Guia de Condutas em Infecção e Doença por Citomegalovírus em Transplante de Rim e Rim/Pâncreas 2010 Grupo de Infecção em Transplante de Órgãos Sólidos- Escola Paulista de Medicina Gislaine Ono Orientador: Dr. Luís Fernando Aranha Camargo 25/03/2010 Introdução A infecção por Citomegalovírus (CMV) é uma grande causa de morbidade e mortalidade em pacientes transplantados de órgãos sólidos e pode ocorrer em 30% a 75 % dos pacientes.(20, 36). A doença invasiva geralmente se apresenta com febre, neutropenia e alguns pacientes têm linfadenopatia, hepatite e trombocitopenia associados ao acometimento invasivo que pode ser pneumonite, invasão gastrointestinal (colite, gastrite, úlceras e hemorragia), pancreatite, coriorretinite (muitas vezes tardia), ou meningoencefalites (mais raramente) (13,14). A infecção por CMV está associada a uma síndrome de imunossupressão não-específica que leva também a alterações indiretas com maior risco de doença linfoproliferativa pós-transplante, rejeição do enxerto, infecções bacterianas e fúngicas além de poder levar a síndrome de Guillain-Barré e ser um fator de risco para diabetes mellitus (12, 13). Os fatores de risco para desenvolvimento de infecção podem ter relação com o hospedeiro, o vírus, ou as práticas inerentes ao transplante (imunossupressão utilizada e rejeição). O status sorológico é considerado o mais importante preditor de CMV doença após o transplante. No grupo de pacientes com sorologia negativa prétransplante e com doador positivo cerca de 60% dos pacientes desenvolverão infecção, já entre os pacientes com sorologia positiva a infecção poderá ocorrer em 10 a 30% dos receptores (36). Infecção e doença por CMV têm estreita associação temporal com a imunossupressão do paciente e, portanto, é freqüente durante os primeiros meses após o transplante, com um pico de incidência entre dois e quatro meses, apesar da doença poder ocorrer após este período o que caracteriza a doença tardia. (42) 1 Definições: CMV infecção é definida como o isolamento do vírus ou por detecção de proteínas virais ou ácido nucléico em qualquer fluido corporal ou tecido. Infecção primária por CMV é a detecção do CMV infecção em um indivíduo previamente soronegativo. Infecção recorrente corresponde a uma nova infecção por CMV em um paciente que teve infecção documentada anteriormente sem detecção do vírus por um intervalo de pelo menos quatro semanas, e pode resultar da reativação do vírus latente ou reinfecção. Reinfecção é a detecção de uma cepa distinta de CMV em relação a aquela que foi a causa da infecção original através de avaliação dos genes do vírus. Reativação é aquela em que as duas cepas encontradas em diferentes momentos são indistinguíveis quanto a seqüência específica de regiões do genoma viral. Doença invasiva por CMV é a infecção associada à invasão do tecido acometendo um órgão específico do hospedeiro e de acordo com esta localização levando a sinais e sintomas característicos. Geralmente é possível definir o diagnóstico por análise histopatológica, independente da presença de viremia. “Síndrome por CMV” é a presença de febre durante pelo menos 2 dias dentro de um período de 4 dias, presença de neutropenia ou trombocitopenia, e a detecção de CMV no sangue. Antigenemia persistente: manutenção de antigenemia positiva após pelo menos 15 dias de tratamento com dose adequada da medicação antiviral (considerar situações especiais em que o clearance da viremia é mais lento como em doença primária e alta carga viral inicial). 2 Guia de conduta quanto ao diagnóstico e tratamento de pacientes com infecção e doença por CMV: 1. Qual método diagnóstico utilizar? Antigenemia sempre PCR quantitativo em situações especiais: a. Forte suspeita clínica de doença com antigenemia negativa. b. Doença gastrintestinal invasiva com antigenemia negativa nos quais a realização de Biópsia não foi possível. 2. Quando solicitar Antigenemia? a. Sempre que houver suspeita clínica. b. Para pacientes de risco para CMV. Pacientes de RISCO: Sorologia Negativa para CMV pré transplante (D+/R-, D-/R-). Indução com Timoglobulina ou uso de OKT3 há até um ano. Pulsoterapia com corticóide há até 3 meses. Semanal enquanto internados e quinzenal no ambulatório por até 03 meses após o transplante, indução ou pulsoterapia. c. Para pacientes que realizaram profilaxia primária. Semanal enquanto internados e quinzenal no ambulatório por até 03 meses após a suspensão da profilaxia. 3 3. Quando tratar? -Considerar Pacientes com exame positivo (antigenemia ou PCR quantitativo). a. Pacientes Sintomáticos: Todos os sintomáticos diagnosticados independente do número de células encontrado na Antigenemia ou PCR quantitativo. Pacientes sintomáticos: “Síndrome por CMV” ou presença de sinais e sintomas de doença invasiva. Pacientes com síndrome incompleta (Ex.: Febre e diarréia ou plaquetopenia e astenia) individualizar tratamento. b. Pacientes Assintomáticos: Todos os de risco independente do número de células na antigenemia ou do valor de carga viral no PCR quantitativo. Neste grupo, é possível em casos especiais, quando a antigenemia for menor que 05, repetir a mesma em uma semana. Casos considerados: dificuldade de acesso para infusão de medicação, dificuldade de leito para internação, efeitos colaterais da droga. Todos que apresentem Antigenemia com 10 células ou mais. Valor aleatório, sugerimos pesquisa clínica com nossos pacientes. c. Em caso de Recidiva: Assintomáticos que tenham apresentado doença invasiva. Todos os pacientes de risco independente do número de células na antigenemia ou do valor de carga viral no PCR quantitativo. Neste grupo, é possível em casos especiais, quando a antigenemia for menor que 05, repetir a mesma em uma semana. 4 Todos que apresentem Antigenemia com 10 células ou mais. Valor aleatório, sugerimos pesquisa clínica com nossos pacientes. 4. Quanto tempo tratar? a. Período mínimo de 14 dias. b. Manter tratamento por uma semana após a 1° antigenemia negativa ou suspender imediatamente após PCR negativo. c. Doença invasiva tratar por período mínimo de 3 semanas . 5. Profilaxia Primária? Sim, caso haja disponibilidade da medicação deve ser realizada com VALGANCICLOVIR por 3 meses para: Pacientes D+/R Pós indução com droga anti-linfócito Após tratamento de RAC. OBS: Na impossibilidade do uso de valganciclovir seguir orientações de coletas periódicas de antigenemia e tratamento preemptivo. 6. Profilaxia secundária? Sim, caso haja disponibilidade da medicação deve ser realizada com VALGANCICLOVIR por 02 meses para os grupos com risco de recidiva: a. Receptores de Doador falecido b. Pacientes que receberam tratamento de rejeição pós-diagnóstico de CMV. OBS: Na impossibilidade do valganciclovir seguir orientações de coletas periódicas de antigenemia e tratamento preemptivo. 7. Considerações quanto a Terapias Adjuvantes: a. Imunoglobulina (400mg/Kg-individualizar tratamento): 5 -Antigenemia persistente com ausência de Anticorpo específico (sorologia negativa). -Pacientes com hipogamaglobulinemia documentada. b. Rapamicina: conversão em casos de resistência ou mais que duas recidivas. c. Redução da imunossupressão quando possível em: - pacientes graves (que necessitem de Terapia intensiva). - pacientes com mais de duas recidivas. - pacientes com antigenemia persistente na ausência de resistência. d. Granulokine: utilizar em pacientes com neutropenia (número de granulócitos < que 1000 células). 8. Resistência: -Quando houver persistência de antigenemia positiva em paciente recebendo terapia antiviral adequada e excluindo outras causas como: Hipogamaglobulinemia Imunossupressão excessiva Carga viral inicial alta (antigenemia inicial alta) Infecção primária que pode resultar clearance viral baixo (demora na negativação da antigenemia) -Solicitar teste genotípico para comprovar presença de resistência. -Enquanto o teste é realizado pode-se aumentar a dose de Ganciclovir em 50% a 100% da dose habitual, considerando efeitos colaterais e toxicidade. -A resistência ao Ganciclovir é mais freqüente em pacientes transplantados de pulmão, pâncreas/rim e D+/R-. a. Mutação UL97 isolada = Aumentar a dose de Ganciclovir. Caso não haja resposta clínica e com antigenemia persistente trocar para Foscarnet. b. Mutação UL97 + UL54 ou UL54 isolada= Trocar Ganciclovir por Foscarnet. 6 9. Acompanhamento do tratamento: a. Repetir antigenemia ou PCR semanalmente após o início do tratamento. b. Suspender tratamento uma semana após a primeira antigenemia negativa ou imediatamente após o PCR negativo. c. Solicitar antigenemia semanal enquanto internados e quinzenal no ambulatório por até 3 meses após o término do tratamento. 10. Dose das medicações: a.Ganciclovir: Ganciclovir IV de acordo com o Clerance de Creatinina >50-90 ml/min 10-50 ml/min <10 ml/min 5mg/Kg 1,25 -2,5 mg/Kg 1,25mg/Kg a cada 12 h a cada 24h 3vezes por semana Doses para crianças semelhantes a de adulto. Considerar avaliação da Nefro Pediatria. Toxicidade: Mielosupressão: Plaquetopenia e Neutropenia ( mais comum na segunda semana de tratamento) geralmente se resolve após uma semana da suspensão do fármaco , mas pode-se utilizar granulokine. Alteração em SNC: cefaléia, confusão, psicose, convulsão e coma (pouco freqüente). Teratogênico, carcinogênico e mutagênico. 7 e. Foscarnet Foscarnet IV conforme o Clearance de Creatinina estimado (ml/min) dividido pelo peso(Kg) do paciente. >1,4 >1-1,4 >0,8-1 >0,6-0,8 >0,5-0,6 >0,4-0,5 <0,4 60mg/Kg a 45mg/Kg a 50mg/Kg a 40mg/Kg a 60mg/Kg a 50mg/Kg a Não utilizar cada 8h cada 8h cada 12h cada 12h cada 24h cada 24h Doses para crianças semelhantes a de adulto -considerar avaliação do nefro pediatra. -Toxicidade: Nefrotoxicidade Hipocalcemia (15-35%), hipomagnesemia (15-44%), mas pode ocorrer também , hipercalcemia, hipofosfatemia ou hiperfosfatemia. Devido a redução do Ca pode levar a parestesia, arritmias e convulsão Anemia Cefaléia, convulsão, distonia, tremores e irritabilidade. A infusão deve ser feita em no máximo 1 mg/Kg/min. f. Valganciclovir Valganciclovir VO de acordo com o Clerance de Creatinina >50-90 ml/min 10-50 ml/min <10 ml/min 900mg a cada 12 h De 450 mg a cada 24h a Não Administrar 450 mg a cada 48h *Dose para profilaxia: metade da dose (450 mg de 12/12h) *Dose para criança : Valganciclovir 30mg/Kg/dose de 8/8h 8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Aoki F.Y, Hayden F G, Dolin R. Antiviral Drugs (Other than Antiretrovirals). In: Mandell G L, Bennett J E, Dolin R. Principles and Practice of Infectious Diseases. Philadelphia: Churchill Livingstone Elsevier, 2010.p.565-610 2. Arthurs SK, Eid AJ, Pedersen RA, Kremers WK, Cosio FG, Patel R, Razonable RR. Delayed-Onset Primary Cytomegalovirus Disease and the Risk of Allograft Failure and Mortality after Kidney Transplantation. Clinical Infectious Diseases 2008; 46:840–6 3. Boeckh, M, Boivin G. Quantitation of cytomegalovirus: methodologic aspects and clinical applications. Clin. Microbiol. 1998 Rev. 11:533–534 4. Boschiroli A M.. 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