UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
A RESSOCIALIZACÃO DO PACIENTE PORTADOR
DE TRANSTORNOS MENTAIS
c)..01
02610 -1-199
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Cheie • o Depto. de Serviço ;3 , ■■ •
CSEILINS0
MARILÉA PEREIRA PACHECO
FLORIANÓPOLIS — SC, JULHO DE 1999.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
A RESSOCIALIZAC 'AO DO PACIENTE PORTADOR
DE TRANSTORNOS MENTAIS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Departamento de Serviço Social da
Universidade Federal de Santa Catarina para
a obtenção do titulo de Assistente Social,
orientado pela Prof Marly Venzon Tristão.
MARILÉA PEREIRA PACHECO
FLORIANÓPOLIS — SC, JULHO DE 1999.
AGRADECIMENTOS
"Gostaria de agradecer a todos que de alguma
forma colaboraram na concretização deste
trabalho.
Carinhosamente, à minha filha Luana pelo
companheirismo; aos tios Roberto
compreensão, amizade e amparo
e Ana, pela
nesta fase da
minha vida.
Especialmente, a Supervisora Maria Sirene pela
oportunidade de Estágio no HCTP, sua
colaboração
e profissionalismo; a Professora
Manly, que me orientou com paciência e carinho.
E, a Mar/sol Beijei, que se mostrou uma grande
amiga, não medindo esforços, sendo companheira
incansável nos momentos mais (Weis".
SUMARIO
INTRODUÇÃO
04
CAPÍTULO I
1. SAÚDE MENTAL E A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
08
1.1 Falando em Reabilitação Psicossocial
12
1.1.1 Reabilitação como processo — CAPS
14
1.1.2 Ressocialização e Instituição Manicomial
17
1.1.3 A importância do Serviço Social no processo de construção da
Reforma Psiquiátrica.
19
CAPÍTULO II
2. RESSOCIALIZAÇÃO DO PACIENTE DO HTCP
2.1 Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) — Alguns
aspectos da realidade institucional
2.2 A trajetória do Serviço Social no HCTP: uma visão atualizada
23
29
2.3 Uma experiência acadêmica com pacientes em grupos terapêuticos e
oficinas artesanais
33
2.4 Ressocialização — Grupos terapêuticos na visão do portador de
transtornos mentais e dos profissionais
2.4.1 A visão dos portadores de transtornos mentais institucionalizados
41
41
3
2.4.2 A visão dos profissionais frente a Ressocialização dos portadores de
transtornos mentais
46
CONSIDERAÇÕES FINAIS
53
BIBLIOGRAFIA
56
ANEXOS
58
INTRODUÇÃO
"De certo modo, porém, pequeno e secreto, cada um de nós é um pouco
louco... No fundo, todos se sentem sós e querem ser compreendidos; mas nunca podemos
entender inteiramente outra pessoa, e cada um de nós permanece meio estranho até para os
que nos amam... Os fracos é que são cruéis; só se pode esperar a brandura dos fortes... Os
que não conhecem o medo não são realmente valentes, pois a coragem é a capacidade de
enfrentar o que pode imaginar... Compreendemos as pessoas melhor se olharmos para elas -
por mais velhas e imponentes que pareçam - como se fossem criativas-. Pois a maior parte de
nós nunca amadurece, apenas fica mais alta... A felicidade só chega quando impelimos os
nossos cérebros e corav5es aos extremos de que somos capazes...0 objetivo da vida
importar - contar, representar alguma coisa, fazer com que a nossa vida conte alguma
coisa"
LEU ROSTEN
0 presente trabalho compete a exigência do Departamento de
Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do
titulo de Assistente Social.
Nosso trabalho no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
fala sobre a ressocialização do paciente portador de transtornos mentais.
A doença mental é vista como a mais estigmatizante. E classificada
pelas pessoas como mais indesejável que a doença fisica. 0 problema está
localizado na mente da pessoa enferma e os outro tendem a considerar que, em
vista disso, a parte mais essencial do ser humano torna-se questionável ou
desacreditada.
5
Segundo JACCARD (1981, p. 45), "a loucura se manifesta quando
a pessoa se torna dolorosamente consciente do absurdo de sua vida, é corno se
ela dissesse a si mesmo: minha vida é vazia e oca."
0 relacionamento familiar torna-se bastante deteriorado, pois, há
uma ruptura muito grande nos vínculos afetivos, para a família o doente torna-se
uma obrigação, da qual a família que se livrar.
A doença leva a uma desqualificação profissional, mesmo os que
têm uma profissão definida acabam por afastar-se dela, seja por aposentadoria,
ou licença , passando a desenvolver atividades variadas, sem especificação e
sem vinculo empregaticio.
Nesse contexto, observamos que, de um modo geral, todos
manifestam desejos de recuperação e planos para retomar o rumo de suas vidas,
ou mesmo recomeça-las, em busca de garantir seus espaços no mundo. Isso
motivou-nos a realizar um estudo qualitativo de casos, buscando identificar as
dificuldades e perspectivas dos pacientes frente a ressocialização.
Para tanto, foram estabelecidos alguns objetivos:
c:› Verificar qual o significado de ressocialização para o paciente.
Identificar as dificuldades e perspectivas em relação a sua vida
fora da instituição.
1=> Verificar-se como está a Reabilitação Psicossocial hoje.
Para atingir esses objetivos realizamos pesquisa qualitativa no
período de abril á. maio de 1999, no Hospital de Custódia e Tratamento
6
Psiquiátrico, que está vinculado a Secretaria de Justiça e Cidadania e atende
portadores de transtornos mentais que cumprem medida de segurança detentiva.
Na nossa pesquisa fizeram parte pacientes que participam do grupo
terapêutico e estavam aptos a participar da mesma.
Utilizamos entrevistas não estruturadas. E para complementar as
informações, utilizamo-nos de leituras referentes ao assunto e prontuários.
Para melhor entendimento, no primeiro capitulo abordamos a
Reabilitação Psicossocial que implica numa ética de solidariedade que vai
facilitar ao sujeito como limitações decorrentes dos transtornos mentais,
o
aumento da contratualidade afetiva, social e econômica que viabilize o melhor
nível possível de autonomia para a vida na comunidade.
No segundo capitulo, abordaremos a questão do trabalho
terapêutico vivenciada pelo portador de transtornos mentais que participam das
oficinas artesanais, relatando suas experiências, identificadas em investigação
junto aos mesmos, pois acreditamos que as oficinas de trabalho produtivo,
levam o paciente a um desenvolvimento criativo e a busca de sua própria
essência, numa tarefa em que possa se identificar o que faz e o que gosta.
Abordaremos também a Reabilitação Psicossocial na visão dos
profissionais envolvidos no atendimento dos pacientes com transtornos mentais,
bem como a Instituição e sua problemática.
7
Esperamos desta forma estar contribuindo para a reflexão sobre a
temática: RES SOCIALIZAÇÃO DO PACIENTE PORTADOR DE
TRANS TORNO MENTAL
CAPÍTULO I
1 — SAÚDE MENTAL E A REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
A doença mental é compreendida como sendo a manifestagdo de
sintomas
como: alterações
de pensamento, emotividade, motricidade,
comportamento, linguagem, entre outros. Esta doença faz parte da história da
humanidade.
Considerar uma pessoa como doente mental significa reduzi-la a
um objeto restrito, a um campo do saber, no caso, a psiquiatria. Essa pessoa vai
aparecer no contexto social marcado por urn rótulo de louco, perigoso, incapaz
de exercer sua plena capacidade humana. Significa também a prerrogativa da
sociedade em isolá-lo do convívio social, do trabalho, da cidade.
"Os transtornos mentais são problemas de natureza e solução distintas das
doenças orgânicas: o problemático mental, além das necessidades comuns, tem
necessidades especiais que se aguçam esponeticialmente nos momentos de crise:
integração e reintegração social plena são os suportes mais consistentes da cura:
o exercício de direitos e liberdades individuais estarão sujeitos a limitckiies,
exclusivamente com o fim de assegurar os mesmos direitos e liberdades de outrem
e, o isolamento e a segregação comprometem o projeto terapêutico, impedem o
exercício da cidadania e fragmentam a inserção social". (PADRÃO, 1992, p. 13)
9
Na realidade, as doenças mentais envolvem freqüentemente
disfunções biológicas que requerem tratamento. Pessoas com doenças mentais
necessitam de tratamento e de ajuda para lidar com os problemas cotidianos.
Embora a expressão "saúde mental" possa ter significados
diferentes para diferentes pessoas, a auto-estima e a capacidade de estabelecer
relações afetivas com outras pessoas são componentes importantes da saúde
mental universalmente aceitos.
Pessoas mentalmente saudáveis compreendem que não são perfeitas
nem podem ser tudo para todos. Elas vivenciam uma vasta gama de emoções,
incluindo tristeza, raiva e frustração, assim como alegria, amor e satisfação,
pois, são capazes de enfrentar os desafios e as mudanças da vida cotidiana. JA o
portador de transtornos mentais não consegue enfrentar essas mudanças sem a
ajuda especializada.
Associa-se ao diagnóstico de doença mental a incapacidade de
pensar coerentemente, dentro dos padrões tidos como normais.
Um dos grandes desafios é justamente classificar esse normal.
Segundo diversos autores, o normal 6 o que corresponde às expectativas sociais,
o que mantém-se em equilíbrio, conformidade e concordância com as normas e
valores sociais. O anormal é justamente o que se contrapõe a isso, o
imprevisível, o que rompe com o estabelecido.
10
a sociedade que define as normas do pensamento e do
comportamento e, uma vez que os sintomas da enfermidade mental são sempre
oponentes à norma social, é a sociedade que determina os limites da loucura.
Segundo LOYELLO, (1983 : 68) o conceito de doente mental "se confinde
cada dia mais com o de 'desviado', 'inadaptadado', 'marginalizado'. A
normalidade é aferida através da adaptação ao processo produtivo. Surge
mais um mediador do 'normal': o produzir. Produzir para manter o equilíbrio
social : enquanto a pessoa tem uma participação social produtiva ela é útil e
normal; no momento em que afasta-se desse processo, o modo como é vista jet
se modifica. O pensar e o agir do doente mental passa a ser condicionado pelo
que os outros delimitam."
Se o normal corresponde as expectativas sociais e estas são
variáveis de acordo com cada sociedade, época e circunstâncias, os conceitos e
noções a cerca do adoecimento psíquico também o são; e o que é sadio, normal
para uma comunidade pode não ser para outra, e qualquer conduta fora do
padrão ou distúrbio mental basta para estigmatizar o que é diferente.
GOFFMAN (1988: 11), o termo criado pelos gregos, como referencia a sinais
corporais feitos a corte ou fogo no corpo para evidenciar algo de
extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresenta. Na era
cristã os sinais corporais referiam-se, de acordo com a forma que tomavam, as
graças divinas ou distúrbios fisicos.
Mesmo quando em tratamento ou após o término deste, resta ainda
naqueles que o cercam a descrença de que um dia venham a ser novamente
"normal" e, deste modo, cria-se um ambiente que, ao mesmo tempo em que
protege, também isola. Assim, mais e mais o doente mental é afastado do
11
convívio com outras pessoas o que culmina em seu completo isolamento. Por
fim, deixa mesmo de se manifestar, pois no que ainda lhe resta de sanidade, sabe
que não é ouvido, menos ainda compreendido.
No caso do doente mental, quando se fala em trazê-lo de volta a
"normalidade", fala-se automaticamente em internação. Envolvidos no processo
de internação, pode-se pensar estarmos dando todo atendimento necessário ao
paciente. No entanto, dentro da instituição cria-se a mentalidade da loucura
improdutiva, ou seja, recria-se o pensamento de que o louco 6, afinal das contas,
um louco.
A instituição passa a massificar, generalizar condutas e deixar de
lado as reivindicações do louco, de tal modo que são cortados os espaços já
restritos com alegações que reafirmam a sua pouca importância no mundo. E o
louco cala perante a organização institucional e suas regras estabelecidas, ou
então, reage de outros modos, tentando fugas, agressões
e outros
comportamentos que acabam reforçando sua condição de doente mental.
O Tratamento Reabilitacional é considerado uma continuidade da
tarefa ocupacional, com a reintegração social — profissional ou a iniciação
profissional em atividades compatíveis e realizáveis pelo paciente.
Reeducação e Reintegração Social é a disciplina dos próprios
impulsos, compreendendo o reensinamento de hábitos normais, educação geral,
cívica e sexual, excursões educativas, com banhos de mar, bibliotecas, TV,
radio, reuniões de comunidade terapêutica corn pa rticipação do Serviço Social
12
que está ligado as relações sócio-familiares dos pacientes, ambiente hospitalar e
vice-versa, até o "retomo ao domicilio" daqueles pacientes desprezados pelos
familiares.
Estão previstas também atividades de ensino religioso como uma
forma de atividade terapêutica, pois chegou-se a conclusão de que torna-se
necessário o cultivo da chamada "consciência religiosa", dentro da filosofia
religiosa de cada um, devidamente indicada como um dos elementos que
completam a "Terapêutica Global da Personalidade".
1.1 - FALANDO EM REABILITAÇÃO PSICOSSOCIAL
A reabilitação psicossocial representa urn conjunto de meios
(programas e serviços) que se desenvolvem para facilitar a vida de pessoas com
problemas severos e persistentes de saúde mental,
o processo de facilitar ao indivíduo com limitações, a restauração,
no melhor nível possível de autonomia do exercício de suas funções na
comunidade. Esse processo enfatiza as partes mais sadias e a totalidade de
potenciais do individuo, mediante uma abordagem mais compreensiva e um
suporte vocacional, residencial social, recreacional, educacional, adequado as
demandas singulares de cada indivíduo e cada situação de modo personalizado.
A reabilitação psicossocial é uma atitude estratégica, uma vontade
política, uma modalidade compreensiva complexa e delicada de cuidados para
13
pessoas vulneráveis e aos modos de sociabilidade habituais que necessitam
cuidados igualmente complexos e delicados.
A ausência de uma administração estruturada
e serviços
especializados para atender aos loucos e aos desabilitados propicia urna relação
de submissão que se constitui uma estratégia competente de controlar riscos
sociais.
A fragmentação é um dos modos competentes de gerenciar a
desigualdade, quando os excluídos, com laps familiares precários, são mais
vulneráveis as agressões externas e necessitam de maiores cuidados. Cuidados
esses personalizados e delicados, que respostas globais e pouco diferenciadas
costumam passar longe das pessoas e suas necessidades.
Nas sociedades concretas, a brasileira em especial, a pobreza de
investimentos na área social irá determinar que alguns recebam cuidados e
outros sejam rejeitados pelo sistema de atenção. Serão mais rejeitados os que
revelarem uma absoluta inaptidão para o trabalho, já que, no horizonte de
expectativa, a inserção no mercado formal ou informal de trabalho entra como
indicador positivo em quase todos os projetos de cuidados.
Falar em Reabilitação Psicossocial no Brasil, hoje, é estar a um só
tempo falando de amor, ira e dinheiro. Amor pela possibilidade de seguirmos
sujeitos amorosos, capazes de exercitar a criatividade, a amizade, a fraternidade
no nosso "o que fazer" (cotidiano); ira traduzida nesta indignação saudável
contra o cinismo das nossas políticas do agir, estando aqui incluída a
14
preocupação com um destino etnicamente irrepreensivel para os recursos
pequenos que devem ter a incumbência de reduzir as formas de violência que
exclui e segrega um número sempre significativo de brasileiros.
1.1.1 - REABILITAÇÃO COMO PROCESSO-
CAPS
0 projeto original do Centro de Atenção Psicossocial — CAPS foi
elaborado há 10 anos, em setembro de 1986.
Desde sua criação, é um serviço de assistência, ensino e pesquisa,
inserido na rede pública de atenção à saúde mental. Destina-se ao atendimento
de pacientes graves.
Ao longo dos anos foi ampliando suas funções: formando pessoal
para a rede de atendimentos oferecendo estágios para estudantes
e
desenvolvendo sua vocação corno local de reabilitação.
A noção de reabilitação foi surgindo aos poucos, como um
aprendizado, uma conquista natural.
A reabilitação foi sendo percebida como um processo articulado de
práticas (sustentadas por uma trama de conceitos), que não se deteria até que a
pessoa acometida por problemas mentais pudesse sedimentar uma relação mais
autônoma com a instituição. Tratava-se, enfim, de procedimentos que iam ser
consolidados e sendo articulados por uma instituição na qual o tratamento não
15
era dimensionado segundo um limite no tempo, e onde se garantia a participação
do paciente em todo o processo.
Um dos primeiros fatores que foi observado na implantação do
projeto, diz respeito a observação por parte da equipe, adotados pela psiquiatria
que apresentam resultados insatisfatórios no seguimento a longo prazo dos
pacientes graves. Estes segmentos levavam, basicamente, à internação do
paciente em locais inadequados e por períodos prolongados, sem seguimento
pela mesma equipe; implicavam além disso, consultas rápidas com intervalos
longos, centralizando-se o tratamento apenas no médico e no remédio.
Um segundo fator diz respeito à experiência que se tinha acumulado
na observação dos cuidados habitualmente oferecidas em hospitais psiquiátricos,
especialmente no que concerne à noção de adoecimento mental e, ern última
instancia, na noção de indivíduo pressuposta por seus profissionais.
0 tratamento via-se absorvido no âmbito de uma relação sujeitoobjeto, interessada nos efeitos de práticas tidas como cientificas
e na
confirmação da teoria que as sustentava. Deste modo, percebia-se como a
"ciência psiquiátrica", tomava como foco de atenção
o
sintoma,
e
despreocupava-se do "resto" : o sujeito e sua singularidade, sua história, sua
cultura, sua vida cotidiana, que são elementos que constituem precisamente o
campo de inferência de tais sintomas. 0 tratamento despersonalizado e
desinteressado em hospitais e ambulatórios, é conseqüência desta atitude.
16
Um terceiro fator a se destacar são as práticas estereotipadas que
ocorrem em todas as profissões ligadas à saúde mental. Muitas vezes
cristalizam-se procedimentos que não tem qualquer relação com o tratamento do
paciente. Os casos ditos crônicos, por exemplo, são tratados com menos
intervenção profissional; os casos de psicose são considerados exclusivos da
esfera módica e a hierarquização de práticas junto aos pacientes leva à impressão
de que ministrar remédios é mais importante do que sair com os pacientes, do
que escutá-los.
A partir dai, percebíamos que caberia construir um "lugar -, onde
estes pacientes psicóticos reconhecem como referência de ambiente de
tratamento.
Dessa maneira o trabalho com pacientes iniciou-se através de certas
condições:
1=> uma instituição própria inserida na rede pública, um local fisico
adequado, acolhendo para tratamento, diariamente, pessoas com
quadro mental gave; o serviço - posto família - articulando as
práticas já instituídas da psicoterapia, dos grupos e da predicação,
com outras práticas capazes de valorizar o paciente, com reuniões
de usuário e atividades expressivas acontecendo num ambiente
terapêutico.
0 tratamento desses pacientes requer um projeto individualizado
que não perca de vista a noção de conjunto, devendo demonstrar-se atento ao
17
tempo de cada um com perspectivas de possibilitar ao longo do processo o
aumento de sua autonomia, sua escolha.
1.1.2 —
RESSOCIALIZAÇÃO E INSTITUIÇÃO MANICOMIAL
Um programa de ressocialização psiquiátrica em saúde pública
implica um conjunto de ações com níveis diversos de atuação e inserido num
sistema de objetivos definidos.
Com relação aos pacientes com transtornos mentais, sabemos que
algumas condutas profusamente utilizadas corno, por exemplo, as internações
prolongadas nos manicômios, constituem fatores predisponentes e favorecedores
de cronificação, isolamento e dissolução dos vínculos de socialização dos
sujeitos, o que, diante do atual conhecimento de tais condições, não mais
justificam-se tecnicamente, orientando para uma reformulação dos modelos
assistenciais das internações psiquidtricas.
Os principais campos de atuação dos trabalhadores de saúde mental
na ressocialização psiquiátrica são: o paciente psiquiátrico a ser reabilitado, sua
família e sua comunidade.
Um paciente psiquiátrico que necessita de ressocialização dever ter
o perfil de um sujeito que viveu um tempo considerável de sua vida, fora de sua
comunidade, em virtude de ser portador de um transtorno mental que limitou
seus relacionamentos interpessoais, seja por dificuldades próprias ao processo
18
mórbido ou por obstáculos encontrados em seu meio familiar, na sua
comunidade ou por fórmulas assistenciais de cuidados, tais corno os
confinamentos e internações prolongadas, mas também pela conjugação de duas
ou mais destas possibilidades, de sorte que o trabalho de ressocialização do
mesmo exige abordagens diversificadas que orientam para equipes
multiprofissionais qualificadas em atividades interdisciplinares.
O transtorno mental de um sujeito, no comum, leva-o a
relacionamentos interpessoais, de acordo como o tipo, a duração e a magnitude
das alterações sofridas no seu aparelho mental.
A família representa, em nossa cultura, o núcleo primário de
agregação social, e o surgimento de transtorno mental em um de seus
componentes modifica sua organização interna, de forma mais ou menos
significativa, em concordância com o tipo de transtorno, sua duração, o
componente afetado, a posição hierárquica que ocupa e a cultura em que vive,
ocorrendo então reorganizações estruturais que podem estabilizar-se através dos
tempos, oferecendo maior ou menor resistência às situações originais de
organização, comuns na etapa de reinserção familiar nos processos de
ressocialização. A resistência familiar A. reintegração de um de seus
componentes com transtorno mental constitui a primeira dificuldade a enfrentar
no processo de ressocialização e que, uma vez superada, as demais etapas
tendem a se efetuarem mais facilmente, em virtude da intermediação do grupo
familiar. É neste momento que os mecanismos psicológicos de defesa dos
19
familiares afloram e necessitam serem identificados, entendidos e trabalhados
pela equipe de saúde mental.
Para CORDO (1992, P. 21) a doença mental quando surge, é um dado novo,
uma situação não esperada e a qual a familia não estava preparada para
enfrentar. Cria-se então, uma desadaptação e
uma necessidade de
reestruturação.
Reativam-se recordações,
muitas vezes trautnáticas e,
habitualmente, dolorosas, relacionadas com o surgimento da doença, os esforços
para a recuperação e os fracassos alcançados. Os sentimentos de culpas iniciais
reaparecem disfarçados em racionalização ou outras defesas menos
intelectualizadas, mas que nunca escondem o conflito interior subjacente e
atualizado na possibilidade de recomeçar tudo de novo. No entanto, as
recordações agradáveis preexistentes também se fazem presentes
e podem
corresponder no elemento básico para a reintegração familiar.
A instituição manicomial, talvez em virtude da rigidez corno foi
preconizada, não teve a flexibilidade de adaptar-se as transformações cientificas
e sociais e o seu equivalente moderno, o hospital psiquiátrico, não mais se
constitui em modelo satisfatório de assistência, mas o responsável, de urna
forma direta ou indireta, na cronificação e no isolamento social da maioria dos
pacientes psiquiátricos que necessitam trabalhos de ressocialização.
1.1.3 — A IMPORTÂNCIA DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
REFORMA PSIQUIÁTRICA.
20
0 assistente social se insere na saúde mental na articulação como o
meio social, utilizando-se dos recursos teóricos — práticos específicos para
garantir e defender o reconhecimento dos direitos do portador de sofrimento
mental, enquanto cidadão perante sua comunidade.
E o fazer a família e a comunidade olhar para além da doença e ver
o sujeito: reconhecer o cidadão.
Cabe ao Serviço Social assegurar a participação do homem no
estudo e na conscientização do seu problema, partindo da sua realidade para
chegar a execução mais adequada. 0 Serviço Social atua de forma a orientá-lo,
ajudando-o a tomar decisões e realizá-las de acordo com as suas possibilidades.
0 primeiro grupo com que o assistente deve trabalhar é a família, já
que ela é o primeiro grupo social de que se faz parte e é através dela que
indivíduo se apoia, por isso, é extremamente importante a aceitação do doente
mental pela família para que a comunidade possa também aceitá-lo corno
membro dela.
preciso levar a família a compreender que o indivíduo portador de
anomalia psiquiátrica 6 uma pessoa, um ser humano, que por algum motivo, não
só biológico, mas também ou talvez estrutural, ou até mesmo social,
desenvolveu algum tipo de distúrbio mental, precisando de tratamento, mas um
tratamento orientado no sentido da cura e não da cronificação.
Esse trabalho de conscientização requer a aplicação de técnicas que
levem os membros do grupo familiar a perceberem com mais clareza e, até
21
mesmo, a vivenciar o que significa para um doente mental viver segregado,
longe da família, dentro de uma instituição onde lhe é negado o direito a
individualidade, a dignidade, são-lhe impostos processos de perda
e
mortificação e lhe são causados danos, muitas vezes, irreparáveis. Só
compreendendo o que é ser um doente mental em uma sociedade preconceituosa
e discriminadora é que se pode aceitá-lo.
Se o assistente social consegue levar
o grupo familiar a
compreender e aceitar a doença mental corno algo que pode ter uma solução
mais digna e menos dolorosa que a internação e que o doente mental merece ser
tratado com dignidade, e não necessariamente como incapaz ou perigoso, ele
poderá, dai, partir para um trabalho junto à comunidade.
0 assistente social deverá agir na comunidade no intuito de
modificar o modo que ela vê a doença mental. Através de um processo de
conscientização de grupo ele deverá propor discussões com a comunidade sobre
temas que envolvam o problema em questão.
0 que se pretende fazer com a Reforma Psiquiátrica é assegurar o
direito ao pleno exercício da cidadania ao doente mental, numa assistência
digna, voltada para a cura e não para cronificação, proporcionar uma vasta gama
de alternativas de tratamento e tudo isso casa perfeitamente coin os princípios
fundamentais em que se baseia a prática do Serviço Social.
0 profissional de Serviço Social tem uma tarefa dificil e complexa
no processo de desospitalização que se propõe. Ele precisa trabalhar no sentido
22
de acabar com os preconceitos, articular forças e preparar a população para as
mudanças. Precisa também levar o doente psiquiátrico a recuperar o respeito por
si próprio, a autoconfiança, passando ele mesmo a exigir melhores condições de
tratamento e assistência. Feito isso, estará pronta a base social para a Reforma
Psiquiátrica.
CAPITULO II
2— RESSOCIALIZACÃO DO PACIENTE DO HCTP
2.1 — HCTP —
HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO -
A LG UNS ASPECTOS DA REALIDADE INSTITUCIONAL
Gostaríamos de destacar que nossa pesquisa sobre este tema teve
como principal base o recente trabalho realizado pela assistente social Manso!
Bellei, um trabalho de conclusão de curso que aborda os
"Transtornos
Mentais".
O Serviço Social: A cidadania como processo da conquista dos
direitos fundamentais".
Em janeiro de 1971, através da Lei de no 4•559 surgia o Hospital de
Custódia e Tratamento Psiquiátrico, como uma instituição integrante do sistema
penal do estado de Santa Catarina.
O HCTP teve como principal objetivo a defesa social
eo
atendimento clinico psiquiátrico. Atualmente está subordinado à Secretaria de
Justiça e Cidadania. 0 ano de 1978 teve aspectos bastante positivos para a
instituição, foi neste período que o HC'TP viabilizou e ampliou o seu quadro de
24
profissionais-técnicos. Passaram a formar a equipe: 03 médicos psiquiatras, 1
psicólogo, 1 assistente social e um número significativo de agentes prisionais.
Com o novo quadro de funcionários o HCTP
melhorou
consideravelmente tanto a nível de organização, quanto da prestação de um
atendimento mais individualizado e capacitado em relação ao trato com o
paciente.
Devido as novas contratações de técnicos e pessoal administrativo,
o HCTP sofreu profundas alterações nas suas rotinas e atividades, considerando
urna necessidade a abertura de espaço para estagiários de áreas afins como:
medicina, psicologia, educação fisica, odontologia e recentemente Serviço
Social. Formando assim, um quadro rotativo de prestação de serviços ao HCTP,
que visa não só o aumento de atendimentos, mas paralelamente busca-se a
atualização, reciclagem e a qualidade nos serviços prestados.
Como organização pública o HCTP, enfrenta na sua caminhada
institucional as mais variadas dificuldades, seja a nível funcional, burocrático,
financeiro, recursos humanos, dentre tantas outras que compõem a realidade
vivida pelo Pais nestes tempos de crise econômico-politico-social.
Características da Instituição:
O HCTP atende à uma demanda oriunda de todo o estado de Santa
Catarina. Esta demanda é composta por pacientes que apresentam transtorno
25
mental e que, ao longo de seu histórico quadro-patológico cometeram delitos
previstos no Código Penal Brasileiro.
Atualmente o HCTP tem capacidade para dar atendimento a 93
pacientes, sendo a população interna do sexo masculino com uma faixa etária
variada, seu nível sócio cultural é baixo, na maioria analfabetos ou semianalfabetos.
De acordo com BELLEI (1998, p. 44), atualmente a estrutura do
HCTP atende as seguintes finalidades:
1 - Realizar perícias psiquiátricas e confecção de laudos
de sanidade mental, dependência toxicológica e pareceres de cessação
de periculosidade e de concessão de regalias.
2 - Receber, após a sentença condenatória, para
o
comprimento de medida de segurança dententiva. A qual é de no
mínimo um (1) ano, podendo ser prorrogada por um prazo maior.
3 - Receber para fins de tratamento, por determinação
judicial, pacientes que apresentam sintomas de doença mental, no
decurso de sua prisão provisória.
4 - Atender a nível ambulatorial os detentos das
penitenciárias do estado (SC), presídios e Caso do Albergado.
5 - Encaminhar à autoridade competente da comarca de
origem do paciente, os resultados dos laudos de sanidade mental,
26
dependência toxicológica, pareceres psiquiátricos e cessações de
periculosidade.
A clientela que cumpre medida de segurança no HCTP, sente
necessidade de uma adaptação ao seu contexto ambiental, pois para sobreviver
neste espaço de regime fechado é preciso criar um novo conceito de liberdade,
uma liberdade que sofre todos os tipos de limitações.
E é assim, que o paciente prossegue a sua caminhada cotidiana
sentindo a perda dos seus vínculos afetivos, o peso do estigma de seu delito e de
sua doença mental, além do abandono da família e da sociedade em geral.
Por se tratar de Hospital de Custódia e Tratamento, a clientela do
Serviço Social
é
basicamente constituída de pacientes duplamente
estigmatizados pela sociedade, pelo fato de terem cometido delitos e pelo fato de
serem considerados doentes mentais e portanto, de "grande periculosidade". Tal
estigmatização torna o trabalho mais árduo, à medida que a família do paciente é
parte desta sociedade que o rejeita.
Sendo assim, o tratamento que é dispensado ao paciente visa a
melhora do seu quadro clinico e o resgate de sua identidade, enquanto ser
humano. Mas, a maior preocupação e o principal objetivo tem sido o tratamento
do paciente a sua reinserção sócio-familiar.
Tentando alcançar este objetivo, foram desenvolvidas suas
atividades fazendo: atendimento individual, atendimento em grupo, atendimento
familiar, passeios terapêuticos (Paciente corn longa internação e historia de
27
abandono familiar) e indicações de saídas terapêuticas regulares anteriores
desinternação.
Destacamos que esta experiência de passeios terapêuticos, vem
demonstrando que os pacientes que são autorizados pelos juizes a sair a passeio,
logo após o mesmo, exibem melhora significativa em quadro mental. Também
os pacientes que desfrutam de saídas terapêuticas regulares, tem tido maior
chance de sucesso na reinserção sócio-familiar, do que os que não passam por
esse processo.
Esses dois tipos de saídas, pressupõe sempre avaliação e indicação
pela equipe responsável ao atendimento do paciente e são encaminhados à Vara
de Execuções Penais pelo serviço jurídico do Hospital, cabendo sempre da
decisão judicial, a liberação ou não do paciente.
O funcionamento e o internamento de pacientes que cumprem
medida de segurança no HCTP, Florianópolis.
Por ser o Calico no Estado (SC), o HCTP, recebe urna clientela
heterogênea, em termos de hábitos, costumes, profissões e nível sócio-cultural.
Partindo desta realidade, o funcionamento interno da instituição
exige procedimentos específicos, mas que possuam uma certa flexibilidade para
que haja um melhor acolhimento e consequentemente um tratamento mais
humanizado, onde a figura do paciente interno receba o mil-limo respeito
possível.
28
BELLEI (1998), destaca: no que se refere aos recebimentos para
internação, os procedimentos são:
..."a vara criminal, por intermédio da autoridade competente, solicita ao
HCTP, o Laudo Psiquiátrico que apure a responsabilidade penal ou não,
referente ao delito praticado pelo paciente.
Após conclusão do Laudo e o recebimento deste pela autoridade competente,
segundo o diagnóstico psiquiátrico de irresponsabilidade penal, procede-se a
sentença condenatória de Medida de Segurança Detentiva, por tempo não
inferior a 01 (um) ano de internamento. Para o internamento, é solicitado a
vaga na instituição pela respectiva vara criminal. Estaé aguardada por um
certo período de tempo, em função da grande demanda."
Além da população interna há também uma população flutuante que
permanece no HCTP por aproximadamente 45 dias no mínimo. Esta população
flutuante de periciados vem para execução de laudo de sanidade mental, ou
dependência toxicológica, apresentando um quadro comum de angústia e
ansiedade.
Ao término da pena, os internos ou pacientes ganham o direito a 01
(um) ano de liberdade condicional, onde deverá fazer o acompanhamento
ambulatorial por um psiquiatra na sua cidade ou no próprio hospital.
Quanto ao internamento do paciente as medidas aplicadas são as da
rotina de trabalho da instituição. 0 paciente recém chegado permanece recluso
mais ou menos 05 (cinco) dias, nesse período ele é atendido pelo médico
psiquiatra perito. Apresentando condiçeies de convivência com os demais
internos passará a freqüentar o patio, enfermarias e outras atividades oferecidas
pela instituição.
29
Achamos de suma importância as atividades laborais em
instituições corno o HCTP, que são diretamente afetadas pelo estigma, e
discriminação em sua plenitude.
Assim, destacamos como fundamental as atividades laborais
desenvolvidas pelas equipes de pacientes do HCTP, vemos as mesmas como
apoio, suporte e incentivo nesse processo de tratamento e busca pela interação
institucional-social.
As equipes participam nos cuidados com: horta, lavanderia, faxina,
cozinha e rouparia. Mensalmente pelo desempenho destas atividades os internos
recebem um valor simbólico em dinheiro.
Participam também de jogos de futebol, torneios esportivos, aulas
de alfabetização e assembléias, que são realizadas semanalmente.
Atualmente em parceria corn
o SINE/FEPESE, estão sendo
desenvolvidos cursos de artesanato: cestaria, tear manual e reciclagem de papel.
2.2 — A TRAGETÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO HCTP — UMA VISÃO ATUALIZADA
A partir de 1978, com a contratação de urna assistente social o
HCTP, passou a contar com o Serviço Social no quadro de profissionais. E de hi
pra cá, a instituição, e paralelamente a profissão vem passando por períodos e
fases de reorganização, crescimento e superação dos entraves externos e internos
que fazem parte da dinâmica social.
30
Uma das principais funções do Serviço Social é a sua atuação junto
ao paciente e seu grupo familiar, numa tentativa constante de integração.
dificil conceber a idéia de que uma pessoa enferma perca seus
vínculos familiares.
"Quern não depende emocionalmente? Aqueles que cresceram ern família', ou
seja, com uma mete, uma avó, ou um pai ternos, ou criaram esta circunstância
para si mesmos e outros, reconhecem uma 'química' emocional especial, que
os relaciona corn os que são sua FAMiLIA". ZIMERMAN & OSORIO (1997,
p. 294)
Outro aspecto trabalhado pelo Serviço Social no HCTP, é a
organização do ambiente terapêutico, onde
o paciente desenvolve suas
potencialidades, aptidões, como forma de ampliar sua integração ao meio
institucional. Para isso, promove assembléias gerais, grupos com pacientes e
atendimentos individuais, além de incentivar a colaboração dos pacientes no que
se refere a higiene pessoal e da instituição.
Atualmente, o Serviço Social do HCTP atua junto a equipe
interdisciplinar com o propósito de cada vez mais ver o paciente corn transtorno
mental como um todo corpo-mente-alma, numa luta contra a discriminação, a
exclusão e o confinamento destes que antes de qualquer rótulo são seres
humanos.
A equipe do Serviço Social do HCTP é formada por 02 (dois)
assistentes sociais e por, eventualmente, 02 (dois) estagiários do Curso de
Serviço Social da UFSC — Universidade Federal de Santa Catarina.
31
Os profissionais do Serviço Social realizam detenninadas
atividades junto aos pacientes, tendo como objetivos definidos,
acompanhamento a familiares e atividades sociais. Dentro destas atividades,
pode-se destacar:
Participação nos grupos terapêuticos e equipe multidisciplinar.
* Atendimento aos familiares dos pacientes, internados na Instituição.
Elaboração de pareceres sociais, para subsidiar os laudos de sanidade mental
e cessação de periculosidade.
* Acompanhamento arnbulatorial dos pacientes
e
seus familiares ou
responsável, após a desinternação.
Participação nos grupos operativos, que são realizados semanalmente, junto
à equipe multidisciplinar e com os pacientes internados.
* Triagem feita corn os pacientes, quando ingressam nesta unidade hospitalar.
* Registros nos prontuários de todos os pacientes.
* Acompanhamento dos pacientes desde sua internação, evolução e entrevista
com familiares.
* Estudos sociais com pacientes e familiares.
* Contatos telefônicos corn familiares.
.* Visitas domiciliares para localização e contato com os familiares.
* Visitas a Instituições que no futuro possam abrigar os pacientes que não
possuem família ou responsável.
Elaboração de estatística mensal.
32
Encaminhamento dos familiares 6. Instituições oficiais, referentes
aposentadoria, auxilio doença, auxilio reclusão (INSS), dentre outros.
Comparecimento As audiências previamente marcadas pela Vara de
Execuções Penais (VEP), quando se faz necessário.
Atendimento e reuniões com grupos religiosos, que dão assistência espiritual
aos nosso pacientes.
1g> Expedição de telegramas fonados para convocação de familiares, notificando
data das audiências de desinternação (VEP e demais Comarcas).
Participação em reuniões semanais com as equipes multidisciplinares
administrativas e Agentes Penitenciários sob a coordenação da Direção da
Unidade.
Comunicação aos familiares, ern caso de qualquer ocorrência extra,
exemplificando: óbitos e transferências.
i=> Parecer em conjunto com a equipe multidisciplinar, solicitando aos Juizes,
saídas terapêuticas, visando reintegração gradativa do paciente ao meio
sócio-familiar.
Corn todos os pacientes que são internados por determinação
judicial, imediatamente, é feita uma entrevista individual, registro no seu
Prontuário e convocação dos familiares, parentes ou responsáveis pelo paciente.
Realiza-se anamnese social abrangendo os aspectos jurídicos, psicológicos e
33
psiquiátricos. Nos casos de reinternação o Serviço Social investiga as causas,
que levaram a reincidência.
No atendimento aos familiares destacam-se as seguintes atividades:
i=> Esclarecimentos das normas e rotinas da Instituição.
Preparação dos familiares para as saídas terapêuticas e definitivas.
=> Enfatizar o acompanhamento do paciente, quando este é desinternado e
necessita de tratamento ambulatorial.
No aspecto social, a equipe realiza festas dos aniversariantes do
mês e comemora datas corno o carnaval, dia das mães, dia dos pais, páscoa, festa
junina e natal.
0 Serviço Social também participa de: reuniões semanais com as
equipes multidisciplinares., objetivando discutir os casos clínicos, que requerem
a participação e intervenção da equipe multidisciplinar. Faz também reuniões
corn o chefe da clinica psiquiátrica, visando discussões dos casos clínicos,
integração familiar, saídas terapêuticas e preparação para desinternação, assim
corno reunido semanal com todos os estagiários do setor para supervisão do
trabalho institucional.
2.3 —
UMA
EXPERIÊNCIA ACADÊMICA
COM
TERAPÊUTICOS E OFICINAS ARTESANAIS NO
PACIENTES
HCTP
EM
GRUPOS
34
Nossas atividades desenvolvidas no HCTP como estagiária de
Serviço Social, foram corn grupos terapêuticos e oficinas artesanais, tendo corno
referência a teoria de Enrique Pichon Riviére e sua técnica de grupos operativos.
"O grupo é o agente de cura, e a tarefa se constitui num organizador dos
processos de pensamento, comunicação e ação que se dão entre os membros
do grupo. Podemos entender como cura a mudança de pautas estereotipadas
de funcionamento e a interação do sentir, do pensar e do agir. "(OSÓRIO,
1991. Caps 8 e 9)
O Grupo Operativo como instrumento de trabalho com
pacientes de transtorno mental.
Para PICHON RIVIERE, o homem sempre é visto em seu contexto
social, como um ser de necessidades, que busca satisfazê-las sempre em grupos.
Este homem nunca é visto isoladamente, mas a partir de seus vínculos,
determinados através das relações envolvidas nesta procura de satisfação de
necessidades. Assim, não existe doença independente do conceito social: ela 6,
antes de mais nada, a manifestação de um grupo doente depositada em alguém
que assume este papel.
Por isso, para Pichon, saúde mental significa adaptação ativa à
realidade, ou seja, a capacidade do homem para transformar a si mesmo e as
condições de sua vida.
A metodologia de ação proposta por Pichon privilegia o grupo e a
técnica por ele chamada de Grupo Operativo. Sua definição para grupo 6: "0
35
conjunto restrito de pessoas ligadas por constantes de espaços
e tempo,
articuladas por sua mútua representação interna, inter-atuando através de
complexos mecanismos de assunção e atribuição de papeis, que se propõe, de
forma explicita ou implícita, uma tarefa, que constitui sua finalidade".
A tarefa é um dos princípios organizadores da estrutura grupal. Sem
tarefa não existe grupo. Nem sempre esta tarefa é explicita.
0 desenvolvimento da tarefa é o que vai permitir o estabelecimento
dos vínculos, permitindo o desenvolvimento das interações, criando a dinâmica,
que este grupo vai estabelecer, permitindo que cada integrante vá criando uma
representação dos demais elementos, terminando pela mútua representação
interna. Pode ocorrer o estereótipo, que pode obstaculisar a realização da tarefa.
A tarefa é uma espécie de referencial retomada pelo coordenador sempre que o
grupo tenta desviar-se, por causa da resistência à mudança.
A tarefa é um dos momentos do processo grupal. São eles:
0 primeiro momento é a Pré-tarefa, quando o grupo mostra-se confuso e os
integrantes muito centrados em si mesmos. É quando aparecem os medos
básicos: o medo da perda e o medo do ataque, isto 6, diante da possibilidade
de mudança e defrontando-se com as novas relações, as pessoas temem
perder o que já era conhecido e seguro e sentem medo do ataque vindo do
novo, que é desconhecido e ameaçador. 0 grupo fica então paralisado e, por
não suportar a sensação de imobilidade, atua "como se" estivesse realizando
a tarefa.
36
0 segundo momento é o da Tarefa, quando o grupo passa a enfrentar seus
medos. Os integrantes começam a se diferenciar e conseguem enfrentar os
inevitáveis confrontos e conflitos, decorrentes dessa diferenciação. A
temática das reuniões é pertinente à tarefa e existe cooperação entre os
membros. Aqui começa a mudança grupal.
0 terceiro momento é o do Projeto em que o grupo passa a acfio
propriamente dita. Aqui a mudança social atinge a comunidade, com vistas
transformação social. Este processo é dialético, por isso os três momentos
não ocorrem linearmente. 0 grupo resiste a mudança retrocedendo e
avançando várias vezes. Alguns grupos são tão resistentes que praticamente
permanecem em Pré-tarefa.
"0 processo terapêutico do qual o grupo operativo é instrumento consiste, em
última instância, na diminuição dos medos básicos através da centralização na
tarefa do grupo que promove o esclarecimento das dificuldades de cada
integrante aos obstáculos". ZIMERMAN & OSORIO (1997, p.100)
E a partir desta atividade tarefa que o grupo age de forma a fornecer
aos participantes, através da técnica operativa, a possibilidade de se dar conta e
explorar suas fantasias básicas, criando condições de mobilizar, romper e
superar suas estruturas esteriotipadas. Esse é um processo terapêutico continuo e
sua transformação acontece a médio e longo prazo, por isso, a persistência é um
fator considerado de relevante importancia.
Uma importante atividade desenvolvida no HCTP são os grupos de
artesanato. Uma parceria realizada com o SINE/FEPESE no período de março à
37
dezembro de 1998, criou cursos de artesanato, com professores capacitados em
atividades de cestaria, tear manual e reciclagem de papel. Freqüentaram os
cursos, pacientes que mostraram interesse e persistência, lutando muitas vezes
contra o desânimo e a apatia que a própria doença e o ambiente hospitalar
cronificam.
Para FILHO (1982) "Todo trabalho executado precisa ter certo
sentido para o doente, ser produtivo, atraente e divertido até certo ponto".
No período de dezembro de 98 à maio de 99, passamos a coordenar
as oficinas de artesanato, procurando dar continuidade as atividades
desenvolvidas de forma que os pacientes se sentissem estimulados a terminar
seus trabalhos já iniciados e partissem para confecção de novos, usando assim,
sua criatividade, responsabilidade pela qualidade e gosto próprio na escolha do
material utilizado.
Acreditamos que as oficinas de trabalho produtivo, levam o
paciente a um desenvolvimento criativo e a busca de sua própria essência, numa
tarefa em que possa se identificar com o que faz e o que gosta.
"A' necessário que se defina quem será o sujeito das políticas e práticas
reabilitadoras: o exército de cronificados moradores dos Hospitais
Psiquiátricos? Os milhares de 'des-habilitados' que se vão produzindo ás
margens de uma sociedade desigual e intolerante para os seus homens e suas
idiossincrasias? Que tem como alternativa de sobrevivência uma via marginal,
`louca' sem jamais ter tido chances de se 'habilitar' para qualquer coisa?"
PITTA (1996, p.20)
38
Constatamos que as oficinas terapêuticas constituem instrumentos
indispensáveis num processo de ressocialização de sujeitos corn transtornos
mentais não apenas por treiná-los na capacitação em oficios utilitários, mas,
principalmente, por exercitá-los na prática da exteriorização de suas
interioridades subjetivas, procedimento este necessário à passagem do sujeito
particularizado para o sujeito social.
Uma oficina terapêutica é assim chamada por falta de melhor
terminologia, pois que o trabalho com pacientes com transtorno mental,
aproxima-se mais da arte que do oficio, forma-se mais o cidadão que o artesão.
Saber um oficio é importante, mas não é tudo na vida dos sujeitos.
0 nosso trabalho com grupos terapêuticos passou a realizar-se três
vezes por semana, sendo um encontro para a Reunião de Reflexão e os outros
para as Oficinas Artesanais, onde trabalhamos com cestaria e tear manual.
Nas Reuniões de Reflexão achamos prioridade tratar dos seguintes
assuntos:
- discutir os passos das atividades desenvolvidas nas oficinas de cestaria e tear ,.
compra do material utilizado;
- divisão dos recursos financeiros;
beneficios que as atividades (o grupo) estão trazendo ao paciente;
- sugestões e formas de incentivar outros pacientes a participarem das
atividades;
39
formas de melhorar o relacionamento entre os pacientes, funcionários e a
equipe técnica, buscando trabalhar o respeito, a educação e a amizade;
sugestões para o lanche diário e para o lanche especial realizado uma vez por
mês.
No inicio, o grupo apresentava dificuldades. Alguns pacientes não
conseguiam manifestar suas idéias, opiniões, demonstrando um estado de
ansiedade, sendo, as vezes, a palavra monopolizada por um algum dos pacientes.
No decorrer dos encontros, procuramos trabalhar as questões
apresentadas de uma forma participativa, mostrando a importância de cada
membro no grupo, seu papel e sua responsabilidade, estimulando assim, a autoconfiança, o respeito e a criação de vínculos.
Um fator que consideramos bastante positivo foram os momentos
ocorridos quando da distribuição dos lanches, que proporcionaram momentos de
alegria, descontração e solidariedade entre os membros do grupo.
A medida que o grupo foi tomando consciência da sua autenticidade
e seu poder enquanto grupo, os pacientes passaram a reivindicar melhores
condições para realizar seus trabalhos e a mostrar a importância do mesmo para
a sua recuperação.
Nas Oficinas Artesanais, nosso trabalho foi coordenar o grupo de
cestaria e tear manual, procurando dar continuidade as atividades na ausência
das professoras, para que os pacientes continuassem colocando em prática as
40
técnicas já aprendidas, confeccionando peças com bom gosto e qualidade corn a
finalidade de obter uma boa aceitação de venda.
Observamos que a medida que os pacientes produziam, iam cada
vez mais aperfeiçoando seus trabalhos e integrando-se enquanto grupo. Com as
vendas dos produtos, despertou-se o interesse por uma maior produção, surgindo
a idéia por parte de alguns pacientes em transformar essas atividades em
profissões quando fora do hospital.
Um ponto questionado pelos pacientes e profissionais é a falta de
um espaço, um ambiente próprio para as oficinas terapêuticas e artesanais, pois
as mesmas são realizadas no refeitório, fato que dificulta e limita as atividades.
Quanto a importância do trabalho na reabilitação do portador de
transtorno mental, constata-se que a possibilidade do paciente exercer urna
atividade conduz o mesmo a novas práticas diante do sofrimento mental.
0 ser humano conta com urna estrutura biológica e psico-social. A
Instituição que se propõe a tratar o doente mental deve levar em conta estes três
aspectos ao estabelecer o plano de tratamento. 0 biológico será tratado através
da medicação. 0 social através dos grupos que resgata também o psicológico.
necessário um trabalho que dê dados de realidade ao paciente, que ele possa
estabelecer vínculos, ser reconhecido como sujeito.
Cada pessoa tem uma história que precisa ser escutada, de forma
que, o paciente seja tratado e não somente sua doença. Quando desenvolve
atividade é a possibilidade de utilizar seus recursos de saúde, reconhecendo-se
41
que o paciente tem uma parte saudável, devemos buscar que ele também assuma
responsabilidades. Ser saudável é o ser responsável, que tem direitos e
obrigações. Acreditamos que ter saúde "6 ter meios de traçar um caminho
pessoal e original, em direção ao bem estar físico, psíquico e social".
2.4 — RESSOCIALIZACAO - GRUPOS
TERAPÊUTICOS NA VISÃO DO PORTADOR DF
TRANSTORNOS MENTAIS E DOS PROFISSIONAIS
Para entendermos melhor o significado de Ressocialização, na visão
do paciente portador de transtornos mentais e profissionais, realizamos
entrevistas não estruturadas com 05 (cinco) internos que fazem parte do grupo
terapêutico da referida instituição e também com 06 (seis) profissionais da área
técnica.
A partir do relato desses pacientes, analisaremos o significado de
ressocialização e a importância da mesma na condição de internos
e
profissionais do HCTP.
Gostaríamos de destacar que não citaremos os nomes dos
entrevistados em nossos relatos, afim de preservar a identidade das pessoas
envolvidas.
2.4.1 —
A VISÃO DOS PORTADORES DE TRANSTORNOS
INSTITUCIONALIZADOS
MENTAIS
42
a) 0 significado do "estar no HCTP"
"...E muito difícil viver assim, você não tem liberdade para fazer as
coisas mais simples. E uma vida de cão que eu não desejo para ninguém."
"...0 que eu acho pior é ficar fechado, os médicos nem olham para
minha cara, isso é lugar para gente doente, louca, não sei o que estou fazendo
aqui."
"...Me sinto muito nervoso, agitado. Para mim, é a mesma coisa que
estar na cadeia pública, apesar de que aqui no HCTP tenho um tratamento
melhor."
"...Me sinto impregnado, quero ir embora. Não agüento mais esta
situação."
"...Esse lugar é para louco! Eu não sou louco. Meu lugar é la fora,
junto com a minha família."
b) A importância da participação nas atividades realizadas na instituição
43
CG
...Acho muito importante, desenvolvo atividades na rouparia, já
trabalhei na cozinha, na limpeza, gosto de organizar as coisas, atualmente ajudo
no cuidado de um paciente com deficiência mental."
"...Acho bom porque ajuda a passar o tempo mais rápido, e me sinto
"...Gosto muito, pois abre minha mente. Enquanto trabalho, não
penso em besteiras."
"...Antes de vir para cá, sempre trabalhei. Acho importante
continuar, pois não gosto de ficar na preguiça."
Destacamos a importância da educação fisica que foi ressaltada
pelos pacientes como uma atividade saudável:
"A atividade faz bem para a alma, para o corpo e para a saúde."
"Gosto das atividades esportivas, caminhadas e jogar bola."
"E muito importante fazer educação fisica, pois me ajuda a vencer
os efeitos que a medicação me causa."
44
c) Participação das oficinas terapêuticas
4.4
...Acho importante, pois aprendi a fazer cestaria com jornal, e já
consegui ganhar algum dinheiro com a venda dos produtos."
"...Depois que estou nas oficinas, me sinto bem melhor, e pretendo
dar continuidade a essa atividade como profissão."
"...Nas oficinas aprendi a valorizar todas as artes manuais."
"...Gosto muito do tear manual. Quando eu sair, quero ganhar a vida
fazendo tapetes."
"...Me sinto útil, pois é um trabalho digno que da para ganhar algum
dinheiro."
d) Expectativa de alta-hospitalar
"...Pretendo voltar a trabalhar, andar limpo, casar.
"...Organizar minha vida, quero ser independente, casar, fazer uma
casa e arrumar uma família para mim."
45
CC
...Quero estudar, trabalhar e até penso em casar."
CC
...Quero voltar para minha família. Espero que eles me perdoem,
me dêem uma nova chance."
"
...Quero sair, tomar refrigerante, sorvete, ir a praia, fazer todas as
coisas que não consigo fazer aqui."
0 que se percebe diante dos relatos dos pacientes é que poucos se
sentem tratados como seres humanos. No HCTP, a situação de "loucura" é
negada e o sentimento de insatisfação é bem acentuado. 0 modo como
vivenciam essas relações demonstra o pouco valor que dão a si mesmos, As
pessoas que os cercam e as situações em que estão envolvidos.
Embora o hospital procure envolver os pacientes em diversas
atividades, tais como: limpeza de enfermaria, rouparia, refeitório, oficinas
terapêuticas, educação física, estamos cientes que isto é ainda insuficiente. Os
próprios pacientes nos cobram a importância de estarem em alguma atividade.
Constatamos
que as oficinas terapêuticas são instrumentos
indispensáveis para Ressocialização dos pacientes, sendo que sua principal
finalidade é capacitá-los e treiná-los aproximando-os da arte e resgatando seu
papel de cidadão.
46
Quanto as respostas referentes a alta-hospitalar, notamos que existe
uma grande ansiedade dos pacientes em relação a sua saída do HCTP. Durante
um nitmero variável de dias o hospital foi o seu ambiente. Independentemente
do tipo de vida que cada um tinha antes da internação, todos anseiam pela data
da saída, afim de executarem o que planejam, a reconstituição de suas famílias e
seu trabalho.
Como podemos ver, são desejos simples que retratam, como
quaisquer outras pessoas, que eles também querem reconhecimento como seres
humanos, dando sua contribuição de acordo com o que sabem e corn disposição
de aprender coisas novas.
Nós enquanto profissionais,
entendemos que é fundamental
promover o resgate da cidadania para esses pacientes que estão vivenciando
dificuldades sociais e que não conseguem manter sua própria subsistência
cotidiana. É importante intermediar o processo de reabilitação de cada paciente,
afim de que possam ser fortalecidas sua independência e auto-confiança, para
um projeto de vida fora dos muros hospitalares.
2.4.2 — A VISA() DOS PROFISSIONAIS
FRENTE A RESSOCIALIZAÇÃO
DOS
PORTADORES DE TRANSTORNOS MENTAIS
Foi no HCTP, na convivência diária com paciente, funcionários,
equipe técnica e toda a realidade institucional, que percebemos a necessidade de
47
conhecer a visão dos profissionais envolvidos no tratamento dos pacientes com
transtornos mentais.
Para tanto, elaboramos um roteiro de entrevista, com perguntas
abertas, afim de colhermos depoimentos dos profissionais das seguintes áreas:
Serviço Social, Educação Física, Psiquiatras e Agentes Prisionais, pois
acreditamos que através de suas falas poderíamos conhecer e analisar sua
compreensão da doença mental e o seu papel na atual situação institucional.
a) Definindo o trabalho com pacientes portadores de transtornos mentais.
"...Considero o meu trabalho humanitário com vistas no resgate da
sua identidade e cidadania. Buscando urn tratamento da pessoa portadora de
transtorno, lidando com o lado saudável do paciente."
"...Nos dias atuais, mais gratificante que no passado, haja visto o
enorme desenvolvimento e descobertas psicofarmacológicas e neurobiológicas
nesta década, proporcionando uma remissão mais rápida dos sintomas do
paciente e, consequentemente, sua breve reintegração socio-familiar."
"...A educação fisica é usada aqui no HCTP como recurso
terapêutico. Visa o bem estar bio-psico-social do interno. Através das atividades,
o interno tem oportunidades de extravasar seus anseios, agressividades, energia,
48
exercitar suas habilidades, coleguismo, autoconfiança, fortalecer e criar novos
vínculos, se sentir parte de um grupo."
"...Defino corno um trabalho muito rico, pois a luta pela saúde, pelo
direito a vida, pela dignidade, pelo resgate da cidadania do portador de
transtornos mentais, faz com que eu me comprometa, cada dia mais, enquanto
profissional dessa área, com a construção de uma sociedade mais justa,
democrática e, principalmente, mais humana."
b) A percepção que o profissional tem do HCTP.
"...0 HCTP, tem uma estrutura peculiar, pois é um hospital de
custódia. Sinto necessidade de outros profissionais, como enfermeiros,
atendentes de enfermagem, terapeutas ocupacionais, entre outros, além de urna
ideologia à instituição."
"...Com imensas dificuldades e totalmente 'esquecida' do Governo
do Estado, um pouco pior que outras áreas da Saúde."
"...0 HCTP, necessita rever sua estrutura, pois não consegue
desenvolver sua função que é 'ser um Hospital'. Grande parte dos funcionários
não conseguem se integrar, ou melhor, compreender o objetivo da Instituição."
49
...A instituição HCTP foi criada para atender a interface
justiça/loucura; desde a sua criação até os dias de hoje, talvez não consiga
corresponder as expectativas desejadas, no sentido da doença e do vai e vem'
dos pacientes e da resolutividade satisfatória aos problemas pertinentes. -
c) O movimento de reforma psiquiátrica.
"...A Reform Psiquiátrica prevê um atendimento mais humanizado
ao doente mental, mas está longe de se concretizar."
"...Necessária e mais racional. Após as emendas ao projeto
aprovado no Congresso recentemente."
"...Seria bom„ se as comunidades e familiares tivessem condições
financeiras para acolher o doente mental e, assim, sanar suas necessidades. Mas,
o que acontece é o contrário, a família tem muitas carências e a grande maioria
das cidades não tem estrutara para tal."
...A Reforma Psiquiátrica é um movimento de reavaliação de
conceitos, procedimentos e cuidados no trato com as pessoas portadoras de
transtornos mentais e em defesa da assistência psiquiátrica não asilar. Não é um
movimento exclusivo da sociedade brasileira, pois identifica-se com os ideais de
50
lutas
encontradas nos países europeus, sendo que correspondem as
recomendações de Organismos Internacionais (0.N.U.)."
e) Expectativas em termos de Reabilitação Psicossocial.
"...As expectativas existem, mas nem sempre temos condições de
realiza-las, muitas vezes por falta de estrutura fisica, financeira, etc. Atualmente,
faz-se grupos operativos, oficinas terapêuticas, grupos de alta-progressiva."
muito otimistas,
em decorrência das dificuldades
enfrentadas pela Instituição."
"...Penso que com o trabalho integrado e continuado — hospital,
família e comunidade — muitos teriam chances de se reabilitar."
f) Relação profissional versus paciente.
" Minha relação com os internos é bastante ética. Sinto que a
afetividade é reciproca e, através do respeito, colaboração e compreensão,
acabamos nos tornando cúmplices no tratamento."
51
"...Nossa relação sempre foi muito verdadeira, humana, digna, de
ambas as partes. Sempre procurei trabalhar os efeitos negativos que geram a
exclusão, discriminação e a negação da cidadania do interno, procurando fazer
um resgate da sua identidade."
"...De minha parte, conhecedor do poder, que a figura do médico
exerce sobre
o
paciente, especialmente, naquela pessoa carente
e
institucionalizada, procuro me relacionar de maneira mais informal e fraterna."
Analisando a fala dos profissionais, acreditamos que a valorização
dos papeis e dos saberes na construção coletiva de um projeto, passa,
necessariamente, pela construção de um olhar individual e coletivo estimulando
o conhecimento cientifico. É preciso um constante repensar critico, em cada
contexto, onde diferentes profissionais de saúde mental interagem com
o
fenômeno da doença mental.
A discussão entre a possibilidade das areas técnicas de saúde
mental, criarem ações que viabilizem de maneira concreta, uma construção
dialética entre as realidades no campo psicossocial. Diante disto, deve-se pensar
nas práticas e nos saberes que se constróem na dinâmica das ações coletivas,
levando em conta a participação dos diferentes atores sociais, em especial, das
posturas éticas que cada profissional de saúde mental dispõe, tanto na area
52
social, proteção e reabilitação, assim como, da crença que cada um destes
profissionais mantém a cerca de um projeto interdisciplinar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
0 desafio da Ressocialização do Paciente Portador de Transtorno
Mental se lança quando pretende-se oferecer uma forma nova de intervenção
social àqueles indivíduos, que por inúmeras razões, entre elas a condição da
enfermidade mental, apresentam características que os impedem de reingressar
no mercado de trabalho, ao menos dentro desta lógica competitiva, sistemática e
seriada que o sistema de produção impõe. Sabe-se que este reingresso de
trabalhadores acometidos por algum tipo de transtorno mental, não é respeitado
em sua especificidade, levando-os a uma dupla segregação social: pela condição
de doentes mentais e por não terem mais uma participação efetiva enquanto
trabalhadores.
Diante dessa realidade, entendemos que o profissional de Serviço
Social, precisa trabalhar no sentido de acabar com preconceitos, articular forças
e preparar o usuário para mudanças.
A Reforma Psiquiátrica deverá pensar a Reabilitação num sentido
amplo, "reintegrando" os trabalhadores, "devolvendo-os" ao mercado de
trabalho tal como ele se institui na estrutura atual da nossa sociedade.
0 presente trabalho possibilitou-nos perceber que a participação do
usuário de saúde mental, envolvido numa nova forma de reintegração social,
possa garantir uma produção diferenciada daquela que os segregou e que
54
também os levou ao adoecimento, ou seja, oportunizá-los a uma produção
significadora, uma possibilidade concreta de uma vida mais digna.
A compreensão da luta pela superação do modelo hospitalocêntrico,
agressor de direitos nos coloca diante de novas possibilidades de cuidados e
Ressocialização, sendo que uma das principais estratégias a ser trabalhada
refere-se a desconstrução da loucura e a partir do modo de conceber o indivíduo
em sua experiência e seu sofrimento especifico.
As oficinas terapêuticas são uma proposta de Ressocialização e
intervenção em saúde mental que proporcionam aos usuários o resgate e a
superação das dificuldades vivenciadas em sua experiências cotidianas e nos
diferentes espaços que irão ocupar.
0 desafio desta prática pode ser pensado a partir do resgate da
História e da Assistência Psiquiátrica em suas implicações socioculturais ao
tratar a realidade social destes usuários.
A base das oficinas consiste na tomada da dimensão cultural
trabalhada em seu cotidiano, produzindo diferentes espaços e um modo especial
de olhar e relacionar-se com as pessoas envolvidas.
Enfim, pensamos extrair dessa experiência a possibilidade de
reconstruir, resgatar parte da história de vida desses usuários, de trocar corn os
demais, algumas das dificuldades encontradas e vivenciadas por estes, não
perdendo de vista a especificidade de cada um neste processo, mas trabalhando a
55
diversidade de oportunidades, descontraindo a noção de que é necessário ser
igual para "ser aceito socialmente".
BIBLIOGRAFIA
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22.SANTOS, Nelson Garcia. Do hospício à comunidade : Políticas públicas de
saúde mental. Ilha de Santa Catarina : Letras Contemporâneas, 1994.
ANEXOS
DADOS DA DISCIPLINA DE ESTAGIO SUPERVISIONADO
Nome do aluno: Marika Pereira Pacheco
Matricula: 9221628-5
Ano do desenvolvimento do Estágio I:
Semestre:
Nome do local do estágio: Hospital Infantil Joana de Gusmão
(HIJG) Florianópolis.
Nome da supervisora da Instituição:
Nome da supervisora da UFSC:
N° de horas desenvolvidas:
Ano do desenvolvimento do Estágio II:
Nome do local do estagio: Hospital Infantil Joana de Gusmão
(RUG) Florianópolis.
Nome da supervisora da Instituição:
Nome da supervisora da UFSC:
l‘r de horas desenvolvidas:
Semestre:
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Ano do desenvolvimento do Estágio III:
Semestre:
Nome do local do estágio: Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
(HCTP) Florianópolis.
Nome da supervisora da Instituição: Maria Sirene Cordiolli
Nome da supervisora da UFSC: Katia Macedo
1\1' de horas desenvolvidas:
Coordenadora de Estágio/DSS/CSE/UFSC
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ROTEIRO DE ENTREVISTA (PORTADOR DE TRANSTORNO MENTAL)
1) Como é para você estar internado na instituição HCTP?
2) Você Acha importante participar das atividades realizadas na instituição?
3) 0 que você está achando de participar das oficinas terapêuticas?
4) Qual sua expectativa de alta-hospitalar? 0 que você pretende fazer la fora?
5) Você sente alguma melhora no seu tratamento ao freqüentar as oficinas
terapêuticas?
6) Quais suas perspectivas de trabalho, o que você gostaria de fazer?
7) Se você tivesse oportunidade hoje de mudar alguma coisa, em sua vida, o que
você mudaria?
61
ROTEIRO DE ENTREVISTA (PROFISSIONAIS DA INSTITUIÇÃO)
1 ) Como você define seu trabalho corno pacientes portadores de transtornos
mentais?
2) Como você percebe a Instituição HCTP?
3) Corno você entende o movimento de Reforma Psiquiátrica hoje?
4) Qual suas expectativas em termos de Reabilitação Psicossocial, com
pacientes desta Instituição?
5) Corno você descreveria sua relação, seu contato profissional corn os
pacientes?
6) Corno profissional de urna Instituição corno o HCTP, você sofre algum tipo
de discriminação?
7) Se voce tivesse oportunidades profissionais de escolha, continuaria
trabalhando em Instituições Psiquiátricas?
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A RESSOCIALIZACÃO DO PACIENTE PORTADOR DE