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UNIVERSIDADE CASTELO BRANCO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” EM DEFESA E VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANIMAL
REVISÃO DE LITERATURA
RAIVA DOS HERBÍVOROS
Marcelo Shigueo Pereira da Silva
Corumbá, mar. 2008
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MARCELO SHIGUEO PEREIRA DA SILVA
Aluno do Curso de especialização “Lato sensu” em
Defesa e Vigilância Sanitária Animal
REVISÃO DE LITERATURA
RAIVA DOS HERBÍVOROS
Trabalho monográfico do curso de pósgraduação “Lato Sensu” em Defesa e
Vigilância Sanitária Animal apresentado à
UCB como requisito parcial para a
obtenção de título de Especialista em
Defesa e Vigilância Sanitária Animal sob a
orientação do Professor Roberto Aguilar
Machado Santos Silva
Corumbá, mar. 2008
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RESUMO
A raiva é considerada uma das zoonoses de maior importância em Saúde
Pública, não só por sua evolução drástica e letal, como também por seu elevado
custo social e econômico. É uma antropozoonose conhecida desde os tempos
remotos, caracterizada por uma encefalomielite aguda fatal nos animais e no ser
humano (ACHA; SZYFRES,2003). Em princípio, esta é uma doença mantida e
perpetuada na natureza por diferentes espécies de animais carnívoros domésticos
e silvestres, denominados de reservatórios, incluindo-se também os morcegos de
diferentes hábitos alimentares (SMITH, 1996).
Estima-se que a raiva bovina na América Latina cause prejuízos anuais de
centenas de milhões de dólares, provocados pela morte de milhares de cabeças,
além dos gastos indiretos que podem ocorrer com a vacinação de milhões de
bovinos e inúmeros tratamentos pós-exposição (sorovacinação) de pessoas que
mantiveram contato com animais suspeitos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA,
2005).
O principal transmissor da raiva dos herbívoros é o morcego hematófago
Desmodus rotundus. Como essa espécie é abundante em regiões de exploração
pecuária, vários países latino-americanos desenvolveram programas para seu
controle, uma vez que a vacinação de animais domésticos não impede a
ocorrência de espoliações, nem a propagação da virose entre as populações
silvestres.
No Brasil a raiva dos herbívoros pode ser considerada endêmica e em
graus diferenciados, de acordo com a região. Os principais fatores que contribuem
para que a raiva se dissemine ainda de forma insidiosa e preocupante nos
herbívoros domésticos são: aumento da oferta de alimento, representado pelo
significativo aumento do rebanho; ocupação desordenada, caracterizada por
modificações ambientais, como desmatamento, construção de hidrovias e
hidrelétricas, que alteram o ambiente que os morcegos viviam, obrigando-os a
procurar novas áreas e outras fontes de alimentação; oferta de abrigos artificiais,
representados pelas construções, como túneis, cisternas, casas abandonadas,
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bueiros, fornos de carvão desativados e outros; atuação insatisfatória, em alguns
estados brasileiros, na execução do Programa Estadual de Controle da Raiva dos
Herbívoros.
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ABSTRACT
The rabies is considered one of the most important zoonosis in Public
Health, not only for its dramatic and lethal developments, but also by its high
social and economic cost. It is a anthropozoonosis known since the ancient times,
characterized by an acute and fatal encephalomyelitis in animals and in humans
(ACHA; SZYFRES, 2003). In principle, this is a disease perpetuated in nature and
maintained by different species of domestic animals and wild carnivores, known as
reservoirs, including also the bats of different dietary habits (Smith, 1996).
It is estimated that the bovine rabies in Latin America cause annual losses
of hundreds of millions of dollars, caused the death of thousands of ead, in
addition to indirect expenses that may occur with the vaccination of millions of
cattle and numerous post-exposure treatment who maintained contact with
suspected animals (MINISTRY OF AGRICULTURE, 2005).
The main transmitter of rabies from herbivore is the haemataphagus bat
Desmodus rotundus. Because this species is abundant in areas of farm livestock,
Several Latin American countries have developed programs to its control since the
Vaccination of domestic animals does not prevent the occurrence of blood
spoliation, or the spread of viruses among wild populations.
In Brazil the anger of herbivores can be considered endemic in differing
degrees, according to the region. The main factors that contribute to that rabies is
still spread are: increasing the supply of food, represented by the significant
increase in the herd; disorderly occupation, characterized by environmental
change, such as deforestation, construction of waterways and hydroelectric, which
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alter the environment that the bats lived, forcing them to seek new areas and other
sources of food, provision of artificial shelters, represented by constructions such
as tunnels, tanks, abandoned houses, furnaces, coal and other disabled;
unsatisfactory performance in some Brazilian states, the implementation of the
State Program for the Control of Rabies.
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SUMÁRIO
I – REVISÃO DE LITERATURA..................................................................................................6
1 – Introdução.............................................................................................................................6
2 – Vírus da Raiva.....................................................................................................................10
3 – Morcegos............................................................................................................................11
4 – Patogenia............................................................................................................................15
5 – Diagnóstico.........................................................................................................................19
6 – Controle dos Transmissores..............................................................................................20
7 – Vacinação dos Herbívoros Domésticos.............................................................................22
II - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................23
6
I - REVISÃO DE LITERATURA
1 – Introdução
A raiva é considerada uma das zoonoses de maior importância em Saúde
Pública, não só por sua evolução drástica e letal, como também por seu elevado
custo social e econômico. É uma antropozoonose conhecida desde os tempos
remotos, caracterizada por uma encefalomielite aguda fatal nos animais e no ser
humano (ACHA; SZYFRES,2003). Em princípio, esta é uma doença mantida e
perpetuada na natureza por diferentes espécies de animais carnívoros domésticos
e silvestres, denominados de reservatórios, incluindo-se também os morcegos de
diferentes hábitos alimentares (SMITH, 1996).
Estima-se que a raiva bovina na América Latina cause prejuízos anuais de
centenas de milhões de dólares, provocados pela morte de milhares de cabeças,
além dos gastos indiretos que podem ocorrer com a vacinação de milhões de
bovinos e inúmeros tratamentos pós-exposição (sorovacinação) de pessoas que
mantiveram contato com animais suspeitos (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA,
2005).
Na década de 1990, a organização Pan-Americana de Saúde (OPAS)
mostrou que a raiva podia ser eficazmente reduzida por meio de um programa de
vacinação de animais domésticos, aliado a uma campanha educativa. Neste
sentido, o ciclo da transmissão foi interrompido, especialmente se considerar a
raiva canina nos ciclos urbanos. Apesar do decréscimo contínuo no caso de raiva
em cães da América Latina, graças ao estabelecimento do “Programa Regional de
Eliminação da Raiva transmitida pelo Cão nas Américas”, com uso de vacinas
cada vez mais seguras e eficientes (BELOTTO, 2000), a raiva em morcegos
hematófagos não pôde ser controlada por meio de vacinas, como no caso de
mamíferos terrestres (MAYERN,2003).
O principal transmissor da raiva dos herbívoros é o morcego hematófago
Desmodus rotundus. Como essa espécie é abundante em regiões de exploração
pecuária, vários países latino-americanos desenvolveram programas para seu
7
controle, uma vez que a vacinação de animais domésticos não impede a
ocorrência de espoliações, nem a propagação da virose entre as populações
silvestres.
Nos países da América Latina onde existe o problema da raiva causada
pelos morcegos hematófagos, o controle da população destes reservatórios é
realizado com o uso de medicamentos anticoagulantes (FLORES CRESPO,
2003). Por outro lado, apesar da raiva humana transmitida pelos morcegos não
hematófagos ter mostrado um aumento crescente no mundo por causa do
lissavírus (LUMIO et al., 1986), na atualidade não existe nenhum método de
controle ou conduta a ser empregado nas áreas de foco, como os existentes para
outras espécies de reservatórios. No entanto, quando há menção de controle,
além da vacinação dos suscetíveis, ocorre maior enfoque à preservação dos
morcegos, como desalojá-los do seu abrigo e vedar o acesso ou recomendando a
poda dos galhos de árvores ou recolhendo as flores e os frutos que serviriam de
alimento, ou ainda a substituição de plantas frutíferas por outras que não
carreguem frutos (HARMANI; SILVA; HAYASHI, 1996).
A grande densidade e a alta taxa de reprodução anual de cães são fatores
importantes nas epizootias de raiva canina na América Latina, incluindo o Brasil.
Em contraste com outras variantes do vírus da raiva, os isolados de cães de
diferentes localidades têm uma diversidade genética limitada (SMITH, 1989) e são
bastante similares à amostra vacinal. Foi sugerido por Smith et al. (1992) que esta
similaridade na seqüência de RNA reflete a existência de um reservatório global
do vírus da raiva em cães originado de uma mesma fonte. Este fato seria
conseqüência da colonização Européia e introdução de cães infectados nos
diferentes continentes (CHILDS, 2002).
Segundo dados da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2001) a
raiva em animais de interesse econômico ocorre principalmente nos países da
América Latina e está relacionada com a presença do morcego hematófago
(Desmodus rotundus), principal reservatório do vírus da raiva para estas espécies.
O ataque destes morcegos aos bovinos acarreta sérios prejuízos à pecuária, pois
além dos animais mortos pela doença, os animais agredidos perdem peso e
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apresentam lesões em diversas partes do corpo, o que prejudica a qualidade do
couro.
A raiva paralítica de bovinos foi diagnosticada pela primeira vez por Carini
(1911) no estado de Santa Catarina, quando corpúsculos de Negri foram
identificados nos tecidos nervosos de cérebros de bovinos mortos por uma doença
então misteriosa. Em 1916, Haupt e Rehaag, veterinários alemães contratados
pelo governo catarinense, identificaram o vírus da raiva no cérebro de morcegos
hematófagos. Muitas contestações se sucederam após o relato de Carini e de
Haupt e Rehaag, pois o mundo relutava em aceitar que os morcegos pudessem
ser os reservatórios do vírus da raiva, considerando que naquela época Louis
Pasteur afirmava que “para ser raiva, havia a necessidade do envolvimento de um
cão raivoso”. Nos episódios de Santa Catarina não havia relatos de ocorrência de
doença em cães.
Entre 1925 e 1929, foi registrada a ocorrência de botulismo em bovinos e
poliomielite ascendente em seres humanos, na ilha de Trinidad, no Caribe. Dois
médicos, Hurst e Pawan, confirmaram que a doença em bovinos e humanos
tratava-se de raiva, transmitida por morcegos hematófagos. Após os trabalhos de
Queiroz Lima (1934), Torres e Queiroz Lima (1935) e Hust e Pawan (1931-1932),
aceitou-se finalmente a idéia de que morcegos hematófagos podiam transmitir
raiva aos animais e aos seres humanos.
Desde 1996 a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) iniciou um
projeto para o estudo da epidemiologia molecular do vírus da raiva isolado nas
Américas e no Caribe, que incluía a utilização de um painel de anticorpos
monoclonais cedido pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC),
Atlanta, USA. Tal estudo permite associar alguns reservatórios a variantes
antigênicas conhecidas do vírus da raiva, como, por exemplo, a variante 3,
associada ao morcego hematófago Desmodus rotundus (principal reservatório em
nosso meio); as variantes 1 ou 2, relacionadas à raiva em populações de cães; ou
ainda a variante 4, relacionada ao vírus da raiva mantido e transmitido por
populações de morcegos insetívoros Tadarida brasiliensis
estabelecidas (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005).
e outras já
9
No Brasil a raiva dos herbívoros pode ser considerada endêmica e em
graus diferenciados, de acordo com a região. Os principais fatores que contribuem
para que a raiva se dissemine ainda de forma insidiosa e preocupante nos
herbívoros domésticos são: aumento da oferta de alimento, representado pelo
significativo aumento do rebanho; ocupação desordenada, caracterizada por
modificações ambientais, como desmatamento, construção de hidrovias e
hidrelétricas, que alteram o ambiente que os morcegos viviam, obrigando-os a
procurar novas áreas e outras fontes de alimentação; oferta de abrigos artificiais,
representados pelas construções, como túneis, cisternas, casas abandonadas,
bueiros, fornos de carvão desativados e outros; atuação insatisfatória, em alguns
estados brasileiros, na execução do Programa Estadual de Controle da Raiva dos
Herbívoros.
Nas décadas de 1910 a 1940, a raiva bovina esteve localizada
principalmente no litoral brasileiro, possivelmente associada aos processos de
ocupação de solo. A devastação da Mata Atlântica para aproveitamento de terras
mais férteis, a introdução da pecuária bovina e a construção de rodovias,
ferrovias, barragens, túneis, cisternas, canalizações de córregos e rios, foram
fatores que alteraram o habitat dos morcegos, em especial os hematófagos.
Posteriormente, surtos de raiva bovina ocorreram no interior dos estados,
acompanhando as grandes transformações ambientais geradas por atividades
como a agropecuária e a mineração, dentre outras (MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA, 2005).
Os herbívoros são hospedeiros acidentais do vírus da raiva, pois, apesar de
participar da cadeia epidemiológica da raiva rural, somente contribuem como
sentinelas à existência do vírus. Sua participação nesse processo restringe-se ao
óbito do animal, não havendo envolvimento no processo de transmissão a outras
espécies, salvo quando de forma acidental. Essa afirmação é devida ao fato de
que a raiva nos herbívoros tem baixa ou nula probabilidade de transmissão a
outros
animais,
apresentando
principalmente
a
característica
paralítica,
diferentemente da sintomatologia “furiosa”, observada nos casos de raiva em
carnívoros.
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Apesar de medidas profiláticas para seu controle, a raiva vem se mantendo
de forma endêmica, em várias regiões do Brasil. As características biológicas de
isolados do vírus da raiva, provenientes de diferentes espécies animais, são pouco
estudadas, sendo a investigação experimental das propriedades patogênicas e
imunogênicas destas amostras de grande importância para o conhecimento da
epidemiologia da doença. Vale ressaltar ainda, que o envolvimento de morcegos
de diferentes espécies na transmissão de raiva para animais e humanos tem sido
relatada cada vez com mais freqüência. Assim, estudar o comportamento de
amostras do vírus da raiva, isoladas destas espécies, bem como a proteção
conferida pelas vacinas utilizadas, frente às mesmas, pode ser de grande valia na
adoção de medidas de controle e profilaxia da doença.
2 – Vírus da Raiva
O vírus da raiva pertence ao gênero Lyssavírus da família Rhabdoviridae,
ordem Monegavirales (VAN REGENMORTEL et al., 2000). Apresenta morfologia
característica, em forma de bala de revólver, diâmetro médio de 75 nm e
comprimento de 100 nm a 300 nm, variando de acordo com a amostra
considerada.
O vírion é composto por um envoltório formado por uma dupla
membrana fosfolipídica da qual emergem espículas de aproximadamente 9 nm, de
composição glicoprotéica. Este envoltório cobre o nucleocapsídeo de conformação
helicoidal, composto de um filamento único de RNA negativo e não segmentado.
O vírus da raiva é neurotrópico e causa uma infecção aguda no sistema
nervoso
central
(SNC).
Modelos
experimentais
utilizando
camundongos,
mimetizando o que ocorre na infecção natural, mostram que após a mordida há
uma replicação do vírus no músculo localizado na porta de entrada (MURPHY et
al., 1973). Este se liga a receptores nicotínicos da acetilcolina na junção
neuromuscular (REAGAN; WUNNER, 1985), segue pelos axônios dos nervos
periféricos e neurônios motores da medula espinal, ascendendo até o cérebro
11
(TSIANG et al., 1991). Ocorre então a disseminação centrífuga através de nervos
até a glândula salivar, pele, córnea e outros órgãos (MURPHY et al., 1973).
Usualmente de transmissão pelo contato direto, é pouco resistente aos
agentes químicos (éter, clorofórmio, sais minerais, ácidos e álcalis fortes), aos
agentes físicos (calor, luz ultravioleta) e às condições ambientais, como
dessecação, luminosidade e temperatura excessiva. No caso da desinfecção
química de instrumentos cirúrgicos, vestuário ou do ambiente onde foi realizada a
necrópsia de um animal raivoso, são indicados o hipoclorito a 2%, formol a 10%,
glutaraldeído a 1-2%, ácido sulfúrico a 2%, fenol e ácido clorídrico a 5%, creolina a
1%, entre outros. Como medida de desinfecção de ambientes, as soluções de
formalina entre 0,25% e 0,90% e de bicarbonato de sódio a 1% e 2% inativam os
vírus de forma rápida e eficiente (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA).
Mesmo em condições ambientais adversas, o vírus da raiva pode manter
sua infecciosidade por períodos relativamente longos, sendo então inativado
naturalmente pelo processo de autólise. A putrefação destrói o vírus lentamente,
em cerca de 14 dias.
3 – Morcegos
No Brasil, a principal espécie animal transmissora da raiva ao ser humano
continua sendo o cão, embora os morcegos estejam cada vez mais aumentando a
sua participação, podendo ser os principais responsáveis pela manutenção de
vírus no ambiente silvestre. Os morcegos representam aproximadamente 24% de
todas as espécies de mamíferos conhecidas. Pertencem à ordem Chiroptera que,
por sua vez, divide-se em duas sub-ordens: Megachiroptera e Microchiroptera. A
ordem tem 18 famílias, nas quais se distribuem 168 gêneros e 986 espécies
(TADDEI, 1996; VIEIRA, 1942; WIMSATT, 1969).
Os morcegos encontrados no Brasil estão incluídos em 9 famílias e
subdivididos em 144 espécies, isto é, correspondendo a quase 50% dos morcegos
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encontrados em todo continente americano. Quanto ao hábito alimentar, a grande
maioria dos morcegos brasileiros é de hábito insetívoro, com 87 espécies;
seguidos pelos frugívoros, com 35 espécies; nectarívoros com 14 espécies;
carnívoros com 5 e hematófagos com 3 espécies (TADDEI, 1996).
Os morcegos hematófagos são encontrados desde o norte do México até o
norte da argentina e em algumas ilhas do Caribe, em regiões com altitude média
abaixo de 2.000m. No mundo, apenas três espécies de morcegos possuem hábito
alimentar hematófago (Desmodus rotundus, Diphyla ecaudata e Diaemus youngi),
os quais são encontrados no Brasil.
A preocupação com os morcegos hematófagos na América Latina era
compreensível, dado o enorme prejuízo econômico em decorrência da morte dos
animais por raiva e, além da transmissão da tripanossomíase aos eqüídeos, são
ainda responsáveis pela diminuição da produtividade através dos repetidos
ataques causando: debilidade no gado, devido à perda de sangue; infecções
secundárias nas feridas; miíases, depreciação do couro e oclusão dos canais
galactóforos de animais em fase de lactação, entre outras (ACHA, 1967;
ARELLANO-SOTA; SUREAU; GREENHAL,1971).
A espécie de morcego hematófago mais estudado é a Desmodus rotundus,
por ser o principal transmissor da raiva aos herbívoros, pois é a espécie mais
abundante e tem nos herbívoros a sua maior fonte de alimento. Os herbívoros
também podem, em raras situações, infectar-se pela agressão de cães, gatos e
outros animais silvestres raivosos. Deste modo, evidencia a necessidade do
enfoque no controle da raiva voltado para este morcego.
O desmodus rotundus apresenta uma alta versatilidade na utilização de
abrigos, podendo ser naturais, como grutas e ocos de árvores, ou artificiais,
constituídos por casas abandonadas, pontes, bueiros, fornos de carvão, etc.
Existem tipos de abrigos : os diurnos, ou permanentes, onde se alojam a maior
parte do tempo; os noturnos, onde permanecem o tempo necessário para a
digestão após a alimentação para voltar ao abrigo permanente. Os abrigos tipo
maternidade reúnem fêmeas, seus filhotes e machos dominantes. Caracterizamse por apresentar elevado grau de umidade e ambientes escuros e frescos, o que
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é mais frequentemente encontrado em grutas naturais que só recebem sol pela
parte da manhã. Os de machos solteiros abrigam indivíduos jovens que não
atingiram a maturidade sexual para formar seus haréns.
Os morcegos hematófagos provavelmente já estavam infectados pelo vírus
da raiva muito antes da descoberta da América pelos colonizadores europeus e os
seres humanos e animais continuamente sofriam da raiva transmitida pelos
morcegos na América tropical (CONSTANTINE, 1988). A transmissão do vírus
ocorre principalmente pelo contato direto, no entanto, os morcegos não
hematófagos podem ser infectados ao compartilharem o mesmo abrigo com os
morcegos hematófagos portadores do vírus da raiva ou mesmo ao disputarem
território com esses morcegos. Os morcegos não hematófagos infectados, quando
encontrados vivos, mortos ou prostrados, em ambientes urbanos, podem transmitir
acidentalmente a doença à espécie humana e a outros animais (UIEDA et al.,
1995).
A maioria dos agrupamentos de Desmodus rotundus é constituída por 20 a
200 indivíduos. Apresenta uma estrutura social complexa, baseada na formação
de haréns, onde um macho dominante defende um grupo de fêmeas (cerca de 12)
e seus filhotes. Em geral, colônias com mais de 50 indivíduos podem conter
diversos grupos de 10 a 20 fêmeas com filhotes. Machos jovens, de 12 a 18
meses de idade, são expulsos do grupo pelo macho dominante. Machos solteiros
expulsos da colônia podem deslocar-se por mais de 100 km, embora seu raio de
ação seja menor que 15 km. Formam pequenos agrupamentos, próximos do
harém, aguardando a oportunidade de disputar o lugar do macho dominante.
Os
morcegos
hematófagos
são
conhecidos
por
permanecerem
assintomáticos, no entanto, como em outros mamíferos, a condição de portador
“são” não foi confirmada em estudos de inoculação experimental (MORENO;
BAER, 1980). O comportamento de lamber outros indivíduos de sua espécie
ocorre principalmente entre fêmeas, garantindo a integridade do grupo e a partilha
do alimento. As lambeduras estimulam o regurgitamento de alimento de uma
fêmea saciada, permitindo o seu aproveitamento por outra que não tenha se
alimentado. As fêmeas que não colaboram na partilha do alimento são expulsas
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do grupo. A baixa reprodução dessa espécie, devido ao período gestacional de 7
meses e ao nascimento de apenas um filhote ao ano, favorece o seu controle
populacional.
No Brasil, dos 30 casos registrados de raiva humana, 23 foram transmitidos
por morcegos hematófagos, em 2004 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004). Por outro
lado, a transmissão do vírus da raiva pelos morcegos não hematófagos aos
animais terrestres silvestres continua sendo uma grande indagação e, caso ocorra
esta transmissão, Baer (1975) já sugeria que deveriam ser levadas em
consideração medidas de controle a serem adotadas.
Através de investigações epidemiológicas da raiva em animais silvestres, foi
demonstrado que o vírus pode ser transmitido especificamente para uma
determinada espécie de hospedeiro, tornando-se extremamente adaptado a esta
espécie e menos capacitado para infectar outras espécies. Esta relação
hospedeiro-parasita tornou-se conhecida como “compartimentalização” do vírus da
raiva (CONSTANTINE, 1988; WINKLER, 1975).
Morfologicamente, o Desmodus rotundus se caracteriza por ser um
quiróptero de porte médio, possuindo uma envergadura de 37cm e pesando por
volta de 29g. As orelhas são curtas e apresentam extremidades pontiagudas, os
olhos são grandes, porém menores que os das outras espécies hematófagas
(Diphylla ecaudata e Diaemus yongi), o lábio inferior possui um sulco mediano em
forma de V. O polegar é longo, com três almofadas ou calosidades, sendo uma
pequena e arredondada na base, uma grande e longa no meio e uma pequena na
extremidade do polegar. A membrana interfemural é pouco desenvolvida, com
cerca de 19 mm na sua região mediana, tendo poucos pêlos curtos e espaçados
em sua superfície dorsal. O calcâneo é reduzido, assemelhando-se a uma
pequena verruga. O corpo é coberto por pêlos curtos, densos, de cor castanha,
sendo os do dorso mais escuros que os do ventre. Dependendo da região do País
e/ou da idade do morcego, esta coloração pode apresentar-se dourada ou
acinzentada.
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4 – Patogenia
A patogenia do vírus da raiva inclui os seguintes passos no organismo de
um indivíduo suscetível: replicação inicial do vírus na porta de entrada usualmente
constituída por uma lesão da pele, migração pelos nervos periféricos até o SNC,
de onde o vírus se dissemina, infectando outros tecidos não nervosos, causando
lesões irreversíveis, levando à morte tanto do homem como de outros animais
atingidos. O vírus não penetra pela pele intacta, a infecção depende do contato do
vírus com soluções de continuidade da pele, já existentes ou provocadas por
mordeduras ou arranhaduras, entre outras, ou com membranas mucosas como:
nariz, olhos ou boca (ACHA; SZYFRES, 1986; BRASS,1994). A possibilidade de
sangue, leite, urina ou fezes conter quantidade de vírus suficiente para
desencadear a raiva é remota.
Outras portas de entrada são raras, porém, em 1956, foi registrado um caso
de raiva humana, em um indivíduo que trabalhava em cavernas com morcegos,
porém sem histórico de mordedura ou outro contato com algum animal suspeito.
Após investigação epidemiológica, aventurou-se a hipótese de que o indivíduo se
infectar através da inalação de partículas virais em suspensão na caverna
(BRASS,1994; WARRELL, 2004). A infecção por via aérea também foi
demonstrada, em condições naturais, quando animais sadios foram colocados
dentro de grutas onde viviam grandes colônias de morcegos infectados
(CONSTANTINE, 1962). A detecção de antígenos do vírus da raiva em receptores
de células olfatórias de morcegos naturalmente infectados em cavernas, sugerindo
que a mucosa nasal era a porta de entrada de infecções de morcegos, foi relatada
por Constantine, Emmons e Woodie (1972). Para que ocorra a transmissão por via
aerógena, é necessária uma grande população de morcegos infectados em áreas
não ventiladas (JACKSON, 2002).
Experimentos de transmissão da raiva por via oral têm sido relatados. O
exato mecanismo envolvendo a transmissão oral ainda não foi esclarecido, porém,
uma das formas de imunização de animais silvestres atualmente adotadas por
alguns países ocorre por meio de iscas (para ingestão) contendo vacinas de vírus
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atenuado. Incidentes sugestivos de infecção oral ou nasal foram relacionados com
raiva humana transmitida por aerossóis em laboratórios e em cavernas
densamente habitadas por morcegos. No ser humano, a transplantação da córnea
e outros órgãos infectados foram relacionados com o desenvolvimento da raiva
nos pacientes receptores (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005).
Após alcançar o SNC, o vírus migra centrifugamente em direção aos
diferentes órgãos, envolvendo particularmente o sistema nervoso parassimpático.
Os órgãos invadidos pelo vírus durante a migração centrífuga incluem o coração,
fígado, pele, timo, rins, ovários, útero, glândula adrenal, pulmão, baço, intestinos,
músculos liso e esquelético, folículos pilosos, epitélio da língua, retina e córnea
(BRASS,1994; MATTOS; RUPPRECHT, 2001).
A variabilidade do período de incubação depende de fatores como
capacidade invasiva, patogenicidade, carga viral do inoculo viral, ponto de
inoculação (quanto mais próximo do SNC, menor será o período de incubação),
idade, imunocompetência do animal, entre outros.
No ser humano, o período médio de incubação é de 20 a 60 dias, embora
haja relatos de períodos excepcionalmente longos. Por sua vez, a determinação
do período de incubação da raiva natural em animais é de difícil comprovação,
dada à dificuldade em registrar o momento exato da inoculação do vírus.
Entretanto, estudos de infecção experimental realizados em diferentes animais,
usando amostras virais de diferentes origens, têm mostrado variações, com
períodos extremamente longos ou demasiadamente curtos (MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA, 2005).
Em cães, o período médio de incubação é de três a oito semanas, com
extremos variando de 10 dias a seis meses. Em bovinos foram observados
períodos de 20 a 165 dias submetidos à espoliação por morcegos Desmodus
rotundus infectados, 60 a 75 dias em bovinos mantidos em condição de campo e
25 a 611 dias em bovinos inoculados experimentalmente por via intramuscular. O
período
de
incubação
da
raiva
em
morcegos
hematófagos
infectados
experimentalmente é variável, de 7 a 171 dias, esta variação pode estar
relacionada à quantidade de vírus inoculada através da mordedura, lambedura ou
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arranhadura; local da porta de entrada; estado imune do indivíduo e à gravidade
da lesão (ACHA; SZYFRES, 1986; BRASS, 1994; LUNA; CHAHUAYO;
MARREROS, 1985).
As manifestações clínicas da raiva em morcegos hematófagos podem ser
de forma clássica, com estágio predominante de fúria e seguida de paralisia e
morte; forma paralítica clássica, com estágio predominante de silêncio, a fúria não
está presente. A paralisia é seguida por morte; forma furiosa onde a paralisia não
existe. A fúria é seguida por morte; ausência completa de sintomas e morte
repentina; forma furiosa, onde a fúria é seguida de recuperação e forma
assintomática, onde o morcego não apresenta sinal de anormalidade, mas ainda é
capaz de transmitir a doença (PAWAN, 1936). Constantine (1967), no entanto,
relatou que os sinais clínicos em morcegos naturalmente infectados são
predominantemente paralíticos ao invés de furiosos e incluem: irritabilidade ou
depressão, debilidade, anorexia, hipotermia e paralisia. A paralisia inicial pode
envolver as pernas, asas, pescoço, pálpebras, cabeça ou maxilar. Prejuízos
neurais podem se estender à bexiga, resultando em incontinência urinária;
podendo ocorrer também incontinência fecal. A paralisia evolui por todo corpo na
fase terminal e a morte acontece em alguns dias (BRASS, 1994).
Quando se trata da raiva transmitida por morcegos, não foram observadas
diferenças acentuadas entre as manifestações clínicas nos bovinos, eqüinos,
asininos, muares e outros animais domésticos de importância econômica, como
caprinos, ovinos e suínos. O sinal inicial é o isolamento do animal, que se afasta
do rebanho, apresentando certa apatia e perda do apetite, podendo apresentar-se
de cabeça baixa e indiferente ao que passa ao seu redor. Seguem-se outros
sinais, como aumento da sensibilidade e prurido na região da mordedura, mugido
constante, tenesmo, hiperexcitabilidade, aumento da libido, salivação abundante e
viscosa, dificuldade para engolir (o que sugere que o animal esteja engasgado).
Com a evolução da doença, apresenta movimentos desordenados da cabeça,
tremores musculares e ranger de dentes, midríase com ausência de reflexos
pupilar, incoordenação motora, andar cambaleante e contrações involuntárias
(MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2005).
18
Após entrar em decúbito, não consegue mais se levantar e ocorrem
movimentos de pedalagem, dificuldade respiratória, opistótono, asfixia e
finalmente a morte, que ocorre geralmente entre 3 a 6 dias após os inícios dos
sinais, podendo prolongar-se, em alguns casos, até 10 dias. Uma vez iniciados os
sinais clínicos da raiva, nada mais resta a fazer, a não ser isolar o animal e
esperar sua morte, ou sacrificá-lo na fase agônica. Como os sinais em bovinos e
eqüinos podem ser confundidos com outras doenças que apresentam encefalites,
é importantíssimo que seja realizado o diagnóstico laboratorial diferencial. Nunca
se deve aproveitar para consumo a carne de animais com suspeita de raiva.
Partículas virais foram encontradas em níveis detectáveis no coração, pulmão,
rim, fígado, testículo, glândulas salivares, músculo esquelético e gordura marrom
de diferentes animais domésticos e silvestres.
A manipulação da carcaça de um animal raivoso oferece risco elevado,
especialmente para os profissionais nos açougues, cozinheiros ou funcionários da
indústria de transformação de carnes. Deve-se ter extrema cautela ao lidar com
animais suspeitos, pois pode haver perigo quando pessoas não preparadas
manipulam a cabeça e o cérebro ou introduzem a mão na boca dos animais, na
tentativa de desengasgá-los. Caso isso ocorra, deve-se procurar imediatamente
um Posto de Saúde para atendimento (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
No ser humano, os sintomas ocorrem em três estágios: o primeiro, o
prodrômico, dura aproximadamente 2-10 dias, caracterizado por dor de cabeça,
febre, náusea, fadiga e anorexia. No segundo estágio, ocorre a excitação sensorial
ou a fase conhecida como “período neurológico agudo”, que persiste por 2 a 7
dias. Ocorrem comportamentos bizarros, como extrema agressividade, ansiedade,
insônia, aumento da libido, formigamento, priapismo, hipersalivação, aerofobia,
fotofobia, reação ao barulho, contração muscular, convulsões, hidrofobia,
tendência de morder e de mastigar. O terceiro estágio é caracterizado por coma e
paralisia, que pode durar de algumas horas a alguns dias, marcado pelo estado de
confusão mental, alucinações, paradas cardíacas e respiratórias e paralisia do
pescoço ou da região do ponto de inoculação. Entrando em coma, o paciente
pode falecer em poucos dias. Nos casos de raiva humana associados à
19
transmissão por morcegos, tem sido observada principalmente a sintomatologia
paralítica da doença.
Em relação aos animais silvestres, há poucos estudos sobre o período de
transmissão, sabendo-se que varia de espécie para espécie. Há relato de
eliminação de vírus da raiva na saliva, por um período de até 202 dias, em
morcego Desmodus rotundus, sem sinais aparentes da doença. Não se sabe
exatamente o período durante o qual os herbívoros podem transmitir a doença.
Embora algumas espécies de herbívoros não possuam uma dentição adequada
que permita causar ferimentos profundos, há relatos de casos de raiva transmitida
aos seres humanos por herbívoros. Assim, é recomendado que não se introduzam
as mãos na boca de qualquer espécie animal com sinais nervosos sem o uso de
equipamentos de proteção apropriados.
5 – Diagnóstico
A observação clínica permite levar somente à suspeição da raiva, pois os
sinais da doença não são característicos e podem variar de um animal a outro ou
entre indivíduos da mesma espécie. Não se deve concluir o diagnóstico da raiva
somente com a observação clínica e epidemiológica, pois existem várias outras
doenças ou distúrbios genéticos, nutricionais e tóxicos, nos quais os sinais clínicos
compatíveis com a raiva podem estar presentes.
Não existe, até o momento, um teste diagnóstico laboratorial conclusivo
antes da morte do animal doente que expresse resultados absolutos. No entanto,
existem procedimentos laboratoriais padronizados internacionalmente, para
amostras obtidas post morten de animais ou humanos suspeitos de raiva. As
técnicas laboratoriais são aplicadas preferencialmente nos tecidos removidos do
SNC. Fragmentos do hipocampo, tronco cerebral, tálamo, córtex, cerebelo e
medula oblongata são tidos tradicionalmente como materiais de escolha. A técnica
de Imunofluorescência direta (IFD) é uma técnica rápida, sensível e específica,
considerada de triagem padrão (DEAN; ABELSETH; ATANASIU, 1996).
20
O teste mais amplamente utilizado para o diagnóstico da raiva é de
imunofluorescência direta (IFD), recomendado pela Organização Mundial de
Saúde (OMS) e pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). Este teste
pode ser utilizado diretamente numa impressão de tecido feita em lâmina de
microscopia, ou ainda para confirmar a presença de antígeno de vírus de raiva em
cultura celular. O teste de IFD apresenta resultados confiáveis em poucas horas,
quando realizados em amostras frescas, em 95-99% dos casos. Para o
diagnóstico direto, as impressões preparadas do hipocampo, cerebelo e medula
oblongata são coradas com um conjugado específico marcado com substância
fluorescente (anticorpos anti-rábicos + isotiocianato de fluoresceína). No teste de
IFD, os agregados específicos da nucleocapside são identificados pela
fluorescência observada. A IFD pode ser aplicada em amostras conservadas em
glicerina, após repetidas operações de lavagem.
O teste de Isolamento Viral detecta a infecciosidade da amostra, por meio
de inoculação de suspensão de tecidos extraídos da amostra suspeita, em
sistemas
biológicos,
permitindo
o
isolamento
do
agente.
É
utilizado
concomitantemente ao teste de IFD, conforme preconizado pela Organização
mundial de Saúde (WHO, 1994).
6 – Controle dos Transmissores
As equipes que atuam no controle da raiva dos herbívoros devem ter
conhecimento pleno da região onde executam os trabalhos, bem como dos
potenciais transmissores que nela habitam. O método escolhido para o controle de
transmissores dependerá da espécie animal envolvida, da topografia e de
eventuais restrições legais (áreas de proteção ambiental, reservas indígenas e
outras). O método para controle de morcegos hematófagos está baseado na
utilização de substâncias anticoagulantes, especificamente a warfarina. Esses
métodos devem ser seletivos e executados corretamente, de tal forma a atingir
unicamente morcegos hematófagos da espécie Desmodus rotundus, não
21
causando dano ou transtorno algum a outras espécies, que desempenham papel
importante na manutenção do equilíbrio ecológico na natureza.
No método seletivo direto, há necessidade de captura do morcego
hematófago e aplicação tópica do vampiricida em seu dorso. Ao ser ingerido pelo
morcego que entrar em contato, o princípio ativo provocará hemorragias internas,
matando-o. Para execução desse método, o morcego hematófago deverá ser
capturado preferencialmente junto à sua fonte de alimentação. Os morcegos
Desmodus rotundus poderão ser capturados diretamente no seu abrigo, quando
for artificial, e nas proximidades dos abrigos naturais (cavernas e furnas).
Excepcionalmente e mediante autorização do Ibama, poderá ser promovida
captura no interior de abrigos naturais. O método seletivo somente deverá ser
executado pelos serviços oficiais, por técnicos devidamente capacitados e
equipados para execução correta dessa atividade, devendo o profissional retornar
à propriedade para avaliação da efetividade das ações.
No método seletivo indireto, não há necessidade da captura dos morcegos
hematófagos. Este método consiste na aplicação tópica de dois gramas de pasta
vampiricida ao redor das mordeduras recentes de morcegos hematófagos. Outros
produtos vampiricidas também poderão ser empregados, sendo de especial
utilidade na bovinocultura de corte. Nesses sistemas de controle, são eliminados
apenas os morcegos hematófagos agressores, considerando que tendem a
retornar em dias consecutivos ao mesmo ferimento para se alimentar. O uso
tópico da pasta na agressão deve ser repetido enquanto o animal estiver sendo
espoliado. Essa prática deverá ser realizada pelo proprietário do animal espoliado,
sob orientação do médico veterinário, devendo ser realizada preferencialmente no
final da tarde, permanecendo o animal no mesmo local onde se encontrava na
noite anterior.
22
7 – Vacinação dos herbívoros domésticos
No Brasil, todas as vacinas anti-rábicas para herbívoros são produzidas em
cultivo celular e submetidas ao controle de qualidade (inocuidade, esterilidade,
eficácia e potência) do Laboratório Nacional Agropecuário do MAPA, sediado em
Campinas, SP. Após a aprovação, o lote de vacinas somente poderá ser
comercializado quando receber um selo holográfico garantindo a sua qualidade.
O sucesso na profilaxia de raiva humana e dos animais depende,
basicamente, da utilização de vacinas eficazes, ou seja, com elevado poder
imunogênico, bem como do controle de cães, em áreas urbanas, e de morcegos
hematófagos. As vacinas comerciais são preparadas com vírus fixo, sem levar em
consideração as diferenças antigênicas observadas em diferentes amostras,
principalmente àquelas provenientes de morcegos (FAVORETTO et al., 2002;
NADIN-DAVIS et al.,2001; SACRAMENTO et al.,1994).
Desde a sua produção até a sua aplicação, a vacina anti-rábica deverá ser
mantida sob refrigeração, em temperaturas variando entre 2 e 8 graus, evitando a
incidência direta de raios solares. Nos estabelecimentos comerciais, os
imunobiológicos deverão ser mantidos em refrigeradores de uso exclusivo para tal,
provido de dois termômetros de máxima e mínima. A vacina nunca deve ser
congelada. O congelamento altera os componentes da vacina, interferindo no seu
poder imunogênico. O prazo de validade da vacina, impresso no frasco, deverá
ser rigorosamente respeitado. Os estabelecimentos comerciais somente poderão
comercializar vacinas devidamente acondicionada em caixas isotérmicas com
gelo, que assegurem a manutenção da temperatura exigida pela legislação.
Falhas vacinais ocorrem com freqüência em herbívoros, em decorrência do
armazenamento inadequado de vacinas, principalmente às de vírus atenuado, da
excessiva carga viral à qual os animais são submetidos ou ainda pela infecção
com variantes do vírus rábico (ESDALL, 1969; SUREAU; ARELANO, 1971).
A proteção contra a raiva depende da produção de anticorpos
neutralizantes induzidos pela proteína G (LAFON, 2002). Não existe, no entanto,
uma correlação clara entre níveis de anticorpos neutralizantes e resistência à
23
raiva, sugerindo que outros antígenos e mecanismos estão envolvidos na proteção
contra a infecção letal (HOOPER et al., 1998; LAFON, 2002).
Falhas vacinais são raras na proteção contra o vírus da raiva. Quando
ocorrem são eventos isolados e envolvem animais imunocomprometidos ou jovens
que receberam uma única dose de vacina (MCQUISTON et al., 2001).
Segundo alguns autores a única falha verdadeira acontece quando animais
vacinados contra o vírus da raiva são expostos ao vírus Mokola e Lagos bat.
Animais de laboratório (BADRANE et al. 2001) e cães e gatos domésticos (VAN
TEICHMAN et al., 1998) que receberam vacinas preparadas com vírus da raiva
não se mostraram protegidos contra o vírus Mokola e Lagos bat. Por outro lado,
Fekadu et al (1998) relataram a proteção de camundongos com a amostra Lagos
bat.
II – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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