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Um Antigo Projeto da Diplomacia
Brasileira
+ Stelio Marcos Amarante
A partir dos anos 30 do século findo,
o Brasil começou a ver na Bolívia um
potencial parceiro no campo energético.
Não havendo sido identificadas em nosso território jazidas expressivas de petróleo e sendo fortes os indícios de que
no Chaco boliviano existiriam imensos
depósitos daquele mineral, cedo
inciaram-se as tratativas com vistas a
estabelecer uma parceria mutuamente
benéfica.
A eclosão da Guerra do Chaco, em
1932, em que se enfrentaram durante
três anos Bolívia e Paraguai, e na qual
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Energia e Integração na América do Sul
também se imiscuiram os interesses da
Standard Oil e da Gulf, parecia confirmar a probabilidade de que a Bolívia
viesse a se tornar um grande exportador de petróleo.
Com base em tal pressuposto, foi
firmado em 1938 o abrangente “Tratado sobre saída, aproveitamento e exportação do petróleo boliviano para o Brasil”, que criou uma Comissão Mista Brasileiro-Boliviana, sediada em Santa Cruz
de la Sierra, para levar adiante as
prospecções e os estudos relativos a
transporte e comercialização. Por diversos motivos, alguns de natureza política, outros de natureza econômica, mas,
sobretudo, o não afloramento do petróleo em volumes animadores, aquela iniciativa não prosperou.
Em 1958, concluindo-se grande esforço de negociação, os Presidentes Café
Filho e Paz Estensoro assinaram as chamadas “Notas Reversais de Roboré” ,
que estipularam, entre muitos temas, a
retomada da prospecção de petróleo em
território boliviano. Naquelas Notas,
pela primeira vez, foi suscitado o tema
da compra do gás boliviano e da construção de um gasoduto, desde que os
volumes a serem eventualmente
transacionados o justificassem.
Infelizmente, os prognósticos otimistas sobre a riqueza petrolífera boliviana não se confirmaram. Gradualmente, as concessões detidas pelo Brasil foram caducando e nossa sonhada
parceria energética com a Bolívia parecia fadada ao fracasso.
Entretanto, no início dos anos 60 a
Bolívia, através de sua estatal YPFB,
identificou reservas mais promissoras
de gás natural. Ainda que modestas,
tais reservas puderam sustentar um
acordo de exportação daquele produto para a Argentina ao longo de quase
30 anos.
Para o Brasil, cuja matriz energética
priorizava a construção de grandes usinas hidrelétricas a partir do Governo
de Juscelino Kubitschek, e que alcançou seu apogeu nos anos 70 com a conclusão da mega-usina de Itaipu, o inte-
Foi firmado em 1938 o abrangente “Tratado sobre saída, aproveitamento e exportação do petróleo boliviano para o Brasil”.
Um Antigo Projeto da Diplomacia Brasileira
resse pelo gás boliviano não era particularmente expressivo.
Ainda assim, em 1972, os Presidentes Geisel e Banzer chegaram a assinar
um ambicioso acordo que listava uma
série de projetos baseados no aproveitamento do gás boliviano, sobretudo
para fins industriais e na região
fronteiriça. Denominado “Acordo de
Cooperação e Complementação Industrial”, tal instrumento previa a compra
pelo Brasil de gás natural boliviano (desde que a Bolívia comprovasse dispor de
volumes adequados) e a implantação de
um polo industrial (produtos siderúrgicos, fertilizantes e cimento) e de um
complexo petroquímico na fronteira,
em território boliviano. Tal Acordo tinha como finalidade primordial concretizar um antigo desígnio da política externa brasileira, que era fortalecer economicamente a Bolívia, para com ela
firmar uma parceria estratégica.
A instabilidade política boliviana nos
anos 70 e a oposição de grupos políticos ultra-nacionalistas e inseguros quan-
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to às reais reservas de gás do país, colocaram em compasso de espera aqueles projetos e ensejaram um justificado
desinteresse de nossa parte, já que, ademais, teríamos de realizar pesados desembolsos para financiar uma iniciativa
cujo alcance não estava sendo bem compreendido por nossos parceiros.
Acresce que, também nos anos 70, o
Brasil havia firmado com a Alemanha
ambicioso acordo de cooperação na área
nuclear, e que previa a transferência de
tecnologia para a construção e operação de 12 usinas nucleares destinadas à
produção de eletricidade, o que afastava o recurso de incluir o gás natural em
nossa matriz energética.
O abandono da alternativa nuclear,
em decorrência de considerações de
natureza ambiental, assim como a redução do potencial hidrelétrico no centro-sul do país, fizeram com que o Governo brasileiro, a partir de meados dos
anos 80, voltasse a se interessar pelo gás
boliviano como fonte complementar de
energia, inicialmente destinando-o ao
Em 1972, os Presidentes Geisel e Banzer chegaram a assinar
um ambicioso acordo que listava uma série de projetos baseados no aproveitamento do gás boliviano.
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Energia e Integração na América do Sul
consumo industrial e residencial. Para
tal, impunha-se, antes de tudo, a construção de um gasoduto. Subjacente
àquela idéia, sempre persistia nosso desejo de vir um dia a ter na Bolívia um
forte parceiro econômico. O primeiro
passo naquele sentido foi dado durante
visita do Presidente José Sarney a La
Paz, em 1988, quando se assinou novo
acordo de compra de gás.
Negociações mais frequentes e um
grande empenho do Itamaraty, chefiado pelo então Chanceler Fernando
Henrique Cardoso, culminaram na assinatura, em 1993, pelos Presidentes
Itamar Franco e Paz Zamora, de um
contrato de fornecimento de gás ao Brasil, no qual se estipulavam crescentes
volumes a serem comprados ao longo
de 20 anos, começando com 8 milhões
de m3/d e alcançando 30 milhões de
m3/dia a partir do quinto ano de sua
vigência.
Àquela época, as reservas de gás bolivianas eram apenas modestas e não
justificavam, em princípio, a construção
de um gasoduto de grande capacidade.
Foi naquele momento que o Governo
brasileiro, através da Petrobrás, tomou
a decisão estratégica de apostar na riqueza da geologia boliviana, optando
pela construção de um duto com 32
polegadas de diâmetro, suficiente para
o transporte de até 30 milhões de metros
cúbicos diários. Caso a Bolívia não dispusesse dos volumes de gás necessários
(cerca de 8 trilhões de pés cúbicos ao
longo dos 20 anos), seria necessário
construir-se um gasoduto que trouxesse combustível de Camisea, no Peru,
onde se encontram ricos depósitos, avaliados em 11 trilhões de pés cúbicos.
Sucederam-se, então, várias decisões
que comprovaram o empenho do Governo do Presidente Fernando Henrique
Cardoso em viabilizar aquele contrato.
Em primeiro lugar, contornando a relutância de seus parceiros, a Petrobrás
financiou a construção do trecho do
gasoduto em território boliviano, no
valor de US$ 361 milhões de dólares.
O extenso gasoduto (3.069k m) pôde,
O primeiro passo foi dado durante visita do Presidente José
Sarney a La Paz, em 1988, quando se assinou novo acordo de
compra de gás.
Um Antigo Projeto da Diplomacia Brasileira
assim, ser inaugurado de acordo com o
cronograma estabelecido, em 9 de fevereiro de 2000, com a presença, na fronteira, dos dois Mandatários.
A seguir, tendo recebido uma concessão no sul do país, em Tarija, para
prospectar gás, a Petrobrás divulgou
haver encontrado, em janeiro de 1999,
logo em sua primeira tentativa, nas
profundidades de 4.100 metros e
5.200 metros, uma formação gasífera
muito produtiva. Os campos de San
Alberto e San Antonio, com 10,6
trilhões de pés cúbicos de reservas
provadas, viabilizaram o cumprimento do contrato. Ademais, o caminho
aberto pela Petrobrás permitiu que
outras empresas, detentoras de concessões na mesma formação geológica, também descobrissem grandes depósitos de gás, elevando as reservas
bolivianas, em 1 de janeiro de 2001, a
46,8 trilhões de pés cúbicos, com o
que o país já antevê firmar vultoso
contrato de exportação para os Estados Unidos.
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A disponibilidade de grandes volumes
de gás boliviano fizeram com que o
Brasil visualizasse, então, a antecipação
da construção de termelétricas, como
“back up” de nosso sistema gerador. A
matriz energética brasileira passaria a ter
o gás natural como responsável pela
geração de 12% de sua eletricidade. As
termelétricas a gás se somariam, assim,
às hidrelétricas, para conformar uma das
matrizes energéticas menos poluentes
do planeta.
Para fazer face à crescente demanda
de energia elétrica no Sudeste do Brasil,
a Petrobrás está antecipando e ampliando seu programa de compras de gás
boliviano. A capacidade máxima do
gasoduto Brasil-Bolívia será alcançada
em 2003 e já se estuda mesmo elevar a
40 milhões de m3/dia a capacidade do
gasoduto.
Entretanto, existe um grave problema a ser superado na Bolívia, que é o
da construção de um gasoduto interno
de grande capacidade que traga o gás de
Tarija até seu entroncamento com o
Para fazer face à crescente demanda de energia elétrica no
Sudeste do Brasil, a Petrobrás está antecipando e ampliando
seu programa de compras de gás boliviano.
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Energia e Integração na América do Sul
gasoduto Brasil-Bolívia. O processo de
autorização por parte das autoridades
bolivianas está transcorrendo num ritmo mais lento do que o previsto, o que
poderá prejudicar as metas já definidas
contratualmente e, em última análise, a
própria geração de divisas e “royalties”.
Do lado brasileiro, a dificuldade maior reside na equação financeira a ser
resolvida pelas empresas geradoras de
energia termelétrica. Como o preço do
gás flutua de acordo com uma “cesta”
de preços de derivados do petróleo, sua
estabilização nos altos patamares atuais
desestimulam os investidores, que devem vender sua eletricidade em moeda
brasileira. Para minorar tais dificuldades,
a Petrobrás acaba de assumir o chamado “risco cambial”, congelando pelo
prazo de um ano o preço em reais do
gás que entra em território brasileiro.
Ademais, para reduzir o preço do gás
importado, a Petrobrás está fazendo um
“mix” com seu próprio gás, gerado juntamente com o petróleo dos poços “off
shore” , e que pode ser contado a um
preço mais realista.
Stelio Marcos Amarante
Embaixador do Brasil na Bolívia
Pode-se dizer que, desde a conclusão
da hidrelétrica de Itaipu o gasoduto Brasil-Bolívia, consiste no maior empreendimento binacional realizado na América do Sul. Estima-se que dentro de três
anos o Brasil esteja importando 30 milhões de metros cúbicos diários previstos incialmente para serem alcançados
apenas em 2005. O valor das exportações deverá alcançar cerca de US$700
milhões, equivalente a quase 10% do PIB
boliviano. Ademais da sua utilização
como fonte de energia, o gás poderá também constituir-se em matéria-prima para
um polo petroquímico de grandes dimensões, para fábricas de fertilizantes e também para viabilizar a implantação de usina siderúrgica de Urucum (MS).
O antigo projeto da diplomacia brasileira, de promover uma significativa
integração econômica com a Bolívia está,
assim, a ponto de tornar-se uma realidade, com a criação do primeiro “eixo de
desenvolvimento” regional, tal como
idealizado pela “Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional da
América do Sul”.
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