2717 Transplantes de órgãos intervivos em receptores HIV-positivos e confidencialidade das informações clínicas: aspectos bioéticos e legais. X Salão de Iniciação Científica PUCRS Micaela Aparecida Pasa Romero1, Renata Viña Coral2, Leandro Damiani2, Paulo Vinícius Sporleder de Souza1, Jussara de Azambuja Loch2 1 Faculdade de Direito PUCRS, 2Faculdade de Medicina PUCRS Resumo Introdução Até pouco tempo, a infecção pelo vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) era considerada como contra-indicação absoluta para transplante de órgãos sólidos nos Estados Unidos (SPITAL, 1998) e Europa (EBPG, 2000). Em decorrência da considerável melhora no prognóstico dos pacientes desde o advento da terapia anti-retroviral combinada (HAART), muitos soropositivos têm chegado a estágios avançados de outras doenças, associadas ou não à AIDS (MORCROFT et al., 2008; PALELLA et al., 1998). É o caso de doentes renais crônicos, cujo número em programas de diálise está aumentando, porém com alta morbidade. Este fato, associado à dificuldade em estabelecer as doses adequadas de anti-retrovirais em pacientes com função renal diminuída, elevou a consideração do transplante renal para este grupo. Resultados de vários estudos sugerem que a sobrevida dos pacientes e dos enxertos são comparáveis aos resultados obtidos em pacientes não infectados, tanto em transplantes de rins de cadáver quanto provenientes de doações intervivos. (STOCK et al., 2003; ROLAND et al.; 2003; ABBOTT et al., 2004). Neste contexto, levando em consideração o caráter discriminatório da AIDS, a revelação deste diagnóstico a terceiros é uma questão controversa. Tradicionalmente considerado como uma obrigação moral da profissão médica, o segredo vem adquirindo uma fundamentação mais rigorosa, centralizada nas necessidades e direitos dos cidadãos à privacidade, passando a ser entendido como confidencialidade (GRACIA, 1998). O manejo eticamente adequado das informações envolvendo os casos de HIV/AIDS tem demandado uma profunda revisão das relações entre profissionais de saúde e pacientes, pela importância das repercussões sócio-emocionais que podem acarretar para os envolvidos (doador – receptor – equipe médica – familiares), tanto como conseqüência dos X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2718 aspectos epidemiológicos da infecção, do seu caráter discriminatório ou do melhor prognóstico para o portador do vírus. Este projeto, desenvolvido no Instituto de Bioética da PUCRS e atendendo à proposta do EDITAL 07/2009 – Integração entre áreas (PRAIAS), visa aprofundar teoricamente, e de forma interdisciplinar, o estudo bioético e jurídico sobre a confidencialidade nas situações de transplante intervivos, em receptores HIV-positivos. Metodologia Estudo de revisão bibliográfica em busca dos argumentos teóricos para as diversas posições relativas à temática nas áreas da Saúde, do Direito e da Bioética, paralelamente à análise da legislação (documentos internacionais, diretrizes técnicas e (bio)éticas, Lei de Transplantes, Constituição Federal, Códigos Civil e Penal) e da literatura referente à situação de confidencialidade das informações, nos casos de transplantes intervivos, em receptores HIV positivos. Resultados parciais e Discussão A perspectiva dos direitos humanos tem oferecido, no caso da AIDS, uma referência clara para compreender situações de vulnerabilidade socialmente configuradas e identificar os meios para ajudar a superar a questão (AYRES et al., 2003). Este conjunto de conceitos e princípios universalmente reconhecidos como protetores da dignidade humana ao mesmo tempo em que promovem a justiça, a eqüidade, a liberdade e a vida (UNESCO, 2002), torna mais visíveis as diferentes dimensões que fundamentam concretamente os ideais de bem-estar social, moral, mental e físico, aos quais cada indivíduo ou grupo populacional deve ter acesso. No caso dos transplantes de órgãos, o Brasil possui uma legislação específica: a Lei n.º 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (regulamentada pela lei nº 10.211, de 23 de março de 2001), que, em seu capítulo III, art. 9º, permite à pessoa juridicamente capaz dispor gratuitamente de tecidos, órgãos e partes do próprio corpo vivo, para fins terapêuticos ou para transplantes em cônjuge ou parentes consangüíneos até o quarto grau, inclusive, ou em qualquer outra pessoa, mediante autorização judicial, dispensada esta em relação à medula óssea. A referida Lei também exige que a autorização para a realização destes transplantes ou enxertos seja precedida da realização, no doador, de todos os testes para diagnóstico de infecções e afecções, principalmente em relação ao sangue, e que as equipes de transplantes só poderão X Salão de Iniciação Científica – PUCRS, 2009 2719 realizá-los se os exames previstos apresentarem resultados que afastem qualquer prognóstico de doença incurável ou letal para o receptor. Mas, não há na lei qualquer restrição quanto às condições do receptor em relação a diagnósticos deste tipo, portanto não exclui os receptores HIV-positivos. O documento, no entanto, não menciona qualquer diretriz quanto à confidencialidade destas informações. Conclusão Na revisão de outros documentos, ao longo da pesquisa, espera-se poder sistematizar as divergências existentes no tratamento da confidencialidade nestes casos para, a partir delas, propor fundamentos teóricos a serem considerados quando da interpretação das leis vigentes e diretrizes médico-deontológicas e na resolução de casos concretos com o objetivo de contemplar o dispositivo constitucional de respeito à dignidade da pessoa humana. Referências ABBOTT KC, SWANSON SJ, AGADOA LY. HIV infection and kidney transplantation in the era of highly active antiretroviral therapy and modern immunosupression. J Am Soc Nephrol 2004; 15: 1633–1639. AYRES JRCM; FRANÇA JR I; CALAZANS GJ. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: CZERESNIA D, FREITAS CM. (org.) Promoção da saúde: conceitos, reflexões, tendências. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003. p. 117-39. BRASIL. Lei 9.434, de 4 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a Remoção de Órgãos, Tecidos e Partes do Corpo Humano para fins de Transplante e Tratamento. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id= 145597. Acesso em: 2 dez. 2008. EBPG (EUROPEAN EXPERT GROUP ON RENAL TRANSPLANTATION). Evaluation, selection and preparation of the potential transplant recipient. Nephrol Dial Transplant 2000; 15(Suppl. 7): 3–38. GRACIA D. La confidencialidad de los datos genéticos. In: GRACIA D. Ética y vida: ética de los confines de la vida. Santa Fé de Bogotá: Buho; 1998. p.137-50. MORCROFT A, BRETTLE R, KIRK O et al. Changes in the cause of death among HIV positive subjects across Europe: results from the EuroSIDA study. AIDS 2002; 16: 1663–1671. PALELLA FJ JR, DELANEY KM, MARMAN AC et al. Declining morbidity among patients with advanced HIV infection. HIV Outpatient Study Investigators. N Engl J Med 1998; 337: 725–733. ROLAND ME, ADEY D, CARLSON LL. 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