ASSISTÊNCIA PSICOLÓGICA AOS FAMILIARES DE PORTADORES DE SOFRIMENTO MENTAL NO CTI DE UM HOSPITAL GERAL Wallace Medeiros Xavier Psicólogo do Hospital Municipal Odilon Behrens [email protected] Belo Horizonte, Minas Gerais – Brasil Tereza Fabíola Leo Fritz Médica do Hospital Municipal Odilon Behrens [email protected] Belo Horizonte, MG – Brasil Eder Luiz Nogueira [email protected] Psicólogo do Hospital Municipal Odilon Behrens Belo Horizonte, MG – Brasil 1 A psicologia no contexto do hospital geral: Diversos processos de trabalho têm sido articulados e implementados no sentido de estabelecer um projeto terapêutico que contemple o usuário em seus problemas e demandas físicas e psicossociais, conforme recomenda a Política Nacional de Humanização (PNH) do Sistema Único de Saúde (SUS) (Brasil, 2008). Nos casos das pessoas atendidas pelo SUS, as ações executadas estão focadas na possibilidade de discussão dos casos por meio de um atendimento compartilhado aproximando a equipe de saúde da rede familiar, social e cultural do paciente. Trata-se, em sentido mais amplo, de compreender a vivência de adoecimento e suas conseqüências para a subjetividade do paciente e dos seus familiares. O modelo de atenção preconizado pelo SUS, instituído pela Lei Orgânica da Saúde 8.080/90, estabelece o princípio da igualdade da assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, e garante o atendimento gratuito e de qualidade à população brasileira (Lucchese, 2003). Assim sendo, o acolhimento ao portador de sofrimento mental deve, necessariamente, além de contemplar a avaliação clínica e o tratamento dos sinais e sintomas físicos apresentados pelo paciente, estabelecer plano de abordagem das situações de saúde mental. Neste cenário de ações, o hospital geral deve preparar a equipe de saúde para promover um vínculo solidário com o paciente e seus familiares, incluindo em seu processo de trabalho os conhecimentos e as ferramentas que potencializam a integralidade dos serviços. Devemos considerar, ainda, que o adoecimento interfere na dinâmica psicossocial do paciente e seus familiares em função dos conflitos existenciais e sociais conseqüentes deste processo (Pregnolatto e Agostinho, 2003). Os modos de vida até então estabelecidos cotidianamente ficam fragilizados e situações que desencadeiam ansiedade, insegurança ou medo emergem como fatores que ameaçam e até mesmo impossibilitam a elaboração de estratégias de enfrentamento e a organização familiar diante dos dilemas apresentados pela doença. Portanto, o psicólogo atuará como profissional que contribuirá para a melhoria da qualidade da atenção, por meio do incentivo à construção de vínculos entre a equipe, paciente e grupo familiar. O atendimento ao paciente portador de transtornos mentais e seus familiares requer ações específicas que, em muitos casos, não são desenvolvidas pela equipe de saúde. Há que se considerar que muitos são os profissionais que não sabem ou não querem lidar com pacientes que apresentam sofrimentos de natureza psíquica 2 (Hildebrandt e Alencastre, 2001). Em um hospital geral, costuma-se tratar a doença, os sintomas físicos apresentados, mas não se implica com o sofrimento psíquico. O corpo, como tal, é o protagonista da atenção e sobrepõe-se à subjetividade e o enfoque do tratamento é direcionado para os aspectos clínicos, já que a internação se justifica por queixas orgânicas. O presente trabalho tem por objetivo descrever o processo de atendimento aos familiares de uma paciente portadora de sofrimento mental atendida pelo Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital geral. Para tanto, utilizou-se o método de estudo de caso qualitativo por meio da observação participante, o que permitiu o conhecimento de situações importantes relacionadas aos modos de subjetivação de familiares dos portadores de sofrimento mental diante do processo de internação no CTI. O paciente portador de sofrimento mental: Sônia (nome fictício) foi conduzida ao Hospital Municipal “Odilon Behrens” (HOB) pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) apresentando quadro de fraqueza física, alteração da linguagem, náuseas e vômitos. Após intervenção da equipe especializada do hospital, foi diagnosticado Acidente Vascular Cerebral (AVC). A paciente foi conduzida ao CTI para suporte e continuidade do tratamento. O primeiro contato do psicólogo com os familiares de Sônia aconteceu no horário da notícia médica em conjunto com a médica intensivista numa perspectiva associada ao conceito de clínica ampliada. A família mostrou-se ansiosa e, além da preocupação com a gravidade da doença e a possibilidade de evolução para o óbito, relatou-nos, apreensiva, a trajetória de Sônia junto aos serviços de saúde mental em função do diagnóstico de psicose. Enfatizou o uso regular de medicação antidepressiva, neurolépticos e ansiolíticos e questionou à médica quanto à possibilidade do uso destes remédios durante o período de internação. A narrativa foi acolhida pelo psicólogo e pela médica e em ação compartilhada com a equipe foram construídas estratégias de cuidado que contemplassem a singularidade de Sônia. A intervenção privilegiou a relação da família com a equipe multiprofissional de modo a produzir saberes mais amplos sobre o plano de cuidados, por meio da sensibilização da equipe para acolher as aflições familiares, evidenciadas por profunda preocupação com o quadro de transtorno mental da mãe. O medo proeminente da família foi que a equipe do CTI não compreendesse as reações comportamentais de Sônia, o que poderia, segundo a família, implicar em uma atenção 3 de menor qualidade. A ação do psicólogo foi, além de intervenções esclarecedoras sobre o caso de Sônia junto à equipe, estabelecer contatos com a rede de saúde mental com a finalidade de conhecer as ações realizadas até o momento e propiciar à paciente o conforto psíquico adequado ao momento de adoecimento vivenciado por ela. Além disso, a família foi estimulada a estabelecer um contato mais próximo com a paciente durante as visitas com o objetivo de minimizar o impacto estressante da internação, já que a presença de estímulos familiares promove no paciente um sentimento de segurança e maior adesão ao tratamento. Discussão e considerações finais: As questões relativas à pessoa portadora de transtorno mental internada no hospital geral são de responsabilidade de todos os atores envolvidos. O caso aqui relatado foi compartilhado e elaborado com a equipe de saúde do CTI e produziu bons resultados na relação da família e da paciente com os profissionais de saúde. O esforço principal se deu na perspectiva de revogar mitos considerados discriminatórios e excludentes na relação da equipe de saúde e loucura, o que resultou na redução do nível de ansiedade apresentado pela família e ampliou o diálogo entre esta e os profissionais responsáveis pelo cuidado da paciente. O dispositivo da reforma em saúde mental deve ser considerado em todos os contextos possíveis de inserção do portador de sofrimento mental (BRASIL, 2005). Neste sentido, as unidades de saúde, independente do nível de complexidade da atenção, devem estar devidamente preparadas para acolher as pessoas com transtornos mentais. O estudo de caso relatado neste trabalho evidencia a importância do profissional da psicologia na equipe de saúde do CTI, pois esta inserção proporciona a interlocução dos diversos atores envolvidos no plano de cuidado do paciente e na organização dos serviços numa perspectiva da clínica ampliada. Este trabalho mostra que a presença do psicólogo em hospitais que oferecem serviços de urgência e emergência pode proporcionar elos importantes entre a Política Nacional de Humanização e a qualidade da assistência a pessoa portadora de transtornos mentais. Pesquisas nesta área devem ser fomentadas, pois colaboram para que o SUS cumpra seu papel de integralidade da assistência, incorporando aos serviços de saúde dos hospitais gerais protocolos que proporcionem ao portador de saúde mental e seus familiares, condições de atendimento com eficiência, resolutividade e equidade. 4 Referências Bibliográficas: Hildebrandt, L.M. & Alencastre, M.B. (2001). A inserção da Psiquiatria no Hospital Geral. Revista Gaúcha de Enfermagem, 22(1), 167-186. Lucchese, P. T. R. (2003). Eqüidade na gestão descentralizada do SUS: desafios para a redução de desigualdades em saúde. Ciência saúde coletiva [online], 8(2), 439-448. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Clínica ampliada, equipe de referência e projeto terapêutico singular/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização – 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2008. 60 p.: il. color. – (Série B. Textos Básicos de Saúde) Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. DAPE. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Documento apresentado à Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas. OPAS. Brasília, novembro de 2005. Pregnolatto, A.P.F. & Agostinho, V.B.M. (2003). O Psicólogo na Unidade de Terapia Intensiva – Adulto. In: Baptista, M.N. & Dias, R. R. (Orgs.). Psicologia Hospitalar: Teoria, Aplicações e casos clínicos. Guanabara Koogan: Rio de Janeiro. 5