Texto dramático
de
Calixto de Inhamuns
Este texto é uma adaptação de
EM ALGUM LUGAR DO PASSADO
escrito para a Sipat de 2001 da
GENERAL MOTORS DO BRASIL LTDA.,
Unidade de São José dos Campos
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personagens:
(por ordem de entrada)
MARINA
(mulher de João Sem Braço, prendas domésticas, 39 anos)
JOÃO SEM BRAÇO
(49 anos, não tem o braço direito, aposentado por invalidez e faz bicos de vendedor
autônomo)
KLEBER
(22 anos, filho de Kleber e Marina, operário e estudante)
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CENA 01 – UM HOMEM BEM HUMORADO; OU, DA VIDA SÓ SE LEVA O
QUE VIVEU.
SALA DE UMA CASA. UMA MESA, TRÊS CADEIRAS E UM PEQUENO SOFÁ. A
MESA ESTÁ POSTA PARA UM PEQUENO LANCHE. MARINA, UMA MULHER DE
39 ANOS, ENTRA. VAI ATÉ A PORTA, ANSIOSA. VOLTA ATÉ A MESA E DÁ
MAIS UMA AJEITADA NO QUE JÁ ESTÁ EM ORDEM. VAI NOVAMENTE ATÉ A
PORTA E VOLTA ATÉ A MESA. QUANDO VAI REPETIR TUDO O QUE FEZ,
ENTRA JOÃO SEM BRAÇO. É UM HOMEM DE 49 ANOS, BEM VIVIDOS. TEM
JEITO DE BOÊMIO, BRINCALHÃO E GOZADOR. ALGUNS PEQUENOS GESTOS,
OU TONS, INSINUAM QUE BEBEU UM POUCO ALÉM DA CONTA. ANTES QUE
ELE FALE ALGUMA COISA, MARINA SE ANTECIPA.
MARINA:
João! Que hora de chegar?
JOÃO:
Hora de chegar, Marina? Sou cuco pra ter hora de chegar? Dez
horas da noite: cuco! Dez horas da noite: João Sem Braço!
MARINA:
Quase meia-noite, João?
JOÃO:
E se fosse mais de meia-noite? E daí? (CARINHOSO.) Você acorda cedo, minha flor, devia tá na cama. Amanhã, não tenho nada pra fazer, tô na flauta.
MARINA:
Tava jogando baralho e bebeu, né João?
JOÃO:
Baralho? Não! Tava jogando pebolim! João Sem Braço, o campeão do futebol totó! (SIMULA UMA PARTIDA JOGANDO COM UM
BRAÇO.) Toma, papudo! Defendi, lacraia velha! Segura, frangueiro! (MUDA.) O carteado é só distração, Marina... Deixa pra lá.
MARINA:
Cê sabe que num pode beber, João! O dr. Zé...
JOÃO:
(CORTANDO.) Não me fala daquele desgraçado! Dr. Zé!... Isso é
nome de médico?
MARINA:
Só quer o seu bem, João!
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JOÃO:
Meu bem, Marina? Quer me proibir de beber, fumar, comer gordura, carne vermelha, dormir tarde, noitadas, adultério... O desgraçado diz que fazendo isso, posso viver cem anos.Viver cem anos!... Pra quê? (CARINHOSO.) Minha flor, da vida, só se leva o
que viveu.
MARINA:
Pois vai levar muito pouco... Colesterol de 700... Triglicérides de
800... Não falo mais nada... Só vou encomendar o caixão... A mortalha...
JOÃO:
Vira essa boca pra lá, mulher!
MARINA:
Ah, João... Que teimosia... (MUDA.) Toma o lanche.
JOÃO:
Não obrigado... Vou dormir... (OLHANDO A MESA.) O Kleber não
tomou o lanche?
MARINA:
O Kleber não chegou ainda.
JOÃO:
Não chegou ainda? Quase meia-noite?
MARINA:
E não veio jantar antes de ir pra escola.
JOÃO:
Foi direto pra escola, sem jantar, e não chegou ainda... Tem mulher na jogada!
MARINA:
Tô preocupada... Ontem foi a mesma coisa... Chegou quase uma
hora da manhã.
JOÃO:
Uma hora?
MARINA:
Cê já tava dormindo... Não quis o lanche... Tentei puxar conversa,
mal respondeu.
JOÃO:
Sem fome... Caladão... Mal humorado... Tem mulher na jogada!
MARINA:
Ah, João!... Tô nervosa... Nunca vi o Kleber agindo assim... Pode
ser coisa de mãe...
JOÃO:
É... Coisa de mãe... Como não sou o pai verdadeiro...
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MARINA:
(CORTANDO, ABORRECIDA.) Não fala assim, João! Não gosto
que você brinque com isso!
JOÃO:
(CHATEADO.) Desculpa, flor. Não gosto de ver você preocupada.
(SENTA-SE À MESA.) Vai dormir, espero o Kleber e falo com ele.
MARINA:
(COM CUIDADO.) Kleber anda falando bobagens... Não gostei do
que ele falou.
JOÃO:
O que ele falou, Marina?
MARINA:
Ele... (MUDA.) Ah, bobagens... Bate um papo com ele, João...
(ESCUTA BARULHO.) É ele...
JOÃO:
Fica quieta... Deixa que falo com ele.
MARINA SERVE CAFÉ PARA JOÃO. ENQUANTO ELE TOMA O CAFÉ, ELA
PASSA MANTEIGA NUM PÃO. OS DOIS, EMBORA PREOCUPADOS, FINGEM
TRANQÜILIDADE. CLEBER ENTRA. É UM RAPAZ DE 22 ANOS. ELE PÁRA NA
PORTA E OBSERVA O AMBIENTE, DESCONFIADO.
CENA 02 – O PAI DESCOBRE O SEGREDO DO FILHO; OU, O FILHO
QUER SER DONO DO SEU NARIZ.
JOÃO:
Ô, filho! Entra... Toma um lanchinho!
KLEBER:
Obrigado, pai... Tô sem fome... Vou dormir. (ATRAVESSA A
SALA E SE DIRIGE PARA O INTERIOR DA CASA.)
JOÃO:
Que é isso, filho? (KLEBER PÁRA.) Toma um café com leite.
KLEBER:
Vou acordar amanhã cedo... Boa noite, pai. (VAI SAINDO.)
JOÃO:
(COM CERTA ENERGIA.) Pera aí, Kleber! (KLEBER PÁRA.) Você não viu sua mãe? Fala: boa noite, mãe!
KLEBER:
(SEM SE APROXIMAR DA MÃE.) Boa noite, mãe!
JOÃO:
Toma um café com o seu pai! (KLEBER FICA DE PÉ.)
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MARINA:
(PEGANDO A VASILHA DO LEITE.) Vou esquentar o leite.
JOÃO:
Senta, filho. (KLEBER SENTA, CONTRARIADO.) Que é isso,
Kleber?... Dois minutos... O que tá acontecendo? Sua mãe falou
que há dois dias você não aparece pra jantar, chega tarde...
(COM MALÍCIA.) Que é isso, garoto? Tem feito o quê?
KLEBER:
Tenho saído com o Josué.
JOÃO:
(GOZANDO.) Com o Josué!? (KLEBER NÃO ENTRA NO
CLIMA.) Tô brincando, garoto! Foram aonde?
KLEBER:
Fomos ao cinema.
JOÃO:
Ao cinema? Não tem ido à escola?
KLEBER:
Não... Tô com a cabeça meio bagunçada... Tenho conversado
com o Josué.
JOÃO:
Conversa com sua mãe... Com o Josué... Seu pai não serve mais
pra isso?
KLEBER:
Não é isso, pai... Mas, antes de conversar com o senhor, preciso –
eu mesmo – resolver algumas coisas na minha cabeça. Agora que
a mãe falou com o senhor... Desculpa... Eu mesmo queria falar.
JOÃO:
O que é que sua mãe falou pra mim, que você mesmo queria falar.
MARINA:
(QUE ESTAVA OUVINDO PERTO DA PORTA, COLOCA A
CABEÇA.) Não falei nada pro seu pai, Kleber.
JOÃO:
Não foi esquentar o leite, Marina?
MARINA:
Tá no fogo, João.
JOÃO:
Corre! Vai ferver e derramar! (MARINA SAI CORRENDO. JOÃO
APARENTA CALMA.) Sua mãe tem medo que eu arranque pedaços de você. Ciúmes... Sei lá... Agora que você é um homem... Ou
penso que é, qualquer dia, quero conversar com você sobre isso.
(VIRA A XÍCARA QUE ESTÁ NA FRENTE DE KLEBER E
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SERVE UM CAFÉ.) Toma um café, enquanto sua mãe tenta salvar o leite. (TEMPO.) O que sua mãe não me contou, filho?
MARINA:
(ENTRANDO COM O LEITE.) Num tá muito quente...
(COMPLETA A XÍCARA DE KLEBER.) Como você gosta.
(OLHANDO O RELÓGIO) Nossa! (FALA A HORA QUE MARCA
O RELÓGIO.) Quer um pão com manteiga? (KLEBER NEGA
COM A CABEÇA..) Vamos dormir e amanhã vocês conversam.
(PARA JOÃO QUE ESTA OLHANDO KLEBER, CALADO.) Toma
seu café, João.
JOÃO:
(CALMO.) É, Kleber... Vá dormir... Sua mãe me conta o que você
tá com medo de me falar.
KLEBER:
(CALMO.) Não tô com medo de falar nada, pai... É que não quero
que o senhor se aborreça por minha causa... A mãe me falou do
resultado dos exames.
JOÃO:
Ah, entendi!... De acordo com a mamãe, o velho João Sem Braço,
tá no bico do urubu... Com o pé na cova... Qualquer má notícia, o
velho pode bater as botas. Tá certo, filho... É preciso cuidado. Pode ir dormir.
KLEBER:
Ah, pai... Num é nada disso... Sem drama...
JOÃO:
Não tô fazendo drama, Kleber. Chego em casa, sua mãe preocupada... Você não vai a escola... Não come... Chega tarde... Tem
segredinho entre você e sua mãe que não sou digno de saber...
(AUMENTA A VOZ.) Quer o quê, Kleber? Que fique na minha,
enquanto a casa cai?
MARINA:
Passa da meia-noite, João... Fala baixo... Os vizinhos...
JOÃO:
(ALTO, PARA FORA.) Dane-se os vizinhos! (PARA KLEBER,
PONDERADO.) Se alguma coisa machuca você, filho, me machuca também. Coisa de velho bobo. (SENTIDO.) Se não quer falar
hoje, tudo bem... Se não quiser falar nunca, tudo bem... Pode ir
dormir.
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KLEBER:
(LEVANTA, CHATEADO.) Amanhã a gente conversa... Gosto do
senhor... Não se aborreça comigo... Boa noite, pai... Boa noite,
mamãe. (VAI SAINDO.)
MARINA:
(TOMA UMA DECISÃO, DOLORIDA.) Que adianta falar amanhã,
Kleber? Aí, já é tarde.
KLEBER:
(PÁRA E FALA PARA MARINA, MAS OLHANDO JOÃO QUE O
ENCARA.) É uma decisão minha, mãe!
MARINA:
Fala com seu pai, filho... Não!... Essa hora, não... Esse velho vai
ter um treco... Vamos fazer o seguinte... Amanhã você vem direto
pra casa, seu pai fica esperando e vocês conversam... Você deixa
sua decisão pra depois de amanhã... Você promete?
KLEBER:
(DURO.) É uma decisão tomada, mãe... Uma decisão minha!
MARINA:
Filho... (OLHA PRA JOÃO QUE VOLTOU CALMAMENTE A
TOMAR O CAFÉ. FAZ UM SINAL PARA KLEBER FALAR E
ESSE NEGA.)
JOÃO:
(SEM TIRAR OS OLHOS DO CAFÉ.) Deixa a criançinha dormir,
Marina.
MARINA:
(ANGUSTIADA.) Kleber vai sair amanhã da empresa, João.
(JOÃO CONTINUA TOMANDO O CAFÉ, CALMO. TEMPO.
FIRME.) Ele vai pedir as contas, João, largar o emprego!
JOÃO CONTINUA TOMANDO SEU CAFÉ. MARINA ESTÁ NERVOSA. TEMPO.
CENA 03: O FILHO FALA DOS SEUS MOTIVOS; OU, A NOITE COMEÇA A
ESQUENTAR.
JOÃO:
(LEVANTA OS OLHOS DA XÍCARA E FALA, CALMO.) Por favor
filho, senta. (KLEBER RELUTA, MAS ACOMODA-SE NA
POLTRONA.) Senta também. Marina. O Kleber vai pedir as contas
amanhã, pode chegar mais tarde... Vamos conversar... (PARA
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MARINA, FIRME.) Senta. (MARINA SENTA.) E aí, filho? Que novidade é essa?
KLEBER:
Depois de sete anos, resolvi sair da fábrica, pai...
JOÃO:
É? Por que?
KLEBER:
Tô com vontade de mudar de emprego.
JOÃO:
Por que?
KLEBER:
Por favor, pai... Chega de “por quês”!... Quero mudar... Quero um
emprego melhor!
JOÃO:
Um emprego melhor? Claro que já tem pra onde ir... Ou tem um
em vista.
KLEBER:
Não... Quando sair, vou procurar.
JOÃO:
Vai ser fácil arrumar outro... Tem um monte de emprego bom por
aí... Tá cheio!... Você pode arrumar, por exemplo, um emprego Arca de Noé – você trabalha como camelo, é tratado como cachorro,
o chefe é um cavalo, o cozinheiro é um porco e quem permanece
é um burro. Tem também o emprego Gera Samba – todo dia dança cinco! Mas, bom mesmo é o suruba, é ótimo – neguinho passando a mão, gente metendo a boca, disputa de posição, gente
deixada de lado, todo mundo querendo ficar por cima e é um pé
no saco! Tá cheio de emprego por aí, Kleber! Moleza! Arruma o
emprego luta de boxe – É o que mais tem: sempre você termina
na lona! Sem essa Kleber! Por que você quer largar um emprego
que sempre gostou?
MARINA:
É tarde, João... Amanhã....
JOÃO:
Não se mete, Marina! Posso ou não posso, conversar com o meu
filho? (IRÔNICO.) Ou não tenho esse direito?
MARINA:
(ESTOURA, LEVANTA E ENFRENTA JOÃO.) Chega, João! Isso
não tem graça!... Nenhuma graça!
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KLEBER:
(INTERFERE.) Pelo amor de Deus! Não briguem! Os vizinhos!
JOÃO:
(AFASTA-SE DOS DOIS, CONTROLADO. SENTA NO SOFÁ.)
Vá dormir, Kleber. Quando você quiser, a gente conversa.
KLEBER:
(DECIDIDO.) Vamos conversar então, pai. (PEGA A CADEIRA
COM VIOLÊNCIA E COLOCA AO LADO DO PAI. SENTA E
PERCEBE QUE FOI ALÉM DA CONTA.) Desculpa... (PARA
MARINA.) Desculpa, mãe... (TEMPO. PARA JOÃO.) Tô chateado
com a empresa, pai.
JOÃO:
Por que, filho?
KLEBER:
Os “por quês” me irritaram. O cara pergunta por que? Eu respondo: “Por isso!” E vêm outras perguntas: - “Por que isso aconteceu?” – “Porque não fez isso?” Tão pensando que sou moleque?
Não agüento mais tanta gente querendo tomar conta do meu nariz.
JOÃO:
(TENTA BRINCAR.) Por que?... (MUDA.) Desculpa, filho. As pessoas tão querendo ajudar, tão preocupadas com a sua segurança
e não querendo tomar conta do seu nariz.
KLEBER:
Trabalho há sete anos na empresa... Sempre fui um bom funcionário!
JOÃO:
O Rodrigo, seu chefe, fala maravilhas de você. É do meu tempo,
fomos companheiros... É gente boa.
KLEBER:
Era, pai... Foi promovido de encarregado a chefe, tá com o rei na
barriga... A empresa não é a mesma, pai!... Agora todo mundo se
mete na vida dos outros.
JOÃO:
Por que se meteram na sua vida?
KLEBER:
Sofri um quase-acidente.
MARINA:
(ALARMADA.) Um acidente? Você não falou nada, Kleber! Machucou!
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KLEBER:
(ACALMA A MÃE.) Não aconteceu nada, mãe! Foi um incidente...
Uma bobagem... Fui retirar uma escada do suporte e ela caiu...
(MOSTRA-SE.) Olha... Não aconteceu nada. (PARA JOÃO,
SENTIDO.) Nunca sofri um acidente, pai! Nunca! Vieram pra cima
de mim! Todos vieram pra cima de mim... Pareciam urubus... Por
que? Por que? Porque? (EXPLODE.) Não é justo! Nunca sofri um
acidente! Querem que eu participe do preenchimento de um formulário falando do quase-acidente... Porra, pai!... Não aconteceu
nada e os caras querem fazer média em cima de mim.
MARINA:
(NO MEIO DA FALA DE KLEBER.) Olha a boca, Kleber!
KLEBER:
(SEM INTERROMPER.) Não vou fazer isso!... Não vou preencher
formulário nenhum... É como confessar uma cagada!... Foi um incidente, uma bobagem... Prefiro pedir a conta!
JOÃO:
Calma, Kleber, calma. (TEMPO.) Desculpa, filho!... Ouvindo você,
é como me visse ontem... Apesar de tudo, nunca vi um filho tão
parecido com o pai...
MARINA:
(REAGE, IRRITADA.) Pelo amor de Deus, João... Não complica
mais as coisas... Deixa o Kleber descansar!
JOÃO:
(ESTOURA.) Não se mete, Marina! (CONTROLA-SE.) Desculpa,
Kleber... (MOSTRA O BRAÇO AMPUTADO.) Acidentes me deixam nervoso... (TEMPO. SENTA-SE NA POLTRONA.) Trabalhei
na empresa dos 15 aos 29 anos, quando me aposentei... Sete anos trabalhei como maquinista de prensas... Também, antes de
perder um braço, sofri apenas dois pequenos acidentes... Em quatorze anos... Bobagens... Arranhãozinhos... Só que não tive a sorte de ter chefe, cipeiro, segurança e amigos que perguntassem o
“por que”... Me enchessem saco!... Não! Naquela época, vinte anos atrás, era cada um por si... O chefe queria produção... O cipeiro não era atuante... Você é um menino de sorte, Kleber... Eu?...
Não tive a mesma sorte - ninguém pegou no meu pé... Me estrepei.
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KLEBER:
(TENTA LEVANTAR A MORAL DE JOÃO.) Que é isso, pai? Tenho orgulho do senhor... Deu a volta por cima... Todo mundo admira como enfrentou o que aconteceu... A empresa, que o senhor
tanto defende, largou o senhor na mão.
JOÃO:
A empresa não me largou na mão, Kleber. Podia fazer uma readaptação e continuar nela, não quis... Por orgulho, preferi me aposentar... Hoje, os amigos, estão melhores do que eu.
MARINA:
Não fale assim, João! Sempre vivemos bem... Nunca faltou nada!... Todos sabem que somos um casal feliz.
JOÃO:
(TENTA REAGIR, BRINCANDO.) Tem razão, minha flor! Somos
um casal feliz! Todo mundo elogia nosso casamento. Sabe como
vivemos maravilhosamente bem, filho? Tem segredos! Primeiro,
duas vezes por semana vamos a um bom restaurante, com boa
comida, boa bebida e muita amizade: ela vai às terças-feiras, e eu,
às quintas! Segundo, quando vamos a um mercado, andamos de
mãos dadas: se eu soltar, ela compra tudo. Terceiro, levo a Marina
a todos os lugares, o diabo é que ela acha o caminho de volta.
Admito: a última briga, foi culpa minha. Ela perguntou: “O que tem
na TV, Benhê? E eu: “Poeira!”
MARINA:
Ai, que palhaço! Esse é o seu pai, Kleber... Nunca perde o humor... É por isso que gosto desse traste velho.
KLEBER:
(ORGULHOSO.) O velho João Sem Braço!... Meu pai e meu herói... Tira de letra!... Nunca baixou a cabeça, pra não mostrar os
fundos!
MARINA:
Kleber!... Isso é jeito de falar com o seu pai?
JOÃO:
Deixa, Marina. (MUDA. SEGURO.) Senta, filho!... (KLEBER
RESISTE.) Deixa o velho João Sem Braço, seu pai e seu herói, falar um pouco. Por favor! (KLEBER, CONTRARIADO, SENTA-SE.)
Senta, Marina.
MARINA SENTA JUNTO COM KLEBER.JOÃO FICA EM PÉ.
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CENA 04 – O VELHO HERÓI ABRE O SEU CORAÇÃO; OU, POR TRÁS DO
SORRISO, UMA DOR.
JOÃO:
João Sem Braço! Pai e herói! Desculpa, filho, mas você tá mal de
herói! (KLEBER TENTA FALAR.) Por favor, escuta! (TEMPO.) É
tudo mentira, filho! O riso é uma máscara!... A coragem... Essa
mania de bater de frente... É medo!... Alguém que sofreu um acidente, grave como o meu, pode continuar feliz? Pode! Se for homem o suficiente pra enfrentar a realidade, de agüentar o tranco!
Eu não agüentei, filho. Foi duro. Doeu! Doeu na carne, na alma...
Na hora, lembrei de você... Tinha dois anos!... “Que cagada!” –
pensei – “Que merda!” Doía, Kleber! A vergonha de chegar em
casa! A cabeça rodava! Os seus olhinhos assustados... O pânico
em Marina... As explicações envergonhadas... Depois, a inatividade. Queriam que eu fizesse uma adaptação... Tive orgulho... Como você tem agora!... Vieram as brincadeiras dos amigos... Virei
o João Sem Braço!... Tirei de letra uma ova!... Me senti humilhado,
ofendido!... “Aí, cotó!” Doía dentro... Engoli. Eu e sua mãe, esse
casal que todo mundo admira, nunca mais fomos os mesmos...
MARINA:
Não é verdade, João! Nada mudou entre nós!
JOÃO:
Nunca mais me abraçou como antes, Marina... Ficava constrangida com as brincadeiras... Tinha vergonha de mim, Marina!
MARINA:
Não é verdade, João!... Não é justo!... Sabia que você tava sofrendo... Mas nunca falou sobre isso, João!
JOÃO:
Por que sou estúpido... Nunca aprendi a pedir ajuda, Marina...
KLEBER:
Pô, pai!... Que papo é esse?... O senhor tá se humilhando pra me
manter na empresa... Na mesma empresa que se lixou quando o
senhor se acidentou.
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JOÃO:
Tal pai, tal filho! Filho de jumento, nasce burro! Você acha que a
empresa não sofreu nada com o meu acidente? Por incrível que
pareça, perdeu um bom funcionário... Gastou com serviço médico,
ambulância, farmácia... E pior!... Durante um mês foi comentada
em jornais, fofocas... Ninguém ganha com um acidente, Kleber.
KLEBER:
Foi uma fatalidade... O senhor escorregou diante da prensa...
JOÃO:
Não foi fatalidade, filho... Aconteceram incidentes... Comigo, com
os companheiros... Bobagens, como você diz... Foram avisos que
não soubemos escutar! Duzentos, trezentos avisos! Depois vinte,
trinta pequenos acidentes! Nada! Ninguém levou a sério! O negócio era produzir! Um dia, veio o pior! Por favor, filho, não deixe acontecer com você o que aconteceu comigo.
KLEBER:
Quero mudar de vida... Se não conseguir emprego, trabalho em
vendas... Quero ser dono da minha vida.
JOÃO:
Maior orgulho de ver meu filho assumindo o próprio nariz!... Se
não fosse por falta de coragem de assumir os seus erros...
KLEBER:
(CORTANDO.) Não tenho medo de nada, papai!
JOÃO:
Tem sim!... É um cagão!... E pior – mal informado! Quem te disse
que ganhei dinheiro com vendas? Nunca consegui manter o nosso
poder aquisitivo... Minhas vendas mal complementavam a minha
aposentadoria... Sua mãe costurou pra fora... Agora, você ajuda
em casa!
KLEBER:
E tenho orgulho disso!
JOÃO:
Pára com esse orgulho idiota, Kleber! Sabe quando eu ganhei
bem com minhas vendas? Quando eu comecei. Os amigos compravam pra me ajudar. Tinham dó!... Que orgulho? Engoli... Por
você... Por sua mãe!
KLEBER:
O senhor tinha um filho... Tinha a obrigação... Não tenho filhos, tenho que arriscar agora!
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JOÃO:
Não é questão de ter filhos ou não, é questão de amor! De gostar
das pessoas, de gostar de nós mesmos! Como gosto de você, que
vi crescer, que cuidei... Não é porque você é meu filho! (TEMPO.)
Tenho uma coisa que sempre quis falar pra você, Kleber. Você
não é meu filho.
MARINA:
João! Por favor, João.
JOÃO:
Você não é meu filho carnal, Kleber.
KLEBER FICA PARADO, SEM ENTENDER, OLHANDO JOÃO.
CENA 05 – O PASSADO AINDA É O PRESENTE; OU, O ACERTO DE
CONTAS COM AS BOBAGENS JUVENIS.
JOÃO:
Não tem o meu sangue... Você é apenas a pessoa que eu mais
amo no mundo... Sempre quis falar isso com você, mas sua mãe,
não quis... Quero que fique sabendo por nós, não por outras pessoas...
MARINA:
Por favor, João...
KLEBER:
Que brincadeira é essa, pai? (JOÃO O ENCARA. FOGE.) Que palhaçada é essa, mãe?
MARINA:
Não é palhaçada Kleber... João não é o seu pai legítimo, mas
sempre foi o melhor pai do mundo. (KLEBER FICA ATURDIDO.
TEMPO.) Desculpa, filho... Não é culpa do seu pai... Eu tinha medo... Ainda tenho medo... Casei com seu pai com quase dezessete
anos... Quando você nasceu, eu tinha dezessete anos... Namorei
com ele, desde os quinze anos... Gostava do seu pai... Seu pai
também gostava de mim... Minha família era contra... João era dez
anos mais velho, mulherengo... Eu morria de ciúmes... Descobri
que ele tinha outra namorada... Por birra, sai com um rapaz que
veio passar o carnaval na cidade... Fiquei grávida... Não gostava
dele... Meu pai, minha família queriam me matar... Seu pai foi o ú-
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nico que me deu apoio... Pra me proteger, diante da minha família,
assumiu minha gravidez... Antes de você nascer, casou comigo.
JOÃO:
Nunca me arrependi, filho!... Mas não foi apenas pra proteger Marina que assumi a gravidez dela, foi por amor... Amor... Esse sentimento, que alguns acham babaca, mas que é o único que pode
fazer um homem feliz.. E é isto que sinto por você, Kleber amor...
Amor e orgulho... Mas não fui nenhum herói... Casamos... Um casamento quase escondido, sem convidados... Depois, mudamos
pra cá, onde eu já trabalhava na empresa... Tudo em surdina, pra
não enfrentar o fuxico da cidade... Fugi.. Como fugi da empresa
para não enfrentar as conseqüências dos meus erros... Como você quer fugir agora.
KLEBER:
Não me dê lição de moral... (PROCURA A PALAVRA.)... Seu...
(CRUEL.) Seu João Sem Braço!
TEMPO. OS DOIS SE OLHAM. KLEBER SUSTENTA O OLHAR DE JOÃO.
TEMPO.
CENA 06 - O AMOR É MAIS FORTE QUE A CARNE; OU, PAI É QUEM
CRIA.
JOÃO:
(ATURDIDO, CANSADO.) Seu João Sem Braço!... Não é a primeira vez que você me chama assim, mas com esse tom agressivo, essa raiva, filho...
KLEBER:
(CORTANDO, AINDA CRUEL.) Não me chame de filho! Não sou
seu filho, seu João Sem Braço!
MARINA:
Não fale assim com o João, Kleber! João sempre foi mais que um
pai pra você!
JOÃO:
(RECUPERANDO-SE.) Deixa, Marina, deixa!... Seu João Sem
Braço... Como agressão é a segunda vez, Kleber... Não tem importância... Pode chamar dez, vinte, cem, milhares de vezes, mas
uma coisa você não vai arrancar do seu coração: o amor e o res17
peito que você tem por mim! E você tem esse amor e esse respeito porque vi você nascer, crescer... O seu primeiro sorriso foi pra
mim, Kleber... E diante do seu rostinho rindo eu disse: filho! A
mãe sente o filho desde o útero, o pai precisa ver o filho rindo e fui
eu que vi o seu primeiro sorriso... Coloquei em você a camisa do
meu time... Levei com três anos ao estádio... Com a camisa do
nosso time, Kleber!... Você pode cair no mundo, não olhar mais
pra minha cara, falar mal de mim, dizer que sou um fraco, um aleijado, mentiroso, crápula – falar o diabo –, mas sou, e sempre serei, o seu pai, o velho João Sem Braço! Isso você não vai arrancar
do seu coração, porque, como dizem os gozadores de plantão: pai
é quem cria. E eu criei você, Kleber!
KLEBER:
O senhor mentiu pra mim. Como posso esquecer isso...
MARINA:
(CORTANDO.) Não foi culpa do seu pai, Kleber, fui eu que não
quis... Eu tinha medo de machucar você, de fazer você sofrer.
KLEBER:
Não queria me fazer sofrer ou tinha vergonha do seu erro? Ou a
senhora achava que nunca ia acertar as contas com os seus erros?
JOÃO:
Você tem razão, Kleber. A gente sempre tem que acertar as contas com os nossos erros. Eles ficam na tocaia, esperando a melhor hora... Eu cometi erros e perdi um braço, sua mãe cometeu
um erro de juventude e tem que pagar por isso...
KLEBER:
Não é só ela que tem que pagar pelo erro dela, tá sobrando pra
mim... O senhor é capaz de perceber o que tô sentido? Aos vinte e
dois, descubro que aquele que dizia que era meu pai, não é meu
pai, e que minha mãe dormiu com um estranho... Por um capricho
dormiu com um homem que ela nem gostava...
JOÃO:
(ESTOURA) Chega, Kleber, chega! (CONTROLA-SE.) Desculpem, por favor, desculpem! (TEMPO. RETOMA A SITUAÇÃO.) O
que é difícil, filho, é ser tolerante com os erros dos outros... Mas se
a gente não tolerar os erros dos outros, como vamos esperar que
os outros tolerem os nossos erros?
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KLEBER:
Por enquanto, seu João Sem Braço, não descobri o meu erro nessa história... Ou será que foi ter nascido?
MARINA:
Você não cometeu erro nenhum, Kleber, o erro foi meu... Por favor, perdoa...
KLEBER:
(IRÔNICO.) Se isso deixa a senhora em paz, tá perdoada!
JOÃO:
Não é só sua mãe e eu que precisamos de paz, Kleber... Você
também precisa de paz... Eu e sua mãe temos percebido como
você anda... Não come, não fala, chega tarde, sempre calado, não
vai a escola. E acha que vai conseguir isso castigando, vingando?
Castigar, vingar, é fácil! Agora, perdoar é dificil! O que é o perdão?
Não é um prêmio que a gente dá alguém, mas o resultado da
compreensão, do amor ao próximo... Por que hoje, por volta da
meia noite, percebi as conseqüências de erros que cometi na vida? Porque gosto de você! Porque percebi que esta pessoa que
gosto pra caramba, que amo, tá cometendo os mesmos erros que
cometi quando jovem.
KLEBER:
Precisou eu errar, pra “você” perceber as cagadas que fez?
MARINA:
Não fala assim com o seu pai, Kleber!
JOÃO:
Deixa, Marina! Esse moleque precisa aprender que todos nossos
erros terminam caindo nas costas de um inocente, mas podem
servir de alerta para os outros... Se você cometeu um erro, precisa
ter a grandeza de reconhecer que errou, de aceitar a sua culpa.
KLEBER:
O que o você quer dizer com isso? Tá misturando a o que aconteceu na empresa com os erros de vocês! Eu não trabalho sozinho...
Não sou o único culpado.
JOÃO:
É claro que não é o único culpado, Kleber! Se tinha uma condição
de risco, todos eram responsáveis: o chefe, o cipeiro, os colegas –
a gente só precisa assumir a nossa parte como eu e sua mãe estamos assumindo agora.
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KLEBER:
O que acontece, pai... (TEMPO.) Pai... (OLHA PARA MARINA.)
Mãe... (TEMPO.) Me desculpa, mãe, por favor.
MARINA:
Que é isso, Kleber! A gente tem muito que conversar... Agora vai
dormir.
KLEBER:
Tô confuso, pai... Sabe?...
JOÃO:
Fala, filho!
KLEBER:
É que as vezes penso que a culpa fica sempre nas costas do trabalhador... Que a empresa, os outros, não assumem a parte deles.
JOÃO EXPLODE, NUM MISTO DE ALEGRIA E ÊXTASE.
CENA 07 – PAI E FILHO SE REENCONTRAM; OU, A ÚLTIMA LIÇÃO DO
VELHO, QUERIDO E FALSO HERÓI.
JOÃO:
Porra, Kleber! Deixa de ser burro! Esquece todo mundo! Esquece
a covardia dos outros, o medo! É só nós dois agora, filho! Escuta
esse velho idiota – o seu João! – que gosta de você! Quando você
sofre um acidente, é você que fica inválido! É você que agüenta as
brincadeiras de mau gosto! O que eu sofri, filho! Vinha um babaca
e: “E aí, sem braço!” E eu, em vez de mandar o idiota tomar banho, ria! Deixa de ser burro, Kleber! Aquela maldita prensa, agora,
tem calço mecânico com plug de desligamento eletrônico que aciona freios, tem cartaz avisando, treinamento... Graças aos cipeiros, a segurança, a empresa!... Só um idiota ou cabeça-de-vento
pra sofrer um acidente! Que não seja o meu filho!... É!... Meu filho!... Que nunca bati, mas agora, com um braço só, vou cobrir de
porrada, se amanhã, não bancar o homem e ir responder todos os
“por quês” do seu quase-acidente! É difícil? É! Vamos ensaiar,
vamos: Por que a escada caiu na sua cabeça? (KLEBER
ASSUSTADO COM A EXPLOSÃO DE JOÃO, NÃO
RESPONDE.) Vamos, Kleber, seja homem – assuma seus erros!
Por que a merda da escada quase caiu na sua cabeça?
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KLEBER:
(COMEÇA TIMIDAMENTE A RESPONDER E DEPOIS VAI
SUBINDO O TOM, GRADATIVAMENTE.) A merda da escada tava colocada indevidamente.
JOÃO:
Por que tava colocada indevidamente?
KLEBER:
Por que tinha só uma, que ficava em um suporte. Chegou outra
escada, como não tinha outro suporte, coloquei as duas juntas.
JOÃO:
Por que não tinha o outro suporte?
KLEBER:
Não tive tempo de avisar a manutenção da necessidade de um
novo suporte.
JOÃO:
Por que não teve tempo de avisar a manutenção?
KLEBER:
(EXPLODE.) Não avaliei corretamente o risco que oferecia uma
escada sobre a outra.
JOÃO:
Pronto, filho! Doeu? Você teve envolvido nesse quase-acidente,
tem que colaborar. Segurança é obrigação de todos: do chefe, do
cipeiro, dos amigos... Custa assumir sua parte? Enche esse formulário e pede pra mandarem fazer um suporte. Depois, se realmente, você achar que deve mudar de emprego, muda.
KLEBER:
É... O senhor tem razão! Tô bacando o cabeça dura.
JOÃO:
E é cabeça dura por que? Porque não teve uma boa educação. E
sabe por que? Porque o pai foi um péssimo exemplo. Por que?
Porque é metido a machão, orgulhoso. Por que? Porque é babaca!
KLEBER:
Agora, pai, sabe porque o senhor é um babaca?
MARINA:
Que é isso, Kleber? Não fala assim com seu pai!
KLEBER:
Por que não teve oportunidades...
JOÃO:
(CORTANDO.) Pára aí, Kleber! Os “por quês” não existem como
desculpa pra tudo. Analisou um fato, chegou na raiz – conserta! É
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o que estou tentando fazer, assumindo meus erros. Minha babaquice é outra história. (MUDA, CARINHOSO.) Mas agora, chega.
Essa já foi uma longa noite. Vai dormir, filho. Antes, quero fazer o
que sempre tive vergonha de fazer. (VAI ATÉ KLEBER E O
ABRAÇA FORTEMENTE.) Amo você, filho! (BEIJA A TESTA DE
KLEBER, AMOROSAMENTE.) É a primeira vez que beijo meu filho! (EMPURRA KLEBER E SE AFASTA.) Vai dormir, filho!
KLEBER:
(FICA MEIO ATURDIDO. NÃO FALA NADA E VAI SAINDO.
PÁRA.) Eu também amo o senhor, pai. Meu herói! Meu velho e
bom João Coração de Ouro. Boa noite, papai... Boa noite, mamãe.
KLEBER SAI. TEMPO.
CENA 08 – O FIM DE UMA LONGA NOITE; OU, DEPOIS DE UMA
MADRUGADA TURBULENTA, O COMEÇO DE UM NOVO DIA.
MARINA:
Boa noite, filho! (AINDA OLHANDO POR ONDE KLEBER SAIU,
SEM OLHAR PARA JOÃO.) Gosto muito de você, João. Tenho
orgulho de ser casada com você.
JOÃO:
(VOLTANDO A BRINCAR.) Não minta, mulher! Depois de vinte e
dois anos de casamento, ainda ter orgulho? O casamento é um
processo químico no qual uma laranja se transforma em limão. Antes, a mulher diz: “Você me deixa sem fôlego, benzinho!” Depois:
“Tá me sufocando, benhê!” Antes, o homem diz: “O que eu faria
sem ela?” Depois: “O que é que eu faço com ela?” E, pra terminar,
se o casamento fosse bom, não precisava de testemunha.
(ABRAÇA DELICADAMENTE MARINA. SÉRIO.) Tudo brincadeira, minha flor. Sabe aquele dia especial que acontece uma vez por
mês? É!... É hoje!
MARINA:
Hum!... Vou arrumar a cama... (VAI SAINDO E PÁRA.) Não demora! (SAI.)
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JOÃO:
(DÁ UM TEMPO. OLHA O RELÓGIO, A PLATÉIA E FALA.) Mais
de meia-noite... Foi uma longa noite... Que a luz de um novo dia
nos ilumine e ilumine os homens de boa vontade. Boa noite.
SAI. CAI A LUZ.
FIM
São Paulo, 03 de novembro de 2001.
Este texto só pode ser montado com a autorização do autor:
Calixto de Inhamuns
Telefone: (11) 5083-8877
E-mail: [email protected]
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