O DRAMA DA RELIGIÃO MARCO BUZETTO Em uma pesquisa rápida de rua, certamente se encontrará grande quantidade de cristãos, divididos em católicos e protestantes, entre outros subgêneros, assim como outros segmentos como judeus, espíritas, religiões africanas variadas, entre outras, mas que, mesmo possuindo suas divergências quanto à forma de crença, todos crêem em um ser divino regulamentador da existência humana e de todo o restante do universo. Podem chamar de deus (já tradicionalmente definido e enraizado), ou então de energia (que possui sua consciência própria – certamente não o Bóson de Higgs). Uma das reações mais interessantes, por exemplo, quando se pergunta qual a religião de uma pessoa, e essa responde ser a católica, em seguida a mesma isola totalmente a significância de outras religiões como opções de livre escolha. Esta pessoa vê todas como não reais, mas, não consegue compreender ou observar que sua própria religião não passa também de um folclore, assim como quaisquer outras. É compreensível, tendo em vista a existência tradicionalista da maioria dos indivíduos ditos religiosos: criados sob dogmas, pecados, esperanças divinas, medo constante... Mas, principalmente, o desprezo da experimentação do desconhecido, aprendendo a desfavorecer totalmente aquilo que diverge de sua opção (preconceito enraizado em forma de filosofia religiosa). Se compreende outras filosofias como erradas, mas não como opções plausíveis. Toda religião, com suas formas, tradições, crenças, ensinamentos lúdicos, históricos filosóficos, sermões, exemplos bíblicos e/ou baseados em textos proféticos e exemplos de um passado repleto de fantasia, etc., não passa de folclore. Seja esta religião estabelecida pelo senso comum ou não. Quando comparamos nossa religiosidade, por exemplo, com conceitos de religiões indígenas, pagãs e afins, vemos esta crença como parte de um conto populesco transmitido entre os anos comparados às fábulas e contações de histórias. Mas quando voltamos esta mesma norma comparativa para a religião católica, ou mais próxima do ano zero até nossos dias, julgamos a existência de deus que “conhecemos” hoje como sendo totalmente real. Enxergar e compreender que Cristo Jesus também não passa de um folclore, assim como a Mula-sem-cabeça, Saci Pererê, fadas, duendes, entre outras histórias para ninar, é tornar mais viva a crença nas capacidades humanas. Afinal, o ser humano criou deus para explicar as coisas sobre as quais não possuía conhecimento. A partir do momento que compreendemos por meio de análise e reflexão que o que faz fogo em uma árvore em uma noite de tempestade é um raio, e não a fúria do céu/deus, então podemos dar mais um passo adiante. Uma forma interessante da crença na existência divina é o acúmulo de idade. Uma pessoa com 40 anos acredita muito mais em deus que uma de 30 ou 20 anos. Assim como uma pessoa de 60 anos acredita ainda mais. Talvez isso aconteça, não pela experiência de vida do passar dos anos, mas sim, pela proximidade que temos cada dia mais com o fator morte. Saber que as horas estão passando, e não comemoramos mais um aniversário como mais um dia vivo, e sim como menos um dia, nos leva a refletir com maior temor à existência de um deus que pode negar ou nos aceitar no paradisíaco reino dos céus. Por isso também as pessoas de meia idade tendem a falar mais sobre deus, semideus filho, santos, fé, pecados, penitências, morais, entre outras formas alegóricas e filosóficas de conduzir a vida rumo à felicidade eterna. Em resumo, estas manifestações religiosas cada vez mais acentuadas na medida em que os anos se acumulam, não passam de tentativas desesperadas de não sermos punidos pelo divino, uma forma de se estar mais próximo do todo poderoso. Talvez isso aconteça porque um jovem na casa dos vinte anos de idade não esteja tão preocupado com a existência pós-morte, e sim suas conquistas em vida, por mais fúteis que pareçam. Está em busca de novas inspirações, estudos, uma carreira profissional satisfatória, lazer, sexo, amizades, entre outras coisas que, para o momento, tomam todo seu tempo. E todos sabem, por experiência própria, que ninguém realmente se importa muito com a religião quando ainda se é jovem (salvos os casos que a pessoa possui inclinação à religião). Quando se é criança, pela posição tradicionalista e cultural da família, é imposto ao indivíduo que ele acredite em deus e suas representações, e frequente a igreja, ou terrenos, ou centros espíritas e afins. Isso persiste até meados da adolescência, quando começa a criar em si uma identidade própria. Suas atividades diárias aumentam, começam aparecer mais e diversificadas amizades, namoros, compromissos aos fins de semana, estudos noturnos, etc., e pronto: o tempo para acreditar em divindades diminui. O indivíduo até tenta manter sua posição social em uma crença religiosa, mas está estagnado; não existe atividade religiosa, apenas uma crença superficial ainda baseada no temor da dúvida e uma fé que desperta em ocasiões extremamente necessárias. Este, então, não pode se dizer uma pessoa religiosa. É apenas mais um misturado à massa condicionada a acreditar em algo, sem mesmo saber o porque. Todos podem ser condicionados desde criança a acreditar em qualquer coisa, seja ela boa ou não, relevante ou não. Aprender a acreditar em uma religião como forma única da existência humana da felicidade, da busca pela paz, da resolução espiritual de angústias e problemas, é negar toda a existência de outras formas de cultura, principalmente a cultura da crença no próprio ser humano e suas capacidades. Para que, hoje em dia, acreditar no folclore da existência divina? Qual a real necessidade? A maioria das pessoas ditas religiosas não faz idéia do motivo que as mantêm tementes aos dogmas religiosos. Faça o teste. Pergunte a qualquer um “porque acredita em deus”?, e terá algumas repostas vazias, outras alienadas, outras baseadas em respostas ainda mais aprofundadas na religião, que não explicará nada do que se perguntou. Responder a uma pergunta tão curta e ao mesmo tempo tão complexa como esta, significar que se realizou, ao menos uma vez na vida, uma reflexão pessoal e cultural sobre o tema. Esta reflexão, porém, não é feita aos olhos da imparcialidade. Não é uma questão de se provar a existência divina, ou provar que alguns estão certos enquanto outros estão errados. No entanto, pelo o que parece, religiosos possuem receio ao responder ou debater sobre questionar a existência divina. Talvez este receio seja por se obter uma resposta não satisfatória, e perceber que em essência não faz sentido acreditar no folclore moral religioso. Medo da decepção. E uma decepção generalizada quanto esta, da não-existência divina, faz com que se caia em um vazio eminente na vida. O que fazer depois? Então, não existe paraíso, não existe inferno, pecado, punição? Não serei barrado no céu, pois este também não existe, tampouco quem para me barrar? Anos em vão? Sim, medo da decepção. É melhor, então, seguir acreditando, e preencher a vida com o vazio. Pois a dúvida também é um vazio que precisa ser preenchido. Mas, quero fazer um parêntese: não estou dizendo que devamos acreditar na ciência apenas. Estou contestando o ato de perguntar a si mesmo se existe a necessidade da crença religiosa. Não que A está correto e B, errado. Por isso, indago também: é necessário acreditar fanaticamente também na ciência? Pois, este jogo parece uma busca infinita por respostas em uma bipolaridade incompleta. Tanto um quanto o outro respondem questões sob a sombra de suas próprias teorias. Mas, é necessário existir o acreditar? Certo, na ciência não se acredita, pois ela é um fato comprovado, independentemente de sabermos ou não de suas teorias. Mas, e daí? Não podemos apenas existir por nós mesmos, sem lutar constantemente em relação ao maniqueísmo do acreditar em algo? Não é possível apenas dizer “tudo bem, tanto faz; sigo minha vida!”? Talvez esta seja a resposta de um ateu. O ateu não está efetivamente preocupado em explicar ou duvidar algo sobre a religião. Sua vida é independente deste fator. Não está preocupado com o reino do céu, ou a culpa ou a moral condicionadora. Não se prende a conceitos abstratos sobre sua existência. Talvez seja este um bom princípio de liberdade: ter algo como irrelevante em nossa vida, e apenas a vida em si como relevante. O interessante é que a religião prega a morte, não à vida. Prega o fim da existência, não a permanência. Estamos vivos apenas para vivermos novamente após a morte. A vida terrena, então, é apenas um estágio, uma prova a ser cumprida; prova de capacidades, de merecimento. Isso nos leva novamente ao início: quanto mais velho o indivíduo, e mais próximo e consciente de sua morte, mais se apega às questões religiosas. Prega a bondade como forma de ingresso no paraíso, e a maldade como imperativo que afasta o ser humano da presença divina. A manipulação alienadora para a crença no além é grande, fazendo com que este seja o foco inicial e final na vida do religioso. Deus não está próximo do religioso em suas preces, em suas rezas e pedidos. Pelo contrário, está cada oração mais distante. Pois, quando se rogam a deus, existem na tradição posições que afirmam o ser humano menosprezado, na terra, como um eterno aprendiz, e deus em sua totalidade em um reino eternamente inalcançado. A figura divina sempre em um estágio muito além do alcance do ser humano. E em cada oração, se afirma este distanciamento. Deus nunca está próximo o bastante. Não é tratado como sendo um ser divino realmente presente. Muito diferente de algumas culturas adeptas ao paganismo, que possuem suas representações divinas tão próximas que interagem com os seres humanos. Os folclores pagãos tratam a religiosidade mais humana, ao contrário de monoteísmos tradicionalmente enraizados, que retiram a humanidade da divindade a ser alcançada. Mas, para isso, existem as figuras dos santos, mártires e afins, o chamado “espírito santo” formando a trindade “pai, filho e espírito santo”. Representação esta, politeísta. Além, é claro, da figura do diabo: o mal. Uma contradição comum na doutrina católica. Pregar o monoteísmo, mas possuir um rico arsenal de representações divinas em suas fábulas. Ao contrário da presença do deus bondoso, mesmo sendo onipresente, o diabo, a figura maligna é humanizada em seu conceito e existência, pois está a tentar os seres humanos à maldade constantemente, em um duelo eterno entre o bem e o mal, os dois angariando suas almas e aumentando suas pontuações em relação à representatividade. Em regiões do norte do Brasil, por exemplo, o diabo é fixamente citado e referenciado como estando presente, lado a lado com os indivíduos, que conversam, duelam, pactuam. Neste caso, por conta da miséria humana constante nestas regiões, o diabo nada mais é que a fome e a própria morte. A miséria representa o diabo, e este acompanha os indivíduos bem de perto, em prósperos e poéticos diálogos. Ao contrário do bem, de deus, que está distante demais para interagir e ouvir os pesados pedidos de socorro. Por fim, para além das contradições, estes folclores enraizados e presentes nas culturas atuais necessitam de análise por parte dos indivíduos que se fazem acreditar em suas morais, posicionamentos e dogmas, além de serem também massa de manobra política com representações diretas e indiretas em governos. O que se discute, então, são as necessidades de se acreditar, independentemente da religião em si, mas sim, os reais motivos que a humanidade possui ainda para acreditar em representações divinas. Acreditar para que? Além disso, qual o medo, receio ou incapacidade de questionar a si mesmo sobre sua própria religião? A alienação deve ser questionada. Preceitos religiosos enquanto filosofias de vida são positivos, desde que não exista a pressão moral da religiosidade impositiva e condicionadora. Assim como outras teorias filosóficas que buscam respostas à evolução do espírito (enquanto domínio da subjetividade, da consciência e do pensamento) do ser humano, a religiosidade também deve ser questionada e questionadora, sem que o temor, a cultura, o tradicionalismo e a persistência social nos conduzam a acreditar em algo que durante séculos também se utilizou da violência para converter descrentes em religiosos. O ser humano não precisa de um controlador geral que o conduz a bondade, a felicidade e a paz por meio da moral religiosa. Pelo contrário: somos completamente capazes de reconhecer o que é certo ou errado, mesmo em suas diversidades, sem que vivamos e tenhamos o habitual pecado na alma e toda sua bagagem que, desde o nascimento, faz com que busquemos por toda a vida a purificação necessária para adentrar ao reino do céu, seja qual for o endereço. Moral religiosa. Moral legal (leis). Moral social. Moral coletiva. Moral familiar. Moral individual. Em momentos certos, uma anula a outra quando necessário, e faz do ser humano que não reflete e não conhece sobre si mesmo um ser conflituoso, inclinado a não dar importância necessária à sua consciência e posicionamentos em relação a suas ações e responsabilidades, tanto para si, quanto para seu grupo, família, sociedade, etc. 12 de Outubro de 2013 Blog: http://marcobuzetto.blogspot.com E-mail: [email protected] Facebook: Marco Buzetto