1 UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM DEFESA E VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANIMAL REVISÃO DE LITERATURA RAIVA DOS HERBÍVOROS Marcelo Shigueo Pereira da Silva Corumbá, mar. 2008 2 MARCELO SHIGUEO PEREIRA DA SILVA Aluno do Curso de especialização “Lato sensu” em Defesa e Vigilância Sanitária Animal REVISÃO DE LITERATURA RAIVA DOS HERBÍVOROS Trabalho monográfico do curso de pósgraduação “Lato Sensu” em Defesa e Vigilância Sanitária Animal apresentado à UCB como requisito parcial para a obtenção de título de Especialista em Defesa e Vigilância Sanitária Animal sob a orientação do Professor Roberto Aguilar Machado Santos Silva Corumbá, mar. 2008 3 RESUMO A raiva é considerada uma das zoonoses de maior importância em Saúde Pública, não só por sua evolução drástica e letal, como também por seu elevado custo social e econômico. É uma antropozoonose conhecida desde os tempos remotos, caracterizada por uma encefalomielite aguda fatal nos animais e no ser humano (ACHA; SZYFRES,2003). Em princípio, esta é uma doença mantida e perpetuada na natureza por diferentes espécies de animais carnívoros domésticos e silvestres, denominados de reservatórios, incluindo-se também os morcegos de diferentes hábitos alimentares (SMITH, 1996). Estima-se que a raiva bovina na América Latina cause prejuízos anuais de centenas de milhões de dólares, provocados pela morte de milhares de cabeças, além dos gastos indiretos que podem ocorrer com a vacinação de milhões de bovinos e inúmeros tratamentos pós-exposição (sorovacinação) de pessoas que mantiveram contato com animais suspeitos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). O principal transmissor da raiva dos herbívoros é o morcego hematófago Desmodus rotundus. Como essa espécie é abundante em regiões de exploração pecuária, vários países latino-americanos desenvolveram programas para seu controle, uma vez que a vacinação de animais domésticos não impede a ocorrência de espoliações, nem a propagação da virose entre as populações silvestres. No Brasil a raiva dos herbívoros pode ser considerada endêmica e em graus diferenciados, de acordo com a região. Os principais fatores que contribuem para que a raiva se dissemine ainda de forma insidiosa e preocupante nos herbívoros domésticos são: aumento da oferta de alimento, representado pelo significativo aumento do rebanho; ocupação desordenada, caracterizada por modificações ambientais, como desmatamento, construção de hidrovias e hidrelétricas, que alteram o ambiente que os morcegos viviam, obrigando-os a procurar novas áreas e outras fontes de alimentação; oferta de abrigos artificiais, representados pelas construções, como túneis, cisternas, casas abandonadas, 4 bueiros, fornos de carvão desativados e outros; atuação insatisfatória, em alguns estados brasileiros, na execução do Programa Estadual de Controle da Raiva dos Herbívoros. 5 ABSTRACT The rabies is considered one of the most important zoonosis in Public Health, not only for its dramatic and lethal developments, but also by its high social and economic cost. It is a anthropozoonosis known since the ancient times, characterized by an acute and fatal encephalomyelitis in animals and in humans (ACHA; SZYFRES, 2003). In principle, this is a disease perpetuated in nature and maintained by different species of domestic animals and wild carnivores, known as reservoirs, including also the bats of different dietary habits (Smith, 1996). It is estimated that the bovine rabies in Latin America cause annual losses of hundreds of millions of dollars, caused the death of thousands of ead, in addition to indirect expenses that may occur with the vaccination of millions of cattle and numerous post-exposure treatment who maintained contact with suspected animals (MINISTRY OF AGRICULTURE, 2005). The main transmitter of rabies from herbivore is the haemataphagus bat Desmodus rotundus. Because this species is abundant in areas of farm livestock, Several Latin American countries have developed programs to its control since the Vaccination of domestic animals does not prevent the occurrence of blood spoliation, or the spread of viruses among wild populations. In Brazil the anger of herbivores can be considered endemic in differing degrees, according to the region. The main factors that contribute to that rabies is still spread are: increasing the supply of food, represented by the significant increase in the herd; disorderly occupation, characterized by environmental change, such as deforestation, construction of waterways and hydroelectric, which 6 alter the environment that the bats lived, forcing them to seek new areas and other sources of food, provision of artificial shelters, represented by constructions such as tunnels, tanks, abandoned houses, furnaces, coal and other disabled; unsatisfactory performance in some Brazilian states, the implementation of the State Program for the Control of Rabies. 5 SUMÁRIO I – REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................................6 1 – Introdução.............................................................................................................................6 2 – Vírus da Raiva.....................................................................................................................10 3 – Morcegos............................................................................................................................11 4 – Patogenia............................................................................................................................15 5 – Diagnóstico.........................................................................................................................19 6 – Controle dos Transmissores..............................................................................................20 7 – Vacinação dos Herbívoros Domésticos.............................................................................22 II - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................23 6 I - REVISÃO DE LITERATURA 1 – Introdução A raiva é considerada uma das zoonoses de maior importância em Saúde Pública, não só por sua evolução drástica e letal, como também por seu elevado custo social e econômico. É uma antropozoonose conhecida desde os tempos remotos, caracterizada por uma encefalomielite aguda fatal nos animais e no ser humano (ACHA; SZYFRES,2003). Em princípio, esta é uma doença mantida e perpetuada na natureza por diferentes espécies de animais carnívoros domésticos e silvestres, denominados de reservatórios, incluindo-se também os morcegos de diferentes hábitos alimentares (SMITH, 1996). Estima-se que a raiva bovina na América Latina cause prejuízos anuais de centenas de milhões de dólares, provocados pela morte de milhares de cabeças, além dos gastos indiretos que podem ocorrer com a vacinação de milhões de bovinos e inúmeros tratamentos pós-exposição (sorovacinação) de pessoas que mantiveram contato com animais suspeitos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). Na década de 1990, a organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) mostrou que a raiva podia ser eficazmente reduzida por meio de um programa de vacinação de animais domésticos, aliado a uma campanha educativa. Neste sentido, o ciclo da transmissão foi interrompido, especialmente se considerar a raiva canina nos ciclos urbanos. Apesar do decréscimo contínuo no caso de raiva em cães da América Latina, graças ao estabelecimento do “Programa Regional de Eliminação da Raiva transmitida pelo Cão nas Américas”, com uso de vacinas cada vez mais seguras e eficientes (BELOTTO, 2000), a raiva em morcegos hematófagos não pôde ser controlada por meio de vacinas, como no caso de mamíferos terrestres (MAYERN,2003). O principal transmissor da raiva dos herbívoros é o morcego hematófago Desmodus rotundus. Como essa espécie é abundante em regiões de exploração pecuária, vários países latino-americanos desenvolveram programas para seu 7 controle, uma vez que a vacinação de animais domésticos não impede a ocorrência de espoliações, nem a propagação da virose entre as populações silvestres. Nos países da América Latina onde existe o problema da raiva causada pelos morcegos hematófagos, o controle da população destes reservatórios é realizado com o uso de medicamentos anticoagulantes (FLORES CRESPO, 2003). Por outro lado, apesar da raiva humana transmitida pelos morcegos não hematófagos ter mostrado um aumento crescente no mundo por causa do lissavírus (LUMIO et al., 1986), na atualidade não existe nenhum método de controle ou conduta a ser empregado nas áreas de foco, como os existentes para outras espécies de reservatórios. No entanto, quando há menção de controle, além da vacinação dos suscetíveis, ocorre maior enfoque à preservação dos morcegos, como desalojá-los do seu abrigo e vedar o acesso ou recomendando a poda dos galhos de árvores ou recolhendo as flores e os frutos que serviriam de alimento, ou ainda a substituição de plantas frutíferas por outras que não carreguem frutos (HARMANI; SILVA; HAYASHI, 1996). A grande densidade e a alta taxa de reprodução anual de cães são fatores importantes nas epizootias de raiva canina na América Latina, incluindo o Brasil. Em contraste com outras variantes do vírus da raiva, os isolados de cães de diferentes localidades têm uma diversidade genética limitada (SMITH, 1989) e são bastante similares à amostra vacinal. Foi sugerido por Smith et al. (1992) que esta similaridade na seqüência de RNA reflete a existência de um reservatório global do vírus da raiva em cães originado de uma mesma fonte. Este fato seria conseqüência da colonização Européia e introdução de cães infectados nos diferentes continentes (CHILDS, 2002). Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2001) a raiva em animais de interesse econômico ocorre principalmente nos países da América Latina e está relacionada com a presença do morcego hematófago (Desmodus rotundus), principal reservatório do vírus da raiva para estas espécies. O ataque destes morcegos aos bovinos acarreta sérios prejuízos à pecuária, pois além dos animais mortos pela doença, os animais agredidos perdem peso e 8 apresentam lesões em diversas partes do corpo, o que prejudica a qualidade do couro. A raiva paralítica de bovinos foi diagnosticada pela primeira vez por Carini (1911) no estado de Santa Catarina, quando corpúsculos de Negri foram identificados nos tecidos nervosos de cérebros de bovinos mortos por uma doença então misteriosa. Em 1916, Haupt e Rehaag, veterinários alemães contratados pelo governo catarinense, identificaram o vírus da raiva no cérebro de morcegos hematófagos. Muitas contestações se sucederam após o relato de Carini e de Haupt e Rehaag, pois o mundo relutava em aceitar que os morcegos pudessem ser os reservatórios do vírus da raiva, considerando que naquela época Louis Pasteur afirmava que “para ser raiva, havia a necessidade do envolvimento de um cão raivoso”. Nos episódios de Santa Catarina não havia relatos de ocorrência de doença em cães. Entre 1925 e 1929, foi registrada a ocorrência de botulismo em bovinos e poliomielite ascendente em seres humanos, na ilha de Trinidad, no Caribe. Dois médicos, Hurst e Pawan, confirmaram que a doença em bovinos e humanos tratava-se de raiva, transmitida por morcegos hematófagos. Após os trabalhos de Queiroz Lima (1934), Torres e Queiroz Lima (1935) e Hust e Pawan (1931-1932), aceitou-se finalmente a idéia de que morcegos hematófagos podiam transmitir raiva aos animais e aos seres humanos. Desde 1996 a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) iniciou um projeto para o estudo da epidemiologia molecular do vírus da raiva isolado nas Américas e no Caribe, que incluía a utilização de um painel de anticorpos monoclonais cedido pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), Atlanta, USA. Tal estudo permite associar alguns reservatórios a variantes antigênicas conhecidas do vírus da raiva, como, por exemplo, a variante 3, associada ao morcego hematófago Desmodus rotundus (principal reservatório em nosso meio); as variantes 1 ou 2, relacionadas à raiva em populações de cães; ou ainda a variante 4, relacionada ao vírus da raiva mantido e transmitido por populações de morcegos insetívoros Tadarida brasiliensis estabelecidas (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). e outras já 9 No Brasil a raiva dos herbívoros pode ser considerada endêmica e em graus diferenciados, de acordo com a região. Os principais fatores que contribuem para que a raiva se dissemine ainda de forma insidiosa e preocupante nos herbívoros domésticos são: aumento da oferta de alimento, representado pelo significativo aumento do rebanho; ocupação desordenada, caracterizada por modificações ambientais, como desmatamento, construção de hidrovias e hidrelétricas, que alteram o ambiente que os morcegos viviam, obrigando-os a procurar novas áreas e outras fontes de alimentação; oferta de abrigos artificiais, representados pelas construções, como túneis, cisternas, casas abandonadas, bueiros, fornos de carvão desativados e outros; atuação insatisfatória, em alguns estados brasileiros, na execução do Programa Estadual de Controle da Raiva dos Herbívoros. Nas décadas de 1910 a 1940, a raiva bovina esteve localizada principalmente no litoral brasileiro, possivelmente associada aos processos de ocupação de solo. A devastação da Mata Atlântica para aproveitamento de terras mais férteis, a introdução da pecuária bovina e a construção de rodovias, ferrovias, barragens, túneis, cisternas, canalizações de córregos e rios, foram fatores que alteraram o habitat dos morcegos, em especial os hematófagos. Posteriormente, surtos de raiva bovina ocorreram no interior dos estados, acompanhando as grandes transformações ambientais geradas por atividades como a agropecuária e a mineração, dentre outras (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). Os herbívoros são hospedeiros acidentais do vírus da raiva, pois, apesar de participar da cadeia epidemiológica da raiva rural, somente contribuem como sentinelas à existência do vírus. Sua participação nesse processo restringe-se ao óbito do animal, não havendo envolvimento no processo de transmissão a outras espécies, salvo quando de forma acidental. Essa afirmação é devida ao fato de que a raiva nos herbívoros tem baixa ou nula probabilidade de transmissão a outros animais, apresentando principalmente a característica paralítica, diferentemente da sintomatologia “furiosa”, observada nos casos de raiva em carnívoros. 10 Apesar de medidas profiláticas para seu controle, a raiva vem se mantendo de forma endêmica, em várias regiões do Brasil. As características biológicas de isolados do vírus da raiva, provenientes de diferentes espécies animais, são pouco estudadas, sendo a investigação experimental das propriedades patogênicas e imunogênicas destas amostras de grande importância para o conhecimento da epidemiologia da doença. Vale ressaltar ainda, que o envolvimento de morcegos de diferentes espécies na transmissão de raiva para animais e humanos tem sido relatada cada vez com mais freqüência. Assim, estudar o comportamento de amostras do vírus da raiva, isoladas destas espécies, bem como a proteção conferida pelas vacinas utilizadas, frente às mesmas, pode ser de grande valia na adoção de medidas de controle e profilaxia da doença. 2 – Vírus da Raiva O vírus da raiva pertence ao gênero Lyssavírus da família Rhabdoviridae, ordem Monegavirales (VAN REGENMORTEL et al., 2000). Apresenta morfologia característica, em forma de bala de revólver, diâmetro médio de 75 nm e comprimento de 100 nm a 300 nm, variando de acordo com a amostra considerada. O vírion é composto por um envoltório formado por uma dupla membrana fosfolipídica da qual emergem espículas de aproximadamente 9 nm, de composição glicoprotéica. Este envoltório cobre o nucleocapsídeo de conformação helicoidal, composto de um filamento único de RNA negativo e não segmentado. O vírus da raiva é neurotrópico e causa uma infecção aguda no sistema nervoso central (SNC). Modelos experimentais utilizando camundongos, mimetizando o que ocorre na infecção natural, mostram que após a mordida há uma replicação do vírus no músculo localizado na porta de entrada (MURPHY et al., 1973). Este se liga a receptores nicotínicos da acetilcolina na junção neuromuscular (REAGAN; WUNNER, 1985), segue pelos axônios dos nervos periféricos e neurônios motores da medula espinal, ascendendo até o cérebro 11 (TSIANG et al., 1991). Ocorre então a disseminação centrífuga através de nervos até a glândula salivar, pele, córnea e outros órgãos (MURPHY et al., 1973). Usualmente de transmissão pelo contato direto, é pouco resistente aos agentes químicos (éter, clorofórmio, sais minerais, ácidos e álcalis fortes), aos agentes físicos (calor, luz ultravioleta) e às condições ambientais, como dessecação, luminosidade e temperatura excessiva. No caso da desinfecção química de instrumentos cirúrgicos, vestuário ou do ambiente onde foi realizada a necrópsia de um animal raivoso, são indicados o hipoclorito a 2%, formol a 10%, glutaraldeído a 1-2%, ácido sulfúrico a 2%, fenol e ácido clorídrico a 5%, creolina a 1%, entre outros. Como medida de desinfecção de ambientes, as soluções de formalina entre 0,25% e 0,90% e de bicarbonato de sódio a 1% e 2% inativam os vírus de forma rápida e eficiente (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA). Mesmo em condições ambientais adversas, o vírus da raiva pode manter sua infecciosidade por períodos relativamente longos, sendo então inativado naturalmente pelo processo de autólise. A putrefação destrói o vírus lentamente, em cerca de 14 dias. 3 – Morcegos No Brasil, a principal espécie animal transmissora da raiva ao ser humano continua sendo o cão, embora os morcegos estejam cada vez mais aumentando a sua participação, podendo ser os principais responsáveis pela manutenção de vírus no ambiente silvestre. Os morcegos representam aproximadamente 24% de todas as espécies de mamíferos conhecidas. Pertencem à ordem Chiroptera que, por sua vez, divide-se em duas sub-ordens: Megachiroptera e Microchiroptera. A ordem tem 18 famílias, nas quais se distribuem 168 gêneros e 986 espécies (TADDEI, 1996; VIEIRA, 1942; WIMSATT, 1969). Os morcegos encontrados no Brasil estão incluídos em 9 famílias e subdivididos em 144 espécies, isto é, correspondendo a quase 50% dos morcegos 12 encontrados em todo continente americano. Quanto ao hábito alimentar, a grande maioria dos morcegos brasileiros é de hábito insetívoro, com 87 espécies; seguidos pelos frugívoros, com 35 espécies; nectarívoros com 14 espécies; carnívoros com 5 e hematófagos com 3 espécies (TADDEI, 1996). Os morcegos hematófagos são encontrados desde o norte do México até o norte da argentina e em algumas ilhas do Caribe, em regiões com altitude média abaixo de 2.000m. No mundo, apenas três espécies de morcegos possuem hábito alimentar hematófago (Desmodus rotundus, Diphyla ecaudata e Diaemus youngi), os quais são encontrados no Brasil. A preocupação com os morcegos hematófagos na América Latina era compreensível, dado o enorme prejuízo econômico em decorrência da morte dos animais por raiva e, além da transmissão da tripanossomíase aos eqüídeos, são ainda responsáveis pela diminuição da produtividade através dos repetidos ataques causando: debilidade no gado, devido à perda de sangue; infecções secundárias nas feridas; miíases, depreciação do couro e oclusão dos canais galactóforos de animais em fase de lactação, entre outras (ACHA, 1967; ARELLANO-SOTA; SUREAU; GREENHAL,1971). A espécie de morcego hematófago mais estudado é a Desmodus rotundus, por ser o principal transmissor da raiva aos herbívoros, pois é a espécie mais abundante e tem nos herbívoros a sua maior fonte de alimento. Os herbívoros também podem, em raras situações, infectar-se pela agressão de cães, gatos e outros animais silvestres raivosos. Deste modo, evidencia a necessidade do enfoque no controle da raiva voltado para este morcego. O desmodus rotundus apresenta uma alta versatilidade na utilização de abrigos, podendo ser naturais, como grutas e ocos de árvores, ou artificiais, constituídos por casas abandonadas, pontes, bueiros, fornos de carvão, etc. Existem tipos de abrigos : os diurnos, ou permanentes, onde se alojam a maior parte do tempo; os noturnos, onde permanecem o tempo necessário para a digestão após a alimentação para voltar ao abrigo permanente. Os abrigos tipo maternidade reúnem fêmeas, seus filhotes e machos dominantes. Caracterizamse por apresentar elevado grau de umidade e ambientes escuros e frescos, o que 13 é mais frequentemente encontrado em grutas naturais que só recebem sol pela parte da manhã. Os de machos solteiros abrigam indivíduos jovens que não atingiram a maturidade sexual para formar seus haréns. Os morcegos hematófagos provavelmente já estavam infectados pelo vírus da raiva muito antes da descoberta da América pelos colonizadores europeus e os seres humanos e animais continuamente sofriam da raiva transmitida pelos morcegos na América tropical (CONSTANTINE, 1988). A transmissão do vírus ocorre principalmente pelo contato direto, no entanto, os morcegos não hematófagos podem ser infectados ao compartilharem o mesmo abrigo com os morcegos hematófagos portadores do vírus da raiva ou mesmo ao disputarem território com esses morcegos. Os morcegos não hematófagos infectados, quando encontrados vivos, mortos ou prostrados, em ambientes urbanos, podem transmitir acidentalmente a doença à espécie humana e a outros animais (UIEDA et al., 1995). A maioria dos agrupamentos de Desmodus rotundus é constituída por 20 a 200 indivíduos. Apresenta uma estrutura social complexa, baseada na formação de haréns, onde um macho dominante defende um grupo de fêmeas (cerca de 12) e seus filhotes. Em geral, colônias com mais de 50 indivíduos podem conter diversos grupos de 10 a 20 fêmeas com filhotes. Machos jovens, de 12 a 18 meses de idade, são expulsos do grupo pelo macho dominante. Machos solteiros expulsos da colônia podem deslocar-se por mais de 100 km, embora seu raio de ação seja menor que 15 km. Formam pequenos agrupamentos, próximos do harém, aguardando a oportunidade de disputar o lugar do macho dominante. Os morcegos hematófagos são conhecidos por permanecerem assintomáticos, no entanto, como em outros mamíferos, a condição de portador “são” não foi confirmada em estudos de inoculação experimental (MORENO; BAER, 1980). O comportamento de lamber outros indivíduos de sua espécie ocorre principalmente entre fêmeas, garantindo a integridade do grupo e a partilha do alimento. As lambeduras estimulam o regurgitamento de alimento de uma fêmea saciada, permitindo o seu aproveitamento por outra que não tenha se alimentado. As fêmeas que não colaboram na partilha do alimento são expulsas 14 do grupo. A baixa reprodução dessa espécie, devido ao período gestacional de 7 meses e ao nascimento de apenas um filhote ao ano, favorece o seu controle populacional. No Brasil, dos 30 casos registrados de raiva humana, 23 foram transmitidos por morcegos hematófagos, em 2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Por outro lado, a transmissão do vírus da raiva pelos morcegos não hematófagos aos animais terrestres silvestres continua sendo uma grande indagação e, caso ocorra esta transmissão, Baer (1975) já sugeria que deveriam ser levadas em consideração medidas de controle a serem adotadas. Através de investigações epidemiológicas da raiva em animais silvestres, foi demonstrado que o vírus pode ser transmitido especificamente para uma determinada espécie de hospedeiro, tornando-se extremamente adaptado a esta espécie e menos capacitado para infectar outras espécies. Esta relação hospedeiro-parasita tornou-se conhecida como “compartimentalização” do vírus da raiva (CONSTANTINE, 1988; WINKLER, 1975). Morfologicamente, o Desmodus rotundus se caracteriza por ser um quiróptero de porte médio, possuindo uma envergadura de 37cm e pesando por volta de 29g. As orelhas são curtas e apresentam extremidades pontiagudas, os olhos são grandes, porém menores que os das outras espécies hematófagas (Diphylla ecaudata e Diaemus yongi), o lábio inferior possui um sulco mediano em forma de V. O polegar é longo, com três almofadas ou calosidades, sendo uma pequena e arredondada na base, uma grande e longa no meio e uma pequena na extremidade do polegar. A membrana interfemural é pouco desenvolvida, com cerca de 19 mm na sua região mediana, tendo poucos pêlos curtos e espaçados em sua superfície dorsal. O calcâneo é reduzido, assemelhando-se a uma pequena verruga. O corpo é coberto por pêlos curtos, densos, de cor castanha, sendo os do dorso mais escuros que os do ventre. Dependendo da região do País e/ou da idade do morcego, esta coloração pode apresentar-se dourada ou acinzentada. 15 4 – Patogenia A patogenia do vírus da raiva inclui os seguintes passos no organismo de um indivíduo suscetível: replicação inicial do vírus na porta de entrada usualmente constituída por uma lesão da pele, migração pelos nervos periféricos até o SNC, de onde o vírus se dissemina, infectando outros tecidos não nervosos, causando lesões irreversíveis, levando à morte tanto do homem como de outros animais atingidos. O vírus não penetra pela pele intacta, a infecção depende do contato do vírus com soluções de continuidade da pele, já existentes ou provocadas por mordeduras ou arranhaduras, entre outras, ou com membranas mucosas como: nariz, olhos ou boca (ACHA; SZYFRES, 1986; BRASS,1994). A possibilidade de sangue, leite, urina ou fezes conter quantidade de vírus suficiente para desencadear a raiva é remota. Outras portas de entrada são raras, porém, em 1956, foi registrado um caso de raiva humana, em um indivíduo que trabalhava em cavernas com morcegos, porém sem histórico de mordedura ou outro contato com algum animal suspeito. Após investigação epidemiológica, aventurou-se a hipótese de que o indivíduo se infectar através da inalação de partículas virais em suspensão na caverna (BRASS,1994; WARRELL, 2004). A infecção por via aérea também foi demonstrada, em condições naturais, quando animais sadios foram colocados dentro de grutas onde viviam grandes colônias de morcegos infectados (CONSTANTINE, 1962). A detecção de antígenos do vírus da raiva em receptores de células olfatórias de morcegos naturalmente infectados em cavernas, sugerindo que a mucosa nasal era a porta de entrada de infecções de morcegos, foi relatada por Constantine, Emmons e Woodie (1972). Para que ocorra a transmissão por via aerógena, é necessária uma grande população de morcegos infectados em áreas não ventiladas (JACKSON, 2002). Experimentos de transmissão da raiva por via oral têm sido relatados. O exato mecanismo envolvendo a transmissão oral ainda não foi esclarecido, porém, uma das formas de imunização de animais silvestres atualmente adotadas por alguns países ocorre por meio de iscas (para ingestão) contendo vacinas de vírus 16 atenuado. Incidentes sugestivos de infecção oral ou nasal foram relacionados com raiva humana transmitida por aerossóis em laboratórios e em cavernas densamente habitadas por morcegos. No ser humano, a transplantação da córnea e outros órgãos infectados foram relacionados com o desenvolvimento da raiva nos pacientes receptores (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). Após alcançar o SNC, o vírus migra centrifugamente em direção aos diferentes órgãos, envolvendo particularmente o sistema nervoso parassimpático. Os órgãos invadidos pelo vírus durante a migração centrífuga incluem o coração, fígado, pele, timo, rins, ovários, útero, glândula adrenal, pulmão, baço, intestinos, músculos liso e esquelético, folículos pilosos, epitélio da língua, retina e córnea (BRASS,1994; MATTOS; RUPPRECHT, 2001). A variabilidade do período de incubação depende de fatores como capacidade invasiva, patogenicidade, carga viral do inoculo viral, ponto de inoculação (quanto mais próximo do SNC, menor será o período de incubação), idade, imunocompetência do animal, entre outros. No ser humano, o período médio de incubação é de 20 a 60 dias, embora haja relatos de períodos excepcionalmente longos. Por sua vez, a determinação do período de incubação da raiva natural em animais é de difícil comprovação, dada à dificuldade em registrar o momento exato da inoculação do vírus. Entretanto, estudos de infecção experimental realizados em diferentes animais, usando amostras virais de diferentes origens, têm mostrado variações, com períodos extremamente longos ou demasiadamente curtos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). Em cães, o período médio de incubação é de três a oito semanas, com extremos variando de 10 dias a seis meses. Em bovinos foram observados períodos de 20 a 165 dias submetidos à espoliação por morcegos Desmodus rotundus infectados, 60 a 75 dias em bovinos mantidos em condição de campo e 25 a 611 dias em bovinos inoculados experimentalmente por via intramuscular. O período de incubação da raiva em morcegos hematófagos infectados experimentalmente é variável, de 7 a 171 dias, esta variação pode estar relacionada à quantidade de vírus inoculada através da mordedura, lambedura ou 17 arranhadura; local da porta de entrada; estado imune do indivíduo e à gravidade da lesão (ACHA; SZYFRES, 1986; BRASS, 1994; LUNA; CHAHUAYO; MARREROS, 1985). As manifestações clínicas da raiva em morcegos hematófagos podem ser de forma clássica, com estágio predominante de fúria e seguida de paralisia e morte; forma paralítica clássica, com estágio predominante de silêncio, a fúria não está presente. A paralisia é seguida por morte; forma furiosa onde a paralisia não existe. A fúria é seguida por morte; ausência completa de sintomas e morte repentina; forma furiosa, onde a fúria é seguida de recuperação e forma assintomática, onde o morcego não apresenta sinal de anormalidade, mas ainda é capaz de transmitir a doença (PAWAN, 1936). Constantine (1967), no entanto, relatou que os sinais clínicos em morcegos naturalmente infectados são predominantemente paralíticos ao invés de furiosos e incluem: irritabilidade ou depressão, debilidade, anorexia, hipotermia e paralisia. A paralisia inicial pode envolver as pernas, asas, pescoço, pálpebras, cabeça ou maxilar. Prejuízos neurais podem se estender à bexiga, resultando em incontinência urinária; podendo ocorrer também incontinência fecal. A paralisia evolui por todo corpo na fase terminal e a morte acontece em alguns dias (BRASS, 1994). Quando se trata da raiva transmitida por morcegos, não foram observadas diferenças acentuadas entre as manifestações clínicas nos bovinos, eqüinos, asininos, muares e outros animais domésticos de importância econômica, como caprinos, ovinos e suínos. O sinal inicial é o isolamento do animal, que se afasta do rebanho, apresentando certa apatia e perda do apetite, podendo apresentar-se de cabeça baixa e indiferente ao que passa ao seu redor. Seguem-se outros sinais, como aumento da sensibilidade e prurido na região da mordedura, mugido constante, tenesmo, hiperexcitabilidade, aumento da libido, salivação abundante e viscosa, dificuldade para engolir (o que sugere que o animal esteja engasgado). Com a evolução da doença, apresenta movimentos desordenados da cabeça, tremores musculares e ranger de dentes, midríase com ausência de reflexos pupilar, incoordenação motora, andar cambaleante e contrações involuntárias (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005). 18 Após entrar em decúbito, não consegue mais se levantar e ocorrem movimentos de pedalagem, dificuldade respiratória, opistótono, asfixia e finalmente a morte, que ocorre geralmente entre 3 a 6 dias após os inícios dos sinais, podendo prolongar-se, em alguns casos, até 10 dias. Uma vez iniciados os sinais clínicos da raiva, nada mais resta a fazer, a não ser isolar o animal e esperar sua morte, ou sacrificá-lo na fase agônica. Como os sinais em bovinos e eqüinos podem ser confundidos com outras doenças que apresentam encefalites, é importantíssimo que seja realizado o diagnóstico laboratorial diferencial. Nunca se deve aproveitar para consumo a carne de animais com suspeita de raiva. Partículas virais foram encontradas em níveis detectáveis no coração, pulmão, rim, fígado, testículo, glândulas salivares, músculo esquelético e gordura marrom de diferentes animais domésticos e silvestres. A manipulação da carcaça de um animal raivoso oferece risco elevado, especialmente para os profissionais nos açougues, cozinheiros ou funcionários da indústria de transformação de carnes. Deve-se ter extrema cautela ao lidar com animais suspeitos, pois pode haver perigo quando pessoas não preparadas manipulam a cabeça e o cérebro ou introduzem a mão na boca dos animais, na tentativa de desengasgá-los. Caso isso ocorra, deve-se procurar imediatamente um Posto de Saúde para atendimento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). No ser humano, os sintomas ocorrem em três estágios: o primeiro, o prodrômico, dura aproximadamente 2-10 dias, caracterizado por dor de cabeça, febre, náusea, fadiga e anorexia. No segundo estágio, ocorre a excitação sensorial ou a fase conhecida como “período neurológico agudo”, que persiste por 2 a 7 dias. Ocorrem comportamentos bizarros, como extrema agressividade, ansiedade, insônia, aumento da libido, formigamento, priapismo, hipersalivação, aerofobia, fotofobia, reação ao barulho, contração muscular, convulsões, hidrofobia, tendência de morder e de mastigar. O terceiro estágio é caracterizado por coma e paralisia, que pode durar de algumas horas a alguns dias, marcado pelo estado de confusão mental, alucinações, paradas cardíacas e respiratórias e paralisia do pescoço ou da região do ponto de inoculação. Entrando em coma, o paciente pode falecer em poucos dias. Nos casos de raiva humana associados à 19 transmissão por morcegos, tem sido observada principalmente a sintomatologia paralítica da doença. Em relação aos animais silvestres, há poucos estudos sobre o período de transmissão, sabendo-se que varia de espécie para espécie. Há relato de eliminação de vírus da raiva na saliva, por um período de até 202 dias, em morcego Desmodus rotundus, sem sinais aparentes da doença. Não se sabe exatamente o período durante o qual os herbívoros podem transmitir a doença. Embora algumas espécies de herbívoros não possuam uma dentição adequada que permita causar ferimentos profundos, há relatos de casos de raiva transmitida aos seres humanos por herbívoros. Assim, é recomendado que não se introduzam as mãos na boca de qualquer espécie animal com sinais nervosos sem o uso de equipamentos de proteção apropriados. 5 – Diagnóstico A observação clínica permite levar somente à suspeição da raiva, pois os sinais da doença não são característicos e podem variar de um animal a outro ou entre indivíduos da mesma espécie. Não se deve concluir o diagnóstico da raiva somente com a observação clínica e epidemiológica, pois existem várias outras doenças ou distúrbios genéticos, nutricionais e tóxicos, nos quais os sinais clínicos compatíveis com a raiva podem estar presentes. Não existe, até o momento, um teste diagnóstico laboratorial conclusivo antes da morte do animal doente que expresse resultados absolutos. No entanto, existem procedimentos laboratoriais padronizados internacionalmente, para amostras obtidas post morten de animais ou humanos suspeitos de raiva. As técnicas laboratoriais são aplicadas preferencialmente nos tecidos removidos do SNC. Fragmentos do hipocampo, tronco cerebral, tálamo, córtex, cerebelo e medula oblongata são tidos tradicionalmente como materiais de escolha. A técnica de Imunofluorescência direta (IFD) é uma técnica rápida, sensível e específica, considerada de triagem padrão (DEAN; ABELSETH; ATANASIU, 1996). 20 O teste mais amplamente utilizado para o diagnóstico da raiva é de imunofluorescência direta (IFD), recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Este teste pode ser utilizado diretamente numa impressão de tecido feita em lâmina de microscopia, ou ainda para confirmar a presença de antígeno de vírus de raiva em cultura celular. O teste de IFD apresenta resultados confiáveis em poucas horas, quando realizados em amostras frescas, em 95-99% dos casos. Para o diagnóstico direto, as impressões preparadas do hipocampo, cerebelo e medula oblongata são coradas com um conjugado específico marcado com substância fluorescente (anticorpos anti-rábicos + isotiocianato de fluoresceína). No teste de IFD, os agregados específicos da nucleocapside são identificados pela fluorescência observada. A IFD pode ser aplicada em amostras conservadas em glicerina, após repetidas operações de lavagem. O teste de Isolamento Viral detecta a infecciosidade da amostra, por meio de inoculação de suspensão de tecidos extraídos da amostra suspeita, em sistemas biológicos, permitindo o isolamento do agente. É utilizado concomitantemente ao teste de IFD, conforme preconizado pela Organização mundial de Saúde (WHO, 1994). 6 – Controle dos Transmissores As equipes que atuam no controle da raiva dos herbívoros devem ter conhecimento pleno da região onde executam os trabalhos, bem como dos potenciais transmissores que nela habitam. O método escolhido para o controle de transmissores dependerá da espécie animal envolvida, da topografia e de eventuais restrições legais (áreas de proteção ambiental, reservas indígenas e outras). O método para controle de morcegos hematófagos está baseado na utilização de substâncias anticoagulantes, especificamente a warfarina. Esses métodos devem ser seletivos e executados corretamente, de tal forma a atingir unicamente morcegos hematófagos da espécie Desmodus rotundus, não 21 causando dano ou transtorno algum a outras espécies, que desempenham papel importante na manutenção do equilíbrio ecológico na natureza. No método seletivo direto, há necessidade de captura do morcego hematófago e aplicação tópica do vampiricida em seu dorso. Ao ser ingerido pelo morcego que entrar em contato, o princípio ativo provocará hemorragias internas, matando-o. Para execução desse método, o morcego hematófago deverá ser capturado preferencialmente junto à sua fonte de alimentação. Os morcegos Desmodus rotundus poderão ser capturados diretamente no seu abrigo, quando for artificial, e nas proximidades dos abrigos naturais (cavernas e furnas). Excepcionalmente e mediante autorização do Ibama, poderá ser promovida captura no interior de abrigos naturais. O método seletivo somente deverá ser executado pelos serviços oficiais, por técnicos devidamente capacitados e equipados para execução correta dessa atividade, devendo o profissional retornar à propriedade para avaliação da efetividade das ações. No método seletivo indireto, não há necessidade da captura dos morcegos hematófagos. Este método consiste na aplicação tópica de dois gramas de pasta vampiricida ao redor das mordeduras recentes de morcegos hematófagos. Outros produtos vampiricidas também poderão ser empregados, sendo de especial utilidade na bovinocultura de corte. Nesses sistemas de controle, são eliminados apenas os morcegos hematófagos agressores, considerando que tendem a retornar em dias consecutivos ao mesmo ferimento para se alimentar. O uso tópico da pasta na agressão deve ser repetido enquanto o animal estiver sendo espoliado. Essa prática deverá ser realizada pelo proprietário do animal espoliado, sob orientação do médico veterinário, devendo ser realizada preferencialmente no final da tarde, permanecendo o animal no mesmo local onde se encontrava na noite anterior. 22 7 – Vacinação dos herbívoros domésticos No Brasil, todas as vacinas anti-rábicas para herbívoros são produzidas em cultivo celular e submetidas ao controle de qualidade (inocuidade, esterilidade, eficácia e potência) do Laboratório Nacional Agropecuário do MAPA, sediado em Campinas, SP. Após a aprovação, o lote de vacinas somente poderá ser comercializado quando receber um selo holográfico garantindo a sua qualidade. O sucesso na profilaxia de raiva humana e dos animais depende, basicamente, da utilização de vacinas eficazes, ou seja, com elevado poder imunogênico, bem como do controle de cães, em áreas urbanas, e de morcegos hematófagos. As vacinas comerciais são preparadas com vírus fixo, sem levar em consideração as diferenças antigênicas observadas em diferentes amostras, principalmente àquelas provenientes de morcegos (FAVORETTO et al., 2002; NADIN-DAVIS et al.,2001; SACRAMENTO et al.,1994). Desde a sua produção até a sua aplicação, a vacina anti-rábica deverá ser mantida sob refrigeração, em temperaturas variando entre 2 e 8 graus, evitando a incidência direta de raios solares. Nos estabelecimentos comerciais, os imunobiológicos deverão ser mantidos em refrigeradores de uso exclusivo para tal, provido de dois termômetros de máxima e mínima. A vacina nunca deve ser congelada. O congelamento altera os componentes da vacina, interferindo no seu poder imunogênico. O prazo de validade da vacina, impresso no frasco, deverá ser rigorosamente respeitado. Os estabelecimentos comerciais somente poderão comercializar vacinas devidamente acondicionada em caixas isotérmicas com gelo, que assegurem a manutenção da temperatura exigida pela legislação. Falhas vacinais ocorrem com freqüência em herbívoros, em decorrência do armazenamento inadequado de vacinas, principalmente às de vírus atenuado, da excessiva carga viral à qual os animais são submetidos ou ainda pela infecção com variantes do vírus rábico (ESDALL, 1969; SUREAU; ARELANO, 1971). A proteção contra a raiva depende da produção de anticorpos neutralizantes induzidos pela proteína G (LAFON, 2002). Não existe, no entanto, uma correlação clara entre níveis de anticorpos neutralizantes e resistência à 23 raiva, sugerindo que outros antígenos e mecanismos estão envolvidos na proteção contra a infecção letal (HOOPER et al., 1998; LAFON, 2002). Falhas vacinais são raras na proteção contra o vírus da raiva. Quando ocorrem são eventos isolados e envolvem animais imunocomprometidos ou jovens que receberam uma única dose de vacina (MCQUISTON et al., 2001). Segundo alguns autores a única falha verdadeira acontece quando animais vacinados contra o vírus da raiva são expostos ao vírus Mokola e Lagos bat. Animais de laboratório (BADRANE et al. 2001) e cães e gatos domésticos (VAN TEICHMAN et al., 1998) que receberam vacinas preparadas com vírus da raiva não se mostraram protegidos contra o vírus Mokola e Lagos bat. Por outro lado, Fekadu et al (1998) relataram a proteção de camundongos com a amostra Lagos bat. II – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACHA, P.N.; Epidemiology of paralytic rabies and bat rabies. Boletín de la Oficina Internacional de Epizootias, v.67, n.3-4, p. 343-382, 1967. ACHA, P.N.; SZYFRES, B. Zoonosis y enfermedades transmisibles comunes al hombre y a los animales. 2. ed. Washington, D.C, Organización Panamericana de la Salud, 1986, p. 502-526 (OPS_Publicacion Científica, 503). 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