IC 09 – Canudos: uma História de morte, na luta pela vida
CANUDOS: i
UMA HISTÓRIA DE MORTE, NA LUTA PELA VIDA¹
NOGUEIRA², Ana Paula dos Santos.
A conjuntura estrutural de uma guerra está sempre em volta de premissas e pré-julgamentos
que acabam por levar as pessoas a ter pontos de vistas diferenciados, visto que há dois
olhares: o dos vencidos e dos vencedores. Independente de estarem certos ou errados, a
Guerra de Canudos também dividiu opiniões. De um lado, estavam milhares de pessoas que
queriam a consolidação da República e, do outro, os que queriam o retorno da Monarquia,
bem como a volta da família real para o Brasil.
Os que almejavam o retorno da Monarquia viram o fortalecimento da República, visto que
fatores econômicos (surto industrial, evolução do café), políticos (abolição da escravatura,
fundação do partido republicano) e sociais (divergências entre a Igreja e o Estado, vinda de
imigrantes para o Brasil) culminaram em mudanças estruturais no sistema nacional,
principalmente nas regiões Sul e Sudeste, onde o desenvolvimento acontecia de forma
muito mais rápida.
Paralelo a esse contexto, o nordeste brasileiro passava por difíceis situações. A seca
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castigava a região, provocando a fome e a morte do rebanho bovino. Na tentativa de
amenizar o sofrimento dos sertanejos, surgem homens que ganhavam a confiança das
pessoas através de palavras de encorajamento e de fé. Um desses homens foi Antônio
Vicente de Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, que depois de andar por vários lugares,
colocando-se contra a República, o casamento civil e os impostos, sempre seguido por um
crescente número de pessoas, resolve fixar-se na antiga fazenda de Canudos, batizada por
ele de Bello Monte. Isso aconteceu no ano de 1893, quando se iniciou a experiência de vida
e de morte de muitos dos sertanejos que o seguiram. Afinal, como diz Flávio J. Simões
Costa, no seu livro Antônio Conselheiro, Louco?,
“Seu papel de místico e a
conduta
respectiva
que
manifestou,
enquadram-se,
adaptam-se ao quadro físico e
social do tempo e do lugar na
sociedade onde viveu.”
A maioria das pessoas que vivia em Canudos era escravos, índios, jagunços, pobres. Essas
pessoas viviam em comunidade, plantando e colhendo o necessário para a sobrevivência;
rezavam, ouviam atentamente as pregações de Antônio Conselheiro, o que os deixavam
cada vez mais fortes e unidos. Faziam-se sermões contra o casamento civil e o registro de
recém nascidos em cartórios. O número de seguidores do Conselheiro chegou a incrível
marca de aproximadamente 25.000 pessoas. Havia uma espécie de mistura entre a doutrina
cristã e o misticismo popular.
A partir de então, Canudos começa a ser vista como um reduto de fanáticos, de rebeldes
monarquistas e cangaceiros. A sua destruição era fundamental, para que a recém
proclamada República fosse firmada.
Bello Monte estava se tornando uma cidadela independente do restante do país. Então, o
governo baiano decide enviar tropas estaduais na tentativa de restabelecer a ordem. Mas, os
sertanejos lutaram bravamente, conseguindo afugentar o inimigo. Segundo Antônio Sola,
em seu livro Canudos: Uma utopia no sertão,
“Antônio Conselheiro sabia que
este incidente era apenas o
começo de uma série de
perseguições.
A
República
jamais toleraria a sua existência
e a daquele grupo de crentes.
Mais cedo ou mais tarde os
soldados voltariam em maior
número e não sossegariam
enquanto não o prendessem.”
O governo federal, representado pela figura de Prudente de Morais, envia quatro
expedições. A Quarta, que reuniu quase 50% do efetivo brasileiro, e municiado com
arsenais bélicos de primeira, consegue “eliminar aquele reduto de fanáticos.” O povo
brasileiro acompanha atentamente os acontecimentos da Guerra. Os militares, uma parcela
representativa do povo brasileiro (em especial a elite) e a República comemoraram. Mas,
nem todos estavam de acordo com os acontecimentos de Canudos:
• Machado de Assis se declara contrário às expedições;
• Grande parte da população se assusta com o resultado da Guerra.
Baseando-se no desfecho da Guerra de Canudos, presencia-se a satisfação dos republicanos
e o desenrolar de um novo drama: o dos sobreviventes. Meninos, meninas, mocinhas,
mulheres e velhos. Muitas crianças foram vendidas por soldados. Umas se perderam dos
pais, outras eram levadas como relíquias de Guerra. Alguns oficiais distribuíam entre si as
“jaguncinhas abandonadas”. Mulheres viajavam rumo ao desconhecido. Muitos prisioneiros
foram levados para Monte Santo, e de lá foram para Salvador, quase nus, famintos e
doentes.
No desenrolar do processo de reestruturação da vida, houve aqueles que
permaneceram na mesma situação e os que conseguiram mudar o seu jeito de viver
buscando novas possibilidades, e enfrentando diversas situações.
Aquelas pessoas que optaram em permanecer na região e continuar com o mesmo estilo de
vida que levavam em Canudos, ou simplesmente não tiveram outra opção, voltaram a
região da Guerra mais ou menos 10 anos depois do seu desfecho, e por lá se mantiveram,
sendo praticamente ignorados pelo governo até a década de 60, quando as águas do açude
Cocorobó inundou a cidade.
Outros conseguiram de certa forma mudar de vida. Em 1897,foi construída a Casa do
Caranguejo (atual Colégio Liceu Salesiano), que abrigou cinco pequenos órfãos da Guerra
de Canudos. Foram os primeiros alunos do Colégio instalado em 1900, em Salvador. Esses
órfãos estudaram gratuitamente, recebiam alimentação e transporte, cursos de alfaiataria,
sapataria, mecânica, marcenaria, serralheria, tipografia, encadernação e impressão.
Independente da forma de vida pela qual os sobreviventes optaram, o importante é a vitória
dessas pessoas. Vitória essa que está ligada a resistência a uma guerra e a esperança que
veio depois desta. A Guerra de Canudos serviu para mostrar ao país inteiro que o sertanejo
é forte, valente e enfrenta as adversidades da vida de cabeça erguida.
Além disso, Canudos também teve o mérito de revelar para o país inteiro o contexto da vida
dos sertanejos, visto que pela primeira vez na História nacional, um movimento
estruturalmente nordestino, dividiu opiniões, afligiu e abalou um recém implantado sistema
de governo. Essa revelação trouxe a tona um estilo de vida que muitos insistiam em não
enxergar, apresentando de maneira real toda dor, miséria e vontade de viver de um povo
que também possuia uma identidade nacional. Afinal, como revela Cristina Coin, no seu
livro A Guerra de Canudos, há um sertão abandonado que foi divulgado graças a força do
movimento liderado por Antonio Conselheiro:
“Talvez essa guerra tenha tido
um único mérito: trazer à tona o
universo sertanejo do Brasil,
onde milhares de homens
tentavam sobreviver a um
estado de profunda miséria e
ignorância”
Toda análise do contexto histórico desta Guerra nos leva a refletir sobre as diferentes
formas de abordagem do tema, já que é um dos mais discutidos, e desta forma ganha espaço
numa literatura crítica e seletiva que vai introduzir diversas visões
A princípio, a leitura básica de Canudos era o livro Os Sertões de Euclides da Cunha, que
traz informações raras e que vão para além da Guerra, visto que trata, por exemplo, da
questão da identidade nacional, por meio da tentativa de definição do sertanejo. Mas desde
que José Calasans, considerado o mais importante conhecedor da história de Canudos,
colheu novas documentações, vários historiadores tiveram acesso a uma nova forma de
análise: a oral. Durante o tempo que esteve vivo e dedicando-se ao estudo de Canudos, ele
foi o grande elo de ligação entre os pesquisadores, os sobreviventes e descendentes da
batalha. Costumava afirmar que a partir dos anos 50 surgiu um Canudos “não euclidiano”
com base nos testemunhos dos sobreviventes e na revisão dos documentos sobre a época.
Walnice Galvão, também conhecedora da história de Canudos, revela que o fato de Os
Sertões ser um livro antes de histórico, literário, ajudou a segurar a memória de Canudos.
Trazendo elementos contrastantes e ao mesmo tempo voltado as interpretações de Euclides
da Cunha, aparece Rui Facó, com Cangaceiros e Fanáticos. Influenciado pelo materialismo
histórico, ele faz análises estatísticas sobre os diversos acontecimentos no Nordeste do final
do século XIX, entre eles o cangaço e o messianismo, além de relatar as mudanças no
campo religioso.
Mesmo com diversos autores trazendo à tona o universo canudense, os registros de sua
memória e de Antônio Conselheiro é muito escasso, visto que existem poucos materiais à
respeito das pessoas que viviam lá, dos seus gestos e costumes. Por isso o valor dos
depoimentos dos sobreviventes, e das diversas obras literárias que vem surgindo ao longo
do tempo.
1-Projeto de pesquisa para a monografia conclusiva do curso.
2-Estudante do 5° semestre do curso de graduação
em
História.
e-mail:
[email protected]
Bibliografia
COIN, Cristina. História em aberto: A Guerra de Canudos. 2 ed. Scipione 1994.
COSTA, Flávio José Simões. Antônio Conselheiro, Louco?. Ilhéus: Editus. 1998.
CUNHA, Euclides da. Os sertões. São Paulo: três. 1973.
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos – Gêneses e Lutas. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. 1964, 232 p.
GALVÃO, Walnice Nogueira. Euclides da Cunha: Organização da coletânea, 1806 –
1909. São Paulo: Ática. 1984.
GUERRA, Sérgio. Universos em confronto: Canudos X Bello Monte. Salvador: UNEB.
2000.
MONIZ, Edmundo. Canudos – A Guerra Social. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
1978. 282 p.
SILVA, José Calasans Brandão da. Cartografia de Canudos. Salvador. Secretaria da
Cultura e Turismo, Conselho Estadual de Cultura, EBGA. 1997. 147 p.
SOLA, José Antonio. Canudos, uma utopia no sertão. São Paulo: Contexto . 1989.
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