UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE CURSO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PATRICIA NASCIMENTO MARQUES A HORA DE TRABALHO PEDAGÓGICO COLETIVO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA São Paulo 2009 Patricia Nascimento Marques A HORA DE TRABALHO PEDAGÓGICO COLETIVO COMO ESPAÇO DE FORMAÇÃO CONTINUADA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Presbiteriana Mackenzie como requisito para a obtenção do grau de Licenciada em Ciências Biológicas. Orientador: Prof. Dr. Adriano Monteiro de Castro São Paulo 2009 Às três aves da minha vida, pelo simples fato de existirem. AGRADECIMENTOS À Universidade Presbiteriana Mackenzie, principalmente ao Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS), pelos recursos físicos e humanos que fazem jus aos anos de tradição em ensino. Ao Dr. Adriano Monteiro de Castro cujo respeito e admiração jamais poderão ser expressos em palavras. Pela dedicação, paciência e tempo a mim devotados e, fundamentalmente, por me mostrar logo no início da licenciatura que, independentemente da responsabilidade que a docência exija, somos capazes de driblar as barreiras (extrínsecas e intrínsecas) e fazer nossa parte pela melhoria da educação para TODOS. A ele, minha eterna gratidão! Aos demais professores da licenciatura, pelo incentivo e respeito ao longo dessa jornada. À Dra. Rosana dos Santos Jordão e Ms. Ana Nicolaça pela disponibilidade em colaborar com o aperfeiçoamento da minha vida acadêmica nesta importante etapa. Aos amigos de classe que venceram o cansaço, o sono e, com muita glória, estão concluindo mais essa fase em suas vidas. Não desistentes da licenciatura, uni-vos! À minha família que, apesar de pequena, ocupa um espaço enorme em meu coração. Aos tios e primos de Guarulhos, pelo abraço que só eles têm. À minha mãe, Maria Lúcia, minha melhor amiga, pelo sorriso sem o qual não sou capaz de viver. Ao meu pai, José Manuel, por ser mais que um herói para sua caçulinha. À minha irmã, Priscila, que iniciou, da melhor forma possível, a vida acadêmica na família. Pelas longas conversas, pela paciência, e por existir em minha vida esses 22 anos. Ao meu cunhado, Maurilio, pela árvore de Natal que transformou a minha família. Enfim, a todos aqueles que fazem parte da minha vida e, mesmo da maneira mais sutil, me ajudaram a chegar até aqui, meus sinceros agradecimentos. RESUMO Esta pesquisa, de natureza qualitativa, teve como objetivo reconhecer e analisar o uso da HTPC como espaço de formação continuada. Os procedimentos metodológicos consistiram na realização de uma entrevista além de registros das observações de dois encontros em um caderno de campo. O trabalho com os dados coletados mostraram que há muita discrepância entre o que acontece nas reuniões do colégio acompanhado em vista do que é previsto que aconteça, com base no documento da CENP. Assim, o presente estudo abordou a necessidade de espaços colegiados para a formação continuada de professores buscando a emancipação e reflexão coletiva do corpo docente em prol da construção de conhecimento. Palavras-chave: Formação continuada. Reflexão. HTPC ABSTRACT This research, of qualitative nature, had the objective to recognize and analyze the use of the HTPC as a place of recurrent education. The methodological procedure includes an interview and observation record of two meetings in a notebook. Data analysis showed that there is a significant difference between what happens in these meetings on the school and what is supposed to happen, based on the CENP document. Therefore, the present research discussed the necessity of places in the school that provides recurrent education, emancipation and collective reflection to promote the knowledge construction. Key words: recurrent education, reflection, HTPC. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO........................................................................................... 7 2. REFERENCIAL TEÓRICO........................................................................ 8 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.................................................. 18 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO......................................................................... 23 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 28 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS......................................................... 29 APÊNDICE 1................................................................................................. 32 APÊNDICE 2................................................................................................. 36 7 1. INTRODUÇÃO Os estágios obrigatórios da formação inicial de professores realçam muitas discrepâncias entre o que se estuda na universidade e o que se acompanha na prática em uma instituição de educação básica. Dentre essas diferenças, nota-se o surgimento de situações imprevisíveis que resultam do trabalho com outros sujeitos e suas singularidades. A ocorrência dessas situações não esta prevista nas teorias da educação e essa teoria não diz ao docente como agir nesses casos isoladamente. Muitas vezes esse se torna o principal argumento para justificar a negligência da teoria na práxis. Tentando aproximar a teoria da prática visando melhorar a qualidade do ensino, políticas educacionais são lançadas às redes de ensino frisando a necessidade de uma formação continuada dos professores. A relevância de se estudar essa categoria da formação docente está na necessidade de manter a atualização dos professores, ajudá-los a encontrar a identidade docente e sanar as possíveis dificuldades encontradas durante a formação inicial. Na rede de ensino do Estado de São Paulo, há encontros semanais que garantem a reunião do corpo docente com o coordenador pedagógico da instituição. Os encontros receberam o nome de Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC). Essa iniciativa tem por objetivo a formação continuada dos docentes com base na reflexão e no trabalho coletivo. Porém, como a discrepância anteriormente mencionada que se observa entre a sala de aula e as teorias da educação, há também grandes diferenças entre o que se espera que aconteça nesse espaço e o que acontece de fato. Tendo em vista as questões anteriormente abordadas, esse trabalho objetivou reconhecer e analisar o que é observado na HTPC de uma escola pública da Rede Estadual de Ensino de São Paulo sobre a ótica do que é esperado que aconteça nesse espaço, segundo a definição da CENP. 8 2. REFERENCIAL TEÓRICO O fato de o método muitas vezes condicionar os resultados que podem ser obtidos numa sala de aula fez com que as preocupações didáticas fossem voltadas apenas para a questão de como os conteúdos se realizam na prática (SACRISTÁN; GOMÉZ, 2000). Essa didática revelou um caráter tecnicista para a educação trazendo consigo uma concepção sobre o profissional docente como elemento passivo do sistema educacional sendo responsável apenas por reproduzir métodos elaborados por outros profissionais que estão fora da rotina escolar. É seguindo essa visão que as políticas educacionais baseiam as suas ações de reforma educacional do tipo “de cima pra baixo”, que envolvem os professores apenas como profissionais técnicos (ZEICHNER, 2008). Com as bases dos conhecimentos para o ensino sendo decididas por investigadores de fora da sala de aula, assume-se que a emancipação e o conceito de autonomia relativo aos professores durante sua formação são fictícios uma vez que os professores, além de não serem ouvidos, são meros consumidores dessas investigações (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005). A pragmatização da educação considerou não só o método como algo fundamental, mas também passou a questionar a competência dos professores em sua aplicação. Um argumento freqüente era a afirmação de que para melhorar a qualidade da educação era necessário melhorar a competência dos profissionais através da formação. A preocupação com a competência (ou incompetência) docente, particularmente “competência técnica”, recebeu novo impulso em 1982 quando a obra Magistério de 1º Grau: da competência técnica ao compromisso político da autora Guiomar Namo de Mello foi publicada (SOUZA, 2006). Esse trabalho, e tantos outros relacionados ao mesmo tema, contribuíram, mesmo que não intencionalmente, para uma visão muito negativa sobre a profissão docente. Essa visão homogênea sobre o professor e sua prática considerava-os tecnicamente incompetentes e politicamente descompromissados. Assim surgiu o argumento da incompetência (SOUZA, 2006). 9 Com a publicação do trabalho de Guiomar Namo de Mello em 1982, tal argumento foi levado adiante por meio dos discursos acadêmicos e das políticas educacionais. Em 2004, essa obra estava em sua 12º reimpressão, o que nos dá um indício do quanto as idéias presentes nesse trabalho foram, e são, disseminadas (SOUZA, 2006). Com base nesse argumento, políticas de formação surgiram considerando necessário e suficiente adotar novos métodos e novas técnicas de ensino, ou seja, a preocupação foi voltada para a formação dos professores, mas ainda sem perder seu caráter pragmático. O argumento da incompetência transformou a formação continuada em algo muito lucrativo. Pensando que esse tipo de formação surge para sanar as deficiências da formação inicial, geralmente baseadas em modelos de racionalidade técnica, tem-se “muitas pessoas e instituições ganhando muito dinheiro com vendas de kits educacionais – muitas vezes rotulados como ‘construtivistas’ ou o que estiver mais em moda no momento” (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005, p. 67). Desde a implantação das reformas neoliberais em meados dos anos 80, a educação no Brasil pauta-se como um promissor negócio em que as políticas tomam da literatura apenas as análises mais convenientes e vantajosas para o governo do momento proporcionando ações de maior visibilidade para a população (SOUZA, 2006). A função social da formação está em benefício do sistema socioeconômico ou da cultura dominante (GARCIA, 1999). Há versões distintas sobre o argumento da incompetência: uma mais sofisticada, como aparece na literatura; ou mais simplista, como é visível nas políticas educacionais. A versão simplista direciona o foco no corpo docente e abstrai a questão da instituição, da sociedade e do sistema que compõe, de fato, a educação. A dinâmica da escola é composta por diversidade (cultural, econômica, étnica, etc.), situações de conflito e incertezas que desafiam as soluções técnicas cedidas em cursos embasados no conceito de racionalidade técnica. Essas situações fizeram com que pesquisadores da área da educação concluíssem que docência é diferente de um conjunto de competências técnicas sem sentido personalizado (ALARCÃO, 1996). 10 Esse conceito quebra a aceitação do ensino como exclusivo e fundamentalmente rotineiro, estático e estereotipado o que nos remete ao uso de teorias para articular o vínculo existente entre aprendizagem, cultura, ensino e desenvolvimento (COLL; SOLÉ, 2006). Porém, verifica-se um abismo que separa a teoria da prática, sendo a primeira elaborada por pesquisadores acadêmicos que estão desvinculados do cotidiano da sala de aula, enquanto a segunda é dominada por uma preocupação imediatista e pragmática que busca soluções para os problemas que se impõem na prática. Diversos autores defendem a dialética entre teoria e prática como meio de vencer o abismo e tornar úteis as teorias da educação. Segundo Freire (2002), sem essa relação é possível que se caia facilmente no discurso que assume teóricos como idealizadores e docentes como ativistas. Ao invés da negligência da teoria com a justificativa da distância desta para o mundo da prática, é esperado que os professores façam uso de sua bagagem particular para atribuir sentido à teoria tornando-a significativa e funcional em seu desempenho profissional (COLL; SOLÉ, 2006). A fuga da teoria tem explicações históricas e culturais, segundo Christov (2006), o período da ditadura bloqueou e silenciou a sociedade para que teorias sobre a realidade não fossem elaboradas (sejam elas individuais ou coletivas), mantendo assim a população ignorante e facilitando a manipulação da massa. A teoria não pode ser encarada como uma verdade absoluta já que não há teoria que resista às mudanças sociais, filosóficas e psicológicas; segundo Mizukami (1986) trata-se, portanto, de explicações provisórias para um determinado momento até que se articule uma validação empírica ou confronto com o real. Para que o docente seja capacitado a fazer a relação sem negligenciar as contribuições da teoria, García (1999) defende que o professor deve passar por uma formação dupla que é constituída pela formação acadêmica somada à formação pedagógica. Formação de professores, segundo García (1999), é um meio dos docentes adquirirem conhecimentos, competência e disposições com base em investigações, propostas teóricas e práticas que objetivam melhorar a qualidade da educação que 11 os alunos recebem, além de permitir a intervenção profissional no desenvolvimento do currículo e do ensino da escola. O caráter dessa formação é processual e não pontual ou fruto de imprevistos, ou seja, é sistemático e organizado (GARCÍA, 1999). Esse processo de formação pode ser classificado em duas grandes etapas: a formação inicial e a continuada. A respeito da formação inicial, García (1999) assume que, enquanto instituição, essa formação cumpre basicamente três funções: formação e treino dos futuros professores, controlar a certificação daqueles que podem exercer a profissão docente e, em terceiro lugar, assume uma função dupla de ser agente da mudança e de contribuir para a socialização e reprodução da cultura dominante. Ressaltam-se aqui as influências sociais, políticas e econômicas que moldam o currículo da formação de professores de acordo com o modelo de professor, explícito ou implícito, que compõe a concepção de cada programa de formação. A formação inicial deve ser encarada como a primeira fase e um longo processo, portanto, não se pode esperar que essa etapa ofereça produtos acabados, mas sim deve-se compreender que esse é o início do desenvolvimento profissional. Pragmatizar e negar o caráter emancipatório da formação, acaba trazendo ao futuro docente uma crise de confiança, ou seja, um sentimento de que a formação que lhes é dada de pouco lhes serve para resolver os problemas os quais se deparam tendo em vista o quão imprevisível é o cotidiano escolar (ALARCÃO, 1996). Considerando-se a formação um “fazer permanente que se refaz constantemente na prática” (ALARCÃO, 1996, p. 84), ressalta-se a importância da formação continuada. Christov (2006) afirma que a realidade muda e o saber que construímos sobre ela precisa ser revisto e ampliado sempre, para isso, o profissional deve manter-se atualizado dialogando com a teoria através da exploração de espaços de formação continuada. Segundo Fusari (1992), a formação continuada é uma medida concreta para aperfeiçoar, de forma permanente, a competência docente. De certo modo, esse caráter de incremento de competência não pode ser negado, tendo em vista tudo que pode ser trabalhado durante esse período contando com a maturidade e 12 experiência dos docentes, porém, a formação dos professores em serviço não pode restringir-se a essa questão senão estaríamos alavancando o argumento da incompetência e justificando uma solução para a crise da educação trabalhando-se apenas com os docentes e ignorando o contexto educacional como um todo. Fazendo uso da formação continuada como tentativa de relacionar teoria e prática objetivando melhoria na práxis educacional, deve-se explorar a reflexão nesses espaços de formação. A reflexão é de suma importância não só durante o momento de formação, mas também durante a prática. É a reflexão que nos remete a concepção de docência adotada nesse trabalho, ou seja, o docente que assume uma postura crítica reflexiva é capaz de construir conhecimentos novos sobre o ensino, portanto deixa de ser papel exclusivo da universidade a construção de teorias educacionais (ZEICHNER, 2008). Os docentes não podem ser entendidos como consumidores de conhecimentos, mas como sujeitos capazes de gerar conhecimento e de valorizar o conhecimento desenvolvido por outros (GARCÍA, 1999). Alarcão (1996) assume que a prática reflexiva se assenta na construção de uma circularidade em que a teoria ilumina a prática e a prática questiona a teoria. Essa relação aproxima a teoria da prática de forma crítica, ou seja, com base na reflexão na forma de indagação, o profissional assume um papel de investigador buscando teorias que fundamentem – e não justifiquem – sua ação (GARCÍA, 1999). O docente deve aprender métodos e procedimentos de pesquisa em sua prática de modo que essa pesquisa seja a forma mais eficaz de detectar e resolver problemas (LIBÂNEO, 2004). Esses problemas que o docente enfrenta na prática devem ser, primeiramente, desconstruídos e depois reconstruídos com base na teoria para compreendê-lo, interpretá-lo e tentar solucioná-lo. Alarcão (1996) afirma que, para esse movimento de construção e reconstrução, o profissional deve ter flexibilidade cognitiva. Para que a prática se constitua epistemológica, deve-se acrescentar análise e reflexão sobre a própria ação (GARCÍA, 1999), dessa maneira o docente assume a identidade de investigador apoiando-se na reflexão para unir teoria e prática resultando no melhor desempenho do profissional na práxis. 13 Nessa mesma linha de raciocínio, Schön (2000) defende que a docência deve ser vista como uma prática reflexiva que surge para superar o conceito mecânico da profissão gerado pela racionalidade técnica. O surgimento da reflexão é assumido por esse autor como um meio de identificar falhas e comprovações da teoria em plena prática docente. Essas falhas e comprovações formam o conflito necessário para o profissional exercer a “reflexão-na-ação” e a “reflexão sobre a reflexão-naação” (SCHÖN, 2000). Para esse autor, é sempre possível refletir sobre o que conhecemos, mesmo que o conhecimento seja tácito. Reflexão-na-ação é o ato de se “refletir no meio de uma ação sem interrompêla” (SCHÖN, 2000, p.32). As ações inesperadas geram conflito e, sem interromper a ação, o profissional age de acordo com um conhecimento-na-ação. Esse conhecimento com base na experiência em sala de aula significa, da perspectiva do professor, que o processo de melhoria de seu próprio ensino não depende do saber advindo unicamente da experiência de outras pessoas (ZEICHNER, 2008). É a reflexão-na-ação que permite experimentos imediatos além de trazer mais conhecimentos que afetam a prática. Segundo Schön (2000), a reflexão sobre a reflexão-na-ação, pode ocorrer como uma descrição verbal da situação de modo que o docente exponha suas concepções e reflita sobre as atitudes tomadas durante a reflexão-na-ação. Apesar das inegáveis contribuições de Schön, principalmente nos Estados Unidos, sobre o uso da reflexão nos processos de formação, Zeichner (2008) afirma que mesmo presente a negação à racionalidade técnica nas obras desse autor, os seguidores dos pensamentos de Schön acreditam que a teoria existe apenas nas universidades enquanto a prática reside nas escolas. Ou seja, segundo a crítica de Zeichner (2008), as teorias são transferidas ou aplicadas da universidade para a prática na sala de aula, portanto “a visão de que as teorias são sempre produzidas por meio de práticas e de que as práticas sempre refletem alguma filiação teórica é ignorada” (ZEICHNER, 2008, p.542). Programas de formação docente que trabalham com modelos de racionalidade técnica na prática reflexiva banalizam o conceito de reflexão usando-o como “slogan” para descrever tudo que acontece no ensino (ZEICHNER, 2008). 14 Nem sempre o termo reflexão esta relacionado à emancipação dos docentes sendo frequente o uso do termo nos programas que buscam formar um profissional que reflita sobre o ensino, de modo a melhorar a reprodução de um currículo ou método que a sociedade acadêmica encontrou como efetivo em suas pesquisas (ZEICHNER, 2008). Zeichner (2008) afirma que não há eficiência na formação reflexiva docente no sentido de elevar a influência dos professores nas reformas educacionais. Além disso, segundo esse autor, criou-se a ilusão do desenvolvimento docente que acaba mantendo a posição de subserviência do professor. De acordo com García (1999), a formação deve integrar processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular senão torna-se inútil como estratégia para facilitar a melhoria do ensino. Além de trazer benefícios para o sistema educacional, Zeichner (2008) acredita que a formação deve ser voltada para se atingir mudanças sociais, ou seja, deve estar ligada a lutas mais amplas por justiça diminuindo a discrepância da qualidade da educação disponível para as pessoas com diferentes perfis em todo o mundo. Segundo Zeichner (2008), o foco individualista da reflexão acaba formando profissionais interessados em refletir apenas sobre si mesmos e sobre suas próprias práticas negando a possibilidade dos problemas não serem individuais e ausentando a reflexão coletiva que deve ser feita para alcançar possíveis mudanças no sistema educacional. Além disso, mudanças efetivas ocorrem quando trabalha-se não apenas com a cognição do indivíduo mas também sua esfera de representação sociais e de valores (GATTI, 2003). Fusari (1992) acredita que as respostas aos problemas não serão encontrados em textos e sim na reflexão grupal que une a experiência dos professores e o estudo para oferecer alternativas de como lidar com problemas. Sobre o estudo, Fusari (1992) indica a improdutividade da leitura desorganizada de artigos ressaltando a relevância de que se apresente aos docentes leituras contextualizadas aos problemas por eles enfrentados. 15 Segundo Zeichner e Diniz-Pereira (2005), um meio de se fomentar a reflexão e o trabalho coletivo nos colégios é incentivar a pesquisa-ação. Essa pesquisa se caracteriza como um estudo sistemático feito por profissionais sobre suas próprias práticas. Os docentes, portanto, poderiam se encontrar com os colegas de trabalho para discutirem sobre suas pesquisas. Além disso, esses mesmos autores afirmam que a pesquisa-ação deve estabelecer pontes com forças políticas almejando reformas educacionais democráticas. O trabalho em equipe requer uma atitude de humildade perante a limitação do próprio saber (FAZENDA, 1994). Essa atitude de humildade, segundo Pechliye e Trivelato (2005), é definida como abertura intelectual, ou seja, quando o docente ouve e valoriza as diferentes opiniões visando à admissão de erros e o uso da experiência como forma de reformular o conhecimento e valorizar o trabalho coletivo. É difícil de exercitar esse trabalho tendo em vista que contemplar as diferentes opiniões e expor as idéias em um determinado meio faz com que se abandone, mesmo que parcialmente, aquilo que já se conhece (PECHLIYE; TRIVELATO, 2005). Ao citar a importância do trabalho coletivo na prática educacional, Salgado (2000) afirma que não basta “estar junto” dividindo tarefas e trocando idéias. O trabalho coletivo pressupõe a interação entre todos os participantes envolvidos de modo a enfrentar as dificuldades e superar as divergências. Quando há trabalho coletivo e abertura intelectual, a visão particular pode ser ampliada e enriquecida graças à diversidade. Além das qualidades já citadas, esse tipo de trabalho, que visa à interação entre o corpo de funcionários, ainda favorece a predisposição à mudança e diminui a resistência às novas formas de pensar (SALGADO, 2000). Quanto à coletividade, reuniões e coleguismo entre os docentes, cita-se a “importância de se desenvolver práticas coletivas, seja no âmbito da própria instituição escolar, onde professores mais experientes auxiliam os mais novos” (ADUAN, 1982 apud ANDRÉ, 1992). Seguindo essa mesma linha de raciocínio, Souza (2006), afirma que: (...) o foco da atenção das políticas educacionais deve ser ‘a escola’ e não apenas o professor. A baixa qualidade da educação escolar não é um 16 problema técnico nem se trata de encontrar novas teorias ou novas técnicas de ensino e de as transmitirmos aos professores. Como profissionais qualificados, os professores têm o direito e a obrigação de continuamente se desenvolver, no entanto, a formação do professor precisa estar inserida em um projeto escolar (SOUZA, 2006, p.89). Segundo Alarcão (1996), o professor toma consciência do que aconteceu, por vezes através de uma descrição verbal e essa descrição é fruto de alguma reflexão. A busca por um espaço remunerado onde se pudessem discutir e refletir sobre os problemas da escola e da educação foi pauta, por muitos anos, das reivindicações dos professores. Quando o governo reconheceu que o trabalho do professor esta além de sua presença na sala de aula, uma política que fomentasse a discussão pedagógica foi instituída no Estatuto do Magistério em 1985, a HTP (hora de trabalho pedagógico). Posteriormente, surge no Projeto Ciclo Básico a HTPC (hora de trabalho pedagógico coletivo) destacando a importância do caráter coletivo e da troca de experiência. A partir do Projeto Escola Padrão em 1990, a HTPC foi ampliada para os docentes de todas as séries, mas apenas para os participantes desse projeto. Em 1996 essa proposta foi estendida a todos os professores da rede e hoje em dia é obrigatória, com duração que pode variar de duas a três horas semanais, de acordo com a carga horária do professor (SALGADO, 2000). Infelizmente, o caráter coletivo dessas reuniões vem se perdendo devido a dificuldade de se encontrar um horário comum para a maioria do corpo docente e também pela mudança de cinco para seis aulas diárias que favorece a dispersão dos grupos de trabalho pondo em risco uma conquista tão importante para a história da educação (OLIVEIRA, 2006). A Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), segundo comunicado oficial da CENP - s/n, de 29-1-2008, se caracteriza fundamentalmente como espaço de: • Formação continuada dos educadores, propulsor de momentos privilegiados de estudos, discussão e reflexão das propostas curriculares e melhoria da prática docente; 17 • Trabalho coletivo de caráter estritamente pedagógico, destinado à discussão, acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da escola e do desempenho escolar do aluno; De acordo com essa definição, esse espaço atenderia às necessidades de se trabalhar a formação continuada de forma reflexiva, crítica e coletiva objetivando alcançar melhorias na prática. Apesar dessas características e das lutas que ocorreram para a conquista desse espaço, hoje em dia os professores já não estão bem certos sobre a real utilidade da HTPC. Segundo Oliveira (2006) “é comum ouvir dos próprios professores que esse é um espaço usado para trocar receitas. O significado inicialmente buscado pelos profissionais e dado por lei parece ter sido esquecido”. Do mesmo modo Peralva e Sposito (1997) mostram o ‘outro lado’ das reuniões pedagógicas afirmando que essas são cansativas e, no lugar de discutir assuntos pedagógicos, julga-se o destino de alunos em questão de minutos. Souza (2006) ressalta em seu trabalho a importância de existirem espaços e tempos escolares que favoreçam o trabalho coletivo e reflexivo para intervir na prática docente de maneira concreta, ou seja, uma reunião pedagógica como a HTPC, quando bem orientada por um coordenador pedagógico, pode funcionar como uma excelente estratégia de formação continuada. 18 3. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente estudo configura-se como uma pesquisa de abordagem qualitativa. Segundo Lüdke e André (1986), nesse tipo de abordagem dados predominantemente descritivos são analisados a partir de um processo frequentemente indutivo. Para as autoras, a obtenção desses dados pode se processar, dentre outras possibilidades, pela observação direta do espaço social estudado e pela realização de entrevistas com os sujeitos desses espaços. Inicialmente, o objetivo do trabalho era analisar a concepção dos professores sobre a formação continuada. Assim, pela natureza dos objetivos do estudo pretendido, optou-se pela realização de entrevistas semi-estruturadas com docentes de uma escola pública da rede estadual de ensino de São Paulo. A escola situa-se na Vila Brasilândia, bairro da periferia da zona norte de São Paulo localizada próximo a residências. O colégio atende muitos alunos que moram em outros bairros e, portanto, dependentes de transporte público para chegarem até a escola. A seleção dos docentes que seriam entrevistados partiu de alguns critérios pré-estabelecidos: professores de diferentes disciplinas pretendendo evitar discursos que estejam enraizados em uma determinada área, participantes das diferentes reuniões de HTPC já que a escola oferece dois encontros semanais regidos por coordenadores pedagógicos diferentes e pré-disposição para o diálogo aberto já que a coleta de dados dependia exclusivamente da sinceridade do docente ao responder o questionário. Foram então selecionados professores de ciências, história, geografia, português e biologia. Quando abordados sobre a entrevista, alguns professores sugeriram que usássemos a HTPC para entrevistá-los, pois alegaram ser o único “tempo livre” para se submeter ao questionário. Foi elaborado um roteiro para guiar o diálogo com os docentes. Segue, abaixo, o modelo de roteiro que seria seguido: 19 Roteiro de entrevista Há incentivo para que o docente procure curso de formação continuada? Onde buscar informação sobre formação continuada? Qual a importância dessa formação para a prática pedagógica? A teoria se aproxima da prática nesses cursos? A HTPC pode ser uma ferramenta para aproximar teoria e prática? Essa conversa seria gravada e, posteriormente, transcrita para ser analisada. Foi conversado com a diretora e a coordenadora pedagógica do colégio para que os professores selecionados pudessem ser liberados da HTPC para serem entrevistados. Após a autorização de ambas, duas professoras foram até a sala de vídeo para submeterem-se a entrevista já que, excepcionalmente aquele dia, a HTPC aconteceria na sala dos professores e não na sala de vídeo. As professoras foram informadas sobre o objetivo da pesquisa na qual seriam sujeitos do estudo e, quando a entrevista ia dar início, ambas as professoras olharam com reprovação para o gravador e recusaram-se a gravar a entrevista. Foi dito que o anonimato dos entrevistados e da instituição onde a pesquisa foi realizada seria mantido, porém, ainda assim, as professoras alegaram que não são autorizadas a falarem sobre suas profissões. As docentes citaram a existência de uma lei que proíbe que funcionários do Estado dêem declarações sobre suas profissões alegando que essa lei é um vestígio da ditadura militar. Explicou-se para as docentes que elas teriam acesso à transcrição da gravação e poderiam retirar as falas que considerassem mais comprometedoras. Mesmo assim, não foi possível vencer a resistência das professoras que ressaltaram o interesse das universidades em publicar seus trabalhos e o quanto isso as deixava desconfortáveis para autorizarem a gravação de suas declarações. Como alternativa, as professoras perguntaram se não havia um questionário que pudesse ficar com elas, assim, esse questionário seria respondido e entregue para ser analisado. Pensando o quanto racionaliza-se para que as idéias sejam postas no 20 papel, a alternativa de trabalhar com esse método foi descartada, já que era imprescindível que a declaração fosse espontânea e sincera e essas características dificilmente seriam contempladas com as respostas escritas. Tendo em vista esse imprevisto, houve uma adaptação do questionário. O questionário reformulado não perdeu seu caráter semi-estruturado, porém, as respostas seriam manuscritas durante a conversa já que o maior empecilho da tentativa anterior era a existência de um gravador na sala durante as declarações. Utilizou-se o seguinte modelo de questionário semi-estruturado: Não é preciso identificar-se. O anonimato dos profissionais que responderem esse questionário, assim como da instituição onde a pesquisa foi realizada, será mantido. Responda, preferencialmente, a caneta. Sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino Tempo de Docência: _____ ano(s) 1- Quais as suas razões para buscar cursos de formação continuada? 2- Há incentivo por parte da escola e da Secretaria de Educação para que seus profissionais procurem esse tipo de formação? Quais? 3- Como a teoria vista durante a sua formação influencia a sua prática na sala de aula? 4- De acordo com o comunicado da CENP de 30 de janeiro de 2008, a Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC) caracteriza-se fundamentalmente como um espaço de: • formação continuada dos educadores, propulsor de momentos privilegiados de estudos, discussão e reflexão das propostas curriculares e melhoria da prática docente; 21 • trabalho coletivo de caráter estritamente pedagógico, destinado à discussão, acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da escola e do desempenho escolar do aluno. Como profissional inserido no universo escolar e considerando a definição da CENP sobre o tema, qual sua avaliação sobre as reuniões de HTPC da escola? (registre o que está bom; o que não está; e suas sugestões para melhoria do HTPC). As questões seriam respondidas na forma de diálogo e as declarações seriam manuscritas de modo a registrar o máximo de informações possíveis. O horário que seria usado para a realização dessa atividade ainda era da HTPC, como na entrevista anterior. Houve quatro tentativas de se aplicar o questionário. Dia 18 de Setembro foi a primeira tentativa. Chegando ao colégio, ás 17h45, a vice-diretora comentou que aquele encontro seria mais longo, pois o novo critério de aquisição de aula era a pauta da reunião. Portanto, a coordenadora pedagógica optou por iniciar a HTPC com uma hora de antecedência, ou seja, o encontro que começa às 18h, excepcionalmente aquele dia, teve início às 17h. Não foi possível aplicar o questionário já que todos os professores estavam em reunião. Outra visita foi feita à escola dia 25 de Setembro, durante a HTPC. Essa segunda tentativa também foi frustrada, pois os professores encontravam-se ocupados fazendo fechamento de notas e de faltas em seus diários. Os docentes afirmaram que estavam muito atarefados e impossibilitados de participarem da pesquisa aquele dia já que usariam toda a HTPC para arrumarem seus diários de classe. Na HTPC seguinte, dia 2 de Outubro, os professores foram procurados pela terceira vez para responderem o questionário. O espaço da HTPC, durante aquela semana, seria usado para a realização do conselho de classe. Não houve autorização por parte da diretora para que se participasse daquela reunião e também não houve liberação dos docentes para participarem da entrevista durante aquele horário. Uma quarta tentativa de realizar a metodologia escolhida foi feita após o término da reunião de pais que aconteceu no sábado, dia 24 de Outubro. Essa seria a última tentativa, tendo em vista que o tempo estava cada vez mais escasso para a 22 coleta de dados e análise dos mesmos para a entrega da pesquisa. Foi orientado que o pesquisador deveria chegar antes do início da reunião de pais. Mesmo chegando à escola com vinte minutos de antecedência, foi possível observar que os professores só começaram a chegar depois das dez horas da manhã (hora que daria início a reunião de pais). Portanto, não foi visto o corpo docente reunido antes do início do encontro com os pais. Os professores pegavam o diário da turma que eram coordenadores e iam para salas de aula distintas. Nessa ocasião, a professora de geografia afirmou que responderia o questionário após o término da reunião. Os pais dos alunos chegaram de forma aleatória sem obedecer ao horário de início da reunião. Portanto, a professora atendeu aos pais das 10h30 da manhã até o meio dia. Após esse horário, a professora nos cedeu uma breve entrevista cujos detalhes das declarações encontram-se no Apêndice 1 desse trabalho. Como não foi possível organizar o grupo de professores entrevistados para que os questionários fossem resolvidos, o objetivo de analisar a concepção dos docentes sobre a formação continuada não foi contemplado. Porém, considerando as negativas que foram recebidas e a pequena entrevista cedida pela professora, optou-se por trabalhar com esses dados, além da análise de um Caderno de Campo – presente no Apêndice 2 do presente trabalho – no qual consta a descrição de dois encontros da HTPC que ocorreram na instituição durante o mês de Agosto. Portanto, o principal objetivo do trabalho passou a ser uma análise do que é observado na HTPC daquele colégio sobre a ótica do que é esperado que aconteça nesse espaço, segundo a definição da CENP. 23 4. ANÁLISE E DISCUSSÃO Políticas públicas são aplicadas em prol da melhoria da educação, para isso, gestores do Estado devem fornecer materiais, espaços e recursos humanos. A cobrança das obrigatoriedades do Estado não estão desvinculadas das lutas de movimentos, que aos poucos conseguiram conquistas importantes para a sociedade. Dentre essas conquistas, o presente trabalho apontará a HTPC – Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo – como objeto de estudo. O critério de análise estabelecido é a comparação entre o que se observa, o que o docente declara sobre esse encontro e o que é esperado que aconteça nesse espaço, considerando-se a definição da CENP que caracteriza a HTPC como um espaço de: • formação continuada dos educadores, propulsor de momentos privilegiados de estudos, discussão e reflexão das propostas curriculares e melhoria da prática docente; • trabalho coletivo de caráter estritamente pedagógico, destinado à discussão, acompanhamento e avaliação da proposta pedagógica da escola e do desempenho escolar do aluno. As influências políticas sobre o sistema educacional afetam não só a relação ensino-aprendizagem, mas também a concepção sobre a profissão docente. Ceder aos colégios apenas os atuais cadernos do professor e do aluno demonstra a preocupação do Estado apenas com os recursos materiais negando a preocupação com a formação do professor autônomo. Essa afirmação vai ao encontro da fala do sindicalista convidado para a HTPC (Apendice 2) quando o mesmo relata que os professores deixaram de ter autoria sobre suas aulas atuando apenas como mediadores entre o governo e a comunidade. Segundo Zeichner e Diniz-Pereira (2005), a emancipação dos docentes é fictícia já que os professores tornam-se consumidores de investigações elaboradas por profissionais que não estão inseridos no cotidiano escolar. Indiretamente, através dessa atitude, o Estado expressa sua visão sobre a docência que se caracteriza pela existência de profissionais técnicos que são elementos passivos do sistema educacional cuja função é a reprodução de métodos elaborados por outros profissionais (ZEICHNER, 2008). Segundo García (1999), o foco é a reprodução da 24 cultura dominante e não a formação de um grupo capacitado a exercer a mudança do sistema. Fazendo uso da versão simplista do argumento da incompetência, o governo foca-se no corpo docente, ignorando as outras esferas que compõe o sistema educacional, ou seja, direciona os problemas educacionais na falta de competência dos professores. Desse modo, os professores são beneficiados de acordo com ‘pontuações’ presentes em sua evolução acadêmica. Em outras palavras, o Estado considera que o docente “evoluiu academicamente” quando busca a formação continuada. Além da validade dessa formação ser duvidosa, tendo em vista a fala da professora que assumiu, durante a HTPC (Apêndice 2), que os cursos à distância e de caráter mais prático valem pontos embora um curso que exigiu maior dedicação não foi validado, deve-se considerar que essa evolução acadêmica pode ser um meio do Estado tomar da literatura as análises mais convenientes em busca de ações com maior visibilidade para a população (SOUZA, 2006). Tendo em vista que docência é diferente de um conjunto de habilidades e técnicas sem sentido personalizado (ALARCÃO, 1996), os professores deveriam ser estimulados, inclusive durante a HTPC, a refletirem o seu conhecimento-na-ação que, de acordo com Schön (2000), é construído na prática. Porém, a professora afirmou que o uso do espaço da HTPC é mais operacional que didático, caminhando contra o que diz a literatura e a própria definição da CENP. A professora entrevistada (Apêncice 1) afirmou que não há trabalhos durante a HTPC com teorias, textos ou algum outro recurso material que gere a discussão do grupo. Foi destacado pela docente o episódio no qual a coordenadora pedagógica passou para o grupo de professores o mesmo vídeo (um Globo Repórter que tratava a questão da violência nas escolas públicas da Zona Leste) mais de três vezes. Além da falta de contexto do vídeo na HTPC, a repetição pode ser um indício da falta de planejamento da coordenadora com as atividades que deveriam ser propostas nesses encontros. Mesmo nas reuniões observadas, as discussões cercaram apenas a prática do cotidiano escolar sem menção às pesquisas acadêmicas realizadas no âmbito da educação. Uma vez que houve a recusa em ceder a gravação da entrevista alegando a existência de uma lei que não autoriza a gravação de falas sobre a profissão, os docentes demonstraram não conhecer esse método qualitativo de pesquisa, que por 25 sinal é usado em abundância em pesquisas no âmbito educacional. Portanto, é possível que os docentes dessa instituição não conheçam essa metodologia estando alheios às produções acadêmicas sobre educação que fazem uso desse método para a coleta de dados. Assim, foi observado o abismo entre a teoria e a prática já que não há incentivo por parte do coordenador pedagógico em estimular a leitura crítica e reflexiva de textos. Segundo Freire (2002), essa distância reforça a idéia de que os professores são ativistas e os pesquisadores são responsáveis pela idealização de teorias, negando assim a concepção de profissional crítico reflexivo defendida por Zeichner (2008). Além disso, negando a teoria, nega-se também a possibilidade de construção de conhecimento, portanto facilita a manipulação da massa (CHRISTOV, 2006). Durante a resposta do questionário, foi observado que a professora comentou sobre progressão continuada na questão que perguntava sobre a formação continuada. Não podemos afirmar se houve desatenção por parte da docente ou se a mesma desconhecia o termo. Durante a HTPC, quando entrou em pauta a questão da formação continuada, os professores trataram como “evolução” ou “cursos”. É possível inferir que o docente não tem consciência de que a formação deve ser um processo contínuo e não pontual (GARCÍA, 1999), afirmando que os cursos que fazem durante o serviço é em busca de melhoria salarial. O uso da HTPC como espaço para o docente arrumar o diário de classe ou para que a reunião do conselho seja realizada é incentivado pelo coordenador pedagógico. Esse aspecto também nos remete a falta de planejamento desse profissional e, até mesmo, permite deduzir a inadequação do uso desse espaço de acordo com o que prevê o documento da CENP. Sobre o trabalho coletivo, a professora alegou que há uma ruptura no corpo docente que deve se organizar em períodos diferentes, portanto, o caráter coletivo da HTPC acabou se perdendo. Essa afirmação esta de acordo com Oliveira (2006) que comenta a perda do sentido da conquista, ou seja, houve reivindicações para que aquele espaço fosse conquistado e, atualmente, assiste-se a falta de significado que a HTPC tem para o corpo docente. 26 Salgado (2000) , ao falar sobre trabalho coletivo, afirma que não basta estar junto mas sim que deve haver interação de todos os participantes para enfrentar as dificuldades e superar as divergências. Em outras palavras, a individualidade deve ser superada através da reflexão coletiva que, por sinal, esta ausente na HTPC. De acordo com a professora entrevistada, são sempre os mesmos professores que participam verbalmente do encontro, ou seja, a HTPC, de fato, não é coletiva naquela instituição. Pensando na HTPC como ela ocorre no cotidiano escolar, esse espaço deixa de ser privilegiado para formar o profissional crítico e reflexivo capaz de construir conhecimento e tornar-se ativo nas decisões políticas. Porém, mesmo a definição da CENP não traz a importância da formação continuada, defendida por Zeichner (2008), como meio de se atingir mudanças no sistema em prol de uma sociedade mais justa para todos. O documento da CENP demonstra a preocupação institucional da HTPC, ou seja, o espaço deve ser usado para a reflexão do currículo e da proposta político-pedagógica daquela instituição não havendo encaminhamento para uma abordagem mais teórico-crítica da formação. As preocupações políticas devem ser voltadas para o melhor conhecimento da cultura escolar e docente, ou seja, o foco das políticas educacionais deve ser a educação e não o professor (SOUZA, 2006). Remetendo-se à fala da professora entrevistada (Apêndice 1), ao criticar as ações do Estado sobre o sistema educacional temos a afirmação de que as propostas devem ser planejadas e ter continuidade, ou seja, as atuais ações estatais são de caráter pontual e acabam perdendo credibilidade. No caso da HTPC, o espaço é usado de acordo com os planejamentos do coordenador pedagógico e, geralmente, esses planejamentos não vão ao encontro da definição da CENP e nem atendem às reivindicações iniciais que culminaram na conquista desse espaço. O insucesso das políticas de formação continuada muitas vezes se deve ao fato de se imporem “de cima pra baixo” ignorando o conhecimento daqueles que atuam de fato na prática. Segundo Zeichner e Diniz-Pereira (2005), dar voz aos educadores não é o suficiente para garantir a melhoria de seu próprio trabalho. Esses autores acreditam no investimento em projetos de pesquisa-ação para uma valorização do trabalho de investigação docente objetivando a transformação social. 27 Para isso, deve-se apoiar os profissionais que atuam na educação a envolverem-se com investigações que promovam a construção de teorias educacionais. Infelizmente, o que se visualiza na prática é a glorificação acrítica do profissional reflexivo e da pesquisa-ação. Assume-se que o conhecimento desenvolvido por meio da pesquisa-ação e da reflexão é necessariamente muito importante. Porém, deve-se questionar a qualidade e a natureza dessa pesquisa, já que muitos educadores podem se pautar em suas pesquisas para justificar práticas que não visam a transformação social, ou seja, que sustentam a manutenção do sistema vigente (ZEICHNER; DINIZ-PEREIRA, 2005). A HTPC deve ter seu significado inicial resgatado e a conquista do espaço deve ser respeitada. Para se atingir o auge do uso dessas reuniões, coordenadores pedagógicos deveriam, supostamente, trabalhar de forma coletiva com o corpo docente e, esses docentes, por sua vez, se apoiariam na abertura intelectual (PECHLIYE; TRIVELATO, 2005), para assumirem a limitação do próprio saber. Incentivando o trabalho coletivo, os docentes estariam aptos a refletirem sobre as teorias e as práticas fomentando a construção do conhecimento e assumindo uma postura de profissional crítico e reflexivo agente do sistema educacional, e não um mero elemento passivo que reproduz investigações construídas fora da rotina escolar (ZEICHNER, 2008). 28 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Seguindo a concepção de docência que considera o professor apto a construir teorias e refletir sobre sua prática visando não só o incremento de sua competência, mas também a melhoria do ensino por uma sociedade mais democrática, esse trabalho teve por objetivo analisar o uso da HTPC em uma escola da Rede Estadual de Ensino de São Paulo. Frente ao objetivo, observou-se que não há uso da HTPC na prática como é previsto no documento da CENP. A fala da professora e as observações feitas durante a reunião comprovam que não há um trabalho coletivo e reflexivo que culmine na formação continuada dos profissionais que trabalham naquela instituição, assim como também não foi observado o uso do espaço para que fossem trabalhados o currículo e a proposta pedagógica da escola. Tendo em vista que a formação não é um processo pontual e que deve se fazer continuamente, o surgimento de espaços colegiados que favoreçam essa formação é fundamental para a emancipação dos professores, para a reflexão coletiva e a troca de experiências de modo a garantir a construção de conhecimentos. 29 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALARCÃO, I. Reflexão crítica sobre o pensamento de D. Schön e os programas de formação de professores. In: ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996, p. 9-40. ALARCÃO, I. Ser professor reflexivo. In: ALARCÃO, I. Formação reflexiva de professores: estratégias de supervisão. Porto: Porto Editora, 1996, p. 171- 190. ANDRÉ, M. Questões do cotidiano na escola de 1º grau. Revista Idéias, São Paulo: FDE, 1992. CHRISTOV, L. H. S. Educação continuada: função essencial do coordenador pedagógico. In: GUIMARÃES, A. A. O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Loyola, 2006, p. 9-12. CHRISTOV, L. H. S. Teoria e prática: o enriquecimento da própria experiência. In: GUIMARÃES, A. A. O coordenador pedagógico e a educação continuada. São Paulo: Loyola, 2006, p. 31-34. COLL, C. SOLLÉ, I. Os professores e a concepção construtivista. In: COLL, C. O construtivismo na sala de aula. São Paulo: Ática, 2006, p. 9-28. FAZENDA, I. C. A. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas: Papirus, 1994. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. FUSARI, J. C. A formação continuada de professores no cotidiano da escola fundamental. 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Quando o sociólogo quer saber o que é ser professor. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n.5, p. 222-231, mai/ago. 1997. SACRISTÁN, J. G.; GÓMEZ, A. I. P. Compreender e transformar o ensino. Porto Alegre: Artmed, 2000. SALGADO, A. Integração Universidade/Escola Pública – uma experiência vivida. In: RAIÇA, D (org). A prática de ensino: ações e reflexões. São Paulo: Articulação Universidade/Escola, 2000, p. 26-40. SÃO PAULO. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. COORDENADORIA DE ESTUDOS E NORMAS PEDAGÓGICAS. Comunicado s/n aos Dirigentes Regionais de Ensino, Supervisores de Ensino e Diretores de Escola. São Paulo: SE/CENP, 29 de janeiro de 2008. SCHÖN, D. A. Compreendendo a Necessidade do Talento Artístico na Educação Profissional. In: SCHÖN, D. A. Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. p. 1542. SCHÖN, D. A. Implicações para o aperfeiçoamento da educação profissional. In: SCHÖN, D. A. 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Uma folha com o questionário foi cedida à professora e outra folha ficou sobre minha posse para que eu pudesse fazer as anotações das respostas. A principal idéia era que a conversa fluísse com a maior naturalidade e que as linhas de raciocínio mais interessantes fossem imediatamente anotadas. Respondendo a primeira pergunta, a professora começou a descrever a realidade daquela escola explicitando, nas palavras da própria entrevistada, a “realidade da clientela que frequenta aquele ambiente”. Ela comentou que falta um planejamento prévio e uma preparação do corpo docente para trabalhar com os ciclos (progressão continuada) afirmando que retirar do docente o seu poder de reprovação é “permitir que o aluno deixe de estudar pensando em passar de ano, pois o Estado esta garantindo essa aprovação sem gerar esforços por parte dos alunos”. A entrevistada começou a falar sobre a falta de planejamento da escola assumindo que aquele colégio é composto por diferentes realidades que se definem pelo período. Exemplificando essa fala, a professora disse que “o aluno do período da tarde não pode ser comparado com o aluno do noturno. Durante a tarde, trabalha-se com ensino fundamental II e, durante o noturno, o aluno é de ensino médio, EJA, ou seja, é um aluno trabalhador que tem uma cabeça diferente, que busca a escola com outros objetivos”. Nota-se que as respostas não contemplam o que dizia a primeira pergunta que questionava a respeito da formação continuada. Mesmo assim, optou-se por não interromper a entrevista e resgatar a pergunta. Após falar das realidades dos períodos, a professora falou que ia ler a última questão que falava da HTPC, pulando as duas questões intermediárias. A professora iniciou a resposta alegando que não existe acessoria didática por parte dos coordenadores pedagógicos da instituição alegando que a HTPC é um espaço 34 mais operacional do que didático. Segundo a entrevistada, os assuntos burocráticos deveriam ser tratados em outro momento e não durante aquelas reuniões. De acordo com a professora, os acontecimentos das reuniões de HTPC dependem exclusivamente da vontade, desenvoltura e comprometimento do coordenador pedagógico e o coordenador que organiza a HTPC da manhã é mais dedicado que a coordenadora que organiza a reunião do período noturno. A professora declarou que há "excesso de simpatia" por parte da coordenadora, que gera uma relação de falsidade entre ela e os docentes. A docente entrevistada também trabalha na rede municipal de ensino da cidade de São Paulo e ressaltou que há muitas diferenças entre a HTPC e o GEI – Grupo de Estudo Intensivo (espaço com função equivalente à HTPC, porém nas escolas da prefeitura de São Paulo). Segundo a professora, na prefeitura nota-se maior comprometimento com o ensino já que a escola trabalha com projetos, ou seja, não há uma ação pontual, pois o projeto demanda trabalho contínuo e orientação eficaz. Comparando esse sistema com a rede estadual, a professora assumiu que as propostas vindas do Estado se perdem durante sua aplicação, pois as ações são pontuais e dispersas. Em outras palavras, a proposta perde sua credibilidade por não ter começo, meio e fim. Sobre as propostas, a entrevistada se referia a toda ação do Estado sobre o sistema educacional. Quando questionada se há preocupação por parte dos coordenadores em trazer para as reuniões conteúdos que gerem discussão, seja um texto, um vídeo ou alguma teoria que culmine a participação dos professores de forma coletiva, a professora destacou um episódio que a incomodou muito. A docente afirmou que a coordenadora pedagógica, que organiza as reuniões do noturno, passou uma gravação de um Globo Repórter que tratava a violência nas escolas públicas da Zona Leste de São Paulo durante a HTPC. A primeira vez que a gravação foi passada, alguns professores discutiram o assunto e a reunião foi interessante, apesar de sempre os mesmos professores participarem das reuniões. O que tornou o episódio incômodo para a professora foi o fato da coordenadora ter passado o vídeo mais de 3 vezes usando 3 encontros de HTPC para passar o mesmo vídeo para o mesmo grupo de docentes. A professora também declarou que, devido a falta de planejamento dos coordenadores pedagógicos, muitas vezes os professores chegam para o encontro 35 e o coordenador diz que os professores podem usar as duas horas da reunião para arrumarem os diários de classe ou corrigirem provas alegando que essa também é uma das finalidades da HTPC. A entrevistada assumiu que muitas vezes a HTPC é um espaço no qual há necessidade, por parte dos professores, de provar que são competentes. Nessa situação, nem todos os docentes são ouvidos já que alguns falam mais do que outros. Esses são classificados pela professora como “as estrelinhas” da HTPC. A professora entrevistada assumiu que não faz parte do grupo das “estrelinhas”, porém a sua estratégia é a observação. Ela considera-se atenta e diz que isso lhe trás benefícios já que ela observa todos os posicionamentos e acaba isentando-se por falar o mínimo necessário nessas reuniões. Pensando no melhor uso do encontro da HTPC, a professora alegou que esse espaço seria mais útil se o grupo de docentes não fosse dividido em dois blocos (grupo da manhã e da noite). A professora também ressaltou que o grupo de professores se organiza conforme a disponibilidade do coordenador, ou seja, o coordenador passa para a diretora os dias e horários que ele considerou mais conveniente para que depois os professores se encaixassem nessa disponibilidade. A professora disse que, em seu caso, ela leciona no período da manhã e da tarde e participa da HTPC do noturno. Quando os professores conversaram com a diretoria para negociarem a questão do horário afirmando que muitos deles trabalham em duas redes e não teriam como cumprir o horário no período da manhã cedido pelo coordenador, a diretora assumiu que deve trabalhar em mais de uma rede quem PODE trabalhar em mais de uma rede, portanto a possibilidade de negociação com os professores foi negada. A professora entrevistada declarou que ao trabalhar de forma realmente coletiva e visando atender às necessidades de cada período, a HTPC mais útil para o docente e para a organização escolar. 36 APÊNDICE 2 37 CADERNO DE CAMPO Foram acompanhados dois encontros da HTPC que ocorreram na instituição no mês de Agosto. As reuniões de horário de trabalho pedagógico coletivo (HTPC) acontecem na sala de vídeo do colégio. Esta sala possui todo o material – caderno do professor e do aluno – enviado pelo Estado. O coordenador pedagógico organiza a sala antes do momento da reunião: uma mesa grande é colocada no centro e os professores sentam-se em cadeiras dispostas formando um círculo. Na mesa central estão o coordenador e o convidado. No caso das reuniões assistidas, a convidada foi uma funcionária da secretaria do próprio colégio e, em outra, um sindicalista da APEOESP. A coordenadora alegou que não há obrigatoriamente um convidado em todos os encontros. A secretária do colégio iniciou a reunião falando sobre a superlotação das salas de ensino médio do período matutino. Ela assumiu que esse é um problema que a escola vem enfrentando, porém, quando um professor cogitou a hipótese de abrirem turmas no período noturno visando sanar esse problema, a secretária afirmou que não há procura para a suplência ou mesmo para o noturno naquele colégio. A secretária explicou que sempre há uma escola na região com mais procura para o noturno e aquela instituição foi “a escola da vez” para o noturno há cerca de 2 ou 3 anos atrás. Uma professora perguntou se havia a possibilidade de se abrir turmas de ensino médio no período vespertino para diminuir a superlotação do matutino. A secretária disse que os alunos do ensino médio não estudam durante a tarde porque normalmente trabalham. Ou mesmo se não trabalham, a secretária assumiu que não há procura para esse horário e que não seria interessante misturar o ensino fundamental II com o ensino médio no mesmo período. Um professor perguntou sobre o aumento do número de desistência. A secretária respondeu que pode haver vários motivos que levam o aluno a desistir da escola, dentre eles, ela mencionou: o desinteresse do próprio aluno, a necessidade de trabalhar para ajudar a família financeiramente, e até mesmo afirmou que a escola não tem atrativos para manter o aluno freqüente. 38 Enquanto isso, um professor que estava arrumando seu diário de classe, começou a reclamar do aumento do número de alunos que pedem transferência e perguntou para a secretária qual deveria ser o procedimento que o professor deve seguir quando há transferência mas o aluno ainda não tem nenhum documento que comprove isso. Além disso, o professor argumentou que o seu diário estava uma bagunça, já que quase em todas as turmas há um ou mais alunos que vieram transferidos de outro colégio e seus nomes devem ser acrescentados à lista de alunos daquela sala. A secretária e os professores começaram a comentar sobre a demanda que a escola vem recebendo de alunos vindos do norte e do nordeste. Além das diferenças culturais, os professores comentaram que a seqüência de conteúdos é diferente, o que dificulta a aprendizagem de alguns alunos além de perder a seqüência sugerida para facilitar o entendimento. A secretária sugeriu que meios de evitar a evasão deveriam ser discutidos, porém, nenhuma manifestação por parte dos professores ou da coordenadora foi observada. Iniciou-se uma discussão sobre evolução acadêmica. Os professores falaram que, os cursos registrados na CENP, com duração a partir de 30 horas valeriam “pontos” para a evolução. A secretária comentou que os professores poderiam trazer os certificados dos cursos que realizaram para que a secretaria do colégio validasse, porém, só seriam aceitos os cursos realizados de 1998 em diante. Uma professora reclamou o fato de cursos online serem aceitos e um curso que ela freqüentou não ter sido aceito, sendo que ela considera que os cursos online não exigem a dedicação que ela teve com o curso presencial. Essa professora fez um curso na PUC-SP que cobrou a elaboração de uma “espécie de monografia” para certificar o aluno que fez o curso. Alegando o trabalho demandado por ela para concluir o curso, a professora disse que não se conformava como aquele curso não poderia ser aceito só por não estar registrado na CENP. A secretária e a coordenadora pedagógica aconselharam os professores a acessarem sempre o site da CENP antes de iniciarem qualquer curso. A HTPC foi 39 encerrada e a coordenadora pedagógica se comprometeu a marcar mais encontros com a secretária da escola para que mais dúvidas fossem esclarecidas. A segunda HTPC acompanhada teve a participação de um membro do sindicato dos professores de São Paulo. O sindicalista falou sobre a falta de apoio à categoria por parte da imprensa e comentou a imagem que a população tem de professores grevistas. Para que a imprensa divulgue a luta, o sindicato deve pagar para alguma emissora de TV, sendo que nem assim há certeza de qual imagem a imprensa esta divulgando sobe os professores para a sociedade. Além disso, ele comentou que o sindicato é multado toda vez que toma algum espaço público para reivindicar seus direitos. O convidado disse que, hoje em dia, os docentes não são autores das aulas (referindo-se às apostilas cedidas pelo Estado), assumindo que “o professor deve ensinar e não atuar como mediador entre a comunidade e o governo através de cartilhas”. Sobre a superlotação das salas de aula, o convidado disse que o conflito entre a busca de alunos e o número de alunos que temos por sala, afeta negativamente na qualidade da aula. Um fato que os professores ficaram espantados foi quando o sindicalista assumiu que o Estado visa retirar o ensino noturno, porém, apesar do espanto geral, o assunto não gerou discussão entre os professores. Com a diminuição do tempo de aula, o convidado afirmou que houve aumento do número de vagas para professores desempregados. Outra questão levantada foi sobre as escolas técnicas formarem também alunos no ensino regular. Uma professora comentou que acha um absurdo que não se tome providências já que essa não é a função de uma escola técnica. Sobre o descaso com a profissão, outra professora mencionou que ficou 10 meses sem receber e que nem o sindicato, nem a diretoria de ensino ou a secretaria da educação pagaram as suas contas nesse período. Os outros professores presentes já sabiam do caso dessa professora e não se manifestaram, exceto por uma eventual que estava há cerca de um mês lecionando também sem receber 40 nada. Sobre essa questão, o sindicalista ressaltou a importância de se fazer paralisações, de ir às ruas e compartilhar o caso com toda a categoria. Foi observada menor participação dos professores na reunião que contou com a presença do sindicalista do que na reunião anterior, cuja convidada era a secretária do colégio. Porém, algumas observações gerais podem ser ressaltadas por ocorrer em ambas as HTPCs observadas: mais de um professor saiu durante a reunião para atender o celular. Alguns professores chegam atrasados para a reunião e outros pedem para a coordenadora se podem sair mais cedo. Há muitas conversas paralelas nem sempre a respeito da pauta da reunião. Um determinado professor pediu silêncio quando aumentou o barulho da conversa paralela mais de uma vez nos dois encontros acompanhados. Os mesmos professores que falaram na primeira reunião também se manifestaram na segunda.