PADRONIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA ULTRA-SONOGRAFIA NA AVALIAÇÃO DA LIPODISTROFIA HIPERTROFICA Cristiane Rose Ribeiro, MD; Ricardo Frota Boggio, Ph.D.; Adolfo Ribeiro Carlucci, MD. Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino-IBRAPE, São Paulo, Brasil. Autor: Cristiane Rose Ribeiro, MD. Instituto Brasileiro de Pesquisa e Ensino-IBRAPE Av. Brigadeiro Luiz Antônio, 3005, casa 06 Jd. Paulista, São Paulo, SP – Brasil CEP: 01401-000 Fone/FAX: +55-11-21147700 E-mail: [email protected] INTRODUÇÃO A Lipodistrofia hipertrófica é definida como uma alteração estética, sem mobilidade, caracterizada pelo aumento do volume de regiões corporais, à custa da hipoderme correspondente. A adipogênese ocorre durante os períodos pré e pós natal, reduzindo-se a medida que a idade avança. Semelhante aos fibroblastos, o pré-adipócito deriva de uma célula mesenquimal precursora. Os pré-adipócitos podem seguir duas vias de diferenciação celular: uma via resulta na formação da gordura branca (unilocular), que tem como principal função o armazenamento de energia em longo prazo, e a outra via, que resulta na formação da gordura marrom (multilocular), cuja principal função é dissipar, ao invés de armazenar energia. A insulina ligada ao fator de crescimento -1 semelhante a insulina (IGF1) estimula ambas as vias adipogênicas, fazendo com que os pré-adipócitos sintetizem a lipoproteína lipase, passando acumular gordura em pequenas gotículas. No individuo adulto há o predomínio da gordura branca, uma vez que a maior parte da gordura marrom é perdida na infância. A gordura marrom é encontrada no adulto em pequena quantidade no pescoço, nos ombros, nas costas e nas regiões peri-renal e para-aortica. O adipócito, na gordura branca, caracteriza-se como uma célula arredondada, com uma grande vesícula central repleta de triglicérides, que acaba por deslocar o núcleo e o citoplasma para a periferia, formando um anel ao redor da gota lipídica (anel de sinete). O acúmulo e a liberação de lipídeos pelos adipócitos é regulado por 3 principais hormônios: insulina, catecolaminas e prostaglandinas. O tecido adiposo é inervado pelo sistema nervoso simpático, sendo ricamente vascularizado. Sua vascularização passa a ser maior ainda se levada em consideração à proporção de vascularização/citoplasma. As células do tecido adiposo dispõem-se em dois planos anatômicos separados por uma fina membrana de tecido conjuntivo, a fáscia superficial. A camada mais superficial, denominada areolar, é composta por adipócitos, geralmente poligonais, estando em intima relação com a derme. A camada lamelar, mais profunda, é a que acumula ganhos de energia, sendo a primeira a ter sua espessura reduzida quando o individuo emagrece. Além de armazenar triglicérides, o tecido gorduroso tem como funções: isolamento térmico, proteção contra traumas, preenchimento de espaços, além de apresentar importante função endócrina, como a secreção da leptina. O aumento do volume loco-regional do panículo adiposo pode ocorrer por aumento do volume do adipócito ou pelo aumento do número de adipócitos na região, caracterizando assim, as chamadas lipodistrofias hipertróficas e hiperplásicas, respectivamente. • LIPODISTROFIA HIPERTROFICA: A quantidade de adipócitos é normal e estes são anormalmente volumosos, apresentando em seu interior lipídios armazenados e água intracelular. É menos severa, sendo, normalmente, responsiva a dietoterapia e demais tratamentos • LIPODISTROFIA HIPERPLASICA: possivelmente ligada à expressão genética, apresenta certas características histológicas, como a quantidade de adipócitos muito elevada, sendo o volume da unidade celular considerado normal. Este tipo responde pouco a tratamentos clínicos convencionais, devido ao grande compartimento disponível para armazenamento lipídico e a impossibilidade de retirada de parte o total destas células (a não ser por lipoaspiração) A lipodistrofia pode ser ainda classificada de acordo com a distribuição do panículo adiposo, determinando diferentes características ao contorno corporal: • LIPODISTROFIA GINÓIDE: sobrecarga adipocitária presente nas regiões trocantéricas, coxo-femural e glútea. • LIPODISTROFIA ANDROIDE: prejuízo estético nas regiões de características sexuais secundárias, simulando biótipo masculino. Ocorrência no tronco e membros • LIPODISTROFIA EM GARRAFA: sobrecarga adipocitária em todo o segmento inferior corporal. Aumento do volume do tecido gorduroso nos quadris, região glútea, coxas e pernas, até a região maleolar. • LIPODISTROFIA CENTRAL: grande concentração adipocitária na região abdominal, podendo ou não estar relacionada ao hiperinsulinismo. A avaliação do contorno corporal e a determinação da composição corporal podem ser realizadas por métodos diretos, indiretos e duplamente indiretos. Pode-se considerar como métodos indiretos a relação peso altura, medição de dobras cutâneas, mensuração da impedância biolétrica (BIA) ultrasonografia do tecido adiposo e ressonância nuclear magnética, entre outros. Por meio da ultra-sonografia, ondas mecânicas (sonoras) são transmitidas através dos tecidos e seus ecos são recebidos e analisados. Na análise da espessura do panículo adiposo, o objetivo do ultra-som é medir a distância entre pele-gordura e gordura-músculo. As ondas transmitidas são, posteriormente, refletidas a partir destas interfaces, sendo que o tempo de transmissão de ida e volta do receptor é transformado num escore de distância. Trata-se de uma avaliação segura, com resultados confiáveis mesmo quando a mensuração é repetida em posições diferentes, como sentada ou ereta. A utilização de transdutores de alta freqüência de 7 a 12 MHz proporciona uma boa avaliação da espessura do panículo adiposo e, conseqüentemente, lipodistrofia hipertrófica. Transdutores com freqüência de 7,5 MHz a 10 MHz permitem uma penetração maior que 15 mm. È importante lembrar que à medida que aumenta a freqüência do transdutor, melhor será a resolução de imagem. Porém, esta, terá um campo de imagem menor e baixa penetração em profundidade do feixe sonoro. O Objetivo do presente trabalho foi criar uma padronização, para utilização da ultra-sonografia na avaliação da lipodistrofia hipertrófica, que possa enriquecer o arsenal propedêutico da medicina estética . MATERIAS E METODOS O aparelho de ultrasonografia utilizado no presente trabalho foi um GE, multifrequencial, modelo Logic 5. A freqüência utilizada foi de 12 MHz. O transdutor foi sempre posicionado em sentido transversal. As pacientes foram examinadas em decúbito dorsal e lateral, sendo solicitadas as mesmas, que no momento da mensuração, prendessem a respiração, após a expiração espontânea, com o objetivo de se evitar o deslocamento diafragmático e a possível geração de artefatos. Há referências de que espessura do tecido subcutâneo (TCSC) não sofra alterações significativas quando se faz mensurações em posições ortostáticas, decúbito dorsal ou sentado. . Considerando que o TCSC posiciona-se superficialmente, sendo passível de deformação a compressão, tomou-se o cuidado para que o contato do transdutor, com o referido plano anatômico, fosse o mais leve possível, evitando assim, a formação de deformidades que pudessem interferir na leitura de real espessura do panículo adiposo. Foi utilizada ainda uma boa camada de gel, entre o transdutor e a pele, a fim de diminuir a geração de artefatos. Todas as mensurações foram realizadas, em cada ponto, três vezes, sendo o valor tido como referência, a média das três mensurações. Todas as pacientes foram avaliadas três vezes, com intervalo de uma semana entre as avaliações, sendo as mensurações realizadas sempre nos mesmos pontos. Para analise estatística foi utilizado o teste de ANOVA. O software utilizado para analise dos dados foi o Graph Ped Prisma (Graph Ped Software, Inc., San Diego, CA, USA). RESULTADO Considerando-se a parede abdominal anterior, estabeleceu-se 3 pontos de referência denominados por: • A= anel umbilical • B= rebordo costal inferior • C= crista ilíaca superior Foram traçadas 3 linhas imaginárias horizontais, uma passando pelo anel umbilical (linha A), outra pelos rebordos costais inferiores (linha B) e uma terceira pelas cristas ilíacas superiores (linha C); Além das linhas horizontais, foram traçadas três linhas imaginarias verticais, uma passando uma pela região central, por cima da cicatriz umbilical e perpendicularmente a linha A horizontal, outra pela linha mamilar direita, denominada linha 1, e uma terceira pela linha mamilar esquerda, denominada linha 2. A partir destas linhas, os pontos de mensurações foram estabelecidos no andar superior do abdome: • 5 cm acima da região umbilical, na linha média (LMS); • 5 cm acima da intersecção da linha A e a linha 1, este ponto relacionase com o hipocôndrio direito (ASD); • 5 cm acima da intersecção de linha A e a linha 2, este ponto relacionase ao hipocôndrio esquerdo (ASE); Pontos de mensurações no andar inferior do abdome: • 5 cm abaixo do anel umbilical, na linha média (LMI); • 5 cm abaixo da intersecção da linha A com a linha 1 (AID); • 5 cm abaixo da intersecção da linha A com a linha 2 (AIE); As medidas, respeitando os 6 pontos estabelecidos, foram representadas por siglas, como as apresentadas na tabela abaixo: ASD LMS ASE AID LMI AIE Andar superior direito Linha média superior Andar inferior esquerdo Andar inferior direito Linha média inferior Andar inferior esquerdo Figura 1: Representação esquemática dos pontos mensurados em abdome anterior. Protocolo para as medidas propostas para lipodistrofia em flanco: Direito: posiciona-se o paciente em decúbito lateral esquerdo, traça-se linha horizontal imaginaria no rebordo costal inferior direito e linha imaginaria na crista ilíaca superior direita. A distância entre estas duas linhas é dividida em dois pontos eqüidistantes. Esquerdo: posiciona-se o paciente em decúbito lateral direito, traça-se linha horizontal imaginaria no rebordo costal inferior esquerdo e linha imaginaria na crista ilíaca superior esquerda. A distância entre estas duas linhas é dividida em dois pontos eqüidistantes. Figura 2: Representação esquemática dos pontos mensurados em decúbito lateral. As diferenças entre as mensurações em cada um dos pontos estudados não exibiram diferenças significativamente estatísticas (p>0,05), validando o método como confiável na determinação da espessura do panículo adiposo e, conseqüentemente, da lipodistrofia hipertrófica. DISCUSSÃO A medicina estética é uma área de medicina com grande potencial de desenvolvimento, tendo procurado cada vez mais o auxilio de métodos de avaliação e análise para diagnostico e acompanhamento das patologias de interesse. A prevalência da lipodistrofia hipertrófica e da obesidade tem crescido rapidamente nos últimos tempos. Pela primeira vez na história, o número de pessoas com sobrepeso esta aumentando mais rapidamente que o numero de pessoas abaixo do peso ideal. A localização e o acúmulo do panículo adiposo estão condicionados a diversos fatores, dentre eles: genéticos, metabólicos, emocionais e sociais. O TCSC exerce importante influência sobre o contorno corporal, podendo minimizar o contraste entre saliência e depressões, comprometendo desta maneira, a plasticidade da região. As alterações lipodistróficas devem ser detalhadamente avaliadas a fim de se devolver ao contorno corporal seu equilíbrio natural. A ultrasonografia é um método de imagem que tem, cada vez mais, se consagrando na avaliação do contorno corporal, sendo um método seguro, de baixo custo e capaz de proporcionar resultados confiáveis. A ausência de uma metodologia para padronização da avaliação do TCSC pelo uso da ultrasonografia, no que se refere a lipodistrofia hipertrófica e sua repercussão estética, faz do presente trabalho uma referência a ser reproduzida por aqueles que pretendem diagnosticar e proporcionar a seus pacientes resultados mais acertados. CONCLUSÃO A ultrasonografia é um método de avaliação seguro e confiável, que ao ser aplicado na avaliação do lipodistrofia hipertrófica, fornece informações importantes ao médico assistente, sobre a real situação do panículo adiposo, permitindo assim, que o mesmo possa elaborar protocolos terapêuticos mais individualizados e acertados, favorecendo desta maneira, a obtenção de melhores resultados. REFERENCIA CONSULTADA ASHWELL M., CHINN S., STALLEY S., GARROW J.S. 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