísia $ 107,185 8 Etiópia $ 106,602 9 Líbia $ 93,402 10 Angola $ 91,825 11 Gana $ 70,785 12 República Dem. do Congo $ 60,165 13 Uganda $ 57,886 14 Quênia $ 54,653 15 Camarões $ 45,777 16 Tanzânia $ 37,031 17 Moçambique $ 35,781 18 Costa do Marfim $ 34,155 19 Botsuana $ 28,454 20 Zimbábue $ 28,098 21 Senegal $ 27,435 22 Guiné Equatorial $ 26,428 23 Guiné $ 25,650 24 Burkina Faso $ 22,132 25 Madagáscar $ 21,787 26 Namíbia $ 20,100 27 Mali $ 19,209 44 PIB (Milhões USD) Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Rank País PIB (Milhões USD) 28 Maurícia $ 19,015 29 Chade $ 17,861 30 Zâmbia $ 15,168 31 Ruanda $ 15,155 32 Níger $ 14,485 33 Benim $ 12,217 34 Gabão $ 11,726 35 Malawi $ 10,737 36 Togo $ 10,544 37 Mauritânia $ 7,962 38 Suazilândia $ 6,537 39 Lesoto $ 6,241 40 Serra Leoa $ 5,991 41 Burundi $ 5,913 42 República do Congo $ 5,774 43 República Centro-Africana $ 5,733 44 Somália $ 5,575 45 Eritreia $ 5,068 46 Cabo Verde $ 4,271 47 Gâmbia $ 4,114 48 Djibouti $ 2,194 49 Libéria $ 1,498 50 Guiné-Bissau $ 1,362 51 Seychelles $ 1,921 52 Comores $ 1,391 53 São Tomé e Príncipe $ 616 - Saara Ocidental N/A Total $ 3,178,132 Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB 45 Por que África? Quadro 3 – PIB per capita 2008 (exceto Somália, 2007) Rank País PIB per capita (USD) 1 Seychelles 23,294 2 Guiné Equatorial 21,316 3 Botsuana 18,402 4 Líbia 15,041 5 Maurícia 14,954 6 África do Sul 14,529 7 Tunísia 10,269 8 Namíbia 9,653 9 Argélia 8,649 10 Cabo Verde 8,481 11 Gabão 7,985 12 Marrocos 6,406 13 Egito 5,643 14 Suazilândia 5,544 15 Angola 5,463 16 São Tomé e Príncipe 3,708 17 Sudão 3,395 18 Gana 3,142 19 Djibouti 2,797 20 Mauritânia 2,626 21 Guiné 2,530 22 Gâmbia 2,524 23 Lesoto 2,500 24 Zimbábue 2,395 25 Camarões 2,362 26 Senegal 2,192 27 Comores 2,133 46 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Rank País PIB per capita (USD) 28 Chade 1,836 29 Uganda 1,807 30 Costa do Marfim 1,795 31 Moçambique 1,706 32 Togo 1,592 33 Ruanda 1,590 34 República do Congo 1,582 35 Burkina Faso 1,576 36 Quênia 1,550 37 Benim 1,507 38 Mali 1,438 39 Nigéria 1,373 40 Etiópia 1,346 41 República Centro-Africana 1,317 42 Zâmbia 1,218 43 Madagáscar 1,078 44 Níger 1,052 45 Eritreia 1,018 46 Serra Leoa 1,018 47 República Dem. do Congo 957 48 Tanzânia 932 49 Guiné-Bissau 787 50 Malawi 786 51 Burundi 744 52 Somália 600 53 Libéria 500 - Saara Ocidental - Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB 47 Por que África? Quadro 4 - Melhores e piores IDH 2010 dos países africanos Os 10 melhores Rank País 1 Líbia Estimativas 2010 0,755 2 Maurícia 0,701 3 Tunísia 0,683 4 Argélia 0,677 5 Gabão 0,648 6 Botsuana 0,633 7 Egito 0,620 8 Namíbia 0,606 9 África do Sul 0,597 10 Marrocos 0,567 Os 10 piores Rank País Estimativas 2010 1 Zimbábue 0,140 2 República Democrática do Congo 0,239 3 Níger 0,261 4 Burundi 0,282 5 Moçambique 0,284 6 Guiné-Bissau 0,289 7 Chade 0,295 8 Libéria 0,300 9 Burkina Faso 0,305 10 Mali 0,309 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB 48 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri Mapa 1 – Distribuição do IDH 2010 no mundo Q Desenvolvimento humano muito elevado Q Desenvolvimento humano elevado Q Desenvolvimento humano médio Q Desenvolvimento humano baixo Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG 49 Por que África? Mapa 2 – Distribuição do IDH 2010 na África África - IDH Q 0,800–1,000 Q 0,750–0,799 Q 0,700–0,749 Q 0,650–0,699 Q 0,600–0,649 Q 0,550–0,599 Q 0,500–0,549 Q 0,450–0,499 Q 0,400–0,449 Q 0,350–0,399 Q abaixo de 0,350 Q sem dados Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG 50 Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri 51 Por que África? Os autores Beluce Bellucci Doutor em história econômica pela USP, licenciado em desenvolvimento econômico e social pela Université de Paris I – Sorbonne, foi diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Candido Mendes e pró-reitor de graduação. Trabalhou mais de uma década em Moçambique com projetos de desenvolvimento. Luiz Carlos Fabbri Economista, pós-graduado em planejamento e gestão de projetos e relações econômicas internacionais pela Universidade de Paris I - Sorbonne. Trabalhou cerca de vinte anos na África com agências das Nações Unidas e outras organizações internacionais. No Brasil, foi Secretário em Guarulhos, Chefe da Assessoria Internacional do Ministério das Cidades e Diretor de Programas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). 52