Por que
África?
Para uma introdução das relações
internacionais do PT com o continente
Publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do Partido dos Trabalhadores –
Brasil – www.pt.org.br
Iole Iliada Lopes – Secretária de Relações Internacionais do PT
Coordenação e revisão: Beluce Bellucci
Revisão: Luiz Carlos Fabbri
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Índice
Apresentação ........................................................... 5
A África e o PT: breve histórico
e propostas de atuação política................................. 7
As macro-regiões do continente africano ............................ 19
A diversidade histórica, política e cultural da África ............. 28
Economia, conflitos e migrações como temas de reflexão ... 33
Notas ................................................................................. 38
Referências bibliográficas .................................................... 39
Anexos ................................................................... 41
Os autores.............................................................. 51
Por que África?
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Apresentação
A história da relação entre Brasil e África remonta à alvorada da
constituição da modernidade capitalista e da formação de um sistema econômico de caráter global. Tão antiga, no entanto, ela foi
confiscada por nossos modelos culturais e educacionais eurocêntricos
– os mesmos que tornaram, por muito tempo, esse Continente de
muitas geografias e muitas sociedades quase invisível para o povo brasileiro, revelando-o apenas sob o manto do preconceito e dos estereótipos. Só em 2003, a partir da luta dos negros e negras do país, aprovou-se a lei que determina a obrigatoriedade do ensino da história e
da cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares.
Tal lei não foi o único avanço nos últimos anos, no que se refere
a esse necessário desvelar da África para o Brasil. As políticas implementadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva visando ampliar
as relações políticas e econômicas com os países africanos contribuíram para colocar aquele Continente em evidência, dessa vez como
espaço de possibilidades e oportunidades.
No que se refere especificamente ao Partido dos Trabalhadores, a
resolução aprovada no 3o Congresso, e que foi reafirmada pelo 4º
Congresso, ressaltou a importância da ampliação das alianças e relações Sul-Sul, com vistas a diminuir a dependência dessas nações
com referência aos países centrais e democratizar os organismos econômicos e políticos internacionais. Nessa direção, o PT estabeleceu,
como uma das prioridades de sua política internacional, “o fortaleci5
Por que África?
mento das relações com o continente africano, baseadas na cooperação e em nossos laços históricos e culturais”.
Esse é o contexto que emoldura a presente contribuição da Secretaria de Relações Internacionais a esse debate, elaborada por Beluce
Bellucci e Luiz Carlos Fabbri, dois membros de nosso Coletivo que,
mais que estudar a África, encontraram ali, em tempos tristes da história brasileira, um abrigo e um espaço para o exercício da política.
Esperamos que os olhares de Bellucci e Fabbri possam nos ajudar
a fazer essa travessia do Atlântico Sul, nos tornando mais próximos
do Continente Africano e de toda sua complexidade e diversidade
histórica, política e cultural.
Iole Iliada
Secretária de Relações Internacionais do PT
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
A África e o PT: breve histórico
e propostas de atuação política
Beluce Bellucci — Luiz Carlos Fabbri
A história do PT tem sido marcada por ações no plano internacional, ancoradas numa visão internacionalista e voltadas para a construção de um amplo leque de relações com partidos e organizações
políticas progressistas de todo o mundo. De modo geral, essas relações se plasmaram por meio de reflexões conjuntas com parceiros
internacionais sobre as mudanças políticas profundas que começaram a ocorrer no mundo pós-guerra fria, e a consequente necessidade de intercambiar experiências e propostas de estratégias de luta
contra as novas formas de hegemonia e em favor de sociedades mais
justas e igualitárias e um novo modelo de socialismo.
Nos anos de formação do PT, basicamente ao longo da década de
1980, as relações internacionais tiveram um veio predominantemente
europeu e latino-americano, com um forte componente de solidariedade. Progressivamente, com o sucesso obtido nas eleições presidenciais de 1989 e a conquista ulterior de várias prefeituras, as relações internacionais foram-se concentrando na América Latina, com
destaque para a criação do Foro de São Paulo em 1990. De igual
modo, cresceram as relações com o Partido Comunista da China e
com um diversificado arco de organizações de outros países, assim
como associações e correntes políticas internacionais.
No entanto, poucos contatos ocorreram ao longo desse período
com a África, com exceção da África do Sul, em parte pela dificuldade em compreender e incorporar as mudanças políticas que ocorri7
Por que África?
am no continente e, em parte, pela perda de ímpeto dos movimentos progressistas que haviam comandado as independências africanas, o qual coincide com os anos de formação do PT e se acentua ao
longo da década de 1990.
Hoje, a situação mudou radicalmente. A política externa do governo Lula deu uma grande prioridade à relação com países africanos, ampliando o comércio externo, que alcançou US$ 9 bilhões em
2009, estabelecendo alianças em torno de temas de interesse comum, desenvolvendo a cooperação com inúmeros países, particularmente os de expressão portuguesa, e apoiando posições e demandas africanas junto às instâncias internacionais.
As relações do Brasil com a África cresceram de tal maneira nos
últimos anos que, segundo dados do Itamaraty, o país possui hoje
relações diplomáticas com todos os 52 países africanos, dos quais 21
dispõem de embaixadas ou delegações no Brasil e 8 se encontram à
espera de designação de embaixadores, num total de 29 representações permanentes. Por sua vez, são 35 as representações brasileiras
na África, incluindo embaixadas e alguns consulados.
Paralelamente às relações de cunho estatal, outros atores estão
cada vez mais entrando em cena, como governos subnacionais, grandes empresas públicas e privadas e organizações da sociedade civil,
tais como universidades, confissões religiosas, organizações não governamentais e outras, com a consequente disseminação de informações sobre a realidade africana e a gestação de novos interesses no
seio da sociedade brasileira.
No próprio Partido, o interesse é crescente, como o demonstram
várias atividades da Secretaria de Relações Internacionais, o incentivo ao desenvolvimento de relações com organizações políticas e governos locais e a própria decisão de realizar um ciclo de seminários
sobre África.
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Cabe, contudo, indagar-se sobre as razões para este ciclo de seminários que propomos, ou seja, por quê África para o PT, como organização política e como Partido com ampla atuação governamental.
A seguir, enumeramos e especificamos algumas razões que justificam o crescente interesse do PT pela África e a necessidade de seu
estudo.
1) “Nada do que é humano deve deixar-nos indiferentes”.
No caso da África, trata-se de uma dimensão da humanidade que
tem tudo a ver conosco. Em primeiro lugar, pela própria composição racial da sociedade brasileira, formada por grande e crescente
contingente de afrodescendentes. Devido à diferença nas taxas de
fecundidade entre população branca e não branca, projeta-se que ¾
da população brasileira estará constituída por negros e pardos em
2050. Além disso, a formação histórica do Brasil e da África teve um
caráter combinado, resultante do compartilhamento do espaço econômico do Atlântico Sul nos albores do mercantilismo, o qual era
uma espécie de Mare Nostrum, interligando suas faixas costeiras.
Como consequência, há uma forte identidade humana e cultural
com a África, que tende a crescer, num mundo que se globaliza,
acelerando os intercâmbios de informação e os processos de comunicação e cooperação.
O conhecimento sobre a África nos ajuda como Partido a atuar,
principalmente no plano cultural, combatendo as visões elitistas e
eurocêntricas presentes na sociedade brasileira, reforçando a nossa
identidade histórica e conjugando-a à emancipação social da imensa
maioria de excluídos brasileiros, quase todos afrodescendentes. A
identidade histórica e cultural do Brasil que queremos construir tem
uma imbricação forte com a humanidade africana do nosso povo.
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Por que África?
2) Orientar e fundamentar as relações internacionais
com a África e globalmente.
Este ciclo de seminários representa uma primeira contribuição para
melhor assentar as nossas relações políticas com a África. Seus temas foram escolhidos com a perspectiva de gerar e propagar um conhecimento
transformador sobre a história e os desafios africanos na atualidade.
O que se pretende com isso é criar alicerces capazes de tornar as
relações do PT com a África plenas de conteúdos concretos e de
possibilidades de discernimento sobre temas e estratégias políticas
em curso no continente. Com efeito, e a experiência do Foro de São
Paulo o confirma, nenhuma construção política é possível se houver excessivo apego a governos ou instituições vigentes e desinteresse ou incompreensão sobre alternativas políticas emergentes e novas
pautas de mudanças, tanto no que se refere a países como a processos de associação e integração mais amplos.
O conhecimento sobre África que este seminário quer estimular
poderá assim aproximar-nos deste continente e orientar as nossas
relações e as nossas escolhas para níveis de entendimento equivalentes aos que fundam hoje nossas relações políticas com organizações
européias ou latino-americanas.
3) Avaliar as estratégias e propostas de organizações e
movimentos populares africanos, do ponto de vista
de seu caráter, efetividade e viabilidade.
Diversamente do que ocorria no campo dos partidos de esquerda
no passado, que se inseriam em estratégias revolucionárias previamente existentes, com reduzidos graus de liberdade, o PT nunca se
filiou a correntes ou doutrinas comandadas no plano internacional.
É, portanto, parte importante de sua forma de atuar e de sua
experiência formar uma opinião própria sobre cada uma das organi10
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
zações políticas que preconizam transformações sociais, com genuíno interesse pela história de cada uma, suas visões de mundo e suas
propostas. O conhecimento das Áfricas, de suas vicissitudes e desafios, mas também de suas potencialidades, favorece posicionamentos mais bem informados não somente sobre o caráter dessas forças
políticas, mas também sobre a efetividade de suas estratégias num
contexto internacional que se abre cada vez mais para o multilateralismo, no quadro de um debilitamento das formas hegemônicas do
poder mundial.
4) Estabelecer relações políticas informadas e construtivas,
incluindo formas de colaboração e apoio.
Evidentemente que uma visão de conjunto sobre as forças e as
tendências políticas que apontam no sentido de mudanças progressistas na África constitui somente um primeiro passo, necessário para
a construção de relações políticas, a busca de parcerias e mesmo a
criação de foros e mecanismos de discussão e convergência.
Há todo um conjunto de relações políticas que poderão ser estabelecidas, em que o PT, melhor informado com respeito à África, poderá prestar apoio concreto e, ao mesmo tempo, cooperar, inclusive no
aprofundamento sobre os grandes temas da África, de suas regiões e
países, para os quais este Seminário somente pretende contribuir.
Nesse sentido, a experiência de trabalho acumulada pelo Foro de
São Paulo constitui sem dúvida um capital para o PT e também
para a esquerda latino-americana de uma maneira geral, que, como
é sabido, vai muito além das reuniões regulares, e abarca a identificação de temas comuns, o debate aprofundado e multifacético sobre
os desafios políticos de atualidade, a ajuda mútua e a realização de
ações coletivas.
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Por que África?
5) Estabelecer relações políticas com atores decisivos.
Com o crescente fracasso do neoliberalismo em todo o mundo, a
fraca legitimidade de alguns governos africanos e um novo ciclo de
lutas populares que se avizinha, estão surgindo cada vez mais movimentos em prol de mudanças políticas que possuem características
novas, distintas das que haviam marcado os processos de descolonização e de emancipação política no passado recente.
Algumas vezes essas mudanças ocorrerão com o beneplácito de partidos atualmente no poder, alguns nascidos de movimentos de libertação
nacional. Porém, cada vez mais, serão novas organizações e novos atores
políticos e suas bases de apoio, alguns já emergindo ou em construção,
que tenderão a protagonizar mudanças políticas no futuro.
Questões programáticas de reestruturação e reforma do Estado,
de novas prioridades econômicas, de promoção de um desenvolvimento mais inclusivo e de valorização cultural farão parte das novas
pautas. O estreitamento das relações político-partidárias com esses
atores poderá ser um veículo de entendimento dessas lutas, de transmissão de experiências, de aprendizado comum e, certamente, de
apoio a transformações progressistas.
Não se tratará de maneira nenhuma de exportar modelos e, menos ainda, de impor caminhos e teorias. Deverá haver, ao contrário,
um intercâmbio permanente de pontos de vista e propostas, que
requerem informação e conhecimento das realidades africanas de
nossa parte e, por outro lado, humildade e inteligência para traduzir
nossas idéias e experiências em situações concretas bastante diversas,
e cooperar, mediante o diálogo e a aprendizagem conjunta.
6) Favorecer e dar suporte de conhecimento às lutas
contra o racismo e pela igualdade racial no Brasil.
A iniciativa de publicar a presente série de textos e de realizar
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
seminários sobre África ocorre sob os auspícios da Secretaria de Relações Internacionais, em colaboração com a Secretaria Nacional de
Combate ao Racismo. Embora o foco seja o continente africano,
serão exploradas, sempre que pertinente, as relações históricas do
Brasil com os temas que serão abordados.
Com efeito, conhecer África na perspectiva do aprimoramento de
uma política africana do PT e de sua aplicação prática, não é uma
questão alheia ao racismo incrustado na sociedade brasileira.
Em primeiro lugar, significa compreender que o racismo é um
fenômeno cujas dimensões espaço-temporais transcendem nosso país,
ligadas que estão à espoliação colonial da África e à urdidura de um
sistema escravocrata, que esteve na base da acumulação primitiva
do capital e da expansão mercantil do capitalismo, e que emergiu a
partir do século XV
Em segundo lugar, significa assumir plenamente nossa condição
de país formado majoritariamente por afrodescendentes, resultante
da forma conjugada como se produziu a incorporação ao capitalismo da África e do Brasil (e outros países do continente americano).
Ou seja, que genética e história foram momentos de uma mesma
dinâmica, ainda que isso não seja evidente para todos. Uma política
africana do PT deve possibilitar assim uma práxis mais lúcida, tanto
do ponto de vista nacional como de nossas relações externas.
Finalmente, um maior conhecimento sobre os determinantes do
racismo nos permitirá superar equívocos e preconceitos contra a África
real, que acabam por segmentar a unidade das forças políticas no
Brasil, necessária aos processos de transformação. A luta por uma
visão política profundamente anti-racista e igualitária não carece de
concessões a uma África idílica ou abstrata e a um africanismo escorado puramente na paixão.
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Por que África?
7) Contribuir para a formação política dos militantes
num dos temas mais relevantes da atualidade.
A formação política sobre África, além de ser objeto de uma demanda cada vez mais significativa em nosso meio, traduz a necessidade de melhorar a nossa intervenção em temas de crescente atualidade. A proximidade do continente africano, com quase um bilhão
de pessoas, nos coloca perante a responsabilidade de conhecê-lo para
tentar compreender as transformações por que está passando, adotando posições respeitosas e progressistas, que nos diferenciem das
posturas de cunho imperial e neocolonial que continuam a marcar a
submissão de nossas elites ao mundo exterior. Uma política africana
de esquerda para o Brasil requer um direcionamento político que
projete uma nova forma de convivência e autêntica cooperação, capaz de representar um marco, não somente com respeito à África,
mas que vá também ao encontro da enorme e ramificada diáspora
africana em todo o mundo.
8) Acompanhar e avaliar criticamente as ações
governamentais com respeito à África.
A profusão das iniciativas do governo federal dirigidas a países
africanos e ao continente como um todo, no quadro de um estreitamento de relações diplomáticas e econômicas, bem como a multiplicação de ações de cooperação de entes subnacionais, colocamnos hoje num novo patamar de responsabilidade partidária. Os diferentes níveis de governo e o próprio Estado brasileiro passaram a
conduzir variadas ações, generosas, porém muitas vezes ingênuas;
genuínas, mas abrindo caminho algumas vezes a interesses imediatistas; sinceras, embora podendo contribuir a perpetuar ou renovar
formas de exploração e dominação a que o continente tem sido
submetido.
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
É preciso, por isso, formar-se um juízo crítico informado dessas
ações governamentais, evitando que morra na fonte o impulso cordial de favorecer o desenvolvimento e as mudanças sociais nos países
africanos. A nossa relação com África não pode ser somente
incremental com respeito a tudo o que já se faz, agregando “mais do
mesmo” ao que já é feito pelos países do Norte há décadas, com
resultados irrisórios. As relações que construamos deverão materializar uma comunhão estratégica e apontar no sentido de parcerias
para o desenvolvimento, com ações de longo prazo e duradouras.
9) Participar da construção da política africana do PT.
A ação prática com respeito à África tem antecedido a reflexão e a
formulação de estratégias políticas. A própria diplomacia brasileira
opera na África com base em diretrizes gerais, inspiradas numa visão
prospectiva do Brasil, porém com sérias lacunas de conhecimento e
com pouco ou nenhum descortínio frente ao significado das lutas
históricas de emancipação no continente.
A construção de uma política africana representa uma necessidade prática para definir em termos concretos ações e programas que
contribuam efetivamente para transformações sociais no continente, indo além dos discursos voluntaristas e autocomplacentes. O PT
deverá tornar-se capaz, estudando e compreendendo a África, de
avançar nesse terreno, fazendo participar um número maior de seus
quadros, aprofundando a discussão política e influenciando a ação
governamental.
10) Entender a dimensão transformadora das relações
com a África na política externa brasileira.
A inserção subordinada do Brasil, que se encontra na própria gênese da nação e que determinou um campo de prioridades alinhadas
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Por que África?
com os interesses das grandes potências, materializou-se historicamente na política externa brasileira em visões de mundo, padrões
comportamentais e práticas diplomáticas incompatíveis com um projeto político de democratização da ordem internacional.
Embora isso esteja mudando com os novos rumos da política
externa, com efeitos significativos entre as novas gerações de diplomatas, a relação do Estado com o outro e com o excluído coloca com
muita ênfase a necessidade de uma reestruturação da política externa, transformando em profundidade seus parâmetros e seu modus
operandi. Naturalmente que isso não poderá ocorrer exclusivamente
por meio de uma autoreforma da diplomacia brasileira, exigindo
uma liderança informada e comprometida, capaz de inserir a política externa nas aspirações e no protagonismo do povo brasileiro.
As relações com a África têm maior potencialidade transformadora, porque exprimem de maneira mais cabal o outro e o excluído.
Embora, por exemplo, a Ásia também represente para nós a alteridade,
nela não predomina a exclusão. Por sua vez, a América Latina com
regiões de grande exclusão, está muito mais próxima, regra geral, de
nossa formação sociocultural: é mais o nós que o outro.
11) Avaliar as ações de política externa com base numa
visão própria do continente africano vis à vis
os interesses e a ação do governo brasileiro.
O impulso inicial da retomada de uma política vigorosa para a
África no âmbito do governo Lula, apesar de sua positividade, reflete de certa forma os interesses econômicos em jogo, as alianças que
se estabelecem com diversos atores, muitas vezes poderosos e com
outro lastro histórico, bem como as fraquezas institucionais e operacionais de um aparelho de cooperação ainda incipiente.
O PT deve tornar-se capaz de acompanhar este processo, de ma16
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
neira informada e crítica, colocando-se a si próprio como ator, intervindo e propondo e, sobretudo, avaliando a coerência entre os objetivos de nossa política externa e os objetivos programáticos de nosso
governo, no que diz respeito ao desenvolvimento autônomo, à redução
da desigualdade social e a melhoria das condições de vida, que devem
valer tanto para o povo brasileiro como para os povos africanos.
12) Fundar e apreciar as ações de cooperação para o desenvolvimento num conhecimento aprofundado dos dilemas e dos desafios
africanos vis à vis os ensinamentos e experiências brasileiras.
A experiência internacional de cooperação para o desenvolvimento, particularmente com a África, que se desenvolve e estrutura a partir dos anos 1960, está marcada por grandes impasses e fracassos
rotundos, com os quais é necessário aprender. Seu estudo, aliás, deve
fazer parte de nosso Seminário sobre África, porque não faz sentido
ignorar as análises críticas e as inúmeras propostas alternativas elaboradas por forças de esquerda e progressistas do mundo desenvolvido, com base nas políticas e estratégias de cooperação seguidas em
seus países. A pouca experiência brasileira não pode servir de subterfúgio ao desconhecimento dos erros cometidos pelos que já percorrem essas vias há muito tempo.
As ações de cooperação com a África situam-se basicamente no
marco da cooperação prestada, na linguagem utilizada pelo Itamaraty.
Neste âmbito, considera-se acertadamente que governos e instituições brasileiras, bem como organizações não governamentais e empresas, são portadores de conhecimentos e experiências de grande
valia para a África, o que representa uma vantagem comparativa
brasileira para o crescimento da cooperação. Na realidade, porém, a
sua adequação às condições africanas exige grande domínio não só
das condições em que estes ensinamentos foram gerados, como co17
Por que África?
nhecimentos reais sobre cada país africano com o qual se coopera e
uma clara orientação política sobre os desafios colocados para um
desenvolvimento que beneficie realmente a população mais pobre e
excluída do continente. As mesmas opções políticas referendadas
pelo povo brasileiro com respeito aos seus governos devem servir de
moldura para nossa ação na África.
As ações de cooperação de maior sucesso dependem em grande
medida de uma complexa engenharia em que a base de conhecimentos sobre a África, mas também o reconhecimento da necessidade de adaptar e gerar novos conhecimentos numa perspectiva
libertadora possui peso decisivo.
13) Contribuir para a formulação de uma política de promoção
do desenvolvimento dos países africanos, com base em princípios
e métodos de planejamento e avaliação de projetos e programas,
sempre em estreita ligação com as contrapartes africanas.
A magnitude dos problemas e desafios africanos não se compadece de iniciativas pontuais, nascidas muitas vezes de vontades mal
elaboradas ou miméticas de governantes ou de ofertas de cooperação, com pouca articulação com o exame das necessidades reais ou
com a especificação de objetivos de desenvolvimento. Este é talvez o
maior ensinamento dos erros cometidos no passado pelos atores da
cooperação, qual seja a da realização de projetos isolados, decididos
em nível superior.
Com efeito, as demandas de cooperação devem ser trabalhadas
com base em estudos setoriais, fazendo colaborar instituições brasileiras e africanas, gerando novos conhecimentos e propostas estratégicas que possibilitem estabelecer planos com metas de curto, médio
e longo prazos e, subseqüentemente, projetos cuja formulação resulte de elaborações sucessivas e aperfeiçoamentos ao longo de todo o
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
processo. Esta mesma moldura permite acompanhar a evolução das
ações de cooperação, organizar um monitoramento conjunto do seu
avanço e avaliá-las periodicamente com vista a introduzir correções
e mudanças de rumo.
14) Ampliar as possibilidades de cooperação com diversa
instâncias federativas e atores sociais e institucionais.
Finalmente, o conhecimento mais aprofundado da África, envolvendo militantes e quadros do PT que atuam em organizações e
movimentos sociais e nas instituições públicas dos três níveis da federação, possibilita ampliar a participação, diversificando os atores,
potenciando os saberes e as oportunidades e criando as condições
para uma democratização das relações com a África, mediante um
acercamento, uma crescente vizinhança e novas formas de sociabilidade com a base social, ou seja incorporando essas relações ao nosso
projeto político.
] As macro-regiões do continente africano
O estudo sobre África deve partir de uma visão de conjunto do
continente africano, que nos permita compreender a sua amplitude
e diversidade, que sirva como marco geral para a compreensão e o
aprofundamento dos temas específicos que nos interessam.
A África é um continente com mais 30 milhões de km2 e quase
um bilhão de habitantes. O deserto do Saara divide geograficamente o continente em duas grandes e distintas partes. A África do Norte, islamizada e de ocupação predominantemente árabe, com processo histórico mais homogêneo e relacionado ao Mediterrâneo, econômica e politicamente. E a África sul-saariana, também conhecida
como subsaariana ou África negra. Na parte Sul-saariana1 as diversi19
Por que África?
dades históricas, étnicas, culturais, econômicas, lingüísticas são enormes, embora boa parte da população tenha origem banta.
Podemos, ainda, dividir o continente africano2 segundo as relações históricas de integração regional em: África do Norte, África
Ocidental, África Central, África Austral, África Oriental e África
Índica.
Em cada uma dessas regiões o Brasil vem se relacionando de forma diferenciada. Na África do Norte as prioridades têm-se concentrado na Argélia. Na faixa atlântica, as prioridades são a Nigéria, a
África do Sul e, recentemente, Angola, enquanto na costa oriental,
Moçambique tem sido objeto de atenção crescente. Tudo, entretanto, num vai e vem de intenções e ações pontuais. Com o governo
Lula as políticas se modificaram e poderão, se continuadas e aprofundadas, abrir espaço para relações mais amplas, menos seletivas e
mais duradouras, enfocando dimensões políticas, econômicas, sociais e culturais, superando as considerações de afinidades históricas
e de interesses comerciais de curto prazo.
Mapa 1 - As macrorregiões da África
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
África do Norte
A África do Norte, devido à predominância árabe e aos fatores históricos e linguísticos, é, muitas vezes, separada do resto do continente e
agrupada ao estudo do Oriente Médio. Apresenta duas sub-regiões: a
leste, o machrech, que inclui a Líbia e o Egito. A oeste, o magrebe (onde
o sol se põe), que compreende a Tunísia, a Argélia, o Marrocos, e o Saara
Ocidental. Este é ocupado pelo Marrocos desde 1975, com a saída da
Espanha, e enquanto não se realiza o plebiscito pelas Nações Unidas
para definir o status de país independente ou incorporado ao Marrocos,
o povo sarauí luta pela sua própria independência.
Embora a África do Norte dispute a primazia geopolítica e econômica com a África Austral, no momento, ela apresenta vários indicadores de desenvolvimento econômico-social e posição estratégica (compartilha a bacia do Mediterrâneo com a Europa e o Oriente
Médio) que a colocam em primeiro lugar do ranking africano. Seus
cinco países estão entre os sete países africanos com maior PIB, grau
de industrialização e escolaridade. Com mais de 150 milhões de
habitantes, a região apresenta uma população de árabes e muçulmanos maior que o Oriente Médio.
É a região mais homogênea do continente: de modo geral, uma
só religião, o Islã, uma só língua, o árabe, e alguns propõem uma só
nação, a árabe. O perfil político é marcado pela presença de Estados
antigos, alguns milenares, que permaneceram com a sua própria
estrutura representativa durante a colonização, a exemplo do Egito e
do Marrocos. Já a Argélia só obteve coesão nacional a partir da guerra de independência (1954-1962). Os países desta região foram os
primeiros da África a obter a independência: o Egito em 1922; a
Líbia em 1951; Tunísia e Marrocos em 1956 e Argélia em 1962.
Quanto à colonização, a França dominou no magrebe. Houve
colonização inglesa no Egito e italiana na Líbia. Argélia, Líbia e
21
Por que África?
Egito são grandes exportadores de petróleo. As classes dominantes
são antigas, como a mercantil e a fundiária, ou são apoiadas pelo
Estado, como a industrial, de formação recente. Do ponto de vista
das relações internacionais, todos os cinco países da região estão entre os quinze mais influentes do continente.
África Ocidental
A África Ocidental é composta por 16 países: Benin, BurkinaFaso, Cabo Verde, Costa do Marfim, Gâmbia, Gana, Guiné, GuinéBissau, Libéria, Mali, Mauritânia, Níger, Nigéria, Senegal, Serra
Leoa e Togo. Três países, Burkina-Faso, Mali e Níger, não têm saída
para o mar, e junto com a Mauritânia e o Chade (da África Central),
compõem a faixa do Sael, com períodos de seca intensos e recorrentes e avançado processo de desertificação, sendo por isso uma das
regiões mais problemáticas da África.
Do século X ao século XVI, importantes reinos e impérios se
formaram. O reino de Gana, os impérios Mali e Songhai, as cidades-estados Hauçás e Iorubás, na atual Nigéria, tiveram seu apogeu.
Foi área pioneira e de intenso tráfico de escravos para as Américas.
Foram colônias inglesas: Serra Leoa, Gana, Gâmbia e Nigéria.
Ao contrário do que aconteceu com as colônias de povoamento europeu na África Austral e Oriental, a Inglaterra praticou na região
uma colonização de exploração, sem a expulsão dos camponeses de
suas terras e com pequena, mas decisiva, presença do poder metropolitano.
Cabo Verde e Guiné Bissau foram colônias portuguesas. Benin,
Burquina-Fasso, Costa do Marfim, Guiné, Mali, Mauritânia, Níger,
Senegal e Togo foram colônias francesas. A Libéria foi formada por
escravos libertos dos Estados Unidos da América, em meados do
século XIX, não tendo conhecido a colonização.
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Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Excetuando a Nigéria, maior produtor africano de petróleo, a
região conta com pouca produção mineral, embora os diamantes de
Serra Leoa tenham influência nos conflitos da região. No aspecto
sociocultural, nota-se o peso político das classes mercantis oriundas
da escravidão e uma presença marcante do islamismo, majoritário
em alguns países.
África Central
A África Central é constituída por dez países: Burundi, Camarões, República Centro-Africana, Chade, Congo (Brazzaville), República Democrática do Congo (ex-Zaire), Gabão, Guiné-Equatorial, Ruanda, e São Tomé e Príncipe.
A região Congo-Angola é de onde veio o maior número de africanos escravizados ao Brasil e a influência do reino do Congo foi fundamental para a formação da nação brasileira.
Portugal colonizou as desabitadas Ilhas de São Tomé e Príncipe.
A República Democrática do Congo (ex-Zaire) foi propriedade pessoal do rei Leopoldo da Bélgica, sendo depois de duas décadas entregue ao Estado Belga. O Camarões foi colônia alemã até a Primeira Guerra Mundial, sendo depois entregue à tutela da França e da
Inglaterra pela Liga das Nações. O mesmo aconteceu com Burundi
e Ruanda que foram colônias alemãs até a primeira guerra e depois
passaram para a Bélgica.
A Guiné-Equatorial foi a única colônia espanhola na África sulsaariana. Os quatro países restantes – República Centro-Africana,
Chade, Congo e Gabão - integraram a África Equatorial Francesa,
com capital em Brazzaville, atual República do Congo.
Congo (ex-Zaire), Gabão e Camarões são ricos em minérios e
petróleo. Situada em grande parte em zona equatorial, a região apresenta fraca densidade demográfica. No domínio das relações inter23
Por que África?
nacionais, a República Democrática do Congo, apesar das dificuldades internas de integração, há décadas em crise, é o país com maior importância geopolítica da região, por suas riquezas minerais,
além de ser o mais extenso e populoso.
Todos os países desta região tiveram a independência no início da
década de 1960, com exceção de São Tomé e Príncipe, em 1975.
África Oriental
A África Oriental apresenta relações ancestrais com o mundo árabe e a região índica, e divide-se em duas sub-regiões: o Chifre da
África e a Centro-oriental.
O Chifre da África é formado por cinco países: Etiópia, Eritréia
(independente da Etiópia em 1993), Djibuti (ex-colônia francesa),
Somália, colonizada em partes separadas pela Itália e pela Inglaterra, e
Sudão, administrado no tempo colonial por condomínio anglo-egípcio e desmembrado recentemente para formar o novo Estado do
Sudão do Sul. É no Sudão que se localiza a região de Darfur, palco de
conflitos no início do século XXI. Tem uma comunidade árabe e
muçulmana ao norte, e outra, cristã ou animista, no sul. A região
guarda importância estratégica, pelo petróleo e proximidade com o
Oriente Médio.
A Etiópia é o país mais importante do Chifre, embora não faça
mais parte dos 15 maiores PIB africanos por conseqüência de sua
decadência econômica. Foi sede da Organização da Unidade Africana (OUA) e é sede da sua sucessora, a União Africana. Tem o poder
simbólico de Estado Milenar. A antiga Abissínia, expandiu-se às
custas dos seus vizinhos, e nunca foi colônia de nenhuma potência,
embora tenha sofrido ocupação militar italiana entre 1936 e 1941.
A população se divide entre cristãos ortodoxos, muçulmanos e uma
pequena minoria de judeus.
24
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
A África Centro-Oriental é formada pelas ex-colônias inglesas de
Uganda, Quênia e Tanzânia (união da antiga Tanganica com a ilha
de Zanzibar) que, no período colonial, integravam a África Oriental
Britânica e até a Primeira Guerra Mundial a África Oriental Alemã.
Região de cruzamento de povos árabes e asiáticos, formou a cultura
suaíli, cuja língua mistura o banto e o árabe.
No campo das relações internacionais, foi a primeira região do
continente a propor a integração econômica, ainda na década de
1960, com a criação do Mercado Comum da África Oriental, o
Kenutan, formado pelos três países citados, que, entretanto, foi mal
sucedido. Com o deslocamento político e econômico da Tanzânia
para a África Austral, o Quênia consolidou posição de pólo econômico mais importante. Sem recursos minerais expressivos, como os
restantes países da região, o Quênia tem excelente agricultura, turismo ecológico e a sua capital, Nairóbi, é a sede mundial do Programa
das Nações Unidas para o Meio Ambiente e do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos – Habitat. No início
do século XXI vem enfrentando problemas de governabilidade.
África Austral
Atualmente, a África Austral é região-chave do continente. Apresenta alta integração em termos de capital, mercadorias e pessoas,
sem paralelos em outras regiões da África. Contém uma das maiores
reservas minerais do mundo, alguns ainda estratégicos e indispensáveis à Europa e aos Estados Unidos. A fachada atlântica lhe confere
proximidade e boa potencialidade de cooperação com o Cone Sul da
América Latina. A fachada do Índico a coloca em contato com o
Oriente Médio e com importantes países asiáticos, com quem têm
longa história de comércio e influência mútua. Onze países a compõem: África do Sul, Angola, Botsuana, Lesoto, Malaui, Moçambi25
Por que África?
que, Namíbia, Suazilândia, Tanzânia, Zâmbia e Zimbábue. Seis não
têm saída para o mar, circunstância que exige maior integração.
A Tanzânia é situada na África Oriental, contudo, por razões políticas e econômicas, ela se australizou, e hoje faz parte de todos os
organismos integrativos da região. Do mesmo modo que a Angola e
a Zâmbia, que são países histórica e culturalmente pertencentes à
África Central.
É a região do continente com a mais antiga e maior ocupação
européia, iniciada em 1652, na região do Cabo. Foi a única colônia
de povoamento europeu na África antes da Revolução Industrial,
embora não estivesse vinculada a nenhum Estado da Europa. A integração colonial começou com a Inglaterra se apossando das colônias bôeres (majoritariamente de população holandesa) do Cabo e
Natal (1902), e de toda a União Sul-Africana, posteriormente República da África do Sul. Finalmente, agregou a Rodésia do Sul,
atual Zimbábue, depois a Rodésia do Norte (hoje Zâmbia) e a
Niassalândia (atual Malaui).
A Namíbia era uma colônia alemã (Sudoeste Africano) que, após
a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial, foi entregue por mandato à África do Sul, que ilegalmente a incorporou. A outra colônia
alemã, a Tanganica, foi entregue à Inglaterra, também por mandato,
e constitui hoje a Tanzânia (após fusão com Zanzibar).
Angola e Moçambique tiveram colonização portuguesa, mas mantiveram-se sob dependência econômica inglesa durante muito tempo, assim como Portugal. Os enclaves de Botsuana, Lesoto e
Suazilândia foram protetorados britânicos na época das guerras entre bôeres, zulus e ingleses. As independências aconteceram na década de 1960, porém Angola e Moçambique apenas em 1975. A
Namíbia se tornou independente da África do Sul em 1990.
O processo contemporâneo de maior impacto na região foi o des26
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
mantelamento político do apartheid na África do Sul e a realização
em 1994 das primeiras eleições livres e gerais, do qual saiu vitorioso
o ANC (Congresso Nacional Africano), sob a condução de Nelson
Mandela. Desde então o ANC domina a arena política, mas as desigualdades sociais ainda representam um grande desafio. No campo econômico a SADC – Comunidade para o Desenvolvimento da África
Austral – agrega 14 países. Nove países tem o inglês como língua oficial
e dois o português. A religião cristã é a predominante, e a região abriga
o maior contingente de população de origem européia da África.
África do Oceano Índico
A África Índica é constituída pelas ilhas de Madagascar, Maurício,
Reunião (esta integrada à França) e os arquipélagos de Comores e
Seicheles. O Oceano Índico é espaço privilegiado de passagem entre
o Ocidente e o Extremo Oriente. Por isso teve sempre um papel estratégico. Lugar de mistura de raças e civilizações, o Índico tornou-se,
nas últimas décadas do século XX, um espaço de enfrentamento entre
as grandes potências, sobretudo depois que as bases navais passaram a
ter primazia sobre as terrestres. Madagascar foi ocupada pelos franceses no final do XIX. As ilhas Comores, Maurício e Seicheles são habitadas por povos de origem diversa – árabes, africanos, indianos e europeus – que deram origem a culturas-sínteses, crioulas, diferenciadas
entre si. A República Maurícia é grande produtora de açúcar e de
confecções de alta tecnologia. É considerado um “novo país industrializado” da África, e se distingue por sua estabilidade política.
***
De maneira geral, as fronteiras atuais dos países africanos foram
estabelecidas no processo de ocupação colonial da África, que teve
início em meados do século XIX, e durou até a Primeira Guerra
27
Por que África?
Mundial. Elas obedeceram aos princípios estabelecidos na Conferência de Berlim (1894-95) entre as potências coloniais, e agruparam diferentes nações e etnias, ao mesmo tempo em que as dividiram e separaram. Após a Segunda Guerra Mundial, em função das
mudanças no sistema capitalista e como resultado das lutas anticoloniais, a grande maioria das colônias alcançou a independência no
início dos anos 1960. A exceção foram as colônias portuguesas, cuja
independência se deu em meados dos anos 1970, depois de mais de
uma década de luta armada. A OUA (Organização da Unidade Africana), constituída em 1961, decidiu manter as fronteiras estabelecidas pelos colonialistas no processo de ocupação. A língua oficial na
maioria dos países recém independentes foi a língua do colonizador,
utilizada como fator de integração nacional. Exceções são a Somália,
que manteve seu único idioma anterior, o somali, e a Eritréia, com
o tigrino. A Etiópia, nunca colonizada, mantém o amárico.
] A diversidade histórica, política e cultural da África
Neste ponto, também de maneira ampla e abrangente, procuramos
estabelecer um quadro de referência interpretativo, histórico e teórico, sobre a realidade africana e os seus desafios como um todo, que
nos servirá como guia geral para o estudo sucessivo dos temas específicos que formarão parte do Seminário sobre África.
Tomando como referência o modo de inserção do continente no
sistema capitalista internacional, é possível visualizar cinco períodos
distintos:
1. Tradicional ou pré-capitalista: dos primórdios até meados do
século XV. Predominam as dinâmicas próprias, comunitárias, com
escassas relações com o exterior do continente.
2. Mercantil-escravocrata: do século XV até fins do século XIX. A
inserção à economia mundo se dá sob a forma de exploração e subjugação, com o predomínio do tráfico de escravos.
28
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
3. Colonização: do final do século XIX até o imediato pós-II Guerra
Mundial. Inclusão do continente na divisão internacional do trabalho mediante um papel periférico e subordinado, que tornar-se-á o
ponto de partida do subdesenvolvimento africano.
4. Descolonização: da Segunda Guerra Mundial até os anos 1960,
início dos anos 1970. Emergência dos Estados africanos independentes e dos projetos de emancipação, num quadro de manutenção
de relações de dependência.
5. Independente: das independências até o presente. Apesar dos
esforços e da diferenciação entre países, prevalecem a elevada desigualdade, o relativo subdesenvolvimento, a sucessão de conflitos e
as migrações forçadas no interior do continente.
A reflexão sobre África, conduzida por alguns de seus maiores
intérpretes, permite estabelecer algumas linhas mestras, essenciais
para o entendimento do continente:
A realidade dos países africanos é
extremamente diferenciada e complexa.
A África combina ainda hoje diferenças extremas entre características próprias de sociedades modernas e padrões tradicionais de cultura e de organização social, que resultam tanto do choque causado
pelo colonialismo sobre as sociedades tradicionais como da forma
subordinada da inserção do continente no sistema capitalista.
Não é possível compreender a África em profundidade ignorando
essa complexidade das sociedades africanas atuais. Como assinala
Ki-Zerbo, a civilização africana jamais poderá florescer à margem da
diferenciação e da complexidade social que existem na atualidade.
Não podemos nos iludir com os empreendimentos de alto padrão
tecnológico em alguns países, principalmente nos setores de exploração de recursos naturais, ou com a aparência de racionalidade ociden29
Por que África?
tal dos Estados em formação, ou com o usufruto de bens e serviços
avançados nas áreas de comunicação ou eletrônica, ou ainda com demandas simplesmente miméticas no domínio da cooperação para o
desenvolvimento, por exemplo.
O substrato cultural diferenciado está sempre presente e se mostra
como um incontornável “guia de um caminho espiritual sem
desenraizamento” (Ki-Zerbo, 1991), sem o qual não haverá soluções
efetivas aos problemas ou sustentabilidade nos processos de mudança.
Por trás da modernidade africana há sempre
processos de adaptação e hibridação.
Parte da complexidade social africana está na hibridação e mestiçagem dos elementos que a compõe. A África jamais se submeteu integralmente àquilo que lhe era estrangeiro. Ao contrário, mostrou-se
capaz de apropriar-se do que vinha de fora, como as religiões ou as
ideologias políticas, porém sempre digerindo-as e africanizando-as.
Por isso, a sua modernidade nunca segue completamente os cânones
ocidentais, e as suas instituições e comportamentos, mesmo de suas
elites, por mais que se aproximem de padrões modernos, representam sempre remodelações e particularizações do modelo inicial, o
que possibilita conservar, em grande medida, o patrimônio sociocultural das sociedades africanas.
Por outro lado, essa hibridação complexa faculta aos africanos a
capacidade de utilizar elementos arcaicos e modernos, de maneira
indistinta ou sucessiva, buscando tirar sempre o melhor proveito
para si próprios, e ancorando a sua modernidade, por paradoxal que
isso possa parecer, em sua própria cultura tradicional. É algo assim
como interrogar os ancestrais e pesquisar pela internet, a um só tempo, em busca de respostas para os problemas que enfrenta.
Essa lógica eclética, além de completamente irracional de um ponto
30
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
de vista ocidental, poderia mesmo ser considerada antiética deste
ponto de vista, quando envolve a negociação de benefícios pessoais
perante as instituições, com base num quadro de valores e formas
tradicionais de exercício do poder.
O Estado é imprescindível para a
transformação das sociedades africanas.
O Estado na África repousa tanto sobre fundamentos autóctones
como sobre um processo de reapropriação das instituições de origem
colonial, inclusive sob o manto das formas mais exógenas, traduzindo porém um dos componentes mais marcantes e irreversíveis de
sua modernidade atual.
Longe de representar uma obra acabada, ele funciona como um
rizoma de laços pessoais e comunitários, que assegura a centralização
política por meio de relações de amizade, de parentesco, de alianças
diversas.
Nesse sentido, ele não é diferente do II Império no Brasil, que
embora fosse burocrático e autoritário, não suprimia os poderes locais, mas procurava apoiar-se neles, tornando-os intermediários, e
pondo em prática transações variadas, incluindo a atribuição de títulos nobiliárquicos, de modo a manter o equilíbrio entre forças
concorrentes e poder político.
Em conseqüência, os problemas e os desafios africanos são principalmente de ordem política e cultural e condicionam a economia. A
luta pela democracia e a forte crítica ao Estado clientelista e às elites
rentistas estão se acentuando e multiplicando nos últimos anos, exigindo que o Estado assuma um novo papel estratégico, e que seja
dotado de um quadro institucional favorável. As brutais assimetrias
internacionais, resultantes da inadequação de modelos importados,
exigem mudanças tanto no plano internacional como nos marcos
31
Por que África?
do Estado em cada país, tendo em conta as trajetórias específicas e
os requerimentos de cada sociedade (Hugon, 2006).
As formas de ação e interação políticas têm
dimensões tipicamente africanas.
A proeminência do comunitário e de suas prescrições sobre o indivíduo se exprime, como uma tendência profunda, mesmo em relação ao poder político, através de uma multiplicidade de redes. Neste
contexto, a sucessão de eleições multipartidárias, por exemplo, não
significa necessariamente democratização, mesmo quando possibilitam conter conflitos exacerbados. Por outro lado, a onipresença das
identidades comunitárias traz um imperativo permanente de intercâmbio, que precisa ser assumido por todos.
Isso faz com que os partidos sejam muitas vezes reconduzidos porque são mais capazes de distribuir benefícios, resistindo, por exemplo,
a medidas de austeridade fiscal. Ou mesmo de manter relações personalizadas que alimentam a necessária confiança, utilizando-se do poder e da riqueza para favorecer e redistribuir benesses em favor de suas
clientelas, o que não é sempre percebido como abuso de poder ou
corrupção. Em suma, as relações costumam ser personalizadas, verticais, e fundadas em trocas recíprocas, no seio de um ambiente comunitário ou de grupo, recorrentemente sob a égide de um grande chefe.
O que mantém a coesão social é a capacidade de exercer um modo de
governo que mantenha esse entrelaçamento social e o mundo de significações e imaginários sociais que o acompanha.
A própria lógica capitalista fica com freqüência comprometida,
na medida em que a busca do lucro pode ser contida ou suplantada
pela necessidade de retribuir de imediato, com pompa e generosidade, fazendo da ostentação da riqueza uma parte integrante de mecanismos de representação, em benefício da comunidade, sendo, por32
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
tanto, fator de legitimidade política, segundo Chabal e Daloz (1999).
Este comportamento revela uma primazia do curto sobre o longo
prazo, que restringe as margens de manobra dos dirigentes, obrigando-os a tomar em conta as demandas clientelistas e nepotistas que
sustentam a vontade dos atores e, portanto, a própria legitimidade,
pelo menos enquanto não houver um desenvolvimento econômico
expressivo e duradouro. Esta é a forma particular de modernidade
africana.
] Economia, conflitos e migrações
como temas de reflexão
Finalmente, na parte final desta introdução geral ao estudo sobre
África, apresentamos de maneira sintética alguns dados sobre a atualidade do continente, os quais se complementam com um conjunto de tabelas e mapas colocados em anexo.
O quadro econômico atual
A África está muito longe de ser homogênea do ponto de vista
econômico. Tomando em conta as bases produtivas, os produtos
exportados e o lugar ocupado por estes na economia, podemos identificar três grandes tipos de dinâmicas:
Países de economia pré-industrial: especializados nas culturas de exportação, suas estruturas não mudaram desde a época colonial; padecem de grandes vulnerabilidades externas e de incapacidade crônica
de acumulação (países do Sael, Chifre da África); para estes países a
cooperação externa tem sido imprescindível.
Países rentistas: dispõem de recursos minerais ou petróleo, o que
faz com que suas dinâmicas econômicas fiquem condicionadas à
evolução e à repartição das receitas de exportação; apresentam elevado dualismo, com presença de multinacionais, e sofrem pressões
derivadas da segurança no aprovisionamento dos países centrais.
33
Por que África?
Países em via de industrialização: são pólos regionais, com acesso
ao crédito e ao investimento externo e uma dinâmica de acumulação semi-industrial, com frequência dependente de exportações.
Predominam na África, contudo, as economias de renda e uma
baixa capacidade de acumulação. A maioria dos países africanos encontra-se ainda sob o domínio do capital mercantil, cuja valorização
se dá principalmente pelo intercâmbio comercial e não pela produção.
É o que alguns autores chamam de “especialização empobrecedora”.
Nos tempos atuais e de maneira crescente, o interesse pela África vem se concentrando em seus recursos naturais, que geram cobiça
e competição entre as potências e as grandes empresas multinacionais. O capital natural da África representa 26% do capital total
contra 2 a 3% no caso dos países mais desenvolvidos.
Suas terras agricultáveis estão sendo adquiridas em grande escala
por nacionais de países desenvolvidos, bem como de países emergentes ou produtores de petróleo, bem como pela própria África do
Sul, tendo em vista assegurar o abastecimento alimentar e a produção de biocombustíveis.
De 30 milhões de hectares adquiridos ou alugados em três anos em
todo o mundo, mais de 2,5 se concentraram em cinco países africanos
(Etiópia, Madagascar, Mali, Moçambique e Sudão). O principal comprador é a China, que já adquiriu 29 milhões de hectares na África.
A Bacia do Congo comporta a segunda maior floresta do mundo,
reserva de biodiversidade, conferindo à região um caráter estratégico.
O mundo desenvolvido e países emergentes, como a China e a
Índia, dependem das reservas mineiras e petroleiras africanas para o
crescimento e diversificação de suas economias.
Cerca de 10% das reservas de hidrocarbonetos se encontram na
África e contém em geral petróleo de boa qualidade. Além da Argélia, Angola e Nigéria, outros países estão se tornando produtores.
34
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Contudo, em termos gerais, a produtividade da economia africana praticamente estagnou nas décadas de 1980 e 1990, quando o
continente foi-se tornando cada vez mais marginal nos fluxos econômicos e financeiros mundiais.
Com 12% da população mundial, a África representa hoje 1,5%
do PIB mundial, 2% do comércio mundial e menos que 3% dos
investimentos diretos estrangeiros. Sua participação no comércio
mundial caiu de 6% em 1970 para 3% em 2010.
"Cerca de 1/3 da população vivendo em situação de extrema pobreza (menos de U$1/dia, ou menos de 1/4 de salário mínimo mensal no Brasil) encontra-se na África, proporcionalmente três vezes
mais pessoas nessa condição que a média mundial."
O crescimento econômico retomou no início do século XXI: metade dos países africanos cresceu mais que 5% entre 2000 e 2008.
Vários fatores explicam este sucesso: alta dos preços das matérias
primas, aumento da ajuda pública ao desenvolvimento, redução dos
encargos dos países mais endividados, melhoria da gestão financeira
e o impacto das relações com a China. No entanto, não mudou o
quadro de especializações das economias, nem se reduziu a pobreza.
Contudo, os efeitos da presente crise econômica mundial fizeram
com que as taxas de crescimento se reduzissem a 1,6% em média,
devido à queda dos investimentos, dos empréstimos bancários, das
transferências de emigrantes, à diminuição nos preços e volumes
exportados, mas também à redução dos montantes alocados à cooperação para o desenvolvimento. Ao mesmo tempo, os déficits externo e público se agravaram.
Os efeitos da crise foram mais fortes na África do Sul e nos países
exportadores de petróleo e produtos mineiros. No entanto, a situação tende a melhorar em 2010: o Banco Mundial prevê um crescimento médio de 4,3% das economias africanas. Não obstante não
35
Por que África?
haja ainda dados precisos, certamente o desemprego e a pobreza
continuarão a aumentar.
Diferentemente do que ocorria no passado, as organizações internacionais têm recomendado políticas anticíclicas expansionistas, com
investimentos principalmente em infraestruturas e nas áreas sociais,
mesmo que produzam déficits orçamentários “moderados”. No longo prazo, preconizam uma mudança na estrutura dos investimentos
em setores de uso intensivo de mão de obra e no capital humano,
reforçando a educação, a pesquisa, procurando aumentar a produtividade da economia. Ao mesmo tempo, recomendam atender às populações vulneráveis, tendo em vista manter a estabilidade política.
No contexto atual, o papel de países emergentes, e da China em
particular, tem-se revelado crucial para a retomada do crescimento e
das exportações africanas.
Panorama dos conflitos
Os conflitos africanos são, sem dúvida, uma das principais causas
do subdesenvolvimento no continente, revelando claramente um círculo vicioso entre conflito e pobreza, cada um realimentando o outro de forma potencialmente crescente.
Ao longo dos anos 1980 e 1990, 31 dos 43 Estados da África Sulsaariana viveram conflitos, envolvendo quase sempre confrontos civis. Mesmo com o fim da Guerra Fria, persistiram rivalidades entre
as grandes potências e o apoio a facções em disputa, cada vez mais
envolvendo recursos estratégicos ou políticas de controle do tráfico
de drogas e do contrabando.
Nos últimos anos houve uma redução da intensidade dos conflitos, que se concentraram mais no Corno da África (Somália, Eritréia
e Etiópia) e na África Central (República Democrática do Congo,
Chade e Sudão). Na maior parte dos casos, esses conflitos se devem
36
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
à concentração do poder nas mãos de governos, à ausência de poderes legislativos e judiciários independentes ou outros contrapoderes,
à grande debilidade de partidos ou organizações políticas com identidade programática e à fraqueza da sociedade civil.
Ademais, há um perigoso recrudescimento de golpes de Estado,
devido principalmente a situações de perenização e abuso do poder,
inclusive com recurso a mudanças constitucionais, à ausência de
canais políticos de expressão e às lutas entre grupos das forças armadas, às vezes com contornos étnicos. Embora as ditaduras unipessoais
tenham praticamente desaparecido, o multipartidarismo mostrouse com frequência uma farsa, salvo raras exceções (África do Sul,
Gana, Botsuana), e a maior parte dos presidentes ou clãs políticos
procuram manter-se no poder a todo custo.
Há também um risco de envolvimento crescente de multinacionais que exploram recursos estratégicos em zonas de não direito,
inclusive originárias do Brasil e de outros países emergentes, e sua
interpenetração com milícias locais, muitas vezes ligadas ao crime
organizado, e grupos privados de segurança. A maldição da “doença
holandesa” é real nos países mais ricos da África, e os conflitos podem torná-la irreversível e incurável.
Migrações
Embora o número de migrantes internacionais africanos tenha
passado de 9,2 a 19,3 milhões, mais que duplicando entre 1960 e
2000, a sua porcentagem com respeito ao total mundial caiu de
12,4% a 10,2%, e bastante mais em relação à população africana
total, reduzindo-se de 3,2 a 1,9%.
Diferentemente do que propaga, a política racista adotada pela União
Européia, com a chamada Diretriz do Retorno, apenas 3% dos africanos vive fora de seus países de origem e menos de 1% vive na Europa.
37
Por que África?
Totalmente distinta é a situação dos deslocados internos na África: enquanto que em 2010 havia cerca de 11,8 milhões africanos
que haviam migrado a outros continentes, 13,2 milhões haviam se
deslocado a outros países dentro do próprio continente africano.
Há uma enorme quantidade de africanos que se deslocam no interior das fronteiras de seus próprios países, em conseqüência de
violência e conflito. Segundo dados de 2009, de 26 milhões de pessoas em todo o mundo que se deslocaram por essas razões, há 4,9
milhões dentro do Sudão e 1,4 da República Democrática do Congo.
Outras razões de migrações internas são as de caráter ambiental,
em conseqüência de desastres naturais ou processos de degradação
resultantes da ação humana. Também ocorrem migrações devidas à
rápida urbanização na África: em 2050 a população urbana na África, hoje preponderantemente rural deverá atingir a incrível marca de
60%, segundo estimativas das Nações Unidas.
De modo geral, as migrações internas são muito maiores que as
externas: há 740 milhões no mundo, quase quatro vezes maior que
o número de migrantes internacionais. Cabe assinalar que o maior
número de migrantes no mundo de hoje não é de africanos, mas de
latino-americanos.
] Notas
1
Trata-se de um neologismo empregado por Eduardo Devés-Valdés
em seu livro O pensamento africano Sul-saariano, Educam/Clacso,
2008, com o propósito de remover a conotação de inferioridade que
trás a expressão Sub-saariana, e que o adotamos.
2
Baseado em O continente africano. Perfil histórico e abordagem
geopolítica das suas macroregiões, de José Maria Nunes Pereira, 2003.
38
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
] Referências bibliográficas
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désordre comme instrument politique. Paris : Economica.
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2010. Promoting high-level sustainable growth to reduce
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York, N.Y.
World Bank (2010). Rapport Economique sur l´Afrique 2010. Washington D.C.
39
Por que África?
40
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
ANEXOS
41
Por que África?
42
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Quadro 1 – África - Dados Gerais
(*) Sob ocupação marroquina, aguardando referendo da ONU.
Elaborado por Bellucci, B. em 2009. População estimada 2002.
43
Por que África?
Quadro 2. PIB 2008
Rank
País
1
África do Sul
$ 703,709
2
Egito
$ 423,464
3
Argélia
$ 298,448
4
Nigéria
$ 216,245
5
Marrocos
$ 198,785
6
Sudão
$ 129,447
7
Tunísia
$ 107,185
8
Etiópia
$ 106,602
9
Líbia
$ 93,402
10
Angola
$ 91,825
11
Gana
$ 70,785
12
República Dem. do Congo
$ 60,165
13
Uganda
$ 57,886
14
Quênia
$ 54,653
15
Camarões
$ 45,777
16
Tanzânia
$ 37,031
17
Moçambique
$ 35,781
18
Costa do Marfim
$ 34,155
19
Botsuana
$ 28,454
20
Zimbábue
$ 28,098
21
Senegal
$ 27,435
22
Guiné Equatorial
$ 26,428
23
Guiné
$ 25,650
24
Burkina Faso
$ 22,132
25
Madagáscar
$ 21,787
26
Namíbia
$ 20,100
27
Mali
$ 19,209
44
PIB (Milhões USD)
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Rank
País
PIB (Milhões USD)
28
Maurícia
$ 19,015
29
Chade
$ 17,861
30
Zâmbia
$ 15,168
31
Ruanda
$ 15,155
32
Níger
$ 14,485
33
Benim
$ 12,217
34
Gabão
$ 11,726
35
Malawi
$ 10,737
36
Togo
$ 10,544
37
Mauritânia
$ 7,962
38
Suazilândia
$ 6,537
39
Lesoto
$ 6,241
40
Serra Leoa
$ 5,991
41
Burundi
$ 5,913
42
República do Congo
$ 5,774
43
República Centro-Africana
$ 5,733
44
Somália
$ 5,575
45
Eritreia
$ 5,068
46
Cabo Verde
$ 4,271
47
Gâmbia
$ 4,114
48
Djibouti
$ 2,194
49
Libéria
$ 1,498
50
Guiné-Bissau
$ 1,362
51
Seychelles
$ 1,921
52
Comores
$ 1,391
53
São Tomé e Príncipe
$ 616
-
Saara Ocidental
N/A
Total
$ 3,178,132
Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB
45
Por que África?
Quadro 3 – PIB per capita 2008 (exceto Somália, 2007)
Rank
País
PIB per capita (USD)
1
Seychelles
23,294
2
Guiné Equatorial
21,316
3
Botsuana
18,402
4
Líbia
15,041
5
Maurícia
14,954
6
África do Sul
14,529
7
Tunísia
10,269
8
Namíbia
9,653
9
Argélia
8,649
10
Cabo Verde
8,481
11
Gabão
7,985
12
Marrocos
6,406
13
Egito
5,643
14
Suazilândia
5,544
15
Angola
5,463
16
São Tomé e Príncipe
3,708
17
Sudão
3,395
18
Gana
3,142
19
Djibouti
2,797
20
Mauritânia
2,626
21
Guiné
2,530
22
Gâmbia
2,524
23
Lesoto
2,500
24
Zimbábue
2,395
25
Camarões
2,362
26
Senegal
2,192
27
Comores
2,133
46
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Rank
País
PIB per capita (USD)
28
Chade
1,836
29
Uganda
1,807
30
Costa do Marfim
1,795
31
Moçambique
1,706
32
Togo
1,592
33
Ruanda
1,590
34
República do Congo
1,582
35
Burkina Faso
1,576
36
Quênia
1,550
37
Benim
1,507
38
Mali
1,438
39
Nigéria
1,373
40
Etiópia
1,346
41
República Centro-Africana
1,317
42
Zâmbia
1,218
43
Madagáscar
1,078
44
Níger
1,052
45
Eritreia
1,018
46
Serra Leoa
1,018
47
República Dem. do Congo
957
48
Tanzânia
932
49
Guiné-Bissau
787
50
Malawi
786
51
Burundi
744
52
Somália
600
53
Libéria
500
-
Saara Ocidental
-
Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB
47
Por que África?
Quadro 4 - Melhores e piores IDH 2010 dos países africanos
Os 10 melhores
Rank
País
1
Líbia
Estimativas 2010
0,755
2
Maurícia
0,701
3
Tunísia
0,683
4
Argélia
0,677
5
Gabão
0,648
6
Botsuana
0,633
7
Egito
0,620
8
Namíbia
0,606
9
África do Sul
0,597
10
Marrocos
0,567
Os 10 piores
Rank
País
Estimativas 2010
1
Zimbábue
0,140
2
República Democrática do Congo
0,239
3
Níger
0,261
4
Burundi
0,282
5
Moçambique
0,284
6
Guiné-Bissau
0,289
7
Chade
0,295
8
Libéria
0,300
9
Burkina Faso
0,305
10
Mali
0,309
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pa%C3%ADses_africanos_por_PIB
48
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
Mapa 1 – Distribuição do IDH 2010 no mundo
Q Desenvolvimento humano muito elevado
Q Desenvolvimento humano elevado
Q Desenvolvimento humano médio
Q Desenvolvimento humano baixo
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG
49
Por que África?
Mapa 2 – Distribuição do IDH 2010 na África
África - IDH
Q 0,800–1,000
Q 0,750–0,799
Q 0,700–0,749
Q 0,650–0,699
Q 0,600–0,649
Q 0,550–0,599
Q 0,500–0,549
Q 0,450–0,499
Q 0,400–0,449
Q 0,350–0,399
Q abaixo de 0,350
Q sem dados
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/51/IDH-2010fonte:.PNG
50
Beluce Bellucci – Luiz Carlos Fabbri
51
Por que África?
Os autores
Beluce Bellucci
Doutor em história econômica pela USP, licenciado em desenvolvimento econômico e social pela Université de Paris I – Sorbonne,
foi diretor do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade
Candido Mendes e pró-reitor de graduação. Trabalhou mais de uma
década em Moçambique com projetos de desenvolvimento.
Luiz Carlos Fabbri
Economista, pós-graduado em planejamento e gestão de projetos e relações econômicas internacionais pela Universidade de Paris
I - Sorbonne. Trabalhou cerca de vinte anos na África com agências
das Nações Unidas e outras organizações internacionais. No Brasil,
foi Secretário em Guarulhos, Chefe da Assessoria Internacional do
Ministério das Cidades e Diretor de Programas do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).
52
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Por que África? Por que África?