Arq Bras Cardiol 2001; 76: 221-5. e cols Artigo Park Original Oxigenioterapia no tratamento do edema agudo de pulmão Oxigenioterapia, Pressão Positiva Contínua em Vias Aéreas ou Ventilação não Invasiva em Dois Níveis de Pressão no Tratamento do Edema Agudo de Pulmão Cardiogênico Marcelo Park, Geraldo Lorenzi-Filho, Maria Inês Feltrim, Paulo Ricardo Nazário Viecili, Márcia Cristina Sangean, Márcia Volpe, Paulo Ferreira Leite, Alfredo José Mansur São Paulo, SP Objetivo – Comparar os efeitos de três formas de suporte respiratório não invasivo no tratamento de edema agudo de pulmão: oxigenioterapia (O2), pressão positiva contínua e ventilação em dois níveis de pressão. Métodos – Analisamos prospectivamente 26 pacientes com edema agudo de pulmão. randomizados em um dos três modos de suporte respiratório. A idade foi de 69±7 anos, 10 pacientes foram tratados com oxigênio, 9 com pressão positiva contínua e 7 com ventilação não invasiva em dois níveis. Todos receberam terapia medicamentosa conforme o protocolo do Advanced Cardiac Life Support. O objetivo primário foi a necessidade de intubação orotraqueal. Foram também avaliados: freqüência cardíaca e respiratória, pressão arterial, PaO2, PaCO2 e pH inicial e aos 10 e 60min após o início do protocolo. Resultados – Aos 10min, os pacientes do grupo ventilação em dois níveis de pressão apresentaram a PaO2 maior e a freqüência respiratória menor, enquanto o grupo O2 apresentou a PaCO2 maior e o pH menor (p<0,05). Foram intubados 4 pacientes no grupo oxigênio, 3 do grupo pressão positiva contínua e nenhum do grupo ventilação em dois níveis de pressão (p< 0,05). Conclusão – A ventilação não invasiva em dois níveis de pressão foi eficaz no tratamento de edema agudo de pulmão cardiogênico, acelerou a recuperação dos dados vitais e gasométricos e evitou intubações. Palavras-chave: edema agudo de pulmão, ventilação não invasiva, insuficiência respiratória Instituto do Coração do Hospital das Clínicas - FMUSP Correspondência: Marcelo Park – Estrada de Itapecerica, 1187/52 – Bl. 1 – 05835-002 – São Paulo, SP – E-mail: [email protected] Recebido para publicação em 3/1/00 Aceito em 19/7/2000 Aplicação de pressão positiva por máscara tem sido sugerida como uma modalidade terapêutica efetiva no tratamento de edema agudo de pulmão cardiogênico, que deve ser associada ao tratamento medicamentoso convencional, por proporcionar uma recuperação mais rápida dos dados vitais e gasométricos, quando comparada ao tratamento convencional com oxigênio administrado por máscara 1,2. Alguns trabalhos também mostraram uma redução da necessidade de intubação traqueal e ventilação mecânica 1,3-5. São múltiplos os mecanismos envolvidos na melhora do desconforto respiratório dos pacientes com edema agudo de pulmão pelo uso de pressão positiva, como a melhora da hipoxemia, a redução da pré-carga e da pós-carga do ventrículo esquerdo e aumento da complacência pulmonar devido ao recrutamento das unidades alveolares previamente colabadas 6-10. Existem duas formas de se aplicar pressão positiva respiratória de forma não invasiva: por meio de máscara com pressão positiva contínua em vias aéreas ou pela ventilação em dois níveis de pressão. No caso da pressão positiva contínua em vias aéreas, o valor de pressão pré-determinado permanece constante durante todo o ciclo respiratório e o trabalho respiratório é inteiramente realizado pelo paciente. Durante a ventilação com dois níveis de pressão, a pressão é maior durante a inspiração e diminui para um nível mais baixo durante a expiração. Trata-se, portanto, de uma modalidade que assiste a inspiração e, com isso, reduz o trabalho respiratório do paciente de forma direta. Embora haja evidências na literatura sobre as vantagens do uso de máscara com pressão positiva nas vias aéreas para o tratamento de pacientes com edema agudo de pulmão cardiogênico, há dúvidas quanto à melhor modalidade ventilatória, pois a maioria dos trabalhos se limitou a estudar os efeitos da utilização desse método 11-13. A cardiopatia isquêmica aguda é a maior causa de dúvidas na indicação do suporte ventilatório não invasivo. Há evidências de que a ventilação não invasiva possa ser deletéria nesse Arq Bras Cardiol, volume 76 (nº 3), 221-5, 2001 221 Park e cols Oxigenioterapia no tratamento do edema agudo de pulmão caso 14-18. Entretanto a cardiopatia isquêmica é isoladamente um determinante de má evolução, e quando apresenta-se com edema pulmonar tem uma morbi-mortalidade mais elevada. Portanto não há nenhuma definição absoluta quanto ao emprego da ventilação não invasiva na cardiopatia isquêmica aguda. Os pacientes com edema agudo pulmonar apresentam trabalho respiratório aumentado. Formulamos a hipótese de que a ventilação com dois níveis de pressão é uma modalidade superior à pressão positiva contínua em vias aéreas, pois alia os efeitos benéficos da pressão positiva expiratória à diminuição do trabalho respiratório proporcionada pela assistência inspiratória. Neste trabalho, comparamos de forma prospectiva a necessidade de intubação orotraqueal e observamos a resposta clínica dos pacientes com edema agudo de pulmão, que foram randomizados em uma das três formas distintas de suporte respiratório: oxigenioterapia, pressão positiva contínua em vias aéreas ou suporte respiratório utilizando dois níveis de pressão. Todas as formas de tratamento foram administradas de forma não invasiva, com utilização de máscara facial. O tratamento medicamentoso foi padronizado nos três grupos conforme protocolo preconizado pelo Advanced Cardiac Life Support 12. Métodos Foram estudados 26 pacientes, 16 mulheres e 10 homens, com idades entre 51 e 87 anos (média de 69±7) atendidos no serviço de emergência com insuficiência respiratória grave por edema agudo de pulmão cardiogênico, randomizados consecutivamente no período entre maio e outubro de 1997. Desses pacientes, 10 foram tratados com oxigenioterapia, nove com pressão positiva contínua e sete com ventilação em dois níveis pressóricos. Os critérios de inclusão foram: dispnéia de início ou piora aguda, freqüência respiratória ≥25 inspirações por minuto e semiologia pulmonar compatível com congestão pulmonar com posterior confirmação radiográfica. Foram excluídos os pacientes com: pressão arterial sistólica <90mmHg, arritmias cardíacas com necessidade de cardioversão elétrica, rebaixamento do nível de consciência, bradipnéia, falta de colaboração ou agitação, vômitos repetidos apesar do uso de antiemético, hemorragia digestiva alta, deformidades faciais ou qualquer outra doença respiratória descompensada. Após consentimento dado pelo paciente ou responsável, era feita a randomização para um dos modos de ventilação. Os pacientes eram colocados em posição sentada e monitorizados com eletrocardiograma contínuo, pressão arterial não invasiva e oximetria de pulso com monitor 56S Hewlett Packard ™; se o paciente apresentasse pressão arterial sistólica ≥100mmHg era administrado dinitrato de isossorbida 5mg sublingual. Foi puncionado um acesso venoso em membro superior com cateter flexível. Simultaneamente foram registrados os dados vitais, como freqüência cardíaca e respiratória, pressão arterial, saturação de oxigênio não invasiva e gasometria arterial colhida em ar ambiente. Após a coleta desses dados, o modo ventilatório randomizado era aplicado. 222 Arq Bras Cardiol 2001; 76: 221-5. Os dados vitais e a gasometria arterial foram novamente colhidos com 10 e 60min após a randomização. A terapia medicamentosa apresentou a mesma orientação independente do grupo. O critério para intubação era clínico, não sendo determinado por nenhum membro participante do protocolo, mas pelo médico plantonista responsável pelo paciente. Os pacientes foram randomizados em três grupos distintos que receberam diferentes formas de suporte respiratório: 1) grupo oxigênio (grupo I) – oxigênio oferecido via máscara facial semi-rígida aberta oxigel™, com fluxo contínuo de 15L/min; 2) grupo pressão positiva contínua em vias aéreas (grupo II) - foi usada máscara facial fechada com alto fluxo contínuo de ar comprimido fornecido por gerador de fluxo do tipo Venturi alimentado em paralelo e proximal ao circuito com 15L/min de O2 umidificado, e na sua saída instalada uma válvula de pressão positiva contínua em vias aéreas regulável com mola (Vital Signs™), inicialmente com 5cmH2O, sendo gradualmente elevado em 2,5cmH2O a cada 5min, até um máximo limitado em 12,5cmH2O se a saturação de O2 fosse menor do que 90% ou se fosse observada a presença de broncoespasmo; 3) grupo ventilação em dois níveis de pressão (grupo III) - aplicado por máscara nasal com sistema BiPAP ST/D 30® Respironics™ em modalidade espontânea com pressão expiratória de 3cmH2O e pressão inspiratória de 8cmH2O alimentado com O2 oxigênio umidificado a 15L/ min paralelamente e proximal ao circuito. Se o paciente persistisse com desconforto respiratório, a pressão inspiratória era elevada em 2cmH2O a cada 5min; e, se a saturação de O 2 fosse <90% ou se houvesse broncoespasmo as pressões inspiratória e expiratória eram elevadas da mesma forma em 2cmH2O, mantendo-se a diferença entre essas pressões sempre constante, até a melhora da saturação (maior ou igual a 90 %) ou do broncoespasmo. Todas as modalidades de assistência ventilatória seguiram um padrão pré-estabelecido, variando conforme as necessidades de cada paciente. As reduzidas pressões utilizadas, foram baseadas em descrições prévias de sucesso em casos de insuficiência respiratória grave, por edema agudo de pulmão 19 e no interesse dos pesquisadores de conhecer melhor os efeitos clínicos, de pressões baixas nessas circunstâncias. O fluxo de oxigênio foi mantido constante nos três grupos em 15L/min nos 10 primeiros minutos. No momento em que os pacientes mantivessem a saturação de O2 acima de 90% e padrão respiratório confortável, com freqüência respiratória menor do que 30 respirações, iniciávamos um processo de retirada da assistência ventilatória de forma lenta e gradual a cada 10–20min. Inicialmente, reduzíamos fluxo de oxigênio em 2L/min a cada passo até um valor mínimo de 5L/min. Na modalidade de máscara com pressão positiva contínua, as pressões foram reduzidas a cada 2,5cmH2O até um valor mínimo de 5cmH2O. Na modalidade de ventilação com dois níveis de pressão, iniciávamos a redução da pressão inspiratória a cada 2cmH2O até que a diferença entre a pressão inspiratória e a Tabela I - Distribuição de pacientes segundo o modo ventilatório, tempo de uso das máscaras e etiologias do edema agudo de pulmão Grupo N Oxigênio Pressão contínua 10 9 Tempo de uso de * 170 ± 90’ Etiologia 2 Infartos agudos 1 Infarto agudo do miocárdio do miocárdio 5 Emergências 5 Emergências hipertensivas hipertensivas 1 Cardiopatia 2 Cardiopatias isquêmica aguda isquêmicas agudas 1 Indeterminado 1 Endocardite bacteriana * Não medido. Dois níveis de pressão 7 155 ± 38‘ 1 Infarto agudo do miocárdio 4 Emergências hipertensivas 2 Cardiopatias isquêmicas agudas O2 (m/h) C O2 (m/h) Dez pacientes (cinco mulheres e cinco homens) foram randomizados para o uso de máscara de oxigênio, nove (seis mulheres e três homens), para o uso de máscara com pressão positiva contínua e sete pacientes (cinco mulheres e dois homens), para o uso de ventilação em dois níveis de pressão. As etiologias do edema agudo de pulmão nos três grupos são apresentadas na tabela I. O tempo de uso dos modos com suporte respiratório não diferiu significantemente, entre os pacientes não intubados, e o grupo oxigênio não teve o seu tempo de uso mensurado. A freqüência respiratória (respirações por minuto) no momento da randomização foi de 32±11 para o grupo I, 50±10 para o grupo II e 42±6 para o grupo III. Aos 10min, foi de 39±2 para o grupo I, 34±5 para o grupo II e 28±6 para o grupo III e aos 60min, foi 30±6 para o grupo I, 25±5 para o grupo II e 23±4 para o grupo III. A diferença entre o grupo III em relação aos outros dois grupos aos 10 minutos foi significante (fig. 1). A freqüência cardíaca (bpm) na entrada foi 120±36 para o grupo I, 101±13 para o grupo II e 75±15 para o grupo III. Aos 10min, foi 112±19 para o grupo I, 118±22 para o grupo II e 106±29 para o grupo III e aos 60min foi 100±15 para o grupo I, 89±16 para o grupo II e 84±16 para o grupo III. A diferença não foi significante. Pressão parcial Resultados Freqüência pressão expiratória fosse 5cmH2O. A seguir, tanto a pressão inspiratória quanto a pressão expiratória foram reduzidas simultaneamente em 2cmH2O até atingir os valores iniciais de 8cmH2O e 3cmH2O, respectivamente. Uma vez atingidos os valores mínimos de pressão positiva contínua ou de pressão inspiratória e expiratória, a máscara era retirada e oferecido suporte de oxigênio por meio de um cateter. Comparamos a necessidade de intubação traqueal entre os grupos e também os dados vitais e gasométricos em três momentos (momento da randomização e após 10 e 60min do início do protocolo). Foi utilizada a análise de variância com dois fatores: tratamento e tempo e o teste de Friedman adotando nível de significância de 0,05. Pressão parcial Park e cols Oxigenioterapia no tratamento do edema agudo de pulmão respiratória Arq Bras Cardiol 2001; 76: 221-5. Tempo (min) Fig. 1 - A pressão parcial de oxigênio foi superior e a freqüência respiratória foi menor no grupo dois níveis de pressão em relação aos demais grupos aos 10min. Nesse momento o grupo tratado com oxigenioterapia teve maior valor de PaCO2 em relação aos outros grupos.(p<0,05). A pressão arterial sistólica (mmHg) na entrada foi 173±48 para o grupo I, 169±40 para o grupo II e 139±44 para o grupo III. Aos 10min, foi 163±35 para o grupo I, 149±30 para o grupo II e 139±30 para o grupo III e aos 60min, foi de 123±27 para o grupo I, 122±8 para o grupo II e 124±17 para o grupo III. A diferença não foi significante. A pressão arterial diastólica (mmHg) na entrada foi 102±23 para o grupo I, 100±36 para o grupo II e 114±23 para o grupo III. Aos 10min, foi 94±16 para o grupo I, 95±25 para o grupo II e 91±25 para o grupo III e aos 60min foi 82±8 para o grupo I, 70±9 para o grupo II e 82±17 para o grupo III. Houve diferença aos 60 minutos, onde o grupo pressão positiva contínua foi significantemente menor em relação aos outros dois grupos. O que provavelmente ocorreu devido ao acaso ressaltado pela pequena amostragem. A pressão parcial de oxigênio (mmHg) na entrada foi 46±11 para o grupo I, 47±12 para o grupo II e 53±9 para o grupo III. Aos 10min, foi de 80±29 para o grupo I, 89±29 para o grupo II e 138±43 para o grupo III e aos 60min foi de 95±24 para o grupo I, 77±17 para o grupo II e 121±37 para o grupo III. A diferença foi estatisticamente significante aos 10 minutos, quando a pressão parcial de oxigênio do grupo III foi maior do que nos outros dois grupos, que não diferiram entre si (fig. 1). A pressão parcial de dióxido de carbono (mmHg) na entrada foi 39±7 para o grupo I, 41±11 para o grupo II e 39±15 para o grupo III. Aos 10min, foi 47±11 para o grupo I, 34±4 para o grupo II e 35±6 para o grupo III. Aos 60min, foi 41±8 no grupo I, 36±2 no grupo II e 34±6 no grupo III. Aos 10min, o grupo I foi significantemente superior aos grupos II e III (fig. 1). O pH na entrada foi 7,33±0,05 para o grupo I, 7,30±0,1 223 Park e cols Oxigenioterapia no tratamento do edema agudo de pulmão para o grupo II e 7,35±0,12 para o grupo III. Aos 10min, foi 7,23±0,08 para o grupo I, 7,38±0,05 para o grupo II e 7,36±0,07 para o grupo III. Aos 60min, foi 7,35±0,04 no grupo I, 7,41±0,02 no grupo II e 7,38±0,06 no grupo III. Aos 10min houve uma acidose no grupo I, o que não ocorreu nos demais grupos. Sendo esse fato associado ao PaCO2 também aumentado no grupo I aos 10min, chega-se à conclusão sobre a origem dessa alteração ser predominantemente respiratória. Em relação à necessidade de intubação traqueal e óbitos, foram intubados quatro pacientes no grupo oxigênio, três no grupo pressão positiva contínua e nenhum no grupo de ventilação não invasiva em dois níveis de pressão. Houve um óbito no grupo pressão positiva contínua ocorrido três dias após o evento agudo, e devido a um novo infarto agudo do miocárdio. Discussão Os nossos resultados indicam que os pacientes com edema agudo pulmonar de origem cardiogênica se beneficiaram da ventilação não invasiva com dois níveis de pressão. Esse benefício foi constatado não somente pela avaliação dos dados analisados como também pela boa aceitação e colaboração dos pacientes, além do relato de melhora da dispnéia. Embora o uso de pressão positiva contínua também tenha apresentado boa aceitação por parte dos pacientes, esta não foi tão imediata quanto para os pacientes tratados com ventilação não invasiva com dois níveis de pressão. Mesmo que os pacientes tenham recebido tratamento médico padronizado nos três grupos, somente os pacientes randomizados para a modalidade de ventilação com dois níveis de pressão tiveram uma menor necessidade de intubação traqueal quando comparado com os demais grupos. Além disso, os pacientes submetidos à ventilação com dois níveis de pressão melhoraram mais rapidamente a freqüência respiratória, a PaO2, a PaCO2 e o pH. Já os pacientes tratados com pressão positiva contínua em vias aéreas apresentaram um comportamento intermediário entre os três grupos, pois tiveram melhora mais rápida dos sinais vitais e gasometria arterial, apenas quando comparados com o grupo oxigênio. Os nossos resultados são consistentes com a nossa hipótese inicial. A modalidade de ventilação com dois níveis de pressão alia os efeitos benéficos da pressão positiva intratorácica (oferecido pela modalidade pressão positiva contínua em vias aéreas) à assistência ventilatória proporcionada pela pressão inspiratória adicional. Em nosso trabalho, utilizamos valores de pressões relativamente mais baixas (pressão positiva contínua média de 7,5cmH2O, pressão positiva expiratória média de 4cmH2O com pressão inspiratória média de 12 cmH2O). A nossa idéia foi a de avaliar se as pressões mais baixas teriam um efeito menor na pré-carga podendo, teoricamente, colocar o paciente em menor risco de hipotensão. A maioria dos trabalhos disponíveis na literatura utilizou valores de 10cmH2O de pressão positiva contínua em vias aéreas 1,7. Os níveis 224 Arq Bras Cardiol 2001; 76: 221-5. ideais de pressão positiva contínua a serem utilizados no tratamento de edema agudo de pulmão não estão estabelecidos. Um trabalho recente sugere que uma pressão expiratória final de 10cmH2O, em doentes gravemente enfermos com disfunção ventricular importante, melhora o trabalho do coração sem prejudicar o índice cardíaco 7. Esse nível de pressão determina menor pressão transmural na parede ventricular associado ao recrutamento eficiente das unidades alveolares colabadas. O recrutamento dessas unidades alveolares melhora o shunt pulmonar, reduz a hipoxemia, aumenta a capacidade residual funcional e a complacência pulmonar. Além disso, o uso da pressão positiva acarreta aumento no calibre das pequenas vias aéreas, levando à diminuição da sua resistência 9,11,12. Todos esses efeitos tem como resultado final a redução do trabalho ventilatório e cardíaco nesta fase, onde o estresse respiratório pode levar a fadiga muscular e morte por hipoventilação relativa 13. Porém, esses efeitos benéficos da pressão positiva nas vias aéreas podem ser anulados pela ação deletéria sobre a pré-carga do coração, podendo gerar hipotensão. Os pacientes do nosso estudo, que foram tratados com pressão positiva contínua em vias aéreas, tiveram um número de intubações semelhante ao grupo oxigênio. Este fato pode ser explicado porque há um número de pacientes relativamente pequeno e, além disso, nós usamos valores baixos de pressão positiva. A ventilação em dois níveis de pressão como modalidade de tratamento do edema agudo de pulmão foi pouco estudada. Existe um único trabalho na literatura que comparou, de forma prospectiva e randomizada, os efeitos da pressão positiva contínua em vias aéreas com a ventilação por dois níveis de pressão no tratamento do edema agudo de pulmão 14. Esse trabalho mostrou que os pacientes tratados pelo modo de ventilação com dois níveis de pressão apresentaram melhora mais acentuada em relação ao grupo tratado com pressão positiva contínua em vias aéreas. Infelizmente, o trabalho foi interrompido em função de um resultado inesperado, onde o grupo tratado com ventilação em dois níveis de pressão teve um número significativamente maior de pacientes com quadro de infarto agudo do miocárdio. Os motivos desse resultado, que levou a interrupção precoce do trabalho, são desconhecidos. Uma hipótese levantada pelos autores é a de que o grupo tratado com ventilação em dois níveis de pressão apresentou queda significativa da pressão arterial. Os autores especulam que talvez tenham usado pressões muito altas nas vias aéreas (pressão inspiratória de 15cmH2O e expiratória de 5cmH2O) e que essas teriam acarretado redução importante da pré-carga cardíaca, hipotensão arterial e conseqüente piora da isquemia cardíaca. Em nosso trabalho, utilizamos pressão inspiratória de 8cmH2O e expiratória de 3cmH2O, ou seja, pressões médias equivalentes às do grupo tratado com pressão positiva contínua em vias aéreas. Concluímos que a assistência ventilatória com uso de pressão positiva é uma modalidade não medicamentosa coadjuvante no tratamento do edema agudo de pulmão grave, determinando a melhora clínica e gasométrica mais Arq Bras Cardiol 2001; 76: 221-5. Park e cols Oxigenioterapia no tratamento do edema agudo de pulmão rápida dos pacientes, podendo evitar a intubação orotraqueal. Os resultados de nosso trabalho devem ser interpretados cuidadosamente, de acordo com os níveis de pressão utilizados, respeitando as variações que as diversas etiologias do edema agudo de pulmão podem apresentar, acrescido pela nossa pequena casuística. A pesquisa sobre os modos de assistências ventilatórias com uso de pressão não invasiva e sua metodologia deve continuar com casuísticas maiores e pressões mais altas, a fim de elucidar, nos serviços de emergência, de forma mais clara, seus potenciais benefícios no tratamento de pacientes em edema agudo de pulmão cardiogênico. Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Bersten AD, Holt AW, Vedig AE, Skowronski GA, Baggoley CJ. Treatment of severe pulmonary edema with continuous positive airway pressure delivered by face mask. N Engl J Med 1991; 325: 1825-30. Sachetti AD, Harris RH, Paston C. Bi – level positive airway pressure support system use in acute congestive failure: Preliminary case series. Acad Emerg Med 1995 ; 2: 714-8. Lin M, Chiang HT. The efficacy of early continuous airway pressure therapy in patients with acute cardiogenic pulmonary edema. J Formosan Med Assoc 1991; 90: 736-43. Lin M, Yang YF, Chiang HT, Chang MS, Chiang BN, Cheitlin MD. Reapraisal of continuous positive airway pressure therapy in acute cardiogenic pulmonary edema – Short term results and long term follow – up. Chest 1995; 107: 1379-86. Pang D, Kenan SP, Cook DJ, Sibbald WJ. The effect of positive airway support on mortality and the need of intubation in cardiogenic pulmonary edema – a systematic review. Chest 1998; 114: 1185-91. Buda A, Pinsky MR, Ingels NB, Daughters GT, Stinson EB, Alderman EL. Effect of intrathoracic pressure on left ventricular performance. N Eng J Med 1979; 301: 453-9. Lenique F, Habis M, Lofaso F, Dubois-Randé JL, Harf A, Brochard L. Ventilatory and hemodynamic effects of continuous positive airway pressure in left heart failure. Am J Resp Crit Care Med 1997; 155: 500-5. Montner PK, Greene ER, Murata GH, Stark DM, Timms M, Chick TW. Hemodynamic effects of nasal and face mask continuous positive airway pressure. Am J Respir Crit Care Med 1994; 149: 1614-8. Sharp JT, Grifffith GT, Bunnell IL, Greene DG. Ventilatory mechanics in pulmonary edema in man. J Clin Invest 1958; 37: 111-7. 10. Advanced Cardiac Life Support. 2th ed. Dallas. American Heart Association. Hypotension/Shock/Pulmonary Edema 1997; 1.40 - 1.47. 11. Jones JG, Lemen R, Graf PD. Changes in airway calibre following pulmonary venous congestion. Br J Anaesth 1978; 50: 743-51. 12. Blomqvist H, Wickerts CJ, Berg B, Frostell C, Jolin A, Hedenstierna G. Does PEEP facilitate the resolution of extravascular lung water after experimental hydrostatic pulmonary edema? Eur Resp J 1991; 4: 1053-59. 13. Aubier M, Trippenbach T, Roussos C. Respiratory muscle fadigue during cardiogenic shock. J Appl Physiol 1981; 51: 499-508. 14. Mehta S, Jay GD, Woolard RH, Hipona RA, Conolly EM, Cimini DM, Drinkwine JH, Hill NS. Randomized, prospective trial of bilevel versus continuous positive airway pressure in acute pulmonary edema. Crit Care Med 1997; 25: 620-8. 15. Barbas CSV, Bueno MAS, Amato MBP, Hoelz C, Rodrigues-Junior M. Interação cadiopulmonar durante a ventilação mecânica. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1998; 3: 28-41. 16. Rasanen J, Heikkila J, Downs J, Nikki P, Vaissanen I, Viitanen A. Continuous positive airway pressure by face mask in acute cardiogenic pulmonary edema. Am J Cardiol 1985; 55: 296-300. 17. Philip–Joet FF, Paganelli FF, Dutau HL, Saadjian AY. Hemodynamic effects of bilevel nasal positive airway pressure ventilation in patients with heart failure. Respiration 1999; 66: 136-43. 18. Hoffmann B, Welte T. The use of noninvasive pressure support ventilation for severe respiratory insufficiency due to pulmonary oedema. Intensive Care Medicine 1999; 25: 15-20. 19. Newberry DL, Noblett KE, et al. Noninvasive bilevel positive pressure ventilation in severe acute pulmonary edema. Am J Emerg Med 1995; 13: 479-82. 225